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I. INTRODUÇÃO ___________________________________________ * Jurista do Departamento de Supervisão de Intermediários Financeiros da CMVM e assistente estagiária da FDUL. DA (IR)IRELEVÂNCIA DA FORMA DE REPRESENTAÇÃO PARA EFEITOS DE TRANSMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS ISABEL VIDAL* Com o desenvolvimento tecnológico e in- formático em geral, a criação de sistemas de negociação dotados de maior automati- cidade, a importância conferida a opera- ções plurilocalizadas (denominadas opera- ções de cross border), onde o factor de efi- ciência e competitividade dos sistemas per- mite e determina a escolha do mercado a integrar por parte de intermediário finan- ceiro autorizado para o efeito e junto do qual as emitentes se procuram financiar, impõe-se, cada vez mais, analisar em que medida institutos tradicionalmente associa- dos à materialização da riqueza para efei- tos de circulação ainda mantêm a sua fun- ção e utilidade. Naturalmente que, no âm- bito destes institutos destaca-se com parti- cular acuidade a forma de representação dos valores mobiliários. Importa, nessa medida, averiguar até que ponto os sistemas de transmissão de valores mobiliários concebidos no ordenamento ju- rídico português se coadunam e têm em atenção a forma de representação dos valo- res deliberada pela respectiva emitente. Procuraremos ao longo do presente tex- to demonstrar que esta articulação se man- tém cada vez mais em termos ténues, pon- tuais e esporádicos, atendendo sobretudo a outros factores que se prendem com o con- trolo, a segurança e o acesso por parte dos investidores ao mercado onde se encon- tram a ser negociados os valores mobiliá- rios e que se materializam nos sistemas de registo ou depósito consagrados na lei. Ve- remos em que medida este regime condi- ciona o sistema de transmissão de valores mobiliários, parecendo tornar indiferente a forma de representação dos valores mobi- liários objecto dessa transmissão. A razão inerente à escolha do tema em apreço prende-se não tanto pela novidade do mesmo, mas acima de tudo pela sua im- portância no âmbito do direito dos valores mobiliários, por alguma falta de tratamen- to que a doutrina tem demonstrado em es- pecial quanto a este princípio e principal- mente pela amplitude e destaque que lhe é conferido pelo Código dos Valores Mobi- liários. Em termos metodológicos, procurare- mos enunciar em primeira linha o regime inerente à forma de representação de valo- res mobiliários, seguido da clarificação das regras sobre o sistema de registo e depósito que se lhe encontra associado. Tendo como pano de fundo o regime traçado, procura- remos subsequentemente debruçarmo-nos

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I. INTRODUÇÃO

___________________________________________

* Jurista do Departamento de Supervisão de Intermediários Financeiros da CMVM e assistente estagiária da FDUL.

DA (IR)IRELEVÂNCIA DA FORMA DE REPRESENTAÇÃO

PARA EFEITOS DE TRANSMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS

ISABEL VIDAL*

Com o desenvolvimento tecnológico e in-formático em geral, a criação de sistemasde negociação dotados de maior automati-cidade, a importância conferida a opera-ções plurilocalizadas (denominadas opera-ções de cross border), onde o factor de efi-ciência e competitividade dos sistemas per-mite e determina a escolha do mercado aintegrar por parte de intermediário finan-ceiro autorizado para o efeito e junto doqual as emitentes se procuram financiar,impõe-se, cada vez mais, analisar em quemedida institutos tradicionalmente associa-dos à materialização da riqueza para efei-tos de circulação ainda mantêm a sua fun-ção e utilidade. Naturalmente que, no âm-bito destes institutos destaca-se com parti-cular acuidade a forma de representaçãodos valores mobiliários.

Importa, nessa medida, averiguar até queponto os sistemas de transmissão de valoresmobiliários concebidos no ordenamento ju-rídico português se coadunam e têm ematenção a forma de representação dos valo-res deliberada pela respectiva emitente.

Procuraremos ao longo do presente tex-to demonstrar que esta articulação se man-tém cada vez mais em termos ténues, pon-tuais e esporádicos, atendendo sobretudo a

outros factores que se prendem com o con-trolo, a segurança e o acesso por parte dosinvestidores ao mercado onde se encon-tram a ser negociados os valores mobiliá-rios e que se materializam nos sistemas deregisto ou depósito consagrados na lei. Ve-remos em que medida este regime condi-ciona o sistema de transmissão de valoresmobiliários, parecendo tornar indiferente aforma de representação dos valores mobi-liários objecto dessa transmissão.

A razão inerente à escolha do tema emapreço prende-se não tanto pela novidadedo mesmo, mas acima de tudo pela sua im-portância no âmbito do direito dos valoresmobiliários, por alguma falta de tratamen-to que a doutrina tem demonstrado em es-pecial quanto a este princípio e principal-mente pela amplitude e destaque que lhe éconferido pelo Código dos Valores Mobi-liários.

Em termos metodológicos, procurare-mos enunciar em primeira linha o regimeinerente à forma de representação de valo-res mobiliários, seguido da clarificação dasregras sobre o sistema de registo e depósitoque se lhe encontra associado. Tendo comopano de fundo o regime traçado, procura-remos subsequentemente debruçarmo-nos

sobre o sistema de transmissão de valoresmobiliários, tendo em vista retirar conclu-sões da análise de todo este elenco de maté-rias no que toca à eventual (ir)relevância da

forma de representação deliberada pelaemitente para efeitos de transmissão de va-lores mobiliários sujeitos a um regime deregisto ou depósito centralizado.

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1 Vide “Valores Mobiliários Escriturais ...”, ob cit., pág. 73.2 Veja-se “Valor Mobiliário e Título de Crédito” in “Direito dos Valores Mobiliários”, Lisboa, 1997, pág. 27.3 Carlos Ferreira de Almeida, “Desmaterialização dos Títulos de Crédito: Valores Mobiliários Escriturais”, Revis-ta da Banca n.º 26, Abril/Junho de 1993.

II. DA FORMA DE REPRESENTAÇÃO

1. Da desmaterialização dos valores mobi-liários

1.1. Perspectiva históricaI – Questão vastamente explorada e es-

grimida na doutrina é a inerente à evoluçãodas diversas formas de representação dostítulos de crédito, em geral, e dos valoresmobiliários, em especial. Como refereAmadeu Ferreira, trata-se de uma evolu-ção que se insere no âmbito de um proces-so há muito iniciado e que ainda não ter-minou.1

Na maior parte dos ordenamentos jurí-dicos consubstancia uma evolução que sereporta à necessidade inicialmente sentidapelo Estado de alcançar um mercado de ca-pitais ágil e desenvolvido que permitisseobter uma eficaz colocação de valores mo-biliários representativos de dívida públicae, dessa forma, um mais eficiente financi-mento do próprio Estado. Deste destaqueessencial, e num primeiro momento de ca-rácter essencialmente público, passou-separa uma perspectiva mais ampla de finan-ciamento das empresas em geral e dos pró-prios investidores.

Subjacente a esta evolução e concreta-mente à desmaterialização encontram-se asmais variadas motivações, as quais se pren-dem, desde logo, com questões inerentes ao

controlo da tributação a que se encontramsujeitas as várias operações realizadas sobreesses valores mobiliários. Repara-se que,não existindo ao tempo um qualquer siste-ma de registo ou depósito centralizado des-ses valores, dificilmente se poderia desen-volver um sistema eficiente de supervisãosobre as operações realizadas e, consequen-temente, uma tributação devida por essasoperações. Paralelamente, poder-se-ão in-vocar razões de celeridade na circulação devalores mobiliários, onerosidade na emis-são, custódia, manuseamento e transportedos títulos, bem como a necessidade de fa-zer prova da titularidade sobre uma deter-minada carteira de valores.

II – O processo de desmaterialização foialvo de várias etapas ou graus: consubstan-ciando o direito subjectivo, como refereOliveira Ascensão, um mero juízo de rela-ção, uma realidade intangível, procurou-separa obviar às dificuldades que esse carácterincorpóreo trazia, no que respeita à circulaçãodos direitos e à respectiva prova, criar-se os tí-tulos de crédito,2 que incorporam documen-talmente todo um conjunto de direitos. En-tão, a assinatura e o correio serviam a simpli-cidade e a celeridade da circulação; o cofre-forte garantia a segurança na armazenagemdos valores.3

Contudo, com a proliferação da quanti-dade de títulos de crédito, o correio passoua ser encarado como um veículo de circula-ção muito lento que não satisfazia as neces-sidades dos nossos dias; a acumulação de tí-tulos tornou-se insuportável e os custos ine-rentes ao seu transporte e custódia passou aser encarado como excessivamente oneroso.Impunha-se uma alteração quanto à formade representação desses valores e respectivacirculação.4 Surgem, então, os denomina-dos certificados de depósito, titulando apropriedade sobre uma determinada quan-tidade de títulos depositados; depósito esseefectuado junto de instituições vocaciona-das para o efeito, e permitindo, com basenesse documento, o exercício dos direitosque lhe são inerentes. Desta forma, confe-rem-se aos títulos carácter meramente fun-gível, proporcionando-se, assim, a sua livrecirculação. Este depósito de valores, queinicialmente era encarado como meramen-te facultativo, passa a dotar-se de algumavinculação em face de determinadas cir-cunstâncias específicas, deixando, dessaforma, os títulos representativos de uma

determinada emissão de circular por simesmos em absoluto.

