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“PAGANDO BEM, PERIGO NÃO TEM!”: AS IMPLICAÇÕES DO CONSUMO NA CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE ELIZ MARINE WIGGERS Autora Endereço para correspondência: Rua Argemiro Guimarães, nº 150 Bairro Gabiroba 88400-000 Ituporanga – SC Telefone: (47) 9989-9707 E-mail: [email protected] PROFª. JAQUELINE NEHRING Profª. Orientadora Membro da banca examinadora PROFª. MSC. JULIANA PERUCCHI Membro da banca examinadora PROFª. ESP. CÍNTIA ADAM Membro da banca examinadora Banca defendida em 28 de Novembro de 2005 UNIDAVI – Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí Rua Dr. Guilherme Gemballa, 13 – Cx. Postal, 193 – Fone/Fax: (47) 3531-6000. CEP: 89.160-000 - Rio do Sul – SC / www.unidavi.edu.br

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“PAGANDO BEM, PERIGO NÃO TEM!”:

AS IMPLICAÇÕES DO CONSUMO NA

CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE

ELIZ MARINE WIGGERS

Autora

Endereço para correspondência:

Rua Argemiro Guimarães, nº 150 Bairro Gabiroba 88400-000 Ituporanga – SC Telefone: (47) 9989-9707 E-mail: [email protected]

PROFª. JAQUELINE NEHRING

Profª. Orientadora

Membro da banca examinadora

PROFª. MSC. JULIANA PERUCCHI

Membro da banca examinadora

PROFª. ESP. CÍNTIA ADAM

Membro da banca examinadora

Banca defendida em 28 de Novembro de 2005

UNIDAVI – Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí

Rua Dr. Guilherme Gemballa, 13 – Cx. Postal, 193 – Fone/Fax: (47) 3531-6000. CEP: 89.160-000 - Rio do Sul – SC / www.unidavi.edu.br

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“PAGANDO BEM, PERIGO NÃO TEM!”:

AS IMPLICAÇÕES DO CONSUMO NA

CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE

RESUMO Frente à intensa rede informacional que envolve o planeta, diante do capitalismo e da globalização que permeiam os mais distintos espaços, a contemporaneidade é marcada pelo consumo que alcança não somente bens, matérias e objetos, mas também a cultura, relações sociais, imagens, o cotidiano, a subjetividade. Estes apontamentos fundamentam o que se denomina de cultura do consumo, onde os sujeitos passam a legitimar a lógica de produtividade e consumo, evidenciada em conversas informais pelo dito “pagando bem, perigo não tem”. Considerando que os indivíduos constituem-se subjetivamente a partir do contexto social em que estão inseridos, sendo influenciados pelas condições deste meio, e, ao mesmo tempo, agentes transformadores do mesmo, propomo-nos com este trabalho apreender a dinâmica das relações estabelecidas cotidianamente pelos professores de uma escola pública do Município de Ituporanga/SC, percebendo de que forma o consumo passa a evidenciar-se nessas relações. Procurou-se notar também que sentido os sujeitos atribuem à dinâmica do consumo neste território demarcado, a escola, onde a figura do professor ocupa lugar de destaque. Esta pesquisa pautou-se no método qualitativo de investigação, através da observação participante e de entrevistas semi-estruturadas individuais com os professores. Pudemos verificar que a lógica do consumo é constituinte do modo de relacionamento dos sujeitos. De maneira singular cada professor convive com intensa veiculação de informações pelos meios de comunicação de massa e por inovações tecnológicas, notando que o capitalismo e o consumo passam a influenciar e modificar intensamente os valores, comportamentos e interações sociais, da mesma forma que o educar. Palavras-chave: cultura do consumo, subjetividade, escola.

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DEDICATÓRIA

Aos professores que

interpretam a seu modo o que está aí,

vendendo idéias, conhecimentos, experiências...

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EU, ETIQUETA

Em minha calça está grudado um nome que não é meu

de batismo ou de cartório, um nome... estranho. Meu blusão traz lembrete de bebida que jamais

pus na boca, nesta vida. Em minha camiseta, a marca de cigarro

que não fumo, até hoje não fumei. Minhas meias falam de produto

que nunca experimentei mas são comunicados a meus pés.

Meu tênis é proclama colorido de alguma coisa não provada por este provador de longa idade.

Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, minha gravata e cinto e escova e pente,

meu copo, minha xícara, minha toalha de banho e sabonete, meu isso meu aquilo,

desde a cabeça ao bico dos sapatos, são mensagens, letras falantes,

gritos visuais, ordens de uso, abuso, reincidência, costume, hábito, premência, indispensabilidade,

e fazem de mim homem-anúncio itinerante, escravo da matéria anunciada.

Estou, estou na moda. É doce estar na moda, ainda que a moda seja negar a minha identidade,

trocá-la por mil, açambarcando todas as marcas registradas, todos os logotipos do mercado.

Com que inocência demito-me de ser eu que antes era e me sabia tão diverso de outros, tão mim-mesmo,

ser pensante, sentinte e solidário com outros seres diversos e conscientes de sua humana, invencível condição.

Agora sou anúncio, ora vulgar, ora bizarro, em língua nacional ou em qualquer língua

(qualquer principalmente). E nisto me comprazo, tiro glória da minha anulação.

Não sou - vê lá - anúncio contratado. Eu é que mimosamente pago para anunciar,

para vender em bares festas praias pérgulas piscinas, e bem à vista exibo esta etiqueta

global no corpo que desiste de ser veste e sandália de uma essência tão viva, independente,

que moda ou suborno algum a compromete. Onde terei jogado fora meu gosto e capacidade de escolher,

minhas idiossincrasias tão pessoais, tão minhas que no rosto se espelhavam,

e cada gesto, cada olhar, cada vinco da roupa resumia uma estética?

Hoje sou costurado, sou tecido, sou gravado de forma universal, saio da estamparia, não de casa,

da vitrine me tiram, recolocam, objeto pulsante, mas objeto

que se oferece como signo de outros objetos estáticos, tarifados.

Por me ostentar assim, tão orgulhoso de ser não eu, mas artigo industrial,

peço que meu nome retifiquem. Já não me convém o título de homem,

meu nome novo é coisa. Eu sou a coisa, coisamente.

Carlos Drummond de Andrade, 1984.

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“Uma vez que tais forças da vida se estenderam para o interior das raízes e para o cume da vida histórica e que nós, em nossa efêmera existência, como uma célula, só pertencemos como uma parte, não nos cabe acusar ou perdoar, senão compreender”.

George Simmel (1950)

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 06

1. JUSTIFICATIVA ....................................................................................................... 08

2. PROBLEMA ............................................................................................................... 10

3. OBJETIVOS ............................................................................................................... 10

3.2 Objetivo Geral ............................................................................................................ 10

3.2 Objetivos Específicos ................................................................................................. 10

4. QUESTÕES RELACIONADAS AO MÉTODO ...................................................... 11

5. PROCEDIMENTOS DA PESQUISA ..................................................................... 15

5.1 Sobre o contexto e participantes ..................................................................... 15

5.2 Como foi realizada a pesquisa ........................................................................ 16

5.3 O processo de análise dos dados ..................................................................... 17

6. COMPREENSÃO DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO ..................................... 18

6.1 A COMPLEXIDADE DE NOSSO MEIO SOCIAL ............................................. 18

6.2 ALGUNS ASPECTOS DA CULTURA DE MASSA ........................................... 22

6.3 APONTAMENTOS ACERCA DO CONSUMO ................................................... 28

6.3.1 A produção de ontem e o consumo de hoje .................................................. 29

6.3.2 O consumo respinga por todos os lados ....................................................... 32

6.3.3 O Ter (e até o Ser) como símbolo (s) de status ............................................ 34

6.3.4 A maquinaria do consumo ........................................................................... 36

6.4 AS ESPECIFICIDADES DO CONTEXTO ESCOLAR ...................................... 39

6.4.1 O educar na sociedade de consumo ............................................................. 44

6. 5 UM OLHAR PARA A SUBJETIVIDADE ........................................................... 46

6.5.1 O homem diante do dever de consumir ....................................................... 49

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 53

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 55

ANEXO I .......................................................................................................................... 58

ANEXO II ........................................................................................................................ 59

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INTRODUÇÃO

Diante do contexto sócio-cultural que caracteriza a contemporaneidade, onde

as dificuldades técnicas e comunicacionais passam a ser irrelevantes frente à intensa rede

informacional que atravessa o planeta, nota-se o encurtamento das distâncias entre as mais

diversas partes do globo. O capitalismo e a globalização passam a percorrer os mais

distintos espaços proporcionando que a mercantilização alcance não somente bens,

matérias e objetos, mas também o cotidiano, as relações, as abstrações, as imagens, a

subjetividade.

A partir da Revolução Industrial intensificam-se as trocas globais, as relações

com diversos movimentos e manifestações culturais possibilitando que a mídia e a

comunicação de massa influenciem as mais variadas culturas e meios de subjetivação. O

consumo chega a invadir a vida das pessoas. Estando implícito ou explícito em nosso meio

social, a cultura do consumo1 passa a permear grande parte das interações cotidianas.

O consumo passa a estar de tal forma evidente em nossas relações sociais que o

dito emblemático “pagando bem, perigo não tem” está presente nas rodas de conversa e

ressalta que as próprias relações passam a ser compradas, as companhias, os

comportamentos, o ser humano passa a ter um preço. “A circulação, a compra, a venda, a

apropriação de bens e de objetos/signos diferenciados constituem hoje a nossa linguagem e

o nosso código, por cujo intermédio toda a sociedade se comunica e fala”.

(BAUDRILLARD, 1995, p. 80).

O sistema capitalista passa a envolver de tal modo nosso meio social que todas

as pessoas, da mesma forma que as instituições, a educação e a família passam a legitimar

uma lógica de produtividade e de consumo sobre o modo de vida. Frente a tais

apontamentos, vale ressaltar que esta dinâmica é econômica, política e cultural, e está

impregnada de poder.

Dessa forma, partindo de um olhar sócio-histórico, este trabalho contempla as

implicações do consumo na construção da subjetividade de professores de uma escola

pública no município de Ituporanga – SC, não tomando a temática da cultura do consumo

desvinculada dos múltiplos aspectos relacionados à história, às determinações políticas,

1 Segundo Featherstone (1995), “o termo cultura de consumo indica a maneira com que o consumo deixa de ser simples apropriação de um valor de uso para tornar-se consumo de signos e imagens”. (p.109)

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econômicas e sociais, partindo somente de referenciais teóricos e metodológicos, pois eles

são apenas instrumentos para pensarmos a complexidade social e a subjetividade.

Para tanto, abrangendo questões relacionadas à pesquisa em psicologia o

primeiro capítulo aborda a relevância social deste estudo, sendo que o segundo e terceiro

capítulos apresentam o problema e os objetivos desta pesquisa. Uma discussão acerca do

método qualitativo de pesquisa, no qual este trabalho está fundamentado, e aspectos da

pesquisa sócio-histórica são ressaltados no quarto capítulo. O contexto em que foi

desenvolvido, bem como os participantes e como foi realizado e construído o trabalho são

tópicos evidenciados no quinto capítulo, no qual centram-se os procedimentos da pesquisa.

No sexto capítulo localizam-se a compreensão e discussão dos resultados,

organizados de forma a contemplar tanto a teoria como os dados coletados, configurando

um tecido constituído em subcapítulos. Com o intuito de mencionar alguns apontamentos

acerca da configuração de nosso meio social atual, o primeiro subcapítulo pontua alguns

aspectos relacionados à intensificação do capitalismo e da globalização. O segundo

subcapítulo se centra na temática da cultura de massa, que de qualquer forma, reproduz e

impulsiona a lógica do consumo. A seguir, no terceiro subcapítulo, a problemática do

consumo é ressaltada, onde se assinala de que forma o consumo passa a estar presente em

nosso meio social. Nesta parte do trabalho alguns aspectos relacionados ao consumo são

evidenciados: o fato de que deixamos de fazer parte de uma sociedade de produtores e

passamos a compor a sociedade de consumo; a forma como a lógica capitalista atinge a

cultura, a subjetividade e a sociabilidade; o fato de que tanto a materialidade como as

relações, comportamentos e modos de vida são considerados expressões de classe e

pertencimento a um grupo social e a forma como a lógica de mercado se intensifica em

nosso meio social. O quarto subcapítulo centra-se no contexto escolar e suas peculiaridades

abordando também como o consumo está presente neste meio e passa a atingir o modo de

educar na contemporaneidade. No quinto subcapítulo passa-se a evidenciar as implicações

do consumo na subjetividade e a salientar o modo como o sujeito se porta diante da cultura

do consumo.

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1. JUSTIFICATIVA

A contemporaneidade, estando pautada sob o paradigma capitalista, tem-se

caracterizado por inúmeras inovações tecnológicas, a elevada veiculação de informações

pela mídia e meios de comunicação de massa e uma reconfiguração das relações de

produção e de consumo. Na medida em que a transformação da cultura acontece

intimamente relacionada com condições históricas e sociais, as implicações desta nova

configuração cultural permeiam todas as esferas da sociedade implicando modificações nas

interações sociais, no modo de organização econômico-financeira, na política.

Considerando que os sujeitos constituem sua subjetividade a partir da

objetividade, da realidade, do contexto ao qual estão inseridos por meio de mediações, faz-

se necessário ressaltar que o ser humano é determinado pelo seu meio social, mas, ao

mesmo tempo, é determinante, sujeito ativo, construtor da história e agente transformador

da cultura. Diante das transformações culturais, da diversidade, da ambigüidade de valores

e saberes, podemos verificar que a subjetividade é diretamente influenciada pelas intensas

transformações globais, pela velocidade de inovações tecnológicas e veiculação de

informações que atravessam nosso meio social.

Da mesma forma, o meio escolar se mostra como fonte de mediações para

construção da subjetividade, por meio do processo ensino-aprendizagem, das interações

cotidianas, da linguagem. Contudo, é nesse contexto que notamos na figura do professor

um mediador de conhecimento, neste espaço que de certa forma acaba por incentivar o

emprego de determinados enunciados, modos de vida e comportamentos em detrimento de

outros. O educador veicula informações que podem influenciar os alunos a consumirem e

se adequarem à lógica de mercado ou não, pois pela especificidade de seu trabalho mostra-

se como promotor de conhecimento e saber. A própria instituição escolar não deixa de ser

um espaço que forma corpos e mentes dóceis e se fundamenta, ainda hoje, em regimentos

que colaboram para a normalização dos sujeitos. É nesse sentido que se entende ser

relevante verificar as implicações da cultura do consumo na construção da subjetividade de

professores, diante da dinâmica das relações estabelecidas no meio educacional.

Quanto à cultura do consumo, Featherstone (2002) evidencia que a partir do

momento que o capitalismo passa a atingir a esfera de significações, valores e imagens ao

invés de permear somente as relações de produção e troca de produtos, passa também a

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promover a desestabilização de valores, significados simbólicos e uma ordem moral há

muito tempo mantidos.

Deste modo, diante da complexidade que envolve o meio social e dos vários

desafios decorrentes das mudanças econômicas, políticas e sociais que passamos a

evidenciar, justifica-se esta pesquisa entendendo ter relevância científica e social

problematizarmos a complexidade da cultura, bem como a contemporaneidade, a partir da

cultura de consumo, um tema bastante evidente em todos os espaços sociais. Presente tanto

nas brincadeiras infantis, quanto no discurso dos adultos, o consumo passa a percorrer a

esfera da sociabilidade humana, sendo veiculado de tal forma que as pessoas passam a

legitimar este modo de relação. Assim, propõe-se para o desenvolvimento e realização

deste trabalho centrar-se na problemática que expressa identificar a implicações da cultura

do consumo na construção da subjetividade e sociabilidade de professores de uma escola

pública do Município de Ituporanga/SC.

