PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica

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  • 7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica

    1/31

    Ttulo original: Die Perspektive ais symbolische Form

    in tbe Vortrage der Bibliothek Warburg

    Edio original de

    The

    Warburg Jnstitute

    Gerda Panofsky

    Traduo: Elisabete Nunes

    Reviso da traduo: Carlos Morujo

    Capa de Edies

    70

    Depsito legal n.

    65765/93

    ISBN

    972-44-0886-8

    Direitos reservados para lngua portuguesa

    por Eies 70, Lda.

    EDIF.S70, LDA.

    Rua Luciano Cordeiro,

    123 2.

    0

    Esq. -

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    LISBOA Portugal

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    Esta obra est protegida pela lei. No pode ser

    e p ~ > ? u z i d a

    no too ou em parte . qualquer que seja o

    ~ o o

    uuhzado,

    iJ1J11ihC1

    fotocpia e xeroc6pia, sem prvia autdrizao do Editor.

    'Qualquer transgresso

    lei-dos Direitos do Autor ser passvel de

    procedimento judicial.

    .

    ERWIN P NOFSKY e1

    - --- -

    -

    e A

    pERSPECTIVA

    COMO

    FORMA SIMBLICA

    e s 7

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    Universidade

    de

    rasllla

    ~ ~ ~ ~ - . J l l & l i . D

    1

    p ; c . . i l . . l . M ~ ' - ~ l i l l l a j , ~ ~ 6 1 N t

    \

    i

    . _.e

    .INTRODUO

    Uma voz vibrante, mas fugaz, ressoa

    nos

    primeiros escritos te-

    ricos de Panofsky. , sobretudo, .o abrangente estudo sobre a pers-

    pcctiva que go1 a

    de

    uma fama que ultrapassa, em muito,

    os

    limites

    convencionais

    da

    Histria da Arte.

    Mas,

    no raro, essa fama

    tem

    esba-

    tido os mais ricos cambiantes

    da

    linha argumentativa de Pauofsky e

    obscurecido a

    sua

    raiz

    terica. Atentar

    na voz que

    se ouve

    no

    estudo

    sobre a pe::spectiva, tomar em conta os seus meios-tons, constitui um

    projecto que se reveste de interesse mais do que biogrfico. Nascido

    em 1892,

    Panofoky

    integrava-se j

    na

    segunda gerao de crticos

    alemes de formao histrica positivista. De um modo geral, estes

    crticos partilhavam a viso de uma cincia da cultura mais. englo-

    bante, de uma prtica especializada que se no limitasse a acumular

    dados,

    mas

    procwasse entend-los. Panofsky fazia igualmente parte de

    um

    pequeno crculo de crticos conscientes das inevitveis lacunas da

    Histria da Cultura,

    ou

    seja,

    da

    subvalorizao ou desprezo perante

    uma

    dimenso

    de

    sentido inerente a determinados tipos de objectos

    (textos,

    imagens),

    dimenso essa de espinhosa exp licao para a Hi

    s-

    tria. As produes artsticas

    n

    o so afirmaes feitas pelos sujeitos,

    mas sim formulaes

    da

    matria,

    no so

    acontecimentos,

    so resulta-

    dos (1), escreveu Panofsky em

    1920.

    Qualquer abordagem histrica

    teria de levar em considerao a autonomia de um objecto com tais

    caractersticas e a impossibilidade de se deduzir esse objecto das suas

    circunstncias

    fenon:ienais.

    Era

    este o primeiro estdio por

    qu

    e teria de

    passar qualquer histria no materialista

    da

    cultura.

    Este isolamento preliminarda obra de arte assemelha-se s estra-

    tgias a que recorrem o Formalismo

    Russo

    e o Ncw Criticism . De

    facto, tais refinamentos paralelos da prtia da leitura contriburam,

    9

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    diferenteme

    nt

    e, para

    um

    objcctivo a

    l o 1 ~ g o

    prazo, o

    de

    despertr

    a nossa sensibilidade para o carcter social do signo lingustico e,

    em ltima anlise, para a ligao indissolvel entre o texto e o mundo.

    1

    A estratgia utilizada c n s i s ~ i a

    em

    isolar,.

    e i : i ~ o r ~ ~ ~ P ~ i . . . . ~ ~ ~ '

    para captar, de forma mais ntJda, os seus p11nc1p1os

    e >truturrus

    bas1cos

    e por fim, de posse de fundamentao mais vlida, em reintegr-la

    n'o

    seu contexto original.

    Em A Perspectiva como Forma Simblica

    Panofsky movia

    Se

    j

    num

    quadro

    e t o d

    o l g i c o f?m.ecido

    yei?s

    primeiroshistoriadores

    de

    Arte Fonnahstas, como Hemnch Wolfflm

    e, principalmente, Alois

    Riegl.

    Esta questo no

    muito clara.

    Com

    efeito; os trabalhos posteriores

    de

    Panofsky acabaram por lanar o des

    crdito sobre o Formalismo

    na

    Histria

    da

    Arte e fazer com que pra

    ticamente todos os espccialisas se lhe opusessem.

    No estudo sobre o termo

    Kunstwollen

    (vontade artstica),

    Panofsky condenava, por igual, a cedncia desenfreada e irresponsvel

    ao poder irracional

    do

    objecto de arte (a Histria da Arte Expres

    sionista de Wilhelm

    WoITinger ou

    de Fritz Burger) e o refgio

    desiludido num historicismo cptico. Panofsky optou pelo tratamento

    f

    mais do que fenomenal

    do

    fenmeno artstico, preconizado por

    Riegl. Discerniu na

    Weltanschauungsphilosophie

    (filosofia da ~ o

    do mundo), sincrnica e visionria, de Riegl, adoada por alguma

    llliO

    pi filolgica intencional, o grmen

    de

    uma Histria nova da Arte, uma

    reconciliao entre as histrias materialista e idealista. Definiu-a como

    sendo uma

    Kunstphilosophie

    (filosofia

    da

    Arte) verdadeira

    (2)

    .

    Riegl dera incio sua Histria da Cultura apresentando um con-

    1

    unto novo de categorias formais. Na sua obra figuravam como atribu

    tos estruturais bsicos, a hpticae a ptica, a unidade interna e externa,

    a coordenao e a subordinao, tal como acontecia com os famosos

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    isto, a Histria

    tran

    sforma-se

    em

    morfologia

    pura, num

    estudo sobre

    as

    mudanas da forma, as quais, apenas de

    modo

    acidental, se resolvem

    cm obras matdai

    s.

    Opostamente,

    Riegl

    rejeitava qualquer categoria

    esttica absolutaou supra

    -hi

    strica e

    no

    integraria no seu projecto de

    Hist1i

    a

    uma

    tal categoria, fosse a que preo fosse. Via as obras

    de

    arte somente como objectos de criao do Homem , possuidores de

    um

    elevado

    nvel

    de organizao

    formal

    artificial . Escreveu sobre arte

    aplicada e

    at

    sobre objecios vulgares, porque, semelhana do que se

    verifica com

    as

    obras

    de

    arte,

    eles

    se subordinam a

    uma

    lgica

    fom1al

    indepen.

    ciente.

    Na

    s

    ua

    p e ~ s p e c t i v a ,

    nem

    o estilo em

    si

    (a morfolog

    ia)

    nem

    a sequncia dos o b j e ~ t o s constituam o plano

    fu

    ndamental dos

    factos. Era a

    Kunstwollen

    (vontade artstica) da poca que, para Riegl,

    formava esse plano, tal omo sucedia em Wlfflin com a forma de

    ver (

    6

    .

    Errado seria pr de lado Riegl, e bem assim Wlfflin, como se se

    tratasse formalistas doutrinrios que

    no

    tivessem avaliado capaz

    mente a plenitude

    da

    relao que existe entre a obra

    de

    arte e o mundo.

    No passaram despercebidas a Riegl

    as

    grandiosas imagens de tota

    lidade.cultural, esboadas por Burckhardt

    ou Diltb.ey

    e que viriam a ser

    o incentivo

    de Aby

    Warburg. Simplesmente, o que acontecia era que a

    delicadeza envolvida na operao de completar essa imagem punha

    prova o seu temperamento. Era um fillogo por demais escrupuloso.

    No fundo,

    tinha demasiado de nominalista para poder terminar o seu

    prpiio projecto. Riegl submeteu a

    sua

    Weltanschauungsphilosoplzie

    a

    cortes, agindo quase como se de um problema

    de

    conscincia se tra

    rasse.

    Talvez estivesse a adiar a concretizao dessas ambies para

    uma

    idade avanada, a que no chegou,

    ou

    talvez desejasse que os seus

    discpulos enfrentassem os

    ri

    scos

    (7).

    Os

    contributos mais vlidos para a

    Weltanschauungsphilosophie

    de

    Ri

    cg

    l, mas

    tambm

    meno

    s conseguidos, ficaram a dever-se a segui-

    d , o ~ e s

    e dscpulo.s seus, como Max Dvorl\k

    e,

    principalmente, Hans

    - ~ ~ : : , ~ u i d o voo Kaschnitz-Weinberg e Otto Pcht, quc vieram a

    i . ~ ~ ~ J & ' f l ~

    o .

    nc,leo

    da chamada

    ~ u n d a

    Escola de Viena. Tentaram

    ..J

    .

    l 1 ~ ~

    . ~ n l i estrutural, efec:Jada por R i e ~ l , no sentido seu

    . . . :

    ~ ~ : ~ _

    .

    u ; i c ~ m c o ,

    atravs da depuraao e elaboraao das categonas da

    \ i - : . ' . ~ A

    1 W f i l i . . Y t r i a inicial. Ambies louvavelmente ascticas as suas.

    ~ R . ~ l l p i o s

    t?Struturais

    latentes

    na obra

    bastariam, por si s, para for-

    i

    J O l ~

    v ~ s o

    do mundo que dera origem a essa obra (s) .

    { ; i t ~ : f a l h a s ela

    Strukturanalyse

    (anlise estrutural) de Viena eram

    ~ U h a s

    1

    inerentes a qualquer estruturali

    smo.

    O seu fio condutor con

    s1slla .nu

    ma

    cren.a

    sentimental

    na

    integridade orgnica da Cultura, na

    interligaomisteriosa

    do

    s acontecimentos. Tendia, por isso, e de

    fonna inexplic.vel, a no submeter a exame a ligao fundamental

    12

    existente entre a obra e o mundo. O mecanismo

    de

    separao, res

    ponsvel pela mptura

    de

    todos os elos comuns entre a obra e o mundo,

    mais no

    foi, no

    inicio, do que

    uma

    maneira de desviar juzos pouco

    elaborados acerca

    da

    re lao obra/mundo, e de estabelecer fronteiras

    ao

    que se poderia vir a afirmar sobre a sincronia

    ou

    o contexto. Ms,

    corria-se este risco com conhecimento de

    cau

    sa. Era frequente que a

    separa

    o

    de que se partia dificultasse, ou tornasse at desnecessria, a

    busca de um caminho de retomo ao mundo dos acontecimentos

    comuns. E

    foi

    neste ponto que Sedlmayr se

    de

    sviou do

    bom

    caminho.

