Argumento 134
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nº 134 nov>dez 2009
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índice
Argumento (Inscrito no ICS sob o nº 111174)
e-mAIl [email protected]
DIreCção eDItorIAlCine Clube de Viseu
ConCepção e exeCução gráfICAcargocollective.org/dpx
eDItor e proprIetárIoCine Clube de Viseu (inscrito no ICS sob o nº 211173)
tIrAgem DeSte número1.000 exemplares
ImpreSSãoTondelgráfica (Tondela)
Ano xx, nº 134novembro - Dezembro 2009
AgrADeCImentoSorfeu negroricardo matos maboteresa Cordeiro
ficha técnica
domínio, alojamento do site e e-mail
sessões de cinema
cinema para as escolas
cine-arquivo
apoio à divulgação
Largo da Misericórdia,
24 2º // 3500-158 Viseu
Tel 232 432 760
Tlm 922 192 984
www.cineclubeviseu.pt
e agora, a cultura
Se dúvidas houvessem sobre o papel subalterno que os políticos e os
media reservam para a cultura nas estratégias e nos debates para o país,
essas dúvidas ficaram desfeitas com a ausência do tema dos programas
e dos principais focos de atenção mediática dos últimos meses. Agora,
quase em “câmara lenta”, o interesse surgiu, novas ideias também e uma
renovada atenção da parte dos governantes. Em raro e invulgar momento
de sintonia, por Lisboa e Viseu ouvem-se, ao mesmo tempo, promessas
quanto ao reforço de atenção e meios para o sector. Com um contexto
tão favorável à “valorização da cultura”, cabe a este editorial expor duas
medidas estruturais, uma da competência do Ministério da Cultura e outra
da Câmara Municipal de Viseu, que podem contribuir para o acesso cada
vez mais alargado à oferta cultural, no primeiro caso, e para uma diversida-
de dessa mesma oferta, no segundo.
Formação de novos públicos
Criado em 1998 pelo Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimedia (ICAM,
actualmente ICA), o Programa VER veio apoiar a formação de novos públi-
cos, dando resposta às necessidades de trabalho junto das escolas com o
objectivo de diminuir atrasos estruturais na utilização do cinema e audio-
visual como dispositivo pedagógico.
Com o desenvolvimento natural dos projectos de diversas instituições e a
progressiva abertura do sistema de ensino às práticas de educação artís-
tica, Portugal conhece, hoje, um período de grande diversidade de oferta
na área. Em 2009, o VER recebeu 19 candidaturas, do Norte, Sul e ilhas, e
onze desses projectos receberam uma classificação superior a 8,5 valo-
res numa escala máxima de dez, atribuída por um júri. O projecto Cinema
para as Escolas, do CCV, financiado pelo VER desde 1999, mereceu a me-
lhor nota do concurso.
Sendo por definição um campo não lucrativo, a formação de novos públi-
cos em Portugal depende em grande medida do empenho e capacidade
de organização de associações culturais, cine clubes e grupos informais,
com o apoio do Estado português.
Deste modo, torna-se urgente a dignificação e valorização do VER, deven-
do o ICA tomar medidas concretas no sentido de promover condições de
trabalho para os agentes que prosseguem os objectivos definidos pelo
programa:
a) Aumentar o financiamento disponível. O valor actual cifra-se em 100 mil
euros/ano, ou seja, muito menos de 1% do total do orçamento do ICA, pou-
co condizente com a prioridade desta área para o país;
b) Abrir concursos plurianuais de financiamento, acompanhando as ne-
cessidades naturais de planificação a prazo dos projectos. Como compre-
ender que os contratos programa para Festivais de Cinema sejam pluria-
nuais e para projectos de formação não?
e agora, o digital.
A progressiva mudança do suporte de exibição dos filmes na Europa, da
película para o digital, em curso até 2013, obriga a grandes despesas com
a adaptação técnica das salas de cinema. São óbvias as dificuldades dos
exibidores independentes em conseguirem, sozinhos, suportar estes cus-
tos. Com o avançar do tempo, muitos filmes estreiam apenas com cópias
em digital, colocando em risco a actividade dos exibidores não lucrativos
do continente europeu, que tal como o CCV, apenas exibem em pelícu-
la. A fim de evitar a extinção da exibição não lucrativa de cinema, existe
uma medida do QREN que contempla a possibilidade de financiamento
até 70% dos custos de adaptação das salas de exibição ao novo siste-
ma. Como o CCV não é proprietário de qualquer sala, o assunto terá de
passar pela Câmara Municipal de Viseu, instalando esse equipamento no
futuro Centro de Artes do Espectáculo de Viseu. Trata-se de uma opção
que deve ser encarada em defesa da possibilidade de escolha do público,
considerando que o cinema é uma forma de arte e entretenimento que
não pode nem deve ficar apenas por conta da oferta comercial. A longa e
profícua história do CCV comprova o papel indiscutível da programação
criteriosa e independente de cinema na cidade, para os espaços culturais,
para o público, para a vida cultural – e a história merece continuar.
