Palestra Maliska Polonia

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A INFLUÊNCIA DA TÓPICA NA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL Prof. Dr. Marcos Augusto Maliska 1 Minhas Senhoras e meus Senhores! É com grande satisfação e alegria que me dirijo aos Senhores que formam essa seleta platéia da Universidade de Wroclaw. Antes de adentrar no tema da minha conferência, gostaria de dizer duas coisas. Inicialmente, agradecer o Prof. Dr. Krystian Complak pela possibilidade de hoje estar aqui. O Prof. Complak esteve em Curitiba no ano passado e desde então estamos mantendo um contato acadêmico que pretendemos seja intensificado. Na pessoa do Prof. Complak eu agradeço a todos os Senhores que gentilmente nos receberam. De igual modo, estar aqui nesse belo país chamado Polônia, já pela segunda vez, me é muito gratificante em razão de que meu bisavô, Francisco Malyszka, era polonês. Ele deixou essa terra maravilhosa e chegou no Brasil no dia 09 de Dezembro de 1890. Ele, que havia viajado sozinho, conheceu minha bisavó Julia no navio, casaram-se e formaram uma grande família, praticamente a origem de todos os Maliska que hoje vivem no Brasil. Com isso gostaria de registrar o meu profundo carinho e amizade pela Polônia e dizer que no que depender de mim o 1 Professor de Direito Constitucional nos cursos de Mestrado e Graduação em Direito da UniBrasil, em Curitiba-PR, Brasil. Doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Paraná (2003) com estudos de Doutoramento na Ludwig Maximilians Universität de Munique, Alemanha (2001-2003). É autor dos seguintes livros: Estado e Século XXI. A integração supranacional sob a ótica do Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, O Direito à Educação e a Constituição. Porto Alegre: Fabris, 2001, Pluralismo Jurídico e Direito Moderno. Notas para pensar a racionalidade jurídica na modernidade (Curitiba: Juruá, 2000) e Introdução à Sociologia do Direito de Eugen Ehrlich (Curitiba: Juruá, 2001). Possui diversos artigos publicados em revistas especializadas. [email protected]

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Teoria da argumentação

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  • A INFLUNCIA DA TPICA NA INTERPRETAO

    CONSTITUCIONAL

    Prof. Dr. Marcos Augusto Maliska1

    Minhas Senhoras e meus Senhores!

    com grande satisfao e alegria que me dirijo aos Senhores que formam

    essa seleta platia da Universidade de Wroclaw. Antes de adentrar no tema da

    minha conferncia, gostaria de dizer duas coisas. Inicialmente, agradecer o Prof.

    Dr. Krystian Complak pela possibilidade de hoje estar aqui. O Prof. Complak

    esteve em Curitiba no ano passado e desde ento estamos mantendo um contato

    acadmico que pretendemos seja intensificado. Na pessoa do Prof. Complak eu

    agradeo a todos os Senhores que gentilmente nos receberam. De igual modo,

    estar aqui nesse belo pas chamado Polnia, j pela segunda vez, me muito

    gratificante em razo de que meu bisav, Francisco Malyszka, era polons. Ele

    deixou essa terra maravilhosa e chegou no Brasil no dia 09 de Dezembro de

    1890. Ele, que havia viajado sozinho, conheceu minha bisav Julia no navio,

    casaram-se e formaram uma grande famlia, praticamente a origem de todos os

    Maliska que hoje vivem no Brasil. Com isso gostaria de registrar o meu

    profundo carinho e amizade pela Polnia e dizer que no que depender de mim o

    1 Professor de Direito Constitucional nos cursos de Mestrado e Graduao em Direito da UniBrasil, em Curitiba-PR, Brasil. Doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Paran (2003) com estudos de Doutoramento na Ludwig Maximilians Universitt de Munique, Alemanha (2001-2003). autor dos seguintes livros: Estado e Sculo XXI. A integrao supranacional sob a tica do Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, O Direito Educao e a Constituio. Porto Alegre: Fabris, 2001, Pluralismo Jurdico e Direito Moderno. Notas para pensar a racionalidade jurdica na modernidade (Curitiba: Juru, 2000) e Introduo Sociologia do Direito de Eugen Ehrlich (Curitiba: Juru, 2001). Possui diversos artigos publicados em revistas especializadas. [email protected]

  • nosso intercmbio acadmico ir se fortalecer, estando Curitiba sempre de

    portas abertas aos Senhores que l queiram nos visitar, seja para estudar,

    pesquisar ou nos brindar com uma conferncia.

    O tema que hoje irei falar aos senhores trata da influncia do mtodo

    tpico na interpretao constitucional. A racionalidade jurdica moderna,

    dominada pelo mtodo sistemtico, viu o renascer do pensamento tpico por

    meio da hermenutica constitucional. O mtodo tpico, que dominou o mundo

    antigo e foi esquecido pelo pensamento sistmico racionalista dos sculos

    XVIII e XIX, acabou por encontrar-se novamente com a arte de interpretar o

    direito na segunda metade do Sculo XX. Para abordar as questes que

    envolvem esse tema, a minha exposio ser dividida nos seguintes itens: (i) a

    concepo Aristotlica da tpica; (ii) a transio do velho mtodo tpico ao

    mtodo sistemtico; (iii) o papel da obra de Theodor Viehweg e as crticas ao

    mtodo tpico; (iv) a relao entre o mtodo tpico e a idia de sistema jurdico

    aberto e, por fim, (v) a importncia do mtodo tpico para a renovao da

    hermenutica constitucional.

    1. A tpica Aristotlica

    Muito embora no tenha surgido com Aristteles, seno que unicamente

    o nome tpica, foi com o filsofo grego que a tpica ganhou expresso. A

    tpica um antigo patrimnio intelectual da cultura mediterrnea que emerge

    antes de Aristteles, junto com ele e depois dele, em todas as frmulas retricas,

    com o nome de euresis, inventio, ars inveniendi ou algo semelhante.2

    Aristteles se ocupa quando de suas reflexes em torno da tpica de um

    tema que parecia quase superado pela filosofia grega clssica, ou seja, por

    2 VIEHWEG, Theodor. Tpica e Jurisprudncia. Braslia: Ministrio da Justia co-edio com a EdUnb, 1979, p. 31.

    2

  • Scrates, Plato e pelo prprio Aristteles: a antiga arte da disputa, domnio dos

    retricos e sofistas. Neste sentido, seu estudo dirige-se a uma fase anterior ao da

    cincia lgica, onde procura encontrar um mtodo de investigao pelo qual se

    possa raciocinar partindo de opinies geralmente aceitas sobre qualquer

    problema que seja proposto. 3

    A tpica, no entender de Aristteles, pertence ao campo da dialtica, de

    onde as premissas so fixadas conforme a opinio comum.

