P-001 - Missão Stardust - K. H. Scheer
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(P-001)
Misso Stardust
Autor
K. H. Scheer
Digitalizao
Vitrio
Reviso
Arlindo_San
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O major Perry Rhodan, comandante da espaonave Stardust,
descobriu muito mais do que se supunha pudesse existir na Lua ele veio a ser o primeiro homem a entrar em contato com outra raa.
Os arcnidas, provenientes de uma estrela distante e possuidores
de um nvel to elevado de conhecimentos cientficos e filosficos que,
perto deles, a Humanidade ainda estava centenas de milhares de anos
atrasada.
Mas estes aliengenas, enormemente poderosos, recusavam-se a
cooperar com os terrestres a menos que Perry Rhodan sasse vencedor do
teste mais difcil a que um ser humano jamais se submetera...
= = = = = = = = = = Personagens Principais = = = = = = = = = =
Major Perry Rhodan Comandante da nave Stardust.
Capito Reginald Bell Engenheiro eletrnico da Stardust.
Capito Clark G. Fletcher Astrnomo da Stardust.
Tenente-mdico Eric Manoli Mdico de bordo da Stardust.
General Lesley Pounder Chefe da Fora Espacial dos Estados Unidos.
Dr. Fleet Mdico-chefe da Fora Espacial dos Estados Unidos.
Allan D. Mercant Chefe do Conselho Internacional de defesa.
Crest Cientista-chefe da expedio organizada por uma raa desconhecida.
Thora Comandante da nave dos arcnidas.
Professor Lehmann Diretor da Academia de Tecnologia Espacial da Califrnia e pai espiritual da Stardust.
Aconselhamos o leitor a comear o livro
pela segunda parte, onde iniciam propriamente
as aventuras espaciais de Perry Rhodan. Na
primeira parte s h uma viagem detalhada
Lua, inteiramente fictcia.
-
PRIMEIRA PARTE
A Partida
I
No prdio principal da Central de Nevada Fields, que abrigava o centro
nervoso eletrnico da base espacial, reinava a atividade febril e aparentemente intil
que caracteriza os preparativos finais da partida de uma espaonave. A nica
finalidade de todas as operaes, dos avisos transmitidos pelos alto-falantes e dos
clculos detalhados era controlar mais uma vez os resultados que de h muito tinham
sido apurados.
Os engenheiros que formavam a equipe responsvel pela parte eletrnica da
nave verificaram os inmeros circuitos do computador astro-eletrnico, cuja
finalidade consistia em proceder a eventuais correes de curso.
Realizaram, tambm, uma reviso no dispositivo automtico B, um rob
especial incumbido do controle da decolagem e da separao dos estgios e, ainda,
do comando remoto.
O computador eletrnico C, que era o rob coordenador dos ecos de radar
recebidos, e ainda a estao de comando das cmaras especiais teleguiadas do
dispositivo de infralocalizao, apresentava, como j se esperava, funcionamento
perfeito. Os ltimos clculos de verificao, realizados atravs de computadores
eletrnicos, estavam exatos at a dcima casa decimal.
O engenheiro-chefe, responsvel pela manuteno, comunicou que os dois
dispositivos automticos principais dispositivos eletrnicos da decolagem e do controle remoto estavam em perfeitas condies de funcionamento.
Fez-se tudo aquilo que j tinha sido feito em vrias decolagens anteriores,
numa rotina altamente especializada. S uma pequena nuana de nervosismo poderia
ter revelado a um observador experimentado que desta vez no se tratava do
lanamento de uma espaonave qualquer.
Os soldados, fortemente armados, que se encontravam na entrada norte do
prdio principal, prestaram continncia com um gesto displicente. O general Lesley
Pounder, comandante da Base Area de Nevada Fields e chefe do Departamento de
Pesquisas Espaciais, no fazia muita questo de que em oportunidades como esta a
etiqueta militar fosse estritamente observada. Ficava satisfeito em saber que os
homens estavam bem atentos nos seus postos.
Como havia sido planejado, o general Pounder entrou na sala principal do
comando meia-noite e quinze em ponto. Estava acompanhado do chefe do Estado
Maior, o coronel Maurice e do diretor cientfico do projeto, o professor F. Lehmann,
que se tornara famoso principalmente como diretor da Academia de Tecnologia
Espacial da Califrnia.
A chegada dos personagens principais no causou a menor interrupo nas
atividades que se desenvolviam no interior da sala. O general tinha chegado; era s
isso.
Lesley Pounder, um homem quadrado no aspecto e no carter, famoso entre os
-
colaboradores, e difamado em Washington pela intransigncia com que insistia no
cumprimento das suas exigncias, aproximou-se da enorme tela de controle.
As imagens, que na sala de imprensa apareciam pouco ntidas, deslizavam,
aqui, em tamanho natural na tela ligeiramente abaulada.
Pounder apoiou as mos no encosto da poltrona giratria e permaneceu imvel
por alguns instantes. O professor Lehmann segurou os culos sem aro com um gesto
nervoso. Alguma coisa parecia arder dentro dele. Na sua opinio, havia coisas muito
mais importantes para fazer do que voltar a inspecionar, em companhia do
comandante das operaes, coisas de importncia secundria que j tinham sido
controladas. Lanou um olhar de splica ao chefe do Estado-Maior. O coronel
Maurice ergueu os ombros de modo quase imperceptvel. Tinham que aguardar. Ao
que parecia, Pounder ainda tinha algumas perguntas a fazer, embora estivesse mais
bem informado que muitos dos membros da sua equipe de cientistas.
Isto belo! De uma beleza empolgante! disse Pounder em voz baixa, enquanto olhava para a tela. Alguma coisa dentro de mim vive perguntando se no estamos indo longe demais. Os peritos do Departamento de Navegao Espacial
continuam a achar que rematada loucura arriscar o lanamento da Terra. No
apenas a resistncia do ar que temos de vencer. Alm disso, devemos atingir a
velocidade que resultaria, automaticamente, de um lanamento a partir da plataforma
espacial. So exatamente 7,08 quilmetros por segundo, ou seja, 25.400 quilmetros
por hora.
a velocidade em que a estao espacial tripulada percorre sua rbita, general apressou-se o professor Lehmann a murmurar. No nosso caso, essa velocidade no representa um fator decisivo. Peo licena para voltar a insistir nas
enormes dificuldades que surgiriam na montagem da nave, com peas pr-fabricadas,
realizada no espao, fora da ao da gravidade. J tivemos experincias bem amargas
nesse setor. bem mais fcil construir a nave na Terra do que a 1.730 quilmetros de
altitude. E, em termos econmicos, isto representa uma diferena, a menos, de
trezentos e cinqenta milhes de dlares por unidade.
Esse argumento causou uma impresso formidvel em Washington ironizou o general. Bem, a esta altura, no se pode alterar mais nada. Faamos votos para que os resultados brilhantes dos vos experimentais justifiquem o risco
que, hoje, estamos assumindo. A bordo desta nave estaro quatro dos meus melhores
homens, professor. Se alguma coisa no der certo, o senhor ter que se explicar
comigo.
Lehmann empalideceu sob o olhar glido do general. Mas o coronel Maurice,
um estrategista hbil em manter perfeito o equilbrio entre os interesses conflitantes
da pesquisa cientfica e os do poderio militar, interveio com o tato que lhe era
peculiar, levando a conversa para outro campo.
General, peo licena para lembrar-lhe o pessoal da imprensa. Os reprteres j devem estar ardendo de curiosidade. Ainda no liberei informaes mais
detalhadas.
No poderamos evitar isso, coronel? resmungou Pounder. No momento tenho coisas mais importantes para fazer.
Acho conveniente atend-los respondeu o coronel de forma bem sugestiva.
O Dr. Fleet, perito em astrofsica, pigarreou. Era tambm o responsvel pelas
questes de medicina espacial, cabendo-lhe, ainda, cuidar da boa sade dos
cosmonautas.
-
De repente, Pounder sorriu.
Muito bem. Falarei com eles. Mas s pelo circuito fechado de televiso. Maurice sobressaltou-se. Os tcnicos que os rodeavam riram disfaradamente.
Era outra das atitudes tpicas do velho.
Pelo amor de Deus, general. Essa gente conta com a sua presena pessoal. Foi o que eu lhes prometi.
Pois, ento, retire a promessa sugeriu Pounder sem se mostrar impressionado.
Mas vo dizer o diabo de ns nos editoriais disse o chefe do Estado-Maior em tom suplicante.
Neste caso, mandarei prender estes rapazes at que se tenham acalmado. Veremos. Ligue-me com eles.
Nas paredes nuas do abrigo de observao, os alto-falantes pareciam retornar
vida. A cabea de Pounder apareceu numa tela. Com o seu mais cativante sorriso,
desejou a todos uma manh bem agradvel. Logo aps, o rosto do general tornou-se
srio, no fazendo caso das feies contrariadas dos reprteres.
De forma lacnica e em tom indiferente, como se estivesse explicando algo
bem irrelevante, anunciou:
Cavalheiros, a imagem que apareceu h alguns minutos nas telas existentes no interior do abrigo em que se encontram corresponde a um foguete de trs estgios.
Nos elementos que compem o mesmo, foram introduzidas modificaes
importantes. A decolagem ter lugar dentro de trs horas aproximadamente. Esto
sendo realizados os preparativos finais. No momento, os quatro tripulantes ainda
dormem um sono profundo que lhes descansar os nervos. S sero despertados duas
horas antes da decolagem.
Os reprteres ainda se mostravam indiferentes. J havia tempo que as viagens
espaciais tripuladas tinham deixado de ser novidade. Os olhos de Pounder
estreitaram-se ligeiramente. Estava antegozando os trunfos que surpreenderiam os
homens da imprensa.
Em virtude de experincias passadas, o Comando de Explorao do Espao decidiu no montar a nave espacial na estao orbital. Ningum ignora as
dificuldades e os fracassos das tentativas anteriores. Por isso, a primeira espaonave
que dever pousar na Lua, partir diretamente da Terra. A nave foi batizada com o
nome de Stardust. O comandante da primeira misso lunar o major Perry Rhodan,
com trinta e cinco anos de idade, piloto de provas da Fora Espacial, cosmonauta e
fsico nuclear, especializado em motores de radiao atmica. Acho que Rhodan
uma pessoa bastante conhecida, como sabem, foi o primeiro homem da Fora
Espacial que contornou a Lua.
Pounder fez outra pausa. Com grande satisfao registrou o barulhento e
exaltado vozerio que seguiu suas palavras. Algum, aos berros, pediu silncio. A
calma voltou a reinar no recinto.