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“SINGULARIDADES DE UMA RAPARIGA LOURA” é o fil-me do centenário. E o centenário que comemora é o do próprio realizador, Manoel de Oliveira, que aos 100 anos de vida mostra uma juventude de espírito e uma ener-gia produtiva de fazer inveja a muitos jovens. O seu mais recente filme (mas outro já está na forja!) adapta um co-nhecido conto de Eça de Queirós, uma história repleta da ironia do mestre do realismo literário português que é também uma subtil sátira aos costumes e convenções de uma burguesia medíocre e convencida. Oliveira, igual-mente responsável pelo argumento, ‘actualiza’ a história de Eça, tal como fizera com “A Princesa de Clèves”, de Madame de La Fayette, em “A Carta”. Em ambos os ca-sos, o que o autor procura é mostrar a permanência de regras, convenções e preconceitos que ditam as rela-ções sociais e românticas ao longo dos tempos.Mas o que faz deste “Singularidades…” um dos melhores filmes do autor de “Amor de Perdição” não é apenas este olhar simultaneamente distante e irónico, é também a forma com que o envolve, que lhe dá uma tonalidade estranha, onde moderno e primitivo se cruzam. Ainda mais do que em “Porto da Minha Infância”, é aqui que se encontram os sinais de um cinema ‘antigriffithiano’, que comporta uma espécie de sabor primitivo dos pioneiros da Sétima Arte e cuja narrativa se vai transformando, a pouco e pouco, num olhar moderno sobre as perso-nagens e a situação que vivem. Aquele primeiro olhar reflecte-se na opção do realizador por um cenário des-pojado e minimalista e pela redução de espaços de ac-ção, a que a curta duração do filme (64 minutos) dá ain-da uma unidade e consistência maiores. É desta forma que se desenrolam algumas das cenas fundamentais, aquelas em que Macário (Ricardo Trepa) descobre Luísa (Catarina Wallenstein) na janela fronteira (Catarina Wal-lenstein): olhares secretos à do escritório onde trabalha, nascendo aí a sua paixão. O cenário está praticamente
reduzido ao mínimo em adereços e decoração, levando o espectador a concentrar-se apenas no que interessa para a história: as janelas que quase se tocam (até neste aspecto passa o olhar ‘primitivo’, só interessado no es-sencial) e os olhares que através delas se cruzam. A ja-nela adquire, assim, uma função de ‘cumplicidade’ e ma-nifestação de pudor entre quem vê e quem é visto que não se encontrava no cinema desde Hitchcock.O cinéfilo conhecedor da obra de Oliveira sabe que a influência do autor de “Psico” sobre o realizador portu-guês vem de longa data. Os restantes (poucos) cenários e exteriores destacam-se também pela mesma econo-mia. E a narrativa segue um processo igualmente mini-malista, começando no interior de um comboio (no que poderia ser outra referência hitchcockiana, remetendo para o começo de “O Desconhecido do Norte-Expres-so”), onde Macário vai contar a uma passageira (Leonor Silveira) a sua patética história de amor, que nos vai surgir em imagens, num flashback interrompido, num ou nou-tro momento, por um regresso ao diálogo na carruagem. Quem tiver olhos que veja. “Singularidades de Uma Ra-pariga Loura” é exemplo de um cinema ‘puro’ há tanto tempo ausente e que tanta falta faz.© Manuel Cintra Ferreira, Expresso, 10.05.2009
ciclo nós por cá | 17_noV ‘09
SingularidadeS de uma rapariga lourade Manoel de oliveira, Portugal, 2009, 64’
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ciclo nós por cá | 24_noV ‘09
morrer como um homem
de João Pedro Rodrigues, Portugal, 2009, 130’
Cinema gay? Cinema, ponto final. Trata-se, uma vez mais, do desenvolvimento de um dos motivos temáticos e ico-nográficos do cinema de João Pedro Rodrigues: a passa-gem de género. O filme é uma elegia, ocupado pela melan-colia e pelo sofrimento calmo de um travesti que, sendo homem, é mulher, e que, sendo mulher, sabe que apesar de tudo é homem e é assim que quer morrer. Ditas assim as coisas, talvez dê vontade de rir. E sim, às vezes dá. No meio da melancolia, há momentos de ironia, de comici-dade, subtis, muito controlados, muito assumidos. O filme existe de uma maneira consistente, íntegra - cheio. Fica-se com uma percepção dessas existências de fronteira - é aí que João Pedro Rodrigues centra a sua atenção - vividas em inautenticidade. Seres que não en-contram nem corpo nem espírito, mas que, sim - deve ser essa umas das razões por que João Pedro Rodrigues faz filmes -, são o objecto de uma experiência transcen-dental, singular, intensa, própria. Imagine-se alguém que seja objecto de uma canção, da canção, radicalmente: que seja formatado pela canção, vivido pela canção... Qualquer coisa assim. Alguém que vive nessa inautenticidade fecunda, experimental. O
travesti sempre me pareceu ser um ser de canção. O travesti canta e imita o cantar. E o próprio filme, a mo-mentos, se encarrega de travestir-se, ele próprio, à ma-neira de uma técnica fotográfica antiga a que Man Ray chamava «solarization». É muito bonito quando isso acontece: é a imagem que se torna canção. «Morrer Como Um Homem» é um filme que junta a tudo isto uma calma de imagem a imagem, uma toada, um ritmo próprio. Não há uma única imagem do filme que não seja, em primeiro lugar, desde logo, para ver. E isso não irrita, pelo contrário. É certo que em «Odete», a sua longa-metragem anterior, a imagem assume uma espé-
cie de qualidade que cola aos olhos, hitchcockiana. Mas, mais uma vez, é uma questão de ritmo, ritmo visual, alia-do à consistência humana das situações representadas. «Morrer Como Um Homem» aguenta-se mais, desse ponto de vista - pode não trazer tantos prémios como os seus outros dois filmes, mas é melhor filme. Há coisas que às vezes fazem lembrar «The Trouble With Harry» - certas sugestões cromáticas, bem como o modo de presença do elemento humano na paisagem natural -, mas a imagem, e o filme, tem sobretudo uma qualidade buñueliana, que a sequência final, num belo movimento de composição, sintetiza. E terá cabimento dizer que talvez o filme pudesse ter ido mais longe e ter atingido uma dimensão mais dilacerante, e mais crítica ou iconoclasta, como sucede com alguns Almodôvar e como sucede, em sublime, com alguns Fassbinder? Perguntamos isto porque João Pedro Rodrigues pare-ce querer acreditar em qualquer coisa... De qualquer modo, é um filme íntegro, sintético, justo - tanto para quem goste de cinema como para quem não ande pelo mundo, e pelas imagens, de olhos fechados. © Eduardo Cordeiro, IOLcinema, 12/10/09
CineMA gAy? CineMA,
Ponto FinAl.
06
Cem mil cigarros oferece-nos uma visão retrospectiva da obra cinematográfica de Pedro Costa, reunindo textos de 29 críticos, ensaístas, realizadores e artistas de todo o mundo, entre os quais João Bénard da Costa, Thom Andersen, Chris Fujiwara, Jacques Rancière e Jeff Wall.Organizada e prefaciada por Ricardo Matos Cabos, esta monografia permite-nos um olhar alargado sobre a obra de Costa - os seus filmes, o seu pensamento, a paixão de realizar -, hoje uma referência fundamental no cinema contemporâneo.