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2. PROBLEMA:

Quais as implicações da cultura do consumo na construção da subjetividade e

sociabilidade de professores de uma escola pública do Município de Ituporanga/SC?

3. OBJETIVOS:

3.1 Objetivo Geral:

Identificar as implicações da cultura do consumo na construção da

subjetividade e sociabilidade de professores da uma escola pública do Município de

Ituporanga/SC.

3.2 Objetivos Específicos:

- Verificar o sentido que os professores atribuem à cultura de consumo.

- Analisar de que forma o consumo implica na construção da subjetividade de professores.

- Analisar os impactos da cultura de consumo nas interações sociais entre professores.

- Investigar quais os sentidos atribuídos ao consumo ou posse de determinada mercadoria

em detrimento de outra diante do meio social ou grupo ao qual o sujeito pertence.

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4. QUESTÕES RELACIONADAS AO MÉTODO

Todo conhecimento científico é influenciado por pensamentos e fatos

marcantes de uma determinada época, pela cultura, os costumes, hábitos, por um

paradigma vigente. Dessa forma, nota-se a necessidade de considerarmos que existem

bases epistemológicas e conceituais em toda forma de pensar, assim, como para

compreendermos o contexto ao qual pertencemos também necessitamos partir de seu

surgimento, suas raízes e influências.

Diante de um movimento complexo de diálogos, discussões e indagações, a

psicologia passa a contemplar diferentes correntes e abordagens, onde o ser humano é

compreendido sob diversos saberes e olhares. Assim, ora enfatiza-se o comportamento, ora

o inconsciente, ora a subjetividade. Ora o homem é determinado, ora indeterminado. É

dessa forma que a psicologia apresenta-se multifacetada, onde não cabe às abordagens

unificarem-se, pois são distintas. Compreendendo seu objeto de estudo e estando embasada

em uma visão de homem e de mundo característica, cada concepção psicológica está

fundamentada em pressupostos que lhe confere coerência. Assim, fazendo menção “às

psicologias”, “nos deparamos com um complexo de relações sincrônicas, caracterizadas

pelo antagonismo entre diversas orientações intelectuais irredutíveis umas às outras”.

(FIGUEIREDO, 1991, p. 26)

Muitas dúvidas ainda surgem diante do caráter científico da psicologia. Mas, o

que é ciência, afinal? Esta é uma questão atualmente ressaltada pelo fato de a psicologia,

da mesma forma que a antropologia e a sociologia, estar compartilhando de um modelo de

ciência diferente dos parâmetros cientificistas do positivismo. Kuhn (1998 citado por

Vasconcelos, 2002), acerca da ciência e suas implicações, introduz em seu livro A

Estrutura das Revoluções Científicas que : [...] a ciência não avança de forma linear, evolutiva e cumulativa, mas por meio de rupturas ou paradigmas, como verdadeiros sistemas de crenças e referências quase sempre incompatíveis uns com os outros, dentro dos quais as verdades científicas teriam formas limitadas e relativas de validade. (VASCONCELOS, 2002, p.33)

Dessa forma, falar de psicologia implica falar de várias concepções, olhares,

visões distintas de homem e de mundo, é falar de uma ciência que não segue os mesmos

padrões das outras ciências, não compreende um discurso padronizado. Tal fato interfere

na pesquisa e em questões de método em psicologia, pois não há uma regra, um modelo,

um padrão universal a seguir. A pesquisa e o método em psicologia estão diretamente

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vinculados à abordagem psicológica, à visão de homem e de mundo, à epistemologia que

sustentará o estudo, o projeto, desde os primeiros questionamentos até a análise de dados.

Neste sentido, ao ressaltar a psicologia, suas concepções e particularidades, podemos

analogamente comparar a uma câmera fotográfica, a uma obra de arte, à literatura, que

dependendo dos recursos variados e específicos de que dispõe, proporciona determinada

percepção ou um modo característico de explorar, visualizar, e enfatizar a realidade.

Frente ao desenvolvimento do conhecimento psicológico e a possibilidade de

seu aperfeiçoamento por meio de novos estudos, destacamos a epistemologia qualitativa,

na qual fundamenta-se esta pesquisa, como “um esforço na busca de formas diferentes de

produção de conhecimento em psicologia que permitam a criação teórica acerca da

realidade plurideterminada, diferente, irregular, interativa e histórica, que representa a

subjetividade humana”. (GONZÁLEZ REY, 2002, p. 29) Neste sentido, sob o olhar da

psicologia sócio-histórica o homem não pode ser medido, comparado, calculado,

dissecado, quantificado, sendo que não é apenas carne e osso, não é algo estagnado, fixo,

conforme os parâmetros ditados pelo cientificismo.

A psicologia em seu percurso histórico esteve vinculada ao paradigma

positivista, carregando fortes traços de uma visão reducionista e tendo como característica

marcante a tendência de prever e controlar os fenômenos estudados, o que dificultou sua

delimitação enquanto ciência independente, pois seguindo este modelo de cientificidade

era considerada como ciência natural. Utilizando-se do método rigoroso da ciência pautada

na mensuração, a pesquisa sob esta ótica torna-se um procedimento passível de ser repetido

e generalizado, o qual fundamenta epistemologicamente o método quantitativo em

pesquisa.

A compreensão sócio-histórica do ser humano surge como reação a este

modelo cientificista, visando entender o homem como aquele que interage com seu

contexto social e se constitui por meio das relações que estabelece. É a partir desta

concepção de homem e de mundo que o método qualitativo em pesquisa sugere um modelo

de apreender o sujeito diante de seu contexto social, passando a evidenciar aspectos

históricos e culturais, possibilitando que a subjetividade possa ser compreendida de forma

coerente, superando dicotomias e o princípio restrito da objetividade pura.

Nesse sentido o ato de pesquisar sob o enfoque do método qualitativo

corresponde a um processo interpretativo da dinâmica do homem em relação com seu meio

social, por meio da apreensão dos discursos, das expressões, onde tanto o pesquisador

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como os sujeitos pesquisados interagem de forma a produzir conhecimento. A pesquisa

qualitativa se define pela construção de conhecimento, concebendo a teoria como

instrumento sobre o qual o pesquisador pensa e constrói sua análise, porém não sendo um

esquema fechado e restrito, onde os sujeitos devem ser encaixados, mas um meio flexível,

sobre o qual perpassa a troca de experiências e sentidos. O pesquisar, dessa forma, não

consiste em somente observar e constatar, mas implica um processo contínuo de

construção, interpretação e investigação.

É nesse movimento de construção de conhecimento que a cultura, a história e o

contexto são constantemente relativizados sob a ótica do método qualitativo e da pesquisa

sócio-histórica. É diante desse panorama que “as investigações qualitativas, por sua

diversidade e flexibilidade, não admitem regras precisas e aplicáveis a uma ampla gama de

casos”. (ALVES-MAZZOTTI, 2002, p. 147). Concebendo que o ser humano não pode ser

pesquisado da mesma forma que qualquer outro objeto, o método qualitativo não considera

a possibilidade de neutralidade do pesquisador, já que o mesmo se envolve de tal forma na

construção teórica da pesquisa, nas entrevistas realizadas, no relacionamento com os

sujeitos pesquisados, que não há como separar a vivência e o modo singular de se

relacionar do fato de ser pesquisador. Assim, cabe ao próprio pesquisador, que através do

diálogo torna-se instrumento primordial de pesquisa, alcançar o ponto de vista do sujeito

pesquisado, a forma como compreende seu contexto, que sentido atribui a esse meio e

como vive, percebendo de que forma este movimento do contexto implica em sua

subjetividade. Acerca desse apontamento, Velho (1999) ressalta que: [...] É importante [...] verificar como os próprios nativos [...] percebem e definem tais domínios para não cairmos na armadilha muito comum de impormos nossas classificações a culturas cujos critérios e crenças possam ser inteiramente diferentes dos nossos ou que possam perecer semelhantes em certos contextos para diferirem radicalmente em outros. (VELHO, 1999, p.18)

Neste sentido, percebe-se a importância da constante reflexão e relativização

da cotidianeidade. Torna-se interessante, da mesma forma, atentar para que a pesquisa siga

na direção da dinâmica de estranhamento do que nos pareça familiar, pois, segundo Velho

(1999), o que nos é familiar não significa que esteja, em um determinado contexto,

baseado na mesma lógica de organização a que estamos acostumados e conhecemos. Tal

aspecto se não for evidenciado, pode provocar uma interpretação da realidade a partir de

valores, hábitos e conceitos determinados a priori pelo pesquisador. No entanto,

evidenciamos que, no desenvolver do estudo, o pesquisador interage com o pesquisado,

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independentemente de sua abordagem teórica, seu status de cientista, seu grau de

intelectualidade.

Dessa forma, ressalta-se o homem enquanto aquele que está sempre em relação

com seu meio e com os outros, já que até mesmo o fato de estar sendo pesquisado

influencia no modo de se expressar e se comportar, pois ele não vai respondendo às

perguntas e reage às conversas mecanicamente, mas é um sujeito que cria e significa,

respondendo às perguntas do pesquisador em todo o desenvolvimento da pesquisa.

Outro aspecto relevante na pesquisa qualitativa é o fato de que a quantidade de

sujeitos a serem pesquisados não importa, já que a compreensão da subjetividade implica

expressão singular, que deve ser entendida como construção histórica e cultural num

contexto e num momento histórico específico. Não nos cabe isolar os sujeitos encarando-

os como unidades independentes e autocontidas, pois segundo Velho (1998) este

isolamento é ilusório, já que, de qualquer forma, fazemos parte de um contexto social mais

amplo em termos econômicos, políticos e culturais. Assim, ressaltamos que não existe uma

subjetividade individual pura, pois compreender o homem implica considerar que

desempenha um papel indispensável enquanto construtor e transformador do meio em que

vive, sendo então determinado por este, porém, acima de tudo determinante do mesmo.

Devemos atentar para o fato de que a práxis do pesquisador implica

responsabilidade em relação aos aspectos epistemológicos e éticos que sustentam o seu

trabalho, pois é por meio do corpo teórico e metodológico, sua visão de homem e mundo e

o diálogo com outras áreas do conhecimento que será possível compreender esse

movimento do homem na contemporaneidade. Assim, a interdisciplinariedade foi

ressaltada neste trabalho, já que a construção de conhecimento, segundo o método

qualitativo, não se dá por meio de conceitos teóricos estáticos e fechados, pois ao

contextualizar problemáticas humanas, meios sociais e situações que envolvem sujeitos

torna-se necessário considerá-los pela ótica da dialética e sobre o prisma da complexidade.

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5. PROCEDIMENTOS DA PESQUISA

5.1 Sobre o contexto e os participantes

Esta pesquisa foi realizada em uma escola pública que se localiza no centro da

cidade de Ituporanga – SC e atende aproximadamente 600 alunos do ensino fundamental

(1ª a 8ª séries) vindos em sua maioria do centro da cidade, dentre os quais cerca de 10%

são oriundos de bairros e também da zona rural dependendo de transporte escolar. Cabe-

nos ressaltar que Ituporanga é um município pertencente a região do Alto Vale do Itajaí, no

Estado de Santa Catarina que, apesar de se encontrar de maneira econômica fundamentado

em sua maioria pela agricultura, a população de aproximadamente 19.905 mil pessoas

residem quase que igualmente distribuídas entre a área urbana e rural, compreendendo uma

área territorial total de 336,96 km2.

No trabalho diário desta instituição escolar atuam uma equipe de 23

professores efetivos da rede estadual de ensino, uma diretora, uma secretária e uma

supervisora escolar. Também fazem parte da equipe 4 serventes, 4 estagiários e a

associação de pais e professores com a comunidade escolar que estão envolvidos no

trabalho da escola.

A estrutura física, construída a mais de 50 anos, por ser a primeira escola do

município de Ituporanga, ampliada conforme a necessidade conta com: 12 salas de aula,

secretaria, biblioteca, sala dos professores, cozinha, 2 banheiros, sala de informática, salão

nobre, quadra de esportes, área coberta e um ginásio de esportes.

Com as orientações da Secretaria Estadual de Educação, segue-se um

calendário escolar com 200 dias letivos e 5 aulas diárias de 50 minutos, onde os

professores têm a própria sala e os alunos seguem para uma nova sala a cada aula.

Por meio de uma conversa com a diretora da escola, com a secretária,

juntamente com a supervisora escolar verificou-se a possibilidade da pesquisa ser realizada

na escola e com alguns professores, sendo que as mesmas, através de gentil atendimento,

colaboraram na escolha dos participantes da pesquisa, já que elas conhecem a dinâmica de

atuação e o perfil de cada professor. Da mesma forma, orientaram a pesquisadora quanto à

disponibilidade dos professores, oferecendo os horários e períodos em que os mesmos

ministram aulas na escola. Esta pesquisa foi realizada com 7 professores, dos quais 3

16

lecionam para alunos de 1ª a 4ª série (Beatriz, Raquel e Cássio) e os outros 4 professores

lecionam para alunos de 5ª a 8ª séries (Alberto, Tereza, Laura e Michele). Ao referir-se aos

professores optou-se por utilizar um nome fictício para que o sigilo e a ética na pesquisa

sejam mantidos.

5.2 Como foi realizada a pesquisa

Por meio de uma conversa com cada professor individualmente foi apresentada

a proposta de pesquisa e verificada a possibilidade de participação. Após a apresentação do

Termo de Consentimento Livre Esclarecido2 discutimos a melhor forma de estar

procedendo a observação de aulas e as entrevistas, bem como a disponibilidade de horário

tanto do professor como do pesquisador.

Desde o primeiro contato com cada professor pode-se notar como cada um

mostrou interesse para a participação de forma singular, demonstrando disponibilidade

para colaborar e enriquecer com o trabalho de pesquisa, desde a indicação da turma a ser

observada até a forma como notar a dinâmica do consumo no cotidiano da escola. Dessa

maneira houve um relacionamento entre pesquisador e professor, o qual foi importante

para que muitos dos conceitos previamente estabelecidos pelo pesquisador pudessem ser

repensados e notados por uma perspectiva diferente.

A pesquisa foi desenvolvida por meio de entrevista semi-estruturada3 com cada

professor, na forma de conversa, as quais foram gravadas. As entrevistas puderam ser

realizadas com alguns professores durante o horário de aula, no ambiente da sala de aula

enquanto os alunos realizavam determinada atividade, mediante consentimento do mesmo.

Já com outros professores a entrevista foi realizada em horário em que o mesmo não estava

lecionando, geralmente no horário disponível entre uma aula e outra.

Através da observação participante ocorreu a troca de informações entre o

pesquisador e o professor, onde foi possível apreender a forma como o professor nota

muitas situações que ocorrem no cotidiano da escola. Por meio da observação das aulas

ministradas pelos professores participantes da pesquisa foi possível verificar o modo como

ocorre a interação entre o professor e o aluno, o modo de organização da sala, bem como a

forma que o professor ministra suas aulas. Anotações acerca das observações foram

2 O Termo de Consentimento Livre Esclarecido consta em ANEXO I. 3 O roteiro da entrevista na qual fundamentou-se a coleta de dados consta em ANEXO II.

17

efetuadas pelo pesquisador no diário de campo, pois alguns aspectos que não foram

evidenciados nas entrevistas puderam ser notados mediante a observação do contexto da

sala de aula e da escola.

5.3 O processo de análise de dados

A partir das entrevistas semi-estruturadas e das anotações referentes às

observações, a análise dos dados foi realizada de forma a contemplar tanto a

fundamentação teórica como os discursos dos sujeitos e o que foi percebido no contexto da

escola em relação à cultura do consumo.

Para analisar os dados o pesquisador partiu dos objetivos da pesquisa e do

discurso dos sujeitos4, onde, por meio da análise de conteúdo, delimitou-se núcleos de

significação que fundamentaram toda a estruturação do trabalho. Por meio das palavras e

ações dos sujeitos foi possível apreender os impactos da cultura do consumo nas relações

entre professores e alunos, as implicações na subjetividade, a forma como o consumo está

presente no ambiente escolar, o modo como cada professor vive num contexto marcado

pela complexidade, que sentidos atribui e como percebe a cultura do consumo.

