Para Alem Dos Muros por uma Comunicação Dialógica Entre Museus e Entorno

download Para Alem Dos Muros por uma Comunicação Dialógica Entre Museus e Entorno

of 126

description

é o resultado de um estudo feito por alunos do curso de especialização em Gestão da Comunicação da Universidade de São Paulo (ECA-USP), com foco no trabalho de inclusão com moradores e população de risco, realizado em 2007 pelo Museu da Energia de São Paulo.

Transcript of Para Alem Dos Muros por uma Comunicação Dialógica Entre Museus e Entorno

  • PARA ALM DOS MUROSPOR UMA COMUNICAO DIALGICA ENTRE MUSEUS E ENTORNO

  • Cristiane Batista Santana

    1a. edio, Brodowski, 2011

    COLEO MUSEU ABERTO

    PARA ALM DOS MUROSPOR UMA COMUNICAO DIALGICA ENTRE MUSEUS E ENTORNO

  • Para alm dos muros: por uma comunicao dialgica entre

    museu e entorno. Cristiane Batista Santana (Texto).

    Brodowski (S.P) : ACAM Portinari ; Secretaria de Estado da Cultura de So

    Paulo. So Paulo, 2011. (Coleo Museu Aberto)

    120 p. : IL.

    Texto em Portugus.

    ISBN 978-85-63566-00-3

    1. Associao Cultural de Amigos do Museu Casa de Portinari. 2.

    Secretaria de Estado da Cultura de So Paulo. 3. Museus, Comunicao

    Brasil. I. Ttulo. II.

    Srie.

    CDU: 069.02(92)

    CDD: 069. 982

  • Uma das principais misses da Secretaria de Estado da Cultura desenvolver polticas pblicas que contribuam para a preser-vao e a divulgao do patrimnio cultural de So Paulo. A Coleo Museu Aberto, realizada pela Unidade de Preservao do Patrimnio Museolgico (UPPM), uma das aes que bus-cam esse objetivo. Com nfase na realidade paulista, especialis-tas tratam de questes de preservao, documentao, pesqui-sa, educao, comunicao e gesto de museus.

    A iniciativa faz parte das atividades do Sistema Estadual de Museus (SISEM-SP), programa da Secretaria que atende cerca de quatrocentos museus do estado, desenvolvendo publicaes, itinerncia de exposies, oficinas de capacitao, assessoria tcnica e outras atividades que colaboram para a articulao e o fortalecimento da rea museolgica.

    A Secretaria tambm mantm 22 museus no estado, investin-do por ano mais de 84 milhes de reais em estrutura, acervo e exposies. O resultado o sucesso dessas instituies que, em 2010, receberam mais de dois milhes de visitas.

    A Coleo Museu Aberto mais uma ao importante, ao contribuir para o debate acadmico, para a capacitao de profissionais e para o intercmbio de experincias entre os que se dedicam aos museus paulistas e brasileiros.

    Meus agradecimentos a toda a equipe da UPPM pelo trabalho e ao governador Geraldo Alckmin, pelo apoio que nos tem dado em todas as reas da Cultura.

    Andrea MatarazzoSecretrio de Estado da Cultura

    Apresentao

  • 6 7

  • A Coleo Museu Aberto uma iniciativa da Secretaria de Estado da Cultura de So Paulo e do Sistema Estadual de Museus (SISEM-SP) que objetiva integrar-se ao esforo da rea museolgica paulista e brasileira para a divulgao e a ampliao dos debates acerca dos principais temas e ques-tes que afetam esses importantes centros de preservao e difuso do patrimnio cultural.

    Nessa direo, a obra Para alm dos muros: por uma comuni-cao dialgica entre museus e entorno, de Cristiane Batista Santana, vem preencher uma lacuna nas discusses acerca do papel do museu para alm de suas atividades internas. Reunin-do um estudo terico consciente e uma metodologia rigorosa para o trabalho de campo, a obra apresenta referncias e con-cluses que podero ser teis a todos aqueles que se dedicam a buscar caminhos para aproximar de maneira crtica e criativa os museus de seu entorno.

    De que maneiras ou a partir de quais estratgias um museu pode dialogar com os pblicos mais distintos? Que mediaes e sentidos o museu espera desenvolver na relao entre patrimnio e pblico? Qual o papel do museu na relao com seu entorno?

    Essas so algumas das questes tratadas na presente publi-cao com rigor e mtodo, mas tambm com uma inquietude que perpassa toda a obra, demonstrada no zelo por interagir com diversos agentes na bibliografia e em campo a fim de produzir um referencial consistente para fundamentar uma leitura e uma tessitura diferenciadas do usual no tratamen-to da comunicao em museus. De fato, se no mundo dos negcios a comunicao cada vez mais um fator estratgico de sucesso e, como tal, pesquisada e trabalhada, no campo dos museus ainda mais comum o trato da comunicao como sinnimo de assessoria de imprensa ou de um conjunto

    Apresentao

  • 8 9

    de ferramentas de relacionamento com o pblico, como sites e boletins, alm daquelas mais relacionadas comunicao visual e definio de logomarcas.

    No se trata de desconsiderar a importncia da comunicao. Pelo contrrio. Frases como preciso saber se comunicar com os pblicos ou precisamos comunicar melhor o que fazemos esto nos discursos cotidianos em quase todas as instituies culturais. Estudar a matria em profundidade e com mtodo, reconhecendo nela especificidades e um campo de conhecimen-to a explorar guisa de promover solues efetivas, contudo, so prticas ainda raras no meio museolgico.

    Na contramo do bvio, Cristiane Santana detm-se no exame da comunicao como estratgia de dilogo e da proposio de metodologias para a incluso de pblicos diferenciados. Assim, prope que o conceito de comunicao dialgica, brilhante-mente construdo pelo professor Paulo Freire, ganhe a apropria-da ressignificao no universo museolgico. Nessa perspectiva, a autora assume o carter processual complexo da comunicao, que no tem como ser isenta, imparcial, antes demandando que se reconhea e se trabalhe conscientemente com sua in-tencionalidade, que dialeticamente enreda questes objetivas e subjetivas e que, no caso da comunicao em museus, tem como problemtica fundamental a democratizao da informao e do acesso ao patrimnio cultural e a pluralidade de vozes.

    Seguindo essa trilha, a autora aponta que o objetivo da comuni-cao nos museus torna-se tambm um objetivo educativo, na medida em que busca fazer que determinado patrimnio cultural musealizado possa ser apropriado conscientemente pelo pblico.

    Ao abordar o Museu da Energia e outros equipamentos culturais situados em uma rea degradada e desafiadora do

  • centro da cidade de So Paulo ao mesmo tempo o local da Cracolndia com seus tantos transeuntes sem teto e sem perspectivas, e do Bom Retiro e Santa Efignia com seu inten-so comrcio e a vitalidade pulsante da metrpole , a autora define um recorte emblemtico para o tema, explicitando que a diversidade de pblicos que habita nossas noes genri-cas de pblico em geral por vezes reside nas fbricas, lojas e caladas logo aqui ao lado.

    Evitando esquivar-se dos conflitos sociais do entorno, mas, antes disso, propondo inseri-los como pauta a ser trabalhada pelo museu, a obra verifica relaes, limites e possibilida-des das aes concretas em instituies de perfis distintos: o histrico e recm-chegado ao bairro Museu da Energia, o tecnolgico e miditico Museu da Lngua Portuguesa, a con-sagrada Pinacoteca do Estado, com sua reconhecida qualidade de acervo, de preservao e de extroverso do patrimnio, e o servio educativo da Sala So Paulo, que embora no se confi-gure exatamente como espao museolgico, constitui um bom exemplo de divulgao do patrimnio e uma referncia vlida para a musealizao de outras edificaes histricas notveis e de finalidade no museolgica.

    Para alm do discurso dessas instituies, que tm em comum a preocupao de garantir em alguma medida o envolvimento de seu entorno, Cristiane Santana procura ouvir tambm repre-sentaes diretas do pblico, materializadas em integrantes de entidades sociais do bairro, num esforo de alinhar os eixos cultural e social que se entrecruzam todo o tempo na comple-xidade da regio, muitas vezes sem se tocar. O resultado uma pluralidade de vozes e caminhos que se substantivam no em uma concluso, mas na apresentao de um rol de propostas, simples e viveis para inmeros museus, as quais provocam o leitor ao retorno prtica para experiment-las, bem como

  • 10 11

    para realizar novas incurses por outras reflexes e teorias que contribuam para ampliar o debate, qualificar as experincias vivenciadas e construir as alternativas mais adequadas ao seu contexto e a seus pblicos. Com esse esprito, prope que o processo de mediao e de dilogo que deve traduzir a comuni-cao do museu seja alvo de uma gesto qualificada e dedicada a coordenar esforos para construir esse espao relacional com os pblicos. Na ltima provocao, a autora alude importn-cia de um gestor de comunicao para o museu deixando por serem definidas e vivenciadas em maior detalhe as bases dessa nova formao profissional para os espaos museolgicos.

    Em Para alm dos muros: por uma comunicao dialgica entre museus e entorno o papel social dos museus que entra em foco, protagonizando uma discusso nesta Coleo que, espera-mos, possa ser acrescida de novas e distintas contribuies para a qualidade da relao museu-entorno, museu-sociedade.

    Claudinli Moreira Ramos Coordenadora da Unidade de Preservao do Patrimnio Museolgico Secretaria de Estado da Cultura

  • Nesta etapa que concluo, contei com o apoio e a colaborao de muitas pessoas, s quais de-monstro meu carinho e sinceros agradecimentos:

    Unidade de Preservao do Patrimnio Museolgico da Secretaria de Estado da Cul-tura, por meio do SISEM, por possibilitar esta publicao.

    A meus irmos, Adriano, Adilson e Roberto, pelo apoio incondicional, e a meus pais, Joaquim e Edwirges, por buscarem, com dignidade, me dar uma formao alm da que tiveram. famlia Silveira Netto Nunes, pelas boas vibraes e pela torcida em mais uma etapa percorrida.

    Agradecimentos

    Agradeo o acolhimento e a disposio dos entrevistados que participaram desta pesquisa em nome das instituies que representam: Alexandre Flix e Rodolfo Yamamoto (Sala So Paulo / Fundao Osesp); Gabriela Aidar (Pinacoteca); Marina Toledo (Museu da Lngua Portuguesa); Ana Carola Calero e Paulo Illes (Centro de Apoio ao Migrante); Francis Bezerra (Associao dos Nordestinos do Estado de So Paulo); Ren Ivo (Centro Gaspar Garcia de Di-reitos Humanos, Coopere Centro). Agradeo, tambm, a energia receptiva das entrevistadas Jobana Moya, Isabel Camacho, Maria do Socor-ro Silva, Olinda Silva e Tatiana Gomes. Todos juntos trouxeram suas muitas vises que deram corpo, vigor e vida a este trabalho.

    A toda a equipe da Fundao Energia e Sa-neamento pela colaborao com o desenvol-vimento deste trabalho, manifestando sem-pre grande interesse e apoio, especialmente a Mariana Rolim, pela entrevista na fase inicial da investigao; a Isabel Flix, Mirela Arajo e Luciana Mendes, pelas conversas que tivemos sobre o tema, e pelo esforo de realizarem a monitoria com as entrevistadas.