    O raciocnio dialtico, que o que se obtm partindo de proposies

    conforme as opinies aceitas, pertence ao campo da arte da argumentao

    (tpica), que Aristteles considera como o primeiro degrau da Filosofia. Neste

    sentido, Aristteles projetou em sua tpica uma teoria da dialtica, entendida

    como arte da discusso, para a qual ofereceu um catlogo de topoi estruturado

    de forma flexvel e capaz de prestar considerveis servios a praxis.4

    No tocante aos problemas, estes podem ser universais ou particulares.

    Para Aristteles, problemas universais so, por exemplo: todo prazer bom e

    nenhum prazer bom; e problemas particulares: alguns prazeres so bons e

    alguns prazeres no so bons. Os mtodos para estabelecer e lanar por terra

    universalmente uma opinio so comuns a ambas as espcies de problemas;

    pois, quando demonstramos que um predicado se aplica a todos os casos de um

    sujeito, tambm demonstramos que ele se aplica a alguns casos.5

    Aristteles, portanto, empreendeu esforos no sentido de buscar um

    mtodo capaz de possibilitar o raciocnio sobre problemas a partir de opinies

    geralmente aceitas. Trata-se, portanto, de um processo indutivo, que do

    particular para o universal firma premissas geralmente aceitas e que

    possibilitam por sua vez um raciocnio adequado do problema. O processo

    dialtico porque h uma constante troca, tanto do que geralmente aceito, 3 ARISTTELES. Tpicos; Dos argumentos sofsticos. Coleo Os Pensadores. So Paulo: Ed. Abril, 1978, p. 5.4 VIEHWEG, Theodor. Ob. Citada, p. 31.5 ARISTTELES. Ob. Citada, p. 25.

    3

  • quanto no tocante h universalizao das premissas, que necessariamente requer

    atualizao prtica via o processo de verificao emprica.

    2. Da tpica ao sistema. Descartes e Vico

    Descartes pode ser considerado o filsofo da transio entre a antiga

    forma de pensar grega e o mtodo moderno, identificado como crtico por Vico.

    O Francs de Touraine, nascido aos 31 de maro de 1596 promoveu verdadeira

    revoluo no pensamento filosfico ao redefinir o papel do homem e da cincia

    no desenvolvimento humano. A dvida uma categoria central no pensamento

    de Descartes e acompanhada pela conscincia de que duvida - a dvida

    metdica, voluntria e corresponde ao desejo de alcanar uma certeza que

    inverta o estado de confuso em que se encontra. Mais ainda, se duvida, ento

    pensa, porque o duvidar apenas um ato intelectual de entre todos aqueles que

    se pode realizar quando se pensa.

    Se duvido, e por conseguinte penso, ento tambm sei que esse pensar

    o pensar de um sujeito ou de um eu, pois no faria sentido acreditar que pode

    existir um pensamento sem um sujeito desse pensamento, algum que pensa.

    Em suma, se h um ato de pensamento - descoberto na atitude da dvida - ento

    h um sujeito que por ele responsvel. Esse sujeito, necessariamente existe.

    Nada pode ser afirmado com o mesmo grau de certeza que esta surpreendente

    descoberta do pensamento. Esta a certeza-padro, por assim dizer, qual todas

    as outras podero ser comparadas.6

    Outro aspecto da obra de Descartes que merece meno pela relevncia

    que assume em nossa discusso o mtodo. O mtodo, num sentido genrico,

    consiste num conjunto de regras para o pensamento, subordinadas aos

    6 DESCARTES, Ren. Ob. Citada, p. 16.

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  • princpios de ordem, de hierarquia e de evidncia, e que pode, se observado

    escrupulosamente pelo esprito, conduzir-nos a verdade. O mtodo o caminho

    do esprito que se dirige para a verdade e para o conhecimento.7

    Com o mtodo, procura demonstrar Descartes que o homem, agindo

    racionalmente, tem plena possibilidade de atingir a verdade. Escreve: E

    pensava ainda que o saber dos livros, de duvidosa validade, constantemente

    aumentado nisto ou naquilo por diversas pessoas, est mais longe da verdade

    que o simples raciocnio de um homem sensato. E que se tivssemos sido

    governados sempre pela razo, desde crianas, os nossos juzos seriam to puros

    e slidos quanto isso possvel.8

    Descartes estabelece para seu mtodo quatro regras. So elas: a) a

    primeira regra - da evidncia : no aceitar nada como verdadeiro se no me

    fosse apresentado com evidncia, clareza e distino; b) a segunda regra - da

    anlise: dividir cada uma das dificuldades nas suas partes mais simples, de

    modo a facilitar a sua resoluo; c) a terceira regra - da sntese ou da ordem:

    conduzir o raciocnio por ordem, indo sempre do mais simples ao mais

    complexo; d) a quarta regra - da enumerao: fazer enumeraes to completas

    e gerais a ponto de nada ficar por mencionar.9

    Uma das maiores oposies ao mtodo cartesiano encontrada na obra

    do italiano Gianbattista Vico, para o qual razo cartesiana, rgo da verdade

    demonstrativa, contrape o engenho, faculdade de descobrir o verossmil e o

    novo; crtica, nova arte cartesiana fundada na razo, contrape a tpica, arte

    que disciplina e dirige os procedimentos inventivos do engenho.

    Para o filsofo italiano, a teoria do conhecimento formulada por

    Descartes, orientado-se exclusivamente pelo conhecimento matemtico,

    subordina todas as demais esferas de indagao evidncia da razo abstrata.