Ano de edição 2009N.º pp. 336Formato 16,8 x 23 cmEAN 9789899556591Preço € 30
À venda em Viseu:FnAC / bertrAnd
ciclo nós por cá | 01_dez ‘09
o Sanguede Pedro Costa, Portugal, 1989, 95’
ciclo nós por cá | 08_dez ‘09
ne change riende Pedro Costa, Portugal, França, 2009, 100’
A 01 e 08 de Dezembro o Cine Clube de Viseu irá exibir dois filmes de Pedro Costa. Apesar de possuir uma fil-mografia extensa, apenas dois títulos estão disponíveis para exibição em Portugal: o “preambular” O sangue, estreado há 20 anos, agora reeditado em cópia nova, e ne Change rien.
As duas sessões inseridas neste ciclo surgem num mo-mento em que o trabalho do realizador conquistou um reconhecimento internacional muito relevante, com a retrospectiva da sua obra na Tate Modern em Londres (Setembro 2009) e a presença de Ne Change Rien, o seu último filme, no Festival de Cannes deste ano.
Em Portugal, foi recentemente editado pela Orfeu Ne-gro “Cem mil cigarros”, livro que reúne textos críticos a propósito da filmografia de Pedro Costa. Reproduzi-mos aqui alguns excertos do prefácio de Ricardo Matos Cabo, coordenador da edição, a propósito dos filmes e do trabalho de Pedro Costa.
coordenação editorialricardo matos cabo
edições orFeu negro
AUTORESthom andersenphilippe azouryJohannes beringernicole brenezrui chafesJoão bénard da costarichard dumasbernard eisenschitzchris Fujiwaratag gallagherJohn gianvitoJean-pierre gorinantónio guerreiroshiguéhiko Hasumi
João m. Fernandes Jorgephilippe l. J. lemièredominique marchaisadrian martinJosé nevesJoão nisamark peransonJames QuandtJacques rancièreandy rectorJonathan rosenbaumpaolo spazianiluce vigoJeff Wall
cem mil cigarrosos Filmes de pedro costa
07
De filme para filme, os exilados de Pedro Costa (como, de resto, os exilados noutros filmes) têm de reaprender e esquecer uma série de coisas para se manterem à tona da água. Esquecer o país de origem é esquecer a língua (como Edite em Casa de Lava), única hipótese para fin-gir uma integração. Recusá-la é igualmente ter de rein-ventar os espaços e esquecer os caminhos aprendidos. Como os “exilados” da noite branca no filme homónimo de Kent MacKenzie (The Exiles, 1961), protagonistas re-ais dos programas de realojamento dos anos 50 que deslocavam os índios norte-americanos das suas ter-ras para os grandes centros urbanos para os integrar no tecido social e como as suas deambulações pelo bairro agora desaparecido de Bunker Hill em Los Angeles, tam-bém os protagonistas de Costa, encontrados e prote-gidos pelos corredores labirínticos das Fontainhas e do Casal da Boba (esses bairros onde tudo é terra e muito pouco é céu), têm agora de reaprender o seu caminho, reconquistar o seu espaço, tactear as saídas e apoiar-se nas paredes para encontrarem pontos de fuga. Ventura caminha rente às paredes, nunca sabemos a distância real que percorre entre os dois mundos em que vive.Se Casa de Lava surge hoje como o epicentro deste percurso, filme dos retornos inversos e das expulsões forçadas, é por ser o filme que marca o abandono dos espaços metafóricos de O Sangue e que enterra aqui-lo que nesse filme era já uma inércia e uma ficção sem saída (o rosto-cadáver de Isabel de Castro, a feiticeira do primeiro filme), dando início a uma série de transfor-mações da narrativa que caracterizariam o seu cinema desde então. O filme foi planificado (com o recurso a um caderno de trabalho do realizador) segundo um princí-pio modernista de colagem/ montagem e aproximação sensível de influências cinematográficas (o Hawks de Land of the Pharaohs, Tourneur, Chris Marker), literárias (Desnos, Faulkner), musicais (Hindemith, a música de Cabo Verde), visuais (imagens de pintura, fotografias – Costa cita a propósito a sua admiração por Eugene Smi-th como hoje cita a que tem por Jacob Riis, entre outros) e fontes documentais (notícias de jornal, fait divers). Este processo de trabalhar permite aceder, num está-dio ainda de desenvolvimento, ao método do cineasta e compreender de que modo a questão da referencia-lidade (tão referida a propósito da sua obra) é antes de mais um instrumento prático de trabalho (procedimen-to percebido e explorado nos ensaios visuais feitos a propósito da sua obra, nomeadamente por Andy Rec-tor). Casa de Lava resulta do confronto entre essa pla-nificação e o improviso e contacto com os espaços e as pessoas que filma, estabelecendo as características do cinema do autor e o terreno intersticial dos seus filmes, ancorados no concreto das coisas e dos locais onde
filma, mas com uma alusão permanente à desadequa-ção e procura de um lugar de pertença daqueles que os procuram ou que a eles estão confinados.A dicotomia operacional entre o interior e o exterior, igualmente referida a propósito dos seus filmes, surge aqui pela primeira vez com a alusão feita pelo realizador à visão das casas na Ilha do Fogo, construídas de lava, vi-radas do avesso, como se fossem tumbas, no contraste com o exterior, e na procura de um equivalente – ape-nas permitido pelo cinema – de um tempo e espaço co-muns e universais, algures entre a morte e a vida, o inte-rior e o exterior. Não deixou desde então de perscrutar e filmar a “alma dos quartos” (usando a expressão de Dreyer), aquilo que apenas se revela na intimidade dos espaços reais, na sua complexa acumulação de histó-rias, presenças e ausências, uma busca que culmina no espaço de Tarrafal. Filme militante, que responde a uma urgência, a um facto real da vida de um dos protagonis-tas – zé Alberto, que acabou de receber uma ordem de expulsão do território –, Tarrafal tem como base um espaço que vai perdendo referentes (“Quando eu para aqui vim não havia casas”, diz-se a um dado momento), que