    Claudinli Moreira Ramos, que desde o incio se interessou pelo tema, incentivando-me a desenvolv-lo, e tambm por sua criteriosa anlise na banca de avaliao deste trabalho. museloga Juliana Monteiro, sempre uma grande entusiasta e interlocutora.

    Ao corpo docente do curso Gesto da Comu-nicao e Escola de Comunicaes e Artes. Aproveito a oportunidade para relatar que foi em uma das conversas depois da aula, com a Prof Dr Cristina Costa, ainda na fase inicial do curso, que o tema deste trabalho aflo-rou. Seguramente, a professora no deve se lembrar, mas eu me sinto muito feliz por ter iniciado e concludo uma etapa importante em minha vida podendo desfrutar da proximi-dade e da experincia da Prof Cristina. Tudo o que pude extrair desse contato com a edu-cadora, a orientadora e a pessoa da Cristina, foi especialmente importante e marcante para a minha formao e para o resultado que a seguir apresento.

    Por fim, agradeo a Eduardo Silveira Netto Nunes companheiro de todas as horas por todo afeto, dedicao e amor que coloca em nossa caminhada juntos. Em cada passo que eu der (adelante!), celebro a tua chegada em minha vida.

    A Autora

  • Sumrio

    18

    captulo IQUADRO TERICO DE REFERNCIA

    19

    1. O Conceito de cultura e sua relao com a comunicao

    21

    2. Comunicao, linguagem e imaginrio

    24

    3. Trazendo as teorias da comunicao

    26

    4. E agora, o que vamos investigar?

    15

    Consideraes Iniciais28

    captulo IIMUSEUS E COMUNICAO: UMA RELAO EM PROCESSO

    29

    1. Patrimnio histrico, museu e memria entre questes globalizadas

    33

    2. Concepes de museu e da comunicao no campo da Museologia

    38

    3. O fazer museolgico em pauta

  • 40

    captulo IIIA INSTITUIO

    41

    1. Breve Histrico do Museu da Energia de So Paulo

    43

    2. Da criao ao funcionamento do Museu da Energia de So Paulo

    46

    2.1 Rumo re-criao do Museu da Energia de So Paulo

    48

    2.2 Misso do Museu da Energia de So Paulo

    48

    2.3 Objetivos

    48

    2.4 Pblico-alvo

    49

    2.4.1 Pblico escolar

    49

    2.4.2 Pblico de negcios

    50

    2.4.3 Pblico espontneo

    50

    2.4.4 Pblicos especiais

    50

    2.4.5 Outros pblicos

    51

    2.5 A comunicao na exposio

    52

    captulo IVSITUANDO O PROBLEMA COMUNICACIONAL

    53

    1. Um problema de comunicao

    56

    2. Entrando na pesquisa

    56

    2.1 As hipteses

    56

    2.2 Objetivo geral

    57

    2.3 Objetivos especficos

    57

    2.4 Amostragem

    58

    2.5 Tcnicas de coleta de dados

    59

    2.6 Roteiro de Entrevistas

    59

    2.6.1 Grupos 1 e 2 (grupos sociais)

    59

    2.6.2 Grupo 3 (representantes das entidades sociais)

    60

    2.6.3 Grupo 4 (instituies culturais da regio)

    61

    3. Anlise de dados

    61

    3.1 Grupo 1 - Coletoras

    65

    3.1.1 Relato de observao da visita e anlise da entrevista

    68

    3.2 Grupo 2 Imigrantes latino-americanas

    73

    3.2.1 Relato de observao da visita e anlise da entrevista

    76

    3.3 Grupo 3 Entidades Sociais

    80

    3.3.1 Anlise das entrevistas das entidades sociais

    82

    3.4 Grupo 4 Instituies Culturais

    91

    3.4.1 Anlise das entrevistas das instituies culturais

    96

    captulo VCONSIDERAES FINAIS

    100

    captulo VIPOSSIBILIDADES DE AO COMUNICATIVA

    101

    1. Dilogo com o pblico em geral

    106

    2. Diversidade de linguagens e mdias

    107

    3. Museus em rede

    108

    4. Estreitar a relao entre os museus da regio

    110

    captulo VIIO GESTOR DE COMUNICAO

    114

    Bibliografia

    117

    Anexo

  • 14 15

  • O contedo desta publicao resultado de um trabalho de investigao realizado no curso de Especializao em Gesto da Comunicao da Escola de Comunicaes e Artes da Uni-versidade de So Paulo, entre maro de 2007 e junho de 2008.

    Este trabalho tem por objetivo analisar e discutir o papel da comunicao na contemporaneidade e o potencial que ela pode exercer nos museus. Para isso, selecionamos um tema um tanto polmico na Museologia: a relao dos museus com o contexto social em que esto inseridos, ou seja, o seu papel na relao com o seu entorno.

    Seja um museu histrico, de cincias, de arte ou comunitrio, vemos que muito difcil esses equipamentos culturais traba-lharem com outros discursos e exercerem a sua potencialidade como um canal de dilogo.

    Com base em um arcabouo terico, procuramos identificar como a comunicao adquire funo essencial e estratgica, no sentido de promover esse dilogo e propor metodologias de insero de pblicos que vivem problemas distintos e so dotados de interesses tambm distintos.

    A pesquisa tem como eixo norteador um estudo sobre as possibilidades de uma comunicao dialgica entre o Mu-seu da Energia de So Paulo, localizado no bairro de Campos Elseos, regio central da cidade, e o seu entorno, permeado por grupos sociais e instituies que lidam com esses p-blicos. Importante ressaltar que o Museu da Energia de So Paulo, criado em junho de 2005, ainda uma instituio em formao. O seu projeto museolgico, desenvolvido ao longo de 2007, estabeleceu entre outras diretrizes o atendimento a grupos marginalizados de instituies culturais como, por exemplo, o de moradores e a populao de risco da regio.

    Consideraes Iniciais

  • 16 17

    Procurando perceber os conflitos sociais por que passa a regio (Luz, Bom Retiro e Campos Elseos), selecionamos para o estudo dois grupos, considerando sua situao de vulnerabilidade social e a pluralidade cultural. Materializamos a seleo dessa amostra com um grupo de coletoras de materiais reciclveis e de imigrantes latino-americanas (boliviana e peruana).

    Tambm realizamos um levantamento das expectativas de en-tidades sociais (Centro de Apoio ao Migrante, Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos e Associao dos Nordestinos do Estado de So Paulo) que atuam na regio em relao s ins-tituies culturais desses bairros que formam um reconhecido complexo cultural da cidade de So Paulo.

    Pesquisamos, ainda, trs instituies culturais que so refern-cia na cidade de So Paulo (a Pinacoteca do Estado, o Museu da Lngua Portuguesa e a Sala So Paulo), buscando perceber como elas se relacionam com seu entorno. Assim, foi possvel com-preender o papel e as limitaes da rea cultural nesse cenrio, bem como multiplicar experincias bem sucedidas.

    Quase dois anos depois da concluso deste trabalho, chama-mos a ateno para o fato de que o cenrio das instituies pesquisadas mudou, especialmente, no que diz respeito s instituies culturais a Pinacoteca, o Museu da Lngua Portuguesa, a Sala So Paulo e o prprio Museu da Energia de So Paulo. Atualmente, tais instituies desenvolvem diversas experincias relevantes e aes concretas na construo de uma relao mais inclusiva com a populao local. Entretanto, igualmente chamamos a ateno e convidamos o leitor para tomar este trabalho de investigao como produto de um contexto especfico, que envolveu preocupaes e questes especficas e uma metodologia que levasse compreenso de tais inquietudes.

  • No desenrolar deste trabalho, pudemos conhecer as pers-pectivas das entidades sociais e analisar as expectativas dos grupos estudados em relao ao museu, assim como as pos-sibilidades de mediao da instituio para com esses grupos, fundamentando propostas que podem promover um maior dilogo e a insero social aliada cultura.

    Portanto, partindo de uma situao especfica do Museu da Energia de So Paulo possvel pensar nessa experincia res-significando a prtica de comunicao dos museus e o seu pa-pel social a partir de sua poltica de comunicao para a qual a atuao do Gestor de Comunicao torna-se estratgica nas instituies culturais.

    No chegamos, entretanto, a concluses definitivas nem a propostas fechadas, mas analisamos o campo da Comunicao em interao com outras reas, na inteno de contribuir para que os museus possam, alm de definir a sua funo social, materializ-la com uma perspectiva mais inclusiva de outros coros de vozes dissonantes e silenciadas. A ao da comunica-o, nesse sentido, indispensvel e se mostra urgente.

    As propostas de ao que apresentamos ao final buscam mo-vimentar outros diversos aspectos relativos incluso social e cultural e apropriao dos museus por outros segmentos de uma populao premida por inmeras carncias. Mais do que respostas, propomos uma atuao que contemple a disposio do Gestor de Comunicao para lidar com os muitos desafios de uma atuao complexa dos museus na sociedade.

  • 18

    captulo IQuadro Terico de Referncia

    Todo sujeito est sujeito a outro e ao mesmo tempo sujeito para algum. a dimenso viva da sociabilidade atravessando e sustentan-do a dimenso institucional, a do pacto social.

    MARTN-BARBERO, 2003, p.306.

    19

  • como uma cincia interpretativa, procura do significado.3

    O significado que est sendo comunicado com uma piscadela, ou o ato de se vestir de preto para alguns povos e tribos, ou de cumpri-mentar com um aperto de mos ou um abrao, entre as mais variadas manifestaes que po-deramos citar, constituem diferentes cdigos que so estabelecidos socialmente nas relaes.

    Velho e Castro apontam para essa perspecti-va quando colocam a possibilidade de enten-der cultura como um cdigo: Entendendo-se cultura como um cdigo, um sistema de comunicao, percebe-se o seu carter dinmico ao produzir interpretaes, signifi-cados, smbolos diante de uma realidade em permanente mudana.4

    Em um sistema de comunicao, seja ele verbal ou no verbal, cdigos so lanados interpretao, manipulao e negociao entre indivduos, e nessa batalha por sen-tidos que um jogo de foras se estabelece, que fronteiras se abrem e se fecham cons-tantemente. Algumas questes ligadas a esse jogo de foras sero tratadas mais adiante com relao s polticas culturais voltadas ao patrimnio histrico.

    H ainda outra perspectiva do conceito de cul-tura, elaborada por Antonio Gramsci, a ser adi-cionada a este trabalho. Esse pensador italiano

    As ltimas dcadas do sculo XX deixaram um legado de mudanas no campo geopoltico, econmico, cultural e social. Os significados e os sentidos culturais construdos por indivduos e grupos de indivduos esto hoje submetidos s mais diversas mediaes em uma complexa rede de conexes mundializadas em que cultura e comunicao tornam-se inseparveis. O pr-prio conceito de cultura sofre ingerncias dos processos comunicacionais.

    Se trabalharmos com o conceito de cultura oriundo de um pensamento socialista como todo um modo de vida e a capacidade especfica que o gnero humano tem de criar um ambiente artificial,1 poderemos entender como a cultura se manifesta, mas, quando trabalhamos com a ideia de cultura como um campo de tenses e batalha por signifi-cados entre indivduos, grupos de indivduos e suas instituies,2 abrimos a possibilidade de entender as ingerncias dos processos de comunicao na cultura.