Muito obrigado disse o general. Os senhores estavam um pouco agitados. Peo-lhes que no formulem perguntas. O oficial encarregado das
informaes tratar disso logo aps o lanamento. Meu tempo muito curto de modo
que devemos aproveit-lo o mximo possvel. A Stardust ser tripulada por uma
equipe de quatro homens rigorosamente selecionados. Alm do major Rhodan,
participam da expedio o capito Reginald Bell, o capito Clark G. Fletcher e o
tenente-mdico Eric Manoli. Um grupo de pessoas altamente especializadas tanto no
terreno militar quanto no cientfico. Cada um deles possuidor de pelo menos duas
-
especializaes distintas. Uma tripulao cujos membros se completam com uma
perfeio que poucas vezes alcanada. Os senhores recebero, depois, fotografias e
dados adicionais sobre eles.
Ao que parecia, o general Pounder no estava disposto a brindar o auditrio,
que se mantinha cativo s suas palavras, com um discurso mais prolongado. Ento,
silenciando as vozes que comeavam a se levantar, ao mesmo tempo em que olhava
para o relgio, exclamou:
Por obsquio, cavalheiros, as perguntas que esto formulando so em vo. Tudo o que lhes posso fornecer so dados genricos. A Stardust est preparada para
uma permanncia de quatro semanas na Lua. O programa de explorao a ser
cumprido pelos tripulantes est perfeitamente determinado. Depois da alunissagem
bem sucedida de naves no tripuladas, resolvemos assumir o risco de enviar uma
expedio de quatro homens Lua e, queira Deus, no cometeremos qualquer
equvoco. Como os senhores sabem, a partida da Terra consome uma quantidade
enorme de energia, ainda mais que o ltimo estgio da nave ter que descer na Lua e
voltar com os seus prprios recursos, o que no seria possvel com os engenhos
convencionais de propulso, ainda mais numa nave de apenas trs estgios de
dimenses relativamente reduzidas.
Queremos dados tcnicos! gritou algum, exaltado. Sero fornecidos resmungou o general em resposta. O comprimento
total da nave de 91,6 metros. O primeiro estgio tem 36,5 metros; o segundo, 24,7 e
o terceiro, que constitui o mdulo que descer na Lua, 30,4. O peso mximo de
decolagem, com os tanques de combustvel completos e a carga til, de 6.850
toneladas, sendo a carga til de 64,2 toneladas. Assim mesmo, o mdulo lunar no
parece muito maior que a maioria das naves de transporte. Isto acontece porque s o
primeiro estgio dotado de propelentes qumicos. O segundo e o terceiro estgios
contero os primeiros mecanismos de propulso nuclear.
Esta declarao foi a segunda bomba de Pounder. Ele a soltara de surpresa.
Impassvel, prosseguiu:
O primeiro estgio usar, como combustvel, a melhor composio qumica de que dispomos para esse fim: o N-trietil-borazan, cujo elemento combustvel o
hidrognio-boro. O oxignio fornecido pelo tradicional cido ntrico, que
desencadeia a reao de auto-ignio quando misturado na proporo de 1 para 4,9.
A potncia de empuxo superior em 180% da velha hidrazina, em idnticas
condies estequiomtricas. Os reatores do primeiro estgio so desligados a uma
velocidade final de 10.115 quilmetros por hora e a uma altitude de 88 quilmetros.
Nesse ponto, esse estgio se desprende. O segundo estgio j est equipado com os
novos propulsores nucleares, cujo reator funciona a uma temperatura de 3.920 graus
centgrados utilizando ligas especiais obtidas por condensao molecular. Os novos
micro-reatores foram instalados em condies bastante favorveis. Funcionam base
de plutnio. A energia puramente trmica por eles gerada transmitida para as
cmaras de compensao trmica ou de expanso, atravs de um elemento ativo
intermedirio. Como elemento de transmisso das radiaes, utilizamos o para-
hidrognio lquido em estado de pureza quase absoluta, que aquecido e eliminado
pelos propulsores. Depois que conseguimos eliminar as perdas atravs da
evaporao, o hidrognio lquido passou a ser excelente elemento transmissor de
radiao. Tivemos que solucionar problemas bastante difceis, especialmente aqueles
ligados ao ponto de ebulio extremamente baixo do hidrognio lquido, que comea
a ferver a uma temperatura de 252,78 graus centgrados abaixo de zero. O
-
mecanismo de propulso nuclear funciona a uma velocidade de escapamento de
10.102 metros por segundo, velocidade que, em hiptese alguma, poderia ser atingida
atravs de uma reao qumica. Posteriormente, lhes sero fornecidos outros dados a
respeito.
A Stardust ser lanada s trs horas e dois minutos. Vai descer junto cratera Newcomb, perto do plo sul lunar. Estamos interessados em descobertas
relativas face oculta da Lua mas, devido s limitaes da comunicao pelo rdio,
deveremos manter um homem na face visvel. Como do conhecimento de todos, as
ondas de rdio se propagam em linha reta. Os tripulantes faro, tambm, extensos
passeios no solo lunar com um novo tipo de veculo exploratrio. Por ora, isso tudo,
senhores. Transmiti-lhes todas as informaes essenciais. Outros pormenores
detalhados, inclusive tcnicos lhes sero fornecidos pelo oficial encarregado pelo
setor.
* * *
uma hora em ponto, o Dr. Fleet encontrava-se diante dos quatro homens
adormecidos. Estavam descansando, havia quatorze horas, sob o efeito da
psiconarcotina.
O Dr. Fleet hesitou por alguns segundos antes da aplicao do elemento
neutralizador dos efeitos narcticos do soporfero. Teve um indefinvel sentimento de
compaixo. Com o despertar, retornariam os pensamentos, o esprito voltaria
lucidez e tudo aquilo, que com tanto esforo se procurou afastar dos quatro homens,
voltaria a assalt-los.
Um tripulante nervoso, sonolento, fsica e psiquicamente esgotado era um
parceiro pouco adequado s mquinas de calcular insensveis e aos mecanismos
solicitados at o limite extremo da sua capacidade. Era indispensvel que o esprito
humano se mantivesse lcido, pois s a ele caberia, em ltima instncia, a deciso.
Evidentemente, ainda seriam realizados outros exames mdicos de rotina, que
demandariam cerca de uma hora. Outra hora seria dispendida pelos engenheiros
encarregados do equipamento. Os homens subiriam a bordo da nave dez minutos
antes da partida. E ficariam deitados em suas macias camas metlicas abstendo-se de
qualquer esforo mental.
Com a partida da espaonave, o perodo de repouso chegaria ao fim. Dali em
diante, teria incio uma luta encarniada que foraria o corpo e a mente at o extremo
da resistncia. Os homens enfrentariam um verdadeiro martrio no ventre de um
monstro furioso feito de ao-molibdnio e fibras sintticas.
As quatro camas baixas, com seus colches de espuma que respiravam
ativamente atravs de poros, estavam cercadas de uma luminosidade suave e
acariciante. Parecia ser o mximo de conforto dispensado a homens que dali a pouco
teriam que suportar tremendas provaes.
O major Perry Rhodan, s da Fora Espacial, abriu os olhos. Praticamente sem
a menor transio, passou do sono para um estado de perfeita lucidez.
Cuidou de mim em primeiro lugar? perguntou. Parecia antes uma constatao que uma indagao. Com grande satisfao o Dr. Fleet registrou a reao
lcida do comandante. No havia dvida, Rhodan estava de volta.
Exatamente como tnhamos planejado confirmou com voz abafada. Rhodan ergueu-se num gesto comedido, respirando profundamente. Algum
afastou a coberta fina dotada de ventilao ativa. Ele trajava uma vestimenta ampla,
-
cujo formato lembrava uma camisa que no exercia qualquer presso sobre o corpo.
Enquanto levantava, proferiu, em voz baixa, uma maldio que fez aflorar um sorriso
aos lbios dos homens que o rodeavam. O gesto parecia provocar uma sensao de
alvio nessa situao um tanto irreal.
Doutor, se eu tivesse pernas to lindas como as suas teria, pelo menos, um motivo para me conformar observou Rhodan com um humor seco. Nos seus olhos havia uma luminosidade faiscante. Em compensao, o rosto estreito e magro
permaneceu impassvel.
Um ronco cavernoso f-lo voltar a cabea. Bastante interessado, observou o
procedimento que faria despertar seu companheiro dileto, o capito Clark G. Fletcher
que, como ele, j tinha contornado a Lua. Rhodan ainda no sabia como aquele
gigante bochechudo de pele delicada como um beb e mos maltratadas como uma
faxineira poderia ser acomodado no espao exguo de uma nave espacial. Com o
ronco que faria um mamute ao se levantar, Fletcher, especialista em astronomia e
matemtica e futuro doutor em fsica, levantou-se.
Meu filho j chegou? ressoou sua voz. Ao que parecia, a partida iminente s lhe despertava um interesse secundrio.
Ento, doutor, cuidou bem de minha esposa? O Dr. Fleet soltou um suspiro abafado.
Escute aqui, meu jovem, se o amigo acha que sua esposa um milagre anatmico, suponho que est um pouco enganado. Ainda faltam trs meses. Acalme-
se, a natureza no tem pressa.
Muito bem! disse o gigante. Vou sentar e esperar. O terceiro membro da tripulao deu mostras do despertar por meio de um riso
baixo e agradvel. O tenente-mdico Eric Manoli, tambm gelogo, era o homem
mais calmo e retrado da tripulao. E, provavelmente, o dotado de melhor
autodomnio. Cumprimentou os presentes com um gesto e lanou um rpido olhar ao
relgio. Evidentemente, o Doutor Manoli observava estritamente a lei no escrita dos
cosmonautas que, em termos claros e objetivos, dizia: Nunca fale na partida da nave, a no ser que seja absolutamente necessrio; voc dormiu para revigorar o
corpo e o esprito; no reduza os efeitos favorveis do sono com a idia de que
necessrio encarar imediatamente toda a seriedade da situao. Era uma frmula simples, consagrada pela experincia.
Tudo bem, Eric? indagou Rhodan. Tudo bem confirmou. E, voltando-se para Fletcher, continuou: O que
h com Bell? Parece que ele dorme o sono das montanhas?
O capito Fletcher virou-se na cama. Sua mo direita deu um estalo no ombro
rechonchudo daquele baixote que revelava uma tendncia evidente para a obesidade.
Quem conhecesse bem o capito Reginald Bell iria compar-lo a uma elstica
bola de borracha. A gordura que apresentava era um meio excelente para iludir os
incautos. A verdade que, na centrfuga gigante, ele suportou melhor a fora exigida
de 18 G ou seja dezoito vezes a acelerao da gravidade que o Dr. Manoli, pequeno e ossudo.
No amole! veio o resmungo que parecia sair de dentro do travesseiro de espuma. Um rosto largo, todo coberto de sardas saiu de dentro da massa de
lenis. Os olhos azuis, que pareciam descorados piscaram para Fletcher: Estou acordado h uma hora afirmou Bell, com a voz indolente. A dose de soporfero foi muito fraca para um homem do meu tamanho.
claro que foi concordou Rhodan com toda seriedade. Admiro a sua
-
pacincia. Voc deve ter respirado bem baixinho para no incomodar os outros.
