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Trilhas do Aprendente, Vol. 2 - História da Educação Brasileira II134

Palavras do professor-pesquisador

Caro(a)s aprendentes,

Após um breve período de repouso, espero que estejamos emordem para a volta às aulas.

Vocês começam com uma novidade: um novo ensinante parao percurso da História da Educação. De minha parte, que trabalhareicom vocês a História da Educação II, estou ansioso para começar.Esta sua segunda Etapa no Percurso será para mim mais uma etapano meu percurso docente, agora, também, como um Ensinante virtual.

Ansioso ao mesmo tempo em que esperançoso, pois acreditoque cresceremos muito nessa segunda Etapa do Percurso.

Fiz o possível para tornar nossos textos claros, objetivos,compreensíveis, agradáveis, mas o possível é sempre pouco. Tenhocerteza que vocês, estudando-os com afinco, perceberão seus limites,apresentarão críticas, darão sugestões, contribuindo para que nossotrabalho melhore a cada dia e se aproxime cada vez mais do impossível.Acho que é essa meta que buscamos alcançar quando fazemos ascoisas com dedicação.

Assim, acreditando que estamos todos comprometidos com esseobjetivo, mãos à obra.

Prof. MSc. Osvaldo Barbosa Maia.

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A cartografia do componente curricular História da Educação Brasileira II

A segunda Etapa do nosso percurso se constitui de nove aulas, distribuídas irregularmente.Teremos, inicialmente, um bloco de três aulas, em seguida quatro e, finalmente, duas aulas.

As três primeiras aulas possuem caráter introdutório. Mesmo sabendo que vocês passarampor discussões a respeito, acredito não ser demais repetir aquilo que se constitui nos fundamentosde quem trabalha com história da educação num curso de formação de professores. Por isso,insisti na compreensão do que vem a ser a história, a educação, a pedagogia e quem trabalhacom a história, o historiador. Finalmente, nessa mesma Unidade, convido vocês, Aprendentes, atentar superar aquela compreensão caduca de história como uma mera narrativa, que parte dopassado em direção ao presente. Como digo nos textos, repetindo insistentemente, é o presenteque interessa ao historiador. É esse presente que ele procura entender para, então, pensar ofuturo, ou as possibilidades do futuro. Possibilidades porque, recorrendo ao passado, o historiador,melhor dizendo, nós, historiadores, aprendemos que nosso presente poderia ser diferente e,como ele está longe de representar a realização dos anseios da maioria da espécie humana,certamente não gostaríamos de vê-lo reproduzido. Ainda nessa Unidade, vocês perceberão que,apesar das muitas informações em forma de datas e nomes de pessoas, o que é inevitável, poistrabalhamos com homens agindo no tempo, melhor dizendo, fazendo o tempo, não relegamos aoutras áreas do saber o privilégio de analisar e de refletir sobre a história, cabendo-lhes assumiressas responsabilidades.

Nas segunda e terceira unidades, procederemos ao estudo da história da educação brasileiraa partir da década de 1930 até os dias atuais. Tentamos ao máximo refletir sobre a história daeducação infantil, mas são precárias as informações de que dispomos para produzir materialdidático nessa área. Temos histórias da criança, da infância, mas não histórias da educaçãopropriamente ditas, essa que se manifesta na escola, em relação ao infantil. Aqui e ali encontramosinformações vagas, nesse sentido, nada sistematizadas. Essa é uma história que ainda está porser escrita. E vocês nem imaginam a contribuição que estão dando nesse sentido!

Minha preocupação em atingir uma história da educação voltada para atender asnecessidades dos aprendentes de um curso de formação de professores para a educação infantil,como é seu curso de Pedagogia, me obrigou a secundarizar e mesmo abandonar determinadasdiscussões. Assim, vocês perceberão que deixamos de lado questões relativas ao ensino superior,à educação de adultos, à educação especial. Para esse fato, também concorreram a limitação doespaço (quantidade de páginas) que nos é fornecido para a produção deste material e, assimcomo vocês reclamam o limitado espaço de tempo para realizar um curso universitário a contento,imaginem o tempo do docente para produzir um material didático específico, inovador, quandotemos de responder a outros desafios na Universidade. Essa última colocação que faço nãopretende ser um pedido de desculpas, esperando sua condescendência, mas o reconhecimentode que deixamos lacunas que devem ser preenchidas, para o que assumimos o compromisso,mediante suas críticas e sugestões que se manifestarão ao longo do nosso convívio, de aperfeiçoareste material em novas edições.

Ainda insistindo na questão das lacunas, vocês também perceberão que enfatizei bastantea história da educação, fugindo um pouco daquela história política, história dos eventos, a quevocês estão habituados a partir dos livros didáticos de história que circulam na educação básica.Não descarto a importância dessa história, também, embora existam aqueles que a desprezem,rotulando-a, simplesmente, de história tradicional, utilizando essa expressão em sentido pejorativo.Acho que ela é importante, ao menos para situar vocês no tempo, ainda que no tempo cronológico.E, para suprir essa carência, caso vocês a sintam, o conselho que lhes dou é retomar seusantigos manuais didáticos de história, preferencialmente os do ensino médio.

Isto posto, espero que tenhamos uma grande experiência. Prof. MSc. Osvaldo B. Maia.

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Croqui do Percurso

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REFERÊNCIAS

Básicas:

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UNIDADE I

AULA 1: SOBRE A EDUCAÇÃO, A HISTÓRIA E O HISTORIADOR

Um dos componentes curriculares do nosso percurso é a história da educação. Tenhocerteza que você já não tem dúvida quanto ao significado das duas palavras que formam essalocução: história e educação. Educação, principalmente, por se tratar de uma palavra que estápresente em todos os momentos do nosso percurso. Não apenas nos textos que lemos, nosdebates de que participamos, nos desafios que são propostos, nas nomenclaturas dos componentescurriculares, bem como no próprio nome do nosso percurso. Afinal, é para o trabalho em educaçãoque estamos nos formando.

Assim, destrinchemos essa locução e, analisando as duas palavras que a compõem,comecemos pela segunda: educação.

Com relação à <educação> há um ponto que não podemos perder de vista. Emboratenhamos claro que a educação esteja presente onde quer que nós, humanos, nos relacionemosuns com os outros e com a natureza, isto é, onde quer que se manifestem relações sociais, tantono tempo (o tempo do lazer, do brincar, do orar, do estudar) como no espaço (o espaço da família,da igreja, do clube de lazer, da escola), privilegiaremos o espaço-tempo escolar.

Dizendo de outra forma, ainda que o ensinar e o aprender a sermos mais homens e mulheres,a caminharmos por essa trilha sem fim de <hominização>, estejam presentes em todos osmomentos de nossa vida e pelos mais diferentes meios, logo, educação, nossa história da educaçãodará maior ênfase à escola. Isso por vários motivos.

Em primeiro lugar porque o ensinar e o aprender que encontramos no conjunto da sociedade,como brincar, dançar, relacionar-se, solidarizar-se, ser afetuoso, responsável, disciplinado, enfim,conviver, também se manifestam no interior da escola. Assim também o seu contrário, uma vezque nem todos têm a mesma compreensão dessas coisas, nem as pratiquem no mesmo nível.

Na TV-Escola existe um vídeo intitulado “A educação”, da série Ecce homo.

Trata-se de uma excelente produção canadense de 1999. Observe a forma

como o trabalho é apresentado: introduz com o levantamento de

questionamentos sobre a educação atual; a seguir, procede a um histórico da

educação segundo a periodização clássica da história, isto é, considerando

as idades antiga, medieval, moderna e contemporânea; finalmente, retoma

as discussões postas na introdução. Atente para a fala dos especialistas que

figuram no texto, com destaque para Gaston Mialaret, um dos autores e

organizadores do livro Tratado das ciências pedagógicas.

UNIDADE IIUNIDADE I UNIDADE III

Aula 1 Aula 2 Aula 3

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Outro motivo é porque a formação que estamos recebendo volta-se para o trabalho nainstituição escolar. Ainda que muitas pessoas tenham dúvidas quanto a entender creche e pré-escola como fazendo parte da educação escolar, é bom lembrar que nosso trabalho é regido poruma lei de ensino, que nossa formação profissional volta-se para o magistério. Está na Lei deDiretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), n. 9394/96:

Art. 21- A educação escolar compõe-se de:I - educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental eensino médio;Art. 29 - A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem comofinalidade[...]Art. 62 - A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á emnível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidadese instituições superiores de educação, admitida, como formação mínima parao exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries doensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.

No entanto, o motivo que consideramos o mais significativopara privilegiarmos a escola reside no fato de que, se ela é umaagência de formação como tantas outras, ela guarda umaespecificidade: educa, forma, contribui para o processo de fazer oshomens mais homens por meio da transmissão-assimilação do sabersistematizado, sob a forma letrada. Esse foi o desafio que a sociedademoderna entregou à escola. Aliás, muito antes de iniciada amodernidade, ainda no Séc. IX, um governante europeu, acreditandoque “é melhor agir bem do que saber muito, mas não é possível agirbem sem saber coisa alguma”, deu grande incentivo à educaçãoescolar.

Por esses motivos, bem poderíamos intitular nosso percurso de“História da Educação Escolar”. Mas, não é necessário. Ao longo damodernidade, a escola se impôs à sociedade de tal forma como agênciaeducativa que quando falamos em educação pensamos logo emescola, de modo que a primeira imagem que nos vem à cabeça é a deuma escola.

Quanto à história, a primeira parte da locução, direi que é aciência do tempo, o componente curricular que se ocupa do que oshomens produziram e produzem no tempo, aí incluídos seus bensmateriais e espirituais.

A palavra hominização pode ser explicada de duas maneiras, que não seexcluem. Uma explicação é dada pela biologia, outra, pelas ciências humanas esociais. A internet oferece bons artigos que ajudam você a conhecer essasduas dimensões. Se você vai ao Google e escreve a palavra “hominização”,encontra o endereço: <http://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&q=hominiza%C3%A7%C3%A3o&meta=.Por que você não o consulta?

A frase citada é atribuídaao “bárbaro” francoCarlos Magno, quegovernou o impériocarolíngio entre 777 e 814da era cristã. Apesar deanalfabeto, Carlos Magnoincentivou o ensino esco-lar. Bonzinho? Talvez, massua preocupação era aseguinte: comoadministrar um vastoimpério sem leis escritas?Num mundo deanalfabetos, quemredigiria as leis? Damesma forma, quemobedeceria a elas se nãoas conhecia, porque nãosabia ler? A saídaencontrada peloimperador foi criar asescolas palatinas, querdizer, escolas do palácio.

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Aula 1 Aula 2 Aula 3

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Ora, trabalhando, produzindo as coisas no tempo, nós, oshomens também nos produzimos. Foi assim como entendeu o pensadore militante político italiano <Antonio Gramsci>, ao afirmar que “Ahistória é a disciplina que se refere aos homens, a tantos homensquanto possível, a todos os homens do mundo enquanto se unementre si em sociedade, e trabalham, lutam e se aperfeiçoam a simesmos”.

Pelo que estamos vendo, há muita coisa parecida entre educaçãoe história. Não sei se isso está mexendo com sua cuca, mas vejabem: se fazendo a história, construindo-a, os homens também seconstroem, fazem-se mais homens e, se ensinando e aprendendo,fazendo educação, os homens também se constroem, veja quanta

relação existe entre história e educação. Reflita a respeito.

Reflita sobre isso também: se você se une em sociedade, trabalha, luta e se aperfeiçoa a si

mesmo, quer dizer, participa dessa trilha de construção da história, você é um(a) historiador(a).

Pode escrever isso: como aprendente nesse percurso ou como ensinante na sua escola, você

também faz a história, você é um(a) historiador(a).

Ocorre que a palavra historiador(a) ficou reservada para indicar aquele(a) profissional queconhece o passado e fala sobre ele, que conta a história. Veja bem: se o(a) historiador(a) équem conta história, ele(a) só pode contar o que sabe. Você concorda? Então, como ele(a) sabe,se aquilo de que ele(a) fala são coisas que, muitas vezes, pertencem a um passado distante, aum tempo em que ele(a) nem sonhava em nascer?

Ora, ele(a) sabe porque estuda, pesquisa, recorre ao que chamamos fontes históricas, quesão os vestígios do que os homens produziram no tempo. Veja o caso da educação escolar:edifícios e materiais escolares; registros de matrículas, freqüência, evasão e diplomados; leis edecretos de ensino, manuscritos de pedagogos... E, por que não, suas experiências na práticadocente, as representações de aprendentes e ensinantes sobre educação? Tudo isso e muitomais se constitui nas fontes para o conhecimento da história da educação.

Uma vez conhecida, essa história é contada. Na escola, sempre por meio da escrita. Sejana forma de livro, vídeo ou texto na internet. Digo mais: quem conta história se faz mais humano;quem escuta também. Foi o que eu aprendi quando li esse texto de Besselaar (1974, p. 04).

O homem é um ‘animal histórico’ em mais de uma acepção da palavra. A teseé ilustrada pelo fato de ser apreciado, onde quer que haja seres humanos,um conto interessante, uma boa história. A criança escuta maravilhada umconto de fadas, um homem primitivo ouve com espanto as canções de seusbardos, o adulto pertencente a uma fase mais adiantada de civilização lêabsorto o seu romance. Nada mais humano que o desejo de ouvir uma ‘boahistória’. Divertimento, fuga da realidade ou mero passatempo? Às vezes, nãopassa disso (sobretudo numa cultura em que existe uma indústria de leitura).Muitas vezes, porém, o desejo revela um interesse mais profundo: o homemquer, pelo conto, entender um pouco melhor o mundo em que vive, tendoesperança de nele achar elementos aproveitáveis e significativos. O conto,além de aliviar a imaginação e de alimentar a vida afetiva, desperta e nutretambém a curiosidade intelectual. Interessante, uma boa história” mas,

Antonio Gramsci,nascido em Ales (22/01/1891) foi político, filósofoe cientista político,comunista e anti-fascistaitaliano. Preso pela políciafascista (1926-1932),faleceu em Roma (27/04/1937).

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certamente, não será “um conto de fadas”, uma história para crianças. Gostaria,mas não tenho jeito para isso. Então, deixo esse desafio para você.

Espero que as três palavras que formam o título dessa nossa aula tenham ficado entendidas,pois elas serão importantes para a história que vou lhe contar. Tentarei fazer dela “um conto”.

Se não é uma história para crianaças, será uma história que tem a criança no centro dasatenções. Isso porque é uma história para pessoas que estão aprendendo a cuidar delas: você.

Por não se tratar de uma história para crianças, até o começo é diferente. Não começareipor - Era uma vez..., mesmo porque a preocupação do historiador não está no passado, mas nopresente. Como ensina Rodrigues (1969, p. 27):

Deus não é dos mortos, mas dos vivos, porque, para ele, todos são vivos. Ahistória também não é dos mortos, mas dos vivos, pois ela é realidade presente,obrigatória para a consciência, frutífera para a experiência. A vida e a realidadesão história, gerando passado e futuro[...]. O historiador, lembra Oliveira França,lida com defuntos, não para conhecer a morte, o passado, mas para conhecera vida[...].

Assim, nossa história começará, na Aula 1 da Unidade II, descrevendo a situação em que seencontram a criança e a educação infantil, hoje. A partir daí, formularemos perguntas quetentaremos responder de modo a compreender essa situação. São perguntas do tipo: por que acriança e a educação infantil se encontram nessa situação? Como essa situação foi construída?Ela poderia estar diferente? O que podemos fazer para que esse quadro seja superado? É nessemomento que o passado entra em cena.

A história que vou lhe contar é apenas um pedaço da história. Pedaço em vários sentidos.Em primeiro lugar, com relação ao tempo. Lembre-se que no percurso anterior (HEB I) vocêpasseou pela história da educação brasileira desde o período colonial, passando pelo Império, atéchegar ao final do que se convencionou denominar 1ª República. Dando continuidade, caminharemosde 1930 aos nossos dias.

Pedaço, também, porque a história que vamos contar é a da educação. Já vimos que ahistória se refere a tudo o que diz respeito ao homem, não apenas a educação. Porém, tentar darconta de tudo seria impossível ou, como diz Faustão, “coisa pra louco, meu!”. Assim, o social, opolítico, o econômico não serão aprofundados, servindo como instrumento de contextualização,para situar o fenômeno educativo, fazendo entender que a educação não goza de autonomia,mudando em função daqueles fatores.

Além de ser a história de um pedaço do tempo (de 1930 aos dias de hoje) e da produçãohumana (educação), também o é de um pedaço do mundo, o Brasil, mesmo reconhecendo nãopodermos isolar nossa história do restante do mundo. Desde que o Brasil foi inventado, sofre umprocesso de crescente integração ao resto do mundo, o que é bastante visível, hoje, com aglobalização. Nossa história está conectada com o mundo, inclusive no campo educacional.Basta observar a enxurrada de pedagogos e educadores estrangeiros em nosso percurso. Porisso, teremos que nos reportar, de vez em quando, ao que ocorre para além de nossas fronteiras.

Bem, essa é a história que vou lhe contar. Porém, antes de avançar em nossa trilha,façamos uma pausa para refletir e responder a um desafio.

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DESAFIOS

Perguntas de um operário que lê

Quem construiu a Tebas de sete portas?Nos livros estão nomes de reis.Arrastaram eles os blocos de pedras?E a Babilônia várias vezes destruída –Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casasDa Lima dourada moravam os construtores?Para onde foram os pedreiros, na noite em queA muralha da China ficou pronta?A grande Roma está cheia de arcos do triunfo.Quem os ergueu? Sobre quemTriunfaram os Césares? A decantada BizâncioTinha somente palácios para seus habitantes? MesmoNa legendária AtlântidaOs que se afogavam gritavam por seus escravosNa noite em que o mar a tragou.O jovem Alexandre conquistou a Índia.Sozinho?César bateu os gauleses.Não levava sequer um cozinheiro?Filipe da Espanha chorou, quando sua ArmadaNaufragou. Ninguém mais chorou?Frederico venceu a Guerra dos Sete Anos.Quem venceu além dele?Cada página uma vitória.Quem cozinhava o banquete?A cada dez anos um grande homem.Quem pagava a conta?Tantas histórias.Tantas questões.

1) No corpo do texto, referimo-nos a Carlos Magno. Recorrendo a livros didáticos de históriasobre a Idade Média, situe o tempo em que ele governou. Agora, recorrendo a livros de históriada educação, apresente uma quadro da educação européia à época de Carlos Magno. Por último,numa folha de papel A4, reproduza um mapa da Europa, destacando o território que compunha oImpério Carolíngio.

2) Dado o poema de Bertolt Brecht:

a) Destaque os nomes das pessoas que são citadas no poema (Caio Júlio César, AlexandreMagno, Filipe II da Espanha, Frederico II da Prússia), procure informações a seu respeito eescreva sobre elas. Recorra a livros didáticos de História e/ou à Internet. No caso da Internet,comece pelo Google (www.google.com.br), escrevendo o nome da pessoa que você quer encontrar.

b) No espaço de uma folha de papel A4, reproduza o mapa-mundi (somente os contornos) e situeos nomes de lugares (as cidades e seus respectivos países) que aparecem no poema de Brecht(Tebas, Babilônia, Lima, China, Roma, Bizâncio, Índia, Gália, Espanha, Prússia). Procure em livrosdidáticos de História e Geografia ou em Atlas históricos.

Bertolt BRECHT (Augsburg, 10/02/1898 - Berlim, 14/08/1956). Influente dramaturgo, poeta e encenadoralemão do século XX. Anti-nazista, exilou-se, àépoca de Hitler, na Áustria, Suíça, Dinamarca,Finlândia, Suécia, Inglaterra, Rússia e, finalmente,nos Estados Unidos. Recebeu o Prêmio Lênin daPaz em 1954.

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c) Reproduza o mapa do Estado da Paraíba, circundado pelos Estados que lhe fazem fronteira.Destaque os municípios de João Pessoa e o seu. A seguir, indique, no mapa, os municípios quefazem fronteira com o seu.

d) Dados os nomes Antonio Gramsci, Bertolt Brecht e José Honório Rodrigues, escreva o mínimode 10 linhas sobre cada um. Não faltam informações na Internet.

e) Reúna-se com seus colegas e discutam sobre os conceitos de história apresentados porGramsci e Rodrigues. A seguir, com base nesses conceitos, analisem o poema de Brecht. Finalmente,produza (individualmente) um texto de uma lauda (fonte “times new roman”, tamanho 12, espaço1,5) sob o título “O que é história”, de modo que Gramsci, Rodrigues e Brecht estejam presentesnele, ainda que você não concorde com esses pensadores.

Atenção!

Aprendente, todos os desafios são importantes para o processode ensino-aprendizagem. Contudo, para fins de avaliação, vocêdeverá postar no AVA - Moodle as produções de textocorrespondentes aos itens (d) e (e) do desafio 2. O valor destedesafio será de 10,0 pontos.

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AULA 2: A HISTÓRIA, O TEMPO E A PERIODIZAÇÃO DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Quantas vezes e em quais situações você já ouviu ou pronunciou a palavra história? Achoque até já perdeu a conta! Mas não estranhe, pois a palavra história tem muitos sentidos, podeser empregada em várias situações. Vejamos algumas delas.

Você pode dizer que tudo é história, que ela tem a vercom tudo o que nós fazemos no tempo, independentemente dehaver alguém para registrar e contar.

Também pode dizer que ela é o estudo das coisas que oshomens fazem no tempo, coisa de especialistas, de pessoasque estudam essas coisas - os historiadores.

Você pode dizer, ainda, que história é aquilo que se contapara as criancinhas, tanto em casa, como pai ou mãe, ou nacreche e na pré-escola, como profissional da educação, visandoa acalmá-las (quem sabe, acalmar você!), colocá-las para dormir,ou para ensinar alguma coisa da vida.

Também existe história de vida que, por ser diferente em cada pessoa, faz com que elaresponda, sob circunstâncias comuns, ao grupo de que faz parte (família, vizinhança, turma debar) de modo diferente.

Ia esquecendo: e quando a gente inventa uma história? Nesse caso, nem me atrevo a darexemplos! Nisso vocês são doutores. Dadas essas possibilidades, há quem prefira, em algunscasos, falar em “estória”; em outros casos, história; em outros, ainda, História. Não acho quevalha a pena aprofundar essa discussão. É como se quiséssemos descobrir o sexo dos anjos. Parasimplificar, utilizemos o termo único, história. Mesmo porque tem muita invencionice no caminho,coisa que o “H” procura esconder.

Assim como história, tempo também é uma palavraque pode ser usada em vários sentidos, quer dizer, é umapalavra polissêmica. E não é preciso que você faça muitoesforço para compreender isso. Basta assistir à televisãona hora do noticiário para ouvir: “O tempo para amanhãserá de sol, com a temperatura variando entre[...]”. Jádá para perceber que se trata de um tempo específico, otempo meteorológico. Então você escuta falar em frio,calor, chuva, sol, umidade relativa do ar. Enfim, é o tempodos meteorologistas, embora ele tenha a ver com a história- alterações climáticas repercutem na produção de grãosque, por sua vez, podem trazer inflação, que gera

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Queimada ou “coivara”

Está na Constituição: todo ato que prejudica a saúde pública e o meio ambiente é criminoso. Logo, queimadaé crime. Outra irregularidade é que ela não atinge nem de longe os 20% de índice de cobertura florestal, comoprevê o código. Além de criminosa é a causa de muitos males, a começar pelos problemas de saúde. Devidoao fato de elas coincidirem com a época mais seca do ano, agravam as doenças respiratórias e de pele. Fatoeste constatado por profissionais e estudiosos da saúde que vêm observando um considerável aumento noíndice de moléstias como bronquite, asma alérgica, pneumonia e rinite. Fonte: http://www.paubrasil.org.br/Basta.htm

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desemprego, que provoca fome. Além disso, alterações climáticas já não são um fato estritamentenatural.

Outro tempo que não é o histórico, mas tem a ver com ele, é o <tempo cronológico>, quenós representamos por meio do <calendário>. Nesse ponto, temos que diminuir o passoporque muita gente mistura as bolas. Vejamos.

Quando dizemos que estamos no ano 2008, estamos falando de tempo cronológico, nãonecessariamente histórico. Explico: imagine uma fotografia produzida pela mesma pessoa, nomesmo ano, 2008, retratando o mesmo tema (uma transação econômico-financeira, por exemplo),em três lugares diferentes. A primeira, num grande centro financeiro norte-americano, como NewYork; a segunda, em sua pequena cidade do interior paraibano; e a terceira, entre membros deuma comunidade indígena brasileira do Alto Xingu. A palavra comum é transação, porém tudo omais é diferente, não é?

Talvez esse exemplo não esclareça muito porque diga respeito a uma atividade econômico-financeira, logo, distante do nosso dia-a-dia profissional. Mas, tomemos como exemplo um fatoda educação. Imagine, por exemplo, uma fotografia que revele um dia de atividades educacionaisnuma escola pública de Paris, Londres ou Amsterdã; nesse mesmo dia, uma foto tirada em umaescola pública de sua pequena cidade do interior paraibano; por último, um ambiente deaprendizagem numa comunidade indígena brasileira do Alto Xingu. Tem alguma diferença? Só tem.

Sobre o calendário,acesse os links:www.observatorio.ufmg.br/pas39.htm.

www.dec.ufcg.edu.br/biografias/DionisiM.html.