    Geertz nos aponta essa ligao entre comu-nicao e cultura com base em sua definio conceitual com um olhar semitico: O con-ceito de cultura que eu defendo essencial-mente semitico. Acreditando, como Max Weber, que o homem um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e sua anlise; portanto, no como uma cincia experimental em busca de leis, mas

    1. O Conceito de cultura e sua relao com a comunicao

    1 SCHELLING, 1991.

    2 CANCLINI, 2003.

    3 GEERTZ, s.d., p.15.

    4 VELHO; CASTRO, s.d., p.22.

  • 20

    entende cultura como algo intimamente ligado vida social, na qual os movimentos sociais e os conflitos entre classes exercem impor-tante papel; as instituies da sociedade civil, particularmente a escola e a igreja ocupam espaos estratgicos, formando a conscincia, a linguagem e viso de mundo dos indivduos.5

    E hoje, os meios de comunicao com os seus usos e os significados que eles denotam, re-presentam uma destacada instncia social que influencia a conscincia e a viso de mundo dos indivduos.

    Portanto, partimos de um entendimento de cultura como um sistema de produo de significados compartilhados e negociados por indivduos, grupos de indivduos jamais apar-tados das instncias e relaes de poder que permeiam a vida social.

    21

    5 SCHELLING, 1991, p.35.

  • mento dos meios de comunicao e sua pe-netrao no cotidiano fizeram que a comu-nicao fosse confundida com as trocas de mensagens mediadas pelas tecnologias, ou seja, com a circulao de mensagens pelos meios de comunicao.

    Muito embora as tecnologias desempenhem papel muito importante no desenvolvimento da comunicao, atuando como um mo-mento do dilogo pblico que ocorre na sociedade,7 o processo de comunicao social no deve ser confundido com a comunica-o pelos meios. Sobre isso, Rdiger diz: a comunicao representa um processo social primrio ... e os chamados Meios de Comuni-cao de Massa so simplesmente a media-o tecnolgica: em suas extremidades se encontram sempre as pessoas, o mundo da vida em sociedade.8

    A comunicao o potencial cognitivo inato que nos faz criar, compreender, atuar e tambm questionar a realidade social: O processo de comunicao representa historicamente um poder cognitivo, constitui um meio pelo qual podemos nos entender com maior preciso so-bre o modo como os smbolos que tornam pos-svel esta espcie de contato determinam nossa vida. Em consequncia disso, ele no pode ser visto exclusivamente como o meio pelo qual podemos desenvolver a capacidade de questio-nar nosso modo de ser e fazer perguntas sobre os fundamentos da prpria sociedade.9

    A comunicao desempenha um papel funda-mental na sociedade. com base na capacida-de de nos comunicarmos que podemos viver socialmente, nos relacionarmos e comparti-lharmos experincias. Ela se faz to presente em nossas vidas, que tudo parece se tratar de um problema de comunicao um erro de diagnstico mdico; uma palavra mal empre-gada em um discurso; a crescente utilizao de aparelhos celulares e da internet de maneira que cada vez mais comum ouvirmos a ex-presso houve uma falha de comunicao, ou isso um problema de comunicao.

    Por ser a comunicao to constitutiva das relaes sociais, que tentamos buscar seu sentido, sua definio conceitual.6

    Com a emergncia da sociedade de massa (sculos XIX e XX) a comunicao passou a ser uma preocupao das Cincias Sociais e Humanas como um campo de reflexo terica em virtude do desenvolvimento das tecnologias da comunicao. Antes disso, a comunicao estava mais ligada aos meios de transporte e circulao de mercadorias, abertura de estradas, construo de canais, ferrovias etc. Na procura de um sentido, muitos acabam por confundir o processo de comunicao com os meios de comunicao.

    A ideia de processo pressupe algo que est em permanente construo, em negociao, e que sofre mediaes. O largo desenvolvi-

    2. Comunicao, linguagem e imaginrio

    6 Os fundamentos gerais sobre a problemtica da comunicao que sero apresentados tm como referncias principais: RDIGER, 1995, e LOPES, 2005.

    7 Cf. RDIGER, 1995, tendo por referncia Gabriel Tarde em TARDE, 1992.

    8 RDIGER, 1995, p.15.

    9 Ibidem, p.40-41.

  • 22

    Ao criarmos linguagens para nos comunicar-mos penetramos no mundo da abstrao da realidade e deixamos de agir instintivamente perante os eventos do mundo.

    Com base no imaginrio conseguimos discernir, refletir, decidir, fazer escolhas. Comemos para saciar a fome, mas o que comemos, em quais circunstncias e de que maneira so determi-naes culturais, por isso a cultura humana artificial e arbitrria. Artificial porque aban-donamos o agir instintivo e passamos a agir de acordo com a reflexo, o discernimento e formas dotadas de significados compartilhados em grupo. Arbitrria porque esses significados e valores podem variar.

    Concordamos com Cristina Costa: a comu-nicao a ponte que integra subjetividades atravs de ferramentas de linguagem os sig-nos, as tcnicas e tecnologias comunicativas.12

    Ao mesmo tempo em que a linguagem cons-titui o indivduo ela tambm faz a mediao entre ele e o mundo em uma relao dial-tica.13 Seja com o uso de linguagens verbais ou no verbais, nos relacionamos com base nelas e a comunicao torna-se o veculo que possibilita e conecta as relaes e intera-es sociais.

    O filsofo da linguagem Mikhail Bakhtin valo-riza a fala e afirma a sua natureza social, no individual. A fala est inexoravelmente ligada

    10 COSTA, 2005.

    11 Ibidem, p.45.

    12 COSTA, 2002, p.12.

    13 Sobre como a linguagem cons-titui o sujeito, ver artigos de Maria Lourdes Motter: A conscincia lingustica de Fa-biano (personagem de Vidas Secas) e A linguagem como trao distintivo do humano em MOTTER, 1994.

    23

    Por meio da comunicao, podemos nos co-nectar com diversos imaginrios, compartilhar vises de mundo, dar sentido vida.

    O imaginrio um processo complexo de abs-trao da realidade, que constri e sedimenta a subjetividade e o mundo interior de cada um de ns. Um mundo interior que constri o nosso conhecimento e nossa relao com a realidade.10

    A viso, o tato, a audio, a fala e a viso. Essas portas de entrada em contato com a realidade nos transmitem dados sensoriais e perceptuais que vo construindo nossa viso de mundo. A capacidade de articulao con-junta de nossos sentidos, de compartilhamen-to das experincias subjetivas nos fez criar linguagens para nos comunicarmos: A fim de colocar os homens em comunicao, foram criadas as linguagens conjuntos de signos visuais, gestuais, verbais e sonoros que se organizam a partir de um conjunto de regras, possibilitando a expresso atravs de tcni-cas e tecnologias de comunicao. Utilizando a linguagem podemos expressar nossa viso de mundo e intercambiar com nossos pares as experincias vividas.11

    Portanto, a linguagem aqui entendida no como uma capacidade genrica de formao de smbolos, mas como a capacidade humana de estabelecer conexes e incontveis combi-naes entre smbolos, expressando relaes entre coisas, indivduos e situaes.

  • Todo signo resulta de um consenso entre indi-vduos socialmente organizados no decorrer de um processo de interao social e comunicativa.

    Tudo que ideolgico um signo. Assim como a palavra signo ideolgico, um objeto pode se tornar um produto ideolgico. Tal como a foice e o martelo foram transformados em signo ideolgico russo, em dado momento histrico, outros tantos so transformados dia a dia pelas tcnicas de marketing e de publicidade e pelos meios de comunicao. Os museus tambm constituem um signo ideolgico na sociedade, muitos deles sacralizando objetos museol-gicos ou discursos sobre a histria e sobre as identidades de indivduos e grupos.

    s condies da comunicao, que por sua vez esto sempre ligadas s estruturas sociais.

    No plano do social, torna-se menos importante definir o que signo do que considerar que vivemos em um sistema de signos que se d, sobretudo, pela mediao da palavra (escrita, grafada, impressa, enunciada, cantada, pintada etc.) presente nas interaes sociais.

    Para Bakhtin a palavra s est exclusivamente sob o domnio do emissor quando ocorre o ato fisiolgico de materializao da palavra.14 Quando consideramos a materializao da palavra como signo, entramos no domnio das interaes e na dimenso do social; estabele-cemos uma relao dialgica e direcionamos a construo do nosso enunciado em relao ao interlocutor.

    Outro aspecto que trazemos do pensamento bakhtiniano diz respeito ideologia: tudo o que ideolgico possui um significado que remete a algo situado fora de si mesmo. Um corpo fsico vale por si prprio e coincide com sua prpria natureza, portanto, no tem ideologia. Mas um corpo fsico pode ser per-cebido como smbolo formando uma imagem simblica para o sujeito. Um produto ideol-gico, convertendo-se em signo sem deixar de retratar a sua realidade material passa, em certa medida, a refletir e retratar outra realidade alm de si mesmo.

    14 BAKHTIN, 1992.

  • 24

    vez que ora repelem ora aceitam a domina-o das classes dirigentes. Isto porque, se existe uma relao de contraposio entre o popular e a elite dominante, Gramsci ir se interessar por estudar a posio relacio-nal do popular no como algo isolado em si mesmo,17 e o popular definido no por sua origem, mas pela adoo, uso e consumo do que produzido. Essa postura diante da produo por parte das classes subalternas pode se revelar na cotidianidade, em espao de luta, resistncia ou de conformidade e consentimento em relao cultura domi-nante. Resistncia e consentimento podem, at, existir ao mesmo tempo, tanto na cultura das classes populares como na dos dirigentes, e nessa perspectiva que a cultura pode ser entendida como espao de conflitos.

    No abriremos aqui espao para uma meto-dologia que coloque em oposio sistemas e classes de maneira mecnica e simplista. Devemos revolver a trama das negociaes que existem. essa uma das questes que a teoria gramsciniana ajuda a revelar: Numa sociedade de classes, a diversidade de situ-aes objetivas produz um complexo campo de representaes onde coexistem culturas no somente diferentes, mas desniveladas basicamente em dois planos a cultura hegemnica e as culturas subalternas co-nectadas com a diviso em classes e conse-quente distribuio diferenciada do poder e da fruio da cultura.18

    Queremos trazer ao lado dos estudos crticos da comunicao a contribuio dos Estudos de Recepo15 e, mais precisamente, o pensamen-to do marxista Antonio Gramsci.16

    Das contribuies de Gramsci nos interessa uma preocupao candente em sua obra: a relao entre cultura hegemnica e culturas subalternas. Numa sociedade de classes existe uma trama de situaes concretas que de-sencadeia uma diversidade de representaes sociais, onde coexistem culturas diferentes, divergentes, concorrentes, e que travam um enlace assimtrico entre cultura hegemnica-culturas subalternas, entrelaadas por relaes desniveladas e diferenciadas de poder.

    Gramsci, ao estudar as ideologias das classes populares, considerava a coexistncia no har-moniosa destas entre si e destas com as classes dirigentes.

    H conflitos e contradies nessas relaes e um campo de manobra e negociao em alianas. Esse aspecto do pensamento gramsci-niano desperta a ateno, pois, ao contrrio da perspectiva frankfurtiana, tambm de origem marxista, ele considera a possibilidade de resis-tncia s tentativas de manuteno do status quo, renegando a passividade engessante das culturas subalternas.