    Nas

    .obras de

    arte fez

    a descoberta de

    um

    universo paralelo, pleno

    de

    encanto,

    um. W

    elt

    im K.leinen

    (mundo em miniatura), quase a

    imi-

    tao burlesca da

    Kunstwerk

    (obra de arte), radicalmente autnoma,

    de Heidegger, cuja adequao ao mundo estava

    j

    fora

    de

    questo.

    A

    Strukturanalyse

    degenerou numa .espcie

    de

    es teticismo nostlgico

    de propenses teolgicas.e mesmo teocrticas (para no falarmos das

    Fascistas).

    xitos

    ou

    fracassos que este mtodo tenha tido

    ~ u l t a r a m

    da

    incapacidade.dos seus adeptos de

    resistir a

    uma

    tentao

    de

    Riegl. Ser

    petfeitamente r , ~ e l pr a questo em termos ticos, pois a rejeio

    da

    S e g u n ~ a

    Escola de Viena assentou nesses termos,

    na

    Amrica logo nos

    anos

    tnnta

    (9),

    e

    nos

    pases

    de

    expresso alem

    aps

    a

    guerra. Nos anos

    dez

    >.

    O

    qu

    e Panofsky estava, de

    fa

    cto, a tentar era

    reforar>>

    Riegl

    pel9

    -recur

    so ao

    neo-Kantismo. Reinterpretoua

    Kunstwollen

    (vontade

    ~ s t i c a ) como sendo o

    Sinn

    (sentido) imanente,

    ou

    o sentido de uma

    13

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    5/31

    sucesso de fenmenos artsticos e insistiu na ideia de que apenas

    atravs da anlise desses fenmenos, feita de acord? c o ~

    ~ g o

    rias formais a priori se poderia atingir o Simi. Ter-se-ia, assun, Riegl

    recheado de contedo filosfico.

    Esta

    ada

    ptao de Riegl aproxima-se, em muitos pontos, das que

    dele fez a Escola de Viena. A retrica de Panofsky no era to espa

    lhafatosa nem to contundente; to pouco possua matizes nacio

    nalistas

    ou

    racistas. A t e n ~ o de

    PanQfsky

    :JLnltavHe..Jie.Preferncia,

    para

    ~ e c t o s

    filolgicos. A nvel hfotrico

    m ~ n i f e s ~ v a mais

    escr

    pulo:;. Os

    textos forneciam-lhe o onto de a

    1

    mais

    seguro,

    q ~ a s e

    instintivo.

    difcil distinguir o

    eu

    estruturalismo porque os hbitos

    filolgicos (a resistncia a sistemas, a ten enc1a para se afastar da

    linha de raciocnio, uma sobriedade natural de

    tom)

    o tomam obscuro

    e vago. Mas os seus objectivos e mesmo a

    p::tica r e a ~

    s o b r e

    p u ~ a m - s e

    aos do Strukturforscher (investigador estrutural,. As af1mdades

    existentes entre ambos afiguram-se-nos hoje mais importantes do que

    a ruptura,

    na

    linha da transgresso de Kant e Hegel,

    apo

    ntada_por

    Sedlmayr em

    1929

    (

    1

    ).

    Assim, revela-se

    ba

    stante enganadora.

    gem

    de um

    Panofsky americano

    que

    filosofia prefere .h1:tna.

    A verdade que, j antes de emigrar, optara pela conc1haao da

    filologia e da filosofia. A adptao e o desenvolvimento das ideias de

    Riegl, levados a cabo por Panofsky, estavam, praticamente, conclu

    dos em meados dos anos vinte, e surgiam no livro sobre escultura

    alem medieval (

    11

    )

    e, sobretudo, no estudo sobre a perspectiva. No

    muito fcil determinar se Panofsky teria podido voltar atrs, se teria

    sido possvel filosofia :;eparar-se da filologia.

    A condio prvia para dar o passo que levava do plano da

    forma

    ao

    plano da esuutura era separar-se a obra

    da

    categoria do

    esttico. Riegl abordara este aspecto com serenidade,

    no

    recorrendo

    terminologia.convencional, por um lado, e, por outro, recusando-se

    :.

    ' a estabelecer distines entre as obras de arte e outros aitefactos.

    1

    , A.

    Pano

    fsky

    faltava, mais

    uma

    vez, uma slida justificao filosfica.

    : ~ : ; ~

    ~ t e u por considerar a percepo artstica como

    um

    caso especial de

    egnio. Na ltima pgina de ldea (1924 , Panofsky explicita o carc

    ~ l f a s i : a m e n t e

    neo-Kantiano da incomensurabilidade

    dos

    modelos

    :

    ~ t i v o s . Diz ele:

    l

    t.

    .: . .. .

    ..

    :

    ~ { % ; . , ~ t v e i o

    abalar profundamente o pressuposto epistemolgico da

    . i s a

    em

    si. Alois Riegl avanou, no campo

    da

    teoria da arte,

    .

    Uf.i .f'PerSpectiva semelhante. Parece-nos ter compreendido que

    t a n t o a

    percep o artstica como o processo cognitivo se no

    . V e m J c o n f r o ~ t a d o s com a

    Coisa

    em si. Pelo contrrio, tanto

    uma cmo o outro podem reclamar solidez,

    nos

    seus jzes, exac-

    14

    /

    tamente porque apenas essa solidez define as regras do

    -mundo

    (isto , no recai sob re ou tros objectos que no sejam os que

    existem no prprio mundo).

    Porm , em n o t ~ de rodap, Panofsky introduz uma distino entre a

    percepo artfottca e a cognio cm gerai:

    So universais

    as

    leis que o intelecto dita ao mundo perceptvel

    e que,

    ao

    serem acatadas, fazem com que o mundo perceptvel se

    transforme em natureza

    ;

    as

    leis ditadas ao mundo percept

    vel pela conscincia rutstica, cujo cumprimento leva a que o

    mundo perceptfvel se torne figurao, devero ser conside

    radas individuais ou

    ...

    idiomticas

    1

    2

    .

    O estudo sobre a perspectiva

    anu

    la, em certa medida, esta distino,

    precisamente, por tra

    tar

    a perspectiva como tema de fundo.

    No

    foi per

    descrever o mundo com exactido que a pcrspectiva se tomou um pro

    metedor tema para estudo,

    mas

    pela descrio do mundo segundo

    um

    processo racional e passvel de repetio. A perspectiva foz tbua rasa

    das distines do idiomtico. A isto se refere Panofsky, ao classificar a

    perspcctiva como objectivao

    do

    subjectivo(p.

    61)

    ou como passa

    gem da objectividadc artstica para o campo do fenomenal

    (p. 6617).

    A perspectiva d fora a

    um

    tipo invulgar de identificao do objecto

    -em-arte e do objccto-no-mundo. Em ltima anlise,

    a perspectiva

    que viabiliza a metfora de

    uma Weltanschauung

    uma viso do

    mundo. .

    bvio que Panofsky tinha plenaconscincia do seu projecto de

    ~ c r e v e r

    a Histria da Arte Ocidental como-uma

    h..istria da

    pemiec-

    No

    segundo captulo,

    aps

    a formu lao da hiptese sobre i t r ~

    e aperspectivacurva, adianta uma primeira justificao para o seu tema:

    verdade que este problema parece situar-se mais no mbito da

    Matemtica do que no da Arte, j que se poderia, e com razo,

    apontar que a imperfeio relativa, at mesmo a ausncia abso

    luta, de uma representao perspectiva nada tem a ver com valor

    artstico (tal como, no caso inverso, a rigorosa observncia das

    leis da perspectiva

    no

    redundar

    em

    prejuzo da liberdade

    artstica). Mas, se a perspectva

    no

    constitui um factor valo

    rativo

    ,

    por certo,

    um

    factor estilstico. Poder mesmo ser carac

    t e r i ~ d a c?mo (e o teimo to

    a p ~ o p r i a d o

    de Ernst Cassirer penetra

    na Htstna da Arte) uma dessas fonnas simblicas em que

    O

    significado espirilual se liga a um signo concreto, material e ,

    intrinsecamente, atribudo a esse signo.

    (p.

    42)

    15

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    No se trata aqui

    de

    uma mera

    p l u r a l i d a d ~ de n t i d o

    possveis

    de uma hierarquia. Em primeiro lugar, situa-se aquilo que un -

    tlerisch, ou artstico, o que equivale ao esttico.

    P a n o f

    ~ k y deprecia,

    de modo implcito, o valor>>, que trata como categona ~ u r a m e n t e

    local e que se basta a si mesma. De uma pe

    nad

    a concede hberdade

    aos artistas, mas, logo em seguida, ignora as suas decises que

    r.idera arbitrrias ou idiomticas. A um se gundo nvel_de senti.d

    o,

    encontra-se o estilo, ta como foi definido e posto em prtica pelo

    Fo

    r-

    m a l i ~ m o da fase inicial, com Wickhoff, Riegl e Wolfflin. A perspec

    tiva reveste-se, pelo menos, deste gnero

    de

    sentido, razo pela qual

    tema pertinente de uma Histria da Atte c

    om

    cunho cientfico. Mas o

    nvel mais profundo o da f01ma simblica. Trata-se do nvel esu11

    tural, a tal ponto profundo que as funes comuns da fo:rrna cessam e

    sao eliminadas da anlise histrica. No

    ce

    ntro da teona das formas

    simblicas de Cassirer (confom1e Panofsky a interpretou) figurava o

    ele um ncleo que simbolizaria a actividade. As diversas face

    tas da criati.vida

  • 7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica

    7/31

    seu funcionamento. No contexto da perspectiva no Sc. XVII, aponta

    Panofsky o seguinte:

    a arbitrariedade da direco e da distncia, existente no espao

    pictrico Bildraum) moderno, evidencia e vem confirmar a indi

    ferena experimentada relativamente

    direco e distncia no

    espao intelectual Denkraum) moderno; ela

    corresponde

    Entspricht) na perfeio, tanto cronolgica como tecnicamente,

    ao estdio de desenvolvimento da perspectiva terica que, por

    mrito de

    De

    sargues, veio a tomar-se uma geometria projectiva

    geral. p. 65)

    Estabelece-se aqui uma relao de conespondncia entre o

    l-

    draum espao pictrico) e a sua fo1mulao matemtica. Em outros

    momentos, essa relao ser expresso. De novo surge esta con

    cretizao da perspectiva como mais no sendo do que uma expresso

    Ausdruck) concreta de um avano contemporneo no campo da

    epistemologia ou da filosofia natural

    p.

    60). Na frase que encerra o

    captulo II est contida a mais exacta, a mais complexa das afirrnaes

    acerca dessas relaes mltiplas. Depois de abordar as filosofias do

    _espao na A n t i e ~ e observa Panofsky:

    No h lugar para dvidas: o espao esttico e o espao te

    rico fundem o espao perceptual, sob a aparncia de uma nica

    e mesma sensao; no primeiro dos casos, tal

    sensao sim

    bolizada de forma visual; no segundo, apresenta uma fonna

    lgica.

    p.

    45)

    Assim, a Arte e a Filosofia so transformaes, operadas

    em

    paralelo,

    da

    realidade emprica, quer uma quer a outra de algum modo dirigi

    das por uma Empfindung sensao), que no

    outra

    seno a

    Weltanschauung. Mas,

    s

    a Arte uma forma simblica. A relao da

    Filosofia com a Weltanschauung lgica, por isso, no pode tomar-se

    problemtica. Este o motivo por que o diagnstico de Arte pode.recair,

    lternadmente, na

    Welta11schauung

    e nas formulaes filosficas.