    7 DESCARTES, Ren. Ob. Citada, p. 18.8 DESCARTES, Ren. Ob. Citada, p. 31.9 DESCARTES, Ren. Ob. Citada, p. 33.

    5

  • Essa pretenso racionalista do cartesianismo constitui uma pretenso quimrica,

    pois, existem certezas humanas fundamentais que no podem ser logicamente

    demonstradas e tampouco so evidentes. Produtos humanos fundamentais,

    como a retrica, a poesia, a histria e a prpria prudncia que regula a vida

    prtica, no se baseiam em verdades de tipo matemtico, mas apenas sobre o

    verossmil. Este constitui uma espcie de verdade problemtica, colocando-se

    entre o verdadeiro e o falso; o verossmil, na maior parte dos casos,

    verdadeiro, mas de qualquer forma sua caracterstica reside na ausncia de uma

    garantia falvel de verdade.10

    Diante da evidncia de carter matemtico do mtodo cartesiano, a

    filosofia no deve ignorar o verossmil ou releg-lo a segundo plano. O campo

    dos filsofos seria, assim, o do provvel, como o terreno dos matemticos o

    do verdadeiro.

    Vico assimila o aspecto positivo do mtodo crtico, mas ao mesmo tempo

    ressalta as suas fraquezas. por assim dizer um contrabalano na euforia

    racionalista da poca, de modo que hoje assume um papel importante no

    desenvolvimento de uma teoria crtica, em especial no campo da hermenutica

    jurdica. Vico sinaliza para a possibilidade do pensar em conjunto o mtodo

    sistemtico e tpico de modo a possibilitar uma hermenutica que, ao mesmo

    tempo que tenha noo de conjunto possibilite tambm uma maior interao

    com o caso a ser regulado.

    3. A tpica em Viehweg. A crtica ao mtodo tpico.

    Segundo Tercio Sampaio Ferraz Jr., Viehweg retoma a discusso do

    paradigma cientfico do direito luz da experincia grega e romana,

    10 VICO, Giambattista. Princpios de (uma) cincia nova: acerca da natureza comum das naes. Coleo Os Pensadores. 3 ed. So Paulo: Abril Cultural, 1984, p. XI.

    6

  • iluminando-a com as descobertas de Vico e atualizando-a com os instrumento

    contemporneos da lgica, da teoria da comunicao, da lingustica, etc.11

    Segundo Karl Larenz misso dos tribunais decidir de modo justo os

    conflitos trazidos perante si e, se a aplicao das leis, por via do procedimento

    de subsuno, no oferecer garantias de uma tal deciso, natural que se

    busque um processo que permita a soluo de problemas jurdicos a partir dos

    dados materiais desses mesmos problemas, mesmo sem apoio numa norma

    legal. Esse processo apresentar-se- como um tratamento circular, que aborde o

    problema a partir dos mais diversos ngulos e que traga colao todos os

    pontos de vista - tanto os obtidos a partir da lei como os de natureza

    extrajurdica que possam ter algum relevo para a soluo ordenada da justia,

    com o objetivo de estabelecer um consenso entre os intervenientes. Como

    modelo histrico de um tal procedimento, recomendou Viehweg a tpica, no

    seu escrito sobre a jurisprudncia dado pela primeira vez estampa em 1953.12

    Viehweg indica como principais resultados de sua dissertao, que: (i) a

    tpica uma tcnica de pensar por problemas, desenvolvida pela retrica. Ela se

    desdobra numa contextura cultural que se distingue claramente nas menores

    particularidades de outra de tipo sistemtico dedutivo; (ii) a tpica

    encontrada no ius civile, no mos italicus bem como na civilstica atual e

    presumivelmente tambm em outros campos. As tentativas da era moderna de

    deslig-la da jurisprudncia tiveram um xito muito restrito; (iii) o

    prosseguimento destas tentativas exigiu uma sistematizao dedutiva rigorosa

    da nossa disciplina, com auxlio de meios exatos. O seu alvo foi transformar a

    jurisprudncia em Cincia do Direito atravs de sistematizao dedutiva. Com

    11 FERRAZ JR, Trcio Sampaio. Prefcio da obra de VIEHWEG, Theodor. Tpica e Jurisprudncia. Braslia: Ministrio da Justia co-edio com a EdUnb, 1979, p. 1.12 LARENZ, Karl. Metodologia da Cincia do Direito. 2 ed. Lisboa: Fundao Galouste Gulbenkian, 1989, p. 170-171.

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  • isto, ficava pressuposto que os seus problemas podiam, deste modo, ser

    eliminados completamente.13

    Segundo Viehweg, o ponto mais importante no exame da tpica

    constitui a afirmao de que se trata de uma techne do pensamento que se

    orienta para o problema.14 A tpica uma tcnica do pensamento

    problemtico.15

    Por problema entende Viehweg toda questo que aparentemente

    permite mais de uma resposta e que requer necessariamente um entendimento

    preliminar, de acordo com o qual toma o aspecto de questo que h que levar a

    srio e para a qual h que buscar uma resposta como soluo. Segundo o autor,

    a nfase no sistema opera uma seleo de problemas, enquanto que o acento

    no problema busca um sistema que sirva de ajuda para encontrar a soluo, ou

    em outras palavras, a nfase no problema opera uma seleo de sistemas, sem

    que se demonstre a sua compatibilidade a partir de um sistema.16

    Viehweg distingue uma tpica de primeiro grau de outra de segundo

    grau. Configura-se a primeira quando, em face de um problema, procede-se de

    modo simples, tomando-se, atravs de tentativas, pontos de vista mais ou

    menos causais, escolhidos arbitrariamente, como sucede na vida diria,

    segundo mostra a observao. Posteriormente, a investigao conduz a

    determinados pontos de vista diretivos. Tendo em vista a insegurana derivada

    deste modo de proceder, busca-se apoio em um repertrio de pontos de vista

    preparados de antemo, produzindo-se catlogos de topoi configuradores da

    tpica de segundo grau.17

    13 VIEHWEG, Theodor. Ob. Citada, p. 17.14 VIEHWEG, Theodor. Ob. Citada, p. 33.15 A definio da tpica como a tcnica do pensamento problemtico, segundo Canaris, no acrescentou muito cincia do direito, (...) todo o pensamento cientfico em geral pensamento problemtico - pois um problema nada mais do que uma questo cuja resposta no , de antemo, clara. CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemtico e Conceito de Sistema na cincia do Direito. Lisboa: Fundao Calouste Gubenkian, 1989, p. 246. 16 VIEHWEG, Theodor. Ob. Citada, p. 34-35.17 AZEVEDO, Plauto Faraco. Ob. Citada, p. 9.