    A ambiguidade uma caracterstica de desta-que na cultura das classes subalternas, uma

    3. Trazendo as teorias da comunicao

    25

    15 Os Estudos de Recepo ga-nharam projeo entre as dcadas de 1970 e 1980. At ento, os estudos de Comuni-cao estavam centrados no produtor das mensagens. Os Estudos de Recepo tiram o foco do produtor e do meio e passam a centr-lo na recep-o, nos usos que o pblico faz do que produzido. Foram fundamentais para a projeo desses estudos, na Europa, as contribuies de A. Gramsci e, na Amrica Latina, as de J. M. Barbero e N. G. Canclini.

    16 LOPES, 2005, p.63-70.

    17 Ibidem. p.65.

    18 Ibidem. p.64.

  • mesmo sentido, como a memria histrica, divulgada por meio de um patrimnio hist-rico ou de um museu, torna-se uma experi-ncia cultural?

    O que h entre o patrimnio e a sociedade? Como se d essa negociao simblica com o discurso veiculado a partir dele? Como se d a mediao de sentidos e significados?

    Podemos tambm falar neste ponto sobre a questo da identidade que, no caso do patri-mnio, implica reconhecer uma determinada histria, um local ou modo de fazer como elemento de pertencimento a um determina-do momento da histria que faz parte de um dado grupo.

    Canclini, ao afirmar que o eu s existe a partir do ns, mostra que vrias identidades coabitam uma mesma pessoa, ou seja, o sujeito est imerso de vrias identidades ligadas ao lugar, pas, classe, idade, gnero, etnia, escolaridade etc. , e essas identidades devem ser trazidas tona para se repensar o que patrimnio. Quem deve definir o que ser preservado ou como ser preservado e qual uso ser dado a um bem cultural? Essa uma questo social e tambm de comunicao, porque se pensarmos nos signos utilizados e no uso dado a um bem cultural, o que se est comunicando pode ser sinnimo de excluso dessa complexa identidade, ou mesmo difundir valores ideolgicos hegemnicos.

    Assim como vimos a ligao entre cultura e comunicao, vemos a ligao entre cultura e uma sociedade dividida em classes sociais, o que nos permite analisar no somente os significados impostos ou negociados pelo patrimnio cultural, mas tambm o acesso aos bens culturais e o papel exercido pela co-municao como elemento de mediao entre grupos sociais.

    Ainda dentro da corrente terico-metodo-lgica dos Estudos de Recepo, destacamos as contribuies dos Estudos Culturais, posto que nos ajudam a tambm relacionar cultura com processos de comunicao, e colocam a recepo como uma prtica de construo social de sentido.

    Nos Estudos Culturais,19 embora se conceitue cultura como modo de vida (de pensar, de agir, de sentir), as investigaes so voltadas para o receptor, buscando compreender como ele usa ou produz com base no acesso aos meios de comunicao.

    Estudiosos dessa corrente terica, tais como Raymond Williams e Richard Hoggart, desen-volveram pesquisas que acompanhavam esses meios atuando na vida das pessoas, procurando saber que sentidos atribuam a eles e como eram utilizados.

    Hoggart se perguntou: como um jornal pode se tornar uma experincia cultural? E, nesse

    19 Os Estudos Culturais so ex-presso da corrente crtica/marxista da Comunicao que surgiu na Europa entre as d-cadas de 1970 e 1980 com a chamada Escola de Birming-ham a partir do trabalho de R. Hoggart, R. Williams, S. Hall e M. Certeau.

  • 26

    uma perspectiva educacional, Freire trabalha-va com o princpio do dilogo e buscava na utilizao da palavra-mundo, a ideia de que as pessoas carregam saberes a serem respei-tados na sala de aula e de que, no processo de alfabetizao, a leitura da palavra no apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa forma de escrev-lo ou de reescrev-lo, quer dizer, de transform-lo atravs de nossa prtica consciente.24 Para esse educador, o dilogo e a interao ga-nham centralidade poltica nas aes educati-vas visando formao dos indivduos.

    Buscar maneiras de integrar outros grupos que vivem no entorno do Museu da Energia em situao de vulnerabilidade social, fazendo ouvir suas vozes encobertas, um dos desafios desta investigao.

    A comunicao desempenha papel funda-mental nesse processo, buscando entender os significados culturais contidos nos usos poss-veis desse espao por grupos sociais, criando possibilidades para se fazer ouvir essas vozes. com base na capacidade de nos comunicarmos que somos capazes de viver socialmente, de nos relacionarmos e compartilharmos experincias.

    Diante dessas perspectivas, assumimos neste trabalho que:

    1. A comunicao no se resume transmisso de informao de A para B. Ela um proces-

    Jess Martn-Barbero prope que existem trs campos de investigao estratgicos em comu-nicao: el orden o estructura internacional de la informacin, el desarrollo de las tecno-logias que fusionam las telecomunicaciones com la informtica, y la llamada comunicaci-n participativa, alternativa o popular.20

    Definir o que alternativo em matria de comunicao na Amrica Latina, para Martn-Barbero, transformar el proceso, la forma dominante y normal de la comunicacin social, para que sean las clases y los grupos dominados los que tomen la palabra.21

    Entendemos que no podemos deturpar o conceito de popular adotado por Martn-Bar-bero e atribuir a ele um sentido de margina-lidade vinculado pobreza. Estamos tratando de uma investigao no convencional que coloca la cultura como mediacin, social y terica da la comunicacin.22

    Consideramos a possibilidade de relacionar outras vozes e trazer outras mediaes para a relao do museu com a populao dos arredores. Essas me-diaes das camadas sociais do entorno conside-ram no somente a condio de vulnerabilidade social desses grupos, mas a pluralidade de signifi-cados possveis que o espao do museu possa ter como local de educao e fruio cultural.

    Desde Paulo Freire,23 temos experincias socioeducativas que vo nesse sentido. Em

    4. E agora, o que vamos investigar?

    20 MARTN-BARBERO, 1987, p.90.

    21 Ibidem, p.94.

    22 Ibidem, p.128.

    23 Ver: FREIRE, 1977.

    24 FREIRE, 1992. p.22.

    27

  • so de mediao entre o sujeito e o mundo objetivo da realidade material e o mundo subjetivo das relaes em sociedade;

    2. O patrimnio histrico encerrado nos museus no assume discursos isentos de ideologias ou isentos das mais diversas mediaes; passa desde os tcnicos e profissionais que atuam na montagem das exposies e dos programas educativos at a ideologia que permeia a instituio e os pblicos com os quais ela lida nas ativida-des que desenvolve: A conscincia dessas mediaes, no entanto, parece no estar presente naqueles que ouvem, veem ou leem o relato e, sobretudo, naqueles que emitem. Isso se d porque as pessoas, em geral, consideram ter uma viso objetiva, isenta, imparcial do mundo, e as media-es presentes no processo de constituio do relato, que podem desvi-lo, parecem ter sido absorvidas como normais.25

    O discurso contido nas exposies, na linguagem da comunicao visual, nos pro-gramas educativos, no tratamento da equi-pe tcnica aos pblicos, nada disso escapa a fatores mediativos quer sejam individuais (elementos cognoscentes como idade, sexo, formao); situacionais (cenrios onde acontecem as interaes); institucionais (poder, regras, normas e procedimentos institucionais) ou tecnolgicos (televiso, telecomunicaes, internet etc.).

    3. O problema de comunicao fundamental que se deve colocar em questo o problema da democratizao da informao, do acesso ao patrimnio cultural e da pluralidade de vozes.

    A viso monolgica do mundo s interessa permanncia do status quo. Um museu carrega mltiplos discursos, porque carrega as subjetivi-dades dos sujeitos, dos objetos, as relaes com o tempo, mas um deles exerce hegemonia sobre os demais e se torna o discurso institucional.

    O indivduo que recebe esse discurso deve ser tratado no como um receptor, mas como um enunciatrio de todos os outros discursos sociais que carrega consigo e que produzem a sua lei-tura sobre o que est sendo apresentado a ele.

    E quando, ento, o processo de comunicao se efetiva? Para Baccega, a comunicao s se efetiva quando ela incorporada e se torna fonte de outro discurso, na condio de enunciatrio est presente a condio de enunciador.26

    Esse um objetivo tambm educativo, o de fazer que o discurso de um dado patrimnio cultural musealizado possa ser apropriado, de maneira consciente, pelo educando/enunciatrio/enunciador.

    4. Por fim, a comunicao um processo constan-te de negociao dos sentidos feita por diversas mediaes na relao do sujeito com o mundo.

    25 BACCEGA, 1998, p.53.

    26 Ibidem, p.104.

  • 28

    captulo IIMuseus e comunicao: uma relao em processo

    Um museu mostra tanto de um povo, de sua identidade, mostra tanto de uma pessoa...Jobana Moya, boliviana que vive no Brasil, entrevistada

    para o desenvolvimento desta pesquisa.

    29

  • Patrimnio tudo o que o homem constri com base no trabalho social, poltico e cultural. A escolha entre o que fica e o que ser des-trudo est situada em um campo de disputas e conflitos sociais, tema que j tratamos neste trabalho. Esses conflitos podem ser explicitados nos processos de tombamento empreendidos pelos rgos oficiais de preservao.

    A transformao de algo em patrimnio his-trico pode no se dar pelas foras populares que clamam e reivindicam isso como direito preservao da memria, mas pelas foras das elites, de especialistas e do poder pblico que lhe atribuem um dado valor simblico que o legitima como tal.

    Waldisa Rssio diz que a preservao revela aspectos ideolgicos interessantes e diversos: h os que preservam por saudosismo; h os que preservam com a finalidade de valorizar ou evidenciar bens de uma escala muito sub-jetiva e particular e h os que preservam para manter registros informativos, porque toda ao carece de uma informao anterior.27

    As polticas pblicas definidas no plano do patrimnio se configuram na vasta plaga de relaes entre diversos grupos sociais, o poder pblico, os especialistas em patrimnio (arqui-tetos, historiadores, muselogos) e intelectuais. um campo de tenses e de foras despropor-cionais que outorgam o que ser lembrado e o que ser esquecido.

    Lembrar o que aconteceu importante, sobre-tudo, para sabermos enfrentar o porvir. O fu-turo no projetado pela histria, ele s existe como projeo mental. Os tempos que existem de fato so o passado e o presente que estamos vivendo, e o exerccio de lembrar o alicerce que sustenta a relao passado-presente.

    A memria no o que aconteceu, mas um fragmento do que aconteceu, e a memria situada no patrimnio histrico tambm um fragmento. A relao que estabelecemos com essa memria se d pela conexo subjetiva que mantemos com ela.

    Estamos vivendo uma sensao de acelerao dos tempos e da histria por conta do rpido e impondervel avano da tecnologia. A racio-nalizao da vida contempornea sobrepujada pela tecnologia caracterstica da atualidade. A acelerao est impactando a preservao e construo da memria porque ela interfere diretamente nos momentos de subjetividade e intersubjetividade em relao ao passado.

    O patrimnio histrico no significa to somente o que passou, porque est integrado ao presente, e a prpria memria, quando elaborada, experimentada e vivenciada, est integrada ao presente. A funo do patrim-nio histrico a de ser um instrumento de contato, difuso e relao com a memria ao mesmo tempo em que tambm se torna memria no tempo.