Por isso, voc vai ser condecorado disse Fletcher descendo de sua cama. Mas, primeiro, so os pais em perspectiva e os sofredores. Alis, gostaria de saber o que ainda falta examinar no nosso organismo.
Subitamente, Fletcher ficou em silncio, olhando, embaraado, para o
comandante. Por pouco, ele teria violado a lei. Rhodan fez que no ouviu. E,
bocejando, disse com estudada indiferena:
Comecemos por ele, doutor, j que ele vai ser pai logo. de se supor que nossa circulao esteja em ordem. Ainda assim, convm deixar as injees
neutralizadoras mo.
Perry Rhodan comeou a analisar suas prprias reaes. Sentiu uma angstia
martirizante no canto mais recndito do subconsciente. A tagarelice dos homens nada
mais era seno um ardil psicolgico atravs do qual pretendiam se acalmar.
Eles sabiam que no deviam falar na partida iminente. Faziam de conta que
aquilo era perfeitamente normal, uma viagem como todas as anteriores. Mas Rhodan
sabia, e eles tambm, que cedo as coisas seriam bem mais srias do que eles
pensavam.
No que dizia respeito fora da inrcia, a situao do homem que era
impulsionado por um foguete de propulso nuclear era muito diferente daquela que
se experimentava quando do lanamento de uma nave comum. As presses eram
muito maiores e, maiores ainda, as que nasciam nas incontrolveis profundezas do
esprito humano. Sentia-se medo. Era natural e ningum jamais negou isso. Apenas,
esses homens foram treinados, tambm, para controlar o medo e no se deixar
dominar por ele, acontecesse o que acontecesse.
Rhodan observou, disfaradamente, os homens de sua tripulao. Todos
pareciam estar bem. Talvez Fletcher estivesse um pouco inquieto. Pensava demais no
filho que estava por nascer. Se fosse por ele, desta vez Fletcher teria ficado em casa.
Todavia, no era aconselhvel desfalcar um grupo, cujos membros j se haviam
adaptado to perfeitamente uns aos outros. Um novo elemento admitido em cima da
hora no se ajustaria bem ao conjunto. Por isso, Rhodan conformou-se com o fato
consumado. De resto, no encontrou qualquer outro fator negativo.
II
Os assentos-leitos eram obras-primas de engenharia. Dotados de controle
hidropneumticos e controladores de nvel que adaptavam o equilbrio mais leve
mudana de peso, eram o mximo que se podia conceber em termos de conforto.
Desde as primeiras naves espaciais que se fazia questo, absoluta, de que os
tripulantes se acomodassem sobre leitos especiais, enquanto estivessem usando os
pesados trajes espaciais. As normas de segurana obrigavam os tripulantes a usar,
inclusive, os capacetes pressurizados durante o lanamento.
evidente que pequenas leses ocorriam por vezes, como resultado das
tremendas presses causadas pela acelerao. O caso mais trgico e lamentvel
ocorreu quando da construo da primeira estao espacial. Um capacete mal
ajustado provocou fratura da base do crnio de um dos tripulantes quando a
acelerao chegou a
Perry Rhodan nunca usara o traje espacial durante a partida e este privilgio
especial ele estendera aos demais membros de sua tripulao. Os tcnicos, porm,
-
achavam que isso era um risco desnecessrio. A mais leve ruptura da parede externa
da nave provocaria uma descompresso explosiva, isto , uma violenta perda de
presso. E todos sabiam com que facilidade o sangue humano tendia, numa situao
dessas, a entrar em ebulio.
Acontece que Rhodan sempre tivera uma boa estrela. As naves que ele
tripulara nunca haviam sido atingidas por meteoros e nem sofreram qualquer dano
em virtude das tremendas foras desencadeadas por ocasio da decolagem.
Os quatro homens estavam estendidos nos leitos, trajando seus uniformes
azuis. Os pesados e desconfortveis trajes espaciais estavam pendurados em suportes,
colocados ao alcance da mo. Com isso, Rhodan livraria seus companheiros de uma
provocao martirizante, evitando, tambm, pequenas contuses e escoriaes que
poderiam vir a ser dolorosas e, o que pior, um problema a mais.
A ltima verificao geral havia sido concluda. Bem abaixo deles, a mais de
oitenta metros, os tcnicos iam se afastando. Acabavam de verificar a regulagem dos
estabilizadores do primeiro estgio.
O capito Bell, especialista em eletrnica e em motores de propulso nuclear,
precisara de mais algum tempo para a verificao dos instrumentos que lhe estavam
afetos, enquanto que Rhodan j terminara de checar o mecanismo de auto-ignio e o
sistema de direo por controle remoto.
Fletcher e o Dr. Manoli, que no momento nada tinham a fazer, estavam
deitados atrs dos dois assentos principais. A cabine era muito apertada. Estava
rodeada de inmeros feixes de cabos, tubulaes plsticas e painis de instrumentos.
Logo abaixo da sala de comando. Havia uma minscula sala para repouso com uma
mini-cozinha e instalao sanitria. No era possvel mais espao do que o que
haviam conseguido. Estes dois compartimentos ficavam logo abaixo do nariz do
foguete.
Abaixo da cabine de comando e da de repouso, vinha o depsito de carga til,
no qual guardavam-se as provises. O espao abaixo do piso do depsito era regio
proibida para os tripulantes. L, ficavam os tanques isolados que continham
hidrognio lquido. Logo abaixo, estavam as instalaes de bombeamento e os
geradores de fora. A espessa parede construda com uma liga especial indicava o
fim da zona de segurana. Atrs dela abrigava-se o reator de plutnio, trabalhando
num ritmo vertiginoso, e as monstruosas cmaras de combusto com seus condutos
trmicos e vlvulas de presso.
A Stardust possua um nico reator principal e quatro reatores menores que
pertenciam ao mecanismo de direo. A capacidade de empuxo do mecanismo de
propulso chegava a 1.120 toneladas a uma velocidade de radiao de 10.102 metros
por segundo.
O ponteiro de minutos do relgio saltou para o mecanismo seguinte. Eram trs
horas e um minuto. Faltavam, pois, sessenta segundos para o lanamento.
Rhodan voltou a cabea. O movimento tornou-se um pouco difcil uma vez
que ele estava literalmente afundado na camada de espuma de borracha que revestia
os assentos-leitos.
Tudo bem com vocs? perguntou. A resposta resumiu-se a um sorriso. Todos ouviam a voz montona do
encarregado pela contagem regressiva. O ltimo minuto havia chegado. E, embora
todos eles j tivessem inmeras vezes ironizado aquele paulificante desfilar de
nmeros, desta vez at isso tinha mudado. A lembrana do reator atmico logo
abaixo deles era como um pesadelo.
-
...dezoito, dezessete, dezesseis, quinze... Rhodan aproximou o microfone dos lbios.
Mensagem final da Stardust Central irrompeu sua voz pelos alto-falantes. Era ouvida em toda parte, inclusive no abrigo isolado para a imprensa. Tudo bem a bordo. Voltaremos a chamar aps a ejeo do primeiro estgio. Cmbio
final.
...trs, dois, um, zero, seqncia de ignio iniciada. Era a mesma coisa de sempre. Eles sabiam que, apesar de todo o cuidado
concernente ao isolamento acstico, o corpo do foguete constitua-se em um
excelente corpo de ressonncia. E nem mesmo a diviso por estgios podia alterar
isso.
Ouviram o borbulhar e o chiado das turbobombas instaladas embaixo, no
interior do primeiro estgio. Depois, teve incio o ribombar, ainda hesitante, da pr-
ignio, seguido imediatamente pelo barulho infernal das substncias qumicas que
reagiam entre si. O N-trietil-borazan, que servia de combustvel, misturou-se com o
cido ntrico que desprendia o oxignio. O processo qumico teve incio, com
monstruosa potncia nas 42 cmaras de combusto do primeiro estgio.
As lnguas de fogo que reluziam numa incandescncia branca, romperam a
escurido da noite. O uivo da onda de compresso desencadeado pelo processo de
ignio tomou conta do espao at se perder no trovejar ensurdecedor do gigantesco
mecanismo de propulso.
A Stardust ergueu-se lentamente. ascenso tranqila, seguiu-se uma srie de
movimentos laterais inquietantes no tero superior da nave. Era o instante mais
crtico do lanamento. Travava-se, naquele segundo, a luta entre os dispositivos de
estabilizao e o mecanismo de propulso que parecia querer desequilibrar o
gigantesco foguete que mal iniciara sua arrancada rumo ao espao. Mas os dados
fornecidos pelo computador de bordo indicavam que a perigosa inclinao j havia
sido corrigida.
As exclamaes de entusiasmo dos reprteres submergiram no barulho
ensurdecedor. Parecia o fim do mundo. Era um barulho enorme e indescritvel que s
poderia ser superado pelo produzido pela exploso de um artefato nuclear. Nem
mesmo no interior dos abrigos era possvel compreender as palavras proferidas.
Quem no usasse isoladores no ouvido, via-se condenado temporariamente a uma
surdez absoluta. Os lbios se moviam e as mos transmitiam sinais breves mas no se
ouvia uma nica palavra. E os gestos pareciam revelar um esforo intenso e uma
grande tenso nervosa.
Afinal, a nave comeou a ganhar velocidade e iniciou sua trajetria, como se
estivesse vida para entrar no seu elemento. O rudo parecia aumentar aos poucos. A
torrente gnea que escapava das cmaras de combusto chicoteava a plataforma com
tremenda fria que o cu tornou-se de um rubro sangneo. Instantes depois, em
perfeito equilbrio, o gigante subia verticalmente at que a esteira luminosa que o
seguia fosse vista como um dbil ponto de luz que aos poucos desaparecia no cu
estrelado.
Ouviu-se um estalo vindo dos alto-falantes e o rosto do general Pounder
surgiu na tela.
A nave espacial Stardust foi lanada exatamente s trs horas e dois minutos, conforme as previses comunicou com voz calma. No houve qualquer ocorrncia extraordinria, tudo correu bem. Os senhores podero ouvir os
comunicados radiofnicos dos pilotos. Falta pouco para a separao do primeiro
-
estgio. A acelerao mxima final de 9,3G. Dentro de trs minutos
aproximadamente a nave Stardust dever penetrar no campo alcanado pela estao
orbital. Dali em diante os senhores voltaro a v-la nitidamente, podendo
acompanhar a separao do segundo estgio. Quero salientar mais uma vez que s
devero deixar o campo de Nevada Fields depois que a Stardust tiver pousado na
Lua. Estamos guardando uma surpresa. s.
O general Pounder concluiu com um sorriso.
Vinda do sistema de alto-falantes, ressoou outra voz, esta, de um dos tcnicos.
Cinco segundos para a separao do nmero um. Funcionamento perfeito, nenhum desvio de rumo... dois... um... contato!