se tem vindo a transformar num vasto terreno ci-nematográfico que já só pertence aos que nele habitam e que, embora ameaçado pelo exterior (o aviso de ex-pulsão cravado no poste com a navalha de zé Alberto, os vampiros que espreitam a oportunidade), é orgulho-samente deles, das suas histórias, do seu repouso; e é, tal como noutros filmes, uma oferenda do cineasta às pessoas que filma. (…).Finalmente, mas não menos relevante, é o facto de os filmes de Pedro Costa terem vindo a aproximar-se de uma economia de produção e distribuição cinemato-gráfica que se inscreve numa genealogia particular de cineastas que construíram a sua obra a partir do interior e com a participação directa das comunidades que ne-les aparecem – são vários os exemplos deste cinema: dos filmes de Andy Warhol, pela concentração formal e elisão das fronteiras entre protagonistas reais e filma-dos, mas também dos filmes de um colectivo como o de Ogawa Shinsuke, que em longas séries e sequelas cinematográficas acompanhou durante décadas as lutas, os ciclos de vida e de produção de pequenas co-munidades rurais no Japão. Fidelidade às pessoas, aos espaços, às suas histórias.Os seus filmes parecem, nessa medida, oferecer cada vez mais um refúgio contra o esquecimento e uma pos-sibilidade de reconquista para aqueles que neles inter-vêm, reinventando de modo exemplar um dos papéis primeiros do cinema (o realizador fala do poder vingati-vo do cinema no seu início, de Chaplin, “da possibilidade de vingança, sobretudo na ficção”). Presente nos seus filmes, desde logo, a combustão dos espaços (as foguei-ras na noite do primeiro filme, o vulcão em erupção que abre o segundo, as casas de fogo seco de Casa de Lava), dos corpos (em No Quarto da Vanda, o Muletas que se salva do fogo por um triz, as fogueiras que ardem dia e noite nas Fontainhas e à volta das quais a comunidade se reúne). Os quartos carbonizados em que Lento surge de mão dada com Ventura (e que contam uma história verdadeira de desespero) em Juventude em Marcha re-cordam a frase de James Baldwin em epígrafe, que tão bem resume a recusa da assimilação e da invisibilidade a que as ilusões de integração parecem querer remeter aqueles a quem o cinema de Pedro Costa dá presença, corpo, peso e voz.
do i really want to be integrated into a burning houSe?James Baldwin, The Fire Next Time
os Filmes de Pedro CoSTA PAReCeM oFereCer CAdA vez MAiS uM reFúgio ContrA o eSQueCiMenTo e umA PossibilidAde de ReConQuiSTA PARA AQueLeS Que neLeS inTeRvêM, ReinvenTAndo de Modo exeMPLAR uM doS PAPéiS PRiMeiRoS do CineMA - o reAlizAdor FAlA do PodeR vingATivo do CineMA no Seu iníCio, de ChAPLin, “dA PossibilidAde de vingAnçA, sobretudo nA FiCção”
aS caSaS QueimadaS© ricardo matos caboLisboa, Abril de 2009
08
ValenTimValentim era um boneco de madeira que tinha um so-nho… deixar de ser boneco para ser uma pessoa de car-ne e osso. Pediu ajuda às famosíssimas magas da sua terra, e estas, determinadas a ajudar, decidiram fazer uma viagem no tempo, no seu aspirador ultra sónico, para recolher alguns ingredientes necessários à prepa-ração de uma poção mágica. Na viagem, encontram ajudas de especialistas em salvar donzelas em apuros, do pai natal, e até do próprio Mickael Jackson.
Local: ACERT de TondelaRealizador: Paulo d’Alva Assistência de realização: João Dias e Raquel CostaRealização: Julho 2009Apresentação: Outubro 2009.
TroFÉu aQuilino riBeiroA propósito dos 10 anos de actividade do projecto Ci-nema para as Escolas, o semanário Jornal do Centro atribuiu o prémio Cultura ao Cine Clube de Viseu, numa cerimónia realizada no Teatro Viriato, a 11 de Setembro.
aprender em FeSTa 2009Com a amplitude de actividades do Aprender em Festa 2009, o programa mobilizou este ano 1740 participan-tes de várias escolas, divulgando o Cinema e a Anima-ção numa perspectiva lúdica e como mais-valia peda-gógica e curricular.O programa, realizado entre 26 e 31 de Outubro, em Viseu (Instituto Português da Juventude) e Mangualde (Biblio-teca Municipal) contemplou longas e curtas-metragens de animação, algumas das quais realizadas em escolas do distrito de Viseu e também workshops de Cinema de Animação. A actividade completou, de forma simbólica, o conjunto de acções destinadas a assinalar os 10 anos de actividade do projecto Cinema para as Escolas.
programa do cine cluBe 2010.2011Para o biénio 2010-2011, a Direcção do CCV propôs, na Assembleia Geral realizada a 12 de Novembro de 2009, dar continuidade ao projecto actual de actividade, insis-tindo, de uma forma sustentada, na exibição de cinema-tografias normalmente arredadas do circuito comercial, organizando ciclos temáticos e por autor, e levando o cinema como recurso pedagógico às salas de aula de vários níveis de escolaridade da região. Uma actividade sem finalidade lucrativa, que depende em grande me-dida do empenho e adesão do público, por uma cultura audiovisual independente, mais plural e diversa.
A Direcção do CCV agradece todas as ideias e con-tributos vindos dos associados, dos novos e anterio-res directores do CCV, no sentido de enriquecer a sua orientação e esfera de intervenção, permitindo ao CCV trabalhar da melhor forma numa área nevrálgica da cul-tura da cidade.
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os “actores” responsáveis pelo “desenho de cidade” deparam-se, no início do século XXi, com o facto de não existir um consenso geral sobre as cidades que temos, quais as suas potencialidades e de que forma estas se adaptam às mudanças
impostas pelas novas tecnologias de informação, pela globalização e a multiplicidade de culturas urbanas emergentes e, principalmente, não há consenso sobre o que deverão ser no futuro.