    1. Patrimnio histrico, museu e memria

    entre questes globalizadas

    27 GUARNIERI, 1990, p.7-12.

  • 30

    Todos os rgos de preservao criados para a proteo do que passa a ser classificado como patrimnio histrico so exemplos das dispu-tas travadas entre intelectuais, poder pblico e elites para a proteo aos bens de valor histri-co, artstico e arquitetnico.

    Dessa poltica da preservao do patrimnio e de seus valores de consumo cultural para fruio de uma elite, pode-se questionar a preocupao ou no com o tipo de pblico que ter acesso a ele ou ao uso que ser dado.

    Na atualidade, outras foras tambm atuam sobre as questes voltadas ao patrimnio e arte. Em tempos de culturas mundializadas, globalizao econmica e poltica do Estado m-nimo ocorrem tambm inmeras interferncias marcadamente do setor privado nas polticas, muito acentuadas com o estabelecimento de incentivos fiscais.

    Chin-tao Wu,30 ao pesquisar a interferncia cor-porativa nas artes, demonstra que essa interven-o, que de certo modo j existia graas aos me-cenas da arte, s famlias patronas e ao Estado, passou a ser diferente no sculo XX, sobretudo a partir da dcada de 1980, com o recrudescimen-to das polticas de incentivos fiscais por parte do Estado como tendncia global, criando um movimento de privatizao da cultura.

    A escolha do que ser patrocinado31 por empresas, com dinheiro pblico, no compete

    Faz parte das polticas de patrimnio hist-rico escolher o que lembrar e o que descar-tar. No Brasil, o incio do sculo XX trouxe consigo as transformaes promovidas pela urbanizao e industrializao, e carregou, a reboque, o patrimnio como ponto de preocupao para os intelectuais da poca, como Mrio de Andrade, Oswaldo Cruz e Alceu de Amoroso Lima, e para os estudiosos que faziam parte do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro.

    O patrimnio se constitui, nessa poca, como elemento de um projeto de nao e adquire uma fora simblica de progresso alimentada pelos ideais republicanos. Era preciso que os cidados se identificassem com o projeto de nao. Os monumentos, os museus e a produ-o cultural e arquitetnica dessa poca con-tribuam para forjar a identidade nacional.28

    Vrias disputas polticas foram travadas para a criao de rgos e leis de proteo ao patrimnio nacional, o qual era constitudo fundamentalmente por casas dos grandes fazendeiros e igrejas do perodo colonial, excluindo-se desse processo os ndios, os negros e as classes populares.

    Sobre esse aspecto, Waldisa indaga: esse patrimnio resultado de uma elite ou de uma eleio por parte de camadas e segmentos sig-nificativos da comunidade e da sociedade?.29

    31

    28 ORTIZ, 2003. p.96 e 97.

    29 GUARNIERI, 1990, p.11.

    30 WU, 2006.

    31 Ivan Costa define as diferen-as entre filantropia, mece-nato e patrocnio. Por certo, o que a Lei Rouanet tem por mecenato no poderia incluir veiculao da marca da em-presa financiadora, j que os recursos utilizados so dedu-tveis de imposto de renda, ou seja, dinheiro pblico. COSTA, 2004, p.15-20.

  • mais ao Estado. Entretanto, no podemos aqui falar em dominao unilateral: No se pode simplesmente falar da dominao das compa-nhias da mesma forma como se fala de uma classe dominante. Em outras palavras, o que se domina no caso das empresas oblquo. H diferentes nveis e formas de dominao. A fora econmica de uma companhia no mercado uma forma de dominao sobre seus competidores, mas as companhias (em particular as multinacionais) tambm so importantes em nossa sociedade de consumo, pois exercem uma profunda influncia sobre o espao em que vivemos, sobre o processo poltico e sobre nossas escolhas individuais.32

    A questo que se coloca aqui que a memria coletiva, o uso do patrimnio histrico, o que se define por patrimnio histrico e a prpria histria passam por processos de mediao que envolvem diversas instncias: poltica, econ-mica, social e cultural. A poltica cultural de incentivo surge para narrar discursos tambm globalizados. Isso no quer dizer que no se realizem projetos comprometidos com a plura-lidade de linguagens e manifestaes culturais, o que no podemos deixar de ver as mlti-plas interfaces e mediaes dessas negociaes.

    Se cultura e comunicao mantm estreita ligao, como vimos anteriormente, Renato Ortiz ao falar do fenmeno da mundializa-o,33 tambm nos permite pensar sobre essa imbricao comunicao/cultura no mbito

    32 WU, 2006, p.22.

    33 Cf.: ORTIZ, 2003.

    das culturas nacionais. Na mundializao, o local se globaliza nos espaos em que a presen-a de marcas em grandes pontos de circulao (aeroportos, shopping centers, hipermerca-dos, redes de hotis) constri uma paisagem comum, gerando uma identificao para os indivduos.

    O consumo das marcas em escala industrial, das imagens e dos discursos veiculados pelos meios interfere nas culturas em movimentos de homogeneizao/heterogeneizao que acontecem simultaneamente: as mesmas fronteiras que separam certas pessoas e grupos tambm os vinculam a outras pessoas e grupos, produzindo e obliterando identidades culturais. Identidades, portanto, so fronteiras entrea-bertas, num movimento pendular.

    As fronteiras que criaram os Estados-nao em meados do sculo XVIII destruram outras prepostas e pareciam desencadear uma ordem mais coesa na identidade de grupos amparados sob o manto da modernidade que conduziria todos ao progresso.

    Hall escreveu uma passagem bastante elucida-tiva sobre as fronteiras nacionais: As culturas nacionais so uma forma distintivamente moderna. A lealdade e a identificao que, numa era pr-moderna ou em sociedades mais tradicionais, eram dadas tribo, ao povo, religio, foram transferidas, gradualmente sendo colocadas, de forma subordinada, sob

  • 32

    aquilo que Gellner chama de teto poltico do Estado-nao, que se tornou, assim, uma fonte poderosa de significados para as identi-dades culturais modernas.34

    Para Geertz uma relao mais pluralista entre povos parece ter emergido,35 e a maneira pela qual as teorias da cincia poltica comparti-mentavam (e em certa medida ainda comparti-mentam) os povos e as relaes entre os povos j no se ajusta mais s novas negociaes e movimentaes sociais.

    O Estado tinha um papel protagonista na for-mao da identidade cultural da nao.

    No Brasil, a influncia do pensamento de inte-lectuais como Slvio Romero (ideal europeu), Euclides da Cunha (o sertanejo um forte), Nina Rodrigues e Oliveira Vianna (raa como fator de melhoramento); Srgio Buarque de Holanda (o papel do portugus na formao da nao), Mrio de Andrade e Oswald de An-drade (mestiagem e antropofagia) demarcou conceitos sobre raa/cultura/mestiagem que ajudaram a formar nossa identidade, tanto na produo acadmica como na produo cultu-ral desses pensadores da nao brasileira.36

    34 HALL, 1999, p.49.

    35 GEERTZ, 2001, p.192.

    36 Apresentamos textos em que os autores problematizam o papel dos intelectuais nas dis-cusses sobre etnia na cons-truo da identidade nacional; ZARUR, 2003, p.17-40; e MULLER, 2004, p.163-185.

    33

  • 37 NASCIMENTO, 1998.

    38 CURY, 2005, p.366.

    2. Concepes de museu e da comunicao

    no campo da Museologia

    Museu lugar de coisas velhas, de quinqui-lharias e coisas antigas. Segundo a muse-olga Rosana Nascimento, o significado do museu atualmente de forma geral vincula-do a algo ultrapassado como velho, mofo e poeira, so as definies mais usuais e pejo-rativas quando se faz referncia ao conceito desta instituio.37

    Em que pese o fato de os museus terem se ressignificado no tempo, esse pensamento o que percorre o nosso imaginrio to logo a palavra museu surge em nossa consincia. Isso no surpreende aos profissionais da rea museolgica, j que esse pensamento o reflexo da imagem que muitos ainda conservam desse tipo de instituio e, mais tenazmente, reflete uma considervel distncia existente entre essas instituies e a sociedade. Isto porque, antiga-mente, atrelados s guerras, esses equipamentos serviam como grandes depositrios da espolia-o sobre os povos conquistados. Nesse sentido, o museu tem um papel de colecionador.

    O museu tem sua origem no colecionismo e no diletantismo e sua institucionalizao foi lenta e gradual. De local reservado para expor a poucas colees particulares, transformou-se na instituio voltada para a comunicao do patrimnio a ser preservado, o que diz Marlia Xavier Cury.38

    A partir do sculo XX, as exposies se tor-naram mais interativas, por estarem com-

    prometidas com a inteligibilidade e com a participao cognitiva do pblico, at chegar fase atual das exposies de ltima ge-rao, chamadas por Cury de exposies hipertextuais: So aquelas em que o pblico includo como participante criativo e, os papis de enunciador (aquele que elabora o discurso, emissor) e enunciatrio (aquele que o recebe, receptor) tendem sobreposio ... As exposies de ltima gerao tm a pre-tenso de dissolver os papis entre enunciador e enunciatrio, pois em sua estrutura essas exposies vo alm da participao ao intro-duzirem o elemento criao.

    Apesar dos esforos dessas instituies em acompanhar as mudanas sociais, a concepo de depsito de coisa velha persiste e mostra que ainda h um grande caminho a percorrer na busca da comunicao de referenciais com-patveis e inteligveis com o universo cognitivo e simblico da atual sociedade.

    Desde a dcada de 1960, os museus tm refle-tido sobre o seu papel na sociedade. Canclini diz que: Durante muito tempo, os museus foram vistos como espaos fnebres em que a cultura tradicional se conservaria solene e tediosa, curvada sobre si mesma ... Desde os anos 60 o intenso debate sobre sua estrutura e funo, com renovaes audazes, mudou o seu sentido. J no so apenas instituies para a conservao e exibio de objetos, nem tampouco fatais refgios das minorias.

  • 34

    agente provocador de mudanas em busca de um desenvolvimento social, chegando a propor, para tanto, que a organizao dos museus e suas atividades estivessem voltadas para as demandas da sociedade, tirando o foco do acervo e das colees.

    No nos cabe aqui esmiuar a historicidade do papel social dos museus, mas apontar alguns importantes marcos e rupturas que permitiro tratar o tema deste trabalho.

    Para Maria Clia T. dos Santos,42 a ao museolgica deve ser pautada na juno de ao cultural e educativa, ou seja, os museus no devem atuar somente como o local de preservao e disponibilizao de acervos como misso, pois isso os faz perderem a complexidade de sentidos de suas aes. Para Santos, os museus devem ser pensados como fenmenos sociais, como um espao relacio-nal onde se apresentam conflitos e no como uma ilha tranquila que est imune ao social do qual faz parte sem sofrer interferncias desse social.

    Faz-se tambm importante entender o papel do consumo cultural na contemporaneidade e entender os museus no como meios de co-municao, mas como mediadores da comuni-cao de identidades por meio de exposies e aes culturais e educativas, na medida em que ajudam a constituir sentidos que vo compor o imaginrio individual e coletivo.