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  • A tpica mostra como se acham as premissas; a lgica recebe-as e as

    elabora. Viehweg, assinala, no entanto, que coisa distinta de legitimar ou de

    provar uma premissa demonstr-la ou fundament-la. Esta ltima uma

    questo puramente lgica. Ela reclama um sistema dedutivo. (...) A tpica

    pressupe que um sistema semelhante no existe. A sua permanente vinculao

    ao problema tem de manter a reduo e a deduo em limites modestos. 18

    Segundo Viehweg, quando se logra estabelecer um sistema dedutivo, a

    que toda cincia, do ponto de vista lgico, deve aspirar, a tpica tem de ser

    abandonada. (...) Numa situao ideal, a deduo torna totalmente desnecessria

    a inveno. O sistema assume a direo.

    Viehweg sustenta, com base na obra de Nicolai Hartmann (Diesseits von

    Idealismus und Realismus in KantStudien), a existncia de dois modos de

    pensar: o aportico e o sistemtico. O modo de pensar sistemtico parte do

    todo. A concepo nele o principal e permanece sempre como o dominante.

    No h que buscar um ponto de vista. O ponto de vista est adotado desde o

    princpio. E a partir dele se selecionam os problemas. Os contedos do

    problema que no se conciliam com o ponto de vista so rejeitados. So

    considerados como uma questo falsamente colocada. Decide-se previamente

    no sobre a soluo dos problemas, mas sim sobre os limites dentro dos quais a

    soluo pode mover-se (...) O modo de pensar aportico procede em tudo ao

    contrrio. A isto se acrescenta uma srie de consideraes, que termina com a

    seguinte frase: (O modo de pensar aportico) no pe em dvida que o sistema

    exista e que para sua prpria maneira de pensar talvez seja lentamente o

    determinante. Tem certeza do seu sistema, ainda que no chegue a ter dele uma

    concepo. (...) A tpica no pode ser entendida se no se admite a sugerida

    incluso em uma ordem que est sempre por ser determinada e que no

    concebida como tal, qualquer que seja o modo como se configure

    18 VIEHWEG, Theodor. Ob. Citada, p. 43.

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  • conceitualmente em particular. Da se segue que este modo de pensar s pode

    contar com panoramas fragmentrios.19

    Segundo Claus-Wilhelm Canaris, Viehweg opera uma equivocada

    apreenso do pensamento de Nicolai Hartmann, para o qual o pensamento

    aportico no conduz assim, de modo algum, necessariamente tpica mas sim,

    apenas, abertura do sistema. (...) Nicolai Hartmann no aceita uma posio

    frontal contra o pensamento sistemtico - tambm o pensamento aportico parte

    da existncia do sistema! - mas antes polemiza s contra um certo tipo de

    pensamento problemtico20 que recusa como problemas aparentes as questes

    no ordenveis no sistema. Ele dirige-se apenas contra uma concepo que v

    no sistema algo de definitivo e no apenas um projeto provisrio, modificvel a

    todo o tempo, portanto contra um sistema fechado. Este, porm, no o da

    Cincia do Direito nem o de qualquer outra Cincia, pelo menos enquanto um

    progresso nos seus conhecimentos fundamentais ainda for possvel; e assim,

    atravs da identificao de Viehweg da tpica com o pensamento aportico no

    resultou de modo algum uma definio satisfatria da tpica. Pelo contrrio: ela

    , na mais alta medida, falaciosa, pois a forma de pensar em Cincia, sem

    objees consideradas no-tpicas, tambem aportica no sentido de

    Hartmann, porque a recusa de problemas no susceptveis de ordenao no

    sistema (at ento existente) deve ser considerada, em qualquer disciplina,

    como pecado contra o esprito da Cincia; por certo nenhum fsico ou nenhum

    qumico iria ignorar um fenmeno contraditrio perante os princpios at ento

    existentes, mas a ningum ocorreria ordenar, por isso, a Fsica e a Qumica na

    tpica.21

    4. A tpica e a idia de sistema aberto

    19 VIEHWEG, Theodor. Ob. Citada. Pg. 3520 O autor talvez queira dizer sistemtico.21 CANARIS, Claus-Wilhelm. Ob. Citada, p. 246-247.

    10

  • Neste item se busca relacionar o pensamento tpico com a interpretao

    constitucional via um processo de sistematizao aberta da Constituio, de

    maneira a superar tanto a singela forma de pensar sistemtica lgico-dedutivo,

    desvinculada dos fatores reais, do aspecto material da Constituio, como, de

    outro lado, isolar o particular de modo a pens-lo de forma desvinculada do

    todo. Encontrar o ponto de equilbrio entre o pensamento tpico e o pensamento

    sistemtico, da maneira contraposta em alguns aspectos na obra de Viehweg

    sem dvida alguma, compreender a noo de sistema como sistema aberto. E

    nesse sentido, o prprio Viehweg, parecer deixar de modo implcito que a

    tpica no exclui expressamente o pensamento sistemtico.22 O pensamento de

    Viehweg, portanto, apesar de explicar a tpica tendo como referncia o sistema,

    e ainda o sistema como lgico-dedutivo, em certa passagem deixa a

    possibilidade da compatibilidade entre o pensamento tpico e sistemtico

    aberto, quando escreve que a tpica no pode ser entendida se no se admite a

    sugerida incluso em uma ordem que est sempre por ser determinada...23.