Com o intuito de não somente descrever a realidade de um lado e apontar

fundamentos teóricos de outro, optou-se pela análise dos dados serem expostos na forma

de um tecido que contemple tanto a teoria que fundamenta o olhar do pesquisador como os

dados coletados, num processo de diálogo em todo o desenvolver do trabalho.

18

6. COMPREENSÃO DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO

6.1 A COMPLEXIDADE DE NOSSO MEIO SOCIAL

Diferentes e distantes pontos do mundo estão interconectados, onde as

atividades ocorrem em uma arena global ultrapassando as fronteiras geográficas. Modos de

pensar e agir, concepções de homem e mundo, bem como as relações políticas, econômicas

e sociais se intercruzam; todos os níveis de relações, desde as macroscópicas até as

relações estabelecidas a níveis locais, são afetados com intensa rapidez. Ianni (1998) nos

aponta claramente esta dinâmica enfatizando que o que era local e nacional passa a tornar-

se mundial; o que era antigo revela-se novo, renovado.

Ianni (1998) evidencia os aspectos da sociedade global, enquanto Velho (1999)

nos fala em sociedades complexas. Tais fenômenos são decorrentes do capitalismo e da

globalização os quais passam a entrar em cena a partir da ascensão do pensamento burguês

e da era industrial. Segundo Velho (1999), a partir deste momento passamos a evidenciar

um tipo de sociedade pautada na complexidade, estando ligada a uma “acentuada divisão

social do trabalho, a um espantoso aumento da produção e do consumo, à articulação de

um mercado mundial e a um rápido e violento processo de crescimento urbano”. (p.17)

Diante das mudanças ocorridas ao longo do século XX, podemos notar que a

dinâmica global não se resume a uma coleção de países agrupados, mas como Ianni (1998)

enfatiza, passamos a evidenciar a ocorrência de um amplo processo de mundialização de

relações onde aos poucos as esferas da vida social são atingidas pelos problemas e dilemas

da globalização, através de um processo dinâmico. Nota-se que mudanças ocorreram,

porém não é possível estabelecer claramente um único foco, pois as modificações

evidenciadas no contexto social acabam por modificar na maneira das pessoas se

relacionarem e se organizarem socialmente, como podemos notar na fala da professora

Tereza:

Olha, eu não sei se eu era diferente, a sociedade era diferente, não sei se o país era diferente, mas era muito diferente.

4 O discurso dos professores está evidenciado em todo o desenvolvimento do trabalho em letra Comic Sans MS.

19

Segundo Ianni (1998), a globalização passa a ser efetiva a partir do

capitalismo, o qual se mostra como um processo universal que acabou por invadir várias

vezes, sob diferentes formas diversos cantos do mundo, revolucionando tudo o que

encontrava pela frente ou acomodando-se às formas de trabalho e convivência sociais que

encontrava, infiltrando-se de forma dinâmica e contraditória. Dessa forma, os fenômenos

da globalização e do capitalismo passam a atingir não somente as esferas políticas e

econômicas, mas a causar modificações culturais, atingindo a vida das pessoas, a

subjetividade.

A velocidade com que tais mudanças ocorrem passa a gerar a sensação de um

mundo descartável, onde o que hoje é regra, amanhã pode não ser mais. A instantaneidade

e a facilidade com que as pessoas vendem e compram, da mesma forma que se relacionam,

passa a ser expresso pela professora Beatriz:

...é tudo muito passageiro. Eles tão vivendo agora, assim... como o papel que vai ser depois picado e jogado no lixo. Eu comparo assim, sabe.

Ao referir-se ao modo como as crianças se comportam diante dos estímulos do

consumo, acrescenta:

Eles não estão preocupados em ser melhor, de aprender, sabe, até de valorizar o dinheiro, saber gastar, não... eles tão... eles têm agora e gastam tudo agora. Eu tô vendo assim, essa geração dessas crianças que tem aqui, eles não se preocupam muito em guardar, eles tem e querem gastar. Se eles pegam 20 centavos e o quê que dá pra comprar com isso?... na verdade eles não sabem guardar para juntar para amanhã. Não, eles querem ir lá e gastar, porque tem 20 centavos. (Beatriz)

Ao espalhar-se pelo mundo, o capitalismo, bem como o processo de

globalização passam a gerar o que Ianni (1998) caracteriza como “burocratização do

mundo”, onde tudo tende a organizar-se com base na produtividade, lucratividade,

quantidade; a racionalização e a técnica passam a estar presentes em todos os espaços. A

professora Raquel expressa estes apontamentos salientando a forma como as pessoas

passam a se relacionarem:

É chique não ter mais tempo pra nada... pois até o tempo... ”Ó, eu não posso ir na tua casa hoje à noite porque amanhã eu tenho que trabalha. Ó, sabe, eu não posso fala contigo, eu não posso ir na tua casa, porque eu tenho que fazer coisa pra segunda...”. Ninguém mais tem tempo pra ninguém. Família não tem mais tempo pra família.

20

O capitalismo passa a transformar signos, imagens, símbolos e emblemas em

mercadoria. Mas este processo é histórico, pois o modo de organização social, econômico e

político da atualidade carregam a marca da produção em série através da máquina.

Evidencia-se que, a partir da Revolução Industrial, os bens materiais passam a assumir

uma crescente e inexorável força sobre os homens, onde a subjetividade resume-se a

termos objetivos. Acerca do fenômeno urbano e do capitalismo, é interessante o que

Simmel (1967) expressa: A exatidão calculista da vida prática, que a economia do dinheiro criou, corresponde ao ideal da ciência natural: transformar o mundo num problema aritmético, dispor todas as partes do mundo por meio de fórmulas matemáticas. Somente a economia do dinheiro chegou a encher os dias de tantas pessoas com pesar, calcular, com determinações numéricas, com uma redução de valores qualitativos a quantitativos. (p.14)

Nesse sentido a professora Raquel ressalta que:

Sabe, aparece assim... cada dia pior, menos valor, menos família, menos amor, menos amizade, menos tudo. Ninguém parece que tem... é o que eu tava falando pras crianças, isso virou uma bola de neve tão grande, essa ambição, ambição, dinheiro, dinheiro, dinheiro... que não tem mais como parar, como freiá isso. Quanto mais tem, mais quer. [...] É muita ambição, muita ambição. Eu vejo isso.

Nota-se que esta realidade é complexa, pois se constata o que Featherstone

(1997) denomina de “descentralização”, onde nos encontramos imersos em uma

configuração social que tem como característica marcante a idéia de “heterogeneidade

cultural”. Ianni (1998) aborda tal aspecto denominando-o de “desterritorialização”,

pontuando que os problemas, indecisões e ditames passam a estar dispersos por todos os

cantos; ganham um caráter global. Como podemos perceber na fala do professor Alberto:

...Uns tem demais, outros não tem nada e outros nem sabem o que é isso aqui...

O professor Cássio aponta a presença das diferenças de condições de vida, e

costumes entre as pessoas, sendo isto notado claramente no âmbito escolar. Ressalta que:

Um é totalmente diferente do outro... tem de todo tipo de gênio, de classe social, né... é cor, religião, enfim tudo eles... até a questão de eles, um com o outro, sabe, é complicado porque se tiver uma coisinha diferente... ele tem e eu não tenho, tá... eu posso e ele não pode, porque que ele pode e porque eu não posso... então... é difícil, a questão é complicada.

21

As fronteiras e referências dissolvem-se. Os “fios da teia global”5, o

capitalismo, a mercantilização e a racionalização passam a percorrer indiscriminadamente

todos os cantos, onde desenraízam-se, estando presentes em diferentes culturas. E, este

processo não ocorre de forma linear, pois o capitalismo tanto produz a interdependência

mundial como produz e reproduz contradições localizadas e gerais, nacionais e globais.

Enfatizando que este processo é dinâmico, Ianni (1998) nos aponta que

A despeito dos processos avassaladores, que parecem destruir tudo, as formas sociais passadas permanecem e afirmam-se por dentro da sociedade global. Em alguma escala, todos se transformam, revelando originalidade, dinamismo, congruência interna, capacidade de intercâmbio. Assim, a formação da sociedade global pode ser vista como o horizonte no qual se revela a multiplicidade das formas de ser, viver, sentir, agir, pensar, sonhar, imaginar. (p.77)

Velho (1999) considera que a sociedade está diretamente relacionada com a

noção de complexidade. Assim, ao compreender a dinâmica social na atualidade menciona

sociedade enfatizando transformações históricas e sociais. Contudo, faz-se necessário frisar

que tais mudanças influenciam tanto atividades relacionadas à economia, quanto à cultura,

o modo de vida e organização cotidianos. Partindo de estudos acerca do meio social ao

qual pertencemos, o autor afirma que: Em uma sociedade complexa moderna os mapas de orientação para a vida social são particularmente ambíguos, tortuosos e contraditórios. A construção da identidade e a elaboração de projetos individuais são feitas dentro de um contexto em que diferentes ‘mundos’ ou esferas da vida social se interpenetram, se misturam e muitas vezes entram em conflito. (VELHO, 1999, p. 33)

O sujeito diante de novas condições sociais, econômicas e políticas regidas

pela dinâmica da sociedade global, passa a receber informações e mediações não somente

locais e nacionais, mas os valores, tradições, significados e costumes passam a ser

construídos através da intensa rede de relações mundiais. Diante da trama das relações

sociais que expressam a dialética entre indivíduo e sociedade, um implicando no outro,

torna-se inviável pensar o sujeito da cultura de consumo sem problematizar a dinâmica

contraditória, complexa e global do meio social ao qual está inserido. Pode-se apreender

isto no que a professora Tereza expressa:

Eu vejo assim, já tive alunos de escola estadual aqui de Ituporanga que vinham pra sala de aula com uma nota de 50 reais iam depois da

5 Ianni caracteriza os “fios da teia global” como sendo os computadores, máquinas de reprodução facsimiliar, satélites, monitores para altas decisões, os quais, sendo expressão da revolução tecnológica, passam a ser meios que proporcionam o intercâmbio dinâmico entre as diferentes regiões e culturas.

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escola na padaria, compravam uns litros de refrigerantes e coisas e dividiam para os outros. E uma coisa que a gente nota... que tem crianças que mordem o sanduíche e jogam o resto inteiro no lixo. ...E são coisas assim... muito estranhas, um descompasso.

Featherstone (1997) aborda claramente os paradoxos que a sociedade global

passa a demonstrar, evidenciando que na atualidade passamos a nos deparar com um

contexto cultural marcado pelas contradições, onde se deixa de lado o paradigma de

ordem, unidade, progresso, universalismo, holismo, para dar espaço a contradições, ao

individualismo, ao sincretismo, à cultura popular, ao regionalismo e à fragmentação. Estas

contradições são enfatizadas pela professora Tereza, quando acrescenta que:

...os pais mais humildes, que se propõem em colocar o filho numa escola que a classe predominante é um pouco mais abonada, eles não ficam atrás, eles não querem deixar o filho passando vergonha ou se intimidarem, então eles fazem de tudo, até o que não podem, para suprir essa diferença... Os pais fazem de tudo para que os filhos não fiquem aquém, que tenham o mesmo tipo igual, que tenham a roupinha da moda. E às vezes essas crianças a gente percebe que não valorizam... daqui a pouco está no chão, e daqui a pouco... são dois extremos e eu vivo estes dois extremos.

Diante desta aldeia global, da complexidade e das contradições que passam a

nos rodear, exige-se um novo olhar para o homem imerso neste contexto. Faz-se necessário

um novo modo de pesquisar, uma nova forma de visualizar a subjetividade, a realidade. A

subjetividade não pode ser delimitada ou considerada pronta, completa, uma totalidade,

pois ela se faz em constante aprimoramento e construção. González Rey (2002) nos aponta

que a subjetividade se constitui a partir da objetividade, mas tais conceitos devem ser

enfatizados dialeticamente, já que a subjetividade se objetiva, da mesma forma que a

objetividade se subjetiva.

6.2 ALGUNS ASPECTOS DA CULTURA DE MASSA “Aqui a ênfase não está apenas no enorme aumento da produção dos objetos estetizados como parte do desenvolvimento de uma cultura de consumo de massa, que modifica a paisagem urbana, mas também nas mudanças de modo de perceber, viver e atuar nessa nova cultura do consumo, que intensifica as sensibilidades estéticas”.

(Featherstone, 1997)

23

Atualmente estamos inseridos em uma sociedade informacional marcada por

um cenário de constantes mudanças em ritmo acelerado. Castells (1999), evidencia que a

partir dos anos 70, uma revolução tecnológica baseada na geração, processamento e

transmissão de informações, passa a redefinir as relações entre as pessoas, altera

fundamentalmente o modo em que vivemos e passa a estabelecer novos padrões culturais,

econômicos e sociais. Este novo paradigma tecnológico está enraizado em todas as esferas

da sociedade, pois a informação, matéria-prima das novas tecnologias, está integrada em

toda atividade humana.

Acerca do universo da informação que passa a permear intensamente nosso

cotidiano, cabe-nos ressaltar uma reflexão de Eco (2001): O acesso das classes subalternas à participação (formalmente) ativa na vida pública e o alargamento da área de consumo das informações criaram a nova situação antropológica da ‘civilização de massa’. No âmbito de tal civilização, todos os que pertencem à comunidade se tornam, em diferentes medidas, consumidores de uma produção intensiva de mensagens a jato contínuo, elaboradas industrialmente em série, e transmitidas segundo os canais comerciais de um consumo regido pelas leis da oferta e da procura. (ECO, 2001, p.27)

Partindo do entendimento de que estamos imersos em um contexto

caracterizado pela mobilidade social, onde se nota um intenso contato com outros grupos e

círculos, diferente de uma situação de estabilidade e permanência, há que se considerar a

problemática referente à comunicação de massa que, de qualquer forma, tem algum efeito

de difusão de informações e hábitos.

Os meios de comunicação de massa, as invenções tecnológicas e o consumo

estão relacionadas ao impacto dos processos de industrialização e urbanização sobre a

cultura e a organização das sociedades. O modo como as pessoas se relacionam, como se

comportam, seus valores, a forma de convivência e as condições de comunicação passam a

ser fornecidas pelo jornal, pela televisão, pelo rádio, pela internet.

Não só a TV, a propaganda, mas também as comunidades do orkut... e eles se trocam... e eles sabem o que um tem e o que o outro tem, e esses ter determina essas comunidades também... (Tereza)

Tal apontamento nos leva a mencionar assuntos relacionados à cultura de

massa. Nota-se que, cada vez mais, estamos diante de uma realidade onde as mudanças, as

tecnologias e os meios de comunicação nos envolvem intensamente. Num meio onde cada

indivíduo procura distinguir-se, nota-se uma crise de referências, onde os valores culturais

são substituídos por um conjunto de informações padronizadas. Essas informações são

24

transmitidas para todos os grupos sociais e parecem ser absorvidas univocamente. Os

indivíduos e grupos sociais passam a formar uma massa. Nesse sentido, Eco (2001)

imprime o termo cultura de massa da seguinte forma: ‘Cultura de massa’ torna-se, então, uma definição de ordem antropológica (do mesmo tipo que definições como ‘cultura alorense’ e ‘cultura banto’), válida para indicar um preciso momento histórico (aquele em que vivemos), onde todos os fenômenos comunicacionais – desde as propostas para o divertimento evasivo até os apelos à interiorização – surgem dialeticamente conexos, cada um deles recebendo do contexto uma qualificação que não mais permite reduzi-los a fenômenos análogos surgidos em outros períodos históricos. (ECO, 2001, p. 15/16)

A revolução tecnológica atual está organizada segundo a “lógica de redes”6, o

que possibilita que informações percorram de forma ilimitada diferentes países, diversas

culturas. Assim, diante de uma “sociedade em rede”, a cultura de massa passa a compor o

nosso meio social. A soma dessas mensagens que nos envolvem constantemente constitui o

mais espetaculoso fenômeno cultural a que somos chamados a atuar.

