Palavras-chave: interdisciplinaridade – demanda –...

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CENTRO DE DIREITOS HUMANOS ESTÁGIO SUPERVISIONADO DE CLÍNICA ADULTO Para atuar em um Centro de Direitos Humanos é necessário conhecer a realidade da sociedade na qual este está inserido, buscando entendê-la, observando de que forma teórica, metodológica e ética pode-se auxiliar nessa tarefa. Conhecendo o contexto atual, no qual vivemos, percebe-se a necessidade da atuação do psicólogo em diversas e novas áreas, como em instituições, hospitais, escolas, além de clínicas, e tantas outras. Para uma boa atuação é preciso compreender alguns fatores da Psicologia Jurídica e Direitos Humanos, conhecendo o contexto brasileiro. É necessário que haja um trabalho interdisciplinar para que a população vítima de violação de qualquer um de seus direitos e que procuram auxílio e orientação no CDH, possa ser atendida. Por meio do estágio em um Centro de Direitos Humanos pode-se perceber a importância da aproximação da Psicologia da comunidade, pois é percebida a grande demanda existente e o que ambos os lados podem construir com essa aproximação. Este trabalho ajuda a desmitificar o papel do psicólogo e permite que as pessoas consigam se perceber como cidadãos de direitos, com possibilidades e que possuem respaldo jurídico e psicológico. O estágio nessa área vem contribuir para que essa classe amplie seus horizontes, enxergando novas áreas e possibilidades de atuação. Possibilita o aprendizado de trabalhar em parceria com outros profissionais, nesse caso, profissionais da Psiclogia e do Direito, para que juntos possam contribuir com a sociedade na qual estão inseridos. Palavras-chave: interdisciplinaridade – demanda – comunidade

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CENTRO DE DIREITOS HUMANOS

ESTÁGIO SUPERVISIONADO DE CLÍNICA ADULTO

Para atuar em um Centro de Direitos Humanos é necessário conhecer a realidade da sociedade na qual este está inserido, buscando entendê-la, observando de que forma teórica, metodológica e ética pode-se auxiliar nessa tarefa. Conhecendo o contexto atual, no qual vivemos, percebe-se a necessidade da atuação do psicólogo em diversas e novas áreas, como em instituições, hospitais, escolas, além de clínicas, e tantas outras. Para uma boa atuação é preciso compreender alguns fatores da Psicologia Jurídica e Direitos Humanos, conhecendo o contexto brasileiro. É necessário que haja um trabalho interdisciplinar para que a população vítima de violação de qualquer um de seus direitos e que procuram auxílio e orientação no CDH, possa ser atendida. Por meio do estágio em um Centro de Direitos Humanos pode-se perceber a importância da aproximação da Psicologia da comunidade, pois é percebida a grande demanda existente e o que ambos os lados podem construir com essa aproximação. Este trabalho ajuda a desmitificar o papel do psicólogo e permite que as pessoas consigam se perceber como cidadãos de direitos, com possibilidades e que possuem respaldo jurídico e psicológico. O estágio nessa área vem contribuir para que essa classe amplie seus horizontes, enxergando novas áreas e possibilidades de atuação. Possibilita o aprendizado de trabalhar em parceria com outros profissionais, nesse caso, profissionais da Psiclogia e do Direito, para que juntos possam contribuir com a sociedade na qual estão inseridos.

Palavras-chave: interdisciplinaridade – demanda – comunidade

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Fernanda Vianna Pinto Cordovil Metzner

Gabriela Mateus Medeiros

CENTRO DE DIREITOS HUMANOS

ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM CLÍNICA ADULTO

Relatório final do Estágio de Psicologia Clínica, apresentado ao curso de Psicologia da

Faculdade Guilherme Guimbala, para obtenção do grau de Psicólogo, e aprovado pelo

seguinte professor Júlio Schruber Junior, CRP nº. 12/0906.

JOINVILLE

2008

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EPÍGRAFE

A cidadania é o direito a ter direitos, pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres

humanos não é um dado. É um construído da convivência coletiva,

que requer o acesso ao espaço público. É este acesso ao espaço

público que permite a construção de um mundo comum

através do Processo de asserção dos

direitos humanos.

Hannah Arendt

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INTRODUÇÃO

Este relatório tem por objetivo apresentar o resultado de um estágio realizado pelos

autores, estagiários do quinto ano do curso de Psicologia, da Faculdade Guilherme Guimbala,

cumprindo assim a carga horária de 324 horas de estágio curricular obrigatório

supervisionado em Psicologia Clínica.

Este estágio foi realizado no Centro de Direitos Humanos M.G.B.(CDHMGB), na

cidade de Joinville/SC. Esta é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, de

utilidade pública, que tem por objetivo promover, difundir e garantir os Direitos Humanos

Civis, Políticos, Econômicos, Sociais, Culturais, à Paz e ao Desenvolvimento. Para tanto

observa os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Carta de princípios

do Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH), instituição à qual é filiado

(PEROVANO et al., 2006).

O Projeto de Assistência Jurídica e Psicológica ao Centro de Direitos Humanos e ao

Conselho Carcerário de Joinville (PAS-JP), ao qual este estágio é vinculado originou-se em

2006, de um convênio firmado entre a Faculdade Guilherme Guimbala com o Centro de

Direitos Humanos M.G.B.

Assim, em sua concepção este projeto teve por objetivo intervir, por meio de

profissionais e estudantes das áreas de Psicologia e Direito, habilitados e engajados, na

formação de uma sociedade mais justa e cidadã, na defesa, orientação, encaminhamento,

organização e formação da população, especialmente egressos do sistema prisional e

familiares de pessoas detidas, vítimas de violência institucional, em prol da conquista de

direitos sociais, políticos e econômicos.

Já em relação aos objetivos específicos, lê-se:

• Contribuir para implantação da Casa do Egresso.

• Otimizar e apoiar as atividades do Conselho Carcerário de Joinville e

dos Conselhos do Estado com relação à produção de documentos, encaminhamentos

de solicitações, interlocução com outros órgãos e articulação de ações.