    Precisamente nesta passagem, Viehweg abre a possibilidade de, na concepo

    de um sistema aberto, ser perfeitamente possvel a insero da tpica.24

    Quando escreve sobre a Constituio como um sistema aberto de regras e

    princpios, Canotilho escreve que um sistema aberto porque tem uma

    22 Neste sentido, Viehweg em texto posterior ao Topik und Jurisprudenz, faz meno a juno entre pensamento tpico e sistemtico, bem como trabalha com uma noo mais aberta de sistema. VIEHWEG, Theodor. Systemprobleme in Rechtsdogmatik und Rechtsforchung. In. System und Klassifikation in Wissenschaft und Dokumentation, 1968.23 VIEHWEG, Theodor. Ob. Citada, p. 35.24 Neste sentido tambm, escreve Mara Luisa Balaguer Callejn: ..debe destacarse la potencialidad que la tpica ofrece como mtodo de interpretacin constitucional (a autora faz reservas as crticas concepo da tpica como mtodo de interpretao), en la medida en que se trata de un mtodo abierto y de carcter argumentativo, que no parte de verdades absolutas y que contempla el Derecho como un proceso social siempre inacabado. Caractersticas que le hacen confluir con otras tendencias metodolgicas que tienden a corregir las deficiencias de las concepciones tradicionales. In. Interpretacin de la Constitucin y ordenamiento jurdico. Madrid: Tecnos, 1997, p. 85-86.

    11

  • estrutura dialgica, (CALIESS) traduzida na disponibilidade e das normas constitucionais para captarem a mudana da

    realidade e estarem abertas s concepes cambiantes da e da

    .25

    O entendimento de Canotilho nos leva a refletir o texto constitucional

    como verdadeira e constante busca, ou seja, o texto constitucional no est

    pronto e acabado, e sim muito pelo contrrio, ele est em via de ser construdo,

    de maneira que a interao do texto com a realidade deve ser total, de modo a

    garantir a sua supremacia e sua fora normativa.

    A tpica, neste sentido, participa do processo como veiculo de

    transmisso entre a realidade (os problemas, o conflito) e a norma, de maneira a

    que se obtenha a soluo para o caso no apenas da lgica do sistema

    (concepo de todo ultrapassada), mas sim pela interao entre os pressupostos

    do sistema e o caso a ser regulado.

    Canaris quando escreve sobre sistema, define o sistema jurdico como

    ordem axiolgica ou teleolgica de princpios jurdicos gerais. Este sistema

    no fechado, mas antes aberto. Isto vale tanto para o sistema de proposies

    doutrinrias ou , como para o prprio sistema da ordem

    jurdica, o . A propsito do primeiro, a abertura significa a

    incompleitude do conhecimento cientfico, e a propsito do ltimo, a

    mutabilidade dos valores jurdicos fundamentais.26

    Talvez neste momento seja importante refletir sobre a possibilidade de

    complementao entre o pensamento tpico e sistemtico. Canaris quando da

    crtica a Viehweg acerca de um sistema tpico faz sua anlise com base nos

    postulados definidos por Viehweg acerca da tpica. No entanto, o prprio

    Canaris reavalia o papel da tpica e abre possibilidades para uma

    25 CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6 ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 165. 26 CANARIS, Claus-Wilhelm. Ob. Citada, p. 281.

    12

  • complementariedade entre as duas formas de pensamento. Canaris pensa na

    possibilidade do uso da tpica em casos de lacunas da lei, para cuja

    interpretao o direito positivo no compreenda valoraes27, bem como

    quando de remisses legislativas para o common sense e perante decises de

    equidade.

    De toda forma, o papel desempenhado pela tpica na concepo de

    Canaris secundrio, chegando ele mesmo a afirmar que a tpica nada mais

    aqui do que um meio auxiliar tratando-se ento de substituir o mais depressa

    possvel os inseguros tpicos por claras valoraes, isto , de determinar

    sistematicamente a resoluo.28

    Mas ser que fica reservada a tpica apenas esse papel secundrio?

    Quando se pensa o sistema jurdico como um sistema normativo aberto de

    regras e princpios no se pode prestigiar a tpica de maneira a lhe atribuir um

    papel mais determinante na ordem jurdica? Isso possvel?

    Retomando a definio de Canotilho de sistema aberto, a tpica no pode

    desempenhar o papel de atualizao da ordem jurdica como definiu Viehweg, e

    isso no consubstancia uma posio que pretende pela discusso dos diversos

    pontos de vista atualizar o sistema acerca das concepes cambiantes de

    verdade e justia? Aqui talvez se possa confiar a tpica uma posio importante

    na ordem jurdica, em especial na ordem constitucional, quando as normas so

    de contedo aberto e de ampla interpretao. A tpica passa a desempenhar at

    mesmo uma funo democrtica na interpretao constitucional, pois passa a

    envolver diversos atores no processo hermenutico, no sentido dado por Peter

    Haberle.29

    27 CANARIS, Claus-Wilhelm. Ob. Citada, p. 270.28 CANARIS, Claus-Wilhelm. Ob. Citada, p. 273.29 Peter Haberle prope a seguinte tese: no processo de interpretao constitucional esto potencialmente vinculados todos os rgos estatais, todas as potncias pblicas, todos os cidados e grupos, no sendo possvel estabelecer-se um elemento cerrado ou fixado com numeros clausus de intrpretes da Constituio. In. HABERLE, Peter. Hermneutica Constitucional. A sociedade aberta dos intrpretes da Constituio: Contribuio para a

    13

  • As caractersticas principais da idia de sistema, ou seja, unidade (no

    sentido de um ou vrios ponto de referncia centrais) e ordem (no sentido de

    uma conexo sem hiatos, da compatibilidade lgica de todos os enunciados),

    no afastam e at mesmo no so incompatveis com o pensamento tpico. Isso

    porque, enquanto sistema aberto, as normas do sistema necessitam de

    interlocuo com a realidade, de maneira que por si s no abarcam todas as

    possibilidades fticas. A soluo do problema necessita tanto de um sistema que

    d sustentabilidade por demonstrao da deciso, ou seja, acabe por demonstrar

    quele que ficou em pior situao de que a deciso teria que ser esta porque o

    sistema assim definiu, como ao mesmo tempo, para que a deciso ofertada pelo

    sistema se mantenha legtima em todos os seus fundamentos, seja confrontada

    com os vrios pontos de vista e com os topos de argumentao, de maneira a

    possibilitar contedo substancial a deciso.