Paralelamente, começam a surgir os de-nominados títulos globais representativosde toda uma emissão, no âmbito dos quaisos respectivos subscritores passam a ser en-carados como comparticipantes nos valoresrepresentados por aquele documento.5 Depa-rado com este panorama de depósito obri-gatório e emissão de jumbo certificates cons-tata-se que, efectivamente, o que circulanão é o título em si mesmo, mas sim a res-pectiva representação em conta.

Está dado o primeiro passo para a desin-corporação total do valor mobiliário, aban-donando-se o veículo que esteve na base dasua incorporação. Desta forma, começam asurgir valores mobiliários cuja forma de re-presentação é meramente escritural, trans-mitindo-se através dos denominados regis-tos em conta, junto dos quais se encontram“materializados”. Trata-se de uma evolu-ção que atinge o seu ponto culminante noordenamento jurídico francês onde actual-mente se encontra proíbida outra forma derepresentação que não a escritural.6/7

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4 “La masificatión de títulos en el mercado y el frenesí de su circulación comienzan, en efecto, a generar disecono-mías de escala determinando el crecimiento geométrico de los costes administrativos de la incorporación. El resul-tado es lo que gráficamente se há denominado paper crunch. Esta circunstancia, unida a la aparición y difusión desistemas de tratamiento de la información más rápidos y económicos, desencadenará el fenómeno de la desincor-poración de los títulos-valor” , Don Cándido Paz-Ares, “La Desincorporacion de los Títulos-Valor. El marco con-ceptual de las anotaciones en cuenta”, in “El Nuevo Mercado de valores, Seminário que teve lugar nos dias 20 e 21de Fevereiro de 1995, pág. 88.5 Oliveira Ascensão, ob. Cit., pág. 28.6 Em termos de direito comparado, a origem destes sistemas reporta-se à prática bancária alemã, a partir da qualse estende a todos os sistemas continentais, nomeadamente em França na qual se dá origem a criação da Sicovamem 4 de Agosto de 1949, na Bélgica em 1967, na Itália em 1986 onde tem lugar a criação do Monte Titoli S.p.a., emEspanha em 1974 e em Portugal em Setembro de 1991 a criação da Central de Valores Mobiliários. A propósito dasfunções desempenhadas pela Sicovam, do carácter desmaterializado dos valores mobiliários em apreço, veja-seGaston Helie “Post – Marché et Valeures Mobilières”, La Revue Banque Editeur. Quanto à noção de valor mobi-liário e de instrumento financeiro no âmbito do ordenamento jurídico italiano, por comparação com o francês,veja-se Vicenzo Vitto Chionna “Le Origini della Nozione di Valore Mobiliare”, Rivista delle Societá, ano 44, 1999,Julho e Agosto de 1999, pág. 831.º ss. Sobre o conceito de valor mobiliário no direito francês, Philippe Goutey, “LaNotion de Valeur Mobilière”, Recueil Dalloz, n.º 21, Junho de 1999, pág. 226 a 230.7 Sobre as vantagens e desvantagens inerentes à instituição de um sistema de desmaterialização total dos valoresmobiliários, veja-se Pessoa Jorge in “Acções escriturais”, in O Direito, ano 121, I, 93-114, 1989, que na exposição demotivos apresentada ao projecto de diploma que introduz no ordenamento jurídico português os valores mobiliá-rios escriturais enuncia como principais vantagens, entre outras, uma maior comodidade que os escriturais con-

III – Em resumo, Amadeu Ferreira des-taca dois grandes momentos que importachamar à colação tendo em atenção a análi-se que nos propomos desenvolver. São eles:a desmaterialização da circulação e a des-materialização total.8

Com a desmaterialização da circulação, otítulo representativo do conjunto de posi-ções jurídicas nele incorporados continua asubsistir deixando, contudo, de circular.Trata-se de um sistema que pressupõe a cir-culação de um registo em conta que reflectea quantidade e o conteúdo dos títulos emiti-dos por uma determinada emitente, sendoque tais títulos se encontram sujeitos a umregime de depósito junto da própria emiten-te, de uma entidade centralizadora ou de en-tidades de custódia de títulos em geral. Des-ta forma, os valores circulam sem que sejaalterada a posse dos mesmos, ficando, assim,resolvida a questão inerente à dificuldade demanuseamento dos valores.9

Continuava, porém, a colocar-se o problemada emissão e armazenagem de grandes quanti-dades de títulos, o qual acaba por ser supera-do mediante a emissão dos denominados tí-

tulos globais, representativos de toda umaemissão. Dessa forma, constituía um títulosujeito necessariamente a depósito, permi-tindo e implicando, nessa medida, a circula-ção de documentos ou certidões representa-tivas da posição jurídica de cada accionista.10

A desmaterialização total, desenvolvidainicialmente junto do ordenamento jurídi-co francês11 e que serviu de inspiração a vá-rias reformas operadas posteriormente jun-to de muitos outros ordenamentos jurídi-cos,12 pressupõe que a constituição do pró-prio valor mobiliário deixe de significar aemissão de títulos representativos do mes-mo e passe a constituir-se a partir do mo-mento da sua criação, mediante um registoem conta.13 Discutível é a questão de saberse esta representação através de registo emconta confere um carácter real ou quasereal dos valores mobiliários escriturais.14

1.2. Evolução no direito português

I – Como não poderia deixar de ser, oDireito Português reflecte em si mesmo a

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ferem aos seus accionistas, na medida em que o libertam do ónus de guardar os títulos e de os apresentar sempreque pretendam exercer algum direito; a possibilidade de alienação de qualquer número de acções sem que a mes-ma comporte um desdobramento ou divisão de títulos; uma diminuição de custos para o emitente, pois dispensa-oda impressão e distribuição dos títulos, para além de despesas inerentes à custódia dos mesmos por parte dos seustitulares e uma maior facilitação na liquidação de operações.8 Ob. Cit. Pág. 73.9 Não obstante, há pelo menos uma situação de alteração da posse aquando do depósito dos valores mobiliários jun-to de entidade centralizadora ou instituição vocacionada para o depósito dos títulos.10 Amadeu Ferreira, ob. cit., pág. 77. Trata-se de um instituto introduzido no ordenamento jurídico português peloCódigo dos Valores Mobiliários no seu art. 99.º, número 2, alínea b).11 Vide Décret n.º 83-359, de 2 de Maio de 1983.12 Nomeadamente em Espanha inicialmente concebida apenas para valores mobiliários representativos de dívidapública e posteriormente generalizada pela LVM de 1988.13 Como refere Osório de Castro em “Valores Mobiliários: Conceito e Espécies”, Porto, 1996, pág. 39: “O institutodos valores escriturais vem assumir com frontalidade a desmaterialização dos valores mobiliários, mediante a eliminaçãode toda a representação documental. Se os documentos representativos dos valores praticamente não jogam já nenhum pa-pel, não voltando sequer a ser compulsados pelos intermediários financeiros após o momento inicial do depósito parece in-dicado prescindir justamente dessa excrescência, a qual, sendo a todas as luzes inútil, nem por isso deixa de acarretar enor-mes e injustificáveis custos, ligados à respectiva impressão e guarda”.14 A este propósito vejam-se os comentários expendidos por Osório de Castro que sublinha que “a forma escrituralnão altera a natureza intrínseca do direito (...) visando apenas submeter o direito, nomeadamente quanto à sua transmis-são e imputação subjectiva, a regras jurídico-reais.” Ob. cit. Pág. 46.

mencionada evolução. Para o efeito cite-seo Decreto-Lei n.º 408/82, de 29 de Setem-bro que atendendo à modalidade de valormobiliário emitido – nominativo ou aoportador – consagra um sistema de registoou de depósito, ao qual a entidade emiten-te poderá sujeitar outros valores mobiliá-rios que não os constantes do artigo 1.º, nú-mero 1 e artigo 5.º, número 1, isto é, acçõesnominativas emitidas por sociedades anó-nimas ou em comandita por acções. Enun-cia-se, assim, pela primeira vez no ordena-mento jurídico português um sistema doregisto ou de depósito de valores mobiliá-rios ao qual se encontra inerente todo umregime de circulação desses valores e desanções de natureza contra-ordenacionaldecorrentes da violação das disposiçõesconstantes deste diploma.

