OS VERBOS BOTAR E COLOCAR NO FALAR CULTO DE …sociodialeto.com.br/edicoes/21/18112015102622.pdf ·...

16
Web-Revista SOCIODIALETO www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos NUPESDD-UEMS Mestrado em Letras UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 Volume 6 Número 16 Julho 2015 282 OS VERBOS BOTAR E COLOCAR NO FALAR CULTO DE FORTALEZA: UMA FOTOGRAFIA SOCIOLINGUÍSTICA Débora Lopes do Carmo (UECE) 1 [email protected] Aluiza Alves de Araújo (UECE) 2 [email protected] RESUMO: Sob a perspectiva variacionista, este estudo aborda a variação no uso dos verbos colocar e botar no sentido de pôr, partindo de dados do corpus Português Oral Culto de Fortaleza - PORCUFORT. O propósito desta investigação é analisar os condicionamentos linguísticos e extralinguísticos que interferem na realização do verbo botar. Para tanto, selecionamos uma amostra constituída por 35 informantes, sendo que o perfil de cada um apresenta as seguintes características: são indivíduos nascidos em Fortaleza; os pais são cearenses, sendo que a maioria nasceu nesta capital; residem em Fortaleza; os que viajaram, realizaram apenas viagens de curta duração; apresentam formação superior completa; são homens e mulheres; encontram-se em uma das três faixas etárias: de 22 a 35 anos, de 36 a 50 anos e a partir de 50 anos de idade. Foram controlados os seguintes fatores: gênero do falante, tipo de registro, papel do falante, sentido do verbo, indeterminação do sujeito do verbo, locução verbal, tipo de sequência e tempo verbal. A análise estatística feita pelo GoldVarb X mostrou que apenas três variáveis foram consideradas relevantes para o uso do verbo botar: tempo verbal, sentido do verbo e gênero do falante, nesta ordem de importância. PALAVRAS-CHAVE: Verbos colocar e botar; Sociolinguística Variacionista; Falar de Fortaleza. RÉSUMÉ: Dans la perspective de variationniste, cette étude porte sur la variation de l'emploi de verbes mis et vous mettre en ordre à partir des données du corpus portugais oral culte Fortaleza - PORCUFORT. Le but de cette recherche est d'analyser les contraintes linguistiques et extra-linguistiques qui interfèrent avec la réalisation de la vente de verbe. À cette fin, nous avons sélectionné un échantillon de 35 informateurs, et le profil de chacune des caractéristiques suivantes: ils sont les individus nés à Fortaleza; les parents sont Ceará, avec la majorité né dans la capitale; vivant à Fortaleza; ceux qui ont voyagé, fait uniquement de courts trajets; Ils ont terminé l'enseignement supérieur; sont des hommes et des femmes; se situant dans l'un des trois groupes de 22 à 35 d'âge, 36 à 50 et de 50 ans. Les facteurs suivants ont été contrôlés: le sexe de l'orateur, type d'enregistrement, le rôle de haut-parleur, le sens du verbe, le sujet du verbe de l'indétermination, l'expression verbale, séquence de type et tendue. L'analyse statistique par X GoldVarb a montré que seulement trois variables ont été considérées comme pertinentes pour l'utilisation du verbe mis: tendu, le sens du verbe et le sexe de haut-parleur, dans cet ordre d'importance. MOST-CLÉS: Verbes mettre et bouter; Variationniste sociolinguistique; Parlant de Fortaleza. 1 Especialista pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e Professora do Estado do Ceará em Língua Portuguesa. 2 Doutora em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e Professora Adjunto do Curso de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PosLA) da Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Transcript of OS VERBOS BOTAR E COLOCAR NO FALAR CULTO DE …sociodialeto.com.br/edicoes/21/18112015102622.pdf ·...

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

282

OS VERBOS BOTAR E COLOCAR NO FALAR CULTO DE

FORTALEZA: UMA FOTOGRAFIA SOCIOLINGUÍSTICA

Débora Lopes do Carmo (UECE)1

[email protected]

Aluiza Alves de Araújo (UECE)2

[email protected]

RESUMO: Sob a perspectiva variacionista, este estudo aborda a variação no uso dos verbos colocar e

botar no sentido de pôr, partindo de dados do corpus Português Oral Culto de Fortaleza - PORCUFORT.