Cronologia, cronômetro, cronograma etc.Essas palavras têm o mesmo prefixo grego,cronos, que, na língua portuguesa,traduzimos por tempo. Você sabe a origemda palavra cronos? Vai saber com um desafioque deixei para você. Por enquanto,contente-se com a imagem ao lado, em queo pintor espanhol, Francisco José de GoyaY Lucientes (30 de Março de 1746 - 16 deAbril de 1828), representou Cronos.

Calendas, no antigo calendário romano, eram o primeiro dia de cadamês quando ocorria a lua nova. Havia três dias fixos: as calendas, asnonas (5º ou 7º dia, de acordo com o mês) e os idos (13º ou 15º dia,conforme o mês). Dos idos é que provém a expressão “nos idos desetembro” equivalente a “meadosde setembro”.Da palavra calendas se originaram o termo calendário e a expressãocalendas gregas, representando um dia que jamais chegará, pois erainexistente no calendário grego.Ao lado, os calendários maia (alto) e asteca.Para saber mais, consulte:http://www.observatorio.ufmg.br/pas39.htmE assista ao vídeo <O sangue dos reis> no Pólo Municipal de ApoioPresencial de sua cidade. Fale com o(a) mediador(a) pedagógico(a).

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Acho que você não tem mais dúvidas: vivemos um mesmo tempo cronológico, mas temposhistóricos diferentes. Então, por que levantamos esse problema? Porque, para trabalhar com ahistória, com a ação dos homens no tempo e o estudo sobre essas ações, precisamos de referênciastemporais palpáveis. Para isso, recorremos a uma invenção nossa, o tempo cronológico, expressona forma de um calendário, mesmo que isso traga problemas. Dou um exemplo. Quando, no ano1500, os portugueses acharam esta parte do mundo a que deram o nome de Brasil, viviam umtempo histórico a que denominamos tempo de transição entre o <feudalismo> e o capitalismo.

Naquele mesmo ano, os primitivos habitantes desta terra ainda viviam sob a idade da pedra.Portanto, o mesmo tempo cronológico, porém tempos históricos distintos. Acredito que a dificuldadeque você sente em perceber essa diferença entre o tempo histórico e o cronológico é porque ahistória que lhe foi ensinada na escola básica consistia na memorização de fatos isolados que sesucediam numa linha do tempo, como na figura abaixo.

Agora, leia a figura comigo.

Dentre outras razões, para registrar suas ações no tempo, os homens estabeleceram umcalendário. Para a cultura ocidental, cuja tradição judaico-cristã apresenta a história de formalinear, é fácil representá-lo. O princípio é simples: toma-se um segmento de reta. Não uma reta,porque esta não tem começo nem fim - tendendo de menos infinito para mais infinito. A lógica éa mesma utilizada pelos ensinantes de matemática quando trabalham com os números relativos.

Denominamos feudalismo ao modo de produção que caracterizou a sociedade européia ocidentalentre os Séculos V e XVIII. Embora não no mesmo nível em que se verifica no capitalismo, ofeudalismo conheceu cidades, circulação de mercadorias a longa distância, trocas monetárias.Enquanto no feudalismo a relação dominante de trabalho é a servidão, no capitalismo, é oassalariamento. Nascendo da crise do antigo mundo escravista, sofreu golpe de morte com aRevolução Industrial. Durante as décadas de 1950 e 1960, muitos intelectuais brasileiros,militantes de partidos políticos de esquerda e defensores de uma revolução socialista no Brasil,alegavam que esta só poderia vingar numa sociedade que já fosse capitalista – o que não erao caso, para eles, do Brasil. Esses intelectuais viam o Brasil de então como uma sociedadeainda feudal.

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Eles traçam um segmento de reta, estabelecem um ponto qualquer como referência, atribuem-lheo valor zero e, daí, chegam aos valores positivos e negativos.

Em nosso caso, daremos àquele segmento de reta o nome de linha do tempo. Tomaremosum ponto qualquer como referência, o zero do matemático, a partir do qual situaremos o queaconteceu antes e depois daquele ponto. Que nome dar a esse ponto?

Ora, o calendário que utilizamos foi elaborado por homens da igreja cristã, num tempo emque esta imperava sobre a sociedade européia ocidental. Eles convencionaram que aquele pontorepresentaria o momento do nascimento de Jesus Cristo, e os fatos históricos seriam datadostomando como referência esse nascimento. Por isso, falamos em fatos que ocorreram antes deCristo (a.C.) e depois de Cristo (d.C.). Nasceu, assim, o calendário cristão, sobre o qual sãoelaboradas periodizações da história, as quais também são convenções.

Essas periodizações da história são úteis porque ajudam a nos situar no tempo, oferecemreferências e têm uma grande importância didática. No entanto, não são construções ingênuas,como a que acabamos de ver. Há interesses envolvidos. Pense comigo: Por que tomar o nascimentodo Cristo para o estabelecimento de um calendário? Por que a escrita foi tomada como indicativodo começo da história? Não havia história antes da invenção da escrita? Por que, na separaçãodas idades históricas, foram escolhidas aquelas datas e não outras, aqueles fatos e não outros?Por que os nomes Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea? Porque Idade Moderna se ela não era tão moderna assim? Por que aIdade Contemporânea começa com a Revolução Francesa ou a<Revolução Industrial inglesa>? Por que contemporânea, se nósa vivemos há mais de duzentos anos do seu início?

Revolução Industrial

Quanto à importância da revolução industrial inglesapara a história da educação, vejamos o que diz MárioManacorda (1989, p. 271-272), em seu livro, Históriada educação: da Antigüidade aos nossos dias. Depoisde discorrer sobre os efeitos sociais daquela revolução,ele pergunta o que estará no lugar daqueleaprendizado, forma típica de instrução das massasprodutivas artesanais até então, e ele mesmo responde:

“Inicialmente nada. Os trabalhadores perdem a sua antiga instrução e na fábrica só adquiremignorância. Em seguida, a evolução da ‘moderníssima ciência da tecnologia’ leva a uma substituiçãocada vez mais rápida dos instrumentos e dos processos produtivos e, portanto, impõe-se o problemade que as massas operárias não se fossilizem nas operações repetitivas das máquinas obsoletas,mas que estejam disponíveis às mudanças tecnológicas, de modo que não se deva sempre recorrera novos exércitos de trabalhadores mantidos de reserva: isso seria um grande desperdício deforças produtivas. Em vista disso, filantropos, utopistas e até os próprios industriais são obrigadospela realidade a colocarem o problema da instrução das massas operárias para atender às novasnecessidades da moderna produção de fábrica: em outros termos, o problema das relações instrução-trabalho ou da instrução técnico-profissional, que será o tema dominante da pedagogia moderna.Tentam-se, então, duas vias diferentes: ou reproduzir na fábrica os métodos ‘platônicos’ daaprendizagem artesanal, a observação e a imitação, ou derramar, no velho odre da escoladesinteressada, o vinho novo dos conhecimentos profissionais, criando várias escolas não sósermocinales, mas reales, isto é, de coisas, de ciências naturais: em suma, escolas científicas, técnicase profissionais.”

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Os mesmos princípios que orientaram a periodização da história universal foram seguidospara a da história brasileira. Confira se não foi assim que você aprendeu quando estudava naescola de ensino básico!

Como no caso anterior, há muitas perguntas a serem feitas, mas deixo esse desafio paravocê.

Já apresentamos duas possibilidades de periodização da história: uma de caráter geral, ahistória universal, e outra de caráter local, nacional. Você deve ter percebido que, em nenhuma,houve referência à educação. E você já refletiu, com base na aula anterior, sobre a relação queexiste entre história e educação. Assim, não seria possível criarmos uma periodização da históriaque incluísse o fenômeno educativo? Mais ainda, uma periodização da história da educação?

Dermeval Saviani é um estudioso da história e da filosofia da educação. Recentemente, eleescreveu dois textos referentes à matéria. No primeiro, intitulado “O legado educacional do ‘longoSéculo XX’ brasileiro”, datado de 2004, em que o foco era a escola pública brasileira, ele ensaiouuma periodização da história da educação brasileira centrada na escola pública. Partindo dacompreensão do que seja escola pública, hoje, Saviani observou que suas primeiras manifestaçõesdatavam da última década do Século XIX e construiu a seguinte periodização:

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Em agosto de 2005, veio à luz o novo texto: “As concepções pedagógicas na história daeducação brasileira”. Dessa feita, o objeto de estudo de Saviani já não era a escola pública, masas concepções pedagógicas. Resultado: muda-se o objeto, procede-se à nova periodização. Ei-la:

Veja que estamos, como Saviani, tratando da história da educação brasileira. No entanto,estamos com objetos de estudo diferentes. Ele próprio, trabalhando com dois objetos, recorreu aduas periodizações. Nosso objeto, no entanto, não é a história da escola pública nem asconcepções pedagógicas, mas a história da educação infantil. Podemos ensaiar uma periodização?Deixo isso como desafio para você. Por enquanto, por motivos que passarei a explicar, adotaremosaquela periodização clássica da história do Brasil (figura), inserindo nela o fenômeno educativo.Primeiro, por já ser muito conhecida, acessível a todos porquanto é encontrada em qualquermanual didático de história de ensino fundamental e médio. Sofreremos limites em nosso percurso,é verdade, mas toda periodização tem seus inconvenientes. Aliás, se Mario Manacorda (1989),estudioso italiano da história da educação, apesar de crítico da história e da periodização oficiais,escreveu sua História da educação obedecendo, em grande parte e sem maiores constrangimentos,à periodização clássica da história geral (figura), por que não podemos fazê-lo?

Em segundo lugar, aquela periodização já foi assumida na primeira etapa do nosso percurso:história da educação no Brasil colonial, história da educação no Brasil imperial e história daeducação brasileira no Brasil da 1ª República. Assim, estamos diante de uma linguagem já bastantefamiliar.

Por último - o que é mais importante -, a segunda etapa do nosso percurso começa em1930. Não só por convenção, mas por ser uma data por demais significativa, pois, se a ênfaseque a Europa deu à educação infantil coincidiu com a eclosão da Revolução Industrial, isso apartir de fins do Século XVIII, o ano 1930, guardadas as proporções, assinala o ingresso do Brasilno rol do mundo urbano e industrial moderno. Esse fato repercutiria na nossa educação infantil?

Façamos mais uma pausa para reflexão e respondamos a novos desafios.

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DESAFIOS

Atenção!

Se tiver dificuldades durante a realização dosdesafios propostos, comunique-se com o(a)smediadores(as) pedagógico(a)s a distância por meiodo AVA - Moodle (www.ead.ufpb.br).

1) Recorrendo a livros (que devem ser citados) e entrevistas (cujas perguntas formuladas devemser apresentadas) com pessoas mais velhas, recolha informações sobre a sua cidade, as quaisdevem ser as mais variadas: em relação a aspectos econômicos, sociais, políticos e educacionais.Com base nessas informações, represente, numa linha do tempo, uma periodização para ahistória da educação da sua cidade. Seja criativo, invente, mas não deixe de definir o seu objetode estudo (história da educação com ênfase na educação infantil). Construa sua linha do tempono editor de texto e, logo abaixo, digite sua produção de texto conforme as orientações a seguir.

2) No espaço equivalente a uma lauda (papel A4, configuração padrão, fonte “times new roman”11, espaçamento 1,5), redija um texto explicando como você construiu seu trabalho, justificandocada fato que utilizou para proceder aos recortes temporais. Poste-o no AVA - Moodle.

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AULA 3: 1930 - NOSSO PONTO DE PARTIDA?

No ano de 1983, foi publicada a primeira edição do livro Escola edemocracia. No capítulo I desse livro, intitulado “As teorias da educaçãoe o problema da marginalidade”, seu autor, <Dermeval Saviani>,recorrendo ao estudioso da educação latino-americana, Juan Tedesco,afirmou que

De acordo com estimativas relativas a 1970, cerca de 50%dos alunos das escolas primárias desertavam em condiçõesde semi-analfabetismo ou <analfabetismo potencial> namaioria dos países da <América Latina>. Isso sem levarem conta o contingente de crianças em idade escolar quesequer têm acesso à escola e que, portanto, já se encontrama priori marginalizadas dela. (SAVIANI, 2003, p. 03)

Veja bem: quando você está assistindo a um noticiário policial pela televisão e vê imagensde pessoas envolvidas em assalto, assassinato, tráfico de drogas, você diz que se trata debandidos, marginais. Não é assim? Você as considera marginais porque elas estão agindo demaneira errada, à margem do que a sociedade e suas leis estabeleceram como regras decomportamento.

Antes de continuar, eu poderia fazer uma pergunta só para instigar você: Essas pessoassão marginais ou agem daquela forma porque foram marginalizadas? Pergunto isso porque o rótulo

Dermeval Saviani,nascido em 1944,destaca-se comofilósofo e historiadorda educaçãobrasileira. Dentreseus vários livros,alguns estão citadosem nossasr e f e r ê n c i a s .

Analfabetismo potencial: diz respeito a uma situação em que a pessoa foialfabetizada e até freqüentou a escola por um bom tempo. Mas, se o ensino foiruim, os poucos anos de escola foram alternados com anos de evasão, e essa pessoanão cultivou o hábito de ler e escrever, tendendo a esquecer o pouco que aprendeuestando, potencialmente, fadada a voltar à condição de analfabeta. É o mesmo quedizer alfabetizado(a) funcional, situação grave a que a Paraíba está submetida. Emreportagem datada de 30 de setembro de 2007, o “Correio da Paraíba” revelou:“Entre jovens e adultos, a situação é mais grave, já que 21,9% dos paraibanos comidades entre 15 e 18 anos estão fora da escola, e 64,4% dos jovens na faixa etáriade 18 a 24 anos já abandonaram os estudos, o que tem colaborado com o aumentodo número de alfabetizados funcionais, pessoas que, mesmo sabendo ler e escrever,não têm as habilidades de leitura, de escrita e de cálculo necessárias para garantirseu desenvolvimento pessoal e profissional.”

Você sabe por que esse continente, do qual o Brasil faz parte, é denominado AméricaLatina? Veja bem: América, em homenagem ao piloto florentino Américo Vespúcio,que acompanhou o descobridor Cristóvão Colombo em suas viagens a essa partedo mundo, inclusive, tocando em terras do atual Brasil, antes de Cabral. Latinaporque, embora haja pequenos espaços onde se fala inglês ou holandês, na quasetotalidade das terras que se estendem do México à Terra do Fogo as pessoas falamlínguas derivadas do latim, como francês, espanhol e, no nosso caso, português.Para aprofundar essa questão, veja um dos desafios propostas mais adiante.

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marginal é aplicado, em regra, para os que estão privadosde direitos sociais fundamentais, como saúde, moradia eeducação. E mais: Que adjetivo você daria aosprivilegiados e poderosos, como empresários, oficiaismilitares, magistrados, que planejam, comandam eacobertam muitos dos crimes praticados por aquelesmarginalizados?

Voltemos a Saviani. Depois de detectar o problemada marginalidade a que estão submetidas muitas das nossascrianças em relação à escola, ele, na condição de filósofoda educação, perguntou como as teorias educacionaisse posicionavam sobre a questão. Daí então procedeu aum trabalho de pesquisa, em que identificou essas teoriase apresentou o que cada uma dizia a respeito.

Em nosso caso, na condição de historiadores da educação, poderíamos abordar a questãoformulando outras perguntas. Senão vejamos: Por que tão grande número de crianças latino-americanas está marginalizado da educação escolar? Desde quando as escolas foram criadas naAmérica Latina, essa situação sempre existiu ou podemos encontrar uma data para seu início?Podemos encontrar, na história da educação latino-americana, algum momento em que a sociedadeagiu de modo concreto no sentido de superar esse problema?

João Fragoso é um estudioso da história econômica brasileira. Na Internet, encontrei umartigo de sua autoria, intitulado “Para que serve a história econômica? Notas sobre a história daexclusão social no Brasil”, em que ele relaciona economia e sociedade. Sua preocupação recaisobre o problema da exclusão social no Brasil, algo muito marcante na sociedade brasileira denossos dias.

Fragoso parte de um encontro de economistas e cientistas sociais, ocorrido em agosto de1999, “sob os auspícios do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) [...] para discutir adesigualdade e a pobreza no Brasil, tendo por base as últimas PNADs (Pesquisa Nacional porAmostragem de Domicílios)”. O resultado desse encontro, mais tarde divulgado em livros, demonstrouque “o Brasil não seria um país pobre, sem recursos, mas sim, um país de pobres, com muitospobres [pois] a pobreza de 53 milhões de pessoas, ou 34,1% da população do País em 1999/2000, seria decorrente da má distribuição da riqueza e não da falta dela”. Na verdade, o Brasilencontrava-se, em 1999, “entre as maiores economias industriais no concerto das nações [demodo que] 77% da população mundial possuíam uma renda per capita menor que a do Brasil.

Desigualdade social no Brasil

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Entretanto, apesar desse desempenho econômico invejável, a sociedade brasileira apresentavaum dos maiores graus internacionais de concentração de renda e de miséria absoluta.”

Para escrever seu artigo, Fragoso não precisou perguntar se o problema da exclusão social,no Brasil de hoje, era fruto da inserção do País no sistema capitalista ou se vinha de mais longe,do início da colonização. Ele foi ao passado, sim, mas com outras preocupações. Partindo dosíndices de concentração de renda em 1999, no Brasil, e verificando que esse é um fenômenorecorrente na história brasileira, ele quis saber como, em diferentes contextos históricos, aconcentração de renda persistiu e como se deu a contínua recriação da exclusão social.

A resposta que ele encontrou foi: a elite brasileira “vive atualmente em uma sociedade quepossui mecanismos para preservar a concentração de renda, os quais foram devidamente testadose aprovados pelo tempo.” Ele encontrou também que essa mesma elite “não se sente responsávelpelo problema da pobreza e da desigualdade. Ela transfere tais problemas para o Estado e, ainda,acredita que a solução seria o crescimento econômico combinado com maiores investimentospúblicos na educação. Por conseguinte, a elite propõe uma fórmula em que a superação daquelesproblemas seria feita sem custos para os não-pobres.”

Depois dessa conversa com Saviani e Fragoso, acredito ter chegado a hora de entrarmosna história da educação brasileira a partir de 1930, dando ênfase à educação infantil.

Otaíza Romanelli foi uma estudiosa da educação brasileira. Seulivro, História da educação no Brasil (1930/1973), publicado em1978, nasceu de suas preocupações em relação à educação do seutempo. Ela contou que seu trabalho se originou “de uma antigapreocupação [...] de compreender a trama das relações existentesentre os fatores que atuam no sistema educacional e respondempela maioria de seus problemas”. O campo de pesquisa de Romanellifoi a <escola elementar>, onde ela observou a “inércia, reveladaem face das inovações, e o tradicionalismo emperrante”. Suasobservações permitiram-lhe confirmar o que ensinavam os livros dehistória da educação brasileira que ela consultou: “substancialmente,

Escola elementar,primária, de primeirasletras. Essas foramalgumas dasdenominações que aescola de ensinofundamental recebeuantes da Lei 9394/96.

Dificilmente, poderíamos fazer qualquer menção à educação brasileira nosdias de hoje sem nos referirmos a Portugal e aos jesuítas. Não estou falandoem determinismo, mas não é possível destruir tão facilmente toda umaherança cultural, sobretudo quando ela continua a atender a interessesde hoje. Não se trata de aplaudir ou denegrir nosso passado, nossa história,mas de compreendê-los. O tempo passa. E tão depressa que, às vezes,pensamos que os dias, os meses, os anos tornam-se cada vez mais curtos.

Nossas cabeças, no entanto, mudam muito mais devagar. Estamos há mais de 100anos da abolição da escravatura, mas continuamos estigmatizando o trabalho manuale as profissões técnicas; a persistência e o aprofundamento das desigualdades sociaisque conhecemos nessa parte do mundo, desde a chegada dos europeus, está tãoenraizada entre nós que, sem nos questionarmos sobre seus condicionantes históricos,ainda acreditamos na possibilidade de superá-los por meio da educação escolar; aindaque muitas pessoas não professem, hoje, o catolicismo romano, suas cabeças foramforjadas sob os ditames da igreja tridentina... (continuo depois).

pouca coisa mudou na forma de encarar a educação que nos foilegada pelos jesuítas”.

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A princípio, Romanelli pensou que a inércia e o tradicionalismo que ela observara seriamcoisas de dentro da escola e que, eliminando-as, todos os problemas da educação escolarestariam resolvidos. Uma postura que costumamos chamar de <pedagogista>. Porém, refletindosobre o que observava e os livros que lia, Romanelli avançou, entendendo que a escola brasileiraestava inserida num dado contexto sócio-cultural, razão pela qual compreendeu o porquê davisão e da prática educacionais dos jesuítas e de seus sucessores.

Quanto ao referido contexto, Romanelli afirmou que a sociedade colonial brasileira estavamarcada pela “predominância de uma minoria de donos de terras e senhores de engenho sobreuma massa de agregados e escravos”, e que os padres responsáveis pelo ministério da educação,os jesuítas, eram portadores de um conteúdo cultural que expressava o espírito da Contra-Reforma, o que explicaria o quadro educacional de então.

Seguindo essa linha de raciocínio, Romanelli esperava que a mudança no contexto implicassemudanças na educação. De fato, não há como não perceber mudanças no contexto sócio-cultural brasileiro em vários momentos da sua história. Por exemplo, quando do processo queconduziu à Independência ou do que trouxe a República. Aliás, o próprio período colonial não deveser visto como estático, pois conheceu diversos quadros sócio-culturais. Em nenhum dessesquadros, verificou-se mudança sensível na educação.

Tente entender em que consiste o pedagogismo, a partir de uma críticaque lhe é feita pelo economista da educação, o carioca Cláudio de MouraCastro, nascido em 1938, bastante conhecido como articulista da RevistaVeja.“Nós temos uma casa para ser construída, e em vez de construí-la, estamossoltando foguete para comemorar. A educação básica não precisa decomputador, não precisa de grandes teorias pedagógicas. Nenhum paísde primeiro mundo tem, nos primeiros quatro anos, que são os mais críticos,nada além de um quadro-negro, giz, um bom professor que saiba ensinar,um livro didático que seja utilizado todos os dias em aula e disciplina rígidaem sala.

É assim que todos os países do mundo conseguiram resultados excelentes. Já, no Brasil,ficamos discutindo teoria pedagógica, discutindo a teoria do defunto, o defunto queescreveu tal livro e que contradiz o outro defunto, que escreveu outra coisa. Tudo sãograndes teorias. Os países que deram certo não usaram grandes teorias e até hoje nãousam. Usam o que se aprendeu. Há uma cartilha para aprender a ler “Vovô viu a uva”,depois o conteúdo começa a fazer sentido etc. Por volta de dez anos atrás, a Inglaterra,que navegava nessa geléia geral de construtivismos e métodos globais, disse “Chega”.Agora tem programas e alternativas de livros, e o Ministério da Educação Central deLondres diz como o tempo dos alunos é usado durante cada aula e o que vai ser ensinado.Com isso, a educação da Inglaterra deu um grande salto. Deve-se fazer o arroz-com-feijão, os alunos devem, primeiramente, aprender a tabuada e o alfabeto. Nas escolasda Finlândia, que é o país que ficou em primeiro lugar no Pisa, não existem teoriasmirabolantes. Lá eles têm professores que aprenderam a ensinar e que seguem umbom livro. Minha filha estudou em uma escola francesa, na Suíça, em que os alunos nãopodiam conversar durante a aula e também não podiam se mexer na cadeira. Nenhumpaís de primeira linha no Pisa perde tempo discutindo sobre os fogos de artifício dasteorias, nem oferece na sala de aula esse grau de liberdade que os educadores brasileirosacham que se deve oferecer.”

F o n t e : h t t p : / / w w w . s e s c s p . o r g . b r / s e s c / r e v i s t a s /revistas_link.cfm?Edicao_Id=247&Artigo_ID=3858&IDCategoria=4248&reftype=2. Acesso em21.12.06

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Ocorre que muitos historiadores, identificando modernidade com industrialização, dizem queo Brasil só ingressou nesse tempo histórico a partir de 1930, quando, dizem eles, teve início nossaRevolução. Assim, com a industrialização, vieram o crescimento demográfico e a intensificaçãodo processo de urbanização - o que muitos intelectuais denominam modernidade. A esse novoquadro deveria corresponder, esperava-se, uma nova educação, o que não aconteceu. É verdadeque a procura por escola aumentou, mas, como disse Romanelli, sua oferta era insuficiente, erabaixo o rendimento escolar e acentuada a discriminação social. Ao mesmo tempo, essa escola

não correspondia [...] às novas necessidades sociais e econômicas da sociedadebrasileira, em vias de industrialização.Manifestou-se então uma inadequação entre o sistema educacional, de umlado, e a expansão econômica e as mudanças sócio-culturais por que passavaa sociedade brasileira do outro. É esta inadequação que define a defasagementre a educação e o desenvolvimento brasileiro pós 1930.

Agora pense comigo: nos três casos citados, Saviani, Fragoso e Romanelli partiram depreocupações com problemas do seu tempo, questionaram por que e como esses problemasforam gerados e, visando encontrar respostas sobre como superá-los, recorreram ao passado.Romanelli, que nos interessa mais de perto, ao observar a grande defasagem entre o quadroeconômico-sócio-cultural de seu tempo e a situação em que se encontrava o sistema educacional,perguntou à história desde quando essa defasagem começou a acontecer. Então, percorreuaqueles períodos da história brasileira que você conheceu na etapa anterior - colônia, império eprimeira república - só a encontrando a partir de 1930, quando teve início o que se convencionoudenominar, segundo a periodização da história brasileira ditada pela política, de Segunda República.