O passo seguinte é conferido pelo Códi-go das Sociedades Comerciais, aprovadopelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de Setem-bro, o qual prevê também ele um regimeinerente à transmissão de valores mobiliá-rios registados ou depositados, sobrepondo--se em muitas matérias ao regime traçadopelo Decreto-Lei n.º 408/82, de 29 de Se-tembro.15

Posteriormente, em 1987, atente-se odisposto no Decreto-Lei n.º 210-A/87, de 27de Maio, relativo ao depósito de valoresmobiliários abrangidos pelo sistema de li-quidação de operações de bolsa,16 e, em1988, o Decreto-Lei n.º 229-D/88, de 4 deJulho que introduz no ordenamento jurídi-co português os valores mobiliários escritu-rais, considerando-os, nos termos dopreâmbulo ao mencionado diploma, como

requisito indispensável à dinamização do mer-cado de capitais. Institui-se pela primeiravez a possibilidade de proceder a um siste-ma de registo junto de outra entidade quenão a emitente (artigo 3.º, números 1 e 2 eartigo 4.º, número 2 do Decreto-Lei n.º229-D/88, de 4 de Julho).

Antes, já a 27 de Fevereiro de 1988, forapublicado em Diário da República o De-creto-Lei n.º 59/88 instituindo a obrigato-riedade de depósito dos títulos em institui-ções financeiras para efeitos da respectivatransacção em bolsa.

II – Todo este regime, no entanto, sofreprofunda transformação com a entrada emvigor do Código do Mercados dos ValoresMobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º142-A/91, de 10 de Abril. Neste diplomainstitui-se a possibilidade de, paralelamen-te a um registo de emissão realizado juntoda emitente dos títulos, um sistema de re-gisto ou depósito de titularidade centraliza-do que reflecte, a todo o momento, a quan-tidade de títulos em circulação e integran-tes das contas dos diversos intermediáriosfinanceiros participantes desse sistema, ga-rantindo-se, dessa forma e a todo o mo-mento, o controlo entre a quantidade de tí-tulos emitidos e a quantidade de valoresmobiliários em circulação.

Com esse depósito não se transfere parao depositário a titularidade sobre os valoresmobiliários, antes se institui um regime defungibilidade dos títulos em causa. Assim,e como refere Osório de Castro, “A fungibi-lidade prevista nesta sede consiste, basilarmen-te, na estatuição de que o depositário dos títu-

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15 Sobre a forma de delimitação do regime aplicar entre os mencionados diplomas veja-se Paula Costa e Silva in“Transmissão de Valores Mobiliários Fora de Mercado Secundário”, in “Direito dos Valores Mobiliários”, VolumeI, Coimbra Editora, 1999, págs. 217 a 252. Sobre a mesma matéria veja-se Oliveira Ascensão, ob. cit. Págs. 29 e 30.16 Elucidativo da evolução em Portugal desta matéria sobre a desmaterialização é o próprio preâmbulo subjacentea este diploma, o qual enuncia “O crescimento das transacções efectuadas nas Bolsas de Valores de Lisboa e do Porto veiorevelar a inadequação do mecanismo de circulação dos títulos, pois que, devido à sua grande quantidade e ao sistema uti-lizado, o prazo de liquidação das operações, que deve ser curto, se mostra difícil de cumprir”.

los (sendo ele um dos intermediários referidosno art. 87.º) não está obrigado a guardá-los emseparado – impedindo a sua confusão com ou-tros, de conteúdo idêntico – nem tem de entre-gar ao depositante, aquando da cessação do de-pósito, os específicos títulos recebidos, podendorestituir quaisquer uns”.17

Evidente em todo o regime subsumível aeste diploma é, no entanto, o claro incenti-vo dele decorrente em favor da escriturali-dade dos valores emitidos, manifestado,nomeadamente, no limite das circunstân-cias que legitimam a possibilidade de con-versão da forma escritural em titulada (ar-tigo 48.º, número 1 e artigo 72.º). Conse-quentemente, vários são os mecanismosconsignados com o objectivo de incentivara assunção da forma escritural dos valoresmobiliários. Veja-se a este propósito o dis-posto no número 2 do artigo 48.º, que ad-mite a possibilidade de conversão da formatitulada em escritural desde que simples-mente os estatutos ou a lei orgânica da emi-tente não o proíbam e a conversão abranjaa totalidade da emissão; o artigo 49.º queadmite a possibilidade de em certos casos sepoder impor a forma de representação es-critural; o artigo 50.º que facilita a alteraçãodo contrato social por forma a permitir aemissão de valores escriturais; o artigo 51.ºquanto ao processamento e custos das con-versões de escriturais em titulados e a con-sideração do regime dos valores escrituraiscomo regime regra para os valores tituladosdepositados em sistema centralizado.18

III – Em face do Código dos ValoresMobiliários realiza-se uma equiparaçãofuncional entre as duas formas de represen-

tação mencionadas, com manifestações cla-ras ao nível do princípio da liberdade de es-colha por parte da emitente quanto à formade representação dos valores mobiliários deuma determinada emissão, bem como daliberdade de conversão da mencionada for-ma de representação, prevista no artigo 48.ºdo Código dos Valores Mobiliários. Reti-ram-se os mecanismos que no Código ante-rior claramente indiciavam uma preferên-cia do legislador pela escrituralidade dosvalores; passa-se a assumir como indiferen-te a opção que a emitente tome sobre a for-ma de representação dos valores mobiliá-rios que emita, chamando-se apenas a aten-ção para o regime que, em face de outrosfactores como a negociabilidade desses títu-los em mercado regulamentado, se reper-cutirão sobre o sistema de circulação dosvalores mobiliários, sem que, desde logo eem primeira linha, se tenha em atenção asua representação.

Perante a constatação de que também odepósito de valores mobiliários é passívelde tornar o sistema oneroso, dados os custoscobrados pela entidade centralizadora des-se depósito, os quais reflectem eles própriosas comissões suportadas junto de institui-ções prestadoras de serviços de custódia(IPSC), e que o regime inerente à titulari-zação em si mesmo não apresentava gran-des especificidades, comparativamentecom os escriturais, levou a que o legisladordecidisse tratar ambas as formas de repre-sentação em termos equitativos, não se vis-lumbrando, de forma tão evidente, quantoa que resultava do regime anterior, umapreferencia pela escrituralidade dos valoresmobiliários.

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17 Ob. cit., pág. 33 e 34.18 Quanto à delimitação das normas previstas para valores mobiliários titulados e escriturais, remissão de um regi-me para o outro e normas comuns inerentes a ambos veja-se Amadeu Ferreira “Valores Mobiliários Escriturais ...”,págs. 412 a 418.

2. Regime Actual

2.1. Princípios enformantes

De acordo com o artigo 46.º do Códigodos Valores Mobiliários, os valores mobiliá-rios são escriturais ou titulados, consoantesejam representados por registo em contaou por documento em papel.19 Vários sãoos princípios que enformam essa represen-tação, nomeadamente e desde logo:

– o princípio da liberdade de forma de re-presentação, segundo o qual a emitente des-ses valores mobiliários poderá livrementeoptar por uma emissão sob uma forma derepresentação escritural ou titulada. Mani-festação deste princípio geral é a regra daconvertibilidade de forma prevista no arti-go 48.º a 50.º do Código dos Valores Mobi-liários e a da equiparação ou equivalênciafuncional entre as diversas formas de re-presentação, como pretendemos demons-trar infra. Como medida da diferença deregime entre ambas as formas de represen-tação atente-se o disposto nos artigos 61.º ess. para os valores mobiliários escriturais eos artigos 95.º e ss para valores mobiliáriostitulados.

– o princípio da tipicidade, na medida emque o número 1 do artigo 46.º parece ape-nas admitir uma das duas formas de repre-sentação mencionada.

– o princípio da unidade de forma, no sen-tido que lhe é conferido pelo número 2 doartigo 46.º, isto é, os valores mobiliários queintegram a mesma emissão, ainda que rea-lizada por séries, devem obedecer a umamesma forma de representação, salvaguar-

dada a circunstância que se prende com apossibilidade de negociação no estrangeiro.Trata-se de um princípio geral insipienteque, como veremos, se justifica essencial-mente por razões de carácter histórico (ar-tigo 47.º, número 3 do Código do Mercadosdos Valores Mobiliários). A relevância daunidade de representação reflecte-se essen-cialmente em termos de negociação (artigo204.º, número 3); negociação essa que, sefor realizada em mercado, retira a funcio-nalidade subjacente ao próprio título. Nodemais, a noção de categoria ou de fungibi-lidade dos valores mobiliários, em nada pa-rece afectar-se pela diferença de represen-tação, uma vez que nestes institutos seatende ao conteúdo do valor mobiliário enão à sua materialização (artigo 45.º).20

2.2. Alteração da forma de representação

Assumindo os valores mobiliários, nomomento da sua génese, uma das formasde representação mencionadas, o Códigodos Valores Mobiliários admite que a mes-ma seja supervenientemente passível de al-teração por um acto de vontade da entida-de emitente ou, compulsivamente, em vir-tude da destruição ou perda da forma derepresentação.