• Ampliar, otimizar e qualificar a orientação jurídica oferecida pelo

Centro de Direitos Humanos a pessoas empobrecidas que tem seus direitos violados,

movimentos sociais e comunidades que precisam de defesa.

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• Possibilitar a mediação psicológica para os movimentos sociais e

grupos assessorados pelo Centro de Direitos Humanos.

• Contribuir na formação dos futuros profissionais de Direito e

Psicologia.

• Contribuir na organização e formação da população em geral, com

vistas à conquista de direitos1.

Atuando em um Centro de Direitos Humanos é necessário conhecer a realidade da

sociedade na qual este está inserido, buscando entendê-la, observando de que forma teórica,

metodológica e ética pode-se auxiliar nessa tarefa. É necessário que haja um trabalho

interdisciplinar para que a população vítima de violação de qualquer um de seus direitos e que

procuram auxílio e orientação no CDH, possa ser atendida (SCHWEDE, 2008).

O estagiário de Psicologia realiza mediações psicológicas dos clientes, propiciando um

espaço de escuta às pessoas que procuram o CDH, durante o plantão. A pessoa chega à

entidade buscando alguma solução para suas questões, ansiosa, e muitas vezes angustiada. O

papel do psicólogo é rebaixar essa ansiedade, levando o sujeito a pensar de forma mais clara

nas possíveis soluções de seus problemas, possibilitando uma nova forma de olhar os

mesmos. No CDH não é realizado psicoterapia, mas intervenções diretivas que possibilitem a

pessoa enfrentar seus problemas.

A visão tradicional da atuação do psicólogo como clínico, atendendo cada pessoa

individualmente, vem mudando com o passar do tempo. A partir da atuação dos estagiários

nesta entidade teve-se oportunidade de experienciar possibilidades outras de novas áreas de

atuação a esta categoria profissional, e a necessidade da população ter acesso a este tipo de

intervenção.

A partir de nossa compreensão entendemos que o sujeito se constitui socialmente.

Logo, percebemos que é possível que ocorram mudanças em cada sujeito, mas

principalmente, e significativamente, estas mudanças se dão na relação, ou seja, é a partir da

influência que o outro, o meio e vínculos exercem no sujeito que ele se constitui.

É quando o sujeito busca auxílio que o psicólogo pode atuar mediando as relações, as

mudanças, possibilitando ao indivíduo adaptação e superação, nas quais seus direitos possam

ser respeitados, observados e atendidos.

A Psicologia é uma ciência que estuda a subjetividade2 humana constituída nas

relações sociais e culturais. Neste sentido, Bock aponta que:

1 Informações disponíveis no projeto original, não publicado, disponível no Centro de Direitos Humanos.

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o psicólogo tem seu trabalho relacionado as condições gerais da vida de uma sociedade, embora atue enfocando a subjetividade dos indivíduos e/ou suas manifestações comportamentais. (Bock, 2001, p. 156).

Uma das áreas da Psicologia, a Psicologia Social, estuda a interação social, como se

forma a maneira como o sujeito percebe o mundo em relação à linguagem e os valores que

são apropriados, levando-o a compreender que seu comportamento é resultado da influência

do grupo ao qual pertence (Lane, 1981).

Esse processo ocorre desde o nascimento, ou até mesmo antes, enquanto condições

históricas que deram origem a uma família, a qual convive com certas pessoas, que

sobrevivem trabalhando em determinadas atividades, as quais já influenciam na maneira de

encarar e cuidar da gravidez e no que significa ter um filho.

Esta ação mútua constitui os pensamentos, emoções e comportamentos dos indivíduos

envolvidos, seja de forma direta como um olhar, um sorriso, seja ela indiretamente, como

ocorre na mídia, através de alguma campanha publicitária.

As leis gerais da psicologia dizem que se aprende quando reforçado, mas é a história

do grupo no qual o sujeito pertence que determinará o que é reforçador ou o que é punitivo.

Sendo assim, também aquilo que "deve ser aprendido" é determinado socialmente. E por essa

razão, é muito difícil encontrarmos comportamentos humanos que não envolvam

componentes sociais. Neste aspecto Bock (2001, p.146) reafirma que: “O homem é um ser

social, que constrói a si próprio, ao mesmo tempo que constrói, com outros homens, a

sociedade e sua história”.

O caminho trilhado

Para a realização das atividades no Centro de Direitos Humanos, a equipe trabalhou

em forma de plantão, as segundas e terças-feiras à tarde, atendendo em conjunto com uma

advogada e estagiária do 5º ano de Direito, atendendo pessoas previamente agendadas.

Durante o atendimento eram ouvidas as demandas e dado o encaminhamento ou tratativa

adequados à situação.

2 A subjetividade é a síntese singular e individual que cada um de nós vai constituindo conforme vamos nos desenvolvendo e vivenciando as experiências da vida social e cultural; é uma síntese que nos identifica, de um lado, por se única, e nos iguala, de outro lado, na medida em que os elementos que a constituem são experienciados no campo comum da objetividade social (BOCK, p. 23. 2002)

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Devido à necessidade, foram coordenados dois grupos operativos durante o ano de

2008. O grupo de moradia, que desde o ano anterior vinha acontecendo, era realizado às

segundas-feiras, uma vez por mês, com duração de 1 hora e meia. O outro grupo surgiu neste

ano, atendendo a egressos do sistema prisional carcerário e seus familiares, às terças-feiras,

uma vez por mês, com duração de 1 hora e meia, acontecendo na Pastoral Carcerária. Estes

atendimentos totalizaram aproximadamente 240 horas, incluindo-se aí as horas efetivamente

cumpridas no CDH e as horas de supervisão, na Faculdade Guilherme Guimbala.

Durante a realização deste estágio foi necessário compreender a forma de atuação do

Psicólogo nas novas áreas. Para isso, foi necessário conhecer a história da Psicologia, desde

seu surgimento, há cerca de dois milênios até hoje. Conhecendo o contexto atual, no qual

vivemos, percebe-se a necessidade da atuação do psicólogo em diversas e novas áreas, como

em instituições, hospitais, escolas, além de clínicas, e tantas outras. Para uma boa atuação foi

preciso compreender alguns fatores da Psicologia Jurídica e Direitos Humanos, conhecendo o

contexto brasileiro.