O propósito desta investigação é analisar os condicionamentos linguísticos e extralinguísticos que

interferem na realização do verbo botar. Para tanto, selecionamos uma amostra constituída por 35

informantes, sendo que o perfil de cada um apresenta as seguintes características: são indivíduos nascidos

em Fortaleza; os pais são cearenses, sendo que a maioria nasceu nesta capital; residem em Fortaleza; os

que viajaram, realizaram apenas viagens de curta duração; apresentam formação superior completa; são

homens e mulheres; encontram-se em uma das três faixas etárias: de 22 a 35 anos, de 36 a 50 anos e a

partir de 50 anos de idade. Foram controlados os seguintes fatores: gênero do falante, tipo de registro,

papel do falante, sentido do verbo, indeterminação do sujeito do verbo, locução verbal, tipo de sequência

e tempo verbal. A análise estatística feita pelo GoldVarb X mostrou que apenas três variáveis foram

consideradas relevantes para o uso do verbo botar: tempo verbal, sentido do verbo e gênero do falante,

nesta ordem de importância.

PALAVRAS-CHAVE: Verbos colocar e botar; Sociolinguística Variacionista; Falar de Fortaleza.

RÉSUMÉ: Dans la perspective de variationniste, cette étude porte sur la variation de l'emploi de verbes

mis et vous mettre en ordre à partir des données du corpus portugais oral culte Fortaleza - PORCUFORT.

Le but de cette recherche est d'analyser les contraintes linguistiques et extra-linguistiques qui interfèrent

avec la réalisation de la vente de verbe. À cette fin, nous avons sélectionné un échantillon de 35

informateurs, et le profil de chacune des caractéristiques suivantes: ils sont les individus nés à Fortaleza;

les parents sont Ceará, avec la majorité né dans la capitale; vivant à Fortaleza; ceux qui ont voyagé, fait

uniquement de courts trajets; Ils ont terminé l'enseignement supérieur; sont des hommes et des femmes;

se situant dans l'un des trois groupes de 22 à 35 d'âge, 36 à 50 et de 50 ans. Les facteurs suivants ont été

contrôlés: le sexe de l'orateur, type d'enregistrement, le rôle de haut-parleur, le sens du verbe, le sujet du

verbe de l'indétermination, l'expression verbale, séquence de type et tendue. L'analyse statistique par X

GoldVarb a montré que seulement trois variables ont été considérées comme pertinentes pour l'utilisation

du verbe mis: tendu, le sens du verbe et le sexe de haut-parleur, dans cet ordre d'importance.

MOST-CLÉS: Verbes mettre et bouter; Variationniste sociolinguistique; Parlant de Fortaleza.

1 Especialista pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e Professora do Estado do Ceará em Língua

Portuguesa. 2 Doutora em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e Professora Adjunto do Curso de

Letras e do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PosLA) da Universidade Estadual do

Ceará (UECE).

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

283

1 Introdução

O presente trabalho aborda, sob o prisma da Sociolinguística Variacionista

(LABOV, 2008[1972]), a realização variável dos verbos colocar e botar no sentido de

pôr na norma culta de Fortaleza – CE, partindo de uma amostra constituída por 35

informantes do corpus do Projeto Português Oral Culto de Fortaleza (doravante,

PORCUFORT), que foram entrevistados no período de 1993 a 1995.

O propósito desta investigação é analisar o efeito de variáveis linguísticas (papel

do falante, sentido do verbo, indeterminação do sujeito do verbo, locução verbal, tipo de

sequencia e tempo verbal) e extralinguísticas (sexo/gênero, idade, e grau de

escolaridade e tipo de registro) sobre o comportamento do verbo botar.

A revisão da literatura acerca da variação entre botar e colocar revelou que há

poucos estudos sobre o tema, pois só encontramos quatro trabalhos: o de Aguilera e

Yida (2008), o de Barreto, Oliveira e Lacerda (2012), o de Araújo (2010) e o de Batoréo

e Casadinho (2009). O primeiro se propõe a analisar e descrever as respostas (dadas e

não dadas) dos informantes ao questionário Fonético-Fonológico do Projeto Atlas

Linguístico do Brasil – ALiB, tendo como objetivo observar a presença e,

sobretudo, a ausência de certos itens, como o verbo botar. O segundo se destaca por

tratar das variantes botar e colocar sob o viés variacionista e o terceiro aborda apenas o

verbo botar, guiando-se pela perspectiva funcionalista. Por fim, o quarto analisa,

lexicalmente, o verbo botar, traçando um paralelo entre o corpus do português

brasileiro (PB) e o do português europeu (PE), sob o prisma da linguística cognitiva.

Segundo o Manual do Avaliador do Enem (ENEM, 2013), um dos problemas

mais recorrentes nas redações dos candidatos é o emprego de termos próprios da

modalidade oral, que permeiam a modalidade da escrita formal. Quando, por exemplo, o

candidato deseja imprimir um tom coloquial e informal ao texto, acaba lhe conferindo

um tom mais íntimo, próprio da oralidade ou do diálogo, terminando por utilizar

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

284

expressões de seu meio social ou termos próprios de sua região, como, por exemplo,

botar boneco3, expressão tipicamente cearense.