    No ser muito ju sto descontextualizar as propostas adiantadas

    P a n o f s k y

    como

    se

    a inteno do crtico) fosse a de sugerir que a

    Sti argumentao se fundamentava apenas num conjunto de mani

    pulaes pouco claras e na recombinao de tem1os filosficos. Mas a

    vrdde

    que a argumentao de Panofsky se desenrola de uma forma

    rtmica que lhe prpria, em ciclos de anlise filolgica e pictrica,

    de

    grande sobriedade, que culminam em afirmaes breves e sintticas,

    conforme se viu no final do captulo

    II, anteriormente citado. Momen-

    18

    tos h de retrica ambiciosa. Florescem a partir do paralelismo e do

    paradoxo, reclamam alguma autonomia aforstica.

    Na

    realidade, asse

    guram um acabamento e uma explicao sob a forma de operaes

    lingusticas e at gramaticais. Este genro de escrita tem os seus

    objectivos, apropria-se tanto crtica culturnl como a uma Histria da

    Filosofia. Porm, Histria da Cultura de Panofsky falta uma certa

    verosimilhana histrica. As consideraes acerca da morfologia e a

    sequncia das obras de arte so

    de

    inspirar confiana. De certa forma,

    isto faz parte do seu trabalho. Mas a verosimilhana de toda a Histria

    da Cultura depende da confiana que

    possvel depositar no duplo elo

    entre a Histria da Arte e as Weltanschauungen. Sendo uma funo,

    tem de ser regular e compreensvel, tem de se assumir, simultanea

    mente, diferenciada c integrada. Caso contrrio, a associao no

    possuir valor de diagnstico.

    Esta exigncia pode afigurar-se-nos extrema. Mas a maioria

  • 7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica

    8/31

    forme foi desenvolvida por Desargues, tanto corresponde ao espao

    privado de d i r c c ~

    de

    D c s ~ a r t e s como

    c o s t r u z i ~ n e

    legittima

    de

    Alberti.e ainda ep1stemolog1a dq Kant. As coocepoes de espao

    de

    Demcrito Plato e A r i s t

    t e l ~ s

    tm correspondncia.na pintura paisa

    gstica r n ~ o - r o m a n a O renascimentodas concepes ' . : > t o t l ~ c a .nos

    sculos doze e treze encontra

    GO

    na escultura. do Goqco pnm1tivo.

    Estes aspcctos constituem os pontos cegos dq

    ~ e o r i a

    de Panofsky, de

    q u ~ m

    se esquecem os mommtos

    s i:itcse

    pouco r c s p o n ~ ~ v e l

    p ~ r q u c

    mais no so dq que ~ f o r o retnco de uma argumentaao extensa e

    de pso: . Mas que luz lanam

  • 7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica

    9/31

    mais complexas do estudo e as

    que

    menos se dfatanciam de Riegl. No

    captulo n, fora j apresentado o modelo analtico, ao es tabelecer-se a

    comparao entre a Arte Clssica, de carcter antropomrfico e fsico

    (hptica), e a Arte helenstica, unificada

    pontos de vista pictrico e

    espacial (ptica).

    Mas, at a imaginao artstica helenfotica manteve a ligao aos

    objectos isolados e, a um ponto tal, que o espao no era per

    cepcionado como algo susceptvel de englobar e dissipar o con

    traste entre corpos e no-corpos, mas apenas como aquilo que

    subsiste, se quisermos, entre os corpos. O e5pao foi, assim, mos

    trado artisticamente,

    em

    parte pela mera

    sob

    reposio,

    em

    parte

    por uma justaposio ainda no sistemtica. Mesmo quando a

    Arte greco-romana passou a representar interiores autnticos e

    paisagens verdadeiras, esse mundo enriquecido e alargado

    manteve as suas quebras

    na

    unifonnidadc, continuou a ser um

    mundo cm

    que

    os

    corpos e

    os

    abismos que

    os

    separam se tra

    duziam apenas em variaes ou modificaes

    de

    um contnuo da

    mais elevada ordem

    p.

    42).

    A manipulao de categorias estruturais a priori suficientemente

    abstracta e flexvel para facultar a comparao imediata com o Impres

    sionismo moderno e, posteiionnente, com o Expressionismo. Tendo

    definido as categorias, Panofsky pode pennitir-se expandir os hori

    zontes da sua argumentao. O captulo m tem incio com a con

    tinuao

    desta anlise que desemboca num a morfologia geral da Arte

    Medieval, um extenso esquema hegeliano de avanos e recuos. Esta

    morfologia orienta-se seg

    undo

    meanismos de enquadramento, valo

    res

    de

    supetfcie, a energia unificadora do plano, a unidade cromtica,

    a homogeneidade do espao, a libertao dos corpos em relao

    massa. A morfologia desenrola-se no presente histrico. Mais do que

    uma nanativa, uma explicao. Estas pginas encerram aquilo a que

    I u b e r t

    Darnisch d o

    nome de

    contributo autntico de Panofsky

    para

    a

    ,

    f ~ ~ s o f i a

    das formas simblicas, e ultrapassam a mera aplicao dessa

    .

    p ~ ~ ~ a

    Histria da Arte (

    6

    .

    Elas delineiam

    os

    verdadeiros con

    f ' N

    .de uma Histria da Arte filosfica, que no

    pr-positivista

    ~ ~ ~ g ~ l i ' l l l a ) ,

    mas ps-positivista.

    ' A ~ v e r s o da Filologia pela explicao

    mais

    perccptvel em

    poas sob.re as quais abunda a informao, caso da Antiguidade e,

    sobretuqo, do Renascimento italiano. O prprio Panofsky contri

    bui, com a sua obra filolgica, para o desgaste dos sistemas sincrnicos

    quando, com toda a simplicidade, lana redes de pormenores

    biogrficos e circunstanciais entre

    as

    teorias e

    os

    quadros.

    de realar

    22

    tambm

    que Panofsky

    in

    tegrou a

    sua anli

    se da perspecliva pictrica

    da Antiguidade e

    do Quattrocento

    numa sinopse, de mbito mais

    a s t o . ' das f o r m a ~ ocidentais. de representao do espao, em que se

    mclm at a relaao entre as imagens esculpidas e a arquitectura. Por

    isso,

    perspectiva linear racionalizada acaba oor caber somente o

    papel

    de uma

    estratgia, entre outras,

    de r c p r e s e ~ t a o

    espacial, e no,

    forosamente, o

    da

    realizao maior e mais notvel da pintura Renas

    centista. Em dados aspectos, poderia considerar-se a perspectiva ape

    nas

    como um recurso ligado

    composio, talvez como uma marca

    de

    estilo (

    17

    .

    Quanto mais fino for o gro

    do

    pormenor histrico, tanto

    mais

    difcil se tornar arquitectar uma u s t i f i c ~ o para o poder de que

    goza a perspectiva na Weltanschauu11gsphilosophie.

    . E, entanto, o_motivo central deste estudo

    a perspectiva

    pmtura.

    D1-lo

    Panofsky numa nota de rodaJ?,

    ao

    apontar como objec-

    tivo .rundam.ental do seu trabalho

    distino entre os sistemas pers-

    pectJvos antigo e moderno. Em parte, esta atitude radica no facto de a

    perspectiva continuar a ser um modelo heurstico a que se no resiste,

    por

    e n c ~ r a j a r

    as ligaes simblicas

    que

    sugere. Panofsky explora a .

    p . e r s p e ~ u v a em contnuos segundos sentidos, comprimindo a relao

    s1mbhca entre

    Arte

    e

    vi

    so do

    mundo.

    Chega, por exemplo, con-

    cluso de que o sistema espacial

    da

    pintura do 1 recento se baseava em

    elementos que j existiam na pintura Bizantina (comijas projec-

    tadas, tetos lavrados, cho de azulejos, etc.). Ora, para que a estes

    disjecta membra fosse dada unidade, faltava apenas o sentido gtico

    de

    e ~ p a o (

    p.

    53), diz-nos ainda. A realizaoepistemolgica da pers-

    pecuva traduz-se tambm muna realizao ao nvel da Histria da

    Arte.

    A perspectiva vem criar a juno

    de

    espao e arquitetura,

    da

    mesma forma que Giotto e Duccio

    c1iaram

    a sntese das artes Bizan-

    tina .e Gtica. Panofsky no consegue evitar o recurso a um conceito

    que nada tem de histrico, mas que se revela, sistematicamente, til.

    Trata-se do conceito de

    Sehbild,

    ou imagem visual interna, inti

    mamente ligada imagem

    da

    retina

    mas,

    como bvio, imperfei

    tamente idntica a ela. A distino essencial que Panofsky estabeleceu

    entre a perspectiva

    da

    Antiguidade e a do Renascimento , assim, for

    mulada: os Antigos criaram obras aparentemente fictcias, por se

    recusarem a pr

    de

    lado os conheimentos que detinham acerca

    da

    verdade da percepo p. 44). Parte-se do pressuposto de que o objeto

    de

    representao no era a coisa em si, mas a imagem mental que

    dele tnhamos, a nossa Sehbild. S no se descortina com facilidade

    0

    m o t i v ~ que levar a

    ~ g u m

    a reproduzir os r ~ s u l t a d o s da viso. Diga-

    -se, ahs, que foi obJecto de reflexo de W1ttgenstein o modo como

    algum poderia levar isso a cabo

    8

    .

    Conforme foi realado por

    Jo

    el

    Snyder, partida, a ideia de uma Sehbild imagem visual) o contri-

    23

  • 7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica

    10/31

    buto dad pelo quadro com perspectiva mode

    rn

    a (19). Pode r-se-;

    talvez, entrever algo deaberrante

    na

    aspirao de Alberti e de

    Leo

    nardo

    a pintar a aparncia

    dos

    objectos, em vez de representar aquilo

    que, de facto; so e, depo is, permitir- viso subjectiva que actue sobre

    a representao

    (2).

    ,\caba por ser esta quimrica

    Sehbild

    (imagem visual) a fazer

    gorar-se uma das ambies mais fulgurantes do estudo. Panofsky

    propunha-se, logo partida, abalar o qucna pcrspectiva linear aspi

    rasse aser autntico ou natural. Foi este projecto, originado num

    relativismo asctico digno

    de Riegl

    , que granjeou renome

    ao

    estudo

    sobre a perspectiva. O que Panofaky se propunha chamou a ateno

    dos filsofos e dos psiclogos perceptuais

    (2

    1

    .

    No est aqui em ques

    too facto de a perspectiva ser, ou no ser, uma conveno arbitrria.

    N

    ve

    rdade, Panofsky no consegue cumprir o que prometera e,

    rapidamente, se desvia

    do

    relativism radical. A

    Sehbild

    ou imagem

    da retina, t:.ransforma-se' num critrio objectivo de reali

    smo.

    A pers

    pcctiva na Antiguidade

    ~ a r d a

    niaior fidelidade

    verdade da per

    cepo da que

    perspectiva

    do

    Renascime

    nto

    e isto porque busca

    reprodlizir acurvatura da

    imagem

    da retirta. A perspectiva

    mai

    s

    autn

    .

    t.ica tr

    aduzir-se-ia

    numa

    representao curvilnea.