    Os visitantes dos museus americanos, que em 1962 chegavam a 50 milhes, superaram em 1980 a populao total deste pas. Na Fran-a, os museus recebem mais de 20 milhes de pessoas por ano e s o Centro Pompidou supera os 8 milhes, como evidncia da atrao que pode suscitar um novo tipo de instituio: alm do Museu de Arte Moderna, oferece exposies temporrias de cincia e tecnologia, livros, revistas e discos para usar seu autosservio, enfim, a atmosfera esti-mulante de um centro cultural polivalente ... Os museus, como meios de comunicao de massa, podem desempenhar um papel significativo na democratizao da cultura e na mudana do conceito de cultura.39

    O autor reconhece a importncia dos museus para a cultura, mostrando que o problema principal dos museus hoje no a sua deca-dncia.40 O cerne apodrecido que identifica-mos nele que, como instituio tutelar do patrimnio histrico de um povo, ele tambm funciona como um recurso [instrumento] para reproduzir as diferenas entre os grupos sociais e a hegemonia dos que conseguem um acesso preferencial produo e distribui-o dos bens.41

    Esse circuito que repensou os museus na dcada de 1960 constituiu um momento de ruptura que desencadeou um movimento conhecido como Nova Museologia. Foi uma vertente que passou a pensar o museu como

    39 CANCLINI, 2003, p.169.

    40 Ibidem. p.173.

    41 Ibidem. p.195.

    42 Anotao da autora de palestra proferida pela Prof Dr Maria Clia T. de Moura Santos apre-sentada no dia 5 out. 2007 para equipe de muselogos e moni-tores estagirios da Fundao Patrimnio Histrico da Ener-gia e Saneamento, cujo tema foi Museus e seus pblicos invisveis.

    35

  • Pontuamos que um dos grandes desafios para os museus saber enfrentar o descentramen-to43 das identidades da contemporaneidade e as novas formas de apreenso de conhecimen-to com propostas de comunicao museolgica que criem espaos de dilogo entre contextos sociais. Ou seja, fazer do espao de educao e comunicao do museu um local no somen-te de culto, de nostalgia e de satisfao das curiosidades para uma maior compreenso do mundo, mas sim, um espao vivo de fruio da memria e das identidades, de apropria-o dos espaos de discusso e de construo da cidadania: necessrio, tambm, que nos preocupemos em instalar museus em nossas comunidades, que sejam realmente representativos da nossa identidade cultural, onde o cidado comum encontre traos de sua identidade cultural, do fazer do seu dia a dia, se identifique como aquele que participa da Histria, que, sem perder de vista as suas razes, utiliz-la como referencial, compreende o seu presente e constri o seu futuro.44

    Para Ulpiano Bezerra de Menezes o objetivo da educao em museus, assim como na educa-o no sentido amplo, oferecer possibilidades para a comunicao, a informao, o aprendi-zado, a relao dialtica e dialgica educan-do/educador, a construo da cidadania e o entendimento do que seja identidade.45

    Para entrar no curso do processo educativo na perspectiva de Menezes, preciso propor

    43 Esse descentramento estu-dado pela corrente terica dos Estudos Culturais. Stuart Hall fala sobre as crises de identi-dade do indivduo na ps-mo-dernidade e os diversos mo-mentos desse descentramento nos processos histricos. Afir-ma que o sujeito no tem uma identidade fixa, essencial e permanente. Ver HALL, 1999.

    44 SANTOS, 1990, p.19. Ver tam-bm: SANTOS, 1995, especial-mente cap.2.

    45 MENESES, 2000.

    46 OSULLIVAN, 2001, p.52-53.

    e criar condies para se estabelecer um di-logo entre o visitante e as exposies e no suscitar formas lineares de transposio de contedos hermticos.

    Estabelecer nos museus fruns de discusses, fomentar a interao entre grupos que possam ter pontos de contato e de dilogo e criar laos de afinidade e de apropriao em relao ao museu. Na atualidade, no se pode fazer um museu somente centrado nos objetos, j que seus significados so atribudos pelas pessoas, individualmente. Do ponto de vista comunica-cional preciso encarar o desafio de aprender a lidar com essa teia de sentidos e significados, uma vez que os museus se colocam como cen-rio para a relao entre o Homem e o Objeto.

    A comunicao deve ser entendida pela pers-pectiva de um processo de negociao e um intercmbio de significados, no qual as men-sagens, as pessoas em suas culturas interagem para a produo de sentido.46

    O indivduo que por assim dizer recebe uma mensagem capaz de process-la e devolv-la no social, na medida em que atribui a ela algum sentido ou valor.

    Marlia Xavier Cury adota a concepo de comunicao museolgica como uma relao de troca, dilogo e negociao dos sentidos patrimoniais entre sujeitos e entende que so sujeitos do processo comunicacional museo-

  • 36

    por diversas mediaes cujo ponto referencial se d no cotidiano.49

    Os museus tm o papel de fazer da comunica-o museolgica um meio de conscientizao do indivduo sobre a formao de sua identida-de e imaginrio. essa conscincia, tratada de uma perspectiva histrica e cultural, que pode tornar o indivduo protagonista consciente de sua histria, sujeito engajado em seu meio, de forma crtica e participativa.

    importante considerar como norte que as aes museolgicas no nascem a partir dos objetos, das colees, mas tendo como refe-rencial o patrimnio global, na dinmica da vida, tornando, assim, necessria uma ampla reviso dos mtodos a serem aplicados nas aes de pesquisa, preservao e comunica-o, nos diferentes contextos.50

    O fazer museolgico caracterizado pela aplicao de aes de pesquisa, preservao e comunicao.

    A pesquisa alimenta todas as aes museo-lgicas em processo; as aes de preservao compreendem as aes de coleta, classifi-cao e registro do acervo e a conservao. No que diz respeito comunicao, San-tos enfatiza que no est circunscrita ao processo de montagem de exposies, uma vez que A exposio parte integrante do processo museolgico ... Ao contrrio do

    lgico todos aqueles que atuam como agentes ativos na (re)significao do objeto muse-olgico. Esses agentes vo desde os autores e usurios dos objetos em sua origem at os que iro promover o processo de musealizao desses objetos: pesquisadores, conservadores, documentalistas, muselogos, educadores e pblico visitante.47

    O processo de comunicao museolgica dialgico, tanto pela interao entre os agen-tes envolvidos na musealizao, como pela (re)significao e pelas trocas simblicas dos sentidos patrimoniais atribudos, intercam-biados, negociados e que prescindem sempre de uma interao com o outro.

    De acordo com Cury, o discurso comunicacio-nal deve ser estruturado dialogicamente, bus-cando a participao equilibrada do emissor e do receptor e no assumindo as funes de emisso e recepo de discurso como polos isolados: O museu enunciador/enuncia-trio porque recebe e reelabora os mltiplos discursos sociais, criando a unicidade do discurso museolgico. O pblico enun-ciador/enunciatrio porque recebe discurso museolgico e os mltiplos discursos sociais que circulam em seu universo e, a partir da apropriao do(s) discurso(s) original(is) cria um outro discurso.48

    nesta perspectiva, a de criar um outro discur-so, que a comunicao se efetiva, amalgamada

    47 CURY, 2004, p.90.

    48 Ibidem. p.90.

    49 Ibidem. Quando trata da efeti-vidade da comunicao e das mediaes do cotidiano, a au-tora se apropria do pensamento de Maria Aparecida Baccega e Jess Martin-Barbero.

    50 SANTOS, 2002.

    37

  • Se seguirmos a corrente terica de Martn-Barbero, saltaremos dos meios s mediaes,53 e isso significa tirar o foco do museu e das exposies e transpor para as mltiplas media-es possveis no local, regional e global, nos significados possveis que se manifestam no cotidiano dos pblicos visitantes.

    As potencialidades para a comunicao em museus so inmeras e ainda devem ser muito exploradas. Os profissionais da Museologia j alargaram bastante a viso do papel da comu-nicao, mas a abertura para uma interface maior com a Comunicao como campo de conhecimento ainda restrita.

    Segundo Cury, o quadro terico de referncia na rea da pesquisa de recepo em museus, tema estudado em sua tese de doutoramento, ainda est em formao, e a autora afirma que precisamos alargar os limites dos campos da museologia em sua relao com outras reas, como a comunicao, a antropologia e a sociologia, por exemplo.54

    Algumas aes demonstram que o potencial de contribuio da Comunicao est ainda em construo, porm apontam para algumas perspectivas que iremos analisar ao longo deste trabalho.

    procedimento mais usual dos museus, em que a exposio o ponto de partida no sentido de estabelecer uma interao com o pblico, na ao museolgica aqui propos-ta, a exposio , ao mesmo tempo, produto de um trabalho interativo, rico, cheio de vitalidade, de afetividade, de criatividade e de reflexo, que d origem ao conhecimento que est sendo exposto e a uma ao dia-lgica de reflexo, estabelecida no processo que antecedeu a exposio e durante a montagem, alm de ser um ponto de parti-da para outra ao de comunicao.51

    Enquanto, para Santos, a comunicao per-passa todos os processos de interao e de dilogo da ao museolgica, considerando o fazer museolgico um processo educativo e de comunicao; em outra perspectiva, Cury,52 que pesquisou as teorias da Comunicao, nos mostra as atribuies mais especficas que servem pesquisa e avaliao dos usos que os pblicos fazem dos museus, nas chamadas Pesquisas de Recepo.

    Cury afirma que a pesquisa de recepo uma das possibilidades de avaliao museolgica, isto porque h um predomnio de pesquisas em educao como rea de concentrao. A pes-quisadora parte do postulado de que a recep-o est integrada ao processo de concepo, produo, difuso e visitao e/ou usufruto dos produtos comunicacionais museolgicos.

    51 SANTOS, 2002, p.4.

    52 CURY, 2004, p.94.

    53 Cf.: MARTN-BARBERO, 2003.

    54 CURY, 2004, p.102.

  • 38

    Antes de conhecermos melhor o problema de comunicao a ser trabalhado nesta pesquisa, consideramos importante expor algumas defini-es norteadoras dos significados de museu e da sua atuao na sociedade nos ltimos anos.55

    Em 1972 a Unesco realizou uma mesa-redonda, em Santiago do Chile sobre o papel dos museus na Amrica Latina contempornea. O encontro registrou um momento histrico porque todos os convidados para a mesa eram latino-ameri-canos, diferentemente de outros anteriormente realizados em que os especialistas europeus que falavam sobre museus latino-americanos.

    Duas noes se destacam como essenciais des-te encontro: a de museu integral, considerando a totalidade dos problemas da sociedade, e a de museu como ao, ou seja, como instru-mento de mudana social.

    Em 1992 foi realizado em Caracas, Venezuela, com iniciativa da Unesco o seminrio A misso do museu na Amrica Latina hoje: novos desafios para refletir sobre a misso do museu como um agente de desenvolvimento integral na regio, com base nos postulados da mesa-redonda de Santiago.

    Os resultados das discusses promovidas nesse seminrio apontaram para a necessi-dade de atualizao dos conceitos debatidos em Santiago, a renovao dos compromissos assumidos naquele momento, bem como a

    3. O fazer museolgico em pauta

    39

    55 Parte das informaes que in-dicamos adiante foram basea-das em STUDART, 2004.

  • considerao do contexto latino-americano de acelerao das mudanas e a conscincia da proximidade do sculo XXI.