Que espaços urbanos serão então os do futuro, que atendam às novas formas de estar e de interagir? ou, como podemos conferir-lhes características e qualidades acessíveis a uma diversidade de interesses dos cidadãos interagindo no espaço
público da cidade em transformação?se grandes pedaços de cidade, como antigos portos, zonas de indústria pesada, antigos terminais e linhas de comboios, ou
instalações militares, se tornam redundantes devido a diversos factores parece, então, urgente reciclar as zonas devolutas e integrá-las na cidade, movimento que transforma zonas de produção em áreas de lazer, com usos culturais. as “novas” partes
de cidade são promovidas como acções emblemáticas e transformadas em locais de prestígio.sob o “comando” que a cultura, e num contexto em que se multiplicam as “capitais da cultura”, exposições mundiais, em
que certos museus funcionam como elemento simbólico de promoção de cidade, podemo-nos perguntar até que ponto as actividades artísticas têm a capacidade de promover a regeneração do espaço público, de forma planeada ou espontânea?
perspectivando um novo espaço que marcará o seu futuro, o CCV publica no argumento alguns contributos de especialistas sobre a importância das práticas artísticas e culturais na valorização de espaços e
comunidades. Se o CCV sempre entendeu associar a dinâmica cultural aos vários locais e espaços da cidade, importa reflectir sobre alguns paradigmas desta intervenção, já que implica de forma transversal domínios
como a economia, o turismo ou a identidade cultural.
novos desafioscalçada da
vigia
A CULTURA COMO REGENERADOR URBANO?
Qual o papel que a cultura e as actividades artísticas representam nos processos de
regeneração das zonas degradadas das cidades?
© Sandra nuneS do ValleMestre em Arquitectura
introdução
010
Se cada uma das “culturas” presentes na cidade esta-
belece as suas próprias regras não é possível falarmos
de uma cultura urbana mas sim de várias, que se rela-
cionam no espaço urbano, numa dada época.
Assim, na nossa época, considerada como pós-mo-
derna e pós-industrial, é necessário perceber quais as
significações destes termos. o primeiro, pode ser as-
sociado aos aspectos socioculturais das sociedades
contemporâneas em que se assume uma distanciação
do movimento moderno, algo que não é de alguma for-
ma coerente ao ponto de ser rotulado com uma defi-
nição efectiva. o segundo termo tem uma perspectiva
socioeconómica, podendo abranger ou ser abrangido
pelo primeiro.1
o termo “pós-moderno” aparece muitas vezes asso-
ciado à arquitectura, como oposição ao funcionalismo
e racionalismo defendidos pelo “movimento moderno”,
que doutrinava uma planificação urbana baseada nos
zonamentos monofuncionais e na hierarquização das
actividades, introduzindo uma revolução no desenho
urbano, que teriam efeitos devastadores na prática ur-
banística. segundo nuno Portas, as intenções do mo-
vimento não visavam apenas redimensionar o espaço
público e dotá-lo de formas inovadoras mas romper
com o próprio sistema ancestral das relações. 2
Poder-se-á então denominar de “pós-modernidade”,
algo mais abrangente, com múltiplas potencialidades
de aplicações e sugestões, que caracteriza um clima
cultural contemporâneo e que inclui tanto a “alta” cul-
tura como a “difusa”, a tradição e a “utopia”, os signifi-
cados e os símbolos, a certeza e a incerteza:
Sentido de incerteza, a perda de pontos de refe-
rência fundamentais para a compreensão do seu
papel na sociedade, a diminuição da segurança
sobre a natureza imparável do progresso e na me-
lhoria contínua das condições socio-económicas.3
os meios de comunicação permitem a divulgação e
afirmação de uma diversidade de grupos e minorias,
que se multiplicam nos mais diversos sectores da so-
ciedade, defendendo as mais variadas questões, quer
de carácter social, como o feminismo, o movimento
gay/lésbico ou o pacifismo, de carácter ambiental
como o ecologismo ou defesa dos animais ou ainda de
carácter político, religioso, ideológico, racial, etc. A for-
1 Alfredo MeLA – a Sociologia das Cidades. lisboa: editorial Estampa, 1999. pp. 1292 nuno PortAs – um revivalismo modernista para quê? in brAndão, Pedro e remesAr, António [eds.] – design urbano inclusivo – uma experiência de projecto em marvila, “Fragmentos e nexos”. lisboa: Centro Português de design, Fevereiro 2004. pp. 87
3 Alfredo MeLA – op. cit., pp. 134
ma tradicional de família deixa de ser o factor comum,
existindo inúmeros modos de vida que transformam
a maneira como os indivíduos se relacionam entre si.
Todos estes factores dão origem a múltiplas “culturas
urbanas” que convivem numa mesma cidade.
A interacção de grupos sociais e diferentes culturas
urbanas depende muito da forma como cada um se
apropria do espaço, assim como, da capacidade do
indivíduo de se relacionar com a diferença e, da aber-
tura, ou não, da sua própria cultura a outras formas de
estar. é necessário compreender que tipos de culturas
urbanas e grupos sociais “tomam conta” dos espaços
públicos e como o fazem.
GRUpOs E “EspéCiEs”
Poderemos então aceitar a existência de espécies co-
lonizadoras? grupos que pelas suas características
têm um papel mais impositivo ou marcante na cidade
e nos seus espaços públicos?
os grupos sociais, dependendo da sua própria cultura
e características específicas adoptam determinados
comportamentos e formas de se relacionarem com
os espaços, mais ou menos invasivas, e com os outros
frequentadores de um mesmo espaço.
Creating a public culture involves both shaping pu-
blic space for social interaction and constructing
a visual representation of the city. who occupies
public space is often decided by negotiations over
physical security, cultural identity, and social and
geographical community.4
nesta coexistência, por vezes forçada, existem facto-
res determinantes para o resultado das relações entre
grupos sociais distintos.