Em Fortaleza, observando brevemente qualquer redação de nossos alunos,

notamos a presença do verbo botar, o que traz certa dificuldade aos professores no

momento da correção do texto, já que esse verbo é considerado inadequado, quando se

analisa a competência linguística dos alunos na dimensão textual, onde quase sempre é

exigido o uso do verbo colocar.

Segundo Bortoni-Ricardo (2005), no Brasil, o ensino voltado para a norma culta

da língua tem pelo menos duas consequências desastrosas para a grande parte da

população, usuária das variedades populares da língua: a primeira é o desrespeito aos

antecedentes culturais e linguísticos do educando, gerando bastante insegurança no

aluno; a segunda é o ensino pouco eficiente da língua padrão.

Conforme Tarallo (1997), a escola não pode ignorar as diferenças

sociolinguísticas. Os professores e também os alunos têm de estar bem conscientes de

que existem duas ou mais maneiras diferentes de dizer a mesma coisa, deixando claro,

no entanto que, dentre essas formas, há aquela considerada a variante de prestígio e

outra denominada variante popular, sendo que ambas são avaliadas de maneiras

diferentes pela sociedade. A escola tem o dever de respeitar e valorizar as variedades

linguísticas e culturais de cada aluno, mas sem lhes negar o direito de aprender as

variantes de prestígio. É necessário, portanto, que a escola compreenda as diferenças

sociolinguísticas. Logo, ampliar o repertório linguístico do aluno é uma

responsabilidade da qual a escola não deve se furtar.

No início desta pesquisa, levantamos algumas questões sobre a realização do

fenômeno em estudo, a saber:

- Qual sexo/gênero favorece o uso do verbo botar?

- Qual tipo de registro privilegia o emprego do verbo botar?

- Qual faixa etária contribui com o uso do verbo botar?

3 O significado desta expressão é dificultar a realização de alguma coisa.

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

285

- Qual papel do falante privilegia a ocorrência do verbo botar?

- Qual sentido do verbo favorece o uso do verbo botar?

- Qual tipo de sujeito (específico ou genérico) favorece o verbo botar?

- A presença de locuções verbais beneficia a aplicação do verbo botar?

- Quais tempos verbais favorecem o emprego do verbo botar?

- Qual tipo de sequência textual contribui com o uso do verbo botar?

As hipóteses abaixo foram elaboradas no sentido de responder às questões

levantadas acima:

- Os homens contribuem com a aplicação do verbo botar, ao contrário das

mulheres;

- O Diálogo entre Dois Informantes (D2) favorece mais o emprego do verbo

botar do que o Diálogo entre Informante e Documentador (DID);

- Diferentemente dos mais velhos, os jovens privilegiam o uso do verbo botar;

- Quando o falante exerce o papel de beneficiário/experimentador, a realização

do verbo botar é favorecida;

- O uso do verbo botar é privilegiado se o sentido desse verbo apresentar o traço

+ concreto.

- Se o tipo de sujeito for o genérico, o emprego do verbo botar é favorecido;

- A aplicação do verbo botar é beneficiada pela presença das locuções verbais;

- Quando o tempo verbal é o presente do indicativo, ocorre o favorecimento do

emprego do verbo botar;

- O verbo botar é beneficiado quando a sequência textual é do tipo descritiva;

Com a realização deste estudo, temos o intuito de contribuir com a descrição

linguística do português falado em Fortaleza e, em consequência, também com a

variedade oral do português brasileiro, já que a nossa proposta é a de revelar uma

fotografia sociolinguística do falar fortalezense culto sobre o fenômeno em pauta.

Este trabalho está dividido em cinco outras partes, além desta introdução, a

primeira trata dos estudos sobre os verbos botar e colocar; a segunda apresenta os

passos metodológicos adotados na pesquisa; a terceira traz a análise de dados; a quanta

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

286

mostra as conclusões do estudo e a quinta e última parte elenca as referências utilizadas

na investigação.

2 Estudos sobre o uso dos verbos botar e colocar no português brasileiro

Após uma exaustiva busca por pesquisas que abordassem os verbos botar e

colocar, foram encontrados apenas quatro estudos: o de Aguilera e Yida (2008), o de

Barreto, Oliveira e Lacerda (2012), o de Araújo (2010) e o de Batoréo e Casadinho

(2009). Como podemos notar, são estudos recentes e de natureza diversa. Também

observamos que só o segundo se utiliza dos pressupostos téorico-metodológicos da

Sociolinguística Variacionista. A seguir, apresentaremos, brevemente, cada um destes

trabalhos.