No que toca à conversão da forma de re-presentação decidida por livre vontade daemitente, esta ocorre, em regra, mediantedeliberação dessa entidade, seguida de pu-blicação da decisão dando conta dessa in-tenção (cfr. art. 48.º).21

Já na circunstância de alteração da forma

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19 Sobre esta matéria no ordenamento jurídico espanhol veja-se Carlos Salinas Adelantado, “El Concepto de ValorNegociable”, Revista de Derecho Bancario Y Bursátil, Junho-Setembro de 1996, pág. 637-638. Quanto às inovaçõesintroduzidas pela reforma da LMV veja-se sobre o mesmo autor “La Reforma de la Ley del Mercado de Valores”,Valencia, 1999.20 Vide artigos 53.º e 77.º a 83.º do Código do Mercado dos Valores Mobiliários.21 Tratando-se de conversão de valores mobiliários titulados em escriturais, tal pressuporá que os títulos emitidossejam objecto de entrega à emitente ou de depósito junto da entidade, a qual procederá à inscrição em conta des-ses valores mobiliários. Pretende-se com esta actuação inutilizar estes títulos evitando-se, assim, uma duplicação de

de representação em virtude da sua des-truição ou perda, são dois os expedientesprevistos no Código dos Valores Mobiliá-rios que procuram fazer face a estas situa-ções: a reconstituição e a reforma da formade representação do valor mobiliário.

A reforma consubstancia um expedientejá previsto e admitido ao abrigo da legisla-ção anterior, limitando-se o Código dos Va-lores Mobiliários a reenviar, nesta matéria,para o regime previsto nos artigos 1069.º a1073.º do Código de Processo Civil. Pelocontrário, a reconstituição da forma de re-presentação, actualmente prevista no artigo51.º, constitui uma verdadeira inovação deregime, permitindo-se que extrajudicial-mente a entidade que tem a seu cargo o re-gisto ou depósito dos valores mobiliários,em conjugação com a emitente, recuperema forma de representação inicialmente deli-berada, mediante uma prévia e ampla di-vulgação e comunicação do respectivo pro-jecto, possibilitando a dedução de oposiçãopor parte de cada presumível titular, o queinclui a possibilidade destes requerem a re-forma judicial.

Importante no tema em análise é o regi-me subsumível ao número 5 do artigo 51.ºdo Código dos Valores Mobiliários, o qualprevendo a situação de destruição de todosos títulos que se encontrem em depósitocentralizado, permite que tal destruição dêlugar, não a uma recuperação da forma ini-cialmente deliberada através dos mecanis-mos de reforma ou reconstituição judicial,mas sim a uma conversão automática dessaforma de representação títulada para regis-tos em conta, passando, pois, tais valoresmobiliários a assumir uma forma de repre-sentação escritural.

Repara-se que, em desvio ao regime pre-visto para a conversão de forma de repre-sentação por acto de vontade da entidadeemitente, no caso de os valores mobiliáriosestarem integrados em sistema centraliza-do de valores e ocorrer, à margem da von-tade do emitente, a destruição ou perda dostítulos, o legislador configurou, como solu-ção a aplicar por regra, não a recuperaçãoda forma inicialmente deliberada – a formatitulada – mas sim a conversão desta formanuma outra, a escritural. A razão de serdesta solução legal só pode compreender-setendo em conta o seu circunscrito âmbitode aplicação: trata-se de estatuição só veri-ficável na presença de valores mobiliáriostitulados que se encontrem, obrigatória ouvoluntariamente, integrados em sistemacentralizado de valores e que circulam,pois, por aplicação do artigo 105.º do Códi-go dos Valores Mobiliários, mediante regis-tos em conta.

É esta uma situação que se revela signifi-cativa na análise da questão relativa à im-portância da forma de representação dosvalores mobiliários. Com efeito, os valoresmobiliários titulados objecto de integraçãoem sistema centralizado de valores reves-tem, num certo sentido, uma dupla formade representação, válida para efeitos dife-renciados: assumem a forma titulada, en-quanto resultante da deliberação do emi-tente e a forma escritural para efeitos detransmissão e circulação em mercado. Ora,é relevante que o legislador, para estes ca-sos, tenha considerado a forma de repre-sentação com base na qual os valores setransmitem e circulam – a escritural –como sobreponível à inicialmente delibera-da pelo emitente, de tal forma que, se todos

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formas de representação e toda a oneração inerente ao seu depósito e custódia que na situação em apreço não se jus-tifica, exactamente por força da conversão. O legislador configurou, para essa inutilização, a necessidade de umprazo ao qual conferiu a natureza de requisito de eficácia da própria conversão. Repare-se como só decorrido o pra-zo de entrega ou de depósito dos títulos fixado pelo emitente se procederá à inscrição em conta dos valores já emi-tidos, isto é, à conversão.

os títulos se perderem ou destruírem, semque os registos correspondentes tenhamsido afectados, estes mesmos registos pas-sam a constituir, para todos os efeitos, anova forma de representação daqueles va-lores mobiliários.22

O exposto não prejudica, naturalmente,o princípio segundo a qual a escolha da for-ma de representação dos valores mobiliá-rios emana da autonomia decisória do emi-tente, assim se compreendendo que o legis-lador não tenha deixado de salvaguardar apossibilidade de essa entidade se opor àconversão atípica mediante requerimentoda reforma judicial dos títulos.23

Em resumo, trata-se de uma opção legis-lativa de carácter supletivo que só se com-preende dado o regime aplicável a estes va-lores mobiliários, por força do artigo 105.ºdo Código dos Valores Mobiliários, e quedenota a equivalência e a indiferença daforma de representação supra mencionadae que infra demonstraremos.

2.3. Do direito representado ou da repre-sentação do direito

Questão bastante discutida doutrinaria-mente e conexa com a forma de representa-ção prende-se com o apurar se o valor mo-biliário consubstancia antes de mais um di-reito representado ou, pelo contrário, a re-presentação de um direito.24

Apesar desta nos parecer uma discussãoainda não resolvida em face do Código dosValores Mobiliários, o certo é que este di-ploma parecendo reconhecer a existênciado direito que se encontra subjacente ao va-lor mobiliário, fá-lo depender do própriotítulo ou da sua representação através deregisto em conta. Desta forma, até à reu-nião de uma das mencionadas formas derepresentação – o que sucede depois depreenchidas as formalidades próprias dacriação de cada tipo de valor mobiliários,como dispõe o artigo 47.º – parece que te-ríamos um direito de crédito, um conjunto

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22 Já em sentido contrário, da destruição dos registos em conta materializantes da posição jurídica de cada titular,não encontramos qualquer norma similar à do número 5 do artigo 51.º. Pelo contrário, em face desta eventualida-de o legislador opta por fazer impender sobre a entidade registadora mecanismos de segurança que atentem estascircunstâncias (artigo 65.º, número 2).23 Desta forma, e ao contrário do regime subjacente à reforma e reconstituição dos títulos, na situação prevista nonúmero 5 do artigo 51.º a iniciativa dessa conversão não pertence à emitente desses valores mobiliários.24 São vários os argumentos deduzidos a favor de uma e outra posição. Osório de Castro a propósito da explanaçãoque realiza sobre a acção afirma expressamente que: “ ... o surgimento das acções como posições de socialidade precedea sua incorporação em títulos ou a sua representação escritural. Assim, por ex., as acções vêm à existência logo na data doregisto do contrato de sociedade ou da outorga da escritura do aumento de capital social (artigo 88.º do Código das Socie-dades Comerciais), embora a emissão dos títulos ou a inscrição em contas representativas apenas tenha lugar em momen-to ulterior e esteja até interditada, no caso de acções emergentes de um aumento do capital social, antes que o aumento sejalevado a registo (artigo 304.º, n.º 6 do Código das Sociedades Comerciais)”, ob. Cit. Pág. 76. Da mesma forma Oli-veira Ascensão, “Valor Mobiliário e Título de Crédito”, pág. 33. Em sentido contrário veja-se Paulo Câmara,“Emissão e Subscrição de Valores Mobiliários”, pág. 234 que expressamente se pronuncia no sentido de que “Nãose julga, em suma, vigorar entre nós um princípio geral de tipicidade de valores mobiliários. Esta conclusão, que à partidapareceria ousada, é afinal confrontada com a inexistência de entraves normativos à atipicidade, sendo também confirmadapositivamente com uma disciplina mobiliária que, em termos sistemáticos e em termos substanciais, se mostra ajustada àregulação de valores mobiliários atípicos”. e Amadeu Ferreira, ob cit., pág. 20 a 24 “Este é um problema tradicional-mente debatido entre nós, a propósito da tipicidade dos títulos de crédito, em regra afirmada pela doutrina, nomeadamentepartindo da qualificação desses títulos como negócios jurídicos unilaterais, sujeitos por lei ao princípio da tipicidade. A acei-tarmos este princípio, a inovação financeira, pela via da diversificação dos valores mobiliários, estaria fortemente limitadaentre nós, com sérios prejuízos ao nível do financiamento das empresas e da intervenção dos investidores.”

de posições jurídicas activas já embuídas deuma determinada homogeneidade, masainda não dotadas da capacidade de circu-lação para efeitos de distribuição junto dopúblico, a qual só surgiria com o própriovalor mobiliário, com a sua representaçãoem conta ou com a sua materialização emtítulo. Depondo neste sentido, está o enten-dimento já defendido na doutrina portu-guesa segundo o qual, no processo genéticodos valores mobiliários, e destinando-se es-tes à distribuição pelo público através, porexemplo, de uma oferta pública de subscri-ção de valores, é possível, após ser dadauma ordem de subscrição, transmitir-seimediatamente a um terceiro a posição ju-rídica activa que, desde a subscrição, seconstituiu na esfera jurídica dos subscrito-res. Com efeito, a referida transmissão nãoestá impedida pelo facto de essa posição ac-tiva não consubstanciar ainda um valormobiliário, dado que nem os títulos, nem osregistos em conta, se encontram ainda rea-lizados. Questão interessante é a de sabercomo se transmitem tais posições, devendoaqui fazer-se apelo às regras gerais da ces-são da posição contratual constantes do Có-digo Civil (artigo 424.º).