    Maria Helena Diniz, em seu trabalho As Lacunas no Direito, aborda a

    tpica na perspectiva aqui defendida, ou seja, para a professora paulista, a

    tpica ataca a concepo do sistema jurdico como algo unitrio, definitivo e

    fechado e pressupe sempre a considerao dinmica do direito, bem como a

    adoo da idia de sistema aberto e elstico para poder oferecer solues

    satisfatrias que se integrem sistemtica jurdica... Poder-se-ia dizer at que o

    raciocnio tpico dinamiza o direito entendido como um sistema aberto,

    tornando-o malevvel e adaptvel s contingncias e mutaes da vida. O

    pensamento jurdico, portanto, mediante a tpica, torna-se necessariamente

    aberto incapaz de se inserir numa axiomtica cerrada...30

    Outro aspecto que necessariamente requer anlise, em especial quando se

    procura pensar em uniformidade os pensamentos tpico e sistemtico, refere-se

    aos limites da tpica em relao ao sistema normativo, ou seja, em relao a

    norma. No sem fundamento uma anlise deste aspecto porque justamente

    interpretao pluralista e procedimental da Constituio. Porto Alegre: Fabris, 1997, p. 13. 30 DINIZ, Maria Helena. As Lacunas no Direito. 2 ed. So Paulo: Saraiva, 1989, p. 123.

    14

  • para este que se dirigem as principais crticas da tpica. Essas crticas se

    dirigem ao fato de que a tpica colocaria a lei como um topos qualquer, de

    modo que as discusses ultrapassariam os limites legais, possuiriam um campo

    maior de abrangncia. Sem dvida que o tema delicado, pois quando se pensa

    na juno da tpica com o sistema no se est trabalhando com um novo

    conceito de tpica, mas sim fazendo uma adequada apreenso de seus

    conceitos.

    Assim, a tpica aplicada a interpretao jurdica, em especial a

    interpretao constitucional, necessariamente nas discusses dos pontos de vista

    deve ter em considerao a norma como tambm e principal condio de

    argumentao. A norma, em ltimo caso, o limite da tpica. A tpica atua at

    mesmo em funo da norma constitucional, em especial das normas de contedo

    aberto. O sistema aberto a novos contedos que podem ser preenchidos pela

    tpica. No entanto, isto no pressupe que a tpica possa desconsiderar o

    mnimo normativo, ou o vetor normativo do texto.31

    Trcio Sampaio Ferraz Jr. tambm discorre sobre essa questo quando

    diferencia a tpica em material e formal. A tpica material, segundo o

    jusfilsofo paulista, seria um conjunto de prescries interpretativas referentes

    argumentao das partes no seu inter-relacionamento, mas do ngulo das

    intenes persuasivas de uma em relao outra, isto , sob o ponto de vista do

    seu interesse subjetivo. A tpica material proporciona, assim, s partes um

    repertrio de pontos de vista que elas podem assumir (ou criar), no intuito de

    31 Neste sentido, Friedrich Mller escreve: En el Derecho Constitucional, debido a sus mayores exigencias de obligatoriedad, es an ms necesario atenerse a la primacia de la vinculacin a la norma por concretar atendida la peculiaridad del Derecho Constitucional (de este Derecho). Como regulacin fundamental, no puede transferirse a l ese planteamiento tpico, que en su pregunta va ms all de la norma y pasa por encima de ella en cuanto parece no ofrecer ya ningn punto de partida para una solucin razonable del problema. MLLER, Friedrich. Tesis acerca de la estructura de las normas juridicas. In. Revista Espanola de Derecho Constitucional. n 27. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, set-dec 1989, p. 119.

    15

  • persuadir (ou dissuadir) o receptor da sua ao lingstica.32 J a tpica

    formal, se refere ao controle objetivo da comunicao discursiva, tendo em vista

    a produo de convico, e que confere fundamentao do discurso judicial

    um carter prprio.33

    As reflexes, portanto, acerca desta matria, conduzem necessariamente a

    uma adequada compreenso dos conceitos de tpica e sistema de modo a

    possibilitar seja extrado desta conjugao uma teoria hermenutica renovadora

    da prxis interpretativa, em especial da prxis interpretativa constitucional, fato

    que pode ser observado nos modernos mtodos de interpretao constitucional

    que sero objeto de referncia no tpico seguinte.

    5. A tpica e interpretao constitucional

    A importncia da tpica, e em especial da pesquisa de Theodor Viehweg,

    para a cincia do direito est em retomar a interpretao jurdica sobre outro

    vis, no mais apenas atravs dos clssicos instrumentos de interpretao, de

    longe insuficientes resoluo dos complexos questionamentos hermenuticos

    que a moderna teoria do direito, em especial a teoria constitucional, coloca ao

    intrprete.

    Paulo Bonavides escreve que com a tpica inaugurou-se para a

    hermenutica contempornea uma direo indubitavelmente renovadora. (...) A

    obra de Viehweg causou na Cincia do Direito sensao igual de David

    Easton na Cincia Poltica, de que ambos se tornaram os respectivos

    renovadores.34

    32 FERRAZ JR. Trcio Sampaio. Direito, Retrica e Comunicao. 2 ed. So Paulo: Saraiva, 1997, p. 81.33 FERRAZ JR. Trcio Sampaio. Direito, Retrica e Comunicao. p. 85.34 BONAVIDES, Paulo. O mtodo tpico de interpretao constitucional. Revista de Direito Pblico. N 98, abril/junho 1991, ano 24. Ed. Rev. Dos Tribunais, So Paulo, p. 5-11.