O dispositivo eletrnico realizou a operao com incrvel preciso. No houve
movimento de mos ou de um dedo sequer. Apenas olhos febris que espreitavam,
nervosos na sala de comando e, contrastando com esta ansiedade, a estica pacincia
dos reprteres.
Nos alto-falantes, soou o sinal acstico que indicava o final da operao. E, de
repente, surgiram dois corpos distintos na tela do radar. Neste instante, o sistema de
aterrissagem por controle remoto assumiu o comando do primeiro estgio, trazendo-o
de volta ao cho.
A tripulao dispunha de um intervalo de oito segundos. O computador de
bordo j preparava a ignio do segundo estgio.
A voz de Rhodan soou, tranqila.
Rhodan falando. Nenhum desvio de curso. Indicaes normais, vibraes dentro dos limites normais. Tripulao pronta para ignio do segundo estgio.
Cmbio final.
Era tudo o que tinha a dizer e o bastante para os cientistas e supervisores da
estao situada na Terra. Prosseguindo sem qualquer fora propulsora, a Stardust
precipitava-se em direo ao vazio do espao. Rhodan lanou um rpido olhar ao
redor de si. Tudo parecia em ordem para o capito Bell; Fletcher e Manoli tambm
tinham suportado muito bem a fora de 9,3G.
Agora era a vez do mecanismo de propulso atmica do segundo estgio.
Rhodan sentiu a palma das mos midas, mas seus sentidos experimentados no
registraram qualquer rudo anormal. Reinava o mais absoluto silncio.
Subitamente veio um arranque violento acompanhado de um uivo estridente
que parecia invadir todas as molculas do material de que era feito a nave. Mais uma
vez, o corpo do foguete funcionou como cmara de ressonncia.
Depois de alguns instantes, a acelerao subiu para 8 G. Com isso, teve incio
a tremenda sobrecarga imposta ao organismo dos tripulantes mal refeitos do primeiro
esforo.
Rhodan sentiu o efeito do poderoso medicamento destinado a regular a
circulao. Por enquanto o organismo estava suportando a provao, apenas a
respirao transformara-se em verdadeiro martrio. Incapaz de mover um dedo, fitou,
com os olhos embaados, os painis de controle situados em sua frente. Os sete
segundos decorridos at o momento em que a tremenda presso fosse reduzida ao
valor normal de 1 G pareceram uma eternidade. Tratava-se de uma pausa para
recuperao, fixada com base em clculos exatos, nos quais se considerava a enorme
potncia do sistema de propulso.
Com a voz rouca, Rhodan gritou um tudo bem! e a resposta que se seguiu foi,
para ele, ininteligvel. Aps isso, veio o segundo intervalo de acelerao do estgio
nmero dois. Ainda no estava esgotada a reserva de combustvel.
-
Trs segundos depois da segunda ignio foi ultrapassada a velocidade de
deslocamento da Terra. Os indicadores dos velocmetros indicavam 11,5 quilmetros
por segundo.
Os reatores do segundo estgio se extinguiram a uma velocidade de 20
quilmetros por segundo. Novamente a separao se realizou de modo sbito, sem a
menor transio de tal modo que a ausncia de gravidade que se seguiu produziu o
efeito de uma tremenda martelada. Os tripulantes sentiram-se impelidos para cima.
Uma fora selvagem parecia comprimir seus corpos contra os cintos que os prendiam
nos leitos.
Por alguns instantes, Rhodan perdeu a conscincia. Quando voltou a abrir os
olhos, viu, atravs da vermelhido que parecia envolv-lo, que j se encontravam no
espao exterior.
A correo de rumo j tinha sido levada a efeito. Bem atrs deles, o segundo
estgio, que j podia ser visto nas telas, estava sendo conduzido para o curso de
retorno pelo controle de Terra. A essa altura, a Stardust j ultrapassara a rbita da
estao espacial. Prosseguindo em velocidade constante, encontrava-se a 3.250
quilmetros acima da superfcie da Terra.
Agora dispunham de alguns minutos de descanso. Teoricamente a velocidade
da nave, no momento, devia ser suficiente para liber-la em definitivo da ao da
gravidade terrestre. Ainda segundo a teoria, estaria em condio de atingir qualquer
ponto do universo independentemente de qualquer propulso.
Todavia, um enorme abismo separa a teoria da prtica. A gravidade da Terra
tinha sido superada, mas a Terra ainda se fazia sentir, influenciando o vo da
espaonave. Alm disso, o simples prosseguimento da viagem no bastava. Ainda
tinham que ser realizadas inmeras manobras, para as quais a essa altura no se
dispunha de dados precisos. Os desvios de rota, por nfimos que fossem, tinham sido
calculados e corrigidos. E tambm era necessrio corrigir diferenas ainda menores
nos valores-limites tericos da velocidade, que, ultimamente, tinham causado
dificuldades por ocasio das manobras de aproximao.
O leito de Rhodan dobrou-se, formando uma macia poltrona. O painel de
instrumentos acompanhou o movimento, ficando, agora, em frente a ele, e no acima.
Foi uma sensao de alvio.
Reginald Bell recuperou-se com expresses menos sociveis. O capito
Fletcher fez ouvir uma tosse spera e seca. Nos cantos da sua boca havia sangue
coagulado.
Foi duro, muito mais duro que das outras vezes disse Rhodan com voz grave. Nos ltimos segundos, levaram-nos a 15,4 G. Com isso, atravessamos o perigoso cinturo de radiao. O que houve com voc, Fletcher?
Fletcher estava plido. Seu rosto bochechudo perdera as cores sadias. Apenas
o brilho do seu cabelo continuava inalterado. E, torcendo os lbios num gesto triste,
gemeu:
o diabo. Seria bom que eu descesse antes de fazer mais tolices. Com 7 G ainda estava com a ponta da lngua entre os dentes. Foi uma estupidez. A primeira
coisa que se ensina a qualquer aluno da academia que deve abster-se de gestos
dessa espcie. Logo eu...
Ao concluir, encolheu os ombros. Seu rosto contorcia-se de dor. Rhodan
lanou-lhe um olhar perscrutador. E disfarou a expresso indagadora com um
sorriso frio.
As solas magnticas das botas de Bell estavam na chapa metlica do piso.
-
Cambaleando, lutava para equilibrar-se. Enquanto o sistema de propulso da Stardust
estivesse parado, no tinham peso. Sem dizer uma palavra, venceu os poucos passos
que o separavam de Manoli, erguendo e voltando a colocar no piso as solas
magnticas com movimentos pesados. Depois de segurar ligeiramente o pulso de
Manoli, fez um sinal de alvio.
Est bem disse laconicamente. Logo estar de volta. O pulso trabalha que nem um mecanismo de relgio. Mostre a lngua, Fletcher. Vamos logo! Abra a
boca!
Um filete de sangue escorreu-lhe por entre os lbios. Era problema para o Dr.
Manoli.
O comandante girou para a direita o regulador de volume e os sons confusos
do rdio tornaram-se audveis. Enquanto isso, o Dr. Manoli se recuperava. Rhodan
ouviu o leve chiado do mecanismo hidropneumtico. O leito de Manoli transformou-
se em poltrona e alguns instantes depois, ele estava de p ao lado de Fletcher.
Que sorte! disse o mdico. No chegou a cortar a lngua, foi apenas um ferimento quase superficial. Preciso de uns dez minutos. possvel?
. Pode comear, doutor. Bell, registre na fita magntica os ltimos valores do computador central. Quero um clculo de controle. Vamos adiar as etapas
seguintes por doze minutos. Avise-me logo que terminar. Poderemos compensar a
perda de tempo com quatro segundos de potncia total.
Alguns instantes depois, o rosto de Rhodan apareceu na tela da estao da
Terra. Pounder, que estava de p diante do microfone, nervoso e inquieto, respirou
aliviado.
Stardust para Nevada Fields soou a voz forte e clara na sala da Central de Comando. O capito Fletcher sofreu um ferimento leve. Mordeu a lngua. Manoli est estancando o sangue. O ferimento poder ser tratado com extrato de
plasma. Preciso de um adiamento de doze minutos. Cmbio.
Pounder ergueu-se. Seu olhar lanado em direo ao professor Lehmann disse
tudo. O cientista confirmou com ligeiro aceno de cabea. Era perfeitamente possvel.
Havia uma margem de segurana prevenindo contra incidentes inesperados como
esse.
O computador comeou a trabalhar. Alguns segundos depois, os valores
corrigidos estavam disponveis. Foram transmitidos automaticamente para a Stardust
por meio de uma antena direcional especial. O painel iluminou-se diante do capito
Bell. As calculadoras automticas da nave, pequenas mas eficientes, acusaram o
recebimento. Para todos os efeitos, num instante foram inutilizados os resultados de
uma srie enorme de clculos. Novas cifras cruzaram o espao e, em poucos
segundos, um plano de vo foi inutilizado e convertido em valores inteiramente
novos.
Os dedos de Bell martelaram o teclado para registrar os dados recebidos.
Rhodan transmitiu as informaes de rotina relativas a radiaes, resultados das
mediaes, temperatura, presso da cabine e estado de sade dos tripulantes.
Manoli no gastou mais que onze minutos para colocar Fletcher em condies.
Os pequenos pontos estavam praticamente invisveis.
Fletcher olhou, encabulado, para os companheiros.
Da prxima vez, use o dedo, nenm disse Rhodan. Ele agenta mais que a lngua.
Os encostos das poltronas voltaram a inclinar-se para trs. Logo aps teve
incio a msica assombrosa daquele mecanismo, cujo funcionamento ainda
-
encaravam com receio e expectativa.
Era o mecanismo de propulso nuclear que, no segundo estgio, revelara um
funcionamento excelente em idnticas condies.
Voltou-se a ouvir o ronco selvagem e sentiu-se o solavanco pesado. A
acelerao, porm, s subiu para 2,1G. Isso no causou qualquer dificuldade para
Rhodan e sua tripulao.
Seguida por um raio chamejante de hidrognio aquecido a uma temperatura
elevadssima, a nave foi impulsionada numa velocidade vertiginosa para as
profundezas do espao.
Uma vez superados totalmente os problemas da decolagem, surgiram as
dificuldades mais srias de uma viagem espacial.
Rhodan ouviu o barulho retumbante, agora uniforme, emitido pelo mecanismo
de propulso atmica. A chama branco-azulada, suspensa no espao vazio, seguia de
perto a nave. Resultava da combusto do hidrognio lquido, submetido a um
processo de expanso forada na cmara aquecida pela energia atmica.
O abastecimento do reator seria suficiente para mais de um ano. Todavia, era
necessrio ter cautela com o elemento irradiante. A reserva dele era limitada. Uma
vez esgotados os tanques, no havia mais nenhum elemento que pudesse ser expelido
da cmara de combusto. Dessa forma, at mesmo o mais eficiente dos reatores se
tornaria intil.
Respirando pesadamente no seu leito, enquanto transmitia a intervalos
regulares seus breves comunicados para os receptores da estao espacial, Rhodan
pensava nesse mecanismo propulsor, maravilhoso mas ainda primitivo.