Em relação à pergunta que Romanelli formulou e para a qual buscava respostas, o ano de1930 guarda um grande significado. E para nós, cuja preocupação está em saber a partir dequando a criança ganhou importância na história da educação brasileira? Não só isso, mastambém quais circunstâncias históricas geraram essa importância; qual concepção pedagógicaorientou a criação das creches e pré-escolas; qual encaminhamento tem sido dado a essesequipamentos educacionais que atendem àquela criança e a quais interesses o discurso pelaexpansão das creches e pré-escolas responde.

Se falarmos de criança, em geral, essas pessoas que se encontram na faixa etária entre 0e 13 ou 14 anos de idade, saberemos que, desde que existe escola, ou mesmo antes dela, comoocorria nas sociedades chamadas primitivas, a partir dos 7 anos, em média, a criança era afastadados cuidados maternos e encaminhada para outros ambientes de aprendizagem. Ocorre que acriança que nos interessa, que recentemente passou a ser chamada “criança pequena”, é a quese encontra na faixa etária entre 0 e 5 anos. Isso porque a Lei nº 11.274, sancionada peloPresidente da República em 06 de fevereiro de 2002, alterou o Artigo 32 da LDBEN, ao regulamentaro Ensino Fundamental de nove anos, devendo a criança ingressar nele já aos seis anos de idade.Com isso, a criança, a partir de seis anos de idade, deixou de ser criança pequena, não tendomais direito a creche ou pré-escola, devendo ingressar no ensino fundamental.

A partir de agora, faremos uma caminhada pela história da educação brasileira, desde 1930.Apesar da amplitude do título, história da educação, procuraremos privilegiar a história da educaçãoinfantil, com ênfase na história da educação da criança pequena. Uma tarefa difícil, por causa daprecariedade das fontes históricas. Ademais, a educação da criança pequena só ganhou estatutojurídico com o advento da Lei 9394/96.

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Para começar essa caminhada, seria interessante que você fizesse uma leitura prévia sobrea Revolução de 1930 e seu significado histórico. Para tanto, recomendo qualquer livro didático deHistória do Brasil dirigido para o ensino médio. Embora disponhamos de bons livros didáticos,sugiro, como melhor, História da sociedade brasileira, de Francisco Alencar. Como a Revoluçãode 1930 envolveu, fortemente, o Estado da Paraíba, seria interessante complementar seu estudocom a leitura do livro História da Paraíba: lutas e resistência, de José Otávio de Arruda Mello.Na 9ª edição, de 2002, ver o Capítulo V.

Muito importante como fonte histórica é o cinema. Por isso, recomendo o filme escrito edirigido por Silvio Back, “A Revolução de 1930”. Trata-se de um rico documentário produzido em1980, que situa os movimentos anarquista, operário e tenentista além, evidentemente, do papeldesempenhado pelas oligarquias no processo. Os comentários são feitos pelos renomadoshistoriadores Bóris Fausto, Edgar Carone e Paulo Sérgio Pinheiro. É importante que você perceba,nesse filme, a crítica feita à história oficial sobre 1930.

DESAFIOS

1) Você é uma pessoa cuidadosa. Exemplo disso é que guardou um exemplar daquele mapa quelhe pedi no desafio “b” da aula 1. Agora, de posse de duas cópias desse mapa, vamos trabalhar:

a) Olhe para o lado esquerdo desse mapa. O que você vê? O continente americano. Proceda àdivisão político-administrativa desse continente, separe os países (nomeando-os e as suasrespectivas capitais). Munido de lápis de cor, pinte, de uma cor, os países que falam línguasderivadas do anglo-saxão e, de outra, os que falam línguas derivadas do latim.

b) Sobre a outra cópia do mapa, depois de haver procedido à divisão político-administrativa docontinente americano e separado os países, identificando-lhes as respectivas capitais (novamente,para não esquecer), pinte, de uma cor, os países considerados desenvolvidos e, de outra, ossubdesenvolvidos (também chamados periféricos, em desenvolvimento, do terceiro mundo,emergentes etc).

2) Acredito que, assim, você tem duas versões para a expressão América Latina. Quais são elas?Comparando os resultados do seu trabalho com os dos seus colegas, produzam um texto emque vocês demonstrem sua compreensão sobre o que vem a ser América Latina.

3) Marque um encontro com seus colegas de turma. Divida com eles o seguinte desafio: selecionemcinco famílias, dentre as mais ricas, e cinco, dentre as mais pobres, que mantêm seus filhos emcreches ou pré-escolas; a seguir, selecionem outras 5, dentre as mais ricas, e 5 dentre as maispobres que não mantêm seus filhos em creche ou pré-escola, de modo que cada membro do

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grupo não tenha mais que uma família a entrevistar. Feito isso, elaborem cinco perguntascomuns dirigidas a cada uma dessas famílias, objetivando conseguir informações sobre o significadoda creche ou da pré-escola na vida dessas pessoas. Finalmente, produzam um texto de umalauda, anunciando os resultados dessa coleta de dados. Em outra lauda, enviem-me as perguntasque vocês formularam. Dado importante: nenhuma família pode ser identificada.

Atenção!

Nesta aula, você deverá postar as produções emdestaque nos itens (2) e (3). Estes desafios terãoo valor de 10,0 pontos.

Se tiver dificuldades durante a realização dosdesafios propostos, comunique-se com o(a)smediadores(as) pedagógico(a)s a distância por meiodo AVA - Moodle (www.ead.ufpb.br).

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AULA 4: O BRASIL FEZ SUA REVOLUÇÃO. COMO FICOU A EDUCAÇÃOINFANTIL?

O ano de 1930 é considerado por muitos historiadores como bastante significativo nahistória do Brasil. Naquele ano, o País vivenciou um golpe de estado. Diga-se de passagem, nãoseria o primeiro nem o último. Aliás, como certa vez observou um historiador, isso é coisa comumem republiquetas latino-americanas.

Não sei se você sabia, mas a abdicação de D. Pedro I, em 1831, foi parte de um golpe,assim como a assunção de seu filho, D. Pedro II (Golpe da Maioridade), em 1840, e a proclamaçãoda República, em 1889. Depois do golpe, que levou Getúlio Vargas ao poder, fato que ficouconhecido pelo nome de Revolução de 1930, tivemos outros: o próprio Vargas, golpista em 1930,deu outro em 1937. Houve um em 1945, que derrubou o mesmo Vargas, além de duas tentativasfrustradas, uma em 1954, e outra, em 1961 e, por último, o Golpe de 1964, cujos simpatizantestambém o denominaram Revolução, como os de 1930.

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Ano 1831: Abdicação de D. Pedro I Ano 1840: Golpe da Maioridade de D. Pedro II

Ano 1889: Proclamação da República Ano 1964: Golpe militar

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Observe que, durante esse período da história, estamosdiante de golpes de Estado, dos quais, mencionaremos três: 1930,1945 e 1964. Os historiadores que privilegiam os fatos da históriapolítica para periodizar a história do Brasil concordam em encontraraí dois períodos históricos: o primeiro, de 1930 a 1945,convencionaram denominar República Nova, ou Era Vargas, e osegundo, de 1945 a 1964, República Democrática ou RepúblicaPopulista. Para esses historiadores, entre 1964 e 1985, teríamosvivido sob a República dos Militares ou o Regime Autoritário e, daíaos dias de hoje, a Nova República, também denominada RepúblicaContemporânea.

Nesta Unidade, abordaremos o período da história brasileiraque se estende de 1930 a 1964. Aliás, por privilegiarmos ofenômeno educativo em nossa abordagem histórica, não faremoscomo os historiadores que se dedicam às coisas da política, queestabelecem um corte em 1945. Pelo mesmo motivo, nãoconsideraremos os anos 1930 e 1964 de maneira exata. Eles nãodariam conta do fenômeno educativo. Como você deve lembrar,Saviani, estudando a história da escola pública no Brasil, delimitou,entre 1931 e 1961, o período que ele denominou de“regulamentação nacional do ensino”, quando o Estado nascido de1930 “sinalizou na direção de se considerar a educação, em seuconjunto, como uma questão nacional”. Foi só em 1931 que secriou o Ministério da Educação e Saúde Pública e se procedeu auma reforma educacional de caráter nacional e, em 1961, foipromulgada nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional.

Se, no estudo sobre a história da escola pública no Brasil,Saviani relacionou a política educacional desenvolvida no País entre1931 e 1961 ao ideário da Escola Nova, foi no artigo “As concepçõespedagógicas na história da educação brasileira” que ele tratouespecificamente da Pedagogia Renovadora, situando a emergênciae predominância dessa concepção pedagógica entre 1932 e 1969.

Quanto à data inicial, ele a justificou, afirmando que

O movimento dos renovadores ganha corpo com a fundação da AssociaçãoBrasileira de Educação (ABE), em 1924, se expande com a realização dasConferências Nacionais de Educação, a partir de 1927, e atinge plenavisibilidade com o lançamento do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”,em 1932.

Quanto à data final desse período, 1969, ele diz que

No âmbito da educação escolar, procedeu-se ao ajuste do sistema de ensinoà nova situação decorrente do golpe militar de 1964. Isso foi feito por meio da

Muitos termos encontrados nesta Aulamerecem uma discussão tão profunda quenos exigiria um espaço de que não dispomos.Por exemplo, pode-se mesmo afirmar que oBrasil é uma república? O que é umarepública? É suficiente termos governoseleitos e temporários para termos umarepública? Uma república se define porcomparação a uma monarquia? O que édemocracia? Basta haver eleições para termosum estado democrático? É possível imaginarum regime político dito democrático numasociedade, inquestionavelmente, autoritária?Veja bem: A república brasileira entre 1945 e1964 é denominada democrática oupopulista. Democracia e populismo são amesma coisa? O que é populismo? GetúlioVargas era democrata ou populista? E nossopresidente atual? O que há de comum e dediferente entre Getúlio Vargas e nossopresidente atual? Vargas assumiu o poder,pela primeira vez, por meio de um golpe; embreve, deu um golpe dentro do golpe eimplantou uma ditadura; a seguir, foiderrubado como ditador; tempos depois,voltou como democrata. Pasmem: aplaudidopelo mesmo partido comunista que ele tantoperseguira. Você não acha tudo isso muitoconfuso?

Reflita sobre essas questões, recorrendoao GOOGLE. Acesse as palavrasAutoritarismo, Ditadura, Democracia,República, Populismo e outras tantas queessas sugerirem. Faça isso porque, adiante,tenho um desafio para você.

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Lei 5.540/68 e do Decreto 464/69, no que se refere à reforma do ensinosuperior, e pela Lei 5.692/71, no tocante aos ensinos primário e médio, quepassaram a ser denominados de 1º e 2º graus. Em termos teóricos, buscou-se imprimir uma nova orientação pedagógica [produtivista] inspirada na “teoriado capital humano”.

Dessa forma, situaremos esse período da história do Brasil, tendo como parâmetro a educação,entre os primeiros anos da década de 1930 e os últimos anos da década de 1960. Significa dizerque é difícil estabelecer uma data precisa para o começo e o fim de um período da história, emgeral, e da história da educação entre nós, em particular. Tanto que, se tomássemos a educaçãoinfantil como parâmetro para estabelecer uma periodização da história da educação brasileira,dificilmente poderíamos considerar o início dos anos 1930 como ponto de partida para um dadoperíodo, uma vez que o Estado que se constituiu, a partir de então, demorou a dar atenção àeducação infantil, embora ele tenha criado o Ministério da Educação e Saúde Pública, em 1931, eseu primeiro ministro, Francisco Campos, tenha procedido a uma ampla reforma educacional,conhecida como Reforma Francisco Campos.

Por essa reforma, cujas principais medidas se estenderam entre 1931 e 1932, Campos criouo Conselho Nacional de Educação, dispôs sobre a organização do ensino superior e adotou oregime universitário, organizou o ensino comercial, dispôs e consolidou as disposições sobre aorganização do ensino secundário; mas o ensino primário, que corresponderia, hoje, à primeiraetapa do nosso ensino fundamental, não foi contemplado, assim como a educação infantil, queteria de esperar pelo novo ministro, Gustavo Capanema, que assumiria em julho de 1934.

Assim como Campos, Capanema também procedeu a uma reforma educacional. Foram as“leis orgânicas de ensino”, também conhecidas como Reforma Capanema. Essa reforma abrangeu

Os ensinos industrial e secundário (1942), comercial (1943), normal, primárioe agrícola (1946), complementados pela criação do Serviço Nacional deAprendizagem Industrial (Senai) (1942) e do Serviço Nacional de AprendizagemComercial (Senac) (1946). Por essas reformas, o ensino primário foi desdobradoem ensino primário fundamental e ensino primário supletivo. Para o primáriofundamental, destinado a crianças entre 7 e 12 anos, foram previstas duasmodalidades: o ensino primário elementar com duração de quatro anos e oensino primário complementar, de apenas um ano, acrescentado ao cursoprimário elementar. O ensino primário supletivo, com a duração de dois anos,destinava-se a adolescentes e adultos que não haviam tido a oportunidadede freqüentar a escola na idade adequada. O ensino médio ficou organizadoverticalmente em dois ciclos, o ginasial, com a duração de quatro anos, e ocolegial, com a duração de três anos e, horizontalmente, nos ramos secundárioe técnico profissional. O ramo profissional subdividiu-se em industrial, comerciale agrícola, além do normal que mantinha interface com o secundário (SAVIANI,2004, p. 37-38).

Quanto à educação infantil, a atenção só veio com o Decreto-lei 8530, de 1946, parte daReforma Capanema. Esse Decreto-lei fez parte da Lei Orgânica do Ensino Normal, que entregouaos Institutos de Educação a responsabilidade pela formação dos profissionais do magistérioprimário e do ensino pré-escolar.

Portanto, ainda que o Estado nascido com o golpe de 1930 tenha se preocupado com aeducação infantil, essa preocupação só se manifestou, de forma legal, no ano 1946, que, emborafazendo parte do contexto, é uma data muito distante de 1930.

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Quanto ao final desse possível período histórico daeducação infantil brasileira, iniciado sobre a realidadecriada pelo golpe de 1930, também seria difícil fazê-locoincidir com qualquer das periodizações propostas porSaviani. Em primeiro lugar, porque foi somente a partirda década de 1970 que se instituiu a educação pré-escolar para crianças de 4 a 6 anos. Ainda assim, emnível compensatório. O elevado índice de evasão escolare de repetência das crianças das classes pobres, noentão ensino de primeiro grau, levou o Estado a estimularessa modalidade de ensino, visando a suprir as carênciasculturais existentes nas famílias daquelas crianças. Mas,supririam? Foi nessa mesma década de 1970 em que seadotou um modelo de expansão da pré-escola noNordeste brasileiro, o chamado “educação pré-escolarde massa”, apoiado pelo Banco Mundial. Segundo essemodelo, cerca de 90 alunos eram postos em uma mesmasala de aula, sob a orientação de uma professora, quecontava com a ajuda das mães. A intenção? Diminuircustos de infra-estrutura (90 alunos por sala) e de mão-de-obra (as mães, como voluntárias, pessoas nãohabilitadas). Ao mesmo tempo, uma falsa idéia departicipação.

Apesar dos limites dessa compreensão de educaçãoinfantil, ela já apresentava alguma diferença em relaçãoà concepção anterior, quando, pelo menos no que tangeà educação infantil oferecida aos segmentos subalternosda sociedade, os filhos das mães que trabalhavam naindústria e como empregadas domésticas, não passavade meros postos de assistência.

Tanta atenção dada ao fenômenoeducativo no Brasil, a partir de 1930, nãoera casual nem fruto da boa vontade dequalquer governante. Como refere RenatoOrtiz, revolução industrial e modernidadecaminham juntas. Elas trazem consigo umprocesso de integração até entãodesconhecido: a constituição da nação.Diferentemente da noção de Estado (muitoantiga na história dos homens), a da naçãoé fruto do Século XIX. Ela pressupõe que,no âmbito de um determinado território,ocorra um movimento de integraçãoeconômica (emergência de um mercadonacional), social (educação de ‘todos’ oscidadãos), política (advento do idealdemocrático como elemento ordenador dasrelações dos partidos e das classes sociais)e cultural (unificação lingüística e simbólicade seus habitantes) (ORTIZ, 1999, p. 78).

Há muito o que se discutir, nesse texto,se o relacionarmos ao Estado brasileiroconstituído a partir de 1930. Mas uma coisaé certa: a indústria chegou, e a músicaregistrou, como na canção “Três apitos”, deNoel Rosa. Composta em 1933, foi gravada,pela primeira vez, em 1951, por Aracy deAlmeida. Há gravação mais recente comMaria Betânia.

Quando o apito/ Da fábrica de tecidos/ Vemferir os meus ouvidos/ Eu me lembro devocê.Mas você anda/ Sem dúvida bem zangada/Ou está interessada/ Em fingir que nãome vê.Você que atende ao apito/ De uma chaminéde barro/ Por que não atende ao grito tãoaflito/ Da buzina do meu carro?Você no inverno/ Sem meias vai protrabalho/ Não faz fé com agasalho/ Nemno frio você crê.Você é mesmo/ Artigo que não se imita/Quando a fábrica apita/ E você sabe porquê.Nos meus olhos você vê/ Como eu sofrocruelmente/ Com ciúmes do gerente,impertinente/ Que dá ordens pra você.Sou do sereno/ Poeta muito soturno/ Vouvirar guarda-noturno/ E você sabe por quê.Mas você não sabe/ Que enquanto vocêfaz pano/ Faço junto do piano/ Esses versospra você.

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Só para mexer com sua cabecinha: Numa sociedade que se quer democrática, euma democracia que se pretende com tantos adjetivos, como cidadã, popular e nãosei mais o quê, não seria mais democrático garantir aos jovens uma situação quelhes permitisse constituir família em condições de prover a primeira educação deseus filhos, só os liberando para a educação extra-familiar no devido tempo? Pensebem: se você gozasse de uma condição material condigna, enviaria seus filhos parauma creche ou pré-escola ou lhes daria uma mais longa educação familiar? Se, aomesmo tempo, as famílias brasileiras fossem portadoras de um bom nível deescolaridade, prefeririam preparar seus filhos para a vida escolar (ensino fundamental)numa creche/pré-escola ou no âmbito familiar? Acho que o desafio 2 da Aula 3 podeajudá-lo a refletir sobre isso.

Em segundo lugar, como diz Rocha (2005), “escola e pré-escola detêm especificidadespróprias relacionadas a sua história, organização, finalidade etc., que merecem abordagensespecíficas.” Razão por que ela indaga: “Valeriam para a educação infantil parâmetros pedagógicosescolares estabelecendo-se apenas diferenciais relativos à faixa etária?” Ela mesma respondeque não, argumentando

Que a tarefa das instituições de educação infantil não se limita ao domínio doconhecimento, assumindo funções de complementaridade e socializaçãorelativas tanto à educação como ao cuidado, e tendo como objeto as relaçõeseducativas-pedagógicas estabelecidas entre e com as crianças pequenas (0 a6 anos). (ROCHA, 2005).(Fonte: <http://www.rieoei.org/rie22a03.htm>. Acesso em: 19 abr. 2007).

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DESAFIOS

Organizem-se em grupos. Como, anteriormente, foi sugerido um desafio a ser enfrentado porgrupos de cinco pessoas, façamos desse quantitativo uma regra. Sendo assim, nem mais nemmenos que cinco.

1) Formado o grupo, elaborem cinco perguntas a ser feitas a pessoas de famílias diferentes deum bairro da sua cidade. Identifiquem o bairro. Da mesma forma, quero ter acesso às perguntasque vocês formularem. Em nenhum momento, registrem os nomes das pessoas.

Elaborem perguntas que evitem respostas do tipo “sim”, “não”, “mais ou menos”. Não se trata dequestionário, mas de entrevista.

2) Agora, vão ao bairro, munidos de um caderno de anotações. Caso vocês disponham de umgravador, será melhor. Mas tenham cuidado para não constranger seus entrevistados.

Suas perguntas devem ser objetivas. A intenção é saber:

a) Se a estrutura econômica da sua cidade justifica o engajamento do poder público estadual oumunicipal em políticas de expansão da rede escolar. Certamente, vocês devem apresentar umquadro representativo da sua cidade, em termos de agricultura, comércio, indústria, turismo,economia informal;

b) Em caso afirmativo, que tipo de escola deveria ser estimulada, adotando qual currículo, cargahorária e sua distribuição ao longo do ano letivo...;

c) Se a expansão da rede escolar pública de sua cidade, seja pelo aumento do número deescolas, seja pela ampliação das existentes, é fruto de reclamos da população, de interesseseleitoreiros ou tem outro motivo;

d) Se a expansão física da rede escolar pública tem sido acompanhada pela melhoria da educaçãooferecida, em termos de seleção e qualificação dos professores; adequação do currículo aoprojeto político pedagógico, da distribuição da carga horária, do horário de funcionamento paraas necessidades sociais... É claro que essa melhoria também passa pela localização e pelascondições físicas do prédio;

e) Qual o papel desempenhado pela educação infantil (pré-escola e creche) nesse contexto.

3) A seguir, produzam um texto equivalente a três laudas, conforme o modelo dos desafiosanteriores, dividido em quatro partes, a saber:

a) As perguntas que vocês formularam;

b) Caracterização da economia do seu Município;

c) Sem perder de vista essa caracterização, analisar as respostas dos entrevistados;

d) Conclusão.

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AULA 5: CONCEPÇÕES DA HISTÓRIA E DA PEDAGOGIA NA HISTÓRIA DAEDUCAÇÃO BRASILEIRA

Quando colhemos informações sobre a situação emque se encontram a criança e a educação escolar noBrasil de hoje e comparamos com informações obtidas dopassado, a primeira impressão que temos é de que ahistória se repete, que as coisas foram sempre assim.Aliás, essa impressão tem sua razão de ser: desdecrianças, uma das formas como a história nos foi ensinadafoi a forma circular. Vejamos em que ela consiste.

Para entender essa questão, trace um ponto numlugar qualquer sobre uma folha de papel, o qual representao começo da história. A partir dele, desenhe um círculo.É como se a história caminhasse ao longo dessa linha eterminasse no ponto em que você começou. Agora,recomece o desenho cobrindo a linha inicial tantas vezesquantas você queira. Essa é a forma de representar aidéia de que a história se repete. Mas, será que ela serepete mesmo? Quando eu digo que o analfabetismo erauma realidade do Brasil dos anos 1930, como é do Brasilde hoje, estou diante de uma questão de repetição ou depermanência?

Havia um filósofo na Europa do Século XIX,<Friedrich Hegel>(1770-1831), que pensava assim.Como ele se fez muito famoso no seu tempo, e muitagente gosta de imitar os famosos, chegando até a idolatrá-los, mistificá-los, é comum ouvirmos pessoas repetindosuas palavras. É verdade que ele disse muita coisa bonitae boa, mas também disse algumas bobagens, revelando-se, até, uma pessoa preconceituosa. Pelo menos emrelação a nós, latino-americanos, como no texto quesegue:

Apesar de termos algumas informações sobre a América e sua cultura,principalmente sobre o México e o Peru, sabemos que foram povos bemprimitivos, que fatalmente sucumbiriam assim que o espírito se aproximassedeles. A América sempre se mostrou, e ainda se mostra, física e espiritualmenteimpotente. Depois que os europeus desembarcaram na América, os nativosdeclinaram gradativamente à sombra da atividade européia. Nos Estados livresda América do Norte [EUA], todos os cidadãos são descendentes de europeus,com os quais os antigos habitantes não puderam se misturar, pois foramreprimidos. De fato, os nativos assimilaram alguns costumes dos europeus,como, por exemplo, o de beber aguardente, com resultados altamentedestrutivos. No sul, os nativos foram tratados de forma mais violenta eutilizados para serviços pesados, para os quais as suas forças eram

Georg Wilhelm Friedrich Hegel foi umdos mais influentes filósofos alemãesdo Século 19. Escreveu sobrepsicologia, direito, história, arte ereligião.Hegel concebeu um modelo deanálise da realidade que influenciouMarx, Rousseau, Goethe e atéWagner. Ele debruçou-se sobredomínios diversos, como lógica,direito, religião, arte, moral, ciênciae história da filosofia e, em todoseles, viu a manifestação do EspíritoAbsoluto que se materializavaatravés da História da Humanidade.Na filosofia hegeliana, a dialéticapermitiu compreender e elucidar aracionalidade do real. Suas principaisobras foram: “Fenomenologia doEspírito” (1806), “Ciência da Lógica”(1812-1816), “Enciclopédia dasCiências Filosóficas” (1817-1830) e“Filosofia do Direito” (1817-1830).

F o n t e : < h t t p : / /www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_487.html>. Acessoem: 06 maio 2008.

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insuficientes. Mansidão e indiferença, humildade e submissão perante umcrioulo, e ainda mais perante um europeu, são as principais característicasdos americanos do sul, e ainda custará muito até que europeus lá cheguempara incutir-lhes uma dignidade própria.