The atmosphere of tolerance that city people his-
torically claim has been charged with the light-
ning rods of social and cultural “diversity”. Accep-
ting diversity implies sharing public spaces – the
streets, buses, parks, and schools – with people
who visibly, and quite possibly vehemently, live li-
ves you do not approve of.5
Tal como refere Sharon zukin, os mais diversos tipos
de pessoas cruzam-se e partilham o espaço público
na cidade. estas relações podem ser mais ou menos
conflituosas conforme a necessidade de afirmação
de certos grupos, principalmente se estes tiverem ten-
4 Sharon zuKin – op. cit., pp. 24
5 Sharon zuKin – op. cit., pp. viii
dência a uma ocupação do espaço público de forma
mais vincada.
nesta diversidade existem alguns grupos que impor-
ta referir, de forma a uma maior compreensão dos ti-
pos de ocupação/apropriação do espaço público que
poderão ocorrer e quem são os seus protagonistas (é
dada uma maior relevância a grupos com actividades
artísticas ou relacionadas com estas de uma forma
mais directa):
O “GéNERO”
o movimento feminista dos anos 80 e 90 e principal-
mente os estudos da sociologia urbana de língua in-
glesa dos últimos anos, sugerem uma das teorias mais
fracturantes sobre as culturas urbanas: a diferença de
género. esta não tem origem biológica mas sim socio-
cultural e tratando-se, neste trabalho, o espaço públi-
co, a questão do género levanta um dos maiores pro-
blemas no que se refere à sua utilização e apropriação.
o termo refere-se às diversidades psicológicas, sociais
e culturais entre homens e mulheres, distinguindo-se
da diferenciação pelo sexo, que se refere a caracterís-
ticas anatómicas e fisiológicas. 6 As mulheres, devido a
questões sociais e culturais, apresentam um compor-
tamento, na generalidade, muito diferente do dos ho-
mens nestas matérias e é necessário compreender o
porquê desta diferenciação.
A questão em debate consiste em saber se as cidades
são espaços neutrais para os diferentes géneros. ora
nos temas mais abordados relativos ao medo e à vio-
lência, estes factores, segundo diversos sociólogos
como Pain e valentine7, condicionam a utilização de
espaços públicos por parte das mulheres, principal-
mente em horários nocturnos. Também outras ques-
tões de ordem social (por exemplo, o cuidar da família
e a conjugação da vida profissional e familiar) em que é
relevante o género.
Tal como outros grupos, com necessidade de apropria-
ção dos espaços, as mulheres criaram um mecanismo
de defesa que se manifesta em espaços “femininos”,
relacionados com factores como a moda e a beleza
ou como a igreja e outras organizações sociais, nas so-
ciedades contemporâneas assumem novos aspectos
como os ginásios de fitness ou os “clubes”, em que se
sentem integradas e seguras.
6 giddenS, 1989 in MeLA, Alfredo – op. cit., pp. 141
7 Alfredo MeLA – op. cit.
Qual cultura, Quais cidades?Culture is, arguably, what cities ‘do’ best.
But which culture, which cities?
1ª parTe / 2 (prox. nº : 2ª parte - propostas para um modelo de avaliação)
011
© C
Cv
012
Os “ARTisTAs”
Apesar do proeminente papel dos artistas em muitos
processos de regeneração de partes de cidade, tam-
bém eles poderão funcionar como uma espécie colo-
nizadora com uma forma muito particular de apropria-
ção do espaço.
artists themselves have become a cultural means
of framing space. They confirm the city’s claim of
continued cultural hegemony, in contrast to the su-
burbs and exurbs. their presence – in studios, lofts,
and galleries – puts a neighborhood on the road to
gentrification.8
A sua apropriação do espaço não tem um carácter ób-
vio, como por exemplo a dos graffiters, é um fenómeno
mais demorado e que implica a preferência por um de-
terminado bairro e a consequente fixação nesse mes-
mo bairro, a posterior atracção de pessoas, actividades
relacionadas, estabelecimentos de lazer e comércio
que se aliam ao seu estilo boémio, transformando aos
poucos o espaço público e os seus frequentadores.
ACTiviDADEs E “pROfissõEs CRiATivAs”
dentro deste campo poderemos considerar diversas
actividades profissionais que pela vertente criativa das
respectivas ocupações e estilos de vida associados
poderão ter, hoje, um papel idêntico ao dos artistas, no
que se refere a transformação de um bairro numa zona
“in” e com novas tendências. São eles os arquitectos e
designers, profissionais de comunicação, publicidade
e jornalistas.
A localização de muitos dos ateliers e agências de pu-
blicidade em determinados bairros participa para a
modificação dos mesmos, assim como a existência de
redacções de jornais e revistas. também a opção de
viver no mesmo bairro onde se trabalha, como acon-
teceu com os primeiros movimentos de artistas, ou a
tendência destas classes profissionais para se fixarem
em bairros que fazem parte do circuito artístico e/ou
nocturno, como por exemplo em lisboa, o bairro Alto.
“TRiBOs URBANAs”
no contexto metropolitano contemporâneo a diver-
sidade e heterogeneidade de grupos é evidente, exis-
tindo uns que são mais afirmativos no que se refere
ao espaço público e pontos de encontro. os jovens
agrupam-se conforme gostos musicais (pop, rock, hip
hop, heavy metal) por vezes associados a tendências
da moda, desportos (skate, surf), ideologias ou cren-
ças, ou seja, os novos tribalismos, podendo pertencer
a mais do que um dos grupos.
São grupos caracterizados por modos de vida, for-
mas de expressividade, mas ligados pelo desejo de
se tornarem visíveis aos olhos dos outros acentu-
ando os seus traços distintos. (...) em alguns casos,
8 Sharon zuKin – op. cit., pp. 23
conflituais, próprios de “tribos” dotadas de conota-
ções sociais heterogéneas, preparadas, em alguns
casos, para disputar o espaço físico da cidade.9
“GRAffiTERs”
os graffiti são formas de expressão consideradas mar-
ginais, não são produzidas por operadores artísticos
profissionais, mas geralmente por grupos de jovens, in-
divíduos que pretendem deixar a “sua marca” na cida-
de. estas manifestações estéticas são associadas ao
duplo carácter da cidade, (...) por um lado, a sua aber-
tura ao imprevisível e ao confronto com o diferente, por
outro lado a perigosidade intrínseca dessa abertura, o
risco omnipresente de que conduza ao insucesso.10
Chama-lhe a arte de se expor, uma vontade de efectuar
e participar em pesquisas no campo estético estimu-
lada por uma sensação ao mesmo tempo frustrante e
estimulante. este autor considera que os graffiti são o
reconhecimento, por parte de quem os produz, da sua
própria marginalização mas também uma reacção a ela.