Por enquanto, o empuxo s podia ser obtido indiretamente atravs do
elemento intermedirio formador do jato de propulso. Ser que um dia o homem
conseguiria construir um mecanismo propulsor atmico puro? Seria um motor
superpotente, cujo limite de velocidade ficaria situado perto da velocidade da luz.
Com grande esforo, Rhodan torceu os lbios. Sentia vontade de rir. Ao que
parecia, Reginald Bell entretinha pensamentos semelhantes. Subitamente, gemeu:
Juro que para os heris de romance tudo mais simples. Eles no tm o problema da compresso provocada pelo impulso da nave, e nunca mordem a prpria
lngua. Como vai, Fletcher? Ser que voc agenta? Vai demorar mais alguns
minutos. Daqui a cinco segundos subimos para 8,4G. Tudo bem?
Tudo bem fungou o gigante pelo intercomunicador. Nos fones de ouvido percebia-se a sua respirao ruidosa. Tudo bem. Santo Deus, estamos a caminho. Um dia contarei a meu filho. Seus olhos sero redondos e brilhantes que
nem bolinhas de mrmore polido.
Fletcher ficou calado. Sentia um cansao profundo. S mesmo uma pessoa de
organismo resistente, bem treinada, conseguiria falar claramente a um nvel de
compresso ligeiramente superior a 2 G. E, embora todos os tripulantes fossem
capazes disso, o Dr. Manoli abriu mo da oportunidade. Em compensao, deu
mostras dos seus sentimentos atravs da sombra de um sorriso suave.
Estavam a caminho. A decolagem ficara para trs. O que estava por vir
dependeria da capacidade de raciocnio e de reaes extremamente rpidas. As foras
de compresso, horrveis mas inevitveis, estavam praticamente superadas. Haviam
deixado para trs a Terra, aquela gigantesca bola verde-azulada que se afastava
lentamente. Podiam sentir-se superiores vida ligada Terra; no momento essa
sensao ainda os dominava.
S a mente cristalina de Rhodan no acompanhou esse sentimento. Ningum
-
percebeu o brilho desconfiado dos seus olhos. Ainda no tinham chegado. Ainda no
tinham pousado na Lua. E ainda no estavam preparados para a volta Terra. Desta
vez, o programa no previa apenas um contorno relativamente seguro da Lua, mas
um pouso extremamente difcil no satlite da Terra.
III
At Perry Rhodan mostrou-se cauteloso. Logo aps os pesados intervalos de
compresso resultante da manobra de desacelerao mandou que os membros da
tripulao colocassem os trajes espaciais. A essa altura, a Stardust j entrara em
rbita lunar preestabelecida a uma velocidade de cerca de 3,5 quilmetros por
segundo, que poderia ser facilmente neutralizada.
Os homens obedeceram em silncio. Enquanto o controle remoto exercido
pelo computador da estao espacial impelia a espaonave para rbitas cada vez mais
reduzidas em torno da Lua, os quatro colocaram a vestimenta que, apesar de leve,
apresentava um aspecto monstruoso. Eram trajes de proteo supermodernos.
Hermeticamente fechados, resistiam perfeitamente a presses imensas. Dispunham
de suprimento prprio de energia, controle de temperatura, abastecimento de
oxignio e capacetes circulares feitos de plstico transparente, cuja resistncia
igualava a do ao.
Rhodan chegara a ordenar que os capacetes transparentes fossem fechados. S
as vlvulas situadas do lado esquerdo e direito do crculo de engate permaneciam
abertas, para que os homens pudessem continuar a respirar o ar da cabine. O
dispositivo automtico embutido fecharia essas vlvulas to logo a presso exterior
baixasse alm do normal. Com isso, Rhodan fizera tudo que estava ao seu alcance
para reduzir ao mnimo as possibilidades de um acidente.
A Stardust prosseguia seu caminho com a popa para a frente de modo que os
reatores de propulso pudessem funcionar em sentido contrrio ao seu deslocamento.
A trajetria estendia-se de um plo a outro. Dessa forma, a nave ficava fora do
alcance do controle remoto toda vez que mergulhava atrs da Lua, penetrando na rea
inatingvel para os sinais de rdio emitidos pela estao espacial. Nessas
oportunidades, a direo ficava a cargo do dispositivo automtico de bordo. Depois
de percorridas cinco rbitas elpticas completas, a desacelerao seria suficiente para
permitir o pouso na superfcie lunar.
A quinta rbita fora iniciada. O Sol se erguera do lado visvel do satlite,
dando incio a um dos longos dias lunares. Sessenta por cento do hemisfrio visvel
j estavam mergulhados na escurido.
Somente os aparelhos de radar proporcionavam um quadro ntido da superfcie
lunar. Esta, pouco se diferenava da superfcie visvel, fato j perfeitamente
conhecido. Nesse ponto, a Lua j no se constitua um mistrio.
Depois de algum tempo, voltaram a emergir da sombra lunar. A altitude em
que se encontravam no ultrapassava noventa quilmetros e a velocidade fora
reduzida para 2,3 quilmetros por segundo.
O piloto automtico emitiu um silvo agudo. A nave estava sendo atingida
novamente pelos poderosos raios direcionais da estao espacial. O computador
central da Stardust recebeu novas instrues e o capito Bell estabeleceu contato para
a interpretao.
Na tela, a nave era representada por um ponto verde. Deslizava exatamente
-
pela linha previamente traada, que correspondia trajetria de aproximao. O final
da linha situava-se junto ao plo sul lunar, perto da cratera Newcomb. A rea de
alunissagem estava representada por um crculo vermelho. Era um terreno
relativamente plano, rochoso, que devia proporcionar apoio firme nave.
Os tripulantes podiam ouvir claramente a voz do chefe do programa com a
mesma clareza com que ouviam o piloto automtico registrar os impulsos direcionais.
Havia pausas de alguns segundos entre um comunicado e outro devido a grande
distncia que separava a nave da Central de Controle.
A Stardust chegou margem ocidental do Mare Nubium em velocidade ainda
elevada. Imediatamente frente, estava a cratera Walter. Estavam perto da rea de
pouso.
Controle de terra. General Pounder falando ouviu-se a voz pelo alto-falante em meio a algumas interferncias. A nave atingir o ponto de inverso do curso dentro de 72 segundos. Na emisso do impulso ser considerada a distncia a
ser vencida pelas ondas de rdio. Por ora desligaremos para evitar perturbaes. A
imagem da nave na tela de radar est bem ntida. Recepo boa, quase sem
interferncias. Piloto automtico em funcionamento.
Vamos coloc-los no solo lunar sos e salvos. Comecem a estender os
suportes de alunissagem. Peo comunicar a execuo desta instruo. Entraremos em
contato aps o pouso. Boa sorte. Cmbio final.
Rhodan empurrou uma pequena alavanca. Os quatro suportes telescpicos da
nave estenderam-se, separando-se do corpo da nave num ngulo de quase quarenta e
cinco graus. O mecanismo hidrulico afastava, cada vez mais, as longas pernas e nas
extremidades inferiores destas, desdobraram-se placas, cuja superfcie de contato era
de quatro metros quadrados.
Pouco depois, a Stardust atingiu o ponto de pouso, seguindo, ainda, a linha de
deslocamento traada no mapa. Alguns desvios ligeiros tinham sido prontamente
corrigidos.
Tudo pronto. Aguardamos contato disse Bell com voz arrastada. Era o momento decisivo, do qual dependia o sucesso do pouso.
Subitamente, sem qualquer outro preparativo, ouviu-se o rudo estridente do
piloto automtico. O impulso havia chegado com exatido infinitesimal.
O mecanismo de propulso do foguete emitiu um rudo ensurdecedor. Era um
empuxo de desacelerao breve, mas extremamente violento, que, com seus 12 G,
eliminou cerca de cinqenta por cento da velocidade da nave.
Passado o choque e iniciada a pausa para correo de descida, os homens
respiraram fundo, mais refeitos do novo golpe. No prximo empuxo de frenagem
teria que ser realizada a correo de curso de sessenta graus e, logo depois, o
posicionamento vertical dos reatores de popa em relao superfcie lunar. Nessa
oportunidade, a nave teria que se encontrar exatamente acima da rea de pouso.
Devia descer sobre o jato por ela expelido com valor de empuxo perfeitamente
dosado. A velocidade final da queda no poderia ultrapassar quatro metros por
segundo.
Os dados passavam como relmpagos pelo crebro de Rhodan. Tudo parecera
extremamente simples e fcil. Agora, deitado no interior daquele mecanismo sensvel
e frgil, pde visualizar as imensas dificuldades que ainda estavam por vir.
A Stardust comeou a cair numa trajetria parablica que formava um ngulo
bem aberto com a superfcie lunar. A gravidade da Lua fazia-se sentir mais
intensamente. Estava na hora de modificar o curso. Os reatores da cmara de
-
combusto no podiam permanecer em posio horizontal; tinham que ser dirigidos
para baixo. A nave caa de lado, como uma tbua, e por si s no poderia efetuar a
correo necessria, colocando o mecanismo de propulso na posio exata.
Menos trs segundos... dois... um... contato exclamou a voz cansada de Bell.
-
SEGUNDA PARTE
A Interferncia
I
O contato veio. Os rudos que o seguiram irromperam pelos amplificadores
como uma torrente de gua. Os silvos extremamente agudos pareciam arrebentar os
ouvidos dos tripulantes sobressaltados. Por uma frao de segundo, Bell olhou para
frente sem nada compreender. Depois, seu rosto largo contorceu-se numa careta de
pnico.
Rhodan enrijeceu os msculos e permaneceu absolutamente imvel. Uma vez
superado o tremendo golpe, ele reagiu com a rapidez do raio. Com um estalo, sua
mo direita ligou a chave reservada para situaes de acidente. As fitas magnetizadas
prenderam os homens aos assentos que se dobraram para trs.
Todos os membros da tripulao ouviram o estridente sinal de alarme emitido
pelo dispositivo automtico. O computador da nave informava de forte interferncia.
As lmpadas que se acendiam demonstravam que o impulso de inverso de curso,
emitido pela estao de controle da Terra, no havia chegado nave. E o computador
acusara, de imediato, os graves riscos que a misso corria.
As luzes dos diagramas se acenderam automaticamente e sem a menor
incorreo.
Desvio gritou Bell fora de si. No chegou nenhum impulso de ignio. Estamos caindo para alm do ponto de alunissagem. As interferncias esto
impedindo a recepo dos impulsos de controle central. So transmitidos exatamente
na nossa freqncia! De onde viro?