    :

    No se deduza d

    qui

    que

    Sehbild

    pertence a

    l

    tima pal

    av

    ra.

    Ap

    e-sar

    da

    su

    falta de fidelidade percepo, a perspectiva Renas

    centista possua,

    aos

    olhos de

    Partofsky,

    a virtude

    de

    instaurar

    um cqui-'

    lbrio perfeito entre

    as ex.igncias

    do sujeito e

    as

    do objecto.

    Pano fsky

    revelusempre tendnc

    ia

    pai;a os esquemas tripartidos e preferncia

    pela conciliao dos opostos

    .

    semlhana

    do

    que se verifica com a

    epistemologia Kantiana,

    na

    perspectiva linear est iinpHcita uma

    atistraco necessria relativamente ao empirismo. Panofsky acaoa

    por mostrar que aquilo que de literal existe na perspectiva greco

    -romana to pretensioso e vago como ocepticismo de Hume. A pers

    pectiva linear pode revelar-se vulnervel aataques vindos de posies

    rad

    icalmente subjectivas ou radicalnierite objectivas. Jo ocupar

    um

    r ~ g i t ceritrl, moderado

    ,.

    lhe garante -segurana perfeita. -lhe con

    ~ ~ d p o r Panofsky uni

    veI'Salidade

    ig

    ual

    que foi dada

    conciliao

    o n a l i s m o

    do empirismo por Katit, a que chama filosofia cr

    ~ > ~ / ~ f a s

    categorias

    a priori

    descobriu

    ~ l e

    um

    pontt>

    de vista absoluto.

    ~ ? e r i : C o n t r o u

    soluo para o problema equacionado por Kant, mas

    ~ ~ J x >

    viu-

    qualquer

    razo para

    a procurar.

    :

    (; ~ 1 : : ~ ~ ~ d ? x a 1 m e n t e poderia ter sido a perspectiva a m o s ~ a r uma

    s ? 1 d ~

    ~ c . s d e oRenascimento que o conceito de perspectivismo

    n i f i c a 1 g u ~ m e n t e

    relativismo. Sugere

    qu

    e

    um

    problema

    sempre

    a c 1 o

    i ~ i f Cle

    um

    ddpontode

    vi

    s

    ta

    e, tambm, que ponto

    de vista algilirpode ser considerado comointrinsecamente superiOr

    ~ - --

    ...---

    - --

    24

    r

    ..

    .

    ~

    ~ ~

    m.ais fidedign o do que qualquer outro:1Panofsky distanciu-se de

    Riegl, ao dotar a perspccuva

    11ne

  • 7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica

    11/31

    .

    \

    e;

    :

    :

    03 0

    3

    OOo --

  • 7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica

    12/31

    t ~ l o o ajudado a descobrir, de novo,

    as

    virtudes da reserva positivista. Ver,

    nomeadamente, a

    Revisiom>

    feita a Grundbegriffe (1933), reimpressa em

    Geda11ken

    zur Kunstgeschichte

    (Basileia: Schwabe, 1941 ), pp.

    18-24.

    s

    O estudo de Nodelman, referido

    na

    nota 4, constitui a melhor

    abordagem feita em lngua inglesa. O manifesto do Gmpo traduziu-se em dois

    notveis volumes

    Kunstwissenschaftliche Forschungen

    1

    /

    2

    (1931/

    1933)

    , edi

    tados por Plicht.

    9 Ver a crtica, de importncia marcante, de Meyer Schapiro, The New

    Viennese School, Art Bulletin

    18

    (1936).

    10 Die Quintesscnz der Lehrcn Riegls

    ,

    Introduo a Ricgl, Gcsam-

    melte Aufsatzc

    (Augsburgo e

    Viena:

    Filser,

    1929);

    reimpresso em Scdlmayr,

    Kunst und Wahrheit

    (Mittenwald: Mandcr, 1978), pp. 32-48.

    11

    Panofsky, Die Deutsche Plastik des e ften bis dreizehnten .lahrhun-

    derts

    (Munique: WoU f, 1924).

    12

    ldea: A Concept in Art Theory,

    traduo, em lngua inglesa, de Joseph

    J.

    S.

    Peake (Nova Iorque: Harper Row, 1968), p. 126

    e

    nota 38; publicado

    originalmente com o titulo de

  • 7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica

    13/31

    ' .. .

    CAPTULO

    Item Perspectiva

    ist

    ein Lateinis

    h

    Wort bedeutt

    ein

    Dur-

    chsehung

    (

    Perspectiva

    uma

    palavra latina que significa 'wat vs

    ,cl. Assim procurou Drer explicar o conceito de perspectiva

    ct).

    Embora esta

    lateinisch Wort

    (palavra latina) tivesse sido

    j

    utilizada por

    Bocio

    2)

    e, partida, no possusse

    um

    sentido

    to

    definido

    3),

    adop

    taremos,

    no

    essencial, a definio de Drer.

    v m o s

    fazer referncia

    a

    uma

    viso do espao totalmente dotada de perspectiva>> quando se

    tratar de simples objectos isolados, representados em tamanho redu

    zido, como casas ou mobilirio.

    S

    vamos falar dela

    caso

    s

    b-ate de uma

    1 ' 1 . . f P ~ ~ ~

    . n u t m . . . t e . Q i i c n . . . d . o ~ ~ l l f l S

    ~ E t o ) numa < 2 _ ~ ~ l a > ~ S ~ f f i l . { I J ~ 9 . f E . P : Q t . ~ y , ? E < ? . ~ - ~

    acreditar ruw._

    olhfl.-

    /

    _

    .: _los

    ~ ~ J ? ~ , 9 - l r y s

    d e s s a

    _ j i . J . ~ ~ ~ - > > . ,

  • 7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica

    14/31

    espao a representar. Como a posio relativa destes raios visuais

    determina a posio aparente dos pontos que lhes correspondem na

    image:n visual, terei apenas

    de

    desenhar o plano e_o alado de

    ~ d o

    o

    sistema, por forma a determinar que a figura surgir na s u p e

    r f 1 c 1 ~

    de

    interseco. O eiano d a r - m ~ - a

    e x t e n s i . i . n , . . P . J i B < 1 - . ~ " ~ ~ r a .

    C o ~ b m

    dos estes valores num terceiro

    de

    senho , ser-me- fornecida a proJecao

    pcrspcctiva por que ansiava (Figura 1). .

    Num quadro construdo assim, isto

    ,

    atravs daqmlo que Du:cr

    definiu como uma interseco plana e transpare

    nt

    e de t

    odo? r r u ~ s

    provenientesdo olho e que recaem sobre. ~ J e c t o que este vc ( ), sao

    vHdas

    as

    leis que passo a referir. Em

    pnme1ro

    lu

    gar, todas as perpen

    diculares ou

    ortogonais seencontram no chamado ponto de fuga cen

    tral , que

    determinado pela perpendicular

    i r a d ~

    a partir

    ol

    ho para o

    plano

    ~ como a \

    g e n ~ n a Lll P~ ~ ~ ~ ~ ~ p l i c a ~ ~ E j e c ~ ~ ~ A verdade

    ~ e s t n r t r ~

    ~ a o . i n t i r u t o

    unutVelChomogeneo, em

    u m o

    um espao pura

    mente ' matemtico, difere em muito da estrutura

    do

    espao psico

    ffsiolgic

    o: p e r ~ ~

    f u v 9 Q _ . Q p _ ~ j ~ i t o

    partidalr

    n.ado re

    stri

    to

    por detenninados

    fu:rtites

    esp

    ac

    iais 1 m p o s ~ o s pela nossa

    f ~ t ? d a d e p e r c e p t i v a

    Relativamenteao espa? perceprual, no

    se.P

    ode

    falarde infinito, nem, to pouco, de homogcne1dade

    .

    A homogeneidade

    d es_ao:gomtrico assenta, principalmente; na ideia de que to.dos os

    etemntos asse espao,

    OS

    '

  • 7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica

    15/31

    A representao perspectiva exacta uma ~ b s t r a ~ o e m t i c a

    conseguida a partir da estrutura deste espao ps1cofis1olg

    1co .

    ~ a , r

    real,

    atravs d

    e p r e ~ ~ ~ ~ o ~ o , e x a t a l l J ~ l J ~ a ? m o g e

    n e 1 d a d ~

    ~ f ~ p . f i

    litlites

    a l h e i o ~ e ? t Q e r i ~ i r e G ~ l n 1 < s m o

    ~ R o .

    eis o r

    es

    ultadoda

    e s e . n ~ 9 ~ i s p . ~ t 1 y _ J .. : l a i ~ u ~ r : e s u

    .o

    o

    b j c c ~ Q u e

    atingir,

    Em

    certo sentido, a p e r s p e c ~ v a

    muda o espao psicofisiolgico em espao matemtico. Renega as dife

    renas entre a parte da frente e a de trs, a direita e a s q u ~ r d a , entre .os

    corpos e o espao que entre eles medeia

    o

    espao vazio), e assim

    sendo, a soma de

    todas as

    partes do espao e todos

    os

    seus contedos socongregados

    num

    quantum continuum

    nico. Deixa no

    esquecimento

    o facto de vennos _ ~ _ p J b _ Q j m v e l , m S c r i i f i l $ J l b 9

    movimentQ.

    o p s 1 @ t ~ . g 1 1 ; e geram um.criip:de.

    v,iso

    e s f ~ ~ j ~ ~

    t

    toma

    em

    considerao a

    d i f . e r ~ ~ ~ 9 . ~

    imensa que .h entre a imagem

    vis

    ul; s i ~ l u g i a m e n t e

    condicionad, tfvsda

    qu

    al tomamos cons

    cincia do muno visvel, e a imagem da

    rctit1a,

    condicionada meca

    nicamente, que se imprime

    no

    olho fsico. Verifica-se, na nossa cons

    cincia,

    uma

    tendncia equilibradora muito particular, originada no

    trabalho conjunto da viso e do tacto, para atribuir aos objcctos aper

    cebidos

    tamanho

    e fonna definidos, adequados. Por

    ccta ~ o .

    a mesma

    s

    tendncia

    vai no

    sentido de ignorar, ou, pelo menos, de no conceder

    grande importncia s distores a que a retina sujeita tamanhos e for-

    mas. Digamos, finalmente, que a representao perspcctiva ignora a L

    circunstncia capital de esta imagem da retina, se

    no

    considerarmos a

    sua interpretao psicolgicaposterior e o facto de os olhos se move-

    rem

    ,

    co

    nstituir

    uma

    projeco

    numa

    superfcie

    cncava,

    no numa

    superfcie plana. Registe-se, assim, e

    a plano factual .muito infe-

    5

    rior, pr-psicolgico, uma discrepncia bsica e ~ t r e a realidade e a

    sua representao. Isto aplica-se g u ~ ~ ~ n t e , o m o

    Qovio,

    ao funcio-

    namento , cm m o l d S ~ ~ g s

    d

    i l i n a i o t o g r f i c a .

    Poderemos recorre

    r um

    exemplo muito

    acessvel.