Ao expressar que a cultura de massa e sua dinâmica implicam contradição, Eco

(2001) ressalta que a situação entendida como cultura de massa nasce e se configura na

classe menos favorecida, a qual passa a se mover, divertir-se e pensar a partir da

veiculação de mensagens formuladas segundo a lógica da classe dominante. Porém, a

burguesia menospreza e identifica na cultura de massa uma ‘subcultura’ que não lhe

pertence, sem perceber que os fundamentos da cultura de massa ainda são os da cultura

caracterizada como ‘superior’.

Contudo, segundo Featherstone (1997), não podemos afirmar que uma pessoa,

valor ou signo pertença à cultura de massa ou a alta cultura; as fronteiras não estão mais

delimitadas, pois ocorre uma certa “transposição”, no qual as coisas previamente

circunscritas e demarcadas passam a fluir e ultrapassam o que antes constituía um contorno

definido; estendem-se a ponto de produzir combinações e sincretismos extraordinários.

Assim, o que anteriormente era concebido como separado, agora passa a ser evidenciado

como que justaposto, onde as coisas passam a influenciar-se reciprocamente. Não somente

a “alta cultura” influencia a cultura de massa, mas também a cultura de massa passa a

influenciar e a legitimar a “alta cultura”. Neste sentido, não nos cabe reduzir tais aspectos

da cultura de massa a uma fórmula teórica unitária, já que de uma forma ou de outra ela é

promotora de subjetividade, nos envolvendo profundamente.

25

Os códigos, valores e preceitos sob os quais pautávamos nosso modo de vida

anteriormente passam a ser remodelados segundo a lógica de uma sociedade

informacional. Imperando definitivamente sobre o modo das pessoas interagirem, a cultura

de massa exige flexibilidade e mudança, pois todos, de uma forma ou de outra passam a ser

atingidos por esta “roda”, como nos aponta o professor Alberto:

Ontem à noite eu estava na internet, ao vivo. Eu estava pesquisando numa outra página e estava escutando a cassação do mandato do Roberto Jéferson, ao vivo e a cores, ali e tal, então eu tinha várias janelas abertas né... então assim é essa massificação de informações... nós não conseguimos assimilar tudo, sabe, é uma coisa assim... uma loucura né, e o pessoal quer vender aquelas informações e quer passar e realmente não tá sendo legal. E os meus filhos, eu noto, tão querendo entra nessa roda também de querer, de querer mais, mais e mais e a gente tá até perdendo um pouquinho essa rédea.

Há que se considerar que este novo modo de organização social que se dá a

nível global, mundial, não é neutro e está impregnado de poder. O que passa a ser

compartilhado mundialmente não são somente mercadorias, mas o que McLuhan (1973)

nos expõe: Hoje passamos da produção de artigos empacotados para o empacotamento de informações. Antigamente invadíamos os mercados estrangeiros com mercadorias. Hoje invadimos culturas inteiras com pacotes de informações, entretenimentos e idéias. Em vista da instantaneidade dos novos meios de imagem e de som, até o jornal é lento. (MCLUHAN, 1973, citado por IANNI, 1998, p.48)

Cabe à mídia grande responsabilidade pelo processo de relativa unificação ou

homogeneização a nível global, pois possibilita que praticamente as mesmas idéias,

mercadorias, modos de vida e conhecimentos sejam desejadas independente do grupo ou

espaço ao qual o sujeito pertença, desencadeando uma uniformização dos padrões

referenciais. Através das relações estabelecidas entre a mídia e a sociedade, levando em

consideração a rápida veiculação de informações por meio do avanço das novas

tecnologias, a propaganda, os comerciais, as notícias colaboram em grande parte para a

aquisição de mercadorias e serviços. Observa-se a exigência do dever de consumir que a

TV impõe ao ditar modelos, apresentar os heróis do momento, os estilos da moda,

conforme Tereza relata:

...tem os desenhos animados e eles só traduzem aquilo em produtos, então tem a sandália da Xuxa, tem não sei o que da Barbie, tem o não

6 Em sua obra A sociedade em Rede, Castells (1999) aponta como as tecnologias da informação passam a permear as relações humanas e sociais influenciando as mais variadas esferas mundiais.

26

sei o que da princesa, tem para os meninos...os power isso, power aquilo, nem sei mais qual é o herói que está na moda, power o quê?.... todo mundo tem que ter... Varia de grupo para grupo, mas tem, algo tem que está na moda.

Adorno (1969/2002) denomina o fenômeno da cultura de massa de “indústria

cultural”7, enfatizando a onipresença e o poder irresistível dos meios de comunicação de

massa sobre o modo das pessoas pensarem e agirem, os quais deixam ao receptor pouca

margem para re-interpretações acerca das mensagens, cujo efeito final é a desmobilização

e alienação dos indivíduos humanos.

Segundo Adorno e Horkheimer (1969/2002) o sistema econômico capitalista

passa a ser um modelo que está presente em todas as relações estabelecidas entre as

pessoas. E estando presente intensamente em nosso cotidiano, passa a reduzir todas as

coisas e seres a mesmice. Passa a mascarar os produtos a serem consumidos com uma

aparência de diversidade, os quais proporcionam a idéia de concorrência e possibilidade de

escolha, quando na verdade, as diferenças se abreviam cada vez mais. Nota-se que o

objetivo maior da indústria cultural, passa a ser o de classificar, medir, esquematizar, para

que tudo possa ser enquadrado, controlado. Tudo em função do lucro, do capital,

promovendo a alienação em larga escala dos sujeitos, os quais não passam da condição

extrema de passividade. Tais autores afirmam que esta engrenagem está implícita

sutilmente em cada um dos produtos consumidos.

Dessa forma, evidencia-se a agressividade da indústria cultural, que de forma

perversa se faz reproduzir em nossas mais insignificantes ações, pois nos torna vítimas e ao

mesmo tempo legitimadores da concepção de que o mundo se resume na lógica de

mercado. E, para que esta lógica se sustente é interessante que não pensemos, que não nos

revoltemos, nem tampouco questionemos. Nos resta somente assumir a condição de

calados, já que até mesmo o crítico faz uso dos produtos e dos meios da indústria cultural

para se pronunciar. Dessa forma, é por meio dos produtos e o consumo dos mesmos que o

sistema capitalista, de uns que vendem e outros que sempre consumirão, atinge as mais

sutis instâncias e se infiltra por todos os cantos. Isto possibilita que ocorram modificações

na maneira como as pessoas significam e vivenciam o dia-a-dia, que pode ser notado no

que a professora Raquel sublinha acerca da televisão:

Eu penso que a televisão faz uma lavagem cerebral no ser humano... A separação... criança com 5, 6 anos, ali, dando beijo! Então pra mim, a

7 Neste trabalho utilizaremos os termos cultura de massa e Indústria Cultural como sinônimos.

27

televisão faz uma lavagem cerebral no ser humano. É que tu começa a ver todo dia, todo dia, todo dia... de repente é normal. Tu te habituou.

É justamente neste sítio do entretenimento e da diversão que a cultura de massa

criou, pressupondo descanso, relaxamento e lazer, que passa a cunhar a manipulação

comercial tão habilmente que faz ecoar lá de longe a “voz do camelô”8. A indústria cultural

ou a cultura de massa que Adorno e Horkheimer (1969/2002) ressaltam é justamente

aquela perversa que procura fazer a “excentricidade do circo, do panopticum e do bordel

em face da sociedade”. (p.31). Ao expressar uma certa revolta diante da engrenagem da

informação e do consumo a que estamos submetidos, Raquel salienta:

Sabe, eu não sei se nós somos fora do mundo, tá, eu não sei. [...]Eu acho tudo muito mal distribuído, uns tem demais, outros tem de menos, quem não tem quer ter e as vezes se ferra, né, e quem tem quer sempre ter mais... É muita ambição, é muito materialismo, né... muito comércio, televisão, é muita mídia, é... sabe.

Adorno e Horkheimer (1969/2002) ressaltam que “a indústria cultural

perfidamente realizou o homem como ser genérico. Cada um é apenas aquilo que qualquer

outro pode substituir: coisa fungível, um exemplar. Ele mesmo como indivíduo é

absolutamente substituível” (p.46). A Indústria cultural passa a interessar-se pelos homens

somente enquanto clientes e empregados, pois tudo passa a girar em torno desses

elementos de forma exaustiva.

Thompson (1995), critica severamente os apontamentos de Adorno e

Horkheimer (1969/2002) por considerar que tais autores pregam a “falácia do

internalismo”. Denomina de falácia porque ressalta que não podemos afirmar que a

aquisição de um produto irá gerar determinado efeito, já que o mesmo é recebido e

apropriado pelos sujeitos no trajeto de seu cotidiano. Certamente, não podemos negar as

implicações da cultura de massa em nosso meio social, a qual reforça a dinâmica do

capitalismo. Porém, devemos atentar para o fato de que não é totalmente evidente que os

sujeitos ao receberem e consumirem os produtos, sejam levados a conformar-se à ordem

social, a adaptar-se às imagens projetadas e aceitar, acriticamente, o saber que é veiculado.

Ao considerar aspectos relacionados à complexidade de nosso meio social e a

cultura de massa, é possível perceber sob quais condições sociais e históricas está

fundamentada a dinâmica do consumo na contemporaneidade. Enquanto os teóricos

8 Adorno (1969/2002) utiliza o termo a “voz do camelô” com o intuito de expressar a forma como o anúncio e a propaganda de mercadorias, mesmo sendo improvisada, se espalha e está presente em todos os locais, lugares e culturas.

28

clássicos da economia estiveram debruçados a compreender aspectos relacionados à

sociedade industrial, marcada por um contexto que denunciava a produção como princípio

organizador da sociedade, atualmente o consumo passa a estar em evidência, onde não

somente a produção e a comercialização de mercadorias, mas também as informações, os

modos de vida, imagens e signos passam a ser atingidos pela lógica do capitalismo. É sob

esta perspectiva que alguns aspectos acerca do consumo são ressaltados a seguir.

6.3 APONTAMENTOS ACERCA DA CULTURA DO CONSUMO

Ao escrever sobre o fenômeno do consumo, Featherstone (1997) evidencia que

o consumo passa a ser um dos fundamentos sobre o qual a sociedade ocidental se organiza,

ao invés de ser somente considerado como reflexo da produção. Ao mesmo tempo pontua

que essa dinâmica se complexifica, pois o consumo não é somente relevante enquanto

considerado como aquisição de mercadorias, mas atualmente passa a mediar grande parte

das atividades culturais e práticas significativas. Sobre estes aspectos, o autor formula o

conceito de cultura do consumo, destacando que o exercício do consumo deixa de estar

especificamente relacionado a um valor de uso para tornar-se consumo de signos,

abstrações, valores, imagens.

Mediante estes apontamentos, Featherstone (1997) assinala a importância de

não restringirmos a compreensão do consumo a explicações meramente econômicas ou de

mercado, pois é preciso atentar para o fato de que há outros aspectos a serem considerados,

principalmente o modo como as pessoas se comportam e reagem diante da cultura do

consumo. Deve-se ir além de uma interpretação do consumo em termos de mercantilização

da vida cotidiana, já que o próprio desenvolvimento da esfera econômica requer seu

entendimento diante da dinâmica social em que está inserida. Nesta perspectiva, cabe-nos

ressaltar o fato de que “o consumo é eminentemente social, relacional e mais ativo do que

privado, atômico ou passivo”. (APPADURAI, 1986 citado por FEATHERSTONE, 1997,

p. 44).

Pensar acerca do consumo na contemporaneidade implica considerar o avanço

das novas tecnologias, a rápida veiculação de informações, os intercâmbios entre as mais

diversas nações e localidades, por mais distantes que possam geograficamente localizar-se,

juntamente à facilidade de cruzar fronteiras e as mudanças radicais evidenciadas

cotidianamente, tanto no âmbito político e econômico, quanto no domínio social.

29

Neste sentido, não nos cabe conceber a cultura de massa, bem como a cultura

do consumo, a sociedade, o nosso meio social como que conceitos exclusivamente

estáticos. Nota-se a emergência de entendê-los como processos e considerar que se

originaram por meio de diferentes contornos e em diferentes contextos sociais. Assim,

observa-se a necessidade de compreendermos como se dá a configuração de nosso espaço

cultural mediante aspectos relacionados ao consumo, à lógica de mercado, a globalização,

ao capitalismo, os quais passam a caracterizar o contexto histórico a que pertencemos e a

dar a tonalidade da chamada sociedade complexa.

Baudrillard, (1995) abordando questões relacionadas ao consumo considera a

existência de uma “sociedade do consumo”, apontando-a como expressão atual do

capitalismo. Refere-se a um contexto onde o consumo invade a vida das pessoas,

envolvendo toda a sociedade, onde as satisfações pessoais são completamente traçadas

através dele. Acerca deste aspecto, ressalta que o consumo é um modo de relação não

somente com objetos, mas com a coletividade e com o mundo, sendo este um processo

fundante de nosso sistema cultural.

6.3.1 A produção de ontem e o consumo de hoje

Baumann (1999) afirma que o consumidor diante da chamada sociedade de

consumo é um sujeito diferente dos consumidores pertencentes a quaisquer outros

momentos históricos e contextos sociais, justamente por ressaltar que, apesar de todas as

pessoas consumirem desde tempos imemoriais, deixamos de fazer parte de uma “sociedade

de produtores” para pertencer a uma “sociedade de consumo”.

Pode-se perceber que o ato de produzir era um meio de se adquirir determinado

objeto que não era possível comprar, num momento histórico específico, onde os meios de

comunicação de massa ainda não estavam presentes intensamente no cotidiano das pessoas

e mais precisamente em um espaço social peculiar da Região do Alto Vale do Itajaí, onde a

economia se fundamentava na renda advinda do trabalho realizado na agricultura.

Conforme as palavras da professora Raquel:

...no meu tempo... a mãe não tinha dinheiro, então a gente fazia tudo meio caseiro.

30

Estas mudanças podem ser notadas nas entrevistas realizadas onde fica

evidente a importância de possuir determinado objeto frente ao grupo social a que o

indivíduo pertencia, onde se observa que o meio pelo qual se adquiria tal objeto é o que

difere a produção de ontem do consumo de hoje.

Em toda a nossa época, quando eu era também... eu lembro, a gente sonhava, que não tinha televisão na minha época, mas eu via os colegas, eu lembro que tinha uma... e isso foi na década de 60, uma menina que chegou com uma sandália havaiana. Nós não conhecíamos a sandália havaiana, eu morava no interior, e nós víamos que era macia, era diferente. Então o que a gente fazia... a gente pegava papelão, recortava, fazia o solado, e pegava a tirinha, fazia de folha de bananeira a trancinha e fazia o chinelo. Não tinha como comprar... a gente criava, né. O brinquedo também...a criança hoje não sabe inventar, não, eles querem comprar. (Beatriz)

A partir do momento em que o consumo se intensificou, as relações se

modificaram e também o sentido atribuído não somente a posse da mercadoria, mas

também a forma como se adquiria a mesma passou a ser relevante, pois o simples ato de

comprar lanche na cantina da escola passou a ser um diferencial do sujeito frente aos seus

colegas, como podemos notar na fala da professora Tereza:

...eu lembro que, naquele tempo não tinha cantina como hoje em dia com refri e tudo mais... A diferença é que eu lembro do cheiro da minha mochila, de pão com margarina. Hoje em dia trazer lanche é como um... é mico...não se traz mais lanche, não percebo mais lancheira...

Embora intensas modificações culturais, econômicas e políticas se deram em

pouco tempo, intensificando-se o capitalismo, a globalização e o consumo, podemos

ressaltar que o homem não se modificou em sua condição de ser social. Polanyi (1980)

afirma que “a economia do homem, como regra, está submersa em suas relações sociais.