A inferioridade desses indivíduos, sob todos os aspectos, até mesmo o daestatura, é fácil de se reconhecer. Somente as tribos que vivem bem ao sul,como as da Patagônia, são de natureza mais robusta; porém, ainda bastanterudes e selvagens. Quando os jesuítas e o clero católico quiseram acostumaros índios à cultura e aos costumes europeus (é sabido que fundaram um Estadono Paraguai e mosteiros no México e na Califórnia), deram início à convivênciacom eles. Os padres davam-lhes ordens como se os nativos fossemincapacitados para as tarefas diárias, as quais eles aceitavam, mesmo sendopreguiçosos, por causa da autoridade dos primeiros. Esses regulamentos (àmeia-noite, um sino devia lembrar-lhes de suas obrigações matrimoniais),inicialmente, visavam à criação de necessidades — a força motriz da iniciativada atividade humana. A fraqueza do nativo americano foi a principal razão dese levar negros para a América, com o objetivo de empregar a capacidade queeles têm de trabalhar, pois os negros são muito mais receptivos à culturaeuropéia do que os índios (HEGEL, Friedrich. Filosofia da História, 1995, p. 74-75).

Outra bobagem que ele afirmou foi que a história se repete. É verdade que houve quemtentasse repetir a história, reviver o passado. Isso pode ser divertido no cinema, como no filme“Déjà vu”, onde, na repetição, tudo ou quase tudo se conserta, e o final é sempre feliz. Mas, navida real, não dá. Heráclito de Éfeso, filósofo grego do Século V a.C., já comparara “as coisascom a corrente de um rio - que não se pode entrar duas vezes na mesma corrente”. Eacrescentava: “Tudo flui, nada persiste, nem permanece o mesmo”.

Seguindo as pegadas de Heráclito, Karl Marx (1818-1883), outro pensador europeu doSéculo XIX, como Hegel, foi muito severo na crítica que fez a esse filósofo. Veja o que eleescreveu:

Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens degrande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes.E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda comofarsa. Caussidière por Danton, Louis Blanc por Robespierre, a Montanha de1848-1851 pela Montanha de 1793-1795, o sobrinho pelo tio. E a mesmacaricatura ocorre nas circunstâncias que acompanham a segunda edição doDezoito Brumário!

Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não afazem sob as circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que sedefrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição detodas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos.

E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e àscoisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos decrise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxílio osespíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerrae as roupagens, a fim de apresentar a nova cena da história do mundo nessedisfarce tradicional e nessa linguagem emprestada.

Assim, Lutero adotou a máscara do apóstolo Paulo, a revolução de 1789-1814vestiu-se alternadamente como a república romana e como o império romano,e a revolução de 1848 não soube fazer nada melhor (MARX, Karl. “O 18 Brumáriode Luís Bonaparte”. Karl Marx e Friedrich Engels – Textos. Volume III. SãoPaulo: Edições Sociais, 1977. p. 203).

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Eu não sei sobre você, mas eu me acho um bom aluno porquesó preciso de uma explicação sobre a mesma coisa para aprender,assim como de uma única experiência para o que a vida me ensina.Não é questão de inteligência ou de burrice, mas é porque sou muitoatencioso com meus professores. Pelo menos, quando encontro umbom professor. E acredito que Marx foi um bom professor de história.Mas, ao que parece, algumas pessoas tiveram dificuldade de aprendero que ele ensinou. Foi o caso do ex-presidente brasileiro, FernandoCollor de Melo, uma tragédia, ao tentar reviver a farsa que foi outroex-presidente, Jânio Quadros. Atualmente, parece que é o que estáacontecendo com o presidente norte-americano, George W. Bush,em relação ao ex-governante alemão, Adolf Hitler.

Mas não foi somente com filósofos famosos que aprendemos essa maneira circular deenxergar a história. Mesmo porque, em nossas escolas de ensino básico, a filosofia é quase umadesconhecida, e a história é ensinada do modo que só vocês sabem como! Isso porque oconhecimento que a maioria desses nossos professores traz para a escola pouco tem a ver como que poderia ser caracterizado como científico. Apesar da diplomação escolar, parece que nomundo cultural do qual muitos deles participam, ainda predomina a oralidade. Diferentemente doque se dá na cultura letrada que, estranhamente, tem sido pouco valorizada em nossas escolas,

Na oralidade primária, o tempo tem uma circularidade cronológica, uma espéciede horizonte de eterno retorno, embora não esteja ausente uma certaconsciência de sucessão temporal. A palavra tem como função fundamentalgerenciar a memória social, além de constituir-se como expressão pessoal ecomunicação da vida cotidiana. Por esse motivo, as tecnologias intelectuaisque se desenvolvem têm a função de utilizar ao máximo a memória de longoprazo. Daí a presença da dramatização, da reinvenção (tradução, adaptaçãoe “traição”) personalizada dos “casos”, o uso de diversos artifícios narrativose de técnicas mnemônicas que passam pelas danças, pelos rituais, rimas eritmos de poemas e canções. Suas formas canônicas de saber são as narrativase os mitos. Os sujeitos pensam através de situações (NUNES, 2000, p. 38).

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A esse respeito, leia oartigo “11 de setembro”,escrito na segunda-feira,18 de julho de 2005.Acesse o site:

h t t p : / /www.saindodamatrix.com.br/a r c h i v e s / 2 0 0 5 / 0 7 /11_de_setembro.html.

Idealizador de uma sociedade com uma distribuição de renda justa e equilibrada,o economista, cientista social e revolucionário socialista alemão Karl HeinrichMarx nasceu em 05 de maio de 1818, cursou Filosofia, Direito e História nasUniversidades de Bonn e Berlim e foi um dos seguidores das idéias de Hegel.Esse filósofo alemão foi expulso da maior parte dos países europeus devido aoseu radicalismo. Seu envolvimento com radicais franceses e alemães, no agitadoperíodo de 1840, fez com que ele levantasse a bandeira do comunismo eatacasse o sistema capitalista. Segundo esse economista, o capitalismo era oprincipal responsável pela desorientação humana. Ele defendia a idéia de que aclasse trabalhadora deveria unir-se com o propósito de derrubar os capitalistas

e aniquilar de vez a característica abusiva desse sistema que, segundo ele, era o maiorresponsável pelas crises que se viam cada vez mais intensificadas pelas grandes diferençassociais.

Fonte: <http://www.suapesquisa.com/biografias/marx/>. Acesso em: 06 maio 2008.

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Ora, como diz o filósofo brasileiro, Paulo Giraldhelli Jr., para a concepção circular, a históriacaminha em círculos, sendo que os fatos do presente nada têm de original, pois apenas repetemsituações análogas do passado. Os personagens mudam, mas o enredo é sempre o mesmo.

O problema dessa concepção da história (juntamente com a concepção linear), comoobserva Giraldhelli, é que,

ao assumirem que existe um plano predeterminado da história, se identificamcom a postura conservadora, que leva os homens à passividade ou aooportunismo. Assim, os portadores da concepção linear argumentam que “tudojá está traçado”, que “o mundo é assim mesmo”, que “caminhamos para ojuízo final” etc. Os adeptos da concepção circular adiantam que “a história serepete”, que “sempre existiram e sempre existirão os pobres e os ricos” etc.Em ambas as posições aparecem sintomas do parasitismo, segundo o qual aúnica maneira de sobreviver é não afrontar os poderosos e viver dasrecompensas que os ricos, porventura, possam ceder aos pobres e aos lacaios(GIRALDHELLI Jr., 1986).

E mais: essas duas concepções não existem ao acaso, pois atendem a interesses político-sociais bastante claros, vinculam-se às teorias sociais funcionalistas, que enfatizam a integraçãosocial. Cardoso (2007) as resume da seguinte maneira:

A sociedade é vista como uma soma de indivíduos. Cada indivíduo, por suavez, é um ser delimitado, unificado, integrado, livre e transparente a si mesmo:um sujeito de conhecimento e um centro dinâmico de consciência, de emoção,de ação e de juízos. A complexidade, a estratificação social e o estado teriamsurgido das necessidades sociais. Os elementos básicos desta forma de pensarimplicam que: 1) os interesses sociais são compartilhados, mais do que opostos;2) no sistema social, predominam as vantagens comuns, mais do que o domínioe a exploração de uma minoria sobre uma maioria; 3) tal sistema se mantémmais pelo consenso do que pela repressão ou coerção; 4) as sociedades sãosistemas integrados que se modificam lentamente, em lugar de mudarem pormeio de rupturas descontínuas (revoluções) (CARDOSO, 2007).

É possível que até aqui você ainda esteja confuso. Isso porque, se eu digo que a histórianão se repete, você pode dizer que conhece exemplos que dão a impressão de que isso ocorre. Eagora, como resolver esse problema? A história se repete ou não se repete?

Tenha cuidado com as aparências, pois, como você já ouviu muitas vezes e até já deve terrepetido outras tantas, “as aparências sempre enganam”. É isso mesmo. Muitas vezes,escorregamos, deixando que as aparências nos orientem, conduzam nossas ações, porquantonos acomodamos ao que nossos sentidos nos permitem perceber de imediato e deixamos de fazer

Trazendo a discussão para o campo específico da educação, Dermeval Saviani, no livro Escolae Democracia, denominaria essas teorias funcionalistas de teorias não críticas, porque“entende[m] ser a educação um instrumento de equalização social, [concebem] a sociedadecomo harmoniosa, tendendo à integração dos seus membros. [A educação] constitui, pois,uma força homogeneizadora que tem por função reforçar os laços sociais, promover a coesãoe garantir a integração de todos os indivíduos no corpo social. [...] Como se vê, no querespeita às relações entre educação e sociedade, concebe-se a educação com uma amplamargem de autonomia em face da sociedade. Tanto que lhe cabe um papel decisivo naconformação da sociedade evitando sua desagregação e, mais do que isso, garantindo aconstrução de uma sociedade igualitária” (SAVIANI, 2003. p. 4-5).

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aquela perguntinha básica, que caracteriza uma tomada de posição crítica: Por quê? Sem essapergunta, nada mais fazemos além de descrever, relatar, narrar o que estamos percebendo e oque chamamos realidade. Ocorre que a realidade que enxergamos não é uma coisa dada, masalgo construído e em construção, isto é, tem uma história. E se ela se parece com realidadespassadas, não é porque haja repetição, mas permanência. Isso mesmo, a história é feita demudanças e de permanências. E o que permanece, pode acreditar, é o que predomina. Daí aaparência de que a história se repete. Então, convém perguntar: por que predomina o quepermanece?

Acho que a explicação pode ser encontrada nas teorias sociais que se opõem às daintegração social, que receberam o nome de teorias do conflito social ou teorias críticas, e queenfatizam o conflito, a luta de classes. Elas foram resumidas por Cardoso (2007), da seguintemaneira:

O Estado teria surgido em função do aparecimento de interesses divididos na sociedadeque se tornava complexa (tratar-se-ia da sociedade pós-tribal) e estaria baseado na dominação,na exploração, na coerção. Mais especificamente, as instituições governamentais de tipo estatal,fundamentadas no monopólio da força armada, na organização territorial, na cobrança de impostos,surgiram como mecanismos coercitivos e repressivos para resolver, em favor da posição privilegiadada classe dominante, os conflitos intra-societais que surgiam por causa da estratificação econômica(proprietários/não-proprietários dos meios de produção mais importantes) e social. A classedominante, para existir e manter-se como tal, explora e degrada as massas, a maioria da população(CARDOSO, 2007).

Essas teorias estão diretamente associadas a uma concepção da história que Giraldhelli(1986) concorda em denominar de história em zigue-zague, embora outros autores prefiram aexpressão história em espiral. Tanto faz, porque, se você imaginar o desenho de um zigue-zagueou de uma espiral, perceberá , imediatamente, a diferença desses desenhos em relação a umalinha ou um círculo. Aquelas figuras, o zigue-zague e a espiral, indicam que a história. Sedesenvolve entre avanços e recuos, sem predeterminações. Portanto, se desenvolve a partir deconfrontos entre as classes sociais. Quando uma classe, no caso atual, a classe dos trabalhadores,obtém conquistas, então entendemos que a história avançou, progrediu. Todavia, quando asforças sociais que representam a maioria da população são barradas, ou até mesmo semidestruídas,há, então, um retrocesso histórico.

É por isso que os defensores dessa concepção da história a entendem como uma interpretaçãoprogressista. Para ela, não existe plano histórico predeterminado. Os homens constroem de fatosua própria história, só que o fazem a partir de certas condições materiais determinadas, quemuitas vezes os obrigam a se organizar em classes. Tais classes não possuem os mesmos interessese, portanto, se entrechocam, propiciando os avanços e recuos da história. Os adeptos dessaconcepção admitem que o avanço histórico se efetiva quando as classes populares, que são amaioria, fazem valer seus interesses. Para eles, impõem-se a participação e o engajamento noprocesso social e na luta de classes (GIRALDHELLI Jr, 1986).

Tudo isso serviu para lhe dizer que o que permanece na história é o que interessa adeterminados grupos político-sociais porque eles se beneficiam com essas permanências, que sãoensinadas como uma repetição do passado. Esses ensinamentos se fazem por meio das agênciasque compõem a sociedade, a exemplo dos meios de comunicação de massa, como a televisão,por exemplo, com seus programas de auditório, novelas, noticiários e outras tantas atividades

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aparentemente ingênuas e descomprometidas; por meio ainda da igreja, da família e, pasmem, daescola, pelo menos, dependendo da forma como ela está sendo vivenciada.

Assim, quando colhemos informações sobre a situação em que se encontram a criança, aescola e a educação escolar do Brasil de hoje e a do passado, a primeira impressão que temos éde que a história se repete. Aliás, basta olhar para o Estado da Paraíba, que é um retrato doBrasil. O Jornal “Correio da Paraíba” de Domingo, 30 de setembro de 2007, no Caderno “Cidades”,exibiu o seguinte quadro, tendo como fontes PNAD/2006; INEP/MEC e Instituto Paulo Montenegro:

Três domingos antes, no dia 9 de setembro, o mesmo “Correio da Paraíba” abordava aquestão do ensino a partir dos professores. As manchetes eram bem elucidativas: 28 milprofessores na PB são tapa-buraco: Docentes sem licenciatura acabam comprometendo aformação de alunos, principalmente do ensino médio; Carreira no magistério não atrai jovens:Estudo atribui desinteresse aos baixos salários, falta de condições de trabalho e à violência naescola; 50% dos docentes sem licenciatura: APLP diz que rede estadual tem formados, masmuitos atuam em áreas para as quais não foram qualificados; Alunos fracos são reflexo doensino ruim: 68% dos estudantes chegam à 4ª série sem saber ler e 67% sem desenvolverhabilidades matemáticas.

No passado, as coisas não eram muito diferentes. Nicolaci-da-Costa, em artigo publicadona Revista Ciência Hoje, conta que

Em 1933, <Graciliano Ramos> foi nomeado diretor da Instrução Pública deAlagoas. Embora qualificasse a medida de “disparate administrativo”, pôs mãosà obra. Após um balanço da situação das escolas primárias, tomou decisõesque, muitas delas, causaram escândalo: não construir nenhuma escola nova,num estado carente delas; em vez disso, fazer cozinhas nas que já existiame, como constatara, estavam às moscas (a merenda escolar nunca foracogitada no país); encomendar fardos de sarja azul e morim branco e sapatospara vestir e calçar a meninada; efetivar as mestras de roça, sem diploma,mediante concurso.[...] Passados 55 anos, boa parte da literatura produzida no campo da educaçãoe as estatísticas divulgadas pelos órgãos oficiais dão conta de que os problemasbásicos da escola pública de primeiro grau no Brasil são aqueles mesmospercebidos por Graciliano em Alagoas... (NICOLACI-DA-COSTA, 1988, p. 40).

767 mil é o número de analfabetos com mais de cinco anos de idade, em todo o Estado. Elesrepresentam 23,1% da população;21,7% dos analfabetos são crianças de cinco a 14 anos; 10,7% são jovens entre 15 e 29anos e 67,6%, adultos maiores de 30 anos;56,7% dos analfabetos (435 mil) são homens;43,3% (332 mil) são mulheres;64,1% vivem na zona urbana;35,9% são da zona rural;112 mil crianças freqüentavam a 1ª série do Ensino Fundamental, sendo que 84 mil eram dacidade e 28 mil, do campo;23,3% dos alunos da primeira série são reprovados e 13,4% abandonam a escola;97,1% das crianças de 7 a 14 anos freqüentam a escola, mas 68,2% dos estudantes quechegam à 4ª série não desenvolvem as habilidades básicas de leitura e 67% apresentamgraves deficiências em Matemática;Apenas 14% dos jovens e adultos com idades entre 15 e 64 anos atingem um grau de plenoletramento, desenvolvendo as habilidades de leitura/escrita e raciocínio matemáticonecessárias para terem um bom desenvolvimento pessoal e profissional.

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Vinte anos depois do artigo de Costa, a mesma realidade: repetição ou permanência? Porque essa permanência, depois de tantas promessas de políticos profissionais em tempo decampanha eleitoral, tantas leis, reformas educacionais, criação de novos organismos e liberaçãode vultosas somas em dinheiro para fins educacionais, introdução de novas tecnologias nosistema escolar... e novas pedagogias? No entanto, as mudanças não chegam, ou são muitopouco perceptíveis. Significa dizer que alguma coisa está faltando. Vamos pensar a respeito?

Graciliano Ramos de Oliveira (Quebrangulo, 27 de outubro de 1892 — Rio de Janeiro, 20 de marçode 1953) foi um escritor, romancista, cronista, contista, jornalista e memorialista brasileiro do SéculoXX.

Primogênito de dezesseis filhos do casal Sebastião Ramos de Oliveira e Maria Amélia Ramos,viveu os primeiros anos em diversas cidades do Nordeste brasileiro. Terminando o segundo grau emMaceió, seguiu para o Rio de Janeiro, onde passou um tempo trabalhando como jornalista. Voltapara o Nordeste em setembro de 1915, fixando-se junto ao pai, que era comerciante em Palmeirados Índios, Alagoas. Neste mesmo ano casa-se com Maria Augusta de Barros, que morre em 1920,deixando-lhe quatro filhos.

Foi eleito prefeito de Palmeira dos Índios em 1927, tomando posse no ano seguinte. Manter-se-ia no cargo por dois anos, renunciando a 10 de abril de 1930. Segundo uma de suas auto-descrições, “(...) Quando prefeito de uma cidade do interior, soltava os presos para construíremestradas.” Os relatórios da prefeitura que escreveu nesse período chamaram a atenção de AugustoSchmidt, editor carioca que o animou a publicar Caetés (1933).

Entre 1930 e 1936 viveu em Maceió, trabalhando como diretor da Imprensa Oficial e diretor daInstrução Pública do estado. Em 1934 havia publicado São Bernardo, e quando se preparava parapublicar o próximo livro, foi preso em decorrência do pânico insuflado por Getúlio Vargas após aIntentona Comunista de 1935. Com ajuda de amigos, entre os quais José Lins do Rego, conseguepublicar Angústia (1936), considerada por muitos críticos como sua melhor obra. É libertado emjaneiro de 1937. As experiências da cadeia, entretanto, ficariam gravadas em uma obra publicadapostumamente, Memórias do Cárcere (1953), relato franco dos desmandos e incoerências da ditaduraa que estava submetido o Brasil.

Em 1938 publicou Vidas Secas. Em seguida estabeleceu-se no Rio de Janeiro, como inspetorfederal de ensino. Em 1945 ingressou no Partido Comunista Brasileiro (PCB), de orientação soviéticae sob o comando de Luís Carlos Prestes; nos anos seguintes, realizaria algumas viagens a paíseseuropeus com sua segunda esposa, Heloísa Medeiros Ramos, retratadas no livro Viagem (1954).Ainda em 1945, publicou Infância, relato autobiográfico.

Adoeceu gravemente em 1952. No começo de 1953 foi internado, mas acabaria falecendo em20 de março de 1953, aos 60 anos, vítima de câncer do pulmão.O estilo formal de escrita e a caracterização do eu em constante conflito (até mesmo violento) com omundo, a opressão e a dor seriam marcas de sua literatura.

Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Graciliano_Ramos>. Acesso em: 29 abr. 2008.

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1) Reunam-se em grupos de 5 colegas de turma e elaborem, em conjunto, entre 5 e 10 questõesa ser feitas a membros de uma bairro de sua cidade, de modo que cada grupo de 5 colegas fiqueresponsável por um bairro diferente, não importando a classe social dominante no bairro escolhido.

- Essas perguntas têm de ser voltadas para os temas educação escolar, alimentação, saúde ehabitação, devendo estar inter-relacionados;

- As perguntas têm de ser as mesmas para todos os entrevistados, que devem ser em número de5, por bairro;

- Nenhuma pergunta pode permitir resposta do tipo “sim”, “não”, “bom”, “ruim”, “muito”, “pouco”,quer dizer, não é um questionário, mas uma entrevista.

a) Registre as respostas, seja num caderno ou num gravador;

b) Agora, cada grupo deve sintetizar as respostas que receberam, observando o que há decomum e o que há de diferente entre elas;

c) Feito isso, voltem a se reunir no grande grupo, de posse de todas as sínteses, para, então,proceder a uma nova síntese – façam isso registrando todas as respostas num grande quadroparietal ou num computador; discutam tudo o que coletarem;

d) Passo final: cada grupo de 5 pessoas deve elaborar um texto de duas laudas (fonte “timesnew roman”, número 12, espaçamento 1,5), ocupando todos os espaços da folha de papel A4,apresentando o resultado da sua pesquisa.

2) Você observou, no texto que Graciliano Ramos escreveu, algumas obras em parceria. Ele eseus parceiros escritores fazem parte do modernismo brasileiro. Agora, o que peço é o seguintedesafio a ser vencido em grupo formado por 5 pessoas (pode ser o mesmo grupo do desafioanterior):

a) Apresente em uma lauda de papel A4, conforme o modelo que tem sido definido, um estudoresumido sobre o modernismo brasileiro, enfatizando as características desse movimento literário,explicando-as. Para responder a esse desafio, não faltam livros didáticos de Literatura e artigosna Internet;

b) Procure (o grupo), na sua cidade ou na região, um escritor (de poesia ou prosa), artistaplástico (desenhista, escultor, ceramista) ou qualquer outro artista (popular, inclusive, comocantadores, repentistas...) vivo ou falecido, que possa ser identificado com o modernismo. Aseguir, produza um texto de uma lauda, segundo o modelo já conhecido, sobre esse artista. Nãose esqueça de justificar porque ele é considerado um modernista.

Em caso de dificuldade, procure professores de História e de Literatura que possam orientá-lo.

DESAFIOS

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AULA 6: A EXPANSÃO DA ESCOLA ENTRE AS DÉCADAS DE 1930 E 1960

Entre os primeiros anos da década de 1930 e os últimos da década de 1960, verificou-segrande expansão da educação escolar brasileira. Aumentaram o número de matrículas e a quantidadede escolas. Essa expansão do ensino não se constituía um fato natural, simples prolongamentodo crescimento demográfico, mas respondia às exigências do processo de modernização(industrialização e urbanização) da sociedade.

Mas não pense que é só a sociedade se modernizar, e a escola chegar. A não ser parapoucos, os mais ricos. Então, os marginalizados reclamam escolas, principalmente, quando elassão apresentadas como instrumento de ascensão social. De ascensão política, também, isto é,de ferramenta para o exercício da cidadania, compreendido como o direito ao voto. Isso, numpaís que, até 1988, negava-o aos analfabetos.

Assim como hoje, pedagogias, ou tendências pedagógicas, circulavam e se confrontavamnessas escolas. Afinal, o Brasil estava se modernizando, ingressando no rol das sociedadesmodernas, na era do “novo”. O ano 1930 não assinalou o começo da República Nova, em comparaçãocom o período anterior, a República Velha? Impunha-se, então, formar o homem novo. Para tanto,as propostas vinham dos autodenominados educadores novos, da igreja católica, dos integralistase dos militares, que viam a escola como a grande instituição moderna capaz de viabilizar essaformação. Se já havia escolas, restava expandi-las. É o que veremos nesta aula.

A população brasileira atual (dados de 2002) chegou a 174 milhões de habitantes. Prevê-seque, em 2050, chegará aos 247 milhões. Assim, em 50 anos, um crescimento demográfico depouco mais de 40%. O que é muito, só comparável a países subdesenvolvidos (também chamadosemergentes, periféricos em desenvolvimento, do terceiro mundo), como Índia, China, Paquistão,Nigéria, Bangladesh, Indonésia.

Como ensina Brandão (1982), “Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua,na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos, todos nós envolvemos pedaçosda vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Parasaber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vidacom a educação”. Assim, a educação, para existir, prescinde de escola, pois, comodiz Saviani (2003), “a educação é um fenômeno próprio dos seres humanos”.

Segundo Brandão (1982), “quando o trabalho que produz os bens e quando o poder quereproduz a ordem são divididos e começam a gerar hierarquias sociais, também o saber comumda tribo se divide, começa a se distribuir desigualmente e pode passar a servir ao uso políticode reforçar a diferença, no lugar de um saber anterior, que afirmava a comunidade”.Brandão continua: “Então é o começo de quando a sociedade separa e aos poucos opõe: oque faz, o que se sabe com o que se faz e o que se faz com o que se sabe. Então é quando, entreoutras categorias de especialidades, aparecem as do saber e de ensinar a saber. Este é ocomeço do momento em que a educação vira o ensino, que inventa a pedagogia, reduz aaldeia à escola e transforma ‘todos’ no educador” (BRANDÃO, 1982, pp. 7 e 27).

No mundo das classes sociais, assim como no mundo primitivo, embora em outro nível, asociedade também é a grande agência educadora. Na modernidade, por circunstânciashistóricas, a escola foi alçada a tamanha responsabilidade educativa que hoje é impossívelpensarmos em educação sem relacioná-la à escola.