O estudo de Aguilera e Yida (2008) foi realizado com base nos dados do projeto

ALiB e analisa o tipo de respostas dada ao Questionário Fonético-Fonológico (QFF) do

Atlas Linguístico do Brasil - ALiB, o que poderia acarretar danos no momento de

cartografar os dados. A ausência de respostas válidas levou o grupo de pesquisadores do

ALiB - que faz parte da Regional Paraná e coordena os trabalhos nos Estados do

Paraná, São Paulo e Amapá - a se questionar sobre as possíveis causas disso nas

entrevistas realizadas junto aos oito informantes de cada uma das 25 capitais: Macapá,

Boa Vista, Manaus, Rio Branco, Porto Velho, Belém, São Luís, Teresina, Fortaleza,

Natal, João Pessoa, Recife, Maceió, Aracaju, Salvador, Cuiabá, Campo Grande,

Goiânia, São Paulo, Belo Horizonte, Vitória, Rio de Janeiro, Curitiba, Florianópolis e

Porto Alegre, totalizando 200 informantes.

Foram analisados dois blocos de perguntas do QFF: o primeiro, o de não

respostas, com 100 informantes de nível fundamental; e o segundo, também com o de

não respostas, mas, dessa vez, com 100 informantes de nível superior. Dentre as

respostas desejadas pelas pesquisadoras, estava somente a variante botar. Esse estudo

não tem como objetivo fazer uma análise quantitativa do uso dos verbos colocar e

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

287

botar, mas sim observar a frequência e a ausência desta última variante na fala dos

entrevistados. Os resultados deste trabalho revelaram que botar é mais frequente na fala

daqueles que possuem nível fundamental do que na fala dos que apresentam nível

superior, pois estes tendem a substituir a variante botar por outras variantes de mesmo

valor, como colocar e pôr.

A pesquisa de Barreto, Oliveira e Lacerda (2012) analisa sob o ponto de vista

quantitativo e qualitativo a variação dos verbos colocar e botar, no sentido de pôr,

sincronicamente, em uma amostra constituída por inquéritos extraídos de dois corpora:

o do Projeto Mineirês e o do Projeto NURC/RJ (Projeto de Norma Urbana Oral Culta

do Rio de Janeiro). Os informantes pertencem ao sexo masculino e feminino, além de se

diferenciarem pela localidade. Adotou-se, como critério básico para composição da

amostra, o mesmo número de palavras para cada corpus. Foram encontradas 111

ocorrências para o verbo botar e 114 para colocar, o que mostra que ambas as variantes

são usadas com frequência. A análise quantitativa, feita com o auxílio do programa

computacional VARBRUL, selecionou, como os mais relevantes na realização do verbo

botar, os seguintes fatores: a posição inicial ocupada pelo verbo na sentença (0,943); a

localização do falante (Rio de Janeiro, 0,819); a determinação do sujeito do verbo

(0,620) e o gênero feminino (0,584). Na análise qualitativa, os autores observam a

necessidade de considerar os contextos discursivos, a posição e o envolvimento do

falante e a intenção comunicativa desse falante na escolha de uma ou outra variante.

A investigação de Araújo (2010) descreve o comportamento linguístico do verbo

botar, com respeito a sua gramaticalização, quanto a ser um verbo predicador pleno4,

bem como o de ser verbo-suporte5. Utilizando-se dados escritos e orais do português

4 Nessa categoria, enquadra-se o uso primário do verbo botar, ou seja, aquele que tem como significado

básico “deslocar/conduzir algo ou alguém para um determinado lugar”, “pôr/colocar”, denotando valor de

movimento de um objeto no espaço geográfico. (ARAÚJO, 2010, p. 48) 5são verbos vazios de significação léxica que compõem sintagmas verbais complexos introduzindo

predicados nominais cujo núcleo é um nome/adjetivo. Chamam-se verbalizadores por apontarem para a

“função verbal (= predicativa) do nome/adjetivo que introduzem e verbo-suporte por suportarem ou

expressarem categorias verbais como tempo, modo, número e pessoa. Ex.: ter medo (=temer); abrir

falência (=falir); ficar triste (entristecer-se); ser alegre, parecer feliz, etc.” (ARAÚJO, 2010, p. 48, grifo

nosso)

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

288

brasileiro, a investigação estuda o uso das construções botar + SN/SP em português,

assim como analisa as propriedades morfossintáticas e semânticas que botar assume

como verbo-suporte.

Em sua análise, Araújo (2010) compara a ocorrência do verbo botar no Rio de

Janeiro e no Ceará e observa que, no português oral culto de Fortaleza, há uma

ocorrência menor desse verbo em relação ao corpus do Rio de Janeiro, confirmando a

hipótese de que o processo de gramaticalização é mais lento na modalidade culta,

embora, mesmo em menor quantidade, já haja indícios de gramaticalização.