Ele não age desta forma para salvaguardar seu interesse individual na posse de bens

materiais; ele age assim para salvaguardar sua situação social, suas exigências sociais, seu

patrimônio social” (p. 61).

Diante desses apontamentos, concebendo o homem como aquele que constitui

sua subjetividade a partir das condições em que se insere socialmente, podemos notar que

não somente a configuração social se modificou, mas também as relações passaram a ser

estabelecidas sob outros parâmetros, da mesma forma que a significação que o sujeito

atribui a elas, como podemos notar na fala do professor Cássio:

31

...era tudo diferente, não só no consumo, no relacionamento de pai e filho, era aluno e professor, era outra história, era outro respeito. A gente tinha limite pra tudo e sabia respeitar os limites. Hoje não, hoje o aluno não respeita nada e a questão do consumismo é uma coisa... a gente sabia até onde podia pedir, quando pedir e até onde podia pedir. Hoje não, hoje a criança por qualquer coisa aí tá fazendo escândalo, quer, quer e quer...

Featherstone (1997) aponta a necessidade de nos acostumarmos a aumentar

nossa flexibilidade e a capacidade de mudar de códigos e concepções, utilizando diferentes

enquadramentos e modelos para entendermos as experiências, imagens e práticas com que

nos deparamos. A cultura do consumo se complexifica cada vez mais “devido à introdução

de imagens, bens e signos extraídos de outras culturas, os quais, à medida que os fluxos de

intercâmbio se intensificam, não podem ser simplesmente considerados distantes,

estranhos e exóticos”. (p. 118).

Nota-se que as mudanças evidenciadas na economia passam a influenciar e a

exigir um novo modo de organização e convivência social, pois a mercantilização passa a

permear não mais apenas as relações de produção e troca de produtos, mas atingir a esfera

de significações e imagens, implicando modificações no cotidiano das pessoas e suas

interações sociais, promovendo a desestabilização de valores, significados simbólicos e

uma ordem moral há muito tempo mantidos. Esses apontamentos são ressaltados pelo

professor Alberto quando fala acerca das relações estabelecidas no contexto familiar,

pontuando as mudanças que ocorreram na forma das pessoas conviverem e se

relacionarem:

Eu digo uma coisa tá, a nossa geração, a minha geração, da tua mãe, a nossa foi uma geração de mandados. Nós fomos mandados pelos nossos pais e hoje estamos sendo mandados pelos nossos filhos...

Os adultos, que foram socializados e se constituíram em um momento

histórico e num contexto social marcado pela opressão, sentem uma mudança radical frente

à educação autoritária que receberam de seus pais e a exigência de cumprir com a vontade

de seus filhos,. As crianças estão sendo socializadas e educadas em meio a um bombardeio

de informações, propagandas e anúncios, num meio social marcado pela presença da tv, do

video-game, do telefone celular e da internet, onde não somente a posse, mas também o

conhecimento acerca das novidades tecnológicas oferece a possibilidade do diferenciar-se.

32

6.3.2 O consumo respinga por todos os lados

“... na teoria eles sabem que o homem é ambicioso, da ambição toda. [...] Eu sempre faço esse jogo, porque a gente faz esse jogo. Até a gente diz o homem, não eu. Eu, junto! Eu tô no rolo. Eu tô nesse mundão aí da ambição, do consumismo”.

(Raquel)

O consumo passa a estar em evidência atingindo a todos, independentemente

da classe social a qual os sujeitos pertencem, pois as classes médias sofrem pressão para

que consumam, da mesma forma que as classes mais pobres. Trata-se de um sistema onde

os sujeitos estão mergulhados; as pessoas desejam ou necessitam desejar a sua participação

neste sistema, independente de suas condições materiais, como evidencia a professora

Tereza:

...na medida do possível, também há o consumismo, como é... eu sou consumidora... e eu entendo que mesmo nas classes com menos poder aquisitivo, na medida do possível estas pessoas também consomem e à deveras, em demasia, coisas fúteis não necessárias. Por exemplo, se não podem ir até uma loja comprar uma roupa de grife, mas elas trazem uma roupa colorida, um tenizinho diferente. É um consumo que sempre é possível aparece, sempre que dá uma brechinha, ele aparece.

No espaço da escola é possível observar a intensa presença do consumo mesmo

diante da exigência do uso do uniforme, pois apesar da tendência de uniformização e a

conformação dos alunos como homogêneos e iguais no âmbito escolar, eles procuram

diferenciar-se por meio do uso de “rabicozinhos, frufruzinhos, ...o anel, uma pulseira”, pois

devem fazer uso do uniforme. Assim, as crianças passam a quebrar as regras e normas da

escola utilizando-se das regras do consumo.

Featherstone (1997) explica como se dá a incansável busca por novas e

diferentes mercadorias a partir da dinâmica que ocorre no interior das sociedades

capitalistas, pois a banalização, a oferta e a abundância de novos bens, desejáveis e na

moda, levando os bens considerados requintados a serem consumidos por uma classe mais

“inferior”, leva os sujeitos “superiores” a partirem em busca de algo que lhes é novo e que

ainda ninguém teve acesso, na tentativa de restabelecer a distância e a estabilidade de sua

classe e cultura “superior”. Sobre isso, Cássio expressa claramente que:

Consumo é tudo, tudo é... é uma coisa de louco, tá, até... é os brinquedos, é o celular e cada vez mais... mas assim, começa lá de baixo até o que a gente pode imaginar. No primário eles começam nos

33

brinquedinhos. Se um traz uma quilica, no outro dia o outro traz duas, o outro traz três e assim vai dez... e se um tem o celular o outro também quer... daqui a pouco ele já tem e daí se aquele já tem um celular então aquele que já tinha quer um melhor e assim... é brabo mesmo.

É em relação a esta dinâmica do crescimento e da abundância de novos

produtos que verdadeiramente o sistema capitalista sobrevive, já que se fundamenta cada

vez mais no aumento da produção. Como o professor Cássio enfatiza:

É o capitalismo... a vontade é ... o vender, o vender, vender, em qualquer lugar que a gente vai, não adianta né... é que infelizmente tudo gira em torno disso e cada vez mais cedo eles estão tendo acesso a isso e né... e tudo gira em torno disso, é venda, venda, venda, é adquirir, é ter, quanto mais tenho mais posso, quanto mais eu posso, melhor eu sou né e assim vai...

Nesse sentido, não podemos negar que os consumidores como sujeitos,

participantes de um meio social organizado, fazem parte de grupos, classes e estão

integrados em certas escalas de hierarquias. Levando em consideração tal aspecto, a

dinâmica do consumo atinge especificamente estas diferentes classes, onde permeiam, de

forma diluída, “microfísica”, relações de poder. A produção e comercialização de

mercadorias não se dirigem para todos os segmentos da população da mesma forma, pois

atinge consumidores específicos, onde os objetos consumidos evocam um certo nível de

status, como expressa o professor Alberto:

A cidade inteira hoje em dia influencia, né, porque o produto x é o melhor... mas a gente pode comparar assim... coca-cola ou bonanza, né, ah... é coca-cola, porque coca-cola quem toma coca-cola tem status, né.

O fato de dispor das novas invenções tecnológicas passa a ser condição de

sobrevivência diante do modo de organização social e das condições de trabalho na

contemporaneidade, pois estão marcados pelo capitalismo e pela globalização e

fundamentados na necessidade de comunicação e na intensa troca de informações. No

entanto, apesar das facilidades proporcionadas pela utilização do telefone celular e da

internet, o valor de uso é substituído pelo valor do produto como símbolo de poder.

34

6.3.3 O Ter (e até o Ser) como símbolo(s) de status

“O postulado da racionalidade que vimos em ação nos economistas, ao tratar da relação do indivíduo com os objetos, encontra-se agora simplesmente transferido para a relação do indivíduo com o grupo”.

(Baudrillard, 1995)

Embora a cultura do consumo permeie indistintamente todos os meios sociais,

onde se evidencia a tendência de que as mais variadas classes e grupos identifiquem

determinados objetos como básicos para a vida em sociedade, as mercadorias atuam como

elementos de distinção. A posse de determinada mercadoria possibilita ao sujeito um certo

status, ficando sua utilidade em segundo plano. O que importa passa a ser o fato de ter este

ou aquele objeto independente do uso, é condição de privilégio, exclusividade, vantagem

diante dos outros membros do grupo, onde “essa relação atinge momentos de excitação

fervorosa, de transe religioso e de submissão, como o observar encantado do brilho intenso

e das propriedades mágicas de um celular ou de um herói da TV”. (DUPAS, 2000,

p.60/61)

[...] aqueles que trazem ... quando um tem os outros ficam todos ao redor. E ele pode, ele se torna o dodói da turma, o poderoso e aí toda a turma fica “Ah!, me empresta aqui, dá isso aqui pra mim, eu quero isso, eu quero aquilo.” (Beatriz)

Pode-se perceber que as relações sociais estabelecidas no cotidiano são

diretamente influenciadas pelas modificações na esfera econômica, diretamente ligada aos

novos moldes do consumo. Nota-se que as relações pessoais, da mesma forma que as

organizações de classe, hierarquias e grupos sociais passam a ser definidos a partir daquilo

que os sujeitos consomem. Assim, o consumo não se dá apenas para satisfazer as

necessidades básicas, mas passa a ser regra para que o sujeito possa ser aceito no meio

social, como nos aponta Tereza:

...a gente sente que há um esforço por parte daqueles com menos poder aquisitivo, de se igualarem aos outros, de entrarem no grupo.

Sobre este aspecto, Baudrillard (1995) anota que: É o seguinte o princípio da análise: nunca se consome o objeto em si (no seu valor de uso) – os objetos (no sentido lato) manipulam-se sempre como signos que distinguem o indivíduo, quer filiando-o no próprio grupo tomado como referência ideal, quer demarcando-o do respectivo grupo por referência a um grupo de estatuto superior. (BAUDRILLARD, 1995, p.60)

35

No plano simbólico, ocorre a diferenciação dos que possuem tal objeto e dos

que ainda não o têm, pois o possuidor, segundo a ótica do consumo e do sistema

capitalista, passa a ser considerado como um indivíduo em posição de destaque.

A atual dinâmica de relações sociais, pautadas no consumo, estabelece de um

lado, determinados sujeitos que desejam tornar-se padrão, adquirindo o mesmo objeto e, de

outro, pessoas que desejam diferenciar-se pela posse de objetos considerados

simbolicamente superiores. Sobre isso, Baudrillard (1995) afirma que para ser consumido,

qualquer objeto deve se transformar em signo, e segundo esta lógica, passamos a realizar

tarefas no domínio da manipulação dos signos.

Os aspectos contemporâneos do consumo apontam que os sujeitos passam a

comprar não os objetos, mas as características subjetivas que tal objeto pode conferir ao

consumidor. Assim, grande parte das mercadorias não é exaltada por seu valor de uso. O

consumidor, agora, passa a comprar o melhor, o renovado, o singular, mesmo que não

visualize a utilidade de tal mercadoria. A professora Beatriz ressalta estes aspectos ao notar

os materiais escolares que os alunos utilizam:

...as colas, o tenaz, eles trazem aquelas que não dá pra usar nada, mas é uma coisa que é diferente que é colorida. Então, como que eu vou dizer... eles compram pelos olhos, não pela necessidade...

No entanto, o pertencer a uma posição social não se mostra somente na

aquisição de bens, mas é evidenciada no modo das pessoas se comportarem no espaço

social, pois [...] os sinais das disposições e dos esquemas classificatórios que indicam as origens e a trajetória de uma pessoa através da vida se manifestam na conformação do corpo, tamanho e peso, postura, e jeito de andar, porte, tom de voz, estilo de falar, senso de desconforto ou da desenvoltura corporal. A cultura, portanto, é incorporada e não é apenas uma questão de quais roupas são usadas, mas como são usadas. (FEATHERSTONE, 1997, p. 43)

Assim, as práticas cotidianas não devem ser compreendidas como que vulgares

e degradadas, mas entendidas em sua positividade, pois enquanto estivermos nos

relacionando face a face, buscaremos “pistas” que identifiquem a posição social a que a

pessoa pertence, ou procura pertencer. E, segundo nos aponta Featherstone (1997) “os

diferentes estilos e etiquetas das roupas e dos bens em moda, por mais que estejam sujeitos

à mudança, imitação e cópia, constituem um desses conjuntos de pistas”. (p. 43). Esses

apontamentos são evidenciados claramente na fala da professora Tereza quando descreve

de que forma se sentiu ao se inserir em um grupo social do qual não pertencia:

36

...eu sou da praça, que é interior, mas é praça, aí eu trabalhei no interior do interior, eu senti uma certa resistência por parte dos colegas que eram do interior do interior, com relação a mim, porque eu era da praça. Inclusive eu me recusava a me sentir mal por causa disso. Porque vai cheirosinha, porque uma roupa bonitinha, porque um sapato de salto e as pessoas normalmente andam mais à vontade, de chinelo, de bermuda.... o meu estilo não é esse, e eu não mudei. Eu senti um certo preconceito ao contrário, por ser diferente.

Nesse sentido pode-se notar que ao capitalismo infiltra-se cada vez mais em

nossa vida. Não somente as mercadorias, a materialidade, passam a ser vendidas e

compradas, mas os próprios comportamentos, jeitos de ser e viver, as formas como os

relacionamentos se dão, bem como os conhecimentos, as idéias passam a ser vendidos e

também consumidos. A própria subjetividade, o modo de ser, as características pessoais

passam a ser intensamente valorizadas, passando a estarem à mostra e dispostas segundo a

lógica do consumo e do sistema capitalista.

Sempre tem aquele ou imitando, ou querendo ser igual, ou querendo ter igual. Sabe é muito, muito, muito... Tem sempre uns mais quietos, mais tímidos, mas sempre tem aquele que quer se sobressair de algum jeito, sabe... se não é por bem é por mal... mas eu sou o bom da sala... e se a pessoa não nota ele quer fazer, e faz ser notado, de algum meio ele dá um jeito... (Cássio)

Conforme Cássio ressalta, pôde-se perceber durante a observação de algumas

aulas ministradas pela professora Laura, em uma turma de 5ª série, como se dá o

relacionamento das crianças diante da dinâmica atual do capitalismo. Apesar de um aluno

demonstrar claramente que não estava interessado na aula, não ser organizado em seu

material escolar, trocar materiais de uma disciplina com a outra, atrapalhar e distrair os

outros alunos, causando furor e irritação dos professores, conforme a professora nos relata

que este aluno é muito valorizado pelos colegas por seu bom humor, suas brincadeiras,

suas piadas.

6.3.4 A maquinaria do consumo

“É em virtude das taras ocultas, dos desequilíbrios, dos prejuízos, dos vícios relativos a um sistema racional que o sistema de facto prospera”.

(Baudrillard, 1995)

37

Jameson (2004) ressalta que “a inter-relação do cultural com o econômico não

é uma rua de mão única, mas uma contínua interação recíproca, um circuito de

retroalimentação” (p.18). Tal afirmação nos leva a perceber a implicação de todas as

pessoas diante do consumo, pois todos os sujeitos pertencentes a esse contexto social e

expostos à lógica da “cultura do consumo” passam a legitimá-la, como fica manifesto na

fala do professor Cássio:

...a maioria dos pais ainda faz a vontade, tá, e aí que vai também a questão do crescimento do capitalismo, o capitalismo tem muito isso... porque os pais também não dão limite... quanto mais vai pedindo... mais eles vão dando, vão fazendo o possível... se hoje eu não posso, amanhã eu posso e amanhã cada vez mais, né. Hoje é só espaço, espaço e mais... e não tem limite.