    Se

    uma

    linha

    for dividida de modo. a que as suas partes a b e

    e

    subtendam ngulos

    iguais, as

    trs

    partes, objectivarnente desiguais, sero representadas

    numa superfcie cncava como a retina), sob a fonna de extenses

    aproximadamente iguais. Caso sejam projectadas

    numa

    superfcie

    plana, aparecer-nos-o, como anteriormente, com dimenses desiguais

    ( ~ i g u r a

    2).

    Aqui

    temos a origem das distores perifricas que se nos

    tomaram familiares atravs da fotografia, mas que marcam, igualmente,

    a diferena entre a imagem representada em perspectiva e a imagem da

    rctin1,t. As distores mencionadas podem ter expresso matemtica,

    traduzida na discrepncia existente entre a proporo dos ngulos de

    viso, por um lado, e, por outro, entre a proporo das seces lineares

    resultantes da projeco

    numa

    superfcie plana.

    Quanto

    mais amplo for

    o

    ngulo

    de viso total ou compsito, isto , quanto menor for a pro

    poro entre a distncia que vai do olho imagem e o tamanho da

    34

    1

    imagem, tanto mais

    ace ntuada

    ser a

    distoro 8).

    Mas esta

    discre

    pncia,de carctermeramente quantitativo, entre a imagem da retina e a

    representao perspectiva,

    detectada nos primrdios

    do

    Ren as-

    cimento, acompanhada de uma discrepncia formal. Esta resulta,

    prio-

    ritariamente, do movimento

    do

    olhar e,

    em

    segundo lugar, da curvatura

    da retina. Embora a perspectiva projecte

    as

    linhas rectas como rectas, o

    nosso olhar apercebe-as, a partir

    do

    centro de projeco, como cutvas

    convexas. Enquanto

    um

    padro quadriculado regular, visto a

    pequena

    distncia, parece expandir-se e fonnar

    um

    escudo,

    um

    quadriculado

    objectivamente curvo tomar-se-,

    nas

    mesmas circunstncias, direito.

    Se

    as

    ortogonais de

    um

    edifcio, rectas de acordo com a representao

    perspectiva normal, correspondessem

    imagem factual dada pela

    retina, teriam de ser traadas curvas. Para ser ainda mais rigoroso, direi

    que at as verticais teriam

  • 7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica

    16/31

    Mas no h pintor

    que

    faa

    f

    nisto. Por isso, para pintaras partes rectas

    de

    u'm

    edifcio, todos usam linhas rectas, apesar de,

    segu.ndo

    a ver

    dadeira arte da perspectiva, tal ser incorrecto .. Senhores a:iistas, o que

    dizeis a isto ?(

    10

    ).

    Este ponto

    de

    vista

    e r e c e u

    a

    p r ? ~ a a o de

    Kepler,

    elo menos,

    na

    medida em que ~ l e

    a c ~ 1 t o u

    a

    poss1bihdade de, t a n ~ o

    a

    ~ a u d a

    de um cometa como a

    traJe..ctna

    de um meteoro, a ~ b a s obJeC

    tivamente rectas, poderem ser subjectivamente apercebidas como

    curvas. O aspecto mais fascinante reside no facto de K e p l ~ r es 'U, por

    completo,. ciente de, a

    p r i n c : ~ p i o ,

    ter m e n o ~ p r e z a ~ o , negaoo ate,

    e s ~ ~ s

    cur\las ilusrias, s porque a sua escola tmha. sido a da perspcctn.a

    linear.

    As

    regras da

    perspectiv.a

    em.pintura haviam

    -no

    l e ~ a d o

    a

    o n s i -

    derarqe o que recto sempre v 1 ~ t o como tal, s ~ ~ a ~ n r cammho

    reflexo sobre o facto de o olho groJectar na superfc

    ie: m t ~ m a de.

    e ~ f e r a , no numa plana tabella

    (

    1

    . ~ a c t ? ,

    se e s m ~ hoje em dia, so

    alguns h que se aperceberam

    da ~ x i s t ~ n c i a

    das refendas curvaturas,

    esse facto deve

    -se,

    em parte,

    ao

    hbito, que o ver

    fot

  • 7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica

    17/31

    e

    ll

    E

    o

    s

    A

    a

    b

    b

    Figura 4. Contraste entre representaes pcrspcctiva linear e p c r s p c c t ~ v a angular:

    na pcrspectiva linear em cima),

    s

    grandezas aparentes HS e JS) so inversamente

    proporcionais

    s

    distncias AB e AD); na perspcctiva angular em baixo),

    s

    grandezas

    aparentes e a + no so inversamente proporcionais s distncias 2b e b .

    38

    CAPfTULOII

    Chegados a este ponto, somos levados a pensar se teria sido pos

    svel a Antiguidade desenvolver

    uma

    perspectiva geomtrica e

    de

    que

    modo. Do que at

    ns

    chegou sobre os Antigos, ficou-nos a ideia de

    nunca se desviarem

    do

    pressuposto segundo o

    qual

    erall}

    os n_g

    _

    l

    .

  • 7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica

    18/31

    Lineamm

    d

    circini centrum responsus

    (

    18

    ) .

    partida,

    bvio,

    ali

    mentou

    -se a esperana de descobrir

    ne

    ste

    ci

    rcini centrum o ponto de

    fuga central da perspectiva moderna. Mas esse ponto de fuga unificado

    no surge

    em

    uma nica das pinturas da Antiguidade que chegaram aos

    nossos dias.

    E,

    pormenor de importncia, as prprias palavras parecem

    excluir esta interpretao, uma vez

    qu

    e circini centrum significa lite

    ralmente

    ponto

    cardeal, e

    no centro de um

    crcu

    lo. No

    se pode

    interpretar o

    ponto

    de

    fuga

    central da perspcctiva linear moderna, o sim

    ples

    ponto de

    convergncia de ortogonais,

    como se

    fosse o ponto

    fixo

    de

    uma

    bssola (

    1

    '>).

    Se Vitrvio

    se

    estiver a referir a

    uma

    representao

    perspectiva precisa (implcita na meno feita a

    circinus ,

    vislumbra-se

    uma probabilidade de ele pretender significar com

    centrum

    um centro

    projeco

    que represente oolho

    de quem

    v

    ,

    e

    no um

    ponto de

    fnga

    existente

    no

    interior

    do

    quadro.

    As

    s

    im

    , em

    desenhos

    preparatrios ,esse

    centro (e

    neste

    aspecto haveria completa

    submisso

    ao axioma

    do

    ngulo, da Antiguidade) seri,a o centro de um crculo que interceptasse

    os raios

    visuais,

    tal

    como a linha recta que representa o plano do quadro

    intercepta1:ia,

    na representao pcrspectiva moderna, os raios visuais.

    De qualquer

    forma,

    caso se recorra a esse crculo de projeco para

    representar

    (o

    que, a verificar-se, levaria, confonne vimos,

    subs

    tituio

    gonais no se jun

    tam

    num

    ponto nico, antes convergem tenuemente e reunem-se, em

    pares

    ,

    em

    pontos diversos, existentes

    ao

    longo de

    um

    eixo comum.

    Quando

    o crculo se abre,

    os arcos divergem, digamos, nos

    extremos, o

    que provoca um

    efeito

    de espinha de peixe

    (Figura

    5).

    No

    se pode

    sancionara interpretao

    dada

    passagem

    de

    Vitr

    vio j citada, como se

    fosse

    inequvoca.

    Dificilmente se poder d-la por

    provada,

    pois

    em quase

    todos

    os

    quadros que

    s

    ub

    sistem. a representao

    pouco rigorosa.

    Seja

    como

    for, este princpio

    da

    espinha de.peixe, ou,

    dito

    de maneira

    mais elaborada, prindpio

    do

    eixo de

    fuga,

    deteve, pelo

    menos

    at onde podemos remontar, um lugar central na representa

    o espacial da Antiguidade.

    Umas

    vezes, depara-se-nos sob a forma de

    uma

    convergncia parcial, segundo o

    que foi

    descrito e que satisfaz

    nossa representao

    emcrculo hipottica (Ilustrao

    1).

    Surge-nos, de

    outras vezes

    , s

    ob forma mais esquemtica, embora

    mais vivel,

    de um

    'paralelismo; relativamente puro, de ortogonais oblquas. Desta ltima

    veEso do

    j-provas os

    vasos

    do Sul de Itlia, do sculo V

    a.e.

    (Ilus-

    t r ~ ? e s

    2 e 3)

  • 7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica

    19/31

    ................

    ---------------------------------

    de diminuir, como deveria ser o caso. Contrariamente,

    se

    d

    imi

    nuirem

    as distncias, as diagonais parecero ficar interrompidas.

    verdade que este problema parece situar-se mai s

    no

    mbito da

    Matemtica

    do que no

    da

    Arte, j

    que

    se

    poderia, e com

    razo,

    apontar

    que a imperfeio relativa, at mesmo a ausncia absoluta, de

    uma

    representao perspectivada

    nada

    tem a ver

    co

    m o valor artstico

    (ta

    l

    como,

    no

    caso inverso, a rigorosa observncia das

    le

    is

    da

    perspectiva

    no redundar em prejuzo

    da

    liberdade artstica). Mas, se a pers

    pectiva no constitui um factor valorativo, , por certo, um factor

    estilstico. Poder mesmo ser caracterizada como (e o tenno to apro

    priado de Ernst Cassirer penetra na Histria da Arte) uma dessas

    fom1as simblicas

    em

    que significado espiritual se li

    ga

    aum signo

    concreto, material e

    ,

    intrinsecamente, atribudo a esse signo. Por isso,

    fundamental apurar se

    os

    perodos e reas da Arte possuem

    ou

    igno

    ram

    a noo de perspectiva e tambm definir que noo

    essa.

    A Arte da Antiguidade Clssica era puramente

    fsica:

    enquanto

    realidade artstica apenas reconhecia o tangvel e o visvel. Os seus

    objectos eram materiais e tridimensionais, dotados de funes e pro

    pores definidas e, por esse motivo,

    em

    certa medida, antropormo

    fizados. Esses objectos no se amalgamavam

    numa

    unidade espacial,

    como sucede na pintura, mas juntavam-se de

    modo

    a

    formar

    algo de

    se

    melhante

    a um aglomerado tectnico ou plstico. Certo ter a Arte

    helenstica comeado a afirmar tanto o valor

    do

    corpo s

    ujeito

    a

    moti

    vao interna, como o encantoda sua superfcieexterior. Igualmente foi

    por ela apercebido serem merecedoras de representaoquer a natureza

    animada, quer a inanimada, tanto o que era plstico e be

    lo, como

    o pic

    ttio, o

    feio,

    o vulgar, os corpos slidos e o espao envolvente e

    uni

    ficador.

    Mas

    at a

    imaginao

    artstica helens

    tica

    manteve a ligao

    aos

    objectos isolados e a um ponto tal que o espao

    no

    era percepcionado

    como

    algo su

    sce

    ptvel de englobar e dissipar o contraste entre corpos e

    no-corpos,

    mas apenas como

    aquilo

    que

    subsiste,

    se quisermos,

    entre

    os

    corpos.