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Mas, se compararmos a taxa de crescimento demográfico atual com a que o Brasilapresentava entre o início da década de 1930 e o final da década de 1960, chegaremos a outraconclusão. Durante esse período, nossa população passou de quase 40 milhões para pouco maisde 90 milhões, o que significa dizer que, em apenas 30 anos, a população brasileira cresceu maisde 100%, isto é, mais que dobrou. Esse dado nos permite afirmar que, comparando-se as duasépocas, o crescimento populacional brasileiro é, atualmente, lento. Só não é mais, talvez, porqueo número de adolescentes que se tornam mães é cada vez maior.

Assim como acontece hoje com pós-modernidade, novos paradigmas, sustentabilidade,o tema do subdesenvolvimento era a coqueluche dos anos 1950-1960. Não era para menos:as desigualdades entre as regiões do globo alcançavam níveis alarmantes, levando amplossetores da sociedade civil e política a discussões em torno do assunto na busca de soluções,dizia-se. Construíram-se teorias (a da Dependência, por exemplo), criaram-se órgãos (a exemploda SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), elaboraram-se planos,liberaram-se verbas e mais verbas...

Parece que a expressão subdesenvolvimento saiu do mapa, mas o problema persiste. Talvez, aindamais gravemente. Apesar da queda das taxas de mortalidade infantil, do crescimento demográfico, doanalfabetismo (?) e dos indicadores tradicionalmente usados para medir o nível de desenvolvimento dassociedades. Pelo que vemos, a distância entre os países e entre as classes sociais acentua-se a cada dia.

Para discutir essa questão, seria interessante começar pela leitura do que o colunista Mário Prataescreveu, respondendo à pergunta que ele mesmo formulou: “A gente é o que mesmo?” (Revista ISTOÉ,1497, 10-6-98, p. 167).

Para aprofundar, por que não voltar no tempo e conhecer trabalhos de quem viveuàquela época e escreveu apaixonadamente sobre o tema? São exemplos: o sociólogo mexicano,Rodolfo Stavenhagen, autor das “Sete teses equivocadas sobre a América Latina”, escrito de1965, e o jornalista uruguaio, Eduardo Galeano, autor de As veias abertas da AméricaLatina (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970). Este último encontra-se disponível, gratuitamente,na internet, bastando acessar o “Google” e escrever o nome do livro.

Segundo Julienne Gananian, “Cresce, cada vez mais, o número de meninasgrávidas. Um em cada quatro dos partos atendidos pela Rede Hospitalar do SUSé de mulheres abaixo de 19 anos. Adolescentes que ainda estão se transformandofísica e psicologicamente dão à luz e ganham a responsabilidade de criar esustentar uma outra criança. Os números assustam: no ano passado [2000],foram mais de 32.000 partos de meninas entre 10 e 14 anos.

Para Gananian, “A gravidez precoce tornou-se um problema de saúde pública não sóno Brasil, mas no mundo inteiro”. Gláucia Motta Bueno afirma que, nos EUA, entre 1975 e1989, a porcentagem dos nascimentos de adolescentes grávidas e solteiras aumentou 74,4%,e que, em 1990, os partos de mães adolescentes representaram 12,5% de todos osnascimentos no País. Segundo ela, “No Brasil, a cada ano, cerca de 20% das crianças quenascem são filhas de adolescentes, número que representa três vezes mais garotas commenos de 15 anos grávidas que na década de 70”.

Como enfrentar a questão?Segundo Gananian, “Nos Estados unidos, a ex-primeira dama, Hillary Clinton,recomendou a abstinência sexual para diminuir as estatísticas. Na França, oMinistério da Saúde autorizou que as adolescentes tomassem, com a supervisãodas enfermeiras escolares, a pílula do dia seguinte, sem necessidade de receitamédica”.Como você, em sua escola, abordaria essa questão?Confira em:http://www.clicfilhos.com.br/site/display_materia.jsp?titulo=Gravidezhttp://globallone.sites.uol.com.br/infantil/adolesc3.html

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À primeira vista, não deveria ser assim. Dados estatísticos revelam que a taxa de mortalidadeinfantil caiu muito entre nós, assim como aumentou a taxa de longevidade, o que contribuiria paramanter a demografia em alta. Ocorre que nossa taxa de fecundidade vem caindo progressivamente,situando-se em 2,15 (número de filhos por casal), no ano 2005, puxando o crescimento demográficopara baixo. Quer dizer: já não se fazem mais meninos como antigamente! Para confirmar, vocênão precisa ir muito longe. Basta perguntar aos seus pais e aos pais da maioria dos seus vizinhose conhecidos quantos filhos os pais deles tiveram. Filhos demais, não? Só não aceite que elesdigam que foi por falta de televisão.

Vive-se melhor porque se têm menos filhos ou têm-se menos filhos porquese vive melhor? A pobreza da maioria das pessoas decorre do grande número defilhos dos pobres ou do alto nível de consumo dos ricos? Poderiam os pobres seracusados do crescimento da pobreza no mundo quando países ricos atraempopulações de países pobres para manter sua economia funcionando? A pobrezaverificada na maior parte do mundo decorre da escassez da produção ou da grandeconcentração da renda?

É interessante que você conheça o problema teoricamente. Por exemplo, em 1798, opastor anglicano, Thomas Robert Malthus, em seu livro, Um ensaio sobre o Princípio daPopulação, profetizou, comparando o crescimento da taxa de crescimento demográfico (emprogressão geométrica: 2, 4, 8, 16, 32) com a produção de alimentos (em progressãoaritmética: 2, 4, 6, 8, 10), um futuro sombrio para seu país, a Inglaterra, e para a humanidade.O que não se verificou, pois a população inglesa, no Século XIX, pulou de 9 para 40 milhõesde habitantes.

Moralista, logo, contrário aos métodos contraceptivos, ele propôs o que mais de doisséculos depois proporia a batista norte-americana Hillary Clinton.

A profecia de Malthus falhou, pois ele, simploriamente, não enxergou a possibilidadedo avanço tecnológico aplicado à produção. Seus seguidores, os neomalthusianos, visandoa fazer sobreviver a crença de que a fome, a pobreza e a miséria decorrem do crescimentopopulacional, deslocaram a explicação de sua causa do índice de fertilidade para a revoluçãomédico-sanitária (vacinas, remédios, atendimento em postos de saúde). Da mesma maneira,deslocaram a solução para o problema: ao invés de esperarem que guerras, epidemias ecatástrofes naturais fizessem subir as taxas de mortalidade, recorrem à distribuição deanticoncepcionais e esterilização em massa.

Toda essa preocupação dos ricos é com a situação dos pobres ou com o risco que istopode representar para os próprios ricos? O que fazer se o crescimento populacional forcontido, mas a fome, a pobreza e a miséria persistirem?

É verdade que a taxa de mortalidade infantil era muito alta naqueles tempos, mas osadultos insistiam em fazer crianças, e estas insistiam em viver. Melhor dizendo, em sobreviver. Etome gente!

Acredito que, até agora, você está pensando que esta aula é de geografia, economia, ououtra coisa qualquer, menos de história da educação. Mas eu lhe digo que não, e provo. Vejabem: você tem ouvido, a três por quatro, que, quanto mais o povo é educado, mais controla anatalidade. Logo, a escola tem o papel, também, de contribuir para o controle de natalidade dassociedades. Mas, pelo que vemos, a escola brasileira, desde os anos 1930, foi expandida aomesmo tempo em que a população crescia. Se o crescimento da população, ultimamente, temsido menor, seria por causa do aumento do nível de escolaridade dos nossos jovens? Lembre queo número de adolescentes que se tornam mães é cada vez maior e que são adolescentes quefreqüentam a escola. Tanto que o tema “gravidez precoce” é objeto de constantes debates nasnossas escolas, principalmente as públicas.

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Vejamos outra questão. O maior crescimento de nossa população se dá, sobretudo, nosmeios sociais mais pobres, na zona rural e na periferia das cidades, onde se amplia a favelizaçãoe tudo o que decorre dela. Se a educação escolar não tem conseguido muito ajudar a frear ocrescimento populacional brasileiro (ao que parece, isso ocorre mais por meios repressivos emoralistas do que educativos), o que ela pode fazer diante do fenômeno da favelização e de seusefeitos? Esse poder atribuído à educação não seria uma forma de mistificá-la? Reflita a respeito.

Vamos para outra?

Se nossa população era constituída, sobretudo, de jovens (cerca de 40% dela ainda nãocompletara 15 anos de idade em fins da década de 1960, um quadro só levemente diferente doapresentado nos anos 1930), hoje é uma população que envelhece. Segundo dados do IBGE(2002), em 1940, o percentual de jovens (entre 0 e 19 anos) era de 55,42%, e o de idosos (60anos ou mais), era de 4,06%. Em 2000 esses índices já eram de 40,16% e 8,75%, respectivamente.

Ora, o que provocou essa mudança? Morria-se cedo no Brasil? Por quê? Apesar do crescimentoe do envelhecimento da população brasileira, ainda morrem muitos jovens no Brasil. Os motivossão os mesmos? Quais as implicações de uma população predominantemente jovem ou velha paraa economia de um país? Num caso ou noutro, onde haverá maiores gastos com educação?

Se você já percebeu que não estamos fugindo do assunto, educação, acho que podemoscontinuar.

Quando se pensa em educação, pensa-se na formação das novas gerações, seu preparopara a vida societária, participativa e, dentre outros, que lhes abra perspectivas. Você verificaisso no Brasil de hoje? E no Brasil do período que estamos estudando? Por que se lutou tantonaquele período por educação escolar? Ainda hoje, luta-se no mesmo nível? Por quê? Hoje, existegarantia de emprego para quem estuda? E no período objeto de nosso estudo? Você concordacom que quem não estuda deve ser excluído do emprego ou só exercer empregos de menorreconhecimento social? Por quê? E se o não estudar não foi fruto de opção, mas de contingências?Agora, que a população brasileira envelhece, chega à velhice tendo recebido uma educaçãoprecária, além de ser expulsa precocemente do mercado de trabalho, a educação escolar temalgum papel a desempenhar nesse processo? Fala-se muito em educação para a terceira idade.Como, se a da primeira ainda não foi resolvida?

Até onde vai o poder da educação? Cambi (1999) afirma que, “Na épocacontemporânea, afirmou-se e cresceu o ‘mito da educação’ (CAMBI, 1999, p.390). Eu pergunto a você: o que é um mito, em que ele consiste? Só existemmitos antigos, como os dos nativos da América, dos primeiros gregos ou dosautores da Bíblia? O que dizer dos mitos modernos, como os do desenvolvimento,da democracia e, por que não, da educação? A partir de quando a educaçãose torna um mito, ou, em outras palavras, em que consiste o mito da educação?

Para que você reflita sobre essas questões, sugiro que consulte “O poderdo mito”, entrevista concedida por Joseph Campbell ao jornalista Bill Moyers;o capítulo “Os mitos”, do livro de Jostein Gaarder, O Mundo de Sofia. A partirdaí, leia o item 4 (“Mitos da educação”), capítulo I, Parte IV do livro deFranco Cambi, História da pedagogia.

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Verdade seja dita: o ensino fundamental, que o Estado brasileiro elegeu como obrigatório nadécada de 1990, está quase universalizado no Brasil. Vagas são oferecidas em quantidadesatisfatória, não restam dúvidas, mas nossas crianças conseguem permanecer na escola aolongo dos nove anos obrigatórios, ininterruptamente? Elas conseguem concluir a nona série notempo regulamentar? Se não, por quê? Mesmo as que conseguem permanecer os nove anosobrigatórios na escola aprendem? Não penso apenas no que elas devam aprender para se safarem exames, testes, concursos, o que já significaria um grande passo dado pela escola. Penso,também e, sobretudo, na aquisição de conhecimentos, de saberes que lhes permitam dar significadoàs coisas, fazer desse aprender um instrumento não apenas do fazer, mas também do conviver edo ser. O que você acha? Pense a respeito disso.

Espero, mais uma vez, tê-lo convencido de que não estamos fugindo do assunto. É assimmesmo. A história da educação tem de estar relacionada com outros campos do conhecimento,como a geografia, a economia... Também com as outras trilhas que fazem parte do seu percurso.Assim sendo, vamos continuar.

A população cresce, em geral, porque, em situações normais,verificam-se mais nascimentos do que mortes. É o que chamamos decrescimento vegetativo. Aliás, isso também ocorre com as demaisespécies animais, como bem provou, no Século XIX, Charles Darwin,no livro, Origens das espécies.

Pode acontecer, também, de um país ou região conhecer, emdeterminadas épocas, maior expansão populacional, seja devido aoaumento da natalidade, estimulado ou não, seja em função demovimentos migratórios, como aconteceu no Brasil, devido à expansãoda economia cafeeira, desde o último quartel do Século XIX, entrandopelo Século XX, com a industrialização. Certamente, você não podedesconectar esses fatos da abolição da escravidão negra brasileira(1888) e dos problemas existentes na Europa de então, continentede onde veio a maior parte dos imigrantes.

Isso também pode ocorrer na relação entre as classes sociais,quer dizer, você pode verificar maior índice de crescimento vegetativonuma classe social do que em outra, como ocorre entre as pessoasde nível sócio-econômico mais baixo. Você pode encontrar, ainda,maior crescimento populacional em uma região do que em outra domesmo país. Por exemplo, os imigrantes europeus de quem falamosdirigiram-se mais para a região brasileira que denominamos Sudeste.Era a terra do café. Como a indústria também prosperou ali, aquelaera uma área de atração populacional. Por isso, muitos brasileiros deoutras regiões, como o Nordeste, para lá se transferiram. E mais:para as cidades que sobrepujaram, paulatinamente, o campo.

Segundo Otaíza Romanelli (1997), a população brasileira, entre1920 e 1970, saltou de 30.635.605 para 94.501.554 51 habitantes.Esse crescimento demográfico, associado à indústria e à cidade,

Por que populaçõesmigram, deslocam-se? Épor simples desejo demudar, porque o lugar ondevivem expulsa, um novolugar atrai ou por tudoisso? As migrações têmcaráter temporário oudefinitivo?

Observe que o Brasil éum país de imigrantes.Você sabe que uma ououtra manequim brasileiraemigra, um ou outrojogador de futebol, um(a)ou outro(a) rapaz(moça)de programa faz o mesmo,mas, até agora você nãopresenciou levas debrasileiros em busca deoutra pátria, como fizeramalemães, espanhóis,portugueses, italianosjaponeses e outros tantospara o Brasil. Por quê? Vocêjá parou para pensar qualo efeito dessas imigraçõessobre nossa política deeducação escolar?

A cidade onde vocêreside é um centro deimigração ou deemigração? Por quê?

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traria fortes repercussões sobre a educação escolar. Nesse mesmo período, as matrículas naescola primária cresceram muito mais: de 1.033.421 para 13.906.484. Assim, se a populaçãobrasileira pouco mais que triplicou, as matrículas na escola primária mais que decuplicaram. E osadultos que não foram atendidos por essa escola nas idades próprias foram-no pela educaçãosupletiva de adolescentes e adultos analfabetos, promovida por ações de governos estaduais epela União, como a Campanha de Educação de Adultos, instituída em 1947, e o MovimentoBrasileiro de Alfabetização (Mobral), criado em 1967. Essas ações não conseguiram erradicar oanalfabetismo no Brasil, de modo que, se dos 23.639.769 jovens com 15 anos ou mais, em 1940,13.279.899 eram analfabetos, em 1970, dos 54.336.606 de brasileiros nessa faixa etária, eram-no 17.936.887. Como se vê, o percentual caiu, mas, em termos absolutos, o número aumentou.Ainda hoje, com a chamada universalização do ensino fundamental (que já aponta para auniversalização do conjunto da educação básica), os números continuam altos. Como você viuna aula anterior, quando nos referimos à situação educacional na Paraíba, um pequeno-granderetrato do Brasil. Isso sem falar no analfabetismo potencial ou no alfabetismo funcional, que vocêjá conhece muito bem e, que, até recentemente, não faziam parte das estatísticas.

No ensino médio, o crescimento do número de matrículas foi ainda maior do que no primário.Segundo Romanelli, entre 1920 e 1970, o número de matrículas, nesse nível de ensino, pulou de109.281 para 4.989.776. Também houve crescimento no ensino superior. De 1932 a 1964, asmatrículas saltaram de 15.943 para 112.641.

A partir desse quadro, a impressão que se tem é de que asociedade brasileira se fazia cada vez mais democrática, porque maisgente estava na escola. Ora, essa é a fala de pessoas que nãopensam no que dizem. Empolgam-se com números, deixando-se levarpela quantidade, sem se preocupar com a qualidade e com ascondições sob as quais aqueles números acontecem. Além disso,intencionalmente ou não, fazem uso indevido de certas palavrascomo democracia. Tento explicar.

Em primeiro lugar, seria interessante você fazer leituras que oajudem a perceber a diferença entre democratização e massificação.Essas leituras também o ajudarão a entender que não há democraciaeducacional, democracia política ou outra qualquer, enquanto sereproduzirem, como no caso brasileiro, fortes desigualdades sociais eas condições que as geram. Lembre-se do que escreveu João Fragoso,citado na Aula 3 da nossa Unidade I.

Em seguida, observe que ainda são muito grandes os índicesde evasão e repetência em nossas escolas de educação básica. Sónão são maiores porque são acobertados por mecanismos inventadospelo Estado para a promoção dos alunos. Sem esquecer que muitosprofessores, mesmo reclamando das políticas de avaliação escolardos governos, também inventam os seus para se livrarem mais cedodesses alunos. Como resultado, temos alunos que concluem a educação básica em condiçõespouco satisfatórias, diria mesmo, de semi-analfabetismo, ingressando nos cursos de nível superiorda forma como bem conhecemos.

Não nos iludamos. Paraque uma escola sejaconsiderada de qualidade,democrática, cidadã,popular ou que recebaoutro adjetivo qualquer,tão ao gosto de muitosdemagogos, não basta quemais pessoas lhe tenhamacesso. Nem que elaspermaneçam na escola,porque isso pode serconseguido por meio deartifícios, como você, que jáatua em sala de aula, bemconhece. Tudo isso éimportante, mas vira letramorta se o aluno nãoaprende. E, parece-me,esse é o grande problemado nosso ensino, hoje: acriança não aprende. Comoresolver essa questão?

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Outro ponto: a expansão da educação brasileira não se deu apenas pelo aumento donúmero de matrículas, mas também pelo aumento das unidades escolares, sobretudo sob ainiciativa privada. Você tem dúvidas? Foi privada, mesmo! O problema é que, olhando ao redor,você tem uma impressão diferente. Afinal, na sua cidade, você vê a maioria das crianças e dosadolescentes freqüentando escolas públicas. Manuseando dados estatísticos, você pode atépartir para a briga, em defesa de suas impressões. O quadro abaixo parece lhe dar razão, aomenos quando se trata do ensino básico. Mas dê uma olhada mais cuidadosa na última linha doquadro e verá que, no ensino superior, há mais matrículas nas escolas privadas do que naspúblicas. Sabe por quê? Acompanhe meu raciocínio.

Já faz tempo que a educação escolar é um bom negócio para quem busca rendimento parao seu dinheiro. A princípio, não tanto para o ensino pré-escolar, porque, no processo deindustrialização brasileira, os empregos eram majoritariamente masculinos e, por tradição, asmulheres permaneciam no lar. Não faz muito tempo, levantamentos de dados sobre a estruturafamiliar por ocupação registravam maior número de mulheres fora do mercado de trabalho, como“domésticas”, “do lar”, e suas atividades no lar incluíam o que seria absorvido, mais tarde, pelacreche e pela pré-escola.

Foi somente com a maior inserção da mulher no mundo do trabalho, em atividades quecontribuíssem para um melhor padrão de vida familiar, que ela transferiu o cuidado das suascrianças para a pré-escola. Nem tanto para a creche, coisa de pobre, ela achava, preferindo ababá. E quando não tem a babá, a criança é colocada num “berçário” ou “maternalzinho”.

Fonte: Educação <http://pt.wikipedia.org/wiki/Pernambuco>. Acesso em: 08 dez. 2006.

Se havia uma atividade profissional que comportava muitas mulheres, essa erao magistério, principalmente da escola primária. Diga-se de passagem, exercidacomo um sacerdócio. Em 1935, elas já representavam 85% do professorado e,em 1958, 93%.E lá estava a “tia”, a “professorinha”, já homenageada quando ainda na fase daformação profissional. Como na música “Normalista”, composta por BeneditoLacerda e Davi Nasser, em 1949, interpretada por Nelson Gonçalves:

Vestida de azul e branco/ Trazendo um sorriso franco/ No rostinho encantador/ Minha lindanormalista/ Rapidamente conquista/ Meu coração sem amor.“Eu te trazia fechado/ Dentro do peito guardado/ Meu coração sofredor/ Estou bastante inclinado/A entregá-lo ao cuidado/ Daquele brotinho em flor.Mas a normalista linda/ Não pode casar ainda/ Só depois de se formar/ Eu estou apaixonado/O pai da moça é zangado/ E o remédio é esperar.

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Kramer (1982) afirma que “A educação pré-escolar começou a ser reconhecidacomo necessária tanto na Europa quanto nos estados Unidos durante adepressão de 30. Seu principal objetivo era o de garantir emprego a professores,enfermeiros e outros profissionais e, simultaneamente, fornecer nutrição,proteção e um ambiente saudável e emocionalmente estável para criançascarentes de dois a cinco anos de idade” (KRAMER, 1982, p. 26).

Foi também em meio à depressão de 30 que o presidente norte-americano do partidodemocrata, Franklin Delano Roosevelt (1933-1945), por meio de programas de reformasconhecidos como New Deal (Novo Tratamento), estabeleceu um vasto programa de obraspúblicas, absorvendo a mão-de-obra ociosa, diminuiu a jornada de trabalho, tornou ossindicatos legais, dinamizou a previdência social, criou o seguro desemprego... Era a políticado Welfare State (Estado de Bem-estar, ou Estado Providência). E, prevendo a guerra (2ªGuerra Mundial) que se aproximava, investiu na indústria bélica. Estado do Bem-estar?O combate ao desemprego, promovido por Roosevelt, não era um ato de boa vontade, masfruto de uma política econômica encabeçada por John Keynes, visando à superação da crisepela qual passava o sistema capitalista. Vários países do mundo seguiram, ao seu modo, areceita keynesiana. Você a encontraria nos países nazi-fascistas e nos ditos socialistas,como a ex-União Soviética. O Brasil de Getúlio Vargas faria o mesmo. Veja a legislaçãotrabalhista de Vargas: uma cópia da Carta del Lavoro, da Itália de Benito Mussolini.Roosevelt ainda assumiu o controle da produção agrícola e industrial para evitar asuperprodução, inclusive queimando grande quantidade de trigo. A Argentina destruía uvas,e o Brasil, café. Visando a salvar os cafeicultores, Vargas comprou e destruiu, entre 1931 e1944, 78 milhões de sacas de café. Sabe como? Jogando ao mar ou usando como combustívelpara locomotivas.

Atribuir a responsabilidade sobre a educação da criança pequena ao espaço extra-familiar,naqueles tempos, tanto era uma prática das famílias mais pobres, que boa parte das mães queprocuravam as creches eram empregadas domésticas. Ao mesmo tempo, esse espaço, a creche,guardava caráter assistencial, cuidando, basicamente, da saúde, da alimentação, do combate àmortalidade infantil.

Quanto à educação pré-escolar, trata-se de uma realidade pós-1970, quando se observavauma crescente evasão escolar e repetência das crianças sócio-economicamente pobres no entãoensino de primeiro grau. Daí seu caráter compensatório, visando a suprir as carências culturaisexistentes entre as famílias dessas crianças. É claro que, se a existência da pré-escola só sejustificasse por essas razões, dificilmente o setor privado se interessaria por ela, porque voltadapara um público de baixa renda, mas, a partir dos discursos de pedagogos que alardeavam asvantagens da educação pré-escolar sobre a exercida pela família, no processo de socialização ede aquisição, pelas crianças, dos instrumentos que lhes proporcionassem melhor aproveitamentona futura vida escolar. Empresários, ávidos por novos mercados, perceberam a possibilidade deexplorar a educação pré-escolar, agora que havia um mercado em potencial.

Essa é a pré-escola da classe média e dos remediados, que atende a uma clientelanumericamente pouco inferior àquela que procura o setor estatal. Pudera, pois até os professoresda pré-escola estatal, apesar dos baixos salários, das frágeis condições materiais, procuram aempresa privada para seus filhos! Você já refletiu sobre por que isso acontece?

Voltando à tabela, nas linhas referentes aos ensinos fundamental e médio, a distâncianumérica entre as escolas pública e privada, quanto às matrículas, em favor das públicas, podefazer-nos pensar que essa fatia do mercado não interessa ou nunca interessou ao setor privado.Ledo engano. Segundo Clarice Nunes (2000), ao longo do período histórico situado entre os anos1930 e 1960, registrou-se grande expansão do ensino secundário (nossos atuais ensinos de 5ª a

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9ª série e ensino médio). Suas matrículas atingiram 490% de aumento, entre 1933 e 1954. Vocêsabe por quê? É verdade que as camadas subalternas da sociedade pressionavam o Estado, pormeio de políticos profissionais, por oportunidades educacionais para seus filhos, educação escolarque era, até então, privilégio. Mas não se iluda: esses mesmos políticos eram pressionados porempresários que tinham os olhos em cima do ensino secundário. Explico.