A autora assinala que há um aumento da ocorrência do verbo botar ao longo dos

séculos XIX e XX, o que confirma uma possível gramaticalização do verbo, à medida

que ele passa a agregar outros tipos de estruturas mais complexas, cujos componentes

apresentam seis níveis de interação. Cada um desses níveis mostrou que o verbo botar,

na categoria de verbo-suporte, pode se unir tanto a estruturas mais integradas quanto a

estruturas menos integradas, de acordo com o que essas construções se aproximam ou

se distanciam da formação de um verbo-suporte. Para Araújo (2010) essas estruturas são

classificadas em mais e menos integradas a partir de seis parâmetros: a) mobilidade do

elemento não-verbal b) posposto ao verbo-suporte e sem possibilidade de anteposição c)

Configuração sintática do elemento não-verbal: nome modificado ou com possibilidade

de inserção de elementos mais determinados; d) Possibilidade de substituição do verbo;

e) Possibilidade de substituição do elemento não-verbal por outro semelhante; f)

Possibilidade de substituição da construção por uma forma simples cognata.

Batoréo e Casadinho (2009) buscam em alguns dicionários a lexicografia do

termo botar, verbo de origem germânica, que foi integrado ao português por influência

do francês, ainda na época medieval, no sentido de golpear, empurrar. Isso pode ser

visto em textos de Gil Vicente, no Auto da Barca do Purgatório, de 1518, quando há

menção a empurrar a embarcação ao mar – diz-se ‘botar o navio ao mar’ (BATÓREO;

CASADINHO, 2009, p. 41). Nos séculos seguintes, esse verbo passa a ganhar novos

sentidos, como o de pôr, colocar, como em “uns tratam em botar os ovos de choco e

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

289

criarem pintinhos para venderem” (PINTO, 1614, p. 245 apud BATÓREO;

CASADINHO, 2009, p.42).

Os autores ressaltam o fato de esse verbo estar intimamente presente em relatos

antigos com a finalidade de descrever hábitos locais, mas atualmente tem caído em

desuso no português padrão. Em contrapartida, está presente em dialetos setentrionais,

como em Covilhã, Beira Interior e Trás-os-Montes e em alguns dialetos das ilhas de

Madeira e Malaca.

Os estudiosos traçam, ainda, um breve perfil da utilização do verbo botar,

destacando que, embora esse verbo seja usado em ambos os lugares com o sentido de

pôr e colocar, ele é amplamente substituído pelo verbo deitar no português europeu,

como na frase “deite um pouco de alho na frigideira” (BATÓREO; CASADINHO,

2009, p. 39), sendo, portanto, pouco utilizado. No Brasil, ao contrário, o verbo é

bastante presente no discurso oral, fazendo parte de diversas expressões locais, como

botar boneco e botar banca dentre outras. Por outro lado, os autores fazem uma ressalva

quanto à utilização desse verbo, destacando que o seu emprego é visto, por vezes, com

maus olhos, por ser considerado um traço popular, fazendo com que falantes o

substituam pelo verbo colocar, por julgarem ser essa variante mais prestigiada que a

outra.

3 Metodologia

3.1 O corpus, a amostra e os informantes

Neste estudo, a amostra foi extraída do banco de dados do Projeto

PORCUFORT que, seguindo as mesmas orientações do Projeto Norma Urbana Culta do

Brasil – NURC, foi constituído com o apoio da Universidade Estadual do Ceará, no

período de agosto de 1993 a setembro de 1995, e coordenado pelo Prof. Dr. José Lemos

Monteiro (ARAÚJO, 2000).

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

290

Quadro 1: Distribuição dos nossos informantes por sexo, faixa etária e tipo de registro

Sexo/Gênero

Masculino Feminino

Registro

Faixa etária

Diálogo entre

Informante e

Documentador

Diálogo entre

Dois

Informantes

Diálogo entre

Informante e

Documentador

Diálogo entre

Dois

Informantes

22 a 35 anos 3 3 3 3

36 a 50 anos 3 3 2 3

+ de 50 3 3 3 3

Dos 67 informantes que constituem o corpus PORCUFORT, 35 fazem parte da

amostra examinada. O quadro 1 mostra a estratificação dos nossos informantes, segundo

as variáveis sexo/gênero, faixa etária e tipo de registro. Neste quadro, observa-se que os

informantes estão distribuídos de forma bastante equilibrada em cada célula, pois, em

cada uma, há três indivíduos, excetuando-se apenas a célula que pertence ao gênero

feminino, da faixa etária de 36 a 50 anos e do tipo de registro Diálogo entre Informante

e Documentador, em que há apenas dois informantes. Isso ocorre porque o banco de

dados não tem um terceiro informante nesta célula, apesar das muitas buscas realizadas

pelos documentadores na época das gravações.

