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que propunham agendas alternativas. Participei na Escócia numa cimeira contra o G8, foi uma experiência muito interessante, de acção de rua, muitos debates e muitos fóruns de discussão. Como participei também em fóruns sociais que existiram: lembro-me, por exemplo, do fórum europeu em Londres e em Atenas: que juntavam todo o tipo de movimentos que acham que um outro mundo é possível, ou seja, que nós não estamos condenados a aceitar as injustiças do mundo tal como elas existem mas que devemos lutar para combater essas injustiças. Pode partilhar connosco alguma história ou experiência concreta que tenha vivido nesse contexto? Por exemplo na contra cimeira tive uma experiência interessante, que foi a de um bloqueio de uma base nuclear que havia em Faselein. Uma vez também fomos para um campo de detenção de imigrantes, chamado de “acolhimento” de imigrantes, onde eles são presos para depois serem deportados, numa Europa que precisa do trabalho dos imigrantes, mas que clandestiniza as suas migrações para não ter que lhes reconhecer direitos de cidadania e de trabalho. Foram experiências de confronto com a repressão, não tanto sentido de violência policial, mas de controlo muito grande de todos os movimentos de protesto e sociais. Entre outras coisas uma vez organizamos um debate sobre a escola da ponte que me fez pensar numa forma muito diferente na escola e me marcou muito. O José Pacheco, da escola da Ponte, que é estrábico, abriu o debate dizendo: “eu tenho uma forma muito diferente de ver o mundo, vocês devem ter percebido, eu olho para as coisas de outra forma e acho que um debate sobre a escola deve começar por questionar tudo: temos aulas. Para que que servem as aulas? Temos turmas, para que servem as turmas? Temos professores, precisamos de professores? Temos testes, para que servem os testes?” E se nós soubermos responder a estas perguntas, talvez comecemos a pensar na escola de que precisamos… o que não podemos fazer é aceitar tudo o que existe como se fosse a única possibilidade. A realidade não pode ser aceite como tudo o que existe. A realidade é apenas uma parte da realidade porque além da realidade existem as possibilidades. A realidade é isso tudo: o que existe e a possibilidade do que existe ser diferente. Um dos problemas do conformismo é a incapacidade que ás vezes temos de imaginar alternativas para o mundo e para os espaços onde estamos . Com 24 anos tornou-se deputado. Como é ser deputado tão jovem? Não sei como é que é ser deputado sem ser tão jovem (risos). Foi uma responsabilidade muito grande e uma experiência muito interessante, isto de ter acesso a um dos lugares onde as nossas vidas se decidem, querendo nós ou não. O que não quer dizer que o parlamento não é o reflexo da sociedade: não se mudam as coisas só no parlamento, é preciso mudar a sociedade… Eu penso que devemos estar no Parlamento de forma sempre muito vigilante e cautelosa para conseguimos ser também críticos em relação aquela instituição e para não nos deixarmos fechar lá: a vida está cá fora. Quais são as causas que mais defende no Parlamento? relação entre elas e a sua idade ou experiência de vida? Estou ligado à educação e em particular ao Ensino Superior, o que está relacionado com a minha vida… também estou associado às discriminações e às questões da precariedade. Estas são algumas das questões centrais que caracterizam a experiência juvenil: o contacto com o mercado de trabalho, por exemplo. A experiência tanto da escola como da precaridade são marcantes nos jovens. Alguma vez foi diferenciado pela idade que tem ou sempre esteve completamente em de igualdade com todos os outros deputados? As pessoas com quem namorei foram mesmo muito importantes (...). Ao partilharem comigo a sua sensibilidade, a sua intimidade e as suas experiências, abriram-me os olhos para outras coisas que eu não conhecia. Faço de questão de lembrar quem acha que não, que estamos todos em pé de igualdade. Todos os deputados têm a mesma legitimidade e são titulares da mesma soberania porque foram eleitos directamente pelo povo e portanto não aceito que tentem subalternizar isso. Do ponto de vista prático, o Parlamento acaba por reflectir a sociedade conservadora em que vivemos . Os estereótipos e formas de dominação que existem na sociedade são reproduzidas. A nossa tarefa é sermos intransigentes com essas formas de dominação:eu tento que a discussão seja em torno das ideias que cada um defende e não em torno da sua idade ou género. quem pense que a idade confere um estatuto de superioridade sobre os outros. Há alguns temas que as pessoas sentem que não são para jovens falarem: há deputados que pensam que os temas do trabalho são para deputados da área do direito do trabalho debaterem e não são. O tema do trabalho é para todos nós debatermos porque determina nossa vida… Está envolvido no Teatro Fórum também conhecido como Teatro do Oprimido. Em que é que consiste este género de teatro? Como tomou conhecimento dele e resolveu participar? O teatro do oprimido tem como ideias fundamentais a de que toda a gente pode fazer teatro. Ou seja, o teatro é uma linguagem humana por excelência e todos nós no nosso dia-a-dia, na nossa vida somos teatro. Estamos permanentemente a desempenhar papeis sociais que significam que há certas posturas e guiões de acção que vamos fazendo. O que o Teatro do Oprimido nos diz é que devemos tomar consciência da linguagem teatral e podermos utiliza-la para analisar e transformar a nossa vida. Esta é a primeira ideia revolucionária do Teatro do Oprimido: algumas pessoas fazem do teatro a sua profissão mas todos podemos usar a linguagem do teatro para olhar para os nossos problemas. A segunda ideia é de que não devemos ser espectadores passivos do que acontece. O teatro do Oprimido parte da ideia também de que todos nós devemos ser espectatores: olhar e transformar o que acontece. No teatro fórum encenamos um problema sem solução e vamos substituindo o protagonista para encontrarmos soluções diferentes para o problema através da prática. Tomei contacto com o teatro do oprimido na Irlanda em 2002 e entusiasmou-me muito a ideia de podermos falar da nossa vida e da política usando a mais completa das linguagens humanas: o teatro. O que é que o teatro do Oprimido lhe trouxe de novo e de positivo e o que acha que pode trazer às outras pessoas? A mim trouxe-me muitos momentos divertidos, em primeiro lugar. Sem o teatro do oprimido ter-me-ia rido muito menos até hoje, trouxe-me uma capacidade de escuta que eu não tinha. Quem dinamiza oficinas do teatro do oprimido tem de ouvir estórias e respeitar o ponto de vista de quem conta a história. Trouxe-me também uma forma de participação muito mais entusiasmante e mais democrática que as formas de votação. Nestas oficinas discutimos política porque discutimos as nossas vidas e procuramos soluções para ela não numa política abstracta e de discussões interpartidárias… e não precisamos de falar a língua dos políticos para fazer política e este é o maior potencial do teatro do oprimido: toda a gente pode fazer política, até os políticos. Estudou Sociologia, porque essa área de estudos? É uma boa pergunta! Primeiro pensei em ir para francês porque gostava muito de literatura e de música francesa. Depois acabei por ir para sociologia porque o essencial da sociologia é a curiosidade por aquilo que se passa à nossa volta. Curiosidade Desde muito jovem que José Soeiro se dedicou ao activismo em nome de diversas causas InterNacional, 14 de Dezembro 2010 5