Rhodan no perdeu tempo para pensar. A superfcie lunar, iluminada pelo sol
nascente, aproximava-se em velocidade vertiginosa. Rapidamente, ele desligou a
chave geral, interrompendo todos os contatos com a Terra. O uivo demonaco dos
instrumentos terminou. Cessou repentinamente, como se nunca tivesse existido. Uma
campainha comeou a emitir um som estridente. Uma voz gravada em fita do
dispositivo central de direo faz-se ouvir:
Computador eletrnico central assume procedimentos automticos para pouso. Clculos sendo executados. Completos. Iniciaremos a alunissagem. Impulso
de emergncia QQRXQ sendo conduzidos com intensidade mxima para canal 16.
Iniciando alunissagem.
Era o que algum tcnico tinha gravado na fita antes do lanamento. Contudo, a
inteno que todos tinham de pousar, diferia completamente da situao que estava
ocorrendo.
Em um gesto desesperado, tratavam de fazer a nave descer de qualquer
maneira. Naquela altura, j no era mais possvel arremeter e iniciar o caminho de
retorno. A superfcie lunar estava muito prxima e a velocidade da queda voltaria a
subir para mais dois quilmetros por segundo. Nessas condies, a indispensvel
mudana de direo teria consumido tempo demais. Tratava-se de um pouso de
-
emergncia que teria que ser realizado fossem quais fossem as circunstncias. Pouco
importava que abaixo da popa flamejante se estendesse uma plancie ou se erguesse a
encosta de uma cratera de rochas agudas e paredes ngremes.
O mecanismo de propulso entrou em funcionamento. Os dispositivos fizeram
a nave girar com tamanha rapidez que ela assumiu imediatamente a posio vertical.
A proa pontuda apontava para o cu absolutamente escuro que na Lua, desprovido de
atmosfera, se identificava com o espao sideral. Algum gritou alguma coisa.
Ningum sabia quem.
Rhodan no deu ordens tripulao. No faria nenhum sentido. Numa
situao como aquela, nenhum homem poderia fazer qualquer coisa, nem mesmo ele,
que reagira imediatamente. Os clculos e as manobras necessrias s podiam ser
feitos pelos computadores. O crebro humano no funcionaria com tamanha
velocidade, mais ainda numa situao angustiante como aquela.
A encosta recortada de uma cratera surgiu na tela que estava acoplada ao
dispositivo que captava as imagens do exterior da nave. As paredes da cratera
estavam iluminadas pelo jato incandescente expelido pela cmara de combusto.
Bell gritou alguma coisa. E era de admirar que com 16 G de presso ainda
conseguisse emitir algum som.
Ouviram-se, ento, fortes rudos abafados. Um novo solavanco afundou-os nas
camas pneumticas. A estrutura da nave rangeu como se fosse partir ao meio e
algumas conexes e instrumentos se quebraram. Logo, seguiram-se vibraes e
sacudidelas intensas. Mas, antes que as oscilaes da nave cessassem, fez-se um
silncio to profundo e repentino que os sentidos puseram-se em alerta. O barulho
feito pelos suportes de alunissagem tambm havia cessado e o indicador pendular
indicava que a nave estava em posio vertical. Uma lmpada verde, acima de
Rhodan, brilhava sem cintilaes, emitindo uma luz tranqila e constante. Em meio
ao silncio, ouviu-se uma estridente e histrica gargalhada.
Capito Fletcher! Rhodan no falou alto, mas sua voz tinha algo de cortante. Os sons agudos
cessaram. Quando Fletcher se calou, as linhas duras do rosto de Rhodan se
descontraram. Nos olhos do comandante surgiu uma expresso calma.
Est bem, Fletcher, esquea! A lmpada verde brilhava e por meio dela o computador central transmitia um
sinal silencioso. A nave estava de p e, aparentemente, sem maiores avarias.
Bell exibia um sorriso de espanto. Parecia recusar-se a crer no que acontecia.
O Dr. Manoli ficou, como sempre, calado. Os olhos negros davam vida ao rosto
plido. Pareciam indagar.
Rhodan causaria, ainda, um choque aos tripulantes. Naturalmente, eles
esperavam alguma observao sobre o pouso de emergncia bem sucedido. Seria um
procedimento bvio. Qualquer homem normal teria reagido dessa forma, nem que
fosse apenas por meio de um breve suspiro de alvio. Era de se esperar que surgisse
alguma atitude relacionada com a angstia terrvel dos ltimos instantes. Mas
Rhodan reagiu de outra forma:
Fletcher, voc vai fazer o favor de verificar imediatamente a localizao da emissora desconhecida que provocou a interferncia. Os dados esto gravados nas
fitas magnticas do computador central. Quero ver se voc bom mesmo em
matemtica!
E nada mais disse.
-
II
O nome do homenzinho vivaz que exibia um rosto jovial sob a calva enorme
era Allan D. Mercant. Era sempre fcil reconhec-lo graas faixa de cabelos que lhe
circundava a cabea e cujo tom castanho-dourado era interrompido por algumas
mechas grisalhas nas tmporas.
Allan D. Mercant era uma criatura pacata; uma dessas almas piedosas que
retiram minhocas e insetos das alamedas de um jardim para evitar que sejam pisados.
Mas essa fragilidade aparente era apenas no que dizia respeito sua vida ntima. No
que concernia ao aspecto funcional, ele era o homem-forte, a eminncia parda do
Conselho Internacional de Defesa, que trabalhava em estreita colaborao com os
organismos de defesa e servios secretos do Ocidente. A OTAN supervisionara a
criao do Conselho Internacional de Defesa dando-lhe a denominao oficial de
Agncia de Informao e Segurana. Assim, Mercant estava subordinado diretamente
ao alto-comando da OTAN.
Quando ele entrou no salo de conferncias em companhia de um homem de
meia-idade, o rudo abafado das conversas parou.
O general Pounder, chefe da Fora Espacial, fez as apresentaes. Tratava-se
de uma reunio secreta que estava sendo realizada no prdio da Administrao
Nacional de Aeronutica e Espao NASA em Washington. Allan D. Mercant no tomou o tempo dos presentes com rodeios. O rosto
juvenil e moreno, encimado pela testa larga, era amvel e muito simptico. Apontou
para uma pilha de jornais que se via numa das extremidades da mesa.
Cavalheiros, acho que no h mais necessidade de conversarmos a respeito da causa destas notcias. Compreendo, general, que lhe tenha sido impossvel manter
os reprteres indefinidamente em Nevada Fields. De qualquer maneira, recebemos
um nmero considervel de crticas, algumas em termos bastante enrgicos, mas
creio que o coronel Kaats tenha conseguido contornar as mesmas, solucionando-as a
contento.
O homem de meia-idade que estava a seu lado confirmou com um aceno de
cabea. O coronel Kaats era da Polcia Federal e exercia as funes de chefe da
Diviso Especial de Defesa Interna.
Algumas notcias veiculadas pelos jornais e pela televiso so bastante inquietantes. Segundo estas fontes, a Stardust no desapareceu, apenas, mas caiu
sobre a superfcie da Lua. s vezes, as notcias so to ricas em pormenores que no
podemos deixar de nos perguntar at onde elas so verdadeiras. As fontes destas
informaes nos parecem o ponto de maior importncia. Fao estas consideraes
apenas para situ-los com maior perfeio dentro de todo o problema. E posso
adiantar que j comeamos a investigar com o maior cuidado.
Mercant olhou pensativo seu relgio, antes de prosseguir.
O fato que a nave Stardust est desaparecida h mais de vinte e quatro horas. Por enquanto, preferimos considerar a idia de simples desaparecimento, o que
nos deixa, ainda, com uma pontinha de esperanas. O ponto que me interessa a
opinio dos senhores sobre os editoriais de alguns dos jornais de maior circulao,
nos quais se afirma, clara e expressamente, que teria sido recebida uma mensagem de
socorro procedente da nave espacial. Teria sido o sinal QQRXQ que, no cdigo da
Fora Espacial, designa um ataque, uma perturbao proposital do controle remoto e
a iminncia de uma queda. Caso isto tenha ocorrido, peo que me sejam fornecidos
-
dados completos.
Allan D. Mercant cumprimentou os presentes com um gesto amvel e sentou-
se.
Com um movimento cansado, o rosto marcado por rugas de preocupao, o
general Pounder levantou-se. Sua voz parecia fraca e era indisfarvel um tom de
desapontamento.
O senhor tem razo. O sinal QQRXQ designa esses conceitos. No sabemos, ainda, como certos reprteres conseguiram o cdigo. Pedi providncias ao
nosso setor de segurana mas, at agora, no tivemos qualquer resposta. A recepo
do sinal, porm, no tem nada de misterioso. Algumas das maiores estaes de
rastreamento estavam com suas antenas apontadas para o plo sul lunar e tnhamos
pedido, tambm, o auxlio dos maiores observatrios do mundo. bastante vivel
que algo tenha transpirado, o que, evidentemente, no explica o conhecimento do
cdigo por parte de alguns dos jornalistas presentes base. tudo o que tenho para
informar.
Esqueamos, por enquanto, estes fatos. Gostaramos de saber o que aconteceu, realmente, com a nave. Admite a possibilidade de uma interferncia
consciente e proposital nas mensagens do controle central? Pelo que eu soube, por
intermdio de peritos no assunto, isso s seria possvel por meio de um emissor
colocado na Lua.
Pounder inclinou a cabea. Nos seus olhos cintilou um reflexo de raiva
impotente.
Por mais absurdo que possa parecer, isso mesmo. No h qualquer outra possibilidade. Fizemos, nas ltimas vinte e quatro horas, uma verificao detalhada e
completa de toda a nossa aparelhagem. E exclumos completamente a eventualidade
de uma falha em nossos equipamentos. Segundo, tambm, uma anlise acurada dos
fatos, chegamos a duas concluses.
Pounder tirou um leno e enxugou o suor da testa. Respirando pesadamente,
prosseguiu:
O major Rhodan pode ter dado um sinal codificado errneo, ou ento os receptores da nave foram danificados com a forte interferncia. No que diz respeito
ao major Rhodan, achamos impossvel que um homem com as qualificaes do
major possa ter cometido um erro to absurdo. O senhor sabe que ele considerado o
mais experimentado piloto de provas e cosmonauta de nosso pas. Alm disso, os
clculos efetuados provam que no momento decisivo, o foguete escapou ao controle
de terra. Considerando o ngulo da queda, a gravidade lunar e o peso da nave, esta
deve ter tocado o solo a cerca de sessenta ou setenta quilmetros da regio polar.
bastante provvel que tenha realizado um pouso de emergncia sem maiores danos.
Embora no possamos deixar de admitir a possibilidade de ter havido perda total.
Quem sabe?
Os olhos de Mercant, antes lmpidos, tornaram-se sombrios. O coronel Kaats
pigarreou discretamente. Os dados conferiam com aqueles coletados pelo servio de
defesa.
Admitamos, general apenas admitamos que o equipamento de bordo tenha sido avariado por fora de uma interferncia muito forte. Qual a concluso que
devemos tirar disso? disse Mercant, falando devagar. Pounder pareceu perturbar-se com a pergunta. Seu rosto plido tornou-se
quase rubro.