Dessa forma, a idéia de que ao consumirem determinados objetos os sujeitos

serão felizes é bastante incentivada e adotada por nosso meio social. Por meio das

exigências do mercado, do capitalismo, do consumo, grande parte da população busca a

realização pessoal através da posse de bens almejados pelas elites ou pelos membros do

seu grupo social, pois a sociedade legitima o fato de o sujeito não possuir determinada

mercadoria, ou modo de ser, ou um tal comportamento diante de uma situação específica,

considerada fundamental pelo grupo, o coloca em posição inferior em relação ao meio ao

qual faz parte. Pode-se notar que a cultura do consumo se infiltra de forma sutil em nossas

relações e através delas é legitimada e reproduzida.

A propaganda e os comerciais promovem e divulgam objetos de consumo em

nível global. Desse modo, “na cultura de consumo, os jornais, revistas, a televisão e o rádio

oferecem conselhos sobre como lidar com um conjunto de novas situações, riscos e

oportunidades. Isto, no entanto, mais aumenta do que reduz a complexidade”.

(FEATHERSTONE, 1997, p.20) Assim, o consumidor permanece preso à lógica

capitalista, sustentando cada vez mais o mesmo imperativo do dever de consumir. Nesse

sentido, é interessante o que Dupas (2000) enfatiza:

Sob todas as formas particulares – informação de propaganda, publicidade ou consumo de divertimentos – o espetáculo constitui o modelo atual da vida dominante na sociedade. A primeira fase da dominação da economia sobre a vida social acarretou uma degradação do ‘ser’ para o ‘ter’. Em seguida, operou-se um deslizamento generalizado do ‘ter’ para o ‘parecer-ter’. Na atual situação das grandes massas excluídas da sociedade global só resta o ‘identificar-se-com-quem-parece-ser-ou-ter’ por meio do espetáculo, sequer ao vivo, mas ‘visto-à-distância’ através das mídias globais que lhes oferece exibições instantâneas de todos os tipos e partes do mundo. (DUPAS, 2000, p. 59)

38

O valor do Ser é substituído pelo Ter. Perde-se o subjetivo, o qualitativo e entra

em cena a quantificação da vida cotidiana, dos valores, da subjetividade.

E é isso... esse mundo hoje é só... só de ter, ter, sabe, não de ser. Tu não é mais família, tu não é mais marido e mulher, tu não é mais pai e filho, não é mais mãe, né. Sabe, é ter, tu tem que ter pra pagar isso, eu tenho que ter para pagar aquilo. (Raquel)

Apesar das diferenças e mudanças notadas no processo econômico atual, a

importância do consumo é fundamental para o desenvolvimento do sistema capitalista,

onde, a todo o momento, novos recursos são utilizados para a obtenção de margens de

lucro cada vez maiores. O capitalismo e a dinâmica do consumo passam a envolver de

forma cruel e violenta os sujeitos, onde o dinheiro passou a significar o mais ameaçador

dos niveladores, pois passa a expressar a vida, os relacionamentos, a subjetividade em

termos de “quanto?”. “O dinheiro, com toda sua ausência de cor e indiferença, torna-se o

denominador comum de todos os valores; arranca irreparavelmente a essência das coisas,

sua individualidade, seu valor específico e sua incomparabilidade”. (SIMMEL, 1967, p.16) A professora Raquel expressa como percebe e sente a dinâmica do consumo no contexto da

escola, relatando que:

Tem aluno que tá até querendo compra a gente: “quanto tu quer pra eu passar de ano?”. Daí, tipo assim: “eu posso vir para escola fazer bagunça que eu tô passado”. “Quanto tu quer para copiar a matéria pra mim?”. É o dinheiro. O dinheiro dominou. Eu, pra mim, o dinheiro dominou o ser humano.

Diante deste cenário, podemos notar que o fenômeno da globalização não trata

de excluir as particularidades regionais ou locais, mas as remodela e as adapta segundo os

padrões básicos mundiais. E o consumo também abarca esta lógica, onde, de certa forma,

passamos a evidenciar uma homogeneização do consumo a nível global.

Mas, como conceber o sujeito diante deste tecido social, pautado na lógica da

globalização, do capitalismo e do consumo exacerbado? Não podemos perder de vista o

fato de que considerando o homem como produto e produtor do meio sócio-histórico ao

qual pertence, apesar de interagir com esta nova organização social, não perde sua

individualidade, pois passa de forma dinâmica a integrar-se a tais modificações. O sujeito

não abandona sua singularidade e seu modo de ser para submeter-se passivamente ao

sistema, mas sim passa a participar da dinâmica contraditória e dialética a qual se

caracteriza a sociedade atual.

39

6.4 AS ESPECIFICIDADES DO CONTEXTO ESCOLAR

Partindo da concepção de que para compreender o mundo psicológico é

necessário entender como se configura a realidade social no qual o fenômeno psicológico

se constrói, e considerando que, ao estudar o mundo psicológico, estaremos possibilitando

a compreensão do mundo social, nota-se a necessidade explicitar aspectos relacionados ao

contexto no qual este trabalho foi realizado. Nesse sentido, cabe-nos refletir acerca do

espaço da escola, o espaço característico da produção do saber, evidenciando a forma que

os professores notam a dinâmica da cultura do consumo no seu trabalho cotidiano.

O espaço da escola, ao mesmo tempo em que se mostra um ambiente onde a

educação se concretiza através do ensino-aprendizagem, onde há interação constante entre

alunos e professores, devemos atentar para o fato de que este recinto é um campo minado9.

Ao denominá-lo dessa forma, fundamentamo-nos no que Foucault (1992) escreve quando

se refere às relações de poder. Não estando localizado em nenhum lugar específico da

estrutura social, o poder se mostra como uma rede de mecanismos a que nada ou ninguém

escapa, pois não existem fronteiras ou limites delimitados. O poder em si não existe, mas

existe enquanto práticas, normas, relações.

Ao referir-se ao contexto escolar e às relações de poder que nota de forma

específica neste espaço, a professora Tereza ressalta alguns aspectos que deve considerar

ao desempenhar seu trabalho dependendo da instituição escolar em que atua:

Tem uma espécie de um regimento interno invisível que, por exemplo, faz com que uma determinada escola que atuo na semana que vem tem provas bimestrais, duas por noite e é assim e acabou. Se eu for fazer aqui eles enlouquecem, eles não admitem nem que tenham dois testes em dias seguidos, eles já reclamam, ou dois testes no mesmo dia, pode ser um testezinho pequenininho e curtinho, eles não estão acostumados, aí não adianta tu forçar a barra porque é desastrosa a coisa. Tem outra escola que eu não faço teste nunca, porque é da filosofia da escola que se cobre o conhecimento, que faça averiguação do conhecimento do aluno por outras formas, por outros meios.

9 Ao utilizar o termo “campo minado” compreende-se que no espaço educacional estão presentes múltiplos aspectos e condições carregadas de poder, as quais às vezes se mostram como armadilhas que objetivam exercer a docilização dos seres. Segundo Foucault (1992), este movimento de docilização se dá sutilmente por meio da disposição e do relacionamento dos sujeitos em meio a regras e leis, tornando-os, de certo modo, submissos, de forma que os mesmos não produzam mais resistência e passem a reproduzir cada vez mais poder, onde cada sujeito acaba por estar legitimando esta dinâmica circular de relações de poder.

40

Ressaltando, segundo Foucault (1992), que o saber está diretamente atrelado ao

poder, da mesma forma que o educar ligado a disciplinarização, conformação,

uniformização de corpos e mentes, podemos notar tais apontamentos a partir do que a

professora Raquel expõe quando se refere ao papel do educador e da escola diante de uma

sociedade marcada pelo consumo:

Eu penso assim, que das profissões a nossa é a pior, que a gente mexe muito com o humano. E é a base, primeira série, segunda série. Tem que começar dali. Porque se aqui dentro a gente não conseguir ter essa noção de união, de ajuda, de disciplina... É a escola que prepara o sujeito pra isso. Um médico passou dentro de uma sala, um advogado, um juiz, o promotor. Todos passaram por dentro de uma sala. Só que tá cada vez mais difícil, justo por esse bendito consumismo. Tá cada vez mais difícil ter o controle.

É devido ao fato de que o consumo não estar mais somente pautado em uma

lógica industrial, mas passando a atingir diretamente a cultura, que o exercício do educar

também não pode mais ser realizado da mesma forma, pois as forma de “controle” que

produziam efeitos tempos atrás não são mais compatíveis e eficazes atualmente. Não

somente as atitudes, o discurso e os papéis assumidos pelos professores auxiliam na

docilização dos alunos, mas na contemporaneidade esta função de conformação é também

desempenhada pela propaganda, pela veiculação de informações pelos meios de

comunicação de massa, pela internet.

A escola, este espaço institucionalizado, assinalado por sua finalidade de

produção de saberes, é o lugar especializado a educar as pessoas para que elas não sejam

marginais, para que elas se tornem pessoas dóceis e alinhadas, dispostas a trabalharem, a

produzirem. Nesse sentido, tal contexto se inscreve em uma trama histórica e política, onde

“as técnicas de poder foram inventadas para responder às exigências da produção”.

(FOUCAULT, 1992, p. 223). Sob esta perspectiva, a escola parece estar a serviço do

sistema capitalista, de uma dinâmica onde os que produzem também passam a consumir e

assim, a incentivar a produção – um círculo vicioso onde perdura a lógica do consumo. É

interessante o que o professor Alberto ressalta acerca das relações estabelecidas no mundo

do trabalho e a forma como orienta os alunos:

...é uma competição e vocês vão dizer assim ó, espera aí um pouquinho tem um de 300 e um que vale 1000, tu nunca vai dizer pro teu coleguinha: “não querido, vai lá e pega o de mil e eu vou ficar com o de 300”.. Você vai buscar o de 1000 porque o de 1000... porque você vai ter que trabalhar 3 meses mais 10 dias pra chegar a ter mil e o outro consegue apenas em 30 dias... e eu digo pra ti assim... essa

41

competição que tem dentro da escola, que não é competição, não chega a ser, tento buscar com todo mundo assim ó, ô pessoal vamos fazer o melhor, vamos ser o melhor, não percam o tempo que estão aqui... eu sempre tento buscar orientar eles pra que busquem o melhor caminho e não percam o tempo de estudar.

O exercício do educar se mostra como um instrumento aperfeiçoado que age

com precisão sobre os indivíduos, já que, segundo a perspectiva ressaltada por Foucault

(1992), há uma intensa articulação entre o poder e o saber. O exercício do poder cria perpetuamente saber, e inversamente, o saber acarreta efeitos de poder. O mandarinato universitário é apenas a forma mais visível, mais esclerosada e menos perigosa, desta evidência. É preciso ser muito ingênuo para imaginar que é no mandarim universitário que culminam os efeitos de poder ligado ao saber. Eles estão em outros lugares, muito mais difusos, enraizados, perigosos, que no personagem do velho professor. (FOUCAULT, 1992, p. 142)

O poder não necessita mais ser desempenhado de forma rígida, grosseira, pois

as sociedades industriais puderam se contentar com um poder muito mais tênue,

transmitido por meio de “regimes disciplinares” encontrados nas escolas, nos hospitais

psiquiátricos, nas oficinas, no âmbito da família, os quais geram efeitos que se encontram

no quadro do controle e da normalização. Contudo, atualmente não é mais possível

assegurar que os sujeitos permaneçam em um espaço estritamente vigiado e do qual não

possam escapar. Nesse sentido, Baumann (1999) estende a análise das relações de poder na

contemporaneidade a partir da problematização da realidade atual, pontuando que

passamos a ser “amarrados informaticamente”. Tal autor passa a utilizar-se do termo

sinóptico para caracterizar as novas formas de poder, onde os meios de comunicação de

massa, a internet, a utilização de cartões de crédito, de senhas e bancos de dados

caracterizam a forma de um superpanóptico10. Conforme Baumann (1999) “o sinóptico não

precisa de coerção – ele seduz as pessoas à vigilância” (p. 60).

O poder funciona a um nível capilar, elementar e cotidiano. “De fato, o poder

vai muito mais longe, passa por canais mais sutis, é muito mais ambíguo, por que cada um

de nós é, no fundo, titular de um certo poder, e por isso, veicula o poder”. (FOUCAULT,

1992, p.160) Nesse sentido, Raquel aponta a forma como percebe o poder estando difuso

por todos os espaços e sendo reproduzido por cada indivíduo:

10 Baumann (1999) ao referir-se ao Sinóptico parte da análise de Foucault (1992), o qual se refere à estrutura de uma construção tendo como modelo o “panopticom” de Bentham. Tal estrutura fundamenta-se na “existência de um ponto central que deve ser o local de exercício de poder e, ao mesmo tempo, o lugar de registro do saber”. (FOUCAULT, 1992, p. 211) Dessa forma, o poder é exercido pela visibilidade.

42

Sempre né, em todo lugar né, poder e poder. E o poder sobe rapidinho à cabeça né. E quem tem quer mais e quem não tem tá louco pra ter. No fundo, no fundo... sempre tem alguém mais forte do que tu e alguém mais fraco. Então assim ó, tu manda, mas tu também é mandado. E tu adora manda né, mas eu acho que isso é próprio da gente, do ser humano. O poder sempre vai existir e sempre mais.

Os mecanismos de disciplina, para Foucault (1992) sintetizam um novo

sistema de poder que se mostra mais econômico e mais eficaz. “É um tipo de poder que se

exerce continuamente através da vigilância”. (p.187) Mas essa vigilância e esse poder não

estão concentrados em um único centro, em uma pessoa, em um lugar, pois os sujeitos se

mostram como meios de “transmissão”, onde cada um torna-se vigia. E esta estratégia se

exerce as claras, por transparências, sem necessidade de ser encoberto, escondido ou feito

no escuro para que ninguém veja. O princípio do poder disciplinar funciona como um

mecanismo que não pune os indivíduos, mas a partir da visibilidade, do olhar, do discurso,

da opinião impede que tais indivíduos façam algum mal. Sem necessitar de armas, violências físicas, coações materiais. Apenas um olhar. Um olhar que vigia e que cada um, sentindo-o pesar sobre si, acabará por interiorizar, a ponto de observar a si mesmo; sendo assim, cada um exercerá esta vigilância sobre si e contra si mesmo. Fórmula maravilhosa: um poder contínuo e de custo afinal de contas irrisório. (FOUCAULT, 1992, p.218)

Porém, o olhar está longe de ser o único instrumento de poder disciplinar

colocado em prática na atualidade, pois “os procedimentos colocados em prática nas

sociedades modernas são bem mais numerosos, diversos e ricos. Seria falso dizer que o

princípio da visibilidade comanda toda a tecnologia do poder desde o século XIX”.

(FOUCAULT, 1992, p. 211). É necessário conceber o poder como que reproduzido por

todo o corpo social, de forma enigmática, visível e invisível, presente e oculta, pois ele é

vivido e por meio de nossas relações sociais é difundido. Assim, deve-se entender o poder,

segundo Foucault (1992), como uma “rede produtiva que atravessa todo o corpo social” e

que “de fato permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso” (p.8).

Diante desta maquinaria que abarca os aspectos relacionados ao poder,

logicamente nem todas as pessoas ocupam o mesmo lugar, a mesma posição social. Com

seu trabalho, suas especificidades a desempenhar, alguns lugares são principais e permitem

a produção de efeitos de superioridade. Entre estes lugares encontramos de forma

característica o lugar do mestre, do educador. Tereza evidencia seu trabalho como

43

professora pontuando a impossibilidade de serem estabelecidas relações de “igual pra

igual”:

...até porque o professor tem um lugar na sala de aula que se não exercer poder sobre os alunos, ele está perdido. Tem que se sentir maior, tem que se sentir mais conhecedor, tem que se sentir mais responsável. Porque se você for ver uma posição de igual pra igual, tudo muito é igual.... não existe. É como uma relação mãe e filho, pai e filho. Você pode até ser livre, mas eu sou sua mãe, quem manda eu sou eu... esse negócio de todo mundo é amigo, vai pra cá, vai pra lá... tem que ter uma relação, um degrau a mais.