Por meio deste estágio pudemos perceber a importância da aproximação da Psicologia

da comunidade, pois é percebida a grande demanda existente e o que ambos os lados podem

construir com essa aproximação. Este trabalho ajuda a desmitificar o papel do psicólogo e

permite que as pessoas consigam se perceber como cidadãos de direitos, com possibilidades e

que possuem respaldo jurídico e psicológico.

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1 DIFERENTES FORMAS DE SE PENSAR/FAZER PSICOLOGIA

A história da Psicologia tem aproximadamente dois milênios. Primeiramente, foram os

filósofos gregos quem tentaram sistematizar uma psicologia, sendo por meio de Sócrates que

a Psicologia na Antiguidade ganhou certa consistência. Platão e Aristóteles também

contribuíram no desenvolvimento da mesma, falando sobre a alma do homem e que “a psyché

seria o princípio ativo da vida” (BOCK, p.33, 2002).

Durante o Império Romano e na Idade Média, a Psicologia era relacionada ao

conhecimento religioso, pois quem monopolizava o saber, o estudo do psiquismo, era a Igreja

Católica. Esse período foi representado por dois grandes filósofos: Santo Agostinho e São

Tomás de Aquino (BOCK, 2002).

A Psicologia como Ciência surgiu em 1875, tendo Wilhelm Wundt criado o primeiro

Laboratório de Experimentos em Psicofisiologia, em Leipzig, na Alemanha. A partir desse

momento, a história da Psicologia vem se fortalecendo com princípios e métodos científicos.

Neste momento, o conhecimento tornou-se independente da fé, desvinculando a Psicologia da

Igreja (BOCK, 2002).

Tendo em vista estas mudanças ocorridas no contexto mundial, são necessárias novas

formas de perceber o homem, tais como “um ser ativo, social e histórico” (BOCK, p.89,

2002).

O psicólogo pode atuar em diversas áreas, como em consultórios, clínicas

psicológicas, hospitais, escolas, instituições, entre outros. Ele deve atuar sempre procurando

promover a saúde das pessoas.

A Psicologia tradicional, conhecida vulgarmente como um atendimento individual, no

qual o psicólogo faz poucas, ou nenhuma intervenção e o paciente realiza praticamente um

monólogo, não é retrato da realidade.

Essa forma da psicologia, juntamente com outras especialidades, se destaca na

importância de acolher, amparar, acompanhar e respeitar cada sujeito de uma maneira

individualizada.

Segundo o Conselho Regional de Psicologia/SC, a Psicologia Clínica trabalha visando

reduzir o sofrimento do homem, levando em conta a sua subjetividade. Estas intervenções

tanto podem ocorrer individualmente, em grupo, social ou institucional, tendo como objetivo

preventivo, de diagnóstico ou curativo.

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A Psicologia Clínica tem por objetivo contribuir para a promoção de mudanças e transformações visando o benefício de sujeitos, grupos, situações, bem como a prevenção de dificuldades. Atua também no estudo diagnóstico e prognóstico em situações de crise, em problemas de desenvolvimento ou em quadros psicopatológicos, utilizando, para tal, procedimentos de diagnósticos psicológicos tais como: entrevista, utilização de técnicas de avaliação psicológicas e outros (Conselho Regional de Psicologia/SC, pg2 s/a).

A Psicologia Clínica pode contribuir para reflexão sobre formas de enfrentamento das

questões levantadas. Desenvolve atendimentos terapêuticos, em diversas modalidades, tais

como: psicoterapia individual, de casal, familiar ou em grupo, psicoterapia lúdica, terapia

psicomotora, arte-terapia, orientação de pais e outros. Atua junto a equipes multiprofissionais,

identificando, compreendendo e atuando sobre fatores emocionais que intervêm na saúde

geral do indivíduo; em contextos hospitalares, na preparação de pacientes para a entrada,

permanência e alta hospitalar; participa de instituições específicas de saúde mental, como

hospitais dia, unidades psiquiátricas e outros, podendo intervir em quadros psicopatológicos,

tanto individual, como grupal, auxiliando no diagnóstico e no esquema terapêutico proposto

em equipe; entre tantas outras formas de atuação (Conselho Regional de Psicologia/SC).

Uma nova forma de enxergar a Psicologia Tradicional/Clínica é através da ótica

Social. É perceber o indivíduo como um todo, que é influenciado e influencia o meio no qual

está inserido. Quando ocorre um atendimento social, a visão clínica está na teoria aplicada no

momento. Por exemplo, perceber que o indivíduo que procura um apoio jurídico quando está

na iminência de perder sua casa, está envolvido por uma série de questões, como insegurança,

sentimentos, injustiça.

Segundo Lane (2002) a Psicologia Social estuda a relação fundamental entre o

indivíduo e a sociedade, está entendida historicamente desde como seus membros se

organizam para garantir sua sobrevivência até seus costumes, valores e instituições

necessárias para a continuidade da sociedade.

Vale lembrar que a história não é estática nem imutável está sempre acontecendo a

cada momento, a cada época gerando o seu contrário, levando a sociedade a transformações

fundamentalmente qualitativas.

A preocupação atual da psicologia social é conhecer como o homem se insere neste

processo histórico, não somente como ele é determinado, mas principalmente, como ele se

torna agente da história, isto é, como ele pode transformar a sociedade em que vive (CODO

1997). O papel do psicólogo é aliviar a angústia da pessoa, rebaixando o nível de ansiedade,

fortalecendo-a para que possa estar preparada para aquilo que vai enfrentar.

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A atuação do psicólogo pode beneficiar toda uma população, que necessita ser ouvida,

percebida e ajudada, sendo que a Psicologia, segundo Bock (2002), tem um conhecimento

significativo para a compreensão da realidade, neste sentido pode ser utilizada pelos

psicólogos em vários campos de trabalho.

Psicologia Jurídica

A Psicologia Jurídica, no Brasil, é um campo extremamente novo, e sua importância

reconhecida apenas por parte de alguns poucos juízes dentro da jurisdição. Entende-se que

esta psicologia envolve-se com questões legais, tais como guarda, laudos, processos adotivos,

processos trabalhistas, entre outros (FRANÇA, 2004).