    O espao

    foi, assim,

    mostrado artisticam

    en

    t

    e,

    em parte pela

    mera so

    breposio,

    em

    parte por

    uma

    justaposio

    ainda no

    sist

    e

    ?tica. Mesmo

    quando a Arte greco-romana

    passou

    a representar inte

    nores autnticos e

    paisagens

    verdadeiras, esse

    mundo

    enriquecido e

    alargado manteve as suas

    quebras na uniformidade, continuou aser

    um

    mundo em que os corpos e os abismos que os separam se traduziam

    apenas

    em

    variaes

    ou

    modificaes de um contnuo da

    mais

    elevada

    ordem. Tomaram-se

    tangveis as

    distncias

    em

    profundidade,

    mas

    no

    p ~ m ser.

    expressas

    em termos

    de

    um

    mdulo imutvel. As

    ortogo

    nais reduzidas convergem, mas nuncapara um horizonte nico, e muito

    menos

    para centro

    nico

    (embora se verifique,

    regra

    geral,

    nos

    tra

    ados

    de

    arqu1tecturaa elevao das linhas da base e adescida das linhas

    do

    telhado)

    2

    >

    .

    G _ e r ~ l m e n t e as

    grandezas diminuem

    medida que vo

    recuando; diminwo

    no

    ,

    de modo

    algum, co

    n

    stante. D-se

    a sua

    42

    1

    1

    contnua inte1TUp

    o

    atravs de imagens com propores

    e r r ~ d a s

    fora de escala.

    As

    transfonnaes que a distncia e o meio inter

    veniente provocam na forma e na cor dos corpos so representadas

    com

    arrojado virtuosismo. Por isso, estas pinturas tm, pelo estilo, sido

    apontadas como precursoras do Impressionismo moderno,

    ou

    at po

    s

    tas

    em

    paralelo com ele, Porm,

    nunca nela

    s

    se

    consegue-

    uma il umi

    nao

    uniforme (2

    3

    ). Mesmo se

    le

    varmos

    a srio a ideia da perspec

    ti

    va

    enquanto ver atravs de, como acontece, por exemplo, quando

    agimos como se acreditssemos estar a con templar uma paisagem con

    tnua atravs de uma fileira

    de

    colunas (ver a Ilustrao 4), continuare

    mos

    a ter o espao representadocomo espao concentrado. Este espao

    nunca

    chega a ser

    aquilo que os

    te

    mpo

    s

    modernos

    reclamam e

    com

    preendem, um espao sistemtico

    (2

    4

    ). E, neste ponto, toma-se evi

    dente que esse impressionismo

    da

    Antiguidade mais no era do que

    um quase Impressionismo. Com efeito; o movimento moderno que

    designamos des

    sa

    fom1a pressupe sempre a existncia de

    uma uni

    dade

    superior,

    que

    est para

    alm, que

    ultrapassa o espao e os corpos

    vazios. Da que as suas observaes se revistam, automaticamente, de

    direco e de unidade. O Impressionismo logra, assim, desvalorizar e

    dissolver

    as

    formas slid

    as

    sem, no entanto, pr

    em

    perigo, uma vez

    que

    seja, o cquilfrio

    do

    espao e a solidez

    dos

    objectos isolados. Pelo

    contrtio,dissimula esse equilbrio eessa solidez. Por outro lado, como

    na Antiguidade no existe essa unidade tirnica, foroso se torna gran

    jear, por assim dizer, tudo o que represente um ganho em termos de

    espao, mesmo que seja

    custa da perda de materialidade, o que leva

    a que o espao parea devorar

    os

    objectos. Desenha-se aqui a explica

    o para este fenmeno, quase um

    paradoxo:

    enquanto a representao

    do espao entre os corpos no abordada pela Arte da Antiguidade, o

    mundo

    representado afigura-se-nos

    da

    maior solidez e harmonia, se

    comparado com o da Arte Moderna; mas ,

    logo

    que da representao

    passou a fazer parte o espao, e isto sobretudo na pintura de paisagens,

    esse mundo passa a ser estranhamente irreal e

    vago,

    como um sonho

    ou

    miragem (2

    5

    ).

    A perspectiva da Antiguidade constitui a expresso de

    uma

    viso

    do espao especfica, basicamente

    no moderna

    (embora, e a despeito

    da

    opinio de Spengler, seja, sem dvida, uma viso genuinamente

    espacia ).

    Mais a

    ind

    a,

    a perspectiva da Antiguidade exprime uma con

    cepo do mundo por igual especfica e

    no

    moderna. S

    partir daqui

    nos

    possvel entenderde que forma o

    mundo

    Antigo conseguiu auto

    satisfazer-se atravs

    de

    uma

    interpretao

    ~ l P . r ~ s s o _ d o

    espao

    (2

    6

    ),

    to

    instvel, mesmo falsa

    nas

    plvfSie

    Goethe. Qual

    a razo por

    que os Antigos

    no

    foram capazes

    de

    dar esse passo, na aparncia to

    insignificante, e

    de

    inter

    sec

    tar a pirmide visual com um plano, par

    tindo

    depois para a represen tao, realmente precisa e sistemtica, do

    espao? Enquanto o axioma dos ngulos, defendido pelos tericos,

    43

    j

    1

    1

    .

    .

    1

    1

    I

  • 7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica

    20/31

    se impusesse, isto seria impossvel. Mas, por que no foi ento esse

    axioma pura e simplesmente desdenhado, como viria a acontecer e

    quinhent

    os

    anos depois?

    Se os

    Antigos no agiram desse modo, isso

    aconteceu porque essa aspirao ao espao,

    qu

    e buscava exprimir-se

    nas Aitcs Plsticas, no .reivindicava um espao sistemtico. O.espao

    sistemtico tinha tanto de impensve.l para os filsofos como de inima

    ginvel

    para

    os artistas na Antiguidade. Seria, por isso, pouco razo

    ve

    l, do ponto de

    vista

    metodolgico, equacionar as perguntas Na

    Antiguidade existia o conceito de perspectiva? e

    Na

    Antiguidade

    existia O nosso conceito de perspectiva?, como se fez no tempo de

    Perrault e Sallier,

    de

    Lessing e Klctzen.

    Por muito

    di

    versificadas que fossem as

    teo

    rias espaciais da Anti

    g

    uid

    ade, nenhuma houve

    qu

    .echegasse.a uma definiodo espaocomo

    sistema de relaes simples entre a altura, a extenso e a profun

    didade

    (2

    7

    , Caso i.sto se tivesse verificado, sob a aparncia de

    um

    em movimento, apen

    as

    .P.9rlllo o:limite extremo de

    um

    corpo i ncnso; isto , ponto

    mai

    s afas-

    :ii9ili>

  • 7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica

    21/31

    CAPTULO

    III

    Se certos problems artsticos foram de tal modo aprofundados

    que continuar a trabalh-los imprimindo a mesma orientao aco

    e partindo das mesmas premissas pode revelar-se estril ento pos-

    svel que se verifique um intenso movimento de recuo melhor dito tal

    vez uma mudana de direco. Essas mudanas frequentemente

    associadas

    passagem

    da

    chefia em Arte

    par d

    um outro pas ou para

    um

    novo gnero possibilitam a criao de

    um

    edifcio

    novo

    surgido

    dos destroos do

    velho.

    Consegue-se s ~ o atravs do abandono

    do

    que

    foi

    realizado

    ou ~ e j a

    do retomar de modos

    de

    representao na apa-

    rncia

    mai

    s primitivos. As mudanas referidas preparam as bases de

    uma ligao renovada a problemas mais antigos e isto exactamente

    atravs do distanciamento em relao a esses problemas.

    Deparamos

    assim com Donatello

    que

    se filia numa tendncia marcadamente gtica

    e no

    no

    Classicismo apagado dos cpgonos de Amolfo. Da

    mesma

    forma

    e antes que a Drcr fosse possvel a criao dos

    Quatro Apsto-

    los surgiram as poderosas figuras de Konrad Witz e aps elas exce

    dendo-as em elegncia os seres criados por Wolgemut e por Schon

    gauer. Entre a Antiguidade e a Idade Moderna temos a Idade Mdia o

    mais intenso desses movimentos de recuo a que fiz meno. A tarefa

    da Histria da Arte Medieval consistia em harmonizar

    uma

    inultiplici

    dade de objectos isolados anterio1mente embora habilmente associa

    dos com vista formao de

    uma

    unidade autntica. Apenas se atingia

    esta nova unidade que s

    na

    aparncia paradoxal pela quebra

    da

    unidade existente quer

    dizer

    atravs da consolidao e

    do

    isolamento

    dos objectos antes ligados por laos no s fsicos e gestuais mas tam-

    bm espaciais e de perspcctiva. Nos finais da Antiguidade e ligada a

    crescentes influncias Orientais cuja entrada em cena ser mais

    um

    47

  • 7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica

    22/31

    sintoma e um instrumento de

    de

    senvolvimento novo

    do

    que

    uma

    causa, principia a separao da paisagem que se expande livremente e

    do espao interior fechado. A sucesso aparente de formas que cria

    um

    sentido de profundidade

    d

    lugar,

    m is

    uma vez,

    sobreposio e

    justaposio. elementos pictricos isolados, se

    jam

    eles figuras, edi

    fcios ou motivos paisagsticos, at ento considerados

    em

    parte

    como

    contedos,

    em

    parte como constituintes de um sistema espacial coe

    rente, transmutam-se cm formas. Estas formas, embora no estejam

    ainda totalmente

    eq

    uilibradas, .t.endem para o plano. Surgem em relevo

    contra um fundo dourado ou neutro e esto dispostas sem que tenha

    sido prestada a menor ateno a uma lgica de

    co

    mposio

    pr

    vi

    a.

    Entre os sculos segundo e sexto possvel seguir, pass o a passo,

    quase diramos, o desenvolvimento deste processo

    3}.

    Valer a pena

    apreciar o mosaico de Abrao em San Vitale, Ravena (Ilustrao 5).

    Nesta obra, nitidamente observvel a desagregao da ideia de pers-

    pectiva. Tanto as plantas como os relevos terrestres, eliminados das

    paisagens da Odisseia pelo limite

    do

    quadro, como

    se

    de um caixilho

    de janela

    se

    tratasse, foram forados a adaptar-se

    curva da marg

    em.

    Seria

    pr

    a

    ti

    camente impossvel exprimir com maior clareza o seguinte:

    o princpio segundo o qual o espao , simplesmente, cortado pela

    margem

    do

    quadro,

    co

    mea a dar lugar a um outro princpio, o

    de

    que

    h

    uma superfcie delimitada pela margem

    do

    quadro e essa superfcie

    de

    st

    ina-se a ser preenchida e no

    co

    nt

    em

    plada atravs

    de

    ..

    Os

    escor

    os da Arte greco-romana acabam por

    se

    despojar do seu significado

    representativo inicial, que

    era

    o

    de

    criar espao, mas conservam

    as

    formas lineares estabelecidas. Submetem-se, assim, a reinterpretaes

    das mais curiosas e, com frequncia, pouco vulgares do ponto de vista

    expressivo: a maneira de ver anterior, ou

    O

    lhar atravs

    de

    , comea a

    tomar-se olhar prximo. Assistira-se a uma perda quase total, por parte

    dos elementos pictricos isolados,

    da

    relao dinmica gestual e fsica

    e da relao perspectiva espacial. Consegue-se, agora, ver com

    qu

    e

    exactido esses elementos poderiam associar-se numa relao nova e,

    de certa forma, mais ntima.