DO MEDO à sEGMENTAçãO, à pRivATizAçãO,
à TEMATizAçãO
uma das maiores ameaças à cultura urbana é o medo.
Jane Jacobs11 analisa esta questão do medo e das
sensações de insegurança, dando como exemplo
preponderante a rua e os passeios, como elementos
representativos do espaço público da cidade. ou seja,
se as ruas forem interessantes, a cidade é interessante,
assim como se em determinada zona da cidade o tran-
seunte se sente inseguro ao percorrer essas ruas, en-
tão considerará toda essa área como insegura. Jacobs
acrescenta que o facto de se temer a rua e se deixar
cada vez mais de a frequentar a torna ainda mais peri-
gosa, quanto menos pessoas houver a circular menos
segurança existe.
o medo justifica espaços públicos privatizados? espa-
ços com as suas próprias regras, segurança, vigilância.
espaços que acabam por não ser totalmente públicos,
totalmente livres, onde nem todos têm acesso e onde
a apropriação dos mesmos é relativa.
Se as possibilidades de interacção e de relaciona-
mento entre diferentes pessoas e realidades passam
a estar condicionadas, controladas e regradas, pelas
entidades que controlam os espaços, a cultura urbana
é também privatizável e como consequência “comodi-
ficável” ou “comercializável”?
whether they are media corporations like the dis-
ney Company, art museums, or politicians, they are
developing new spaces for public cultures. (...) by
accepting these spaces without questioning their
representations of urban life, we risk succumbing to
a visually seductive, privatized public culture.12
9 Alfredo MeLA – op. cit., pp. 156
10 Richard SenneTT (1990) citado in MeLA, Alfredo – idem, pp. 155
11 Jane JACobs – the death and life of great american Cities in the blackwell City reader. pp. 351
12 Sharon zuKin – op. cit., pp. 3
veremos assim como, frequentemente, podemos ver
na lógica de regeneração pela via cultural, o carácter
de uma alteração de identidade pela mudança na con-
figuração e interacção das “culturas” de grupo.
CULTURA E “BAiRRO”
desde os clássicos que o espaço é visto como o suporte
ideal para as nossas memórias13, como defendia hal-
bwachs, tanto as colectivas como as individuais, ou seja,
a organização material do espaço serve para criar uma
memória de grupo, em que o grupo “molda” o espaço, ao
mesmo tempo que se deixa ‘moldar’ por ele.14 Também
Lévi-Strauss associa o espaço às identidades colectivas,
afirmando que certas alterações nos espaços, antes
identificáveis pelas pessoas, podem resultar em perdas
de identidade e de sentido de pertença ao local.15
Se o espaço público começa a ser privatizado e o grupo
que o “molda” é uma elite, este vai deturpar as memórias
de todo o grupo da sociedade, que será “moldado” por
esse espaço público controlado e condicionado, logo as
memórias colectivas passam a ser fabricadas por essa
elite que domina as características do espaço?
um bairro é parte integrante de uma cidade e, segundo
Jane Jacobs16, não deve funcionar como uma unidade
autónoma e auto-suficiente, dado que as vantagens de
habitar uma cidade são, exactamente, a multiplicidade
de escolhas que esta oferece e a mobilidade dos seus
cidadãos. no entanto, a tendência, geralmente é criar
uma ligação ao bairro onde se vive, havendo uma pre-
ocupação com a sua manutenção, segurança e quali-
dade de vida.
nos bairros, freguesias ou mesmo na cidade, há uma
propensão para as pessoas se agruparem e relaciona-
rem com base nos seus interesses comuns, que podem
estar relacionados com questões religiosas, étnicas,
interesses culturais ou desportivos, entre outros, dan-
do origem a diferentes grupos sociais, associações e
colectividades que, consoante as suas características,
se irão apropriar dos espaços públicos. este tipo de re-
lacionamento participa para o sentimento de pertença
à comunidade, e pode também dar-se em relação ao
bairro onde se trabalha e não só onde se vive.
(Fim da 1ª parte)
13 silVAno, Filomena – antropologia do espaço – uma introdução. 2ª edição, Celta editora, Lisboa, 2007. pp. 13
14 Filomena silVAno – idem, pp. 13
15 Filomena silVAno – idem, pp. 19
16 Jane JaCobS – morte e Vida de grandes Cidades. São paulo: martins Fontes, 2003.
Qual cultura, Quais cidades?Culture is, arguably, what cities ‘do’ best.
But which culture, which cities?
013
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cicloS de cinema
40 SeSSõeS de cinema alTernaTiVo / ano
WorkShopS e aTeliêS pedagógicoS
BoleTim argumenTo
cenTro de documenTação e BiBlioTeca
faç
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014
1. O contexto histórico do filme insere-se nos ecos da batalha de Estalinegrado. Situa esta fase na cronologia de acontecimentos da II Grande Guerra Mundial, avalian-do as suas consequências concretas para o regime Nazi.
2. “Aquele vergonhoso Tratado de Versalhes, a inflação, o desemprego, a pobreza... o nosso Furher Adolf Hitler pôs fim a tudo isso”.O regime Nazi chegou ao poder em 1933, após a vontade expressa pela população nas eleições. Relaciona as circunstâncias sociais, económicas e políticas da época com a ascensão do regime ao poder. Considera a política intransigente e hostil em re-lação aos países vizinhos e à comunidade internacional em geral, como refere o inves-tigador Mohr, durante um dos interrogatórios a Scholl: “Os nossos soldados alemães libertam a europa da plutocracia e do bolchevismo e lutam por uma Alemanha mais grandiosa e mais livre! A Alemanha nunca mais será ocupada, garanto-lhe”.
3. Durante o filme são referidas diferentes organizações existentes, como a Federa-ção de Jovens Alemãs, Camisas Castanhas, Gestapo. Analisa alguns exemplos de or-ganização social e hierárquica, propaganda e ideais do regime nazi presentes no filme, tentando caracterizar o tipo de ideologia que nele predomina. Estabelece possíveis semelhanças com outros regimes totalitários da época.