Um caso típico aconteceu no, então, Estado da Guanabara, sob o governo de CarlosLacerda, entre 1960 e 1965. Ainda segundo Nunes (2000), esse governador promoveu a expansãoescolar primária, estabelecendo a obrigatoriedade de ensino. Sem condições (?) de atender aesse público, quando atingisse a escola secundária, deixou um vazio a ser preenchido. Por quem?Claro, pelo setor privado, amparado e financiado pelo poder público. Como? Repassando verbaspúblicas para o setor privado via bolsas de estudo. E a festa, em favor de Lacerda, fez-se emnome do “incentivo à democratização da educação para parcelas maiores da população e emníveis escolares mais altos” (NUNES, 2000, p. 47).

E Nunes (2000) continua:

O investimento do Banco do Estado da Guanabara financiando bolsas de estudopara as escolas privadas do ensino médio foi significativo durante o governoLacerda. O total de bolsas financiadas se eleva de 7.761, em 1962, para 45.900bolsas em 1965. Nesse mesmo período as matrículas da rede pública de ensinomédio pouco mais que duplicaram, enquanto as matrículas da rede privadasustentadas por bolsas de estudo multiplicaram-se por quase seis vezes(NUNES, 2000, p. 47).

Ao longo do período histórico que estamos estudando, trêspartidos se destacavam no cenário político brasileiro: PSD(Partido Social-Democrata), UDN (União Democrática Nacional)e PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Na UDN, destacava-seCarlos Lacerda, jornalista e empresário (dono do jornal Tribunada Imprensa). Segundo Schmidt, Lacerda era um oradorbrilhante, inteligência aguda, mas reacionário, oportunista esem escrúpulos políticos. Através do seu jornal, atacava todomundo, fazia denúncias escabrosas sem mostrar provas,insuflava a classe média contra os trabalhistas e oscomunistas [do PCB, Partido comunista do Brasil]. Lacerdadevastava os inimigos com sua metralhadora cuspindo nuvensde palavras. Outras figuras importantes da UDN eram osbanqueiros, políticos e magnatas da grande imprensa, comoAssis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, JúlioMesquita (O Estado de São Paulo) e a família Marinho (O Globo).“O maranhense José Sarney e o baiano Antônio CarlosMagalhães começaram suas carreiras políticas na velha UDN.E para você não ter mais dúvidas, quem pediu e apoiou ogolpe militar de 1964 foi a UDN” (SCHMIDT, Mário Furley. Novahistória crítica do Brasil: 500 anos de história malcontada.São Paulo: Nova Geração, 1997, p. 290.).A UDN também tem história na Paraíba. Observe quantaslideranças políticas paraibanas pertenceram a essa sigla:Osvaldo Trigueiro, José Américo, Ribeiro Coutinho, PedroGondim, João Agripino, Ernani Sátiro.

Foto de Carlos Lacerda

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Esse processo de privatização da educação escolar brasileira continuou, embora em escalamenor. O empobrecimento crescente da chamada classe média urbana fê-la pressionar por maisescolas públicas, e o Estado cedeu. O que não trouxe maiores problemas para o setor privado,que encontrou formas de compensação, estimulando os governos a adotar programas defornecimento de merenda, de livro didático, de recursos áudio-visuais e, mais recentemente, decomputadores. E com o número crescente de egressos do ensino médio reclamando universidades,mais uma vez, o Estado alegava falta de condições para atender, satisfatoriamente, a tal demanda,deixando um vazio a ser preenchido... pela esfera privada.

Então? Já deu para você entender por que, no ensino superior, temos hoje mais matrículasna rede privada do que na rede pública? E veja que a diferença em favor da privada não épequena.

Calma! Vamos esfriar a cabeça e fazer uma pausa para mais um desafio?

DESAFIOS

Conheçamos mais um pouco a sua cidade e a sua educação. Nesse sentido, reúna-se com seuscolegas de turma, discutam as questões que proponho, formem pequenos grupos de modo atornar possível obter as informações necessárias à solução do desafio. Depois das informaçõesobtidas, socializem-nas, para que todo o grupo lhes tenha acesso. Discutam-nas nos grupos maisamplos possíveis, se possível, com toda a turma reunida, pelo menos por cidade. Finalmente,formem grupos menores, variando entre 3 ou 4 pessoas, façam uma discussão mais pormenorizadae produzam um texto de duas laudas, segundo o modelo até agora adotado. As informações aserem levantadas devem responder às seguintes questões:

a) Qual o nome da sua cidade? Em que região e sub-região político-administrativa ela seencontra? Em que ano ela nasceu como cidade, deixando de ser distrito de qual outra cidade?

b) Qual a população atual da sua cidade? E a população infantil entre 0 e 5 anos? (nos doiscasos, podem ser valores aproximados).

c) Qual era a população da sua cidade à época do último recenseamento? E da populaçãoinfantil entre 0 e 5 anos? (indique o ano desse recenseamento).

d) Descrevam as atividades econômicas dominantes em sua cidade, o lugar que esse(s)produto(s) ocupa(m) no conjunto da economia paraibana e o percentual da populaçãoeconomicamente ativa ocupada nessa(s) atividade(s). Organizem um quadro comparativo dessasatividades, considerando agro-pecuária, comércio regular, comércio informal, indústria e serviçopúblico (destacando o setor educacional).

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e) Observando a evolução da sua cidade, em termos populacionais, você diria que eladiminuiu, cresceu ou estagnou? Como você explica esse fato? Se a população da sua cidadecresceu, isso se deve ao crescimento vegetativo ou a migrações? Se cresceu por migrações, foido campo para a zona urbana ou proveniente de outras cidades? A partir de então, você considerariasua cidade um centro de atração ou de expulsão populacional? Se de atração, o que atrai? Se deexpulsão, qual a razão?

f) Hoje, quantas pré-escolas e creches há em sua cidade? E no tempo do últimorecenseamento, quantas havia? De lá para cá, o número cresceu? Se cresceu, foi mais na zonarural ou na urbana? Por quê?

g) Qual o nível médio de escolaridade dos pais que matriculam seus filhos nas creches e naspré-escolas da sua cidade?

h) Existem mais creches e pré-escolas públicas ou privadas em sua cidade?

i) Você entende a existência da creche e da pré-escola pública em sua cidade como umanecessidade para a criança (aprender, socializar-se), para as mães (tempo para poder trabalhar,supressão da sua carência intelectual na formação de seus filhos, garantia de uma alimentaçãomínima que falta em casa), para políticos locais (tome escola, dê-me voto), tudo isso ou algomais?

Agora que você já leu todas as questões, procure, em uma lauda, fazer um quadro-síntesede suas respostas para, na seguinte, escrever em forma de redação.

Não esqueça de responder ao desafio refletindo com base no conteúdo da aula.

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AULA 7: A EXPANSÃO DA ESCOLA E A DIFUSÃO DE IDEOLOGIAS

Voltando ao tema da população, tratado na aula anterior, direique, pelo menos, num ponto, você não teria muita dificuldade deviver com aquela gente do final dos anos 1960. Como a de hoje, elatambém era vidrada em futebol. Era uma gente que também passavadificuldades, estava privada de muitas coisas fundamentais, masnão abria mão de um aparelho de televisão. Logo agora, quando seaproximava a copa mundial de futebol de 1970, da qual o País sairiatricampeão. Já havia até uma <marchinha> para comemorá-la.

Esta não seria a única marchinha que o regime militar implantadona década de 1960 utilizaria para ensinar o nacionalismo ao povo,como no exemplo abaixo.

Agora, preste atenção para a palavra nacionalismo. Se perguntássemos a uma pessoaque não teve acesso a um longo período de escolaridade o que ela entende por nacionalismo,possivelmente ela diria tratar-se de amor à pátria, de apego às coisas do seu país, do enaltecimentodos valores e da cultura da sua nação em face das outras. Diria também que um governonacionalista é aquele que não só estimula essas ações entre seu povo, como também as pratica,que está comprometido com a afirmação da sua nação no cenário internacional.

Noventa milhões em ação/Pra frente Brasil do meucoração/ Todos juntosvamos/ Pra frente Brasilsalve a seleção/ Derepente é aquela correntepra frente/ Parece que todoo Brasil deu a mão/ Todosligados na mesma emoção/Tudo é um só coração/Todos juntos, vamos, prafrente Brasil, Brasil/ Salvea Seleção.”(Composição de MiguelGustavo, ano 1970)

“Este é um país que vai pra frente/ Ro, Ro, Ro, Ro, Ro/De uma gente amiga e tão contente/ Rô, Ro, Ro, Ro,Ro/Este é um país que vai pra frente/ Ro, Ro, Ro, Ro, Ro./um país que canta, trabalha e se agiganta/É o Brasil do nosso amor!”

Ao mesmo tempo em que divulgava músicas de caráter ufanista, oEstado sob os militares estimulava a mediocridade da JovemGuarda: Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Vanderléia, Martinha,Ronnie Von... Eram tantos!E se hoje temos a mediocridade de bandas de “forró” (Calypso,Calcinha Preta, Aviões do Forró...), na época, era a dos conjuntosde yê, yê, yê (The Fevers, Renato e seus Blue Caps, BrazilianBeatles, Golden Boys...). Atente para os nomes dos conjuntos:todos em inglês. A maioria de suas músicas eram versões demúsicas norte-americanas. Houve até cantores que não sesatisfizeram em cantar músicas em inglês, chegando a estrangeirarseus nomes artísticos. Fábio Júnior foi um exemplo. Abaixo, maisum exemplo de ufanismo, na composição de Dom, interpretada peladupla Dom e Ravel.“As praias do Brasil ensolaradas/ O chão onde o país se elevou,/ Amão de Deus abençoou/Mulher que nasce aqui tem muito mais amor/O céu do meu Brasil tem mais estrelas/ O sol do meu país, maisesplendor/ A mão de Deus abençoou/Em terras brasileiras vou plantar amor.Eu te amo, meu Brasil, eu te amo/ Meu coração é verde, amarelo,branco, azul anil.Eu te amo, meu Brasil, eu te amo/ Ninguém segura a juventude doBrasil”.

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Mas, se aquela pessoa lesse, cuidadosamente, o primeiro quadro desta Aula, franziria atesta, ficaria com a pulga na orelha diante de sua própria resposta. É que ela não entenderia oporquê de tanto ufanismo em meio a tanto estrangeirismo. E mais: especificamente, norte-americano.

Se, depois, você perguntasse à mesma pessoa de onde veio aquele entendimento sobre onacionalismo, é possível que ela indicasse como fontes opiniões que teria ouvido de pessoas maisvelhas, sem muita escolaridade, como ela; talvez indicasse o que ouviu em comícios eleitorais narua, no rádio ou assistindo à televisão; talvez, ainda, a leitura de algum artigo de jornal ourevista.

Mas é possível, também, que ela acusasse a escola.

Agora, imagine que aquela pessoa esteja, hoje, na casa dos 70 ou 80 anos, conheceu otempo em que o rádio era o nosso grande meio de comunicação como, em parte, ainda é. Ora,por meio do rádio, ela seria informada, estimulada a comprar, de bens de uso a imagens depolíticos profissionais, passando por propagandas de governos. Ela poderia até receber um cursode educação a distância, como você recebe hoje pela Internet. Mas o que esses meios decomunicação não fazem é mostrar o que está por trás das coisas. Para isso, ela precisaria daescola, onde demonstraria interesse como um bom aprendente, recorrendo sempre àquelaperguntinha mágica: por quê? Essa escola, ao mesmo tempo, deveria contar com ensinantes quedominassem os conteúdos a serem ensinados e assumissem a responsabilidade de uma intervençãoconstante e contínua sobre os aprendentes, ousando fazer com eles um trabalho de aprofundamentoe desmascaramento das ideologias, como ensina o historiador da educação, Georges Snyders.

É preciso que você tenha muito cuidado com os meios de comunicação de massa, comoo rádio, a televisão, o jornal. Por exemplo, encontrei na edição de sábado, 22 de março último,no Caderno “....”, do Diário de Pernambuco, p. 6, sob o título “Quem foi D João VI? O rei doBrasil”:

[...] Depois de 200 anos do episódio (desembarque da coroa portuguesa no Brasil, em1808), os historiadores começam a fazer justiça ao homem responsável pelo grandedesenvolvimento do país no período.[...]Para não ter de entregar o trono a Napoleão Bonaparte, imperador da França, a Coroaportuguesa decidiu mudar-se para o Brasil. Depois de uma longa jornada de navio, achegada ao Brasil foi desagradável para a maioria dos viajantes. D. João, porém, nãoparecia incomodado com a simplicidade da Colônia. Pelo contrário, ficou encantado com aspaisagens do Rio de Janeiro e da Bahia, onde havia chegado primeiro. Ex-escravos, índiose colonos pobres eram bem recebidos por D. João, que logo se tornou amado pelosbrasileiros.[...]Aliás, D. João era um homem pacífico.

A invenção do rádio é atribuída, geralmente, ao cientista italiano Guglielmo Marconi, apartir de experiências de laboratório anteriormente realizadas por Heinrich Hertz, AugustoRighi e outros. Isso foi em 1895. Mas há quem atribua a invenção ao padre gaúcho, RobertoLandell de Moura, em 1893. Autoria à parte, Edgard Roquete Pinto é considerado “o pai dorádio” no Brasil por ser seu grande vulgarizador, ao perceber sua importância como meio dedifusão da cultura popular. A primeira irradiação no Brasil se deu em 1922, durante asComemorações do Centenário da Independência, realizadas no alto do Corcovado, no Rio deJaneiro, transmitindo o discurso do então presidente Epitácio Pessoa, embora na cronologiada comunicação eletrônica de massa brasileira o surgimento do rádio no Brasil seja marcadocom a fundação da Rádio Clube de Pernambuco por Oscar Moreira Pinto, no Recife, em seis de

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abril de 1919. A partir da década de 1930, o rádio ganhou popularidade e, como a televisãofaria mais tarde, influenciando o modo de vida das pessoas. Essa popularidade também sedeveu à ação do governo de Vargas. Visando a consolidar a ditadura (implantada em 1937),Vargas criou vários órgãos de propaganda dos atos do governo e da exaltação de sua figura,de modo a aproximá-lo das massas, a exemplo do DIP (Departamento de Imprensa ePropaganda). Quanto ao papel do rádio nesse processo, leia as palavras de seu ex-ministro daeducação, agora ministro da justiça: “Não é preciso contato físico [entre o líder e a massa] paraque haja multidão. É possível hoje [...] transformar a tranqüila opinião pública do século passadoem um estado de delírio ou alucinação coletiva, mediante os instrumentos de propagação, deintensificação e de contágio de emoções, tornadas possíveis precisamente graças ao progressoque nos deu a imprensa de grande tiragem, a radiodifusão, o cinema, os recentes processos decomunicaçkão.” (Francisco Campos, citado em Nosso século. São Paulo, Abril Cultural, 1985, v. 6,p. 65).

Mas se aquela pessoa acusasse a escola, como sugeri, eu nãoacharia isso absurdo. Aliás, veria com a maior naturalidade. E digoporque: se o professor não lê, não estuda, limita seu conhecimentoàs informações obtidas nos meios de comunicação de massa, ele nãopode, com certeza, oferecer muita coisa para seus alunos. Querdizer, o que se pode esperar de um professor que divide suas tardesde domingo entre Faustão, Gugu e Raul Gil? Ou que, numa noite defolga escolar, opta por uma novela de televisão, Hebe Camargo ouBig Brother, quando existem bons livros, CDs e DVDs? É triste dizer,mas já tive a infelicidade de constatar, tanto ao longo da minhaexperiência profissional quando durante a minha pesquisa de mestrado,que boa parte do que muitos ensinantes transmitem aos seusaprendentes não encontra suporte nos livros constantes de suadisciplina. Daí, como eles podem ousar?

Assim, acredito que o primeiro passo de um ensinante quedeseja ousar, que se propõe a fazer com que aquela pessoa supere amaneira de ver as coisas pela aparência, deve ser estudar, dominaros conteúdos a serem ensinados. Lembrando que dominar osconteúdos não se restringe a reter mil e uma informações sobre oassunto. Isso é muito importante, mas implica também conhecer asideologias para saber e ensinar o que está por trás das coisas. Onacionalismo, por exemplo, é uma ideologia, uma retórica, que temcomo função unir as pessoas que constituem uma dada sociedadeem torno de objetivos comuns, de uma causa comum. Ocorre quenão pode haver causa comum senão numa comunidade, nunca, numasociedade, que é constituída de classes, logo, de grupos de pessoascom interesses antagônicos. É por isso que dizemos que a nação éuma abstração. E o nacionalismo não é mais do que um instrumentoutilizado por uma classe social, ou uma fração de classe visando aconseguir a adesão de toda a sociedade para a consecução de umprojeto que atenda aos seus interesses, apresentando-o como umprojeto de todos, de toda a sociedade, da “nação”.

Como afirma Melo (1982),defender que oprofissional do ensinodeva ter competênciatécnica não é a mesmacoisa que ser tecnicista,mas reclamar-lhecompetência profissional,extrapolar os limites dosaber a ser veiculado nasala-de-aula, chegandoaté a “compreensão maisampla das relações entrea escola e a sociedade”.Porém, como o ensinantepode chegar a esse nível,se “Há alguns quedominam mal os própriosconteúdos que deveriamtransmitir, quedesconhecem princípioselementares do manejode classes dealfabetização e que,muitas vezes, sequerpossuem domíniosatisfatório da próprialíngua materna?” (MELO,1982, p. 55).

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No período histórico de que estamos tratando, o projeto era o da modernização do Brasil,identificada com o crescimento econômico nos moldes capitalistas, o que significaria a adequaçãodo País ao modelo de desenvolvimento definido pelas nações consideradas desenvolvidas. Omodelo a ser seguido pelo Brasil estaria nos Estados Unidos da América, país com o qual o Brasilaumentava a cada dia suas relações comerciais e culturais, sobretudo a partir da SegundaGuerra, e a classe social que perseguia esse projeto era uma fração da classe burguesa, achamada burguesia urbano-industrial.

Para a realização desse projeto, era preciso que as pessoas da outra classe, os trabalhadores,produzissem, gerassem riqueza, pensando que estariam fazendo o Brasil crescer e, com o Brasil,eles também, porque “todos juntos vamos, pra frente Brasil,[...] naquela corrente pra frente,[...] tudo é um só coração.”

Paralelamente ao nacionalismo e a ele associada surgiu outra ideologia: o desenvolvimentismo.Por que desenvolvimentismo?

O que a parcela da sociedade que se valia da retórica do nacionalismo pretendia para oBrasil não era mais do que crescimento econômico, acumulação de capital. No entanto, a palavraque aparecia em sua fala era desenvolvimento. Ora, entre crescimento econômico edesenvolvimento, vai uma grande diferença. Crescimento econômico só tem a ver comdesenvolvimento se for associado à repartição da riqueza produzida entre todos os que participamdo processo de crescimento. Nesse sentido, convenhamos, o Brasil cresceu, mas não desenvolveu.A prova é de que, ainda hoje, se fala em políticas de inclusão social, de combate à pobreza... Nocombate à pobreza, o Estado, em vez de garantir trabalho, conseqüentemente, dinheiro, distribuibolsas: bolsa família, bolsa escola, bolsa gás...

Até agora, estamos de posse do conhecimento de duas ideologias que predominaram noBrasil durante o período histórico que estamos estudando: o nacionalismo e o desenvolvimentismo.Vejamos, agora, uma terceira, que tinha como base as duas primeiras: o populismo. Tentemosentendê-lo.

O Brasil, como de resto a América Latina, detinha uma tradição de exportador de produtosprimários para os países ricos. Era coisa que vinha desde os tempos coloniais, quando a regiãocomeçou a ser explorada pelos europeus. Durante o Século XIX, vieram os movimentos deindependência e, nesse contexto, o Brasil , em 1822, separou-se de Portugal, constituindo-secomo Estado independente. Sua economia, no entanto, permaneceu, grosso modo, como nostempos coloniais: agrário-exportadora. O que não impedia que experimentássemos, vez ou outra,surtos industriais, como aconteceu em decorrência dalei pela abolição do tráfico negreiro, em 1850.

Veio a República em 1889. Mudou o regimepolítico, mas a realidade econômica brasileirapermaneceu a mesma: exportação de produtos primárioscom breves surtos de industrialização, como se deupor conta da Primeira Guerra (1914-1918). Entretanto,com a crise do capitalismo internacional de 1929, quetrouxe sérios transtornos para a economia nacional,empresários brasileiros decidiram que o País deveria

VICENTINO, C.; DORIGO, G. História doBrasil. São Paulo: Scipione, 1997, p. 351.

Queima de café no período Vargas

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industrializar-se. Certamente, sem trazer prejuízos para a agricultura de exportação. Como a docafé, por exemplo, de onde provinha grande parte do capital a ser investido na atividade industrial.E você viu como Vargas protegeu os cafeicultores, comprando seus excedentes de produçãopara, em seguida, queimá-los. Só não deixe de imaginar de onde saiu o dinheiro para isso.

Para avançar no processo de industrialização brasileira, os empresários que a desejavam ea faziam caminhar precisavam da adesão das demais frações da burguesia, como aquela ligada àagro-exportação, por exemplo. Isso porque a burguesia não constitui um todo homogêneo, aomenos conjunturalmente. A adoção de uma política econômica que favoreça a atividade industrialtraz prejuízos para o setor agro-exportador e vice-versa. Mas, como a burguesia constitui umtodo homogêneo, estruturalmente, seria fácil encontrar a saída para a industrialização. Os industriais,no poder, negociariam com os agro-exportadores, democraticamente, porque entre pares, formasde compensá-los, como vimos acima.

Essa mesma burguesia industrial também necessitava, para levar seu projeto adiante, daadesão da classe trabalhadora. Afinal, não há produção industrial apenas com capital e matérias-primas, pois o trabalho se constitui um dos elementos essenciais do processo. As pessoas queexecutam o trabalho formam uma classe, tenham consciência disso ou não. Enquanto classe, ostrabalhadores são movidos por interesses, tanto quanto a burguesia. Se aqueles, no processo deprodução, visam a obter ganhos na forma de salários crescentes e outras vantagens, esta temlucros como objetivo, o que implica forçar salários e vantagens dos trabalhadores para baixo.Nesse caso, como conseguir a adesão dos trabalhadores ao projeto da burguesia industrial, qualseja, crescimento econômico com baixos custos?

Em primeiro lugar, é preciso entender que os imigrantes representavam grande númerodentre os trabalhadores. Provenientes, sobretudo, das áreas industrializadas da Europa, traziamsuas práticas sindicalistas, anarquistas, comunistas e socialistas para o Brasil. Vargas, “mãe dosricos”, logo, comprometido com a burguesia, tratou de reprimi-los, expulsando os inconvenientese dificultando novas imigrações. Os demais seriam convocados a aderir ao projeto nacional (ista),a se integrarem à nação, apresentando-se a educação escolar como um forte instrumento nessesentido.

Além dos imigrantes havia os migrantes nacionais, gente proveniente das mais diferentespartes do País, sobretudo da zona rural nordestina. Sem tradição de vida urbana, sem experiênciasindical ou político-partidária, inchavam as novas áreas urbano-industriais. Para eles, a educaçãoescolar também seria oferecida como instrumento de adesão ao projeto burguês. Por um lado,prepara-los-ia para transitarem no mundo moderno, urbano-industrial, conhecendo e adequando-se às suas idéias, normas, princípios, valores, costumes; por outro lado, fornecer-lhes-ia ocertificado legal que os habilitaria a participar da vida cidadã, uma vez que o voto era negado aosanalfabetos. Assim, fazia-se importante a escolarização dos trabalhadores urbanos, exércitopotencial de votantes em favor do projeto burguês a ser decidido no “jogo democrático”, diga-se,nas urnas, embora esses trabalhadores devessem acreditar que essa educação seria fator-chavepara sua conscientização política, sua ascensão social, a garantia de um lugar no mercado detrabalho, o desenvolvimento do País... Assim, voltamos ao mito da educação, abordado na aulaanterior.

Selada a aliança entre as frações da burguesia, abafadas ou eliminadas muitas das liderançasdos trabalhadores, estrangeiras e domésticas, a industrialização brasileira avançava. Não significa

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dizer que não aparecesse, de quando em vez, algum setor da burguesia descontente, reclamandoalguma coisa do Estado, mas logo aparecia uma saída. Quanto aos trabalhadores e suas lideranças,movimentos de contestação receberiam tratamento preventivo. Para isso, havia os meios decomunicação de massa, como o rádio, primeiro, seguido do cinema, da imprensa escrita, maistarde, da televisão... E a escola, por meio dos professores, do livro didático.

Por meio desses canais, sem esquecer a família e a religião, além dos sindicatos, sobcontrole estatal, e dos partidos políticos, fazia-se a propaganda dos governos, ensinava-se adisciplina necessária ao “operário-padrão”, estimulava-se o sentimento de amor e obediência ànação... Mas o que é a nação senão uma abstração, como já dissemos? Então, para ser amada eobedecida, a nação precisaria ser materializada, o que se fez, recorrendo-se ao líder carismático,populista, a encarnação da nação.