Pelas informaes recebidas, senhor, um foguete da Federao Asitica
-
teria subido ao espao juntamente com a Stardust.
Se esta nave atingiu a Lua antes da nossa, e se pousou no mesmo local
previsto para a alunissagem desta ltima, pode ter realizado uma interferncia bem
sucedida na mesma freqncia por ns utilizada.
O senhor acha que uma operao como esta pressupe conhecimentos muito detalhados por parte dessa gente? perguntou Kaats incrdulo.
claro que sim! exclamou Pounder irritado. Acho que cabe ao servio secreto esclarecer este ponto. Sou especialista em naves espaciais, coronel,
todavia quero ressaltar que uma interferncia como a que foi feita nas nossas
emisses s pode ter sido realizada por um transmissor colocado na Lua, se que a
nave recebeu um ataque deste tipo. E h bastante razo para se crer nesta
possibilidade. Ns operamos o transmissor mais potente do mundo. Se algum
tentasse uma interferncia partindo da Terra, ainda assim nossos sinais teriam
chegado Stardust. S mesmo um transmissor colocado na superfcie lunar poderia
conseguir interferir com sucesso nas nossas transmisses.
Pounder sentou-se com um movimento brusco. Parecia esgotado.
Mercant fitou-o sem proferir uma palavra. Estava com a testa franzida.
A Defesa Internacional cuidar do caso decidiu. No demoraremos a saber se o comandante da Stardust cometeu algum engano lamentvel ou se houve
interferncia de interesses estranhos. No seria vivel admitir a idia de, por
exemplo, uma falha no equipamento de bordo da nave?
O professor Lehmann ergueu a cabea estreita. Parecia procurar as palavras
mais adequadas. Depois, disse, indignado:
A Stardust no apresentou qualquer defeito. Seu mecanismo funcionou perfeitamente. No momento no posso apresentar os dados que disponho para
comprovar o que digo. S esperamos que a tripulao entre em contato conosco. Se
os homens chegaram ao solo lunar sos e salvos, Rhodan encontrar um meio. Os
receptores da nossa estao espacial esto ligados. Caso Rhodan consiga chegar
face visvel, poder transmitir sinais de rdio. At ento, s nos resta esperar. No h
outra alternativa.
Dentro de quanto tempo estar pronta para lanamento a nave gmea da Stardust? perguntou o chefe do servio secreto.
A demora ser de cerca de dois meses, no mnimo respondeu Pounder. At l, meus homens morrero asfixiados, se que ainda esto vivos. Seu suprimento de oxignio suficiente para cinco semanas no mximo e, se
economizarem de modo extremo, seis semanas. Mais do que isso impossvel. Se for
necessrio, podemos fazer pousar uma sonda no tripulada perto do plo sul lunar.
Mas muito duvidoso que esta operao de abastecimento seja bem sucedida. Afinal,
nossos homens teriam que encontrar a sonda. Estamos numa situao desesperadora.
Allan D. Mercant deu a sesso por encerrada com uma rapidez extraordinria.
No momento, nada mais havia para dizer. A nave Stardust continuava desaparecida.
Uma srie enorme de problemas amontoava-se diante dos presentes.
Antes de sair da sala, o chefe do servio secreto disse, com um sorriso
misterioso:
Lamento informar-lhes, cavalheiros, mas a nave asitica a que se referiram, explodiu no ar aps o lanamento.
Pounder ergueu-se de um salto. Incapaz de abrir a boca, fitou Mercant.
O homenzinho passou a mo pelos olhos.
Sinto muito, mas os senhores tero que procurar outra causa. No houve
-
qualquer outra nave que subisse ao espao ao mesmo tempo que a Stardust. De onde
teria vindo, ento, o transmissor colocado na Lua? H coisas que no me parecem
bem claras. Apesar de tudo, os senhores recebero, logo, notcias minhas.
E, em voz baixa, acrescentou:
O fato que ns tambm acreditamos que no houve falha por parte do comandante da nave. Caso lhes seja possvel provar que todo o equipamento de
bordo funcionou com perfeio, estaremos ento s voltas com um problema que se
me afigura extremamente difcil. Peo que todos os dados disponveis sejam
fornecidos o quanto antes equipe de cientistas da Defesa Internacional. O senhor h
de compreender que teremos que chegar a um resultado convincente.
Rhodan no falhou afirmou Pounder. E poderemos provar que todo o mecanismo de controle da nave funcionou com perfeio. A mudana repentina do
ngulo de queda uma prova. Ela foi constatada no ltimo instante. Poderemos
apresentar-lhes todas as provas possveis...
Allan D. Mercant cumprimentou-os com um gesto e saiu. Subiu ao terrao do
prdio e entrou, pensativo, no seu helicptero. Um cu lmpido cobria a cidade
naquele dia ameno de junho.
Vamos enfrentar tempos difceis, Kaats murmurou. Tenho fama de possuir um sexto sentido e ele j se manifestou h alguns minutos.
Kaats estreitou os olhos. Era verdade, Mercant possua uma estranha intuio.
Farejava o perigo e as dificuldades com a mesma eficcia de um co de caa.
Segundo os boatos, ele era dotado de um crebro superdotado, alm de todos os
limites da capacidade mental conhecida. Esta e outras qualidades levaram-no, em
pouco tempo, chefia da Defesa Internacional.
III
Os membros da tripulao tiveram que esperar vinte e quatro horas at que a
radioatividade do solo lunar se reduzisse por ao das substncias pulverizadas no
local.
Perry Rhodan saiu da nave em primeiro lugar, quando o contador s registrava
poucas incidncias com um valor ligeiramente inferior a 35 miliroentgens. Todos
permaneceram em silncio. No houve qualquer manifestao de jbilo.
Apertaram-se as mos e fitaram-se nos olhos sem dizer uma palavra. Tinham
certeza de serem os primeiros homens a pisarem no solo lunar.
Um dos suportes de pouso fora danificado no choque violento contra o cho.
De resto, a Stardust no sofrer qualquer avaria sria. Em virtude da radiao, que
ainda era intensa, no era possvel verificar o mecanismo propulsor. Todavia, um
teste rpido mostrara que ele estava em perfeitas condies.
O grande gerador de fora tambm funcionava com perfeio absoluta e, o
estado dos dispositivos de renovao do ar e controle da temperatura, no podia ser
melhor.
Havia pequenas avarias que poderiam ser reparadas, mas o que inspirava
maior preocupao era a deformao do suporte de pouso. Segundo as estimativas do
capito Bell, seriam necessrios pelo menos seis dias para p-lo em ordem. O ao-
molibdnio era um material difcil de ser trabalhado.
Cerca de trinta e seis horas aps o pouso forado, retiraram do compartimento
de carga a tenda pneumtica uma enorme esfera de fibra sinttica.
-
O contedo de um pequeno tubo de ar comprimido foi suficiente para inflar a
tenda dando ao material a consistncia do ao. A ausncia de presso externa tinha,
tambm, as suas vantagens.
O longo recinto estava firmemente ancorado no solo rochoso. A face externa
bem polida refletia a luz do Sol num brilho intenso. Os membros da tripulao
estavam instalando o mecanismo regulador da temperatura e o conduto do ar. Por
enquanto, s havia ar no espao entre as duas paredes da tenda. A construo tinha
sido testada na Terra sob condies que simulavam as existentes na Lua. S mesmo
um meteoro poderia representar perigo.
A determinao exata da sua posio revelara-se bem simples. As numerosas
viagens ao redor da Lua haviam permitido a confeco de mapas excelentes, de modo
que puderam determinar sem a menor sombra de dvida o local em que se
encontravam.
A Stardust havia pousado a cerca de 82 quilmetros alm do plo sul lunar, j
na face oculta do satlite. O Sol aparecia com o formato de uma foice. Mal e mal
surgia acima do horizonte lunar que se encontrava bem prximo.
As crateras que rodeavam o local de pouso eram conhecidas e estavam
registradas no mapa. O mesmo acontecia com o pequeno planalto que se erguia entre
duas encostas. S mesmo por um acaso a nave tocara o solo justamente neste ponto.
Caso tivesse descido entre as rochas pontiagudas da cadeia circular de montanhas,
teria sido, quase que infalivelmente, o fim.
A Terra no era visvel. Ficava muito alm do horizonte visual. Isso
impossibilitava o envio de mensagens de rdio. A nica manifestao de Rhodan face
s dificuldades com que se defrontavam foi uma contoro juvenil nos lbios.
Nenhum dos tripulantes da nave revelava sinais de desespero ou desnimo. Apenas
Fletcher estava mais quieto do que o costume.
Rhodan observou este fato sem fazer comentrios. Fletcher pensava com
demasiada freqncia no lar, na esposa e no filho que estava para nascer. Mesmo que
isso no constitusse motivo de uma preocupao maior, justificava um certo grau de
inquietao. Rhodan decidiu dedicar ateno especial ao gigante.
Com um lento movimento de cabea, o major olhou em redor. O gesto foi
lento e cuidadoso. Ele estava de p sobre um dos numerosos cumes da cadeia de
montanhas. Do lado interno, a encosta descaa, abruptamente, para o fundo da
cratera. Algumas crateras menores eram testemunhas da queda de meteoros, contra
os quais o satlite, desprovido de atmosfera, estava exposto sem a menor proteo.
Cerca de 400 metros abaixo, o nariz pontudo da Stardust apontava para o
espao. No horizonte, o Sol emitia uma luz ofuscante e implacvel. As rochas da
encosta exposta aos raios diretos j comeavam a absorver calor. Porm, perto da
zona de penumbra, a temperatura ainda era suportvel.
Rhodan no estava preocupado com estas coisas. Ele estava bem consciente
dos problemas e perigos e tinha um excelente preparo psicolgico para enfrent-los.
Alm do mais, ele sabia que o avano da tecnologia capacitava-os a realizar tarefas
que, h vinte ou trinta anos, seriam consideradas impossveis.
Seu traje espacial, por exemplo, era uma verdadeira maravilha em termos de
mecnica de preciso. Sua construo ocupara centenas de homens. Cada pea tinha
que se ajustar s outras com perfeio milimtrica. O traje, por si s, j era uma
demonstrao da elevada capacidade tcnica desenvolvida pela espcie humana.
Rhodan contemplou a paisagem imensa e desoladora. A regio era menos
montanhosa e acidentada que outras reas da Lua. Assim mesmo, tambm aqui no
-
havia o menor vestgio de vida. O contraste tremendo entre a luz violentamente
ofuscante do Sol e a escurido mais profunda dava um aspecto de pesadelo aos traos
da paisagem. No havia sombra, no verdadeiro sentido da palavra; no existia
nenhuma transio confortvel entre a luz do Sol e um suave crepsculo.
As regies no atingidas pelos raios solares mergulhavam na escurido
absoluta. Tambm nesse ponto se fazia sentir o envoltrio absorvedor da atmosfera.
As temperaturas chegavam a extremos bastante acentuados. Tudo isso produzia, no
esprito humano, um efeito estranho.