4. Antes do julgamento, Sophie Scholl descreve um sonho à sua companheira de cela: “Levava ao colo uma criança com um vestido branco comprido. Subitamente a terra
tremeu e a meus pés abriu-se uma fenda. Escorreguei, olhei para a criança, e só tive tempo de a pôr em segurança. Caí e, no entanto, senti-me libertada e aliviada. A crian-ça de vestido branco é o nosso ideal. E sobreviveu!” Estabelece a relação do sonho com o comportamento da protagonista durante o filme.
Sessão no dia 24.11.2009. iPJ - viSeu + biblioteCA muniCiPAl de mAnguAlde
sopHie scHoll - Os úlTimOs diAsde Marc Rothemund, Alemanha, 2005com Julia Jentsch, Gerald Alexander Held, Fabian Hinrichs.
FicHa de eXploração pedagógica
5. Envio de cartas, distribuição de panfletos, pinturas nas paredes... Faz uma pesquisa sobre as formas de contra-propaganda que os jovens activistas do Rosa Branca utili-zam para servir os seus fins.Avançando no tempo, que formas pensas que poderiam utilizar hoje estes jovens para fazer passar a sua mensagem? Seriam utilizados meios idênticos, ou encontra-riam formas mais eficazes de criticar o regime em vigor?
6. Os cenários que atravessam o filme são, quase sempre, interiores, da tipografia à casa de Scholl, na universidade e na cela. Uma opção ditada pela necessidade do gru-po Rosa Branca não se expôr, e durante a prisão, pela impossibilidade de saírem. O escuro, as sombras, os silêncios, os gritos à noite, contaminam a narrativa do nosso filme, espelhando a incerteza, a deriva, e a opressão dos últimos dias de Sophie Scholl. No entanto, a luz não está ausente, e vários planos do filme procuram o céu, a luz do sol, as nuvens, que alimentam a esperança de Sophie: “O sol continua a brilhar”, diz na despedida ao irmão e a Christof. Sombras e interior, por oposição à luz e ao exterior – os contrastes de imagem e cenário que definem os dois lados da história.Com base no que o filme te mostrou sobre a opressão nazi e a resistência organizada, debate com os teus colegas a pertinência deste comentário.
7. Sophie parece resignada ao reencontro adiado, e incerto, com o noivo que luta na frente oriental. Além disso, estão de lados diferentes quanto ao juízo que fazem sobre a necessidade da guerra. Perante a guerra, a sua história comum, e o seu amor, pare-cem suspensos, divididos, e os seus sonhos adiados. Até que ponto a relação entre Sophie e o noivo assume o papel de metáfora da situa-ção da sociedade alemã?
8. “ O Furer prometeu dar às mais feias os seus ordenanças”, diz o investigador Mohr ao falar das medidas de impulso demográfico do Nacional-Socialismo. Comenta o que te parece estar na origem deste comportamento imposto na sociedade nazi.
9. Como interpretas o papel do agente da Igreja na parte final do filme, em contrapon-to, com a frase explosiva do investigador Mohr: “Deus não existe”?
015
Menciona o contexto histórico em que decorre a acção do filme.
Indica o papel das principais personagens envolvidas.
Recordando o papel da propaganda na prática políti-ca nazi, indica os principais meios de manipulação das massas que são aqui retratados.
Durante o interrogatório, enfrentam-se duas visões po-líticas para a Alemanha dos anos 30. Como comentas esta afirmação?
Sophie fala do horror do extermínio de crianças alemães deficientes. O detective fala de “vidas sem valor”. En-quadra a cena no que conheces já sobre o regime nazi.
Diz o que te sugere a expressão de Sophie, quando se refere ao movimento Rosa Branca: “lutamos com as pa-lavras”.
Durante o julgamento, Sophie e os outros réus são eles próprios juizes do regime nazi. Comenta esta ideia.
Conhecendo a utopia nazi que destinava aos arianos a condução da Grande Alemanha, como enquadras a per-plexidade das personagens do regime quanto à firmeza e oposição revelada por este grupo de jovens?
Porque te parece que o realizador usa com tanta fre-quência os efeitos de luz ( janelas, candeeiros de mesa) e sombras (o cárcere...)?
Relaciona os meios de propaganda usados pelos ele-mentos do Rosa Branca com as formas de divulgação de ideias usadas por ti e pela tua geração.
Sophie Scholl personifica uma geração de jovens em luta pelos seus ideais. Hoje, o que consideras prioritário nas vossas causas e como achas que são defendidas?
este drAmA retrAtA A históriA VerídiCA dA estudAnte uniVersitáriA Alemã soPhie sCholl nA suA resistênCiA PACíFiCA Ao regime nAzi. soPhie sCholl,
membro do moVimento rosA brAnCA, Foi CondenAdA À morte Por AltA trAição. A suA lutA ContrA o regime de hitler é, AindA hoJe, reCordAdA
CoMo uM ACTo de gRAnde heRoíSMo.
Indica o ano em que decorre a acção do filme.
Indica o nome das principais personagens.
Qual a cena do filme que mais te marcou? Porquê?
Durante o interrogatório, a Sophie Scholl são apontadas as causas do envolvimento da Alemanha na 2ª Guerra. Diz quais são.
Qual a ocupação de Sophie Scholl?
Justifica o sentimento de repulsa da protagonista face ao tratamento que os nazis infligiam aos deficientes
Indica um dos temas que o filme retrata e que se integra nos conteúdos da disciplina de História.
guião de visionamento PARA ALUNOS
9º Ano
12º Ano
Elaborado pelo Grupo Disciplinar de História da Escola Secundária Emídio Navarro, Viseu
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EM 2010
ENTRAMOS NA EUROPA:
COm esTReiAs,
ClássiCOs e dOCumeNTáRiOs
ExpOsiçãO das FotograFias, vídeos e obJectos da vida de um cine clube
17nov > 19dez’09
19 dez, 15hconversa ao balcãovisita guiada à eXposição por nuno rodrigues e rodrigo Francisco
rua silva gaio / sé - viseu