Todos os informantes do PORCUFORT apresentam, segundo Araújo (2000, p.

44), o seguinte perfil: são nascidos em Fortaleza; os pais são cearenses, sendo que a

maioria nasceu em Fortaleza; residem em Fortaleza; os que viajaram, realizaram apenas

viagens de curta duração; apresentam formação superior completa; são homens e

mulheres; encontram-se em uma das três faixas etárias: de 22 a 35 anos, de 36 a 50 anos

e a partir de 50 anos de idade. Adotaram-se, neste trabalho, as mesmas faixas etárias

estabelecidas no Projeto PORCUFORT.

Ainda de acordo com Araújo (2000), o PORCUFORT apresenta três tipos de

gravações, que são: os Diálogos entre Informante e Documentador (DID), os Diálogos

entre Dois Informantes (D2) e as Elocuções Formais (EF). Numa escala de formalidade,

o D2 seria o contexto de fala mais próximo de uma conversa espontânea, porque os seus

interlocutores são necessariamente familiares ou amigos, já o EF, que incluía as

gravações de aulas ou palestras, seria o registro mais formal. O DID, por ser uma

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

291

entrevista, apresenta um grau de formalidade intermediário entre o D2 e o EF.

Decidimos trabalhar apenas com as transcrições dos inquéritos menos formais, o DID e

o D2, pois nosso intento era o de analisar a regra em estudo no falar mais natural dos

informantes.

3.2 Variáveis controladas

Foram controladas dez variáveis, sendo que três são de natureza extralinguística

(sexo, faixa etária e tipo de registro) e seis são de natureza linguística (papel do falante,

sentido do verbo, indeterminação do sujeito do verbo, locução verbal, tipo de sequência

e tempo verbal).

Após a leitura do artigo de Barreto, Oliveira e Lacerda (2012), decidiu-se

averiguar se algumas das variáveis utilizadas neste estudo, como gênero do falante,

papel do falante, sentido do verbo, indeterminação do sujeito do verbo e locução verbal,

atuariam da mesma forma na nossa amostra. Também testamos outras variáveis (tipo de

registro, tipo de sequência textual e tempo verbal) não controladas por estes

pesquisadores, por acreditarmos que elas também interfeririam nos resultados.

3.3 Coleta de dados, codificação e análise estatística

Primeiramente, fez-se a leitura dos inquéritos com o objetivo de encontrar as

variantes botar e colocar, tendo o cuidado de já destacá-las, à medida que se lia o texto.

Identificada cada ocorrência, realizou-se a codificação dos dados.

Para codificar cada ocorrência, elaborou-se uma chave de codificação, que tinha

a função atribuir um código a cada fator. Após a codificação, todos os dados foram

digitados, gerando o arquivo de dados que, em seguida, foi submetido à análise

estatística do programa Varbrul na sua versão mais atual, que é o Goldvarb X. Guy e

Zilles (2007, p. 105) definem esse pacote de programas como sendo “um conjunto de

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

292

programas computacionais de análise multivariada, especificamente estruturado para

acomodar dados de variação sociolinguística”.

4 Análise dos dados

Na primeira rodada, de um total de 302 ocorrências, obtivemos 172 ocorrências

para o verbo botar e 130 para o verbo colocar, o que corresponde a 57% e 43%,

respectivamente. Ainda nessa mesma rodada, vimos a ocorrência de três nocautes no

grupo de fatores tempo verbal. Dois desses aconteceram, porque, no futuro do presente

do subjuntivo (com 01 dado), só foi registrada realização para o verbo botar, o que

também aconteceu com o imperativo afirmativo (com 04 ocorrências). O terceiro

nocaute surgiu, porque, no futuro do pretérito do indicativo (com uma ocorrência), só

foi encontrada realização para o verbo colocar.

Como não se perderiam muitos dados, decidimos retirar os nocautes na segunda

rodada. Feito isso, obtivemos, das 296 ocorrências, 167 (56,4%) para o verbo botar e

129 (43,6%) para colocar.

De acordo com o GoldVarb X, o melhor step up foi o 19 (Input 0,597 e

Significance = 0,048). O valor do input revela que, na amostra analisada, a possibilidade

de realização do verbo botar é superior a do verbo colocar. Viu-se que, dos nove fatores

controlados neste estudo, foram selecionados, como favorecedores do verbo botar,

apenas três. Foram eles, por ordem decrescente de relevância: tempo verbal, sentido do

verbo e sexo/gênero. Logo, os grupos considerados irrelevantes pelo programa foram os

seguintes: faixa etária, tipo de registro, papel do falante, indeterminação do sujeito do

verbo, locução verbal e tipo de sequência textual.

A seguir, analisaremos os resultados obtidos para cada uma das variáveis

selecionadas.