Agora, preste muita atenção. Só existe carisma, notoriedade, magnetismo de alguém sobrevocê quando você está carente. Esse alguém percebe sua carência e, se ele é um mau caráter,ele ataca, tira proveito de você. É assim que agem as lideranças políticas populistas. Observam,estudam a sociedade, percebem as necessidades da maioria de uma população, os mais pobres,melhor dizendo, empobrecidos, e, em vez de descer até eles, contribuir para sua organização econstrução de ações coletivas voltadas para a solução dos seus problemas, promovem-se,prometem ser a solução desses problemas, pousando de pais dos pobres quando, na verdade,são as mães dos ricos. De modo que, ao final do mandato de um governante populista, os ricosdaquela sociedade estão mais ricos, porque seu compromisso é com os ricos, a burguesia. Masele não explicita com quem está comprometido, pousando de popular. Então, mostra-se simpático,comunicativo, afetuoso com as pessoas comuns. Afinal, cada voto na urna vale ouro.

Acredito que você tenha conhecido presidentes de república que foram populistas. GetúlioVargas (1930-1937 e 1951-1954), para começar. Juscelino Kubitschek (1955-1961) também ofoi. Quanto mais os meios de comunicação eram aperfeiçoados, mais o populismo se refinava, aexemplo de Jânio Quadros (1961), com a difusão da televisão no Brasil. Seu sucessor, JoãoGoulart (1961-1964), também encarnou o populismo. E, como disse Karl Marx, se a história serepete - da primeira vez, como farsa, da segunda, como tragédia -, como não relacionar FernandoCollor de Melo (1990-1992) a Jânio Quadros?

Em outros níveis da vida política, também tivemos lideranças populistas: Padre Cícero, noCeará, Adhemar de Barros, em São Paulo, Miguel Arraes, em Pernambuco, Leonel Brizola, no Riode Janeiro... E, na Paraíba, você conseguiria identificar alguma liderança política populista? Creioque não seja preciso fazer muito esforço.

Mas não se iluda pensando que práticas populistas sejam privilégio de políticos de carreira.Se Juscelino Kubitschek prometeu fazer “50 anos em 5” (o slogan do seu governo), Paulo Freire,no campo da educação, não seria menos ambicioso. Como disse Paiva (1980), o educadorpernambucano, durante o governo de João Goulart, propôs um método capaz de alfabetizaradultos em apenas 40 horas. Esse método viria a ser a base do também ambicioso Plano Nacionalde Alfabetização (PNA), instituído nos termos do Decreto nº. 53.465, de 22 de janeiro de 1964,que tinha como meta alfabetizar cinco milhões de brasileiros em apenas dois anos.

Ainda segundo Paiva (1980), Paulo Freire ganhou notoriedade não só em função do “método”,mas porque ele era apresentado num contexto de analfabetismo que beirava 50% da população.

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Ora, a alfabetização da população implicaria a extensão do direito ao voto, necessário à realizaçãodo projeto nacionalista-desenvolvimentista da burguesia industrial brasileira, não sem razão, aexperiência de Freire em Angicos, no Rio Grande do Norte, foi legitimada pela presença e pelo avaldo Presidente Goulart.

Paiva (1980), que estudou a trajetória da ação pedagógica e da produção teórica de Freireaté 1965, disse, ainda, que o projeto nacionalista-desenvolvimentista, tradução política e intelectualdo keynesianismo para a realidade brasileira dos anos 1950 e 1960, era apoiado, no início dosanos 1960, pelo governo norte-americano, em face da ameaça da expansão soviética, no contextoda Guerra Fria. Quanto ao método Paulo Freire, não causava temor, por isso sua experimentaçãofoi financiada parcialmente pela agência norte-americana US. Agency for International Development.

Abordando o assunto, Beiseguel (2004) afirmou que, “Pelas suas características, o métodoPaulo Freire respondia às expectativas dos grupos dirigentes, no Governo da União, e aos objetivosfixados para o movimento estudantil na área da educação. [Que] a educação popular, assimconcebida, atendia integralmente às necessidades dos grupos governamentais e estudantescomprometidos com a política das ‘reformas estruturais’. [...] Mas o projeto atendia também àsexpectativas dos grupos orientados para uma transformação mais radical da sociedade”, gruposestes que ultrapassavam “os limites possíveis do processo de democratização do ensino e dasociedade, na ordem social capitalista, no Brasil”.

Enquanto muitos militantes da educação popular que ultrapassavam os limites do Estadopopulista eram duramente reprimidos a partir do golpe de 1964, Paulo Freire era poupado. Católico,defensor dos interesses privatistas da educação, quando da elaboração da Lei 4.024/61, foipreso, depois exilado. No exílio, como observou Paiva (1980), transformou-se no “tradutor”pedagógico do Concílio Vaticano II, além de ganhar projeção internacional, ao atuar em movimentosde libertação nacional de viés desenvolvimentista.

Se, como observou Francisco Wefort, as preocupações de Paulo Freire, nessa época, eramfundamentalmente educativas, seus trabalhos, “Desde o início, [...] foram assimilados mais pelassuas virtualidades enquanto meio de mobilização do que enquanto expressão de um conjuntoarticulado de idéias educacionais” (BEISEGUEL, 2004, pp. 415-416). Apesar do caráter conservadordo regime político implantado no País em 31 de março (ou 1 de abril?) de 1964, o método PauloFreire foi adaptado pelo MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), embora não reconhecidooficialmente.

Quanto à educação da criança pequena, de 0 a 6 anos, deixemos para discuti-la na próximaUnidade, uma vez que é só a partir dos anos 1980 que ela recebe a devida atenção.

Passemos agora a novos desafios.

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DESAFIOS

Acredito que vocês já ouviram falar e talvez também tenham dito por aí que quem estudatem maior poder de compreensão das coisas, maior nível de consciência. Isso pode ser verdadeiro,mas o seu contrário também. Em tudo o que a escola ensina vai uma visão social de mundo, umaideologia. Na verdade, ideologias. Elas estão presentes na fala do professor, bem como em seusgestos e atitudes; no conteúdo do livro didático; na maneira como seu Diretor administra aescola.

Assim como aprendemos em relação à Pedagogia, as muitas ideologias, no fundo, provêmde duas matrizes. Uma é chamada liberal, voltada para reproduzir a sociedade capitalista; aoutra, que se opõe a esse modelo de sociedade, propondo uma sociedade diferente, é denominadamarxista.

Vejamos, agora, em que consiste esse Desafio.

Após a leitura de textos sobre ideologia, liberalismo e marxismo, que vocês encontramfacilmente acessando o Google, além dos componentes curriculares de Sociologia Educacional I eII, procedam a um fichamento individual. A seguir, reúnam-se em grupos de 5 pessoas, paradiscutir o que aprenderam. Preferencialmente, distribuam entre si textos de autores diferentes e,se possível, que defendam ideologias contrárias.

Feita a discussão, sintetizem o que discutiram num fichamento comum. Em seguida, tomemum livro didático de História utilizado na 2ª. série do ensino fundamental, escolham uma aulacomum ao grupo e, à luz do seu conhecimento sobre ideologia, liberalismo, marxismo e o conteúdodo texto didático, analisem esse capítulo.

Por último, produzam um texto de duas laudas, conforme o padrão que temos utilizado,reproduzindo sua análise.

Não esqueçam que, no corpo do seu texto, deve ficar explícito seu entendimento sobreideologia, liberalismo e marxismo.

Não deixem de indicar o título do capítulo que vocês analisaram, o nome do livro, o(s)autor(es), editora, local e data de edição, bem como os textos que fundamentaram sua análise(pelo menos três).

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AULA 8: USOS E ABUSOS DO “NOVO” NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Prezado(a) aprendente,

Parece que estamos demorando muito a entrar na história da educação infantil relativa àscrianças pequenas, essas que a Lei situou entre 0 e 5 anos de idade. Mas, temos uma explicaçãopara isso. O fato é que, até o final do período que estamos estudando, não havia, no Brasil, umapolítica de educação definida para essas crianças. Aliás, esta só estaria visível a partir da Lei9.394/1996. E, se não havia uma política de educação para tal faixa etária, como pensar aexplicitação de uma pedagogia? Pedagogia havia, mas a que estava clara para nós era a que sevoltava para as crianças a partir da escola primária, o que corresponderia, nos dias de hoje, aoensino das séries iniciais, estendendo-se até o término do que denominamos educação básica.

Talvez fosse melhor falarmos em pedagogias, porque, numa sociedade dividida, dificilmenteencontraríamos uma única pedagogia, mas, pelo menos duas, correspondendo cada uma aoprojeto de sociedade de cada uma das classes sociais fundamentais. Cada uma delas, quepoderíamos identificar como matrizes pedagógicas, comportaria ramificações que poderíamoschamar tendências pedagógicas.

Quanto às matrizes, estas seriam,fundamentalmente, duas, cujas denominações já estãoconsagradas pela vasta literatura pedagógica: a liberal ea dialética, ambas modernas porque fruto da sociedademoderna. O que as distingue é que cada uma representaos interesses de uma das classes sociais fundamentaisda sociedade moderna, ou capitalista. A primeira,associada aos interesses do capital, visa à reprodução, àconservação da sociedade capitalista. Daí dizermos quese trata de uma pedagogia conservadora. Ela nos temsido apresentada sob três formas, ou tendênciaspedagógicas, que correspondem a necessidades de cadamomento da dinâmica capitalista: Tradicional, ouconcepção humanista tradicional da educação; EscolaNova, ou tendência humanista moderna da educação; daprodutividade, ou tendência tecnicista da educação.

Tenha cuidado com as palavras: a tendênciahumanista tradicional é tão moderna e liberal quanto atendência humanista moderna.

Detalhes sobre cada uma dessaspedagogias e suas vertentes podemser encontrados no livro de JoséCarlos Libâneo, Democratização daescola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. 8ª. ed. SãoPaulo: Loyola, 1989. O capítulo 1deste livro, intitulado “Tendênciaspedagógicas na prática escolar”, foipublicado anteriormente na Revista daANDE, nº. 6, 1982, assim como foireproduzido por Cipriano Luckesi nolivro Filosofia da educação (SãoPaulo: Cortez, 1994). Esse tematambém aparece no livro de Maria daGraça N. Mizukami, Ensino: asabordagens do processo. São Paulo:EPU, 1986.É bom que você se adiante nessasleituras, preparando-se para umafutura discussão pormenorizada nofuturo componente curricular“Didática”.

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Com relação à pedagogia dialética, diremos queela se volta para os interesses do trabalho, a outra faceda moeda capitalista. Ela também é denominada crítica,questionadora, revolucionária, transformadora. Não queseja capaz de transformar, de revolucionar a sociedadecapitalista, mas aponta para essa possibilidade,instigando os homens oprimidos, organizados em classes,a fazê-lo. Essa pedagogia nos tem sido apresentada sobduas vertentes ou tendências: a pedagogia libertadorae a pedagogia histórico-crítica.

Dessas pedagogias, a que predomina, tanto emnossas escolas quanto no conjunto da sociedade, é apedagogia liberal, em qualquer das suas vertentes.Aliás, nas três vertentes, pois, embora sem muita consciência disso, carregamos, em nossaprática pedagógica, um pouco de cada uma delas. Talvez até muito, se compararmos com o quehá de pedagogia dialética em nosso trabalho escolar.

Uma coisa me preocupa nisso tudo: é que a palavra liberal é divulgada como sinônimo deavançado, progressista, de tal modo que, se eu lhe perguntasse se você se considera umprofessor liberal, tenho quase certeza de que você responderia que sim. Digo isso porque,recentemente, fiz essa pergunta a um grupo de professores de educação básica, a quem euanimava num encontro de capacitação, e a resposta foi, invariavelmente, a mesma: -”sim”. Aseguir, perguntei-lhes o que entendiam por ser um professor liberal, e eles responderam que seriaum professor moderno, avançado, não tradicional.

Até o ponto em que aqueles professores identificaram o liberal com o moderno, concordeicom eles. De fato, o pensamento liberal é um pensamento moderno, nascido em meio à luta daburguesia européia ascendente contra o pensamento medieval. Por isso, a pedagogia liberal éuma pedagogia moderna, fruto da Modernidade, esse tempo que nossos livros didáticos de Históriadenominam Idades Moderna e Contemporânea. É o tempo da ascensão e consolidação da sociedadecapitalista. Como a ideologia que explica justificando esse modelo de sociedade é a ideologialiberal, a pedagogia liberal é aquela que se volta para a formação do homem de modo a orientarsuas ações, no sentido de reproduzir a sociedade burguesa, capitalista, liberal. Em outras palavras,moderna.

Até aqui, tudo bem. Mas, quando aqueles mesmos professores relacionaram liberal a avançadoe separaram o moderno e o liberal do tradicional, fiquei preocupado e resolvi intervir. Explicominhas razões.

Em primeiro lugar, porque aqueles professores entendiam liberal como defensor daliberdade, aberto, e até democrático. Eles teriam razão? Vejamos.

O pensamento liberal, como modernamente o entendemos, é uma construção daburguesia, classe social que começou a se projetar no Século XVII europeu, desenvolveu-se noXVIII e consolidou-se a partir da Revolução Industrial.

Extrapolando os limites da didática ebuscando os fundamentos daspedagogias dialéticas ouprogressistas, recomendaria os livrosde Moacir Gadotti, Concepçãodialética da educação – um estudointrodutório. 5ª. ed. São Paulo:Cortez: Autores Associados, 1987, eDermeval Saviani, Pedagogiahistórico crítica. 8ª. ed. Campinas,SP: Autores Associados, 2003.

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Realmente, os pensadores liberais defendiam a liberdade, mas não a liberdade em geral, oque seria uma abstração, embora fosse esse o tom do seu discurso. Feito com tanta veemênciaque muita gente, ainda hoje, entende o liberalismo dessa forma, como os meus capacitandos. Seeles conseguissem enxergar que os pensadores liberais estavam para a burguesia ascendente,assim como a Igreja estava para a nobreza feudal, isto é, enquanto seus ideólogos, entenderiamque, por trás do discurso da liberdade, em geral, estava a defesa da liberdade que apontava paraa expansão dos negócios da burguesia. Ou seja, a liberdade, em geral, não passava de retórica.

Assim, a qual liberdade concreta aqueles pensadores se referiam?

Tratava-se da liberdade política, para o que seria precisosubstituir a monarquia absolutista, que era um dossustentáculos da nobreza feudal, por um regime políticoconstitucional ou parlamentar. Esse regime, por sua vez,seria o instrumento de adoção de políticas econômicasfavoráveis à concorrência contra as práticas mercantilistas,notadamente o monopólio, que era outro ponto de apoio dofeudalismo. Com a expansão dos negócios e visando areforçá-la, os liberais defendiam a liberdade do trabalhadorface aos laços da servidão, de modo que eles pudessem serexplorados sob a forma de assalariados.

Ora, se a burguesia lutava por liberdade política(constitucionalismo), econômica (concorrência) e de trabalho(assalariamento), porque isso atendia aos seus interesses,enquanto classe, era porque seu oposto (absolutismo,mercantilismo e servidão) atendia aos interesses de outraclasse, que era a nobreza feudal, a aristocracia.

Feudalismo e trabalho servil,mercantilismo, absolutismo sãoassuntos que você deve dominarporque fazem parte,obrigatoriamente, da formaçãodo aluno da escola de ensinobásico. Se sua escola nãoabordou esses temasdevidamente, o jeito é recorrer alivros didáticos de História Geralde nível médio. Uma boa sugestãoé o livro História das sociedades,de Rubim S. L. de Aquino, daEditora ao Livro Técnico. Livro em2 volumes.

Carlos Eduardo Novaes e WilmarRodrigues, no livro Capitalismo paraprincipiantes (22ª. ed. São Paulo: Ática,1995. p. 207-208), ensinam comocapitalismo (liberalismo) e democracia sãoinconciliáveis:

“A ideologia dominante (no mundoocidental) protege o mais que pode apalavra Capitalismo. Prefere sempresubstituí-la por uma expressão maissedutora: Democracia!

Só que Capitalismo não fecha comDemocracia. Capitalismo é um sistemaeconômico baseado na desigualdade(precisa da desigualdade!; Democracia éum regime político baseado na igualdade.Então, como é que fica?”

NOVAES, C. E.; RODRIGUES, V. Capitalismo paraprincipiantes. 22ª. ed. São Paulo, 1995, p. 207-208.

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Como toda classe social, a aristocracia detinha uma ideologia, quer dizer, uma visão demundo que, embora sua, era apresentada ao conjunto da sociedade como válida para todos, paraque todos orientassem suas ações sociais e políticas por essa visão de mundo. Ao mesmo tempo,ela possuía canais de elaboração e divulgação dessa ideologia, sendo a Igreja o mais significativo.Tamanha a presença da Igreja que, quando olhamos para a Idade Média européia, pensamos queela era a dona do pedaço e nos esquecemos de enxergar a aristocracia, a nobreza feudal, classesocial à qual a Igreja servia. Como viria a servir, mais tarde, à burguesia, quando esta tivesse seupoder consolidado.

Como acontece no Brasil de hoje, na sociedade européia da Idade Média, também haviaescolas. Naquela sociedade e, por extensão, em suas escolas, circulava uma pedagogia. Uma só?Que nome atribuir àquela(s) pedagogia(s)? Será que as pessoas daquela época estavampreocupadas em discutir, como as de hoje, nomes de pedagogias? Se havia mais de uma, qualseria a outra, além daquela que muitos denominam Tradicional? Tradicional em relação a quê? Oque caracterizaria uma pedagogia tradicional? Tradicional é sinônimo de velho? Você não achaessa imagem que os ditos escolanovistas pintam do que eles chamam tradicional um tantocaricatural? Existiria uma pedagogia tradicional em estado “puro”?

Georges Snyders, um estudioso da educação, diz que

É indispensável, em primeiro lugar, tirar, dessa expressão (pedagogiatradicional), qualquer sentido pejorativo, depreciativo, esse sentido que setornou tão habitual pela leitura dos teóricos dos ‘métodos novos’. [...] e talvezsejamos levados a considerar, nela, valores que não podem, pura esimplesmente, ser tratados com desprezo, coisa que, de modo algum, implicaráque se apresentem como definitivos, que recusem adaptação às novas épocase, até, transmutação profunda. (SNYDERS, 1974).

E se eu lhe disser que a elaboração dessa tendência pedagógica de matriz liberal, a que seconvencionou denominar Tradicional, pertence a Friedrich Herbart, na segunda metade do SéculoXIX e que, buscando suas origens, encontrá-la-emos no jesuíta Francisco Suárez, no Século XVI,e nos protestantes Ratichius e Comenius, no Século XVII, logo, na modernidade?

Acredito que você, refletindo a partirdessas indagações, concluirá que Tradicionalnão tem a ver, necessariamente, com Igreja(Católica) e com Medievalismo. Da mesmaforma que o discurso do “Novo” tem poucaconsistência. Lembre, por exemplo, aexpressão República Nova, utilizada paracaracterizar o período da história republicanabrasileira a partir de 1930! O que ele trazia deNovo em relação ao que se acusava comoVelho ou Tradicional, a República Velha? E aNova República, denominação atribuída a essaque começou, em 1985, o que ela trouxe de Novo em relação ao período que a antecedeu, oRegime Militar? E se o Novo tem a ver com liberdade, com democracia e coisas do gênero, por quea ditadura varguista (1937-1945) é denominada Estado Novo?

Estudo interessante sobre as tendênciaspedagógicas de matriz liberal é feito porDermeval Saviani, no livro Escola edemocracia. Nesse livro, dentre outrascoisas, ele compara a PedagogiaTradicional (Pedagogia da Essência) coma Escola Nova (Pedagogia da Existência),desde suas bases fi losóficas,denunciando a mistificação de que aEscola Nova é fruto.O livro, cuja primeira edição é de 1983,continua atual. No ano 2003, ele já seencontrava na edição 36.É inadmissível que um estudante do Cursode Pedagogia não possua esse livro!

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Depois de você haver refletido sobre o Novo na política, tenho certeza de que não serádifícil tirar conclusões sobre o discurso do Novo na educação. Você concluirá, garanto, que oNovo, nesse caso, trata-se, apenas, de uma figura de retórica, uma forma de obter a adesão datotalidade social para a realização de um projeto particular, qual seja, o de uma classe ou fraçãode classe social, apresentado em nome daquela totalidade. Essa classe, ou fração de classe, quese apresenta como capaz de gerir uma sociedade como a nossa (subdesenvolvida, terceiro-mundista, em desenvolvimento, emergente ou sei lá o quê) necessita de um discurso unificador,aglutinador dos diversos segmentos da sociedade. Um discurso possível é o do Novo. Novo emrelação a quê?

<Novo> significa, em última instância, estar de acordo com asverdades enunciadas no discurso das forças políticas, cujo projetode gerenciamento da sociedade mostrou-se vitorioso. Em nosso casoparticular, aquele projeto que levou Vargas ao poder, em 1930, mesmotendo sido derrotado nas urnas. O mais grave é que esse projeto foireforçado em 1937, com o estabelecimento de uma ditadura, e em1950, pela via eleitoral, quando o mesmo Vargas voltou ao poder,depois de um breve repouso como senador pelo seu Estado, o RioGrande do Sul. Isso, para não falar nos governos subseqüentes,eleitos, e naqueles que se estenderam a partir de 1964. E de 1985.

Que projeto era esse, então? O que havia de Novo a partir dosgovernos que se sucederam no Brasil desde 1930? A resposta aessas perguntas exigiria muita reflexão de nossa parte. Como reflexãopressupõe conhecimento, teríamos que recorrer a bons livros dehistória do Brasil. Essa história, que inclui o econômico, o político, osocial, é de fundamental importância para que passeemos pela históriada educação com certa segurança. Anísio Teixeira, um dos expoentesda pedagogia renovadora, escrevia, já em 1934, que “a escola deveser uma réplica da sociedade a que ela serve”. Compreendê-la, assimcomo a história da educação, passaria, necessariamente, por umacompreensão da história mais ampla.

Anísio Teixeira também afirmou ser urgente “reformar a escola para que ela possa acompanharo avanço material de nossa civilização e preparar uma mentalidade que moral e espiritualmente seajuste com a presente ordem das coisas”. Essa presente “ordem das coisas”, apoiada no tripé

Assim como “novo”,democracia é outrapalavra viciada emnosso vocabulário.Quantas ditadurasnão têm se instaladono poder em nome dagarantia dasl i b e r d a d e sdemocráticas? E se ademocracia ainda nãotiver chegado pode serdecretada. Ou vocênão sabe que tivemosno Brasil umpresidente-cavaleiro-ditador que se gabavaem dizer que fariadeste país umademocracia?

Embora estejamos num curso de nível superior, este não é um curso de História, masde Pedagogia. Nesse sentido, não há por que amedrontá-lo exigindo a leitura deautores clássicos sobre a História do Brasil. Mesmo porque existe boa produção didáticaem nível de ensino médio, a exemplo do livro História da sociedade brasileira, deFrancisco Alencar, Editora Ao Livro Técnico.

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constituído pela ciência, pelo industrialismo e pela democracia, como explica o <Manifestodos Pioneiros da Educação Nova>, requer, como diz Saviani, interpretando Anísio Teixeira, “areforma da escola [que] terá que se apoiar em uma nova psicologia, construída a partir daevolução do conceito de aprender, que passa a ser entendido com o significado de ‘ganhar ummodo de agir’” (SAVIANI, 2003, p. 10).

Bem! Conhecer em que consistem as tendências pedagógicas denominadas Tradicional eNova, o que essencialmente as distingue, é coisa que requer, como você está observando, muitaleitura. Essas tendências, que estiveram em confronto ao longo de todo o período que estamosestudando e que terminou pela vitória da segunda, ainda são objeto, vez ou outra, de discussõesentre professores, muitas delas, sem o menor sentido. Primeiro, porque a tendência pedagógicadominante em nossas escolas já não é a escolanovista. Desde fins dos anos 1960, a tendênciapedagógica produtivista de base tecnicista vem se impondo em nossa educação, de modo que,como diz Saviani,

A partir da reforma instituída pela Lei nº. 5.692, de 11 de agosto de 1971,essa concepção [...] convertida em pedagogia oficial, foi encampada peloaparelho de Estado que procurou difundi-la e implementá-la em todas asescolas do País. Na medida em que se processava a abertura “lenta, graduale segura” que desembocou na Nova República, as orientações pedagógicasdas escolas foram sendo flexibilizadas mantendo-se, porém, como diretriz básicada política educacional, a tendência produtivista. (SAVIANI, 2003, p. 19)

De tal maneira que a tendência pedagógica tradicional ainda se mantém viva entre nós,embora muitos professores não admitam reconhecerem-se como tais, devido ao sentido pejorativoque essa palavra, tradicional, recebeu.

Em seguida, eu diria que aquelas discussões tomam o secundário pelo principal. Para umprofessor que entende que pedagogia é formação e que, nesse sentido, tem caráter essencialmentepolítico, pois aquele que forma conduz, e quem conduz, conduz para algum lugar, e que esse lugaré o da conservação ou da transformação, da obediência ou da desobediência, da subserviênciaou da contestação, da aceitação ou do questionamento, o que está em jogo, para quem sepretende comprometido com a construção de uma sociedade alternativa a essa fundada nadesigualdade, na injustiça, não é a primazia do aprender (pedagogia tradicional), do aprender aaprender (pedagogia escolanovista) ou do aprender a fazer (pedagogia tecnicista), mas do paraque aprender. É preciso superar os limites das propostas pedagógicas liberais.