Até pouco tempo, os psicólogos tinham pouco espaço na jurisdição, a não ser nas

penitenciárias. Suas participações começaram efetivamente em 1980, no Tribunal de Justiça

do Estado de São Paulo, como voluntários, que atendiam pessoas encaminhadas pelo Serviço

Social. Com o passar do tempo, os juízes começaram a perceber que a presença de psicólogos

era de extrema importância. E, em 1985, foi apresentado um projeto à Assembléia Legislativa

pelo presidente do Tribunal de Justiça, criando o cargo de Psicólogo Judiciário. Dessa forma

surgiram os primeiros psicólogos da área jurídica (MYRA, 2005 & CESCA, 2004).

A relação entre os saberes construídos pela Psicologia, o Direito e as práticas judiciárias é muito antiga, mas ainda pouco conhecida no Brasil. A partir da complexidade com que foram se constituindo as regras de convivência humana, as bases da lei foram se complexificando e absorvendo cada vez mais contribuições dos diversos campos do saber (CESCA, 2004, p. 41-42).

MYRA (2005) nos trás que uma vez inserido no trabalho jurídico, o psicólogo pode

atuar em varas de família, de infância e juventude e também nas varas criminais, como áreas

básicas. De uma forma geral, sua função consiste em oferecer um parecer, fazendo um laudo,

um psicodiagnóstico, tomado como uma resposta que satisfaça as perguntas vindas dos juízes,

advogados ou Ministério Público. Para promover este parecer, o psicólogo tem como

instrumento de trabalho as entrevistas psicológicas, e também os testes, que são escolhidos de

acordo com o tipo de caso e situação em questão (MYRA, 2005).

A questão do psicodiagnóstico entra em conflito a área do Direito e a Psicologia, pois

existem questões obrigatórias no Direito que não são definidas na Psicologia. Há uma

exigência por parte dos juízes de um parecer conclusório, e o psicólogo que atua na área de

Direito, fica sendo responsável por oferecer uma certeza. Não se pode esquecer que o

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psicólogo tem como função primordial preservar o sigilo e a identidade do paciente, como

está estabelecida no Código de Ética Profissional do Psicólogo, Art. 9º:

É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício profissional (CÓDIGO DE ÉTICA, p. 13, 2005).

Sendo assim, o psicólogo apenas informa o juiz sobre características daquele grupo,

família ou sujeito em questão, oferecendo hipóteses de trabalho (perícia) sem as quais Juízes e

Promotores não têm possibilidades de resolver as questões.

Embora exista essa dificuldade, o psicodiagnóstico utilizado na área da Justiça tem

sido bastante valorizado por alguns juízes, que afirmam que, na maioria dos casos, se não

houvesse um parecer psicológico, não haveria possibilidades de dar continuidade ao processo.

O objetivo da Psicologia na área jurídica é, também, o da reintegração do indivíduo à

sociedade.

Observa-se então no Direito a íntima ligação e importância entre a Psicologia e o

campo social, no qual este profissional tem uma ação direta na sociedade, além de ocupar uma

posição reconhecida por sua grande responsabilidade dentro deste campo (MYRA, 2005).

É tempo de se pensar na integração de diferentes áreas, a integração dos saberes, que

resultam em um enriquecimento. É preciso que haja um trabalho interdisciplinar que é “uma

das chaves para a compreensão do mundo, uma vez que esse não é feito de coisas isoladas,

mas consiste em várias dimensões complementares” (VILELA, 2003).

Portanto, o psicólogo deve estar apto e flexível para lidar com diversas frentes de

trabalho, exercendo sua função que é buscar promover a saúde e a qualidade de vida das

pessoas e da coletividade (CÓDIGO DE ÉTICA, 2005).

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2 DIREITOS HUMANOS

Segundo Carbonari (2008), a concepção histórico-crítica dos direitos humanos é

marcada pelas contradições e condições da realidade social. A garantia desses direitos é

reconhecida, no entanto esta exige estrutura e condições sociais, econômicas e culturais que

possam torná-las efetivas para todos. A igualdade é complemento da liberdade, como

condição fundamental da garantia dos direitos. Igualdade deixa de ser princípio formal para se

transformar em condição histórica de garantias estruturais.

Há tempos as pessoas vêm lutando por seus direitos. Fatores básicos, como alimento,

moradia, educação, trabalho são garantidos por Leis para que cada indivíduo tenha suas

necessidades satisfeitas. Existem três principais instrumentos que dão sustentação à proteção

internacional dos Direitos Humanos, que são: a Declaração Universal dos Direitos do Homem

(1948), o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), e o Pacto Internacional

sobre Direitos Econômicos (1966) (ANNONI, 2003).

O indivíduo, muitas vezes, não tem conhecimento daquilo que podem por direito

reivindicar. Não há um reconhecimento que todos possuem o mesmo direito. “Denota-se que

não importa raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou condição social. Perante a

Declaração todos são iguais (...)” (ANNONI, p. 65, 2003).

Tendo isso em vista, é preciso estar ciente daquilo que é direito e dever do cidadão.

Pois, “nenhum fenômeno social iguala em importância à liberdade que é condição de vida, e

ao estado, a cuja coação ninguém escapa” (DÓRIA, p. 9, 1942), inclusive a liberdade em

conhecer aquilo que possa contribuir na sobrevivência. Para tanto, é preciso esclarecimento

desses direitos, pois, muitas vezes, o cidadão ignora as Leis que o protegem. Assim, entende-

se que devido à violação da garantia dos direitos humanos, é necessária a existência de

organizações que possam orientar o sujeito àquilo que necessita, organizações como o Centro

de Direitos Humanos M.G.B.(CDHMGB).

Com relação ao trabalho do Psicólogo, o Código de Ética descreve que se deve

respeito pelos direitos e a dignidade das pessoas, de forma implícita ou explícita (JACÓ-

VILELA, 2007), como citado no artigo 1º dos Princípios Fundamentais do Código de Ética do

Psicólogo: I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, p.7, 2005).