    16

  • Trazida da filosofia para o direito, a tpica causa profundas reaes no

    pensamento jurdico conservador, atrelado a forma de pensar oitocentista, de

    tempo ultrapassada teoricamente mais ainda muito presente no cotidiano dos

    juristas. O operador jurdico detentor de slida formao formal-legalista no

    consegue visualizar na tpica uma possibilidade de interpretao do direito. No

    tocante a esta questo, Flvio Alberto Gonalves Galvo, escrevendo sobre

    sendo a tpica um mtodo ou no de interpretao, conclui que a tpica deve

    ser entendida como um raciocnio argumentativo e problemtico do

    conhecimento. No mtodo porque no visa a buscar os cnones que levem a

    produo de enunciados verdadeiros dentro da cincia: isto foi demonstrado

    inclusive pela insistncia de qualificar a tpica no texto, no como uma ars

    iudicandi e sim como uma ars inveniendi. No pode ser considerada como um

    processo de formao do conhecimento pois a tpica trabalha com premissas j

    estabelecidas pelas prprias teorias do conhecimento, bem como, do

    conhecimento cientfico, enfim busca na argumentao do raciocnio

    problemtico, naquilo que Aristteles e Ccero consideravam um contnuo

    movimento dialtico, fornecer perguntas e respostas para um sentimento crtico

    do problema.35

    De toda forma, como observa Bonavides comentando a obra de Viehweg,

    o prestgio da tpica em toda a Alemanha logo se fez sentir com a adeso de

    trs civilistas eminentes - Wieacker, Esser e Coing - seguida do apoio de

    constitucionalistas de peso, como Schneider e Ehmke, relatores do tema

    Princpios de Interpretao Constitucional, exposto na assemblia de 1961 dos

    professores de Direito Pblico naquele pas. Inclinaram-se tambm para a

    tpica, nomeadamente para uma teoria material da Constituio, construindo

    estradas prprias com o propsito de alcanar objetivos semelhantes, juristas da

    35 GALVO, Flvio Alberto Gonalves. A tpica ou no um mtodo de interpretao? Revista da Faculdade de Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas. Ano 10, n 14, jan/jun 1996. So Paulo, p. 249-267.

    17

  • envergadura de Martin Kriele, Peter Hberle, Friedrich Mller e Konrad

    Hesse.36

    O campo da interpretao jurdica moderna, como j observado em

    passagens anteriores, foi sempre privilgio do mtodo sistemtico, prprio da

    idia que sustentava o pensamento racionalista.37

    No entanto, inobstante o fascnio que provoca o mtodo sistemtico, em

    especial pelo seu convencimento lgico, a tpica assumiu hoje grande

    importncia para a interpretao jurdica, em especial para a interpretao

    constitucional e dos direitos fundamentais. No se trata de substituir um mtodo

    por outro, mas sim de conciliar o pensamento tpico com o pensamento

    sistemtico de maneira a no ficar somente no dedutivismo lgico do

    pensamento sistemtico e nem to s no isolamento do todo que pode levar o

    pensamento tpico concebido de forma extrema. Talvez a importncia da tpica

    para o direito constitucional esteja justamente em encontrar o equilbrio destas

    questes. Sob este aspecto, pode-se de antemo j afirmar, que os objetivos

    foram alcanados, fato que pode ser observado nos modernos instrumentos

    interpretativos que sofreram influncia da tpica.

    Dentre os autores que representam a nova hermenutica38, est Konrad

    Hesse. Para esse autor alemo, o pensamento tpico pode ser plenamente

    utilizvel na interpretao constitucional. Escreve: se a Constituio, como

    mostrado, no contm um sistema concludo e uniforme, lgico-axiomtico ou

    hierrquico de valores - e a interpretao de suas normas no s pode estar na

    assimilao de algo determinado, ento ela requer um procedimento de

    concretizao que corresponda a este tipo: no avano tpico guiado e limitado

    36 BONAVIDES, Paulo. Ob. Citada, p. 6.37 Kant, por exemplo, condenava a doutrina dos topoi, de que se podem servir - diz ele - os mestres de escola e os oradores para examinar, sob determinados ttulos do pensar, o que melhor convm a uma matria e fazer sutilezas sobre ela com a aparncia de racionalidade ou tagarelar empoladamente. Segundo VIEHWEG, Theodor. Ob. Citada, p. 40.38 Designao dada por Paulo Bonavides In. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. So Paulo: Malheiros, 1997.

    18

  • normativamente, isto , porm, vinculado normativamente, devem ser achados e

    demonstrados pontos de vista dirigentes que, no caminho da inventio so

    buscados, no pr e contra da conformidade com a opinio empregados, e

    fundamentem a deciso to evidente e convincentemente quanto possvel

    (topoi).39

    Hesse desde a edio de 1975 de seu curso de direito constitucional40,

    incorpora a concepo de Friedrich Mller acerca da norma constitucional

    enquanto programa normativo (Normprogramm) e mbito normativo

    (Normbereich). Trabalhando essa questo no mbito de uma concepo tpica

    da Constituio, Hesse escreve que, por um lado, os pontos de vista da

    concretizao devem estar relacionados com o problema; a determinao pelo

    problema exclui topoi no-apropriados. Por outro lado, ele est indicado

    compreenso daquilo que a norma constitucional a ser concretizada, no seu

    programa da norma e seu mbito da norma, fornece no tocante a elementos

    de concretizao, e, que a Constituio contm no tocante a diretivas para a

    empregabilidade, coordenao e valorizao desses elementos na resoluo do

    problema.41

    Importante observar que quando Hesse fala na tpica de forma vinculada

    a norma, adverte que esta forma de pensar diferencia-se da tpica pura, que

    encontrada no trabalho de Viehweg.42 Sobre essa questo muitas ressalvas

    devem ser feitas, a comear pelas mltiplas interpretaes extradas do trabalho

    de Viehweg, a ausncia de um conceito pronto (que seria at mesmo um contra-

    senso ao que prope a tpica) e definidor do que seja tpica, as posies

    39 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da Repblica Federal da Alemanha (Grundzge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deustchland). Porto Alegre: Fabris, 1998, p. 63-64.40 Agora publicado em portugus pela Editora Fabris. (conforme bibliografia)41 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da Repblica Federal da Alemanha. Pg. 64.42 Conforme HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da Repblica Federal da Alemanha. Pg. 63, nota 24.