Por último, percebo que, nessas discussões, há um deslocamento do pedagógico para odisciplinar. Assim, o professor tradicional é visto como aquele que cobra freqüência dos alunos nasala de aula, faz provas, exige comportamento adequado dos alunos ao encaminhamento dotrabalho pedagógico, disciplina, controla. Enfim, é um careta, cafona, boco-moco, porque umprofessor “moderno”.

O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, lançado em 1932, é de tamanha importância parao estudioso da educação brasileira, que não vejo sentido em conhecê-lo por meio de outrem.Mesmo porque é um documento de fácil acesso. Não apenas é citado em livros, como pode serencontrado, na íntegra, via Internet. Basta você entrar no Google e escrever Manifesto dos Pioneiros.Não lhe custará nada. Vamos fazer isso?

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Ora, se existe controle sobre o aluno na escola, esse é muito maior nas escolas experimentais,ou escolas novas. É o que demonstra Nicolaci da Costa. O texto é longo, mas indispensável,sobretudo porque diz respeito ao nosso objeto de trabalho, a educação infantil:

Gostaria de argumentar que é nessa precariedade (ou ausência) de uma linhadivisória entre o público e o privado, acoplada à ênfase dada à liberdade deexpressão e ao incentivo conferido ao desenvolvimento de capacidadesidiossincráticas (características vistas por muitos como ‘liberadoras’ ou‘revolucionárias’) que se instaura um potencial de controle jamais sonhadoem qualquer pedagogia dita tradicional.

Explico: ao expressar-se livremente na presença de observadores (professorese seus assistentes) atentos, treinados e com tempo disponível, as criançasfacultam aos mesmos uma observação minuciosa e penetrante de todos (ouquase todos) os aspectos de seu fazer e de seu ser.

Isso é facilmente constatável por meio dos relatórios enviados aos pais porescolas que adotam as pedagogias experimentais , principalmente as doperíodo pré-escolar. Neles, fica claro que o alvo da avaliação não é mais omero ‘desempenho escolar’ da criança – como nos boletins das escolastradicionais, onde ela era (ou é) avaliada por seu aproveitamento em disciplinascomo ciências, matemática, português etc. -, mas seu ‘desenvolvimento global’,aferido por uma multiplicidade de micro-categorias de avaliação.

Além do exemplo já citado de um relatório (sobre uma criança de quatro anos)que continha 360 categorias de avaliação, cabe apresentar um segundo, ondea minúcia da observação se evidencia de outro modo. Um subitem intitulado‘organização motora de base’, do item ‘estruturação das funções intelectuais’,parte de um longo relatório semestral enviado aos pais de uma aluna por umaescola carioca, contém a seguinte observação:Cristina anda e corre com segurança. Sobe as escadas alternando os pés, nãonecessitando de apoio da parede (...). Para descer, não alterna os pés. Nãodemonstra dificuldade ao passar de sentada para em pé, deitada para sentada oudeitada para em pé.

Em outro item do mesmo relatório, intitulado ‘desenvolvimento da comunicação’,podemos ler:

Cristina sempre verbaliza suas necessidades com todos na sala. Conversa muitocom os amigos, com vocabulário adequado, dramatizando situações e referindo-sea si mesma pelo pronome ‘eu’. Responde às perguntas feitas sobre um objetopodendo determinar sua localização, função e características.

Finalmente, na seção dedicada ao ‘desenvolvimento emocional’, encontramos:Cristina é muito desembaraçada, carinhosa e amiga. Adaptou-se com tranqüilidadeao ambiente escolar e aos amigos, com os quais tem um carinho especial. Estásempre atenta e disposta a cooperar nas rodinhas, gostando de fazer perguntas econversar sobre o assunto dado ou falado. Realiza muito bem suas atividades,gostando muito da colagem, onde realiza bonitos trabalhinhos. Verbaliza todas assuas necessidades e enfrenta com tranqüilidade situações novas. Está sempresorrindo e de bom humor.

É incontestável que esse avaliador conhece Cristina muito bem. Além de suascapacidades e preferências, é capaz de descrever em detalhes até seu modode subir e descer escadas.

É também fora de dúvida que esse tipo de conhecimento profundo sobre ooutro é fonte de poder (e de eventual controle) sobre ele. Aliás, tanto a vigilânciaminuciosa como fonte de saber quanto o saber como fonte de poder não sãonovidade e, além de terem sido detidamente analisados por Michel Foucault,Basil Bernstein e Pierre Bourdieu, foram elementos básicos do pesadelo demuitos, como do 1984, de George Orwell.

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DESAFIO

Seriam portanto as crianças submetidas às pedagogias experimentaisrealmente mais livres que aquelas que foram ou estão sendo educadas nosmoldes propostos pela pedagogia tradicional?Seria, ainda, desejável, dada a análise que esbocei, que as pedagogiasexperimentais fossem, como tantos parecem desejar, implantadas na redepública de ensino – mesmo que fosse possível eliminar o maior obstáculo aoprojeto: seu alto custo -, para que crianças das camadas populares a elaspudessem ser submetidas?

Estas são algumas questões que a análise do discurso e das práticas daspedagogias tradicionais e experimentais permite levantar. São questões que,a meu ver, deveriam suscitar maior reflexão e aprofundamento por pais,educadores e outros profissionais envolvidos com a formação das novasgerações. (NICOLACI-DA-COSTA, Ana Maria. “Nova pedagogia – velha vigilância”.In: Revista Ciência Hoje, vol. 8, nº. 45, Agosto/1988, p. 42).

Reúnam-se em grupos de cinco pessoas. Leiam o texto que constitui esta aula, coletivamente. A seguir,individualmente, relacionem as palavras e frases que lhes pareçam mais significativas para a compreensãosobre o Liberalismo, a Pedagogia Tradicional e a Pedagogia Nova. Agora, voltem a se reunir, comparando o quecada um produziu, e procurem construir um novo quadro de palavras e frases que contemplem a compreensãode cada um. Se necessário, recorram a aulas anteriores, como aquela intitulada “Concepções da história e dapedagogia na história da educação brasileira”, bem como a aulas deste e de outros componentes curriculares.

De posse desse conhecimento, abram uma discussão em torno dos problemas mais freqüentes ou, pelo menos,os que têm merecido maior cuidado na escola onde vocês trabalham. Dos vários problemas apresentados,escolham um que seja comum ao grupo. Discutam profundamente sobre ele, sem perder de vista que ele serelaciona com os outros problemas. Não se limitem a discutir apenas a partir da maneira como vocês o vêem,mas tragam para a discussão o que já ouviram dos alunos, dos pais dos alunos e dos funcionários a respeito.

É possível que vocês atuem em escolas diferentes. Nesse caso, centrem sua discussão sobre apenas uma delas,mas trazendo para ela o que vocês perceberam nas demais.

Agora vai chumbo grosso: em duas laudas, conforme o modelo já conhecido, registrem o problema, as discussõesque vocês travaram sobre ele e como sugeririam a sua solução.

Na conclusão do seu escrito, que deve conter entre 10 e 15 linhas, explicitem qual concepção da história e dapedagogia orientou sua tomada de posição.

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AULA 9: EDUCAÇÃO INFANTIL: UM LONGO CAMINHO A PERCORRER

Neste momento, estamos entrando na fase final de nosso percurso. Certamente, ainda hámuito o que discutir sobre a educação brasileira, referente ao período histórico compreendidoentre as décadas de 1930 e 1960, mas nosso espaço é por demais limitado. Também haverá muitoo que dizer sobre o período histórico seguinte mas, pelo mesmo motivo, seremos breves.

Quanto ao período histórico de que agora trataremos, situá-lo-emos entre a década de1960 e os dias atuais. O ano preciso para demarcar seu início, como aconteceu com o anterior,depende do objeto de estudo do historiador. Poderia ser 1961, como sugeriu Saviani (2003),quando, levando em conta o legado do longo Século XX brasileiro para educação pública, consideroua promulgação da nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 4.024/1961) ummarco da maior importância.

Também poderia ser o ano 1969, quando o mesmo Saviani, tendo como objeto de estudo“As concepções pedagógicas na história da educação brasileira”, destacou essa data como omomento da emergência da concepção pedagógica produtivista entre nós. Ainda que nos anos1960, segundo o autor, se verificasse intensa experimentação educativa, expressando a hegemoniado movimento renovador, com a consolidação dos colégios de aplicação, o surgimento dos ginásiosvocacionais, o grande impulso à renovação do ensino de matemática e de ciências, o modelorenovador se esgotava. Exemplo disso foi o fechamento do Centro Brasileiro de PesquisasEducacionais. Ao mesmo tempo, crescia o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos), fundado em1961, e que representaria importante papel na conflagração do golpe de Estado que ocorreria em1964. Os novos governos procederiam a uma reorientação geral do ensino.

No que diz respeito ao momento final desse período, Saviani situou, no segundo caso, osdias de hoje, quando ainda predomina a concepção pedagógica produtivista. Já no primeiro caso,ele destacou o ano 1996, quando foi promulgada nossa atual LDBEN (Lei 9.394/1996). Essa dataé da maior importância para a história da educação infantil brasileira, pois foi somente a partirdessa Lei que a educação da criança pequena, a educação infantil, aí incluídas a creche e a pré-escola, ganhou status legal. Tamanha essa importância que, se reduzíssemos a história da educaçãobrasileira à história da educação infantil brasileira, seria coerente consider apenas dois períodoshistóricos: um anterior e outro posterior a 1996.

Observe que temos insistido, ao longo do nosso percurso, em periodizar a história, comoorienta Saviani (2003), segundo critérios internos ao objeto investigado, qual seja, a educação.Não quer dizer com isso que pretendamos proceder a uma história da educação autônoma emrelação aos processos político, econômico, social e cultural de que a educação faz parte eexpressa. O pedagogo renovador, Anísio Teixeira (1900-1971), já observara, em 1968, que “aescola é o retrato da sociedade a que serve”. Ao mesmo tempo, combatemos a maneira deescrever a história da educação como um mero apêndice do processo histórico mais amplo, aexemplo de alguns manuais didáticos de história da educação, que separam o que seus autoresdenominam “contextualização histórica” do conteúdo da educação propriamente dito. Por esseviés, eles deixam de enxergar a dinâmica própria do fenômeno educativo, além de incorrer naquiloque, muitas vezes, dizem combater: uma história fragmentada.

No trabalho de proceder a uma “contextualização histórica”, aqueles autores privilegiam umdos aspectos da história, seja o político, o econômico, o cultural. O aspecto político, por exemplo,

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muitas vezes aparece como se fosse a própria história, e a educação não o fosse. Isso ficaevidente na abordagem sobre educação, com base numa periodização que tem como parâmetrosos fatos da história política. Se eu, por exemplo, participasse dessa posição, certamente começariaesse período que agora estudamos em 1964 (“Revolução” de 31 de março”), faria um corte em1985 (“fim” do regime militar, nascimento da “Nova” República) e seguiria até os dias de hoje.

Ora! Essa periodização da história segundo marcos políticos já é complicada em si mesma.Primeiro, porque camufla a presença da instituição militar em toda a nossa história republicana.Segundo, mas não em ordem de importância, porque esconde que as políticas de governodesenvolvidas ao longo do Século XX brasileiro guardam um forte caráter de continuidade,independentemente de provir de regimes “de exceção” ou de regimes “democráticos”, políticasque não vão além da adequação do País às exigências do capital internacional.

Em terceiro lugar, por ser herdeira daquela periodização da história universal elaborada noSéculo XIX, e que você conheceu, na Aula 3 da Unidade I, uma história dos eventos, ou dosgrandes acontecimentos, uma histoire événémentielle, como diriam os franceses, feita por heróis.Trata-se de uma história que deseduca, melhor dizendo, que educa para a submissão, asubserviência, a passividade dos aprendentes, porque ensina que há quem faça a história poreles.

E como já entramos, nesse terceiro arrazoado, no coração da educação e da pedagogia, eudiria que os cortes artificiais que são feitos na elaboração da periodização da história, segundoparâmetros de ordem política, impedem o observador pouco atento de perceber, por um lado, acontinuidade de políticas educacionais e de projetos pedagógicos na passagem de um regimepolítico dito democrático (os governos populistas) para outro dito de exceção (o regime militar),e para outro, ainda, dito democrático (nova república). Vamos ilustrar?

Como você sabe, no ano de 1961, entrou em vigor a primeira LDBEN brasileira. No processode tramitação dessa Lei, já estava presente a concepção produtivista da educação, inspirada naTeoria do Capital Humano. Você já leu algo sobre essa Teoria, formulada nos anos 1950 porTheodore Shultz, e que surgiu, no período dominado pela economia keynesiana e pela política doEstado de Bem-estar Social. Você também já leu a respeito e deve saber que o nome “keynesianismo”derivou do economista John Maynard Keynes (1883-1946). A aplicação de suas idéias no campoeconômico levou o mundo capitalista a superar a crise dos anos 1930 e a conhecer o que ficouconhecido como a era de ouro do capitalismo. Preconizava-se o pleno emprego. Nesse momentode euforia, porque a economia capitalista (nos grandes centros) andava a passos largos, Shultzensinou que a educação teria como função preparar as pessoas para atuar em um mundo emexpansão, que exigia força de trabalho educada. Pablo Gentilli, citado por Saviani (2003), diz que

O processo de escolaridade era interpretado como um elemento fundamentalna formação do capital humano necessário para garantir a capacidadecompetitiva das economias e, conseqüentemente, o incremento progressivoda riqueza social e da renda individual.

Ora, nos anos 1970, advinha mais uma crise no sistema capitalista, e mais uma “era deouro” do capitalismo chegava ao final. O que fazer com a Teoria do Capital Humano? Comojustificar a crença na contribuição da educação para o processo econômico produtivo se a

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economia, passados aqueles quase vinte anos de euforia, não dava a resposta esperada? Recessãoeconômica, inflação, desemprego constituíam a nova realidade. Pior para os países periféricos,pois os desníveis regionais agravavam-se a cada dia. Mas era preciso manter a crença no poderda educação. Para tanto, bastava adaptar a Teoria à nova realidade, refuncionalizá-la. Saviani(2003), seguindo os passos de Pablo Gentili, assim se manifesta:

Passou-se de uma lógica da integração em função de necessidades e demandas de carátercoletivo (a economia nacional, a competitividade das empresas, a riqueza social etc.) para umalógica econômica estritamente privada e guiada pela ênfase nas capacidades e competênciasque cada pessoa deve adquirir no mercado educacional para atingir uma melhor posição nomercado de trabalho.

Nesse novo contexto não se trata mais da iniciativa do Estado e das instâncias deplanejamento [mas do] indivíduo que terá que exercer sua capacidade de escolha visando aadquirir os meios que lhe permitam ser competitivo no mercado de trabalho. E o que ele podeesperar das oportunidades escolares já não é o acesso ao emprego, mas apenas a conquista dostatus de empregabilidade.

A partir do que foi dito até agora, você não acha que está faltando alguma coisa, que essarelação direta que a Teoria do Capital Humano estabelece entre educação (escola) e economia(trabalho) está furada? Pois bem, isso foi percebido por muitos estudiosos e tornou-se objeto demuitos trabalhos acadêmicos. Na crítica a essa Teoria vieram, primeiro, os chamados crítico-reprodutivistas. Depois, vieram os críticos dos críticos, destacando-se o brasileiro Cáudio Salm.Cada um desses trabalhos, por melhor que sejam, sempre deixam de enxergar alguma coisa. Foiassim que outro brasileiro, Gaudêncio Frigoto, superou as críticas feitas por Salm que, por suavez, havia superado os crítico-reprodutivistas. E agora, será que as conclusões a que Frigotochegou sobre a crítica à Teoria do Capital Humano representam o ponto final da discussão? Sobreesse assunto existe um texto de autoria de Roberto Leher, que encontrei recentemente naInternet, sob o endereço: <http://www.revistaoutubro.com.br/edicoes/03/out3_03.pdf>. É ummaterial muito rico, por isso vale a pena conhecê-lo por completo. Nesse estudo, o autor mostrao que está por trás da Teoria do Capital Humano e dos discursos e pretensas políticas em favorda educação básica, voltada para o trabalho e a formação do cidadão. Encontros e mais encontros,conferências e mais conferências, fóruns e mais fóruns de debates sobre educação, investimentos,reformas, novas propostas pedagógicas. Mas, o que está por trás de tudo isso? Leher ofereceuma explicação.

E quanto à educação infantil, essa primeira etapa da educação básica? As posições arespeito são muitas e contraditórias. Sem pretender dar conta da questão, cito algumas dessasposições para vocês refletirem. Existem os que fazem o apanágio da educação infantil, como naspalavras de uma professora:

Acredito que o termo “pré-escola seja inadequado para o século XXI. Pré pressupõe umapreparação para a escola. A Educação Infantil, na verdade é muito mais que isso. Aqui sãolançadas as bases de todas as aprendizagens futuras.

O economista Gustavo Ioship (que é ou era na época da entrevista, em 2007, consultor doBanco Mundial) assim se pronunciou:

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Cada vez mais a Educação Infantil (ou pré-escolar) ocupa um lugar dedestaque nas discussões sobre a Educação Básica no Brasil. Como o sr.avalia esse tendência? quarta-feira, 10 de janeiro de 2007.

Começa a se acumular evidência sólida de que a Educação Infantil tem impactospositivos, ainda que de magnitude não muito grande, sobre o aprendizadoposterior. Assim, essa é uma tendência benéfica.

Contudo, a experiência internacional demonstra que a Educação Infantil nãoé condição necessária para o bom aprendizado no Ensino Fundamental. Porisso, fico preocupado que usemos a Educação Infantil no Brasil para desviar aatenção do principal, que é a melhoria do Ensino Fundamental.

Temos de parar de pensar em termos quantitativos (mais escolas, mais classes,mais anos de ensino etc.) e pensar em termos qualitativos. Temos de fazermelhor com o sistema que já está aí.O pior que pode acontecer para a educação brasileira é se firmar a conclusãode que a Educação Infantil é indispensável para a qualidade no EnsinoFundamental, porque assim perderemos mais dez anos universalizando aEducação Infantil para, então, nos darmos conta de que o esforço foi em vão.

Fonte: <http://www.todospelaeducacao.org.br/AgenciaNoticias/Site/Categoria1/Not%C3%ADcias/tabid/76/ctl/ArticleView/mid/403/articleId/165/default.aspx?tit=Entrevistas>. Acesso em: 19 abr. 2007.

Uma pedagoga assim se expressou sobre a questão:

A educação pré-escolar no Brasil é um fenômeno relativamente recente, queestá sem dúvida associado à grande participação das mulheres na força detrabalho, assim como associado a seu acesso a oportunidades educacionais.Dados os níveis extremamente baixos dos salários, o trabalho feminino setorna praticamente indispensável para a renda familiar, fato a que seacrescenta o grande número de famílias de um só cônjuge, normalmente amulher, principalmente nos setores de pior condição social. Para estasmulheres, a possibilidade de poder deixar seus filhos algumas horas por diaem um ambiente educacional protegido é um recurso de importânciainestimável. Os dados sobre quem financia a educação pré-escolar — osmunicípios, no atendimento às comunidades locais, e o setor privado, noatendimento às classes médias — parecem confirmar esta interpretação sobrea função da educação pré-escolar.Menos claro é o significado da educação pré-escolar em termos propriamenteeducacionais. A interpretação corrente é que a educação pré-escolar preparariaas crianças para a alfabetização e o ensino de primeiro grau, reduzindo astaxas alarmantes de repetência da primeira série. No entanto, existem sériasdúvidas sobre os custos emocionais e intelectuais de uma separação prematuraentre mães e filhos. Tudo depende das condições do lar em que a criançahabita e das condições da escola que ela freqüenta. Um sistema de educaçãopré-escolar bem conduzido pode compensar situações familiares poucofavoráveis, enquanto escolas e creches de má qualidade, que funcionamsobretudo como depósitos de crianças, podem prejudicar o envolvimento dasmães com a vida intelectual e emocional de seus filhos, com sériasconseqüências para seu desenvolvimento ulterior. As poucas evidênciasdisponíveis parecem sugerir que a educação pré-escolar não tem tido umimpacto significativo na redução da repetência escolar de primeiro grau. Alémdisso a faixa etária de muitos dos alunos presentes — 7 anos, inclusive —sugere que o pré-escolar pode estar funcionando como uma forma disfarçadade retenção para estudantes que não conseguem progredir na aquisição dosconteúdos culturais que a escola exige.

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Estas considerações sugerem que a universalização da educação pré-escolartalvez não deva ser uma meta explícita para a educação pública brasileira,cujos problemas financeiros e administrativos mais cruciais se manifestam nonível da educação básica. Seria importante, neste contexto, distinguir comclareza as necessidades de cuidados infantis, para os filhos de mães quetrabalham, das necessidades educacionais propriamente ditas, ainda que estasduas coisas não possam ser totalmente separadas.

Simon Schwartzman, Eunice Ribeiro Durham e José Gol. A EDUCAÇÃO NOBRASIL EM UMA PERSPECTIVA DE TRANSFORMAÇÃO. Disponível em: <http://www.schwartzman.org.br/simon/transform.htm>. Acesso em: 20 abr. 2008.

E quanto a uma pedagogia para a pré-escola:

Cabe então, indagar, a esta altura da discussão: Valeriam para a educaçãoinfantil parâmetros pedagógicos escolares estabelecendo-se apenasdiferenciais relativos à faixa etária?

Minha tendência neste momento é responder que não, uma vez que a tarefadas instituições de educação infantil não se limita ao domínio do conhecimento,assumindo funções de complementaridade e socialização relativas tanto àeducação como ao cuidado, e tendo como objeto as relações educativas-pedagógicas estabelecidas entre e com as crianças pequenas (0 a 6 anos).De fato, a multiplicidade de fatores que estão presentes nestas relações,sobretudo nas instituições responsáveis pelas crianças pequenas, exige umolhar multidisciplinar que favoreça a constituição de uma Pedagogia daEducação Infantil, e tenha como objeto a própria relação educacional-pedagógica expressa nas ações intencionais que, diferentemente da escolade ensino fundamental, envolvem além da dimensão cognitiva, as dimensõesexpressiva, lúdica, criativa, afetiva, nutricional, médica, sexual etc. Acreditoque a extensão desta perspectiva pode influenciar a escola e passar a constituiruma Pedagogia da Infância (0 a 10 anos). Mas fiquemos alertas. Por se referira instituições educativas, toda Pedagogia da Educação Infantil traz à tona asvelhas ambivalências: liberdade-subordinação, dependência-autonomia,atenção-controle, inerentes à relação infância e Pedagogia.

Vamos, agora, ao nosso último desafio?

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Trilhas do Aprendente, Vol. 2 - História da Educação Brasileira II208

1) Retome suas leituras e os fichamentos que você já deve ter feito sobre as concepçõespedagógicas mais presentes no dia-a-dia em sua escola. Para tanto, você fez as leituras querecomendamos, além de outras que sua curiosidade estimulou. Além disso, você é uma pessoaatenta para o que ocorre ao seu redor, você é um bom observador.

2) De posse desse material escrito, reúna-se com seus colegas - o grupo de sempre - e discutamsobre essas concepções pedagógicas. A partir de então, elaborem 5 perguntas a ser feitas avereadores da sua cidade. É importante que vocês mantenham contato com os outros grupos,por duas razões. Em primeiro lugar, para que as perguntas sejam as mesmas ou, no mínimo, asmais próximas possíveis, de modo a não encher a paciência do entrevistado. Em segundo lugar,para evitar que todos procurem um ou dois vereadores, e os demais fiquem de fora. A idéia éconhecer o pensamento dominante na Câmara sobre educação.

3) As perguntas são uma criação exclusivamente sua. Tenham cuidado para não ser inconvenientescom o entrevistado, que deve ser tratado com o maior respeito. Abordem-no sem preconceito,pois se ele, por acaso, não chegou a uma Universidade como você, nem por isso deixa de tercerto nível de compreensão das coisas, inclusive sobre educação.

4) Como vocês já tiveram experiências a partir de entrevistas anteriores, sabem que as perguntasdevem ser curtas, objetivas, diretas. Identifiquem os entrevistados pelos números 1, 2, 3... ou A,B, C..., nunca, pelo nome. Basta citar, na sua redação, o sexo e a idade média do entrevistado.Ninguém, afora vocês, poderá identificar qualquer dos entrevistados.

Não entreguem perguntas para que os entrevistados respondam depois, por escrito. Por essecaminho, vocês não vão conseguir muita coisa.

5) Agora vocês devem estar inquietos, querendo saber sobre o conteúdo dessas perguntas. Achoque não é difícil descobrir. Se você leu esta aula com bastante atenção, dá para perceber quequero saber o que os vereadores do seu município pensam sobre educação infantil e o ensino dasséries iniciais (sua importância, necessidade social, responsabilidade do poder público municipal,funcionamento de uma creche ou pré-escola, projetos discutidos na Câmara sobre o assunto,capacitação dos professores, financiamento desses níveis de educação, satisfação da comunidadequanto aos serviços educacionais prestados pelo poder público municipal, propostas de melhoriaquanto a esses serviços, políticas de combate à evasão e à repetência, enfim, há muito o quesaber).

6) Feito isso, redijam um texto que dê conta do que vocês coletaram dos entrevistados, associandosua fala a uma ou mais concepções da educação que vocês já conhecem. Tenham cuidado paranão separar as coisas: o mais importante nesse desafio está em vocês demonstrarem a capacidadede estabelecer relações. O texto deve ser feito em duas laudas, conforme o modelo dos desafiosanteriores. Não esqueçam de escrever as perguntas que vocês elaboraram e a bibliografiautilizada.

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