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Sendo assim, o psicólogo deve ter em mente essa obrigação ao desempenhar sua

tarefa, não esquecendo que seu trabalho afeta diretamente o sujeito, que possui seus direitos.

2.1 Direitos Humanos no Brasil

A lei máxima que garante os direitos dos cidadãos no Brasil é a Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988, onde reza os direitos e deveres dos cidadãos

garantindo o direito de ser reconhecido, tratado com direito de igualdades, sem sofrer

preconceitos ou discriminação, a saúde e a segurança. Para o indivíduo viver em sociedade

deve acatar as leis da constituição e em contra partida o Estado proporcionará os direitos que

cabe a ele.

O conceito de direitos humanos é, pela tradição no ocidente, tratado principalmente pelo marco do direito constitucional e do direito internacional, cujo propósito é construir instrumentos institucionais à defesa dos direitos dos seres humanos contra o abuso de poder cometidos pelos órgãos do Estado, ao mesmo tempo em que busca a promoção de condições dignas de vida humana e seu desenvolvimento (LEAL, 1997, p. 19).

Os direitos adquiridos dos cidadãos tiveram sua maior abrangência com a

promulgação da Constituição Federativa da República do Brasil de 1988, com o surgimento

do Estado Democrático após o Ato Institucional (AI5) que era regido por militares. O Estado

democrático tem como objetivo assegurar o exercício dos direito sociais e individuais.

A constituição estabelece em seus artigos introdutórios conjunto de princípios que

delimitam os fundamentos e os objetivos da República, destacando-se a cidadania e a

dignidade do cidadão, conforme os artigos 1º e 3º.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e

regionais;

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IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CONSTITUIÇÃO FEDERATIVA DO BRASIL, 1988).

Segundo Leal (1997) a Constituição brasileira de 1988 se preocupa em proteger os direitos.

O artigo 5º e seus incisos da Constituição Federal de 1988 rezam esses direitos, que são: são

invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o

direito a indenização por dano material ou moral decorrente da violação (X); a casa é o asilo

inviolável do individuo (XI); é livre a locomoção no território nacional (XV); todos podem

reunir-se pacificamente (XVI); é garantido o direito de propriedade (XXII); é garantido o

direito de herança (XXX); a pratica de racismo constitui crime (XLII); são asseguradas

diversas prerrogativas à liberdade de ir e vir das pessoas, principalmente com o habeas

corpus, habeas data, mandado de segurança, etc.

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3 CENTRO DE DIREITOS HUMANOS M.G.B.

O CDHMGB foi fundado no dia 11 de março de 1979, por um grupo de lideranças

populares, operários e religiosos locais, motivado pelo compromisso com pessoas em situação

de pobreza, risco e exclusão social, isto é, aquelas pessoas alijadas de seus direitos

fundamentais, com o intuito de organizá-las na defesa destes direitos e na conquista e

construção de uma sociedade justa. Tem como objetivo a defesa da vida e dos direitos

universais, individuais e coletivos previstos na constituição federal brasileira, dentre outros

documentos pertinentes, contra a violência. Desde sua criação apresenta significativa atuação

em defesa da moradia, da terra, dos diretos da criança e adolescente e da mulher

(PEROVANO et al, 2006).

Essa entidade tem como missão: “Promover a cidadania; denunciar a violência;

defender a vida; estimular as organizações populares; registrar a luta do povo”. Seu princípio

básico é a Luta pela Vida contra todas as Formas de Violência, sendo, portanto, um espaço

de referência para os Movimentos Populares, Sociais, Pastorais e outros do município e

também do Estado de Santa Catarina (PEROVANO et al, 2006).

Partindo desses princípios, o CDH idealizou a realização de um projeto voltado à

população da Região de Joinville. Em 2005, realizou-se audiência pública na Câmara de

Vereadores de Joinville sobre a Penitenciária; realizou-se o II Seminário: Gestão Prisional,

Segurança Pública e Cidadania (PEROVANO et al, 2006).

Desde 2006 o CDH vem desenvolvendo o projeto PAS-JP, em parceria com o Curso

de Psicologia da Faculdade Guilherme Guimbala. Neste projeto são realizados plantões

jurídico e psicológicos na sede do Centro de Direitos Humanos. Em 2007 sentiu-se a

necessidade de montar-se um grupo que visasse auxiliar pessoas com o risco iminente de

perder suas moradias. Além destes plantões e grupos, realizam-se visitas mensais ao Presídio

e a Penitenciária de Joinville.

Após a análise de dados do ano de 2007, percebeu-se a necessidade de incluir uma

nova área de atuação no projeto, isto é, inserção do curso de Comunicação do IELUSC; os

estagiários desta área terão como objetivo realizar um mapeamento histórico da Instituição

para levantamento de dados que visem suprir as necessidades e possibilitem o crescimento da

mesma.

Em 2008 o projeto foi retomado com os Plantões, com o Grupo de Moradia e com

visitas ao presídio e a penitenciária de Joinville. No entanto deu-se início ao Grupo do

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Sistema Prisional, que tem por objetivo, proporcionar um espaço em que egressos e familiares

possam buscar auxílio psicológico, além de compartilharem suas histórias.

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4 O CAMINHO TRILHADO

Em março de 2008 os estagiários de psicologia deram início ao estágio no CDHMGB.

Para se preparem para a realização dos plantões, participaram de capacitações com

profissionais dessa área de atuação, como psicólogos, cientistas sociais, advogados e

profissionais ligados à área de saúde.

4.1 Plantão

Os atendimentos são realizados na sede do CDH, em oito horas semanais, as segundas

e terças-feiras, sempre por um estagiário de Psicologia e outro de Direito, concomitantemente,

supervisionados pela assessora jurídica e a psicóloga da entidade.

As tarefas da equipe de trabalho compreendem:

• Atendimento de solicitações de progressão e benefícios de apenados do

Presídio e Penitenciária na sede do CDH;

• Acompanhamento da rotina do Conselho Carcerário nas reuniões, audiências

e eventos, produção de relatórios, petições, requerimentos e outros; apoio na

interlocução com outros órgãos e na articulação de ações.