Para se entender a amplitude do institu-to do valor mobiliário há, assim, que aten-der tanto à vertente formal, como à subs-tantiva do valor mobiliário; o valor mobi-liário pressupõe necessariamente um docu-mento, pressupõe uma forma de represen-tação, mas esta acaba por ser instrumentalem face do conjunto de posições jurídicasque encerra. Desta forma, apenas se conce-be a criação, a existência de valor mobiliá-rio quando se conciliem em termos subs-tantivos um conjunto de posições jurídicasmaterializadas através de um documento,de uma forma de representação. Antes des-sa materialização, não se vislumbrando aexistência desse valor mobiliário, não serápossível a aplicação do regime inerente aeste instituto, nomeadamente o da trans-missão de valores mobiliários.

De igual modo, aplicando o mesmoraciocínio, também não teremos valor mo-biliário mediante a simples reunião de umaforma, sem que subjacente à mesma ounela se incorporem um conjunto de posi-ções jurídicas dotadas da homogeneidade ecaracterísticas a que faz apelo o número 2do artigo 1.º do Código dos Valores Mobi-liários.

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III. DO REGISTO OU DEPÓSITO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Determinante na análise do regime detransmissão dos valores mobiliários em ge-ral e, em particular, do princípio que nospropomos demonstrar de (ir)relevância daforma de representação para efeitos detransmissão de valores mobiliários é não sóo apuramento da forma de representaçãodo valor mobiliário, mas também o regimede registo ou depósito que se lhe encontrainerente.

Nesta matéria o Código dos Valores Mo-biliários reflecte importantes alterações

face ao regime constante do Código doMercados dos Valores Mobiliários. Veja-mos em termos sucintos e esquematica-mente o sistema delineado pelo novo Códi-go dos Valores Mobiliários.

1. Do registo ou depósito centralizado

I – Cumpre distinguir, antes de mais, oregisto de emissão, do registo de titularida-de. De acordo com o artigo 43.º do Código

dos Valores Mobiliários, “a emissão de valo-res mobiliários que não tenham sido destaca-dos de outros valores mobiliários está sujeita aregisto junto da emitente”; registo esse quedeve reunir o conteúdo constante do artigo44.º, número 1 do Código dos Valores Mo-biliários. Paralelamente a este registo deemissão, o Código dos Valores Mobiliáriospronuncia-se, na perspectiva do registo detitularidade, no sentido de vincular deter-minados valores mobiliários a um sistemacentralizado de registo ou depósito. Nessamedida, dispõe o artigo 62.º que “são obri-gatoriamente integrados em sistema centrali-zado os valores mobiliários escriturais admiti-dos à negociação em mercado”. Da mesmaforma, veja-se o artigo 99.º, número 2, alí-nea a) para valores mobiliários titulados.Da articulação destes dois preceitos retira-se a conclusão de que, tratando-se de valo-res mobiliários admitidos à negociação emmercado regulamentado, na acepção cons-tante do artigo 200.º do Código dos ValoresMobiliários, os mesmos encontram-se ne-cessariamente sujeitos a um sistema de re-gisto ou depósito centralizado, consoante aforma de representação que os valores mo-biliários em questão assumam.

A ratio inerente a este regime prende-se,

por um lado, com todas as razões invocadase subjacentes à evolução e aos diversosgraus de desmaterialização dos valores mo-biliários e, por outro lado, com a forma, aceleridade e a natureza dos mercados regu-lamentados que, pela sua regularidade defuncionamento e pela quantidade de tran-sacções nele efectuadas, são caracterizadoscomo mercados de massa.

A par deste sistema obrigatório de regis-to ou depósito centralizado de valores mo-biliários o regime subjacente ao Código dosValores Mobiliários admite, naturalmente,que uma emitente não vinculada a essa in-tegração possa voluntariamente submeteros seus valores mobiliários a este regime.

II – Em termos estruturais, estes siste-mas centralizados de valores mobiliáriossão, como resulta do artigo 88.º, número 1do Código dos Valores Mobiliários e do ar-tigo 105.º do mesmo diploma, formadospor conjuntos interligados de contas, atra-vés das quais se processa a constituição25 e atransferência dos valores mobiliários neleintegrados,26 assegurando-se, dessa forma,o controlo de quantidade27/28 dos valoresmobiliários em circulação, bem como os di-reitos sobre eles constituídos.29

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25 Artigos 73.º, número 1 e 88.º, número 1 do Código dos Valores Mobiliários.26 Vide artigo 71.º do Código dos Valores Mobiliários.27 Vide artigo 92.º do Código dos Valores Mobiliários.28 Controlo da quantidade dos valores mobiliários emitidos e da categoria dos valores que se encontram em circu-lação. Através de um sistema centralizado que reflecte o conteúdo da conta de emissão aberta junto da entidadeemitente e que espelha o conteúdo das contas abertas nos diversos intermediários financeiros que prestam o servi-ço de registo de titularidade desses valores, a entidade gestora daquele sistema consegue garantir, em cada mo-mento, não apenas que a quantidade dos valores em circulação e detidos em cada uma das contas dos seus partici-pantes corresponde à quantidade emitida, como, inclusive, também que a situação jurídica inerente a esses mesmosvalores corresponde ao conteúdo que lhes foi conferido pela entidade emitente, apurando se os mesmos estão ounão sujeitos a bloqueio, por alguma das razões previstas no artigo 72.º, ou se foram objecto de constituição de ga-rantia a favor de alguém ou de alguma operação.29 De forma necessariamente conexa com a função de controlo, os sistemas centralizados desempenham uma fun-ção também ela de segurança. Segurança na quantidade dos valores mobiliários em circulação, segurança no exer-cício dos direitos inerentes a esse valores e segurança no sentido de reflectirem a situação jurídica dos valores emi-tidos e passíveis de negociação. Consequentemente, tendo como suporte esta função, o número 2 do artigo 65.º dis-põe no sentido de impender sobre a entidade gestora desse sistema centralizado a obrigação de utilizar meios de se-

A entidade gestora deste sistema no âm-bito do ordenamento jurídico português,actualmente, é a Interbolsa – SociedadeGestora de Sistemas de Liquidação e deSistemas Centralizados de Valores Mobi-liários, S.A., dotada de natureza societária,objecto de transformação ao abrigo do dis-posto no artigo 37.º, número 2 do Decreto-Lei n.º 394/99, de 13 de Outubro e da Por-taria n.º 1194-A/99, de 8 de Novembro.30

Note-se, contudo, que o Código dos Va-lores Mobiliários, ao contrário do que dis-

punha o Código do Mercados dos ValoresMobiliários,31 admite a possibilidade desubsistência de mais do que uma entidadegestora de registo centralizado de valoresmobiliários, desde que constituídas ao abri-go “... dos requisitos fixados em lei especial”.Nessa medida, veja-se a tramitação ineren-te ao processo de autorização e registo deli-neado no Decreto-Lei n.º 394/99, de 13 deOutubro.32/33

Em termos classificativos, este sistemacentralizado de registo ou depósito poderá