    Do

    origem a uma trama imaterial

    mas

    ,

    pode dizer-se, intacta, na qual a permuta rtmica da cor e

    do

    ouro

    ou,

    caso do relevo, da luz e

    da

    sombra, restabelece uma espcie de uni

    dade, mesmo que esta seja s de

    cor

    ou luz. Ser. mais uma vez, na

    sua

    conc;

    epo do espao prpria

    da

    filosofia que lhe

    contempornea,

    que a forma especfica desta unidade encontra a analogia terica. I

    sto

    acontece na metafsica da luz no neoplatonismo pago e cristo, pois,

    como disse ~ r o c l u s

    31)

    O espao outra coisa no seno a mais bela

    l u ~ s A semelhana do que se verifica na Arte, o mundo , pela

    pnmerra vez, considerado um contnuo. Solidez e racionalidade dei

    xam de fazer parte dele.

    como se o espao se tivesse tomado

    um

    fluido homogneo, digamos at, homogenizador, incom

    en

    survel,

    se

    m

    dimenso precisa.

    48

    O passo seguinte

    na

    senda que

    co

    nduz

    ao

    espao sistemtico

    Moderno consistiria, dada a situao exposta, remodelao do mundo

    agora unificado, mas ainda luminosamente flutuante. Esse mundo

    passariaa ser substancial e mensurvel, atributos esses a entender, obvia

    mente,

    .nu

    m

    se

    ntido Medieval e no no

    se

    ntido dado

    na

    Antiguidade.

    Estava J claramente presente na Arte bizant

    ina

    a tendncia para levar

    a cabo a reduo do espao a superfcie, embora tal tendncia fosse

    muito combatida e at repelida, por vezes, pela inclinao, vinda

    tona, p

    ara

    o recurso

    iluso, prpria

    da

    Antiguidade.

    Fal

    a-se

    em

    levar a cabo, por que o mundo dos primrdios

    do

    Cristianismo e

    da

    Arte dos fins da Antiguidade no ainda absolutamente linear e bidi

    mensional. Trata-se de um mundo de espao e de corpos, mesmo que

    nele tudo seja remetido para a superfcie. Alm disso, a

    Arte

    bizantina

    evidenciava a tendncia para enaltecer a linha, nico elemento desta

    bid

    ime

    nsional idade nova capaz de garantir equilbrio e sistematiza

    o._ Mas nem sequer a Arte bizantina, que afinal nunca chegara a

    deshgar-se da tradio da Antiguidade, foi capaz

    de

    concretizar este

    desenvolvimento de forma tal que

    se

    produzisse uma ruptura bsica

    com os princpios

    do

    perodo final

    da

    Antiguidade (assinale-se que

    tamb

    m

    nunca atingiu um Rena

    sc

    imento). Pode dizer-se que a Arte

    bizantina

    no

    conseguia optar

    por

    dar forma totalmente linear ao

    mundo, desfavor

    da

    forma pictrica. Explica-se, assim, a predilec

    ~ o mamfe

    s

    tada pelo

    mosaico, cujas caractersticas propiciam o

    disfarce

    da

    estrutura inflexivelmente bidimensional de uma parede

    nua, pelo recurso camada brilhante que a recobre. As linhas de luz e as

    estrias de sombra do Ilusionismo da Antiguidade e do seu perodo final

    endurecem e tomam-se formas semelhantes a linhas. Porm, o sentido

    pictrico primitivo destas formas no se perde ao ponto

    de

    elas se

    tomarem simples linhas. O mesmo acontece no que diz respeito

    perspectiva. Na sua fase final, a Arte bizantina traduz-se num trata

    mento de motivos paisagsticos e de formas arquitectnicas como ele

    mentos cnicos que se destacam de um fundo neutro. Apesar disso,

    esses motivos e essas formas continuaram a transmitir uma sugesto de

    espao, mesmo no compreendendo j o espao. A despeito da desor

    ganizao

    do

    todo, a Arte bizantina conseguiu, e este aspecto essen

    cial para o que nos propomos, conservar os elementos constitutivos do

    espao perspectivo da Antiguidade e, desse modo, mant-los prepa

    rados para o despertar do Renascimento Ocidental

    3

    2

    .

    A Arte

    do

    Noroeste ewopeu, cujos limites, na Idade Mdia se

    l o c l 1 i z a v ~ I?ais nos ~ n i n o s do que nos l ~ e s . trouxe a l t e r a e de

    ma10r rad1cal1smo

    tradio dos finais da Anugu1dade do que

    0

    fez a

    Arte bizantina

    do

    Sudeste

    da

    Europa .Foi aps as pocas dos renas

    c i ~ e n t o

    3

    3

    ) .c

    arolngio e otoniano, que,

    por

    comparao,

    co

    nsti

    turam, respecttvamente, uma ligao ao passado e antecipao de

    um novo est ilo, que surgiu esse estil

    o,

    em geral, denominado

    49

    ,.

    1

  • 7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica

    23/31

    :

    1

    ,

    11.

    '

    Romnico. O Romnico, que, em meados do sculo doze atingira

    florescimento pleno, consumou a ruptura com a Antiguidade, ruptura

    essa nunca assumida pela Arte

    de Bizncio. A partir deste momento, a

    linha

    somente linha, isto ,

    um meio

    sui generis de expresso gr

    fica, que vai beber o seu e n t i d o ~ ~ delimitao e na ~ a m e n t a o d ~ s

    superfcies. Entretanto, a

    superf1c1e

    tomou-se superf1c1e e nada mais.

    Desugesto tnuede

    um

    espao imaterial passou .ser superfcie incon

    dicionalmente bidimensional

    do

    suporte matenal do quadro. Este

    estilo foi aprofundado, mantendo a mesma 01ientao e,

    no

    perodo

    que se lhe seguiu, revestiu-se de carcter

    mais

    sistemtico e arquitectnico. O

    modo

    como o Romnico destruiu os ltimos vestgios do ante

    rior conceito de perspectiva poder ser explicitado pelo recurso a um

    exemplo conhecido (um de

    muitos):

    o da metamorfose do Rio Jordo,

    reduzido em perspectiva,

    nas

    representaes do Baptismo, em mon

    tanha de guas

    4

    . Em

    regra, distinguem-se ainda, com nitidez, nas

    pinturas bizantina e de influncia de Bizncio, o contorno da margem

    do

    rio,

    que se aprofunda, e a transparncia resplandecente da gua.

    O Romnico

    puro

    (e

    j

    pelo ano mil se manifesta a transio) volta a

    modelar, com deciso sempre crescente,

    as

    vagas pintadas, que trans

    fonna em montanha de

    gua,

    plstica, slida, e a convergncia defi

    nidora de espao que

    muda

    em fonna ornamental de superfcie.

    O rio, reduzido na horizontal, que deixa que vislumbremos o corpo de

    Cristo, converte-se em bastidor de teatro, erguido na perpendicular,

    atrs do qual a figura desaparece (de vez

    em

    quanto, toma-se mesmo

    uma

    mandorla que, em certo sentido, a enquadra). A margem plana

    por onde passava o Baptista,

    agora

    um

    escada que ele

    tem

    de subir.

    Pensar-se-ia que, operada que foi esta transformao radical, o

    Ilusionismo espacial teria sido, pura e simplesmente,

    posto

    de parte.

    Mas esta transformao constituiu a condio prvia para o apareci

    mento da viso realmente moderna do espao. De facto, se a pintura

    Romnica reduziu, da mesma forma e com igual determinao, corpos e

    espao a superfcie, conseguiu, pela primeira vez e atravs das mesmas

    atitudes, firmar e instituir a homogeneidade dos corpos e do espao.

    F-lo pela transformao da sua unidade vaga, ptica

    numa

    unidade

    slida e material. Corpos e espao passam a estar ligados, acontea o

    que acontecer. A partir de ento, se um corpo se deve libertar dos laos

    que o

    prendem

    superfcie, o

    seu

    crescimento estar comprometido, a

    menos que oespao aumente na mesma proporo.

    ,

    porm,

    na

    escultura da Alta Idade Mdia que este processo se

    concretiza da forma mais intensa e com as consequncias mais dura

    douras. Com efeito, a escultura passa pelo mesmo processo de reavalia

    o e de consolidao a que fora j submetida a pintura. Tambm a

    escultura

    deixa

    para

    trs todos os

    vestgios do Ilusionismo Antigo,

    transforma uma superfcie pictrica e convulsa, fragmentada por luz e

    sombra,

    numa

    superfcie densa do ponto de vista estereomtrico,numa

    50

    superfcie que os contornos lineares articulam. Tambm aesculturacria

    uma unidade indissolvel entre

    as

    figuras e o

    seu

    envolvimento espa

    cial, quer dizer, a superfcie que serve de pano-de-fundo, mas esta

    unidade no obsta ao aumentode tridimensionalidade que se evidencia

    na

    forma. Uma figura em relevo deixou de ser

    um

    corpo posto frente a

    uma parede ou dentro de

    um

    nicho. Pelo contrrio, a figura e a rea em

    relevo constituem manifestaes exactamente da mesma substncia.

    Assim desponta, pela primeira vez, na Europa, uma escultura de carc

    ter arquitectnico, que se no inicia

    nem

    esgota

    no

    edifcio, como

    acon

    tecera com a utilizao do relevo

    na

    mtopa ou com a caritide,

    na

    Antiguidade, mas

    uma

    fonnao de dentro

    para

    fora,

    um

    desenvol

    vimento a partir

    do

    prprio material do edifcio. A esttua do portal

    Romnico um

    batente a que

    foi

    dado desenvolvimento plstico, a

    figura Romnica em relevo

    a expresso do desenvolvimento plstico

    de

    uma

    parede. O estilo da superfcie pura, desenvolvido pela pintura,

    teve

    no

    estilo da massa pura a sua contrapartida

    no

    campo da escultura.

    A tridimensionalidade e a materialidade voltam a integrar a escultura.

    Mas,

    ao contrrio do que havia sucedido na Antiguidade, no se trata

    de tridimensionalidade e de materialidade de corpos cuja ligao

    (seja-nos permitido repetir o que dissemos)

    assegurada, quando se

    busca

    um

    efeito artstico, pela associao de partes distintas entre si,

    com extenso, forma e funo individualmente determinadas, isto

    ,

    rgos. Est aqui em questo a tridimensionalidade e a materialidade

    de

    uma

    substncia homognea cuja ligao

    assegurada, quando se

    busca um efeito artstico, pela associao de partes no distintas entre

    si, com extenso, forma e funo uniformes, ou infinitamente mins

    culas, isto

    ,

    partculas.