• Mediação psicológica das questões envolvendo familiares e egressos do

sistema prisional;

Foram realizados 336 atendimentos durante os meses de março a dezembro, destes

20,5% representam os atendimentos de retorno. Observar-se que 51,9% das pessoas que

procuram atendimento no CDH são homens (gráfico 2) e do total de atendimentos 43,8% são

casados.

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Gráfico 1- Porcentagem dos gêneros atendidos

O maior número de atendimentos é referente a problemas familiares, com 25%, estes

estão ligados principalmente à pensão alimentícia, guarda dos filhos, separação judicial, entre

outros. Como exemplo de atendimento voltado a questões familiares, podemos citar o caso da

Sr.B., que está sendo atendida por questões de violência doméstica. Inicialmente foram dadas

informações e auxílio jurídico. Neste caso cabe ao estagiário de psicologia atuar como

mediador entre o cliente e o advogado. Segundo Sales (2006), citado em Perovano (2006), a

mediação é uma forma de resolução de controvérsias, que por meio de um diálogo as partes

envolvidas conseguem solucionar seus conflitos, com auxílio do mediador, uma terceira

pessoas que facilita tal entendimento.

Outra função do psicólogo é proporcionar um espaço de escuta, para que o cliente

possa falar sobre suas ansiedades. Dewald (1989) nos trás que

O terapeuta proporciona uma situação na qual o paciente pode sentir-se livre para conversar livre para conversar com outra pessoa, certo de seu interesse, atenção e preocupação, sem a exigência de retribuição. Desse modo o terapeuta está lhe oferecendo experiência sem paralelo, que pode ter o maior significado e valor (DEWALD, p188 – 189, 1989).

Esta oportunidade de falar e ser ouvido sem julgamentos e sem obrigação de troca,

possibilitará o bem-estar do cliente.

Outra questão atendida com freqüência foi sobre moradia, com 21,9%. São problemas

de escrituras, de risco de perda da propriedade e regularização. Já os atendimentos que se

referem à questão criminal totalizaram 18,5%. A soma destes atendimentos representa 65,4%

dos mesmos prestados no ano de 2008, como visto no gráfico 2.

19

Gráfico 2- Porcentagem dos motivos dos atendidos

Muitas das pessoas que são atendidas no CDH precisam ser encaminhadas para outras

instituições, para que seus problemas possam ser solucionados, no qual exige que exista uma

rede de entidades para onde são feitos os encaminhamentos. Esta rede foi criada com a

finalidade de reunir em um único lugar informações das entidades que prestam assistência as

pessoas que se encontram de alguma forma em situação de risco, e regularmente é mantido

contato com estas entidades a fim de manter o vínculo e que os encaminhamentos possam ter

prosseguimento sem interrupção.

Durante este ano o maior número de encaminhamentos foi para instituições judiciais,

nos quais 18,03% foram encaminhadas para o Escritório Modelo da Faculdade Guilherme

Guimbala e 18,03% para escritórios de advocacia. Outro local nas quais muitas pessoas são

encaminhadas é para o fórum, com 13,1%. A soma destes percentuais representa 49,17% do

total de encaminhamentos (gráfico 3).

No caso citado acima viu-se necessário o encaminhamento para Clinica Escola de

Psicologia da FGG, assim o fizemos pautados no conceito de redes conforme postulado por

SCHERER-WARREN (2006) que abaixo será melhor detalhado.

20

Gráfico 3- Porcentagem dos encaminhamentos dos atendidos

Por meio do trabalho realizado no Centro de Direitos Humanos M.G.B., percebe-se a

importância da atuação do psicólogo junto à sociedade em um trabalho interdisciplinar. Este

trabalho possibilita uma nova visão da atuação do psicólogo e de como a sociedade na qual

está inserido é percebida.

4.2 Grupos

Uma das atividades realizadas pelos estagiários é a de formação e condução de grupos.

Com o intuito de oferecer auxílio psicológico, além de “propiciar” meios de buscar seus

objetivos, mostram aos participantes que juntos têm mais força. O psicólogo possibilita a

mediação psicológica para os movimentos sociais e grupos assessorados pelo CDH. Segundo

Lane (2004), com base no grupo o indivíduo pode encontrar sua identidade social, garantindo

assim sua produtividade, além de uma harmonia e maturação as relações aprendidas.

Para que um grupo seja formado, é necessário que exista uma necessidade, no qual

possa focar o assunto a ser trabalhado no grupo. Lane (2004) diz que, são necessárias duas

premissas para se estabelecer um grupo:

1) O significado da existência e da ação grupal só pode ser encontrada dentro de uma perspectiva histórica que considere a sua inserção na sociedade, com suas determinações econômicas, institucionais e ideológicas; 2) o próprio grupo só poderá ser conhecido enquanto um processo histórico, e neste sentido talvez fosse mais correto falarmos em processo grupal, em vez de grupo. (Lane, 2004, p 81)

21

Partindo da observação dos atendimentos realizados no CDH, percebeu-se a

necessidade de formar dois grupos. Um de moradia, voltado principalmente para pessoas

correndo risco iminente de perder sua propriedade; e outro do sistema prisional, visando

auxiliar egressos e seus familiares, na reinserção social, entre outros.

4.2.1 Grupo de Moradia

Com objetivo de garantir os Direitos, Civis, Políticos, Econômicos, Sociais, e

promover a Paz e o desenvolvimento, o CDHMGB (Centro de Direitos Humanos M.G.B.)

embasados nas leis de Direitos Humanos, busca promover às pessoas que se encontram em

situação irregular uma posição digna de direito e respeito na sociedade permitindo a sua

inclusão social.

Visando o bem estar social do cidadão e da família, o CDH junto com os estagiários

de Psicologia, decidiu criar o Grupo de Moradia, e a partir desse grupo surgiu o projeto Grupo

de Moradia que visa promover encontros mensais de articulação e apoio Jurídico e

Psicossocial.