Foucault (1992) ressalta que, em nosso meio social, vários tipos de categorias

profissionais foram criadas com a finalidade de exercer funções policiais cada vez mais

precisas, sendo um desses profissionais o professor, pois cabe a ele manter a ordem, a

obediência, os alunos na sala de aula. Deste modo, ao refletir sobre o espaço institucional,

tal autor aponta que a escola se parece muito com a prisão, pois “não são apenas os

prisioneiros que são tratados como crianças, mas as crianças como prisioneiras” (p.73).

Refletindo sobre as interações entre professor e aluno, o professor Alberto salienta que:

...a corda sempre arrebenta do lado mais fraco e o lado mais fraco é no aluno né... e as vezes a gente sem querer ou até as vezes por querer a gente intimida o aluno. E isso às vezes escapa... não deveria ser normal, mas “ô eu vou ferrar contigo”... poxa, porque se não trabalhar dessa maneira também não dá, né.

O professor, neste setor determinado, no local preciso e demarcado da escola,

ocupando uma posição de classe, tendo condições específicas de trabalho e vida,

desempenha uma “política de verdade” em nosso meio social, sendo que o poder circula

entre os enunciados científicos e as verdades. Ao transmitir e veicular enunciados, o

professor, de certa maneira, conduz os sujeitos a utilizarem certos conhecimentos,

concepções e termos ao invés de outros, sendo que de uma forma sutil passa a vender

idéias, abstrações, conhecimento. Evidenciando que a “verdade” é caracterizada, segundo

Foucault (1992), como “o conjunto de regras segundo as quais se distingue o verdadeiro do

falso e se atribui ao verdadeiro efeitos específicos de poder” (p. 13), assinala-se que a

produção de verdade e o saber se inscrevem em torno de papéis econômico-políticos

formados com a intenção de promover a “produção, a lei, a repartição, a circulação e o

funcionamento dos enunciados” (p.14).

Diante desses apontamentos, podemos relacionar a veiculação dos discursos no

ambiente educacional como mercadorias e o professor como mediador dessa transmissão.

44

O consumo na contemporaneidade não pode mais ser considerado como que somente de

objetos materiais, já que se mostra vinculado com a compra de jeitos de ser, de modos de

comportamento, ações, falas. O aluno está na escola com o intuito de alcançar um ideal,

está a todo o momento consumindo sentidos, estratégias, conhecimento, signos. Assim, de

uma forma ou de outra, todas as nossas relações passam a estar pautadas na lógica da

cultura do consumo.

6.4.1 O educar na sociedade de consumo

A sociedade tal como a percebemos não se dá por uma configuração simples

onde alguns acontecimentos se apagaram para que estejam surgindo outros; não é possível

delimitar os valores primeiros e os últimos, pois eles se mostram em uma miríade de

momentos e situações entrelaçadas. Dessa forma, buscamos as causas, as intenções e

necessidades estáveis. Segundo Foucault (1992), passamos a exigir soluções da ciência,

fórmulas precisas e respostas dos historiadores frente a um momento em que vivemos sem

referências, sem coordenadas, sem embasamentos sólidos.

Uma certa desorientação é notada na forma como os professores se referem ao

exercício do educar atualmente, pois na contemporaneidade exige-se a compreensão de

uma nova organização social e familiar. Esta necessidade é percebida na forma como os

alunos se relacionam e convivem no ambiente escolar, solicitando flexibilidade do

professor para lidar com as diferenças e adversidades. Nota-se que a maioria dos

professores participantes da pesquisa atribuem grande parte das dificuldades encontradas

no âmbito educacional como conseqüência da “desestruturação familiar”. Conforme o

relato da professora Raquel:

“Parece assim, ó, tá todo mundo tampando isso, ninguém quer vê, tá. Aí eles dizem assim: “ah, mas hoje...”. Tá, hoje! Como é que tá a família hoje? Antigamente, eu acho engraçado, a gente desenhava pai, mãe, filho. Uma casa, cachorro. Hoje em dia o que tu vê nos desenhos... a mãe, o filho ou o pai, o filho ou o filho e a vó. Nem no desenho mais existe família, família, base. Eu, pra mim, é isso que foi destruído e não sei se tem conserto, infelizmente... A escola tá sendo a família que a criança não tem”.

Nas entrevistas, os professores não deixaram de evidenciar fatores relacionados

às dificuldades que percebem no espaço da escola, onde a família, os valores, a

45

estabilidade estão sendo aos poucos perdidos. Ao referir-se ao seu espaço de trabalho a

professora Beatriz assinala:

...a escola seria... ela deve, tem que ser, né, a melhor instituição, um seguimento da família... uma grande família, né. ...Eu acho que ela está com as portas um pouco fechadas, ela tá um pouco emparanhada, ela precisa ser ventilada, as cortinas sacudidas... Trazer mais os pais dá uma diferença muito grande.

Frente aos estímulos da tv, das propagandas da cultura do consumo, os alunos,

apesar da intensa rede informacional de que dispõem mostram-se incertos, desinteressados.

A instabilidade, a falta de limites, a deficiência de orientação da família exige que os

professores passem a exercer a função de “empregados para fazer tudo”, os quais, apesar

de serem mediadores da aprendizagem, sentem-se responsáveis pela educação moral da

criança, ensinando “boas maneiras” e comunicação. Nesse sentido, a professora Raquel

ressalta a importância de seu trabalho:

Eu acho que se não tiver alguém, orientando né, ainda mais hoje como tá... e eu procuro né, eu acho que cada um de nós aqui, procura fazer o melhor possível, porque pai e mãe não tem mais tempo... Mas eu acho que se não for assim, se a gente desistir, não tem futuro... eu acho.

Diante desses apontamentos podemos notar que a educação, a cultura do

consumo e as relações de poder não se mostram como fenômenos distintos, separados,

estáticos. De forma justaposta e contraditória, tais aspectos passam a compor a

configuração da chamada sociedade complexa, onde por meio da vivência cotidiana cada

sujeito se envolve de forma singular, apropriando-se da concretude do contexto ao qual

pertence.

Nesse sentido, os aspectos ressaltados neste capítulo do trabalho levam-nos a

evidenciar as influências que a intensificação do capitalismo e do consumo exercem sobre

a vida cotidiana e a subjetividade, pois não nos cabe fazermos julgamentos de valor, mas

considerar que estamos inseridos em um meio social o qual deve ser compreendido em sua

positividade, pois é este contexto que viabiliza a constituição de singularidade, diante de

imensa pluralidade. E é um olhar sócio-histórico sobre a subjetividade que possibilita

apreender a forma como cada indivíduo compreende e lida com as situações e fenômenos a

sua volta, considerando a dinâmica das relações sociais estabelecidas historicamente e

localizadas em um contexto cultural específico.

46

6.5 UM OLHAR PARA A SUBJETIVIDADE

“A noção de sujeito [...] pressupõe a da subjetividade. O sujeito é constituído subjetivamente e suas ações são uma fonte constante de subjetivação que chega a ser constituinte dos próprios processos nos quais se constitui”.

(González Rey, 2003)

A psicologia ao considerar a subjetividade como seu objeto de estudo,

possibilita compreender como se dá a complexidade da dinâmica das relações sociais e da

constituição humana. Sob o olhar sócio-histórico a subjetividade requer ser entendida

enquanto experiência humana, como um sistema processual, plurideterminado,

contraditório e em constante construção e reformulação. Sendo evidenciada a todo o

momento por estar diretamente relacionada à psicologia enquanto ciência, mostrando-se

complexa, inacabada e imprevisível, a subjetividade é: a síntese singular e individual que cada um de nós vai constituindo conforme vamos nos desenvolvendo e vivenciando as experiências da vida social e cultural; [...] nos identifica, de um lado, por ser única, e nos iguala, por outro, na medida em que os elementos que a constituem são experienciados no campo comum da objetividade social. Esta síntese [...] é o mundo de idéias, significados e emoções construído internamente pelo sujeito a partir de suas relações sociais, de suas vivências e de sua constituição biológica; é, também, fonte de suas manifestações afetivas e comportamentais. (BOCK, 1999, p.23)

A dinâmica da subjetividade implica a objetividade, já que ela “não é algo que

aparece somente no nível individual, mas a própria cultura dentro da qual se constitui o

sujeito individual, e da qual também é constituinte, representa um sistema subjetivo,

gerador de subjetividade”. (GONZÁLEZ REY, 2003, p.78). Tal aspecto da subjetividade

nos leva a pensar acerca do fenômeno da existência humana, pois o sujeito enquanto

determinado, até certo ponto, pela objetividade, é, ao mesmo tempo, determinante deste

meio social ao qual faz parte. Pois, entende-se que o ser humano humaniza-se a partir das

mediações que recebe do meio que passa a pertencer por ocasião de seu nascimento.

Falar de subjetividade implica considerar o contexto em que o indivíduo está

inserido, a história do sujeito, seus valores, costumes. Há que se compreender a cultura a

que o sujeito pertence, suas especificidades, já que a subjetividade se constitui a partir da

objetividade do mundo. Bock (2001) evidencia em suas reflexões tal importância: [...] falar do fenômeno psicológico é obrigatoriamente falar da sociedade. Falar de subjetividade é falar da objetividade em que vivem os homens. A compreensão do “mundo externo” exige a compreensão do “mundo interno”, pois são dois aspectos de um mesmo movimento, de um processo no qual o

47

homem atua/constrói/modifica o mundo e este, por sua vez, propicia os elementos para a constituição psicológica do homem. (BOCK, 2001, p.22)

Nesse sentido, segundo Spink (2000), é possível apreender a subjetividade

considerando a linguagem, a história e o ser humano enquanto ser social. É a partir da

linguagem que o sujeito apropria-se dos conceitos, das significações, da objetividade do

mundo e passa entender a lógica social sob a qual está inserido, apreendendo “tanto a

ordem como a diversidade”. (SPINK, 2000, p. 45) Já a história mostra-se como uma

construção que se faz presente em nosso cotidiano de forma ressignificada. A história não

é morta, nem tampouco um depósito antigo, mas é um suporte que alimenta, define e

amplia o conjunto de que dispomos para compreender, produzir e criar sentidos.

Contudo, entendendo que o ser humano não nasce pronto e é um ser social que

passa a interagir com os outros membros do grupo, os quais têm papel essencial como

mediadores, é possível relacionar a história e a linguagem como fundamentos que

alicerçam a apropriação da cultura, da ideologia, dos costumes. As interações sociais, a

história e a linguagem devem ser entendidas como produções, experiências e mediações

humanas, já que possibilitam o sujeito constituir-se e, ao mesmo tempo, modificar o seu

meio, como ser ativo e produtor . Spink (2000) nos aponta que a subjetividade pode ser

compreendida pela produção de sentidos onde “o sentido é uma construção social, um

empreendimento coletivo, mais precisamente interativo, por meio do qual as pessoas – na

dinâmica das relações sociais historicamente datadas e culturalmente localizadas –

constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situações e

fenômenos a sua volta”. (SPINK, 2000. p. 41)

Assim o sentido se mostra como forma de apropriação singular do significado

que é atribuído pelas pessoas à objetividade. Enquanto o significado seria a palavra

dicionarizada, como um conceito comum para as pessoas pertencentes a um mesmo espaço

cultural, o sentido é a forma como cada indivíduo interpreta e considera determinada

situação, vivência e objeto, a partir de sua constituição histórica, já que se mostra como

uma a “articulação de todos os eventos psicológicos que a palavra desperta em nossa

consciência”. (BOCK, 2001, p. 131).

A produção de sentidos pode ser percebida a partir da vivência cotidiana, onde

apesar de todos se encontrarem em um mesmo contexto, cada professor vivencia e atribui

sentidos de forma particular, como podemos perceber o modo como a professora Raquel se

sente em relação ao consumo:

48

...eles trazem muito dinheiro e o que apavora a gente é isso. Eles lidam com dinheiro. Assim, é dez reais pra lanche. Eu acho o cúmulo. Porque pro meu filho eu já não dô assim. Porque eu penso assim, se tu dá dez hoje, dez amanhã, daqui a pouco se tu não tem o dez... E eles são muito... Ah! Se fulana tem um caderno de capa dura eu também quero. Ah, eu vou chegar em casa, meu amigo tem uma canetinha e eu também quero. Eu vou pedir pro pai. Eu acho que isso tá sendo deixado de trabalhar. Eu posso, o quanto eu posso e o que eu posso.

Entretanto, a professora Tereza relata sua vivência particular quando criança

ressaltando que atualmente “compra muita mercadoria”, onde podemos claramente notar o

caráter histórico da produção de sentidos:

Canetinha era o meu maior sonho de consumo e era da silva pem, e tinha um estojinho com seis cores, e quem tinha aquilo era rico. Eu lembro, nós crianças, nós mediamos o poder aquisitivo e o padrão de vida dos outros... se tinhas daquele lápis de cor que ia desdobrando. Eu lembro que eu ganhei uma vez da minha madrinha quando eu estava numa série mais adiantada, eu gostava de lápis de cor bem forte, até hoje eu gosto de cor forte. Mas eu nunca tive, eu só conseguia pedindo emprestado, é por isso que eu adorava fazer trabalho em grupo.

Nesse sentido, o sujeito passa a definir sua subjetividade a partir de um tecido

social em que ele vive, onde a subjetividade e a objetividade se constituem de forma

recíproca, sendo que um não se confunda com o outro, mas sendo compreendidos e

considerados em sua dimensão de permanente mudança e reorganização. Acerca desta

dinâmica, tal apontamento de González Rey (2003) mostra-se apropriado: [...] a subjetividade individual se produz em espaços sociais constituídos historicamente; portanto, na gênese de toda a subjetividade individual estão os espaços constituídos de uma determinada subjetividade social que antecedem a organização do sujeito psicológico concreto, que aparece em sua ontogenia como um momento de um cenário social constituído no curso de sua própria história. (p.205)

Ao mencionar sujeito e subjetividade, González Rey (2003) evidencia que tais

conceitos contemplam a complexidade e o caráter dialético do homem, o qual de forma

simultânea representa uma singularidade e um ser social, fazendo parte da configuração

plurideterminada que caracteriza nossa sociedade. Dessa forma, nota-se a relevância dos

fatores histórico-sociais a serem considerados, pois é por meio da compreensão da

historicidade como produto humano que se torna possível a associação entre a constituição

da subjetividade e a complexidade de nossa organização social.

49

6.5.1 O homem diante do dever de consumir

Voltas e atalhos, maneiras de dar golpes, astúcias de caçadores, mobilidades, histórias e jogos de palavras, mil práticas inventivas provam, a quem tem olhos para ver, que a multidão sem qualidades não é obediente e passiva, mas abre o próprio caminho no uso dos produtos impostos, numa ampla liberdade em que cada um procura viver do melhor modo possível a ordem social e a violência das coisas11.

Ao evidenciar as implicações do consumo na subjetividade e considerando o

homem como produto e produtor do meio sócio-histórico ao qual pertence, ao interagir

com esta nova organização social pautada na lógica da globalização, do capitalismo e do

consumo exacerbado passa de forma dinâmica a integrar-se a tais modificações. O sujeito

não abandona sua singularidade e seu modo de ser para submeter-se passivamente ao

sistema, pois sua singularidade é constituída neste contexto de intensas mudanças

econômicas, políticas e sociais. Não nos cabe separar a subjetividade de um lado e a

cultura do consumo de outro, já que ambos constituem-se e reformulam-se reciprocamente.

Assim, o sujeito passa a participar na dinâmica contraditória e dialética a qual se

caracteriza a sociedade atual.