    A Arte do G6tico piimitivo ir, novamente, diversificar esta

    massa em fonnas quase fsicas. Permitir esttua que ressurja da

    parede, na qualidade de estrutura com desenvolvimento independente,

    e figura em relevo que se destaque do fundo

    como se de

    uma

    escul

    tura autnoma se tratasse. No h dvida de que este renascer da per

    cepo da existncia

    do

    corpo pode ser interpretado como uma espcie

    de reaproximao Antiguidade. De facto, muitos lugares houve em

    que,

    a par dessa percepo, se fez sentir a aspirao, de novo intensa,

    ao recuperar da Antiguidade, por parte

    dos

    artistas. O Gtico primitivo

    foi

    o perodo que,

    atravfts

    dos contributos de Vitellio, Peckham e Roger

    Bacon, fez renascer a Optica Antiga e, pela aco de Toms de Aquino

    tendo

    embora em conta alteraes significativas), revivificou a dou

    trina do espao formulada por Aristteles

    5

    . Todavia, os resultados

    finais no se cifraram num regresso Antiguidade e sim na ruptura que

    apontava para a modernidade. Os elementos arquitectnicos da cate

    dral

    gtica, de novo concebidos como corpos e, com eles,

    as

    esttuas e

    as figuras

    em relevo revelando-se

    em

    plasticidade, continuaram,

    ape

    sar

    disso, a ser partes integrantes desse todo

    homogneo

    a que o Rom-

    51

    I

    1

    li

    '

    [ 1

    i

    :H

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    1 '

    1

  • 7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica

    24/31

    nico assegurou, de modo definitivo, a unidade e a no divisibilidade.

    Assim, a emancipao dos corpos plsticos

    acompanhada , automa

    ticamente, quase diramos, de

    uma

    emancipao que se concretiza ao

    nvel da esfera espacial em que esses corpos se incluem. Smbolo desta

    situao, e bastante expressivo, temo-lo na esttua do Gtico primi

    tivo, que no tem razo de ser separada do baldaquino. Com efeito, o

    baldaquino garante a ligao

    da

    esttua

    massa do edifcio e, alm

    disso, define e atribui-lhe um fragmento especfico do espao vazio.

    Outro smbolo a referir ser o relevo, que mantm a coberturaem arco,

    a qual projecta uma sombra profunda. Tambm neste caso, o objectivo

    da cobertura assegurar a existncia de uma zona espacial definida,

    destinada

    s

    figuras autonomizadas,

    do

    ponto de vista plstico, e trans

    formar o seu campo de actividade num autntico palco (Ilustrao 6).

    Este palco conhece ainda limitaes, tal como acontece com a igreja

    do Alto Gtico, uma construo decididamente espacial, mas que se

    divide ainda em inmeros vos separados, distintos, e que comuni

    caro apenas a partir do Gtico tardio. Contudo, este palco representa

    um fragmento de um mundo que parece possuir capacidade inata para

    atingir uma extenso ilimitada, e isto apesar de ser composto por clu

    las de espao limitadas, que se juntam por si mesmas. No interior deste

    mundo, os corpos e o espao vazio so j tomados como formas equi

    valentes de expresso de uma unidade homognea e indivisvel.

    A doutrina Aristotlica do espao,

    to

    apaixonadamente acolhida pelos

    filsofos escolsticos, viu, igualmente, os seus fundamentos sujeitos a

    reinterpretao, pois a premissa da finitude do cosmos emprico cedeu

    o lugar premissa da no-finitude da existncia e da interveno divi

    nas. verdade que se no considera este infinito como algo de concre

    tizado na natureza, e isto entra em choque com a concepo moderna

    que comea a firmar-se por volta de 1350. Por outro lado, t l infinito

    representa talvez um verdadeiro

    energeiai apeiron ou

    infinito real

    (aspecto que se ope verso Aristotlica autntica), limitado, inicial

    mente, a

    uma

    esfera do sobrenatural que poder, em princpio, vir a

    actuar na esfera do natural (36).

    Quase

    nos

    possvel, nesta altura, prever em que ponto

    vai

    irrom

    per a perspectiva moderna. Isso verifica-se onde quer que o sentido

    do espao do Gtico do Norte da Europa, reforado na arquitectura e,

    sobretudo,

    na

    escultura 3

    7

    ,

    tome conta das formas arquitectnicas e

    paisagsticas, fragmentariamente conservadas na pintura bizantina, e as

    funde numa unidade nova. A introduo

    da

    viso do espao d pers

    pectiva modernadeveu-se a Giotto e a Duccio, dois pintores de vulto,

    cujos estilos completaram tambm, em outros aspectos, a grandiosa sn

    tese do Gtico e

    do

    Bizantino. Ressurgem, pela primeira vez, nas suas

    obras, espaos interiores fechados.

    Em

    ltima anlise, estes interiores

    podem ser vistos apenas como projeces pictricas das caixas espa-

    52

    ciais, criadas, enquanto formas plsticas,

    pelo

    Gtico do Norte

    da

    Europa.

    No

    entanto, so compostos por elementos que

    j

    existiam

    na

    Arte

    ?e

    B i z ~ c i o

  • 7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica

    25/31

    '

    . i

    "

    .

    l

    cunscrito, fechado na parte da frente pelo plano do quadro, na parte

    de

    us pela parede traseira

    da sa

    la, aos lados pelas paredes ortogonais.

    tambm

    um

    espao incongruente, no qual

    os

    objectos (veja-se,

    por

    exemplo, no painel, a mesa da

    ltima Ceia)

    parecem perfilar-se frente

    caixa espacial, mais do

    que

    estar no seu interior. Alm disso, as orto

    gonais de objectos vistos de forma assimtrica, como os edifcios ou

    peas de mobilirio arrumados aos lados, prolongam-se de forma

    mais

    ou

    menos paralela, enquan

    to que

    na viso simtrica (ou seja,

    quando h coincidncia do eixo central do quadro e do eixo central do

    objecto

    representado), as ortogonais esto orientadas, aproximada

    mente, para o

    ponto de

    fuga ou, ento, nos planos verticais, pelo menos,

    para um horizonte (

    41

    ). Mas, at numa viso simtrica, quando

    se

    divide

    o tecto

    em

    vrias pai.tes, a parte central distinta das que lhe esto

    adjacentes.

    De

    facto, so

    s

    as suas ortogonais

    que

    convergem para a

    rea de fuga comum, ao passo que as ortogonais das partes adjacentes

    se

    desviam dela,

    com

    maior ou menor exactido (

    42

    . Inicialmente, deu-se

    apenas a unificao,

    no

    que

    se

    refere

    perspectiva, de

    um

    plano par

    cial, no de um plano total e, menos ainda, do espao total.

    Na gerao de artistas que se seguiu, e conforme o grau de inte

    resse

    que

    estes manifestaram pela perspectiva, deu-se incio a

    uma

    separaosingular. Fez-se sentir, semdvida, e

    com

    premncia,a neces

    sidade de

    se

    proceder elucidao e sistematizao da perspectiva

    de

    Duccio. Mas atingiu-se este objectivo

    por

    vias diferentes.

    Um

    ncleo

    de pintores, conservadores,

    em

    certo sentido, lanou-se na esquema

    tizao do mtodo do eixo de fuga (de

    que

    Duccio prescindira) (

    43

    ,

    que

    desenvolveu at tom-lo representao paralela pura. Tratava-se de

    homens como Ugolino da Siena, Lorenzo

    di

    Bicci ou o mestre desco

    nhecido, autor de

    uma

    pintura de Estrasburgo que, para tornear o pro

    blema

    angustiante da parte central do tecto, a acrescentou

    uma

    espcie

    de torre (

    44

    ). Outro grupo, chamemos-lhe o dos progressistas, envere

    dara, entretanto, pelo aperfeioamento e sistematizao do mtodo

    que

    Duccio utilizara apenas na parte central do tecto, e

    tomou

    extensiva a

    sua

    aplicao ao tratamento do cho. Os

    innos

    Lorenzetti distingui

    ram-se

    pela

    contribuio dada. A importncia do quadro A Anuncia-

    o de Ambrogio Lorenzetti, pintadoem 1344 (Ilustrao 11), reside,

    essencialmente,

    no

    facto de, pela primeira vez,

    se

    encontrar as orto

    gonais visveis do plano de fundo dirigidas, todas elas, para um ponto

    nico, o que revela conhecimento pleno da Matemtica. A descoberta

    do ponto de fuga, enquanto imagem

    dos

    pontos infinitamente dis

    tantes de todas as ortogonais, constitui, num determinado sentido,

    o smbolo concreto da descoberta do prprio infinito. Porm. outro

    aspecto relevante deste quadro reside

    no

    sentido totalmente novo que

    confere ao plano de fundo enquan to tal.

    Este

    plano

    deixa

    de ser apenas

    54

    '

    a superfcie inferior de uma caixa espacial, fechada direita e

    esquerda, cujos limites so definidos pelos cantos do quadro. Toma-se

    a superfcie do fundo de

    uma

    faixa de espao que, embora esteja deli

    mitada atrs pelo tradicional fundo dourado e, na parte da frente, pelo

    plano do quadro, se pode considerar como um prolongamento arbitr

    rio para qualque r dos lados. E, o

    que

    talvez seja mais significativo ainda,

    note-se

    que

    o plano de fundo nos

    pennite

    a leitura clara

    dos

    tamanhos,

    bem como das distncias dos corpos nele dispostos. O padro dos azu

    lejos, quadriculado (de que,

    como

    vimo

    s, os

    mosaicos de influncia

    bizantina de Monreale

    eram

    o prenncio, mesmo constituindo neles o

    quadriculado um motivo apenas, no sendo explorado nesse sentido),

    estende-se sob as figuras e indicia, assim, valores espaciais, tanto des

    tas figuras

    como dos

    espaos intermdios. -nos possvel expressar

    os

    corpos e

    as

    distncias entre eles e

    com

    isto tambm o mbito de todos

    os movimentos, de

    fonna

    numrica, como um dado nmero de quadra

    dos o cho. A partir de ento, este motivo pictrico conhecer repe

    ties e alteraes levadas a

    cabo com um

    fanatismo que,

    s

    hoje,

    entendemos

    por

    inteiro. Nunca ser de mais afirmar que o padro de

    azulejos, utilizado

    no

    sentido mencionado, representa o exemplo pri

    meiro de um sistema coordenado. Ilustra-se, atravs dele, o espao

    sistemtico moderno

    numa

    esfera concreta do ponto de vista artstico

    e isto muito antes de o pensamento matemtico abstracto o ter postu

    lado. Dos esforos desenvolvidos

    no campo

    da

    perspectiva, viria a

    surgir a geometria projectiva,

    no

    sculo

    XVII.

    Em ltima anlise, esta

    , semelhanado

    que se

    passa

    com

    muitas disciplinas ligadas cin

    cia moderna,

    um

    produto

    da

    oficina do ai.tista.

    Nem sequer a pintura de Lorenzetti ultrapassa a questo que

    se

    centra no facto de a

    totalidade

    do plano de fundo estar, ou no, orientada

    para um nico ponto de fuga.

    De

    facto, quando as figuras

    se

    prolongam

    at s margens, escondem os segmentos laterais de espao, como se

    pode ver

    em

    muitas outras pinturas (

    45

    .

    No se

    consegue,

    por

    isso, con-

    cluir se a convergncia dessas ortogonais,

    que

    principiariam fora da

    moldura do quadro e passariam pelas figuras, direita e esquera,

    se

    daria tambm nesse ponto nico.

    Antes

    ficar-se-ia na dvida. Noutra

    pintura do mesmo artista,

    em

    que fica

    em

    aberto a viso para esses seg

    mentos laterais de espao (Ilustra o 12), as ortogonais

    na

    margem evi

    tam

    ainda, e claramente, o ponto de fuga

    comum

    das ortogonais do

    centro (