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gurança adequados ao suporte informático da forma de representação dos valores em causa, nomeadamente o deutilizar cópias de segurança desses registos que deverão ser guardadas e mantidas em local distinto dos registos. Finalmente, uma importante função de facilitar o acesso por parte dos investidores ao mercado. Pressupondo o siste-ma centralizado uma ramificação, uma pluralidade de contas junto dos diversos intermediários financeiros parti-cipantes nesse sistema, necessariamente qualquer investidor que vise efectuar uma operação, registar um facto ouexercer os seus direitos, não necessitará para o efeito de se deslocar junto da sede da emitente em apreço, bastandodirigir-se ao intermediário financeiro junto do qual tem a sua conta de titularidade, o qual, por sua vez, faz reflec-tir os movimentos gerados pela transferência de contas a movimentar junto da entidade de registo e controlo. Tra-ta-se, sem dúvida, de uma função com características muito importantes e claramente imprescindível em face datão invocada globalização e internacionalização dos mercados ou sequer da deslocalização das contas de registo deemissão e de titularidade.30 Trata-se de um processo de transformação que visou não apenas uma alteração da natureza jurídica da entidadeque em Portugal se propõe prestar estes serviços mas, inclusive, autonomizar, de um ponto de vista legal, adminis-trativo, contabilístico e de responsabilidade, por um lado o serviço de registo e controlo de valores mobiliários e, poroutro lado, de liquidação de operações que tenham subjacente esses mesmos valores. Tradicionalmente, esta era umadistinção que apenas relevava em termos legais, mas onde não se descortinavam mecanismos que permitissem auto-nomizar cada um destes serviços, responsabilizando-se por qualquer dano a instituição como um todo (Vide artigo481.º e artigo 188.º do Código do Mercado dos Valores Mobiliários). Em sentido diferente se pronuncia a legislaçãoque revoga aquele diploma onde claramente, para além de se autonomizarem os dois serviços – o serviço de registoe controlo, por um lado, e o serviço de liquidação de operações, por outro – consagra um princípio geral de separa-ção e segregação patrimonial (artigo 34.º, número 3, alínea c) do Decreto-Lei n.º 394/99, de 13 de Outubro).31 O Código do Mercado dos Valores Mobiliários dispunha no seu artigo 188.º no sentido de, por um lado, vincu-lar as associações de bolsa a promover a criação e a manutenção de uma Central de Valores Mobiliários destinadaa assegurar a estruturação, administração e funcionamento do sistema de registo e controlo de valores mobiliáriosescriturais, bem como do sistema de depósito e controlo de valores mobiliários titulados. Paralelamente a estes ser-viços mais avançava no sentido de que essa instituição criasse as condições necessárias por forma a facilitar a liqui-dação física das operações que se realizassem no âmbito dos diversos mercados secundários. Para o efeito o Códigodo Mercado dos Valores Mobiliários impunha a obrigatoriedade de filiação nessa instituição de todos os interme-diários financeiros autorizados a prestar o serviço de registo de valores mobiliários e a receber do público valoresmobiliários para guarda e administração; dos intermediários financeiros associados das diversas associações de bol-sa. Na Central participavam ainda obrigatoriamente as entidades gestoras dos vários mercados secundários (artigo188.º, número 5). 32 Alterado subsequentemente pelo Decreto-Lei n.º 8-D/2002, de 15 de Janeiro.33 Da análise deste diploma desde logo resulta uma alteração substantiva quanto à natureza jurídica da entidadegestora do sistema de registo e depósito de valores mobiliários em sistema centralizado, determinando-se no seu ar-tigo 1.º, número 1 que as mesmas deverão revestir a natureza de sociedades anónimas, as quais têm como objectosocial e principal a gestão de bolsas ou de outros mercados regulamentados, podendo ainda cumular a gestão e osserviços delineados no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 394/99. Note-se ainda que deverão ser sociedades anónimas cujocapital social mínimo não poderá ser inferior ao constante da Portaria n.º 1182/99, de 4 de Novembro, alterada pela

ele próprio consubstanciar o que se possadesignar como um sistema perfeito, quan-do o registo de titularidade é realizado jun-to da própria entidade gestora desse registoou depósito centralizado (artigo 91.º, nú-mero 6),34 ou imperfeito, caso o registo detitularidade seja realizado junto de um in-termediário financeiro, autorizado nos ter-mos dos artigos 295.º, número 1, 289.º, nú-mero 1, alínea b) e artigo 291.º, alínea a) doCódigo dos Valores Mobiliários, com containtegrada em sistema centralizado (artigo61.º, alínea a)).35

III – Pressupondo esse sistema centrali-zado um conjunto interligado de contas eimpendendo sobre a entidade gestora domesmo responsabilidade quanto ao contro-lo dos valores mobiliários em circulação, talsistema só poderá ser assegurado mediantea participação integrada de várias entida-des: entidade emitente, intermediários fi-nanceiros filiados nesses sistema e a própriagestora do mesmo.

Nessa medida, consagra o artigo 91.º e oartigo 105.º do Código dos Valores Mobi-liários a necessidade de o sistema centrali-zado de registo e depósito de valores mobi-liários integrar, paralelamente às contas deemissão abertas na entidade emitente re-flectidas junto deste sistema (artigo 44.º,número 3, alínea a)), bem como às contas

de registo individualizado abertas em cadaintermediário financeiro e também elas re-flectidas junto do sistema centralizado,contas de controlo dessas mesmas contas deemissão e registo individualizado, por for-ma a coordenar, em cada momento, a mas-sa total de valores mobiliários em circula-ção e a totalidade de transmissões que sãorealizadas entre intermediários financei-ros.36

Teríamos, assim, conforme resulta do ar-tigo 91.º, número 1 do Código dos ValoresMobiliários, quatro tipo de contas:

– contas de emissão, abertas no emitente;– contas de registo individualizado, aber-

tas junto de intermediário financeiro auto-rizado para o efeito ao abrigo do dispostona alínea b) do número 1 do artigo 289.º ena alínea a) do artigo 291.º do Código dosValores Mobiliários;

– conta de controlo de emissão (a desig-nada conta espelho) aberta pelo emitentejunto da entidade gestora de sistema;37

– contas de controlo das contas de regis-to individualizado, abertas pelos interme-diários financeiros na entidade gestora desistema centralizado.

Note-se que as contas de controlo dascontas de registo individualizado não sãomais do que contas globais, abertas emnome de cada intermediário financeiro au-torizado a movimentá-las e que, nessa me-

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Portaria n.º 1331/99, de 24 de Dezembro e mais recentemente pela Portaria n.º 1429/2001, de 19 de Dezembro e cu-jas acções, independentemente da forma de representação que integram, devem revestir a modalidade de acçõesnominativas. Em termos de constituição, veja-se o regime constante do número 3 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º394/99, de 13 de Outubro.34 A criação de contas de titularidade junto da entidade gestora de sistema centralizado de valores consubstanciouuma das preocupações subjacentes à elaboração do Código dos Valores Mobiliários. A este propósito vejam-se asdeclarações prestadas pelo Presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários in “Trabalhos Preparatóriosdo Código dos Valores Mobiliários”, Ministério das Finanças e Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, De-zembro de 1999, pág. 96.35 Quanto aos procedimentos inerentes a essa filiação veja-se o disposto no Regulamento da Interbolsa n.º 5/2002.36 Para o efeito impõe-se um conjunto de conexões com a entidade gestora do mercado onde se negoceiam os valo-res mobiliários naquele integrados e com a entidade gestora do sistema de liquidação de operações realizadas sobreesses valores mobiliários, por forma a reflectir os movimentos gerados por essas operações.37 Os procedimentos e prazos inerentes à abertura deste tipo de contas encontram-se explanados no Regulamentoda Interbolsa n.º 3/2000.

dida, reflectem quantidades de valores mo-biliários, cujo somatório dos saldos ineren-tes a cada categoria de valores mobiliáriosdeve ser igual ao somatório dos saldos apu-rados em cada uma das contas de registoindividualizado. Pelo contrário e conformemencionado, as contas a que faz apelo o nú-mero 6 do artigo 91.º são elas próprias ver-dadeiras contas de registo individualizado.

IV – Tendo como fito imediato a salva-guarda do controlo da quantidade de valo-res mobiliários em circulação, constata-seque este sistema centralizado de valoresreúne características muito particulares,nomeadamente quando estejamos perantevalores mobiliários titulados. Trata-se deum depósito que, como afirma Paz-Ares,consubstancia “... una figura híbrida comalma de depósito regular y cuerpo de depósitoirregular. Del depósito irregular se toma, enefecto, le forma, esto es, la posibilidad del de-positario de liberarse restituyendo el tantudemy la consiquiente renuncia del depositante apretender la entrega de los títulos individuali-zados. (...) Del deposito regular se toma, encambio, la sustancia, los efectos”,38 na medi-da em que a entidade gestora desse sistemanão adquire, conforme mencionado, a pro-priedade sobre os títulos depositados ou se-quer a faculdade de os afectar a um fim di-ferente daquele que resulta do contrato dedepósito (artigo 100.º, número 1). Destaforma, institui-se um regime que consubs-tancia um desvio em face do artigo 1144.º

do Código Civil ex vi artigo 1206.º do Códi-go Civil, na medida em que encara a custó-dia de valores mobiliários como fonte deefeitos de natureza obrigacional.39

2. Do registo ou depósito descentralizado

I – Paralelamente a este sistema de regis-to e depósito centralizado, outros dois siste-mas de registo de titularidade podem seravançados: o registo efectuado junto de umúnico intermediário financeiro indicadopela emitente, nos termos do artigo 61.º,alínea b) e artigo 63.º do Código dos Valo-res Mobiliários e o sistema de registo naprópria emitente ou em intermediário fi-nanceiro que a represente, previsto no arti-go 61.º, alínea c) e artigo 64.º do Código dosValores Mobiliários.