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

293

a) O tempo verbal

A variável que mais favorece a ocorrência do verbo botar é o tempo verbal,

cujos resultados, expostos na tabela 1, revelam que o presente do subjuntivo (0,706) é o

tempo verbal que mais favorece o seu emprego. O pretérito imperfeito do indicativo

(0,644), o pretérito perfeito do indicativo (0,592) e o presente do indicativo (0,549)

também são aliados da regra, embora este último atue de forma bastante discreta. O

gerúndio (0,512) age de forma praticamente neutra, já que o seu peso relativo aproxima-

se muito do ponto neutro (0,500). O particípio (0,071) e o infinitivo (0,489)

desfavorecem o emprego da variante analisada.

Tabela 1: Efeito da variável tempo verbal sobre o uso do verbo botar

FATORES APLICA/TOTAL % P.R.

Presente do subjuntivo 2/3 66,7 0,706

Pretérito imperfeito do

indicativo 15/28 53,6 0,644

Pretérito Perfeito do

indicativo 2/22 9,1 0,592

Presente do indicativo 53/87 60,9 0,549

Gerúndio 37/70 52,9 0,512

Infinitivo 20/28 71,4 0,489

Particípio 38/58 65,5 0,071

Verificamos que o modo indicativo é mais atuante em nossos dados que outros

modos verbais, possivelmente por ele estar relacionado ao grau de certeza do discurso

do falante. Dentre os tempos verbais do modo indicativo, o presente foi o que mais se

destacou, seguido pelo pretérito imperfeito. Ambos foram utilizados para falar de um

hábito ou de fatos recorrentes, bem como descrever uma ação que está ou estava

ocorrendo no momento em que se falava, para fazer afirmações consideradas

incontestáveis ou que não dependem de um tempo específico e para falar do futuro. Isto

é comprovado pelo trecho abaixo, transcrito de um dos nossos inquéritos:

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

294

(1) a gente bota... num tem nenhum problema (PORCUFORT – inquérito 8);

(2) homem dedicado que trabalhava... que botava tudo dentro de casa (PORCUFORT – inquérito 8)

b) Sentido do verbo

A variável que aponta o sentido do verbo foi a segunda maior aliada da

aplicação do verbo botar. Os resultados obtidos para esta variável, conforme mostra a

tabela 2, apontam para o fato de que o traço + concreto (0,567) é o único que beneficia

o verbo botar, enquanto o traço + abstrato (0,425) desfavorece o seu emprego.

Notamos que, quando este se relaciona à descrição, procedimentos e à instrução

de algo, como explicar passo a passo uma receita culinária, o verbo botar é mais

recorrente que colocar, assim como quando o sentido do verbo se relaciona a elementos

concretos.

Tabela 2: Efeito da variável sentido do verbo sobre o uso do verbo botar

Fatores Aplica/Total % P. R.

Concreto 100/157 63,7 0,567

Abstrato 67/139 48,2 0,425

Para ficar claro o que se chama de sentido do verbo, a título de ilustração, tem-

se, nas transcrições a seguir, o sentido concreto (1) e o sentido abstrato (2):

(1) exato, bota um quadradinho daquele de knorr (PORCUFORT – inquérito 9)

(2) eu só coloco o suficiente... MESMO (PORCUFORT – inquérito 9)

Ao contrário do que se comprovou neste estudo, o trabalho de Barreto, Oliveira

e Lacerda (2012) não considerou esta variável relevante para o emprego do verbo botar,

pois verificaram que esse fator se aproximou do ponto neutro.

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

295

c) Sexo

A análise apontou a variável sexo como o último fator que mais favorece a

ocorrência do verbo botar. Com base na tabela 3, nota-se que os homens (0,558),

embora de forma pouco expressiva, privilegiam o uso desse verbo, diferentemente do

que acontece com as mulheres (0,435). Assim, os homens usam mais a variante não

padrão, enquanto as mulheres privilegiam a forma padrão. Esse fato deve-se,

possivelmente, ao papel que a mulher desempenha na sociedade, o de guardiã das

formas linguísticas de prestígio, sendo os homens mais propensos à utilização de formas

desprestigiadas.

Tabela 3: Efeito da variável sexo/gênero sobre o uso do verbo botar

Fatores Aplica/Total % P.R.