O Grupo de Moradia tem por objetivo oferecer apoio Jurídico e Psicológico, e

orientação aos moradores de áreas de regularização fundiária, loteamentos e de ocupação

urbana. É um espaço de acolhimento, reflexão, troca de experiência e construção de

alternativas a fim de solucionar os problemas relacionados à moradia.

Outro objetivo do grupo é orientar os participantes na formação e organização de uma

Associação de Moradores e fórum de defesa à moradia.

4.2.1.1 Dados Levantados

Foram realizados onze encontros no CDH, realizados do mês de maio a dezembro. No

início eram realizados encontros quinzenais, mas para atender as necessidades dos

participantes, os encontros passaram a ser uma vez ao mês, com duração de uma hora e meia.

Participaram uma média de seis pessoas por encontro de diversos bairros da cidade de

Joinville: Boa Vista, Jardim Iririú, Vila Nova, Espinheiros, Bom Retiro e Pirabeiraba. Estes

encontros tinham como objetivo disponibilizar um local para auxílio para resoluções de

moradia.

22

Nestes encontros foram abordados assuntos como identidade de grupo, direitos

humanos, direitos sobre moradia, entre outros assuntos relacionados e de interesse do grupo.

Um dos objetivos do grupo, como citado anteriormente, era orientar os participantes

na formação e organização de uma Associação de Moradores, mas este não pode ser

alcançado. A respeito desse assunto, Pichon-Riviére (1998) revela que

o grupo é uma situação espontânea, um modelo espontâneo de interação. Os elementos do campo grupal podem ser organizados. A ação grupal, interação em suas diferentes formas, pode ser regulada a fim de torná-la eficaz, de potencializá-la em vista de seus objetivos; nisto consiste a operação (PICHON-RIVIÉRE, 1998, p.219).

Pautando-se nessa teoria, buscou-se a interação grupal, porém os participantes, embora

possuíssem as mesmas questões e problemáticas, não conseguiam se unir para juntos buscar a

solução.

Para melhor assistir e esclarecer às pessoas sobre seus direitos a respeito da moradia,

onde buscar auxílio e quais são esses auxílio disponíveis, foi iniciada a criação de uma

Cartilha do Morador. Ela é dirigida a todas as pessoas que se encontram em situação de risco,

moradores de comunidades em áreas de regularização fundiária, loteamentos e de ocupação

urbana e a quem queira se informar sobre seus direitos. Como não foi possível a finalização

deste material, sugere-se para que o novo grupo de estagiários que assumirá esse papel no

CDH no próximo ano, possa concluir esse material.

4.2.2 Grupo do Sistema Prisional

O Grupo do Sistema Prisional tem como público alvo familiares de detentos do

Sistema Prisional de Joinville e egressos. É oferecido a eles oportunidade de atendimento em

grupo e apoio psicológico.

Os encontros do grupo são mensais, realizados as terças-feiras, às 14h30min. Um dos

objetivos do grupo é a formação da Associação do Egresso, onde possam ter um local para

discutir a situação do sistema prisional, de seus familiares e amigos.

A partir desses encontros e dos depoimentos dos participantes, percebeu-se a

necessidade da construção de um Manual para o Egresso. Este manual contém informações de

como o egresso pode se reintegrar na sociedade, além de locais onde podem buscar auxílio.

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Outro objetivo do grupo foi à organização dos participantes para desenvolver o projeto da

Casa do Egresso em Joinville, já que esta é prevista pela LEP, que nos diz:

Art. 95 - Em cada região haverá, pelo menos, uma Casa de Albergado, a qual deverá conter, além dos aposentos para acomodar os presos, local adequado para cursos e palestras. Parágrafo único - O estabelecimento terá instalações para os serviços de fiscalização e orientação dos condenados (Leis de Execuções Penais, 1984).

No entanto devido a pouca participação dos integrantes do grupo, este objetivo não

pode ser alcançado.

4.2.2.1 Dados Levantados

Foram programados sete encontros do grupo, que seriam realizados durante os meses

de maio a novembro, no entanto devido à dificuldade de entrar em contato com os possíveis

participantes, apenas quatro encontros puderam ser realizados. Nesses encontros pode-se

perceber que todos os participantes estavam no grupo por envolvimento com drogas, e que a

maior dificuldade que encontram ao sair, é a falta de emprego, o que segundo eles é um

agravante para que voltem a serem presos. Dizem que a sociedade deixa de vê-los como

pessoas iguais a todos às outras, para vê-los como eternos marginais, que sempre vão

“aprontar”.

Segundo Daufermback (2005), a prisão é um local de complexas relações sociais, que

irá envolver diversos tipos de criminalidade e/ou violência. Ela irá representar uma forma de

controle para sociedade, que influencia e é influenciado pelo comportamento e por sua

representação social. Toda essa convivência modificará sua conduta.

Visto que os egressos trazem esta dificuldade de reintegração, e como Daufermback

nos afirma acima sobre esta modificação de conduta, percebeu-se a necessidade de trabalhar

assuntos que permitissem que os participantes pudessem falar sobre suas vivências, além de

trazer informações que pudessem ser úteis para os mesmos. Sendo assim os temas trabalhados

foram: CDH – PAS-JP, o que é o Conselho Carcerário, quais suas atividades e como ele pode

auxiliar o preso e/ou egresso e o Manual do egresso, no qual constam informações e contatos

úteis para os egressos. Devido à dificuldade de contato com os possíveis participantes, um dos

encontros não foi realizado devido à ausência dos mesmos.

24

4.3 Outras Atividades

Além das atividades descritas acima, os estagiários, durante o ano de 2008, puderam

elaborar outros projetos que tiveram o objetivo de acrescentar o currículo acadêmico, e

proporcionar maior aprendizagem. Entre as demais atividades estão:

- Visitas ao presídio e a penitenciária: estas visitas estão previstas pela LEP, que são as

Leis de Execuções Penais, com o intuito de supervisionar as instituições, que são feitas pelo

Conselho Carcerário, que tem como objetivo colaborar com a vara de execuções penais de

Joinville, dando suporte as famílias de presos, buscar auxílio e melhorias aos presos, além de

reintegrá-los a sociedade quando libertos. Para que o conselho tenha um fortalecimento de

sua prática viu-se a necessidade da integração dos estagiários de Psicologia em suas

atividades.