No primeiro sistema integram-se ou su-jeitam-se os valores mobiliários relativa-mente aos quais a lei não imponha umaobrigatoriedade de integração em sistemacentralizado ou a ele voluntariamente nãotenha a emitente desses valores mobiliáriossujeito a respectiva emissão,40 e de acordocom as alíneas a), b), c) e d) do número 1 doartigo 63.º do Código dos Valores Mobiliá-rios reunam a natureza de valores mobiliá-rios escriturais ao portador,41 os distribuídosatravés de oferta pública, os valores mobiliá-rios emitidos conjuntamente por mais deuma entidade e as unidades de participaçãoem instituições de investimento colectivo.

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38 Paz-Ares, ob. cit., pág. 94.39 Sobre a natureza jurídica do contrato de depósito bancário enquanto depósito irregular veja-se Paula Ponces Ca-manho, “Do Contrato de Depósito Bancário”, Almedina, Coimbra, 1998. Da mesma forma, Menezes Cordeiro,“Da transmissão em bolsa de acções depositadas”, in O Direito, 121, I, 75-90.40 Veja-se no caso de valores mobiliários titulados o regime constante do artigo 99.º, número 2, alínea b).41 Note-se que por força do artigo 10.º do decreto preambular ao Código dos Valores Mobiliários consideram-se eli-minados os valores mobiliários titulados ao portador registados, uma vez que conforme resulta do próprio pream-bulo ao diploma em apreço “... as razões fiscais que motivaram a sua criação podem ser acauteladas por outras formas.Na verdade, os valores mobiliários escriturais e os valores mobiliários titulados depositados em sistema centralizado sãoobrigatoriamente registados. Em relação aos restantes a questão fiscal fica resolvida pelos artigos 117.º e 129.º do Cód. IRS,alterados pelo artigo 12.º do presente diploma”.

O registo de titularidade junto da própriaentidade emitente será realizado, por suavez, nas circunstâncias de não integração,obrigatória ou voluntária, desses títulos emsistema centralizado ou registados num úni-co intermediário financeiro (artigo 64.º) ereunam a natureza de valores mobiliários,escriturais ou titulados, nominativos. Enqua-dram-se, como uma componente deste âmbi-to os denominados escriturais puros.

3. Titulados Vivos

Analisando o sistema de depósito de persi vislumbramos que a par daqueles três sis-temas de depósito mencionados – o sistemacentralizado e o sistema descentralizadojunto de um único intermediário financei-ro ou da própria emitente dos valores, nostermos mencionados – podem subsistir va-

lores mobiliários titulados não sujeitos adepósito, aplicando-se, nesses casos, o regi-me dos valores mobiliários escriturais re-gistados num único intermediário financei-ro (artigo 61.º, alínea b) e artigo 63.º ex vi ar-tigo 99.º, número 5 do Código dos ValoresMobiliários). Integram-se neste campo osdenominados titulados vivos.

Esta possibilidade é retirada medianteinterpretação a contrario sensu do dispostono número 2 do artigo 99.º e vem de en-contro a um princípio geral que parece en-contrar-se subjacente à organização dos sis-temas de depósito dos valores mobiliáriosque consiste, precisamente, na liberdade dea emitente, com salvaguarda das situaçõesque a própria lei consigna, organizar a for-ma de representação dos valores mobiliá-rios titulados, os quais podem nem sequerser dotados da liquidez necessária ou justi-ficativa de outra forma de estruturação.

DA (IR)RELEVÂNCIA DA FORMA DE REPRESENTAÇÃO PARA EFEITOS DE TRANSMISSÃO DE VM : 301

IV. DA TRANSMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS

1. Questões prévias

Enunciadas as formas de representaçãotipificadas pelo nosso ordenamento jurídi-co, o tratamento que lhe é conferido emtermos de regime, nomeadamente quantoaos princípios que norteiam estas formas derepresentação de valores mobiliários, a pos-sibilidade de alteração através de conver-são, reconstituição ou reforma judicial;analisado o sistema de registo ou depósito aque os valores mobiliários, consoante a suaforma de representação, se encontram ads-tritos, cumpre-nos agora centrar a nossaanálise nos sistemas de transmissão de valo-res mobiliários concebidos pelo Código dosValores Mobiliários, antes mesmo de nosdebruçarmos sobre o cerne da questão rela-tiva à relevância daquela forma de repre-

sentação para efeitos de transmissão de va-lores.

Num primeiro momento impõe-se, con-tudo, operar uma distinção do conceito detransmissão em face de outros institutosque lhe são necessariamente conexos e queimporta reter.

2. Delimitação de figuras afins

2.1. Transmissão e transferência

Distinção fundamental que se impõerealizar à partida é a de transmissão etransferência. Nessa medida, cumpre dis-tinguir, por um lado a mudança de titulari-dade inerente à transmissão de valores mo-biliários e, por outro lado, o movimento

subjacente a essa transmissão junto dascontas de registo individualizado.42

Trata-se de uma distinção que o Códigodos Valores Mobiliários elabora, actual-mente, com bastante clareza no seu artigo71.º, dispondo no sentido de que a transfe-rência de valores mobiliários escriturais (etitulados em regime de depósito centraliza-do, por efeito do artigo 105.º) opera pelolançamento a débito na conta de origem e acrédito na conta de destino, mas que peran-te o Código do Mercados dos Valores Mo-biliários consubstanciava uma operaçãopassível de gerar alguma confusão com a detransmissão dos valores mobiliários. (arti-gos 65.º e 89.º, número 1).

Em face de uma interpretação articuladado artigo 71.º do Código dos Valores Mobi-liários e de todo o sistema de registo e de-pósito supra delimitado, facilmente se con-clui que a transmissão de valores mobiliá-rios escriturais ou titulados, sujeitos a umsistema centralizado ou descentralizado,gera transferência entre contas desses mes-mos valores. Tal não obsta, contudo, quepossamos ter situações de transferências, delançamentos a débito e a crédito, que nãoconsubstanciem uma verdadeira transmis-são de titularidade. A título meramenteenunciativo basta pensar nas situações emque o mesmo titular opera uma movimen-tação dos seus valores mobiliários entreduas contas de um mesmo intermediáriofinanceiro ou de dois intermediários finan-ceiros distintos, sem que tal pressuponhauma alteração de titularidade.

Ainda quanto a esta distinção uma pala-

vra para realçar o facto de que a operaçãode transferência, pela sua própria natureza,só é passível de ocorrer quando estejamosperante movimentos de contas em sistemascentralizados (de valores mobiliários escri-turais, artigo 88.º e ss., ou titulados, artigo105.º) ou descentralizados. Por exclusão departes, nas circunstâncias dos denominadosvalores titulados vivos (artigo 99.º, número2 a contrario) não integrados ou sujeitos aqualquer regime de depósito, deixa de fa-zer sentido a alusão ao conceito de transfe-rência.

2.2. Transmissão e bloqueio

O Bloqueio, que mais não é que um re-gisto em conta que tem como finalidadeimediata impossibilitar a transmissão tem-porária de um determinado valor mobiliá-rio (artigo 72.º, número 3 do Código dosValores Mobiliários), ao abrigo do Códigodo Mercados dos Valores Mobiliários eraencarado como um mecanismo de seguran-ça obrigatório (artigos 54.º, número 2, 68.º,números 2 e 3, 69.º, número 1 e 93.º) porforma a assegurar a disponibilidade dos va-lores mobiliários no momento da liquida-ção física das operações que o respectivo ti-tular visasse efectuar.43 Dessa forma, elimi-nava-se à partida o risco de contraparte ine-rente ao incumprimento da obrigação deentrega dos valores aquando da liquidaçãofísica das operações, bem como as denomi-nadas operações de short selling com todosos riscos passíveis de originar no próprio

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42 Como refere Amadeu Ferreira, “... trata-se de realidades jurídicas distintas. No entanto estão de tal forma interliga-das que acabam muitas vezes por se confundir”., ob. cit. Pág. 249.43 Como refere Paula Costa e Silva in “Efeitos do Registo e Valores Mobiliários. A Protecção Conferida ao Tercei-ro Adquirente”, Revista da Ordem dos Advogados, pág. 859 e ss. “Só o escrupuloso cumprimento das regras do blo-queio de valores, impeditivo de duplas alienações, pode garantir o regular funcionamento do mercado secundário de valo-res mobiliários. Só o bloqueio evitará falhas na liquidação física das operações por excesso de operações de venda sobre va-lores entregues”. Pela mesma autora veja-se operacionalmente como define este mecanismo de bloqueio em “Com-pra, Venda e Troca de valores Mobiliários”, Lex, 1997, pág. 255.

sistema.44 Tratava-se, contudo, de um insti-tuto que a prática claramente não acolheu,com manifestações evidentes ao nível daquantidade de recompras geradas por in-cumprimento na liquidação de operaçõesde bolsa.