Partindo dos apontamentos de Baudrillard (1995) podemos apreender a forma

como se configura o momento atual da sociedade de consumo: Generalizou-se a lógica da mercadoria, que regula hoje não só os processos de trabalho e os produtos materiais, mas a cultura inteira, a sexualidade, as relações humanas e os próprios fantasmas e pulsões individuais. Tudo foi reassumido por esta lógica, não apenas no sentido de que todas as funções, todas as necessidades se encontram objetivadas e manipuladas em termos de lucro, mas ainda no sentido mais profundo de que tudo é espetacularizado, quer dizer, evocado, provocado, orquestrado em imagens, em signos, em modelos consumíveis. (BAUDRILLARD, 1995, p. 205)

Olhando sob esta perspectiva global e generalizada, atentando somente para o

contexto social, acabamos por ser engolidos pelo sistema. Passamos a nos referir à

objetividade do mundo como algo isolado, auto-sustentável, que não depende do criar, da

ação e da realização humana. Diante desta forma de pensar e analisar a sociedade do

consumo, vemos os sujeitos como que descolados da realidade e passamos a não perceber

as práticas heterogêneas existentes neste contexto; reproduz-se a dicotomia entre o social e

o individual, entre a objetividade e a subjetividade. Mas, frente a tal lógica capitalista

11 Escrito retirado da capa da 10ª edição do livro a Invenção do Cotidiano de Michel de Certeau (1994). (Edição estabelecida e apresentada por Luce Giard e traduzida por Ephraim Ferreira Alves).

50

como conceber o homem como produtor de sentido? Como conceber a subjetividade sob

uma perspectiva sócio-histórica, diante da cultura de consumo que prevalece sobre os

sujeitos?

É justamente sobre estas inquietações que Certeau (1994) fundamenta seu

trabalho intitulado de A Invenção do Cotidiano, onde desloca a atenção do consumo como

apropriação supostamente passiva dos produtos, para evidenciar a criação anônima, sutil,

nascida na prática cotidiana e que se dá por meio do “desvio” na utilização de tais

produtos. Nesta “empreitada teórica”, interessa-se não pelos produtos culturais oferecidos

como mercadorias, mas pelas práticas de seus usuários, pela forma como os sujeitos se

comportam, sentem, vivem, se apropriam e que uso fazem dos bens que adquirem.

Nesse sentido, é relevante atentarmos para tal reflexão: Em certo sentido, todos somos produtores culturais, uma vez que nos entregamos a práticas que não só reproduzem os repertórios culturais de que somos providos e de que necessitamos, enquanto percorremos a vida social, como também, até certo ponto somos capazes de moldar tais práticas, enquanto elas se estendem através da cadeia ininterrupta de gerações que constituem a vida humana. (FEATHERSTONE, 1997, p.18).

Featherstone (1997) se refere aos indivíduos enquanto praticantes e produtores.

Certeau (1994) complementa tais apontamentos elaborando uma “teoria das práticas

cotidianas” extraindo por meio de tais práticas as “maneiras de fazer”. Este fazer, criar,

produzir, se mostra de forma diluída na vivência social, aparecendo muitas vezes por meio

de resistências, desvios, na forma de uma antidisciplina. Sobre esta realidade cinzenta12 o

autor consegue distinguir um movimento que denomina de micro-resistências, as quais

fundam microliberdades; atenta para a mobilização de recursos variados, o que permite um

certo deslocamento das fronteiras da dominação sobre os sujeitos. Isto pode ser percebido

no ambiente escolar, conforme enfatiza a professora Tereza:

E mesmo que a gente brigue e que a direção ponha uma norma que não pode trazer brinquedo para a sala de aula... mas eles trazem coisas que não... como é uma borracha miniatura, uma caneta daquelas coloridinhas, um apontador...

Assim, podemos notar que, apesar de estarmos rodeados por produtos de

consumo oferecidos por uma distribuição de massa que pretende conformar a multidão a

modelos de consumo impostos, bem como os alunos no âmbito escolar se acham

12 Concebendo a realidade da cultura do consumo, das instituições e da cultura de massa como dominantes e que imperam definitivamente sobre os indivíduos deixando-lhes quase nenhuma possibilidade de autonomia, criação e produtividade, praticamente sufocando-os, utiliza-se a metáfora “realidade cinzenta” para caracterizar esta forma de dominação.

51

uniformizados pelas normas do educar, existem microdiferenças. E são justamente estas

minúsculas práticas de consumo e de uso, silenciosas e sutis, que brincam com a ordem

imposta.

Da mesma forma que Baudrillard (1995) escreve acerca da sociedade de

consumo, pontuando a forma como impera sobre os indivíduos, Adorno e Horkheimer

(1969/2002) expõe a passividade do sujeito diante da indústria cultural. Enfatizam que a

cultura de massa se utiliza de conceitos como dinamismo, movimento, mudança, para

promover falsamente a idéia de que nada permanece como era, que tudo deve

continuamente fluir, enquanto produz e reproduz a mesmice, o enquadramento, a

inalteridade. “As malhas do todo são atadas cada vez mais conforme o modelo do ato de

troca. Este permite à consciência individual cada vez menos espaço de manobra, [...]

cortando-lhe a priori a possibilidade de diferença, que se degrada em mera nuance no

interior da homogeneidade da oferta”. (ADORNO, 2002, p. 85)

Diante desses apontamentos, Thompson (1995) reivindica um novo olhar para

o homem diante da cultura de massa, que pode ser estendido para a compreensão do

mesmo diante da cultura do consumo. Assinala que não é totalmente evidente que os

sujeitos ao consumirem determinada mercadoria ou ao receberem alguma informação se

adaptem acriticamente à ordem social. Conforme enfatiza: Esses processos são mais diversificados e complexos [...]. É provável que imagens estereotipadas e padrões repetitivos dos padrões culturais contribuam, até certo ponto, para a socialização dos indivíduos e para a formação de sua identidade. Mas é também provável que os indivíduos nunca são totalmente moldados por esses e por outros processos de socialização, e que eles são capazes de manter ao menos certa distância, tanto intelectual como emocionalmente, das forças simbólicas que são construídas deles, para eles e ao seu redor. (THOMPSON, 1995, p. 143)

Concebe-se os sujeitos como seres constituídos sócio-historicamente, os quais

desenvolvem-se a partir de um movimento de aprendizagem que é dinâmico, onde aos

poucos, com o auxílio de mediadores, como a linguagem, os costumes, a cultura, e o

contexto em que estão inseridos, sempre modificam este meio e são modificados por ele.

Cabe-nos considerar que “a recepção e apropriação de produtos culturais é um processo

social complexo que envolve uma atividade contínua de re-interpretação e a assimilação do

conteúdo significativo pelas características de um passado socialmente estruturado de

indivíduos e grupos particulares”. (THOMPSON, 1995, p. 139)

Nesse sentido, não perdendo de vista a intenção de refutar as teses sobre a

passividade dos consumidores e a massificação dos comportamentos, Certeau (1994)

52

assinala a forma como os sujeitos produzem diante da sociedade de consumo. De maneira

hábil, dispersa, astuciosa e quase invisível, os sujeitos escapam silenciosamente à

conformação. A produção dos sujeitos não se dá por invenções e criações independentes e

próprias, mas podem ser notadas cotidianamente na forma de empregar, utilizar e se

apropriar dos códigos e mercadorias impostos pela ordem economicamente dominante.

Não se destaca como um criar além, mas sim um criar sobre a ordem social por meio da

reapropriação do espaço e do uso a seu jeito. “Sem sair do lugar onde tem que viver e que

lhe impõe uma lei, ele aí instaura pluralidade e criatividade. Por uma arte intermediação ele

tira daí efeitos imprevistos” (CERTEAU, 1994, p. 93). Isto é notado no modo como as

crianças fazem uso de objetos de consumo, símbolos do status quo, com o intuito de

escapar às regras e à ordem do espaço da escola. Conforme Tereza salienta:

...hoje em dia um adolescente tem um celular, e eles gostam mais daqueles que batem foto e gravam e estando na sala de aula eles gravam e sem os professores saberem, porque esse é o legal... É um jeito de fazer uma coisa que não pode e que é um barato, através que um objeto, de um bem é que útil em casos de emergência e eles fazem o que querem.

Deste modo, acreditar que os indivíduos formam uma massa homogênea,

inseridos em um meio social arquitetado de forma a torná-los marionetes, espantalhos,

coisas genéricas13, é simplificar por demais este ser que é singular e se constitui por meio

de uma constante dinâmica entre subjetividade e objetividade. É reduzir a vida, a

sociedade, a individualidade a algo que não está ao nosso controle, que nos domina, sem

que nada possamos fazer. Entretanto, não podemos perder de vista o fato de que

estabelecemos nossas relações, nossa vida, a partir da objetividade, sendo que também a

modificamos. Assim, somos determinados por nosso meio social, porém, ao mesmo tempo,

determinantes, agentes construtores e transformadores da cultura e da história.

13 Referindo-se aos indivíduos como espantalhos, marionetes e coisas genéricas diante da Indústria Cultural, utiliza-se tais figuras de linguagem fazendo uma analogia a seres inanimados, os quais não tem mobilidade própria, sendo arrumados e movimentados para que simplesmente exerçam a função que lhes cabe.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O contexto social a que pertencemos, estando intensamente pautado no

paradigma capitalista, tem-se caracterizado por inúmeras inovações tecnológicas, a elevada

veiculação de informações pelos meios de comunicação de massa e uma reconfiguração

das relações de produção e de consumo. Na medida em que a transformação da cultura

acontece intimamente relacionada com condições históricas e sociais, as implicações desta

nova configuração passam permear todas as esferas da sociedade atingindo as interações

sociais, o modo de organização econômico, a política.

Compreender o ser humano, suas relações e o meio social ao qual está inserido

é o primeiro passo para que se possamos compreender como as transformações globais

influenciam os mais variados grupos e meios sociais. A experiência de pesquisa possibilita

olhar este meio social e perceber que os fundamentos teóricos são apenas apontamentos

para pensarmos a realidade, pois não conseguem abranger a complexidade do ser humano e

a dinâmica que estabelece com o contexto em que vive. Pesquisar é notar de que o viver

cotidiano é simples e complexo. Simples porque se dá de forma espontânea, clara e

precisa. Complexo porque não é possível de ser descrito e compreendido em todos os seus

aspectos, já que é único e envolve a produção de sentidos, re-interpretações, e apropriações

de forma singular por cada sujeito.

Com o intuito de apreender as implicações do consumo na construção da

subjetividade, este trabalho possibilitou compreender que o homem vive num meio

marcado pelo dever de consumir, onde a todo o momento compra maneiras de se

comportar, conhecimentos, jeitos de viver, da mesma forma que consume produtos. Porém

o ser humano ao apropriar-se de tais códigos, normas e mercadorias, não deixa de articulá-

los com sua história, com suas qualidades, de forma singular, em um jogo que contempla a

objetividade e a subjetividade.

Diante da complexidade que envolve nosso meio social e dos vários desafios

decorrentes das modificações culturais, o consumo é um tema bastante evidente em todos

os espaços sociais. Estando presente tanto nas brincadeiras das crianças, quanto nos bate-

papos informais e formais dos adultos, o consumo passa a percorrer a esfera da

sociabilidade sendo de forma escancarada veiculado por todas as pessoas, as quais passam

a legitimar um modo característico de convivência e relação.

54

A cultura do consumo atinge a forma como cada professor desenvolve o seu

trabalho, como pensam acerca da realidade que vivenciam, modificando os valores que

possuem. Desse modo, estudar acerca do consumo significa vislumbrar possibilidades de

entendê-lo nos mais variados espaços, atividades e culturas, pois se estende por todos os

cantos, sendo evidenciado pelas mais variadas ciências.

Este trabalho se centra em alguns aspectos relativos à cultura de consumo e

suas implicações na subjetividade, mas aponta para a importância de novos estudos sobre

esta temática que todos conhecem, com o qual todos convivem e que se mostra

multifacetada. Este trabalho oportunizou notar que o jogo do pesquisar abre muitos

caminhos, sublinha dúvidas, questionamentos e possibilita refletir sobre aspectos com que

nos deparamos cotidianamente e que não apreciamos de forma cuidadosa e minuciosa, mas

que se mostram ricos e preciosos para a compreensão do homem e seu meio.

55

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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56

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ANEXO I

ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

A entrevista que foi realizada para obtenção dos dados esteve norteada pelas seguintes

questões:

- Que sentido o professor atribui a seu trabalho enquanto educador?

- Que mudanças o professor evidencia no seu cotidiano de trabalho e em sua profissão em

decorrência da intensificação do capitalismo, da mercantilização e do consumo?

- De que forma o professor lida com a diversidade de valores, de saberes a de condições de

vida tanto de alunos, quanto dos outros professores que atuam no ambiente escolar?

- De que forma o professor lida e que sentido atribui a intensificação de anúncios e informações veiculadas pelos mais diversos meios de comunicação?

- O que o professor avalia ao escolher entre uma mercadoria e outra?

- No seu ponto de vista, o meio social em que irá utilizar tal mercadoria influencia em sua

escolha?

- Como nota a problemática relacionada ao consumo no meio escolar?

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ANEXO II

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE

Você está sendo convidado a participar em uma pesquisa. O documento abaixo contém todas as

informações necessárias sobre a pesquisa que está sendo realizada. Sua colaboração neste estudo é muito

importante, mas a decisão em participar deve ser sua. Para tanto, leia atentamente as informações abaixo e

não se apresse em decidir. Se você não concordar em participar ou quiser desistir em qualquer momento, isso

não causará nenhum prejuízo a você. Se você concordar em participar basta preencher os seus dados e assinar

a declaração concordando com a pesquisa. Se você tiver alguma dúvida pode esclarecê-la com o responsável

pela pesquisa. Obrigada pela atenção, compreensão e apoio.

Eu,_________________________, residente e domiciliado ______________,

portador da Carteira de Identidade, RG ______________, nascido(a) em

____/____/____, concordo de livre e espontânea vontade em participar como voluntário

da pesquisa “Pagando bem, perigo não tem!”: As implicações do consumo na construção

da subjetividade. Declaro que obtive todas as informações necessárias, bem como todos

os eventuais esclarecimentos quanto às dúvidas por mim apresentadas. Estou ciente

que:

1. O estudo se refere a investigar as implicações do consumo na construção da

subjetividade.

2. A pesquisa é importante de ser realizada por problematizar o cotidiano,

investigando de que forma a cultura do consumo envolve o dia-a-dia de

professores, suas relações, o meio social ao qual estão inseridos e

conseqüentemente a sua subjetividade.

3. Participarão da pesquisa professores que trabalham nesta instituição escolar do

município de Ituporanga/SC.

4. Para conseguir os resultados desejados, a pesquisa será realizada por meio de

entrevista semi-estruturada gravada com os participantes e da observação

participante.

5. A pesquisa é importante de ser realizada, pois deve trazer como benefícios a

compreensão de como os professores são mediadores de conhecimento a partir

do que vivenciam, do que sentem e de como lidam com a cultura de consumo,

dessa forma investigando como se dá a dinâmica cotidiano escolar sob o olhar do

professor.

6. Se, no transcorrer da pesquisa, eu tiver alguma dúvida, ou por qualquer motivo

necessitar, posso procurar a responsável pela pesquisa.

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7.Tenho a liberdade de não participar ou interromper a colaboração neste estudo no

momento em que desejar, sem necessidade de qualquer explicação. A

desistência não causará nenhum prejuízo.

8. As informações obtidas neste estudo serão mantidas em sigilo e em caso de

divulgação em publicações científicas, os meus dados pessoais não serão

mencionados.

9. Caso eu desejar, poderei pessoalmente tomar conhecimento dos resultados ao

final desta pesquisa com a pesquisadora.

DECLARO, outrossim, que após convenientemente esclarecido pelo pesquisador

e ter entendido o que me foi explicado, consinto voluntariamente em participar desta

pesquisa e assino o presente documento em duas vias de igual teor e forma, ficando uma

em minha posse.

Ituporanga, _____ de _______________ de ______.

______________________________________________________ (nome e assinatura do sujeito da pesquisa)