    19

  • extremadas que procuram isolar os conceitos de modo a pretender construir uma

    teoria cientfica livre de toda influncia passada, enfim, so vrias as objees

    que aqui podem ser elencadas. de parecer, no entanto, que Viehweg no

    procurou em sua obra construir uma teoria tpica pura aplicada a

    jurisprudncia. Como j foi observado neste texto, em tpico especfico que

    trata da obra de Viehweg, este no procura contrapor ao mtodo sistemtico, no

    sentido de substituio, a tpica enquanto novo mtodo hermenutico. Pelo

    contrrio, Viehweg admite a idia de sistema e ressalta a sua importncia,

    porm diverge da noo de sistema como lgico dedutivo, fechado, que por

    muito dominou a cincia jurdica e que hoje parece no to mais convincente. A

    tpica uma forma de pensamento que dominou o mundo antigo e que est

    presente no discurso jurdico sendo dele at mesmo imprescindvel. Esse

    aspecto necessita ser fixado pois trata-se de extrair das razes histricas da

    tpica o fundamento de uma renovada hermenutica, e no de criar um novo

    conceito para ela, diferente do que foi at ento concebido. Deve-se acrescentar

    que o ngulo aqui analisado, ou seja, a perspectiva aberta do texto

    constitucional e a interao da realidade normativa com o programa da norma,

    constitui fato novo na cincia do direito e por certo no foi nem mesmo

    imaginada por Viehweg quando da redao de seu polmico trabalho.

    No obstante aqui ficar definido que a tpica no se constitui um mtodo

    de interpretao, mas to s uma forma de pensamento que em conjunto com a

    forma de pensar sistemtica constituem uma possibilidade para a hermenutica

    constitucional, vale registrar a posio de Canotilho, que entende ser a tpica

    um mtodo. Segundo o jurista portugus, o mtodo tpico-problemtico parte

    das seguintes premissas: a) carter prtico da interpretao constitucional,

    dado que, como toda a interpretao, procura resolver os problemas concretos;

    2) carter aberto, fragmentrio ou indeterminado da lei constitucional; 3)

    preferncia pela discusso do problema em virtude da open texture (abertura)

    20

  • das normas constitucionais que no permitam qualquer deduo subsuntiva a

    partir delas mesmo. Para Canotilho, na tpica a interpretao da constituio

    reconduzir-se-ia, assim, a um processo aberto de argumentao entre os vrios

    participante (pluralismo de intrpretes) atravs da qual se tenta adaptar ou

    adequar a norma constitucional ao problema concreto. Os aplicadores-

    interpretadores servem-se de vrios topoi ou pontos de vista, sujeitos prova

    das opinies pr ou contra, a fim de descortinar, dentro das vrias

    possibilidades derivadas da polissemia de sentido do texto constitucional, a

    interpretao mais conveniente para o problema.43 Canotilho, no entanto, isso

    de certa forma at mesmo derivado do fato de ter dado a tpica o status de

    mtodo, coloca reticncias a esse pensamento ao argumentar que tal

    procedimento poderia conduzir a um casusmo sem limites e que a interpretao

    no deve partir do problema para a norma, mas desta para os problemas.

    Friedrich Mller, outro autor que representa a gerao renovadora da

    hermenutica constitucional, tambm recebeu influncia da tpica ao conceber a

    sua Teoria Estrutural do Direito44. Nesta, Mller distingue o processo de

    concretizao da norma jurdica em duas fases. A primeira fase corresponde a

    interpretao do texto da norma, que segundo ele pode ser realizado pelos

    mtodos tradicionais de interpretao (gramatical, histrico, gentico e

    sistemtico), como tambm pelos modernos procedimentos de interpretao da

    Constituio, por exemplo, a interpretao conforme a Constituio,

    correo funcional, proporcionalidade, concordncia prtica. O resultado

    dessa interpretao ele chama de programa da norma. Com ele se elabora a

    primeira parte integrante da norma jurdica. 45

    43 CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Direito Constitucional. pg. 213-214.44 Ver MLLER, Friedrich. Juristische Methodik, Berlin, 3 ed. 1989. 45 O princpio da interpretao conforme a Constituio consiste em extrair a interpretao (em caso de normas plurisignificativa) que esteja em consonncia com a Constituio (CANOTILHO, J.J.G. Ob. Citada, pg.226); o princpio da correo funcional consiste em estabelecer a estrita obedincia, do intrprete constitucional, da repartio de funes entre os poderes estatais, prevista constitucionalmente (GUERRA FILHO, Willis S. Da interpretao

    21

  • A segunda fase envolve os dados reais do caso concreto (econmicos,

    polticos, sociais, tcnicos). medida que esses fatos so a) relevantes para a

    questo de direito em epgrafe e b) compatveis com o programa da norma

    elaborado, eles constituem a segunda parte integrante da norma jurdica, a rea

    da norma. Ela contm, por conseguinte, os fatos, que podem embasar

    legitimamente a deciso. Assim a norma jurdica acabada, construda pelo juiz

    - ou por outro jurista, que tomar a deciso - consiste do programa da norma e da

    rea da norma.46

    Nesta segunda fase fortemente perceptvel a influncia da tpica, que

    justamente representa o mbito da norma, o problema a ser solucionado, os

    pontos de vista que cercam a questo e que necessitam ser levados

    interpretao do texto constitucional.

    A tpica, portanto, propulsora da atualizada e renovadora hermenutica

    constitucional, que sob a luz de uma forma de pensar livre, conseguiu encontrar

    um caminho outro para o sistema jurdico, de modo a renov-lo e a destac-lo

    enquanto instrumento fundamental na efetivao de direitos, e de modo especial

    de direitos fundamentais, que necessitam de um complemento concreto sua

    perfeita realizao.

    especificamente constitucional. Revista de Informao Legislativa. Braslia, a. 32. N 128 out/dez, 1995, p 255-259); o princpio da proporcionalidade pretende instituir a relao entre fim e meio, confrontando o fim e o fundamento de uma interveno com os efeitos desta para que se torne possvel um controle do excesso (BONAVIDES, Paulo. O princpio Constitucional da Proporcionalidade e a proteo dos Direitos Fundamentais. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, n 34, Belo Horizonte, 1994); o princpio da concordncia prtica visa analisar o conflito existente entre bens e valores jurdicos, para estabelecer qual deve prevalecer, evitando o sacrifcio total de uns em benefcio de outros. (GUERA FILHO, Willis S. Ob. Citada, p. 255-259)46 MLLER, Friedrich. Concepes Modernas e a Interpretao dos direitos humanos. Anais da XV Conferncia Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. 4 a 8 de setembro de 1994, Foz do Iguau, PR, pg. 104.

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