    Como resultado desse seminrio foi elaborada a Declarao de Caracas, tendo como essncia o fato de Conceber o museu com um meio de comunicao (reconhecendo-se a sua linguagem prpria) entre os elementos desse tringulo (territrio-patrimnio-sociedade), servindo de instrumento de dilogo, de intera-o das diferentes foras sociais (sem ignorar nenhuma delas, inclusive as foras econmi-cas e polticas); um instrumento que possa ser til, em sua especificidade e funo, ao homem indivduo e ao homem social [grifo meu] para enfrentar os desafios que vm do presente e do futuro. 56

    Mesmo com essas discusses resultando em declaraes para chancelar o compromisso, os temas ainda persistem no plano conceitual, e, de acordo com Studart o que incomoda que mesmo aps tantos anos ainda estejamos discutindo que essa misso seja possvel.

    De acordo com a Poltica Nacional de Museus do Ministrio da Cultura uma poltica cultural deve ser vista como parte de um projeto de formao de uma nao democrtica e plural,57 o que significa incluir os museus na agenda de incluso social e buscar mltiplos usos para o seu espao como um local de debate e exerccio da cidadania.

    56 HORTA, 1999, apud STUDART, 2004, p.43.

    57 MINISTRIO DA CULTURA. Po-ltica Nacional de Museus, s.d.

  • 40

    captulo IIIA Instituio

    Energia para mim uma fora. Fora eltri-ca, fora de patrimnio, fora humana, fora da sociedade, de pensamento, de ideias. S de pensar j estou usando energia.

    Olinda Pedro da Silva, brasileira, trabalha em coleta seletiva e foi entrevistada para esta pesquisa.

    41

  • O seu propsito o de apresentar exposies temticas sobre aspectos da histria da energia e da urbanizao de So Paulo, porm estamos tratando, aqui, de uma instituio que est em formao. Ele nasceu ao mesmo tempo em que se estava formulando o seu projeto museolgico.

    O Museu da Energia de So Paulo foi inaugura-do em 7 de junho de 2005 e um equipamento cultural da Fundao Energia e Saneamento. Est localizado na Alameda Cleveland, 601, no bairro de Campos Elseos, prximo regio da Luz e do Bom Retiro, na cidade de So Paulo.

    1. Breve Histrico do Museu da Energia de So Paulo

    Museu da Energia de So Paulo em 7 abr. 2007.Acervo da autora.

  • 42

    dever desenvolver programas de atendimen-to contnuo, de longa durao, ou programas eventuais focados para os seguintes pblicos:59

    Pblico de negcios: especialistas, engenhei-ros, funcionrios das empresas de energia e suas famlias;

    Pblico espontneo; Pblicos especiais: pessoas com deficincia; Outros pblicos: terceira idade e marginali-

    zados das instituies culturais.

    uma instituio que est sendo concebida no para ser um museu guardio e divulgador da memria, nem como um espao especfico de popularizao do conhecimento cientfico, mas como uma instituio hbrida: um museu histrico e cientfico que vai congregar histria, cincia, memria do trabalho e aspectos sociais das transformaes provocadas pela energia el-trica, e que pretende ser uma referncia sobre a questo energtica no Brasil. Esse hibridismo o diferencia de demais espaos dedicados divul-gao cientfica. Na cidade de So Paulo, no h outro equipamento cultural com a caracterstica de ser um museu histrico e cientfico.

    As instituies cincunvizinhas, na regio da Luz, Bom Retiro e Campos Elseos, so de vocao artstico-cultural (Oficinas Oswald de Andrade, Sala So Paulo, Pinacoteca, Estao Pinacote-ca), arquivstica (Arquivo Histrico Municipal Washington Lus, Centro de Memria da Sade) e educativo-cultural (Museu da Lngua Portuguesa e Liceu de Artes e Ofcios, entre outros exemplos).

    A partir de janeiro de 2007, o Museu passou a ser pensado no mbito de um processo interdis-ciplinar, envolvendo um grupo de especialistas em diversas reas do conhecimento, que traou as bases do que ser o Museu da Energia de So Paulo, isto , qual seria sua misso, seus objetivos, seus valores, seu papel no contexto histrico e social em que est inserido.

    Alm do Museu da Energia de So Paulo, a Fundao Energia e Saneamento mantm outras unidades58 espalhadas pelo interior pau-lista que possuem perfis museolgicos distin-tos, uma vez que abrigam colees de diversas categorias de objetos, tais como equipamentos e utenslios domsticos, mobilirio, instru-mentos de medio e objetos de iluminao que possibilitam a reflexo sobre a histria do cotidiano a partir das alteraes nos modos de vida promovidas pelo advento da eletricidade.

    Apesar da diversidade de unidades, as suas propostas de ao tm aspectos comuns, como o de desenvolver atividades e projetos que aliam educao patrimonial, ambiental e cientfico-tecnolgica.

    No que concerne ao pblico-alvo, a proposta que o Museu dever desenvolver uma comu-nicao expositiva clara para um pblico de estudantes a partir do sexto ano do Ensino Fundamental, uma vez que o pblico cativo de museus o escolar. Entretanto, alm do pblico escolar, a rea de educao do Museu tambm

    58 O Museu da Energia de Itu e o Museu da Energia de Jun-dia so os ncleos urbanos, e o Museu da Energia Usina-Parque do Corumbata e o Mu-seu da Energia Usina-Parque de Salespolis so Pequenas Centrais Hidreltricas (PCHs) desativadas que esto abertas visitao pblica com progra-ma expositivo e educativo; as Usinas-Parque de So Valen-tim, em Brotas, e a Usina-Par-que do Jacar, em Santa Rita do Passa-Quatro, tambm so PCHs, mas ainda no passa-ram pelo processo de restauro e conceituao muselogica, portanto, atendem somente vi-sitas tcnicas.

    59 Esse agrupamento foi discu-tido nas reunies do grupo curatorial e sistematizado pela consultoria em educao.

    43

  • O conjunto de edifcios que abriga o Museu da Energia e a sede da Fundao qual est vinculado um complexo tombado pelo Condephaat e pelo Conpresp60 como Casaro Santos Dumont, por ter sido residncia de Henrique Santos Dumont, irmo do famoso aviador. Comeou a ser projetado pelo escri-trio Ramos de Azevedo no ano de 1890, e foi edificado em 1894.

    A famlia Dumont viveu no Casaro at a dcada de 1920. No ano de 1926 o imvel foi vendido para o Colgio Stafford, uma escola laica que atendia elite do incio do sculo XX, oferecendo o regime de semi-internato para meninas. Nesse perodo, outras edifica-es foram construdas no espao: um prdio para salas de aula (atual sede da Fundao); uma rea aberta com cobertura para o recreio das crianas; um sobrado com dois quartos, co-zinha, pequena sala e um banheiro que servia de moradia s administradoras do Colgio; e salas ao fundo do terreno que funcionavam como laboratrios e vieram a ser demolidas no processo de restauro.

    Em 1951 o complexo foi desapropriado pelo governo do Estado, e passou a ser ocupado pela Sociedade Pestalozzi, que l permaneceu at 1982, quando o imvel foi incorporado Secretaria de Estado da Cultura, e a partir de ento ficou desocupado.

    60 Conselho de Defesa do Patri-mnio Histrico, Artstico, Ar-quitetnico e Turstico do Esta-do de So Paulo Condephaat, rgo vinculado Secretaria de Estado da Cultura. Conselho Municipal de Preservao do Patrimnio Histrico, Cultural e Ambiental da Cidade de So Paulo Conpresp, rgo vin-culado Secretaria Municipal de Cultura.

    2. Da criao ao funcionamento do

    Museu da Energia de So Paulo

  • 44

    obra de restauro foi viabilizada atravs de patrocnio da Lei Rouanet e, em junho de 2005, o restauro foi finalizado e os edifcios histricos inaugurados.

    Em novembro de 2006 a Fundao aprovou a captao de recursos, atravs da Lei Rouanet, para viabilizar a elaborao do projeto museol-gico para o Museu da Energia de So Paulo, com base na concepo da exposio de longa dura-o61 que ele iria apresentar. Essa etapa, chama-da fase de pr-produo, ocorreu no perodo de janeiro a novembro de 2007 e consistiu na formao de um grupo curatorial composto por consultores especialistas em diversas reas que traaram o perfil dessa instituio nos seus vrios aspectos.

    Sob a conduo de uma empresa especializa-da na elaborao de projetos museolgicos,

    61 A exposio de longa durao a principal mostra de um museu, pois personifica a sua misso, e possui uma durao mdia de 5 anos. O conceito de exposio permanente vai, aos poucos, deixando de ter espao na rea da museolo-gia, pois tem o carter de ser perene, por perodo indeter-minado, e invariavelmente revista quando da degradao dos objetos expositivos.

    Dadas as grandes transformaes pelas quais passou a regio diga-se: de bairro da elite cafeeira paulistana cracolndia o imvel, sem uso e sem vigilncia, foi ocupado pelo movimento sem-teto ainda em 1982 e, aps sucessivas ocupaes, foi cedido em comodato, em 2001, pela Secretaria de Estado da Cultura Fundao Patrimnio Histrico da Energia de So Paulo (a partir de 2004 Fundao Energia e Saneamento) para abrigar a sua sede admi-nistrativa e o Museu da Energia de So Paulo, inaugurando mais uma instituio em uma rea cujas polticas culturais no mbito federal, estadual ou municipal esto ainda distantes de uma articulao endmica.

    Logo que assumiu o Complexo, a Fundao promoveu alguns servios emergenciais em razo do pssimo estado em que se en-contravam os edifcios. No final de 2003 a

    Edifcio da sede da Fundao Energia e Saneamento em 7 abr. 2007.Acervo da autora.

    45

  • cer melhor a questo da energia para saber utilizar. Proporcionar o entendimento e a reflexo sobre as mltiplas formas de ener-gia, seu uso responsvel e suas aplicaes possveis, tangenciando a vida de cada um (a percepo de que se no descobrirmos novas formas de utilizao da energia teremos problemas no futuro);

    f. Os impactos socioambientais da gerao de tipos de energia diversos;

    g. O Museu da Energia de So Paulo como fon-te de informao tcnica para profissionais, estudantes e instituies do setor.

    Desde a sua inaugurao, em junho de 2005, e at outubro de 2007, o Museu da Energia de So Paulo ficou aberto ao pblico de segunda a sexta-feira, das 10h s 17h, com entrada gratuita, exibindo um pequeno panorama do acervo de iluminao pblica e domstica, assim como objetos e utenslios eletrodo-msticos do incio do sculo XX. A monitoria da visita, entretanto, ainda ficava predomi-nantemente voltada para o Casaro e seus diversos usos ao longo do tempo e para o seu processo de restauro.

    consultores de Engenharia, Arquitetura, Meio Ambiente, Comunicao Visual e Expogrfica, Histria, Educao e Comunicao deram as suas contribuies para a concepo e execu-o do plano museolgico, ou seja, o que ser, para quem ser, como ser o Museu da Energia de So Paulo.