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O que é que o teatro do Oprimido lhe trouxe de novo e de positivo e o que acha que pode trazer às outras pessoas? Quais são as causas que mais defende no Parlamento? Há relação entre elas e a sua idade ou experiência de vida? Está envolvido no Teatro Fórum também conhecido como Teatro do Oprimido. Em que é que consiste este género de teatro? Como tomou conhecimento dele e resolveu participar? Não sei como é que é ser

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que propunham agendas alternativas. Participei na Escócia numa cimeira contra o G8, foi uma experiência muito interessante, de acção de rua, muitos debates e muitos fóruns de discussão. Como participei também em fóruns sociais que existiram: lembro-me, por exemplo, do fórum europeu em Londres e em Atenas: que juntavam todo o tipo de movimentos que acham que um outro mundo é possível, ou seja, que nós não estamos condenados a aceitar as injustiças do mundo tal como elas existem mas que devemos lutar para combater essas injustiças. Pode partilhar connosco alguma história ou experiência concreta que tenha vivido nesse contexto?

Por exemplo na contra cimeira tive uma experiência interessante, que foi a de um bloqueio de uma base nuclear que havia em Faselein. Uma vez também fomos para um campo de detenção de imigrantes, chamado de “acolhimento” de imigrantes, onde eles são presos para depois serem deportados, numa Europa que precisa do trabalho dos imigrantes, mas que clandestiniza as suas migrações para não ter que lhes reconhecer direitos de cidadania e de trabalho. Foram experiências de confronto com a repressão, não tanto sentido de violência policial, mas de controlo muito grande de todos os movimentos

de protesto e sociais. Entre outras coisas uma vez organizamos um debate sobre a escola da ponte que me fez pensar numa forma muito diferente na escola e me marcou muito. O José Pacheco, da escola da Ponte, que é estrábico, abriu o debate dizendo: “eu tenho uma forma muito diferente de ver o mundo, vocês devem ter percebido, eu olho para as coisas de outra forma e acho que um debate sobre a escola deve começar por questionar tudo: temos aulas. Para que que servem as aulas? Temos turmas, para que servem as turmas? Temos professores, precisamos de professores? Temos testes, para que servem os testes?” E se nós soubermos responder a estas perguntas, talvez comecemos a pensar na escola de que precisamos… o que não podemos fazer é aceitar tudo o que existe como se fosse a única possibilidade. A realidade não pode ser aceite como tudo o que existe. A realidade é apenas uma parte da realidade porque além da realidade existem as possibilidades. A realidade é isso tudo: o que existe e a possibilidade do que existe ser diferente. Um dos problemas do conformismo é a incapacidade que ás vezes temos de imaginar alternativas para o mundo e para os espaços onde estamos.Com 24 anos tornou-se deputado. Como é ser deputado tão jovem?