Masculino 95/156 60,9 0,558

Feminino 72/140 51,4 0,435

Segundo o trabalho de Barreto, Oliveira e Lacerda (2012, p.5), as mulheres

tendem a utilizar mais o verbo colocar (54,68%) do que os homens (45,36%). Em

contrapartida, os homens fazem mais uso do verbo botar (54,63%) do que as mulheres

(45,31%). As autoras apontaram que isso se deve, em suma, ao fato de, em

determinados contextos, os homens tenderem a agir de maneira mais informal, enquanto

que, da mulher, por questões históricas e sociais, é requerida uma postura mais

conservadora. Daí os usos mais informais de botar e levemente menos informais de

colocar. Porém, tal tendência, ainda que possa permanecer uma herança histórica e

social, não se encontra mais tão presente nos dias atuais, principalmente em grandes

cidades como o Rio de Janeiro e Belo Horizonte (locais onde foram realizadas suas

entrevistas).

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

296

Para Wolfram e Fasold (1974, p. 72), “as mulheres, mais do que os homens,

demonstram uma sensibilidade maior a traços linguísticos socialmente avaliados.”

Segundo o autor, as mulheres demonstram mais consciência das normas de prestígio

tanto em suas falas quanto em suas atitudes com relação à fala, pois são mais

preocupadas com a pressão exercida por normas locais e mais preocupadas em

assegurarem seu status.

Conforme Labov (2008), o conservadorismo é inerente às mulheres, sendo

consideradas menos inovadoras que os homens. Sobre o aspecto status, segundo o autor,

as mulheres tendem a empregar formas de prestígio, bem como, enxergam a língua

como instrumento de ascensão social.

Conclusões

Os resultados indicaram que três variáveis foram consideradas estatisticamente

significativas para a ocorrência do verbo botar. São elas: tempo verbal, sentido do verbo

e sexo, nesta ordem.

O tempo verbal que mais favorece o verbo botar é o presente do subjuntivo,

quando se relaciona à descrição, procedimentos e à instrução de algo. A variante botar

também é favorecida pelo traço + concreto, assim como é beneficiada pelos homens.

Ainda há muito que pesquisar sobre a variação dos verbos botar e colocar e

reconhecemos que se poderia ter ampliado os limites desta pesquisa, estabelecendo

comparações com outros corpora, como o NORPOFOR- Norma do Português Oral

Popular de Fortaleza, acrescentando mais grupos de fatores. No entanto, acredita-se que

a fotografia aqui apresentada já é uma contribuição para o melhor conhecimento do

falar fortalezense.

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos

• NUPESDD-UEMS

M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 6 • N ú m e r o 1 6 • J u l h o 2 0 1 5

297

Referências

AGUILERA, V. de A.; YIDA, V. Projeto ALiB: uma análise das respostas e das não

respostas de informantes das capitais. In: Signum: estudos linguísticos. Londrina: UEL,

n. 11/2 dez. 2008.

ARAÚJO, A. A de. A monotongação na norma culta de Fortaleza. Fortaleza, 2000.

Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2000.

ARAÚJO, J. G. G. de. As construções com o verbo botar: aspectos relativos à

gramatização. 2010. 115f. – Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Ceará,

Departamento de Letras Vernáculas, Programa de Pós-graduação em Linguística,

Fortaleza (CE), 2010. Disponível em:

<http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/8850/1/2010_dis_jggaraujo.pdf>. Acesso

em: 25 mai. 2015.

BARRETO K.; OLIVEIRA N.; LACERDA P.. A variação dos verbos colocar e botar

na modalidade oral. Via Litterae. Anápolis, 2012. Disponível em:

<www.unucseh.ueg.br/vialitterae>. Acesso em: 1 dez. 2013.

BATORÉO, H. J.; CASADINHO M.. Botar as mãos na massa? Estudo Cognitivo da

produtividade lexical do verbo ‘botar’ no PE e PB”. Rio de Janeiro: Edições Publit,

2009. Disponível em : <www.simelp2009.uevora.pt>. Acesso em: 1 dez. 2013.

FRANÇA, K. C. F. Português falado e escrito:o Enem em questão.Fortaleza:Edições

UFC,2011

GUY, G.; ZILLES, A. Sociolinguística quantitativa: instrumental de análise. São

Paulo: Parábola, 2007.

TARALLO, F. A pesquisa sociolinguística. 2. ed. São Paulo: Ática, 1997.

VIEIRA, M. S.. O gênero e os fenômenos de variação da fala. Fazendo Diásporas,

Diversidades, Deslocamentos. 2010. Disponível em: <www.fazendogenero.ufsc.br/>.

Acesso em: 1 dez. 2001.

LABOV, L. Padrões Sociolinguísticos. Trad.: Marcos Bagno; Marta Scherre e

Caroline Cardoso, São Paulo: Parábola Editorial. 2008.[ Sociolinguistic Patterns.

Pensilvânia, 1972].

WOLFRAM, W.; FASOLD, R.W. The study of social dialects in American English.

Englewood Cliffs, N.J.: Prentice Hall Inc., 1974.

Recebido Para Publicação em 04 de junho de 2015.

Aprovado Para Publicação em 30 de julho de 2015.