    Nas discusses promovidas pelo grupo para trazer baila quais necessidades sociais o Mu-seu da Energia deveria atender foram levanta-das as seguintes questes:a. A perspectiva da educao pelo patrimnio,

    j que o Museu est localizado num imvel histrico, que lida com o imaginrio de di-versos grupos sociais submersos na cidade de So Paulo e, nesse sentido, buscar tambm a valorizao do bairro e da regio da cidade onde o Museu se localiza;

    b. O papel de possibilitar a reflexo sobre a im-portncia que tem a histria da cincia e da tecnologia para a evoluo social - como o mundo se desenvolveu a partir da evoluo tecnolgica, o que essa tecnologia fez e o que ela pode fazer no futuro;

    c. A importncia de conhecer a histria das atividades desenvolvidas pelo homem, mos-trando o papel da energia no desenvolvi-mento e na transformao urbana da cidade e do estado de So Paulo;

    d. A sensibilizao do pblico para a importn-cia da preservao da memria do setor ener-gtico no estado de So Paulo e no Brasil;

    e. A conscientizao para a cidadania: conhe-

  • 46

    e Saneamento. Nesse aspecto, as fotografias do antes do restauro, comparadas ao estgio atual, os tipos de pinturas que foram recupera-das da primeira e da segunda fase de ocupao e mesmo o tipo de arquitetura eram elementos que despertavam o interesse do pblico.

    Grande parte das visitas era espontnea, e o trabalho educativo ficava mais pautado em guiar as visitas.

    Em janeiro de 2007 a equipe foi reestruturada e, com isso, uma preocupao maior em tra-balhar a comunicao museolgica em outros aspectos passou a ser evidenciada: a potencia-lidade que o Casaro tem para um trabalho de Educao Patrimonial passou a ser tratada com outros recursos: atividades pedaggicas como jogos, pinturas e leituras de imagens, fazendo que visita ficasse mais atraente.

    O contato com escolas, instituies e uni-versidades passou a ser algo mais recorrente e pr-ativo, e a preocupao em manter o acesso pblico com exposies de curta du-rao, enquanto no h a exposio de longa durao, passou a ser uma das tarefas do trabalho de rea museolgica.

    Nesse sentido, em junho de 2007 foi inaugu-rada uma exposio de painis versando sobre o patrimnio histrico e cultural do setor de energia e de saneamento ambiental. Essa expo-sio ficou em cartaz no Museu at outubro de

    2.1 Rumo re-criao do Museu da Energia de So Paulo

    Historicamente, a energia sempre esteve diretamente relacionada ao desenvolvimento social, cultural e econmico, inserida nos mais diversos domnios da vida.

    O acervo pertencente Fundao Energia e Sa-neamento composto por 2,5 mil objetos muse-olgicos, 1,5 mil metros lineares de documentos e 254 mil registros fotogrficos reunidos por mais de cem anos de atividades das empresas energticas paulistas. Consistem em importan-tes fontes sobre a histria da urbanizao e da industrializao contemporneas.

    Parte desse acervo de objetos museolgicos estava em exposio no Museu da Energia de So Paulo, possibilitando a reflexo sobre a instalao e uso cotidiano da energia eltrica. Eletrodomsticos, luminrias de iluminao p-blica e domstica fizeram parte da exposio.

    Contudo, o princpio de Educao Patrimonial62 na comunicao museolgica no era pautado somente na energia eltrica do incio do sculo XX: os diversos usos do Casaro Santos Dumont espao com caractersticas arquitetnicas de estilo ecltico construdo a partir de 1890, projetado pelo escritrio do arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo faziam parte da visita, bem como o processo de restauro dos edifcios empreendido pela Fundao Energia

    62 Educao Patrimonial um processo permanente e siste-mtico de trabalho educacio-nal centrado no Patrimnio Cultural como fonte primria de conhecimento e enriqueci-mento individual e coletivo. O trabalho de Educao Patri-monial busca levar crianas e adultos a um processo ativo de conhecimento, apropriao e valorizao de sua herana cultural, capacitando-os para um melhor usufruto desses bens, propiciando a gerao e a produo de novos conheci-mentos, num processo cont-nuo de criao cultural. Ver: HORTA, 1999, p.6.

    47

  • 2007 e chegou a itinerar por diversas estaes do metr de So Paulo, divulgando tambm os equipamentos culturais da Fundao.

    Em 27 de outubro do mesmo ano foi inau-gurada uma exposio fotogrfica intitulada Bonde da Memria, mostrando demarca-das interferncias na paisagem urbana pelas instalaes desse tipo de transporte pblico possibilitado pela chegada da luz eltrica, em 1900. A exposio teve boa repercusso por parte do pblico visitante e divulgao em jornais e na televiso.

    Em dezembro de 2007 foi inaugurada a expo-sio Arte do Sol - design e tecnologia da luz. A mostra consiste em uma coleo da Funda-o Sartirana de Arte, da Itlia, e teve uma boa repercusso entre o pblico.

    A rotatividade de exposies e as atividades de pesquisa e de comunicao esto ainda se delineando nesse equipamento cultural, cuja equipe est em formao e bastante jovem, mas com vigor e disposio para novas ideias e estratgias em comunicao e educao.

    A fase de pr-produo da exposio de longa durao dedicou-se a um cuidadoso trabalho de planejamento desse novo espao museo-lgico para abrigar uma exposio de carter histrico-tecnolgico, com destaque para os temas da urbanizao e industrializao, da iluminao urbana e domstica, hbitos e

    costumes ligados ao uso da energia eltrica, ao consumo e eficincia energtica; sero apresentadas as principais fontes convencio-nais e alternativas, bem como as tendncias futuras relacionadas ao uso da energia. Esse espao ter, portanto, representatividade na explorao da histria e nfase num dos temas candentes da atualidade: a energia.

    Criar um equipamento museolgico que fundamenta esse tema universalmente to importante significa projetar que o Museu da Energia se torne um espao de contato e de encontro com discusses sobre alternati-vas energticas e ambientais e que seja um espao para a pesquisa, a preservao e a comunicao do patrimnio cultural relacio-nado energia.

  • 48

    do cidado quanto ao uso responsvel dos recursos energticos;

    Incentivar as relaes com instituies e comunidades do entorno, empresas, escolas, centros de pesquisa e universidades.

    2.4 Pblico-alvo

    De acordo com o Programa Educativo desenvol-vido para o Museu da Energia de So Paulo,64 o pblico mais organizado que solicita visitas monitoradas aos museus o escolar. As pesqui-sas tm evidenciado que cada vez mais a escola se torna o ator mais importante para trazer o pblico infanto-juvenil aos museus, uma vez que as famlias muitas vezes no frequentam museus e/ou j delegaram escola essa funo.

    Atualmente, a maior parte dos museus oferece algum tipo de atendimento voltado s esco-las, como visitas guiadas/monitoradas, cursos e fornecimento de materiais didticos para professores, entre outros.

    O Museu da Energia de So Paulo dever preocupar-se com o atendimento do pblico escolar conferindo especial ateno aos alunos das escolas pblicas, tradicionalmente carentes de atividades extraescolares.

    2.2 Misso do Museu da Energia de So Paulo

    A misso do Museu da Energia de So Paulo elaborar, fomentar e executar aes na rede de museus da Fundao Energia e Saneamento por meio da pesquisa, preservao e divulgao do acervo documental, museolgico e histrico do setor energtico do estado de So Paulo, buscando valorizar esse patrimnio e con-tribuir para a gerao de educao e cultura junto sociedade.

    2.3 Objetivos

    Como iniciativa articulada misso da Fundao Energia e Saneamento e aos seus objetivos institucionais, a implantao do Museu da Energia de So Paulo tem os se-guintes objetivos.63

    Atuar em rede, buscando consolidar a mis-so da Fundao Energia e Saneamento de forma ampla, estratgica e uniforme;

    Pesquisar, preservar e difundir o patrim-nio sob a guarda da Fundao Energia e Saneamento fomentando a popularizao e apropriao da cincia e da tecnologia e valorizando os mltiplos aspectos cientficos, culturais e naturais do acervo;

    Ressaltar a importncia do tema energia de forma a sensibilizar o visitante quanto importncia da preservao da memria do setor energtico e estimular o protagonismo

    63 A misso e os objetivos do Museu da Energia de So Pau-lo aqui expostos esto atuali-zados de acordo com o plano museolgico revisado pela equipe interna em 2008.

    64 Uma primeira verso do Pro-grama Educativo foi desen-volvido, em parte, por Adriana Mortara de Almeida (reconhe-cida especialista em comunica-o e avaliao de museus que participou no Grupo Curatorial da Exposio de Longa Dura-o do Museu da Energia de So Paulo); quando citarmos Programa Educativo, esta-remos fazendo meno a essa primeira verso, pois a defini-tiva ainda est sendo desen-volvida pela equipe tcnica da Fundao.

    49

  • Especialistas, engenheiros e participantes de seminriosSero oferecidas visitas monitoradas aos parti-cipantes de seminrios que estejam na cidade, eventualmente nas prprias dependncias da Fundao Energia e Saneamento. Essas visitas podero apresentar uma viso geral da exposi-o, assim como focar algum tema relacionado ao evento ou ao interesse especfico de cada grupo. Uma relao de possveis temas ser elaborada pela rea de Educao para que esta se prepare com antecedncia.

    Funcionrios das empresas de energia no especializadosA rea de Educao dever preparar, para os funcionrios das empresas energticas e afins, visitas monitoradas previamente agendadas e, assim como no caso do pblico escolar, essas visitas podero abarcar toda a exposio ou ser organizadas por mdulos ou temas, de acordo com o perfil e interesses dos grupos.

    Famlias de funcionrios das empresas de energiaAs famlias dos funcionrios das empresas energticas e afins devero ser convidadas para visitas monitoradas ao Museu da Ener-gia, por intermdio das reas de Recursos Humanos das empresas, sindicatos, associa-es etc. Essas visitas sero planejadas de forma a contemplar as diferentes idades dos participantes, dando um carter mais ldico e integrador ao grupo.

    2.4.1 Pblico escolar

    O pblico escolar composto por alunos, pro-fessores e coordenadores de instituies esco-lares de Ensino Fundamental, Mdio e Superior. A Exposio de Longa Durao do Museu da Energia ter sua linguagem voltada a faixas de escolaridade acima do 6 ano (antiga 5 srie) do Ensino Fundamental. Entretanto, como o museu pode ser procurado por escolares de menor faixa etria, a rea de Educao do Museu da Energia deve estar preparada para adequar a visita ao perfil desses visitantes.

    Professores e alunos das escolas tcnicas podero compor um pblico numeroso do Museu da Ener-gia que, a partir de uma discusso conjunta da rea de educao com os professores, dever de-senvolver programas especficos para atend-lo.

    2.4.2 Pblico de negcios

    O Museu da Energia de So Paulo tem sido procurado por participantes de congressos e seminrios da rea de energia, assim como por funcionrios de empresas energticas e afins (produtoras de peas, equipamentos, maquinrios etc.).

    Planeja-se que a rea de Educao desenvol-va programas contnuos voltados para esse pblico, procurando adequ-los ao seu perfil, interesses e disponibilidade de tempo.

  • 50

    tumam ser atendidos em pequenos grupos vindos de instituies especializadas no seu atendimento: escolas, abrigos e associaes de amigos, entre outras.

    A rea de Educao chamar especialistas para desenvolver projetos de atendimento e materiais especficos para esses pblicos, alm de se responsabilizar pela orientao do setor educativo do Museu da Energia. Conforme o programa se consolide, devero ser realizados contatos visando formao de voluntrios e obteno de apoios financeiros que possam garantir a continuidade dessas atividades.

    2.4.5 Outros pblicos

    Entre os outros pblicos aqui includos esto os grupos de terceira idade, grupos de turistas formados para visitas aos bairros da regio e grupos de pessoas normalmente marginaliza-das das instituies