Não sei como é que é ser

deputado sem ser tão jovem (risos). Foi uma responsabilidade muito grande e uma experiência muito interessante, isto de ter acesso a um dos lugares onde as nossas vidas se decidem, querendo nós ou não. O que não quer dizer que o parlamento não é o reflexo da sociedade: não se mudam as coisas só no parlamento, é preciso mudar a sociedade… Eu penso que devemos estar no Parlamento de forma sempre muito vigilante e cautelosa para conseguimos ser também críticos em relação aquela instituição e para não nos deixarmos fechar lá: a vida está cá fora.

Quais são as causas que mais defende no Parlamento? Há relação entre elas e a sua idade ou experiência de vida?

Estou ligado à educação e em particular ao Ensino Superior, o que está relacionado com a minha vida… também estou associado às discriminações e às questões da precariedade. Estas são algumas das questões centrais que caracterizam a experiência juvenil: o contacto com o mercado de trabalho, por exemplo. A experiência tanto da escola como da precaridade são marcantes nos jovens.

Alguma vez foi diferenciado pela idade que tem ou sempre esteve completamente em pé de igualdade com todos os outros deputados?

As pessoas com quem namorei foram mesmo

muito importantes (...). Ao partilharem

comigo a sua sensibilidade, a

sua intimidade e as suas experiências,

abriram-me os olhos para outras coisas que eu não

conhecia.

Faço de questão de lembrar quem acha que não, que estamos todos em pé de igualdade. Todos os deputados têm a mesma legitimidade e são titulares da mesma soberania porque foram eleitos directamente pelo povo e portanto não aceito que tentem subalternizar isso.Do ponto de vista prático, o Parlamento acaba por reflectir a sociedade conservadora em que vivemos . Os estereótipos e formas de dominação que existem na sociedade são reproduzidas. A nossa tarefa é sermos intransigentes com essas formas de dominação:eu tento que a discussão seja em torno das ideias que cada um defende e não em torno da sua idade ou género.Há quem pense que a

idade confere um estatuto de superioridade sobre os outros. Há alguns temas que as pessoas sentem que não são para jovens falarem: há deputados que pensam que os temas do trabalho são para deputados da área do direito do trabalho debaterem e não são. O tema do trabalho é para todos nós debatermos porque determina nossa vida…

Está envolvido no Teatro Fórum também conhecido como Teatro do Oprimido. Em que é que consiste este género de teatro? Como tomou conhecimento dele e resolveu participar?

O teatro do oprimido tem como ideias fundamentais a de que toda a gente pode fazer teatro. Ou seja, o teatro é uma linguagem humana por excelência e todos nós no nosso dia-a-dia, na nossa vida somos teatro. Estamos permanentemente a desempenhar papeis sociais que significam que há certas posturas e guiões de acção que vamos fazendo. O que o Teatro do Oprimido nos diz é que

devemos tomar consciência da linguagem teatral e podermos utiliza-la para analisar e transformar a nossa vida. Esta é a primeira ideia revolucionária do Teatro do Oprimido: algumas pessoas fazem do teatro a sua profissão mas todos podemos usar a linguagem do teatro para olhar para os nossos problemas. A segunda ideia é de que não devemos ser espectadores passivos do que acontece. O teatro do Oprimido parte da ideia também de que todos nós devemos ser espectatores: olhar e transformar o que acontece. No teatro fórum encenamos um problema sem solução e vamos substituindo o protagonista para encontrarmos soluções diferentes para o problema através da prática.Tomei contacto com o teatro do oprimido na Irlanda em 2002 e entusiasmou-me muito a ideia de podermos falar da nossa vida e da política usando a mais completa das linguagens humanas: o teatro.

O que é que o teatro do Oprimido lhe trouxe de novo e de positivo e o que acha que pode trazer às outras pessoas?

A mim trouxe-me muitos momentos divertidos, em primeiro lugar. Sem o teatro do oprimido ter-me-ia rido muito menos até hoje, trouxe-me uma capacidade de escuta que eu não tinha. Quem dinamiza oficinas do teatro do oprimido tem de ouvir estórias e respeitar o ponto de vista de quem conta a história. Trouxe-me também uma forma de participação muito mais entusiasmante e mais democrática que as formas de votação. Nestas oficinas discutimos política porque discutimos as nossas vidas e procuramos soluções para ela não numa política abstracta e de discussões interpartidárias… e não precisamos de falar a língua dos políticos para fazer política e este é o maior potencial do teatro do oprimido: toda a gente pode fazer política, até os políticos. Estudou Sociologia, porque essa área de estudos?

É uma boa pergunta! Primeiro pensei em ir para francês porque gostava muito de literatura e de música francesa. Depois acabei por ir para sociologia porque o essencial da sociologia é a curiosidade por aquilo que se passa à nossa volta. Curiosidade

Desde muito jovem que José Soeiro se dedicou ao activismo em nome de diversas causas

InterNacional, 14 de Dezembro 2010 5