- Contato contínuo com a Pastoral Carcerária: é um serviço prestado pela igreja

Católica, de auxilio ao preso e seus familiares, fazendo visitas semanais aos presos. Sendo

assim alguns trabalhos são feitos em parceria, como as visitas ao presídio e a penitenciária,

além do grupo do sistema prisional.

- Produções acadêmicas: durante o ano de 2008 foram realizados dois releases com o

objetivo de relatar sucintamente algumas das atividades realizadas pelos estagiários, além de

deixar registradas as atividades realizadas, bem como divulgar as atividades científicas

realizadas pelos estagiários do 5ª ano de psicologia. Estes são: A Realidade do Presídio de

Joinville, a Partir da Percepção dos Estagiários do Quinto Ano de Psicologia e PAS – JP:

Projeto de Assistência Jurídica e Psicológica ao Conselho Carcerário de Joinville e ao Centro

de Direitos Humanos.

- Apresentações de trabalhos em Seminários: uma forma de levar ao conhecimento dos

acadêmicos, professores e demais pessoas da comunidade quais são as atividades que um

psicólogo exerce em um Centro de Direitos Humanos. As l apresentações foram: “Semana da

Saúde”, na Penitenciária - esta foi um círculo de palestras dadas aos internos, com o objetivo

informativo e preventivo; Reunião das Pastorais Carcerárias - anualmente as pastorais (já

descrita a cima) se reúnem para trabalhar os assuntos mais debatidos, e no ano de 2008 o tema

foi relacionado aos Direitos Humanos; Dia do Psicólogo - no dia 27 de Agosto é comemorado

25

o dia do Psicólogo, sendo assim a FFG realizou um debate onde alguns trabalhos puderam ser

apresentados; ABEP Santa Catarina (Associação Brasileira de Ensino de Psicologia) – são

seminários realizados a cada dois anos, no qual estão presentes acadêmicos, docentes e

profissionais ligados à Psicologia; III Simpósio PAS - esta é uma atividade realizada

anualmente pelo CDH, como forma de encerramento das atividades, neste encontro os

trabalhos e projetos desenvolvidos durante o ano são apresentados; e Semana da Psicologia,

semana no qual diversos assuntos da psicologia são abordados, esta é uma atividade realizada

pela FGG e acontece todos os anos.

- Capacitação dos agentes prisionais: esta atividade foi realizada para capacitar os

agentes prisionais ao trabalho em contato constante com pessoas, tendo como foco um

ambiente de trabalho saudável e debates acerca dos direitos humanos. Estavam presentes em

média 15 agentes recém contratados pela penitenciária. Pode-se perceber que eles

apresentavam uma visão errônea de direitos humanos, que segundo a maioria, “são apenas

leis que passam a mão na cabeça de bandidos”. No entanto, após a exposição do conteúdo,

eles passaram a ver que DH está a favor de todo aquele que tem seu direito de alguma forma

privado.

- Atualização da rede de apoio: segundo SCHERER-WARREN (2006), redes

pressupõe sujeitos no coletivo em torno de valores e objetivos comuns, buscando dar rumo às

ações de movimento. Percebe-se que existe uma necessidade de articulação com outros

grupos com a mesma identidade social ou política, a fim de produzirem impactos em suas

ações. Sendo assim, fez-se necessária a criação de uma rede, denominada “rede de apoio”, na

qual constam entidades que possam dar auxílio aos atendimentos feitos pelo CDH. Por ter

essa conotação de ajuda tanto às pessoas que procuram o CDH, quanto o auxílio prestado nos

encaminhamentos, é que essa rede recebe nome de “rede de apoio”. Hoje ela é composta por

instituições que auxiliam as pessoas em questões como: dependência química, alimentação,

suporte psicológico e jurídico entre outros serviços. Sendo assim, como o CDH trabalha com

encaminhamentos para essas instituições, se faz necessário que se mantenha contato com

instituições que possam dar auxílio e/ou suporte para as pessoas que são encaminhadas por

ele, fazendo-se necessária sua constante atualização.

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Partindo das atividades desenvolvidas, percebe-se a importância de um trabalho

interdisciplinar, visto que as demandas trabalhadas são geralmente de ordem jurídica, no

entanto se faz necessária a atuação do psicólogo, como mediador nos atendimentos.

Outro ponto relevante se dá pela implantação de um grupo voltado às questões

familiares, sendo que esta foi à maior demanda dos atendimentos de 2008.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este relatório é o resultado de dez meses em estágio de Psicologia Clínica acontecido

no Centro de Direitos Humanos M.G.B., promovido conjuntamente com o Curso de

Psicologia da FGG, onde os estagiários se ocuparam em atender a demanda presente na

instituição, verificando o quanto a Psicologia pode contribuir para a reflexão e transformação

de práticas, muitas vezes enraizadas, que ferem a justiça e os direitos humanos.

A psicologia precisa olhar criticamente, buscando a construção de uma Psicologia

capaz de ao se inserir na sociedade se torne capaz de ser colaboradora em um processo que

inclui, tendo condições teóricas suficientes para colaborar nessa tarefa de ler e compreender a

realidade social.

A questão dos Direitos Humanos veio a introduzir o elemento político na prática dos

estágios de psicologia, direitos nos quais se expressa o drama de uma ampla parcela da

população, que vive uma cidadania pela metade, uma vida marcada por negações de direitos e

sua violação quase continua. Ela vem obrigar-nos, a confrontar, a tomar uma posição.

O problema dos Direitos Humanos se coloca como um patamar de reflexão ética a

respeito do que o profissional está fazendo: denunciar ou não a tortura, pedir demissão nas

conjunturas em que tudo é estranho, inadequado e pouco ético ou omitir-se e permanecer no

emprego.

O estágio nessa área vem contribuir para que essa classe amplie seus horizontes,

enxergando novas áreas e possibilidades de atuação. Possibilita o aprendizado de trabalhar em

parceria com outros profissionais, nesse caso, profissionais da Psiclogia e do Direito, para que

juntos possam contribuir com a sociedade na qual estão inseridos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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