Longe, ficavam os contornos bem conhecidos da regio polar, tornados
invisveis pela proximidade do horizonte. Perry Rhodan tivera motivos de sobra para
escalar a cadeia de montanhas. No se percebia qualquer objeto que destoasse da
paisagem. Era verdade que a Stardust e a tenda reluzente formavam corpos estranhos.
Mas eram seus velhos conhecidos. A essa altura, inclusive, j faziam parte da
paisagem.
Um sorriso quase imperceptvel aflorou-lhe aos lbios. Num ceticismo que
condizia bem com o autodomnio que o caracterizava, perguntou-se com que direito
fazia essa constatao. Chegou concluso de que a mesma devia resultar de uma
certa arrogncia resultante de sua concepo humana. O homem costumava conservar
e considerar como objeto de sua propriedade tudo aquilo que havia conquistado com
trabalho e sacrifcio. Por isso, a nave Stardust fazia parte da paisagem.
Ao surpreender-se com essas reflexes, Rhodan deu uma risada.
Imediatamente, o pequeno amplificador embutido no seu capacete comeou a estalar.
Ouviu-se uma voz ligeiramente preocupada.
O que houve, Perry? disse a voz. Alguma dificuldade? Aconteceu alguma coisa?
Rhodan sorriu para si mesmo. Seus olhos se estreitaram como se estivesse
absorto com algum pensamento.
Perry! Responda! O que houve? gritou Bell com mais fora. Ele tinha certeza que ouvira a risada de Rhodan pelo seu amplificador.
Tomei a liberdade de rir disse Rhodan. O amigo se ope? Ouviu-se uma praga.
Este sujeito est em cima de uma cratera lunar, s e abandonado e acha motivos para ficar rindo disse Bell indignado. Voc ouviu Fletcher? O sujeito est l em cima e ainda ri!
J alguma coisa disse a voz mal-humorada no alto-falante. Estou me esforando h meia hora para cocar as costas e no consigo. bem onde esto os
tubos de oxignio.
Bell tornou a chamar Rhodan. A voz daquele parecia uma exploso. O major
teve que reduzir o volume.
Perry, como est o ar a em cima? soou sua voz. Teremos trovoada respondeu Rhodan em tom seco. Bell ficou calado. O humor de Rhodan era invencvel.
Digo isso, porque na Lua o ar muito carregado acrescentou com voz suave.
Compreendi, comandante. Mas qual a vantagem em saber disso? exatamente o que penso! Mas eu estava me esforando para tornar a
informao o mais exata possvel. De agora em diante, no dependeremos mais do
som, mas da viso. Certo? Ento, meu caro, a que distncia eu estou da?
Cerca de 850 metros soou a voz divertida do Dr. Manoli. Para ser
-
mais preciso, 852 metros. Estou junto ao radar e ele me deu sua posio exata.
Eficiente, no ?
Muito mais que isso! disse Rhodan, rindo. Bell, tenho uma tarefa para voc. Pegue a pistola automtica, regule a luneta para um aumento de dez vezes
e a ala de mira para 850 metros. Depois, descarregue metade de um pente de balas
naquele bloco de pedra que se parece com a cabea de um gigante. Fica cerca de 50
metros a minha esquerda. Est vendo?
Estou confirmou Bell. Posso saber apenas para que a brincadeira. No estou brincando. Quero saber os efeitos de um projtil-foguete em
miniatura. Estou interessado, principalmente, na fora de impacto e na energia da
exploso. Comece. Preste ateno para sentir a natureza do recuo sob as condies de
gravidade daqui.
No vai haver recuo disse Bell. Cada projtil tem sua prpria carga propulsora e funciona nos moldes de um foguete. No h cpsulas. O projtil e a
espoleta saem ao mesmo tempo. A velocidade de sada de 2.480 quilmetros por
segundo. A pontaria exata e segura e, positivamente, no h fora de recuo. Caso o
senhor no saiba, colhi informaes bem detalhadas a esse respeito.
Bom menino! disse Rhodan com ironia. Agora, atire, mas por favor, no me confunda com as rochas.
Bell soltou uma risada trovejante. Fletcher observou-o em silncio, enquanto
ele levantava a arma pesada e enorme, com a coronha muito curta e o cano de grande
dimetro. Segundo determinaes de segurana, os tripulantes s deviam sair da nave
com a arma na mo.
O capito Bell estava parado diante da tenda pressurizada, cuja montagem
ainda no havia sido concluda. Mais adiante, a menos de trinta metros, o foguete
erguia-se no cu lunar.
Bell ajustou a luneta do visor para um aumento de dez vezes, e a distncia
para 850 metros.
A luz vermelha da ignio eltrica comeou a brilhar e o primeiro projtil
deslizou para dentro da cmara de ignio. O calibre dos projteis era reduzido. No
passava de seis milmetros e tinham o comprimento de um dedo. Sua potncia
explosiva, no entanto, era enorme.
Bell hesitou por uns momentos. O alvo ficava muito longe, embora o visor o
trouxesse para muito perto.
Vamos soou uma voz enrgica. O que est esperando? Faa de contas que foi esse bloco de pedra que perturbou o nosso sistema de controle remoto.
Ento?
Bell soltou uma praga. Finalmente compreendia aonde Rhodan pretendia
chegar. A experincia adquiriu um novo sentido. A idia de uma brincadeira intil
desvaneceu-se.
Se voc concordar, ajustarei a arma para dez tiros, fogo espaado disse com um tom seco na voz. Preciso ver at onde consigo chegar com esta arma.
Certo! Pode comear. Bell encostou a coronha da arma no ombro.
O bloco de pedra surgiu no visor bastante aumentado. Ele lembrou-se que a
distncia a ser vencida no representava nada para esses projteis, cuja velocidade era
tremenda. No havia necessidade de levantar o cano da arma acima do alvo. Com a
reduzida fora de gravidade do satlite da Terra e a ausncia de atrito do ar, o projtil
descreveria uma trajetria quase retilnea. O visor tinha sido ajustado para tais
-
condies, de maneiras que o atirador pudesse visar alvos colocados a quilmetros de
distncia. E as probabilidades de acertar o alvo eram muito grandes.
Quando Bell acionou o contato de ignio, Fletcher conteve a respirao. Mas
no houve o mais leve rudo. Na terra, ouvir-se-ia o assobio estridente e a chicotada
produzida pela sada do projtil. Aqui, o disparo foi cercado de um silncio
fantasmagrico.
O nico sinal visvel foi a sada de chamas luminosas pela abertura para
escapamento de gases, existente no cano da arma.
Bell estava estupefato.
Percebeu alguma coisa? perguntou. Que diabo! Terei que me acostumar a esta maneira de disparar uma arma. No senti o mais leve recuo.
, mas as lascas de pedra foram atiradas at o lugar onde me encontro ouviu-se uma voz rpida. Acho que antes de voc diminuir a presso no gatilho o projtil j tinha atingido o alvo. A rapidez incrvel. O bloco de pedra apresenta um
furo de uns 30 centmetros de dimetro e mais ou menos o mesmo de profundidade.
E olhe que granito. Tente uma rajada mais longa. A arma de uma preciso
fantstica.
Bell puxou o gatilho. As chamas luminosas dos projteis lhe fustigavam os
olhos. Do ponto onde estava, Rhodan viu a trajetria luminosa dos projteis,
representada pela queima do combustvel slido que os impelia. Quando penetraram
na escurido que se formara na encosta, surgiu um trao incandescente e antes que
Bell compreendesse o que se passava, o carregador da arma estava vazio.
Do bloco de granito restavam apenas lascas que, atiradas para o ar, voltavam
ao solo com enervante lentido.
Rhodan acompanhara atentamente a srie numerosa de exploses. Realizaram-
se em silncio e sem a menor vibrao. Revelavam-se, apenas, atravs da chuva de
pedras e dos relmpagos chamejantes.
Pode parar, Bell disse com voz abafada. Temos que reconhecer que a seo de armamento nos deu um brinquedo mais que eficiente. Por quanto tempo
voc apertou o gatilho?
Uns dois minutos respondeu Bell. E o carregador est vazio! Disparei noventa tiros em um instante!
Est certo. A cadncia de tiros de cerca de cinqenta por minuto. Muito bem! A experincia terminou. Vou descer. Eric, a comida est pronta?
Est. Pelo menos, fiz o que pude. Rhodan comeou a descer. Era fcil vencer as fendas e outros obstculos do solo. A leveza proporcionada pela ausncia
de gravidade facilitava muitas coisas.
Aps alguns minutos, estava diante da tenda pressurizada. A montagem da
conexo de ar estava concluda e a aparelhagem reguladora da temperatura tinha sido
ligada s instalaes da nave.
O enchimento consumiu alguns litros de oxignio lquido explicou Fletcher. Ser que vale a pena desperdiar um gs to precioso? Quem sabe se no precisaremos dele, um dia, para abastecer o interior da Stardust? Nossa reserva
limitada.
Rhodan postou-se diante dele, ereto. Ainda assim, Fletcher o ultrapassava em
altura por alguns centmetros.
Ora, Fletcher, voc est se preocupando por nada. O reparo de suporte de pouso exige habilidade e liberdade de movimentos. No quero ter os movimentos
embaraados por um traje espacial quando tivermos que trabalhar com o ao-
-
molibdnio. E tambm no quero ficar parado neste vazio
Fletcher piscou os olhos em direo ao cu estrelado que se apresentava de
uma limpidez incrvel.
Foi s uma idia murmurou. Nos seus lbios surgiu, por instantes, um sorriso de desnimo.
Voc estava pensando em sua volta Terra, no ? Quem sabe, no beb? perguntou Rhodan, calmamente.
Fletcher ficou calado. Seu rosto transformou-se.
No h problema. Compreendemos perfeitamente. Mas convm que voc no pense demais nisso. Nosso plano foi estabelecido e ns tivemos bastante tempo
para discuti-lo em detalhes. S partiremos para uma viagem de explorao quando a
Stardust estiver completamente reparada. No podemos arriscar uma partida imediata
seguida de uma alunissagem alm do plo, pois o suporte danificado no agentaria o
choque. lgico que poderemos subir alguns quilmetros e entrar em contato visual
direto com a Terra atravs de uma manobra adequada. Mas, como j disse, teramos
que pousar novamente. Com isso, a nave seria danificada de tal maneira que no
conseguiramos repar-la com os recursos de que dispomos. Se chegssemos a uma
situao dessas, eu tambm duvidaria da convenincia de desperdiar oxignio com a
tenda pressurizada. Mas, agora, estamos em condies de faz-lo, no ?
Um sorriso indiferente surgiu no rosto de Rhodan. Enquanto que Fletcher
continuava a olhar para o espao.
claro que sim respondeu. Acontece que ocorreu-me mais uma pergunta. No seria conveniente iniciar imediatamente a viagem de retorno?
Conseguimos realizar um pou