Com o Código dos Valores Mobiliáriosinstitui-se um sistema distinto, onde o prin-cípio geral já não é o da obrigatoriedade dobloqueio dos títulos, mas sim o da facultati-vidade. Tal regime tem na sua base, comose dispõe no preambulo ao Decreto-Lei n.º486/99, uma combinação de faculdades decontrolo atribuídas aos intermediários finan-ceiros (alínea b) do n.º 2 do artigo 78.º e n.º 2do artigo 326.º) com novos requisitos na liqui-dação de operações (artigo 280.º). A par, noentanto, deste princípio geral, o Código dosValores Mobiliários mantém algumas si-tuações de obrigatoriedade de bloqueio ex-plicitadas no número 1 do artigo 72.º, noâmbito das quais cumpre realçar a necessi-dade de bloqueio dos valores relativamenteaos quais tenham sidos passados certifica-

dos para o exercício de direitos inerentes ouque se destine a fazer valer como título exe-cutivo, bem como os valores mobiliáriosque sejam objecto de oferta pública de ven-da ou que integrem a contrapartida emoferta pública de troca.

2.3. Da transmissão em mercado e fora demercado

Operada a distinção entre transmissão etransferência de valores mobiliários impor-ta, igualmente, considerar que a transmissãode valores mobiliários manifesta-se de for-ma distinta consoante opere em mercado oufora de mercado, de acordo com a acepçãoque nos é conferida pelo artigo 198.º, núme-ro 1 do Código dos Valores Mobiliários.

Tratando-se de valores mobiliários ad-mitidos à negociação em mercado regula-mentado,45/46 o artigo 62.º do Código dosValores Mobiliários impõe, conforme refe-rido, que os valores mobiliários constantes

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44 No entanto, e não obstante a natureza imperativa das normas que impunham essa obrigatoriedade de bloqueiodos valores junto da conta aberta em intermediário financeiro autorizado para o efeito, bem como da contra-orde-nação inerente a esse incumprimento (artigo 671.º, número 2), aquilo que na prática se vislumbrava, até pelo ca-rácter internacional de muitas operações – operações de cross bording – é que raramente o intermediário financei-ro averiguava da disponibilidade dos títulos inerente a uma determinada ordem e, consequentemente, efectivava obloqueio dos mesmos. Nessa medida se justifica muitas das operações de recompra originadas pelo nosso sistema.Para obviar a esta consequência, a CMVM emitiu um regulamento no âmbito do qual se instituiu o denominadosistema de empréstimo automático de valores (SEA) – actualmente previsto no Regulamento n.º 15/2000, daCMVM que tem na sua base o Regulamento n.º 7/99, da CMVM – o qual pressupunha a articulação integrada tan-to da Interbolsa, enquanto gestora do sistema de liquidação, como da ABDP, enquanto entidade que, através daCentral de Empréstimos, proporcionava os títulos em falta. Dessa forma, sempre que se verifique insuficiência devalores mobiliários para proceder à liquidação de operações realizadas em mercado, e antes de se dar a liquidaçãofísica por conclusa, a Interbolsa avalia da disponibilidade dos valores mobiliários em falta. Existindo valores dispo-níveis, o SEA é desencadeado automaticamente, ficando o intermediário financeiro inadimplente obrigado a resti-tuir esses valores no prazo de quatro sessões de bolsa.45 Quanto à noção de mercado regulamentado, sua previsão e tratamento que lhe é conferido pela Directiva n.º93/22/CEE, de 10 de Maio veja-se Margarida Palma, “O Passaporte Europeu para as Empresas de Investimento”,Fevereiro de 1998, pág. 52 e ss. Trata-se de uma noção que já resultava do Código do Mercado dos Valores Mobi-liários, mais concretamente do seu artigo 180-Aº introduzido pelo Decreto-Lei n.º 232/96, de 5 de Dezembro quetranspõe para o ordenamento jurídico interno o mencionado diploma comunitário. Note-se, contudo, que o con-ceito nele referenciado remete a densificação do seu significado para a noção resultante do número 13 do artigo 1.ºda Directiva n.º 93/22/CEE, adoptando, dessa forma, uma técnica passível de bastantes críticas. O Código dos Va-lores Mobiliários, pelo contrário, confere-nos no seu artigo 200.º os requisitos que necessariamente se têm de veri-ficar por forma a que um determinado mercado reuna a qualificação de regulamentado e a ele se aplique todo oregime legal subsumível a esta qualificação. Nessa medida, e adoptando um pouco a própria técnica da Directiva,

de uma determinada emissão sejam objec-to de integração em sistema centralizado.Da mesma forma, veja-se o disposto na alí-nea a) do número 2 do artigo 99.º para va-lores mobiliários titulados.

Por força dessa integração, veremos, atransmissão de valores mobiliários opera àmargem dos procedimentos anteriormentetraçados pelo CSC quanto a esta matéria,revogados por força da entrada em vigordo Código dos Valores Mobiliários, aten-dendo-se desde logo e em primeira linha àsua natureza enquanto valores mobiliáriosintegrados em sistema, mesmo que a suatransmissão opere over the counter (OTC ).

Note-se que, o facto de determinados va-lores mobiliários se encontrarem admitidosà negociação em mercado regulamentadotal não implica que os mesmos não possamser negociados fora de mercado. O sistema

jurídico português não consagra directa-mente um princípio de concentração demercado, ao contrário do que parecia reti-rar-se em face do disposto no artigo 180-Aºdo Código do Mercados dos Valores Mobi-liários.47 Nesse sentido depõe claramente onúmero 4 do artigo 330.º quando estipulaque as ordens relativas a valores mobiliáriosadmitidos à negociação num determinadomercado devem, salvo indicação expressaem contrário do ordenador, ser executadasnesse mesmo mercado.

Mais, ao contrário do sistema subjacenteao Código do Mercados dos Valores Mobi-liários que, não obstante permitir a nego-ciação fora de mercado48 de operações quetivessem como objecto valores mobiliáriosadmitidos em bolsa, fazia impender sobreas mesmas taxas extremamente elevadas,49

o Código dos Valores Mobiliários estabele-

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elenca como requisitos cumulativos: o funcionamento regular, a obediência a requisitos iguais ou similares aos fi-xados para os mercados de bolsa quanto à prestação de informação, à admissão dos membros do mercado e dos va-lores mobiliários à negociação e ao funcionamento do mercado, e, finalmente, que, como tal, sejam autorizados porPortaria do Ministro da Economia e Finanças. Parte-se, assim, de uma realidade conhecida que são os mercados debolsa, para um realidade a conhecer que são os mercados regulamentados independentemente da sua caracteriza-ção bolsista.46 Sobre a noção e a evolução do mercado de bolsa veja-se Ricardo Sá Fernandes, “Direito dos Mercados em Gerale o Mercado dos Valores Mobiliários em Especial”, “Direito dos Valores Mobiliários”, Lex, 1997, pág. 189 e ss.e Da-vid Justino, “História da Bolsa de Lisboa”, 1994, ABVL, no âmbito do qual se assinalam como traços distintivos domercado de bolsa, por um lado, a intermediação profissionalizada e, por outro lado, a disciplina inerente à deter-minação da cotação. Apesar deste não consubstanciar o objecto da nossa análise deixamos a nota de que se trata deum conceito, de um mercado em clara “decadência” em face do conceito de mercado regulamentado, bastante maisgeral, adoptado pela Directiva comunitária n.º 93/22/CEE, de 10 de Maio. Clarificador desta decadência é o decli-nar dos dois elementos qualificados como delimitadores do conceito de mercado de bolsa – veja-se nesse sentido odisposto no artigo 6.º do decreto preambular ao Código dos Valores Mobiliários e a evolução verificada nos merca-dos internacionais quanto à constituição dos denominados “Novos Mercados”.47 Nele se estipulava a possibilidade do Ministro das Finanças impor, através de Portaria, a realização exclusiva embolsa ou em outro mercado regulamentado transacções sobre valores mobiliários nele negociados, desde que se ve-rificassem determinadas condições, enunciadas nas alíneas a) e b) do número 1 do artigo 180-Aº. Para além destepreceito e no sentido da existência de um princípio de concentração de mercado veja-se a amplitude concedida peloartigo 181.º do Código do Mercado dos Valores Mobiliários à noção de transacção em mercado secundário. Sobrea questão relativa ao princípio da concentração e da polémica subjacente à norma estipulado no artigo 14.º da Di-rectiva n.º 93/22/CEE veja-se Margarida Palma, ob. cit., pág. 57 a 61.48 Note-se que esta noção do fora de mercado tem de ser entendida e interpretada com algum cuidado em face daamplitude de caracterização da negociação em mercado secundário conferida pelo artigo 181.º do Código do Mer-cado dos Valores Mobiliários. Actualmente, perante o Código dos Valores Mobiliários trata-se de uma noção queassume um sentido bastante distinto, integrando toda a negociação realizada fora do mercado regulamentado a quese encontram admitidos os valores mobiliários em causa.49 A título meramente enunciativo veja-se a diferença entre as comissões incidentes sobre operações de compra evenda de acções em mercado de bolsa previstas no Regulamento n.º 2-C/2000 da Euronext Lisbon estipulando uma

ce no seu artigo 211.º um princípio de indi-ferença ou de neutralidade fiscal em facedo local ou sistema em que se negociem osvalores, tornando-se, assim, indiferente,sob o ponto de vista tributário, ao investi-dor, o sistema junto do qual transacciona osseus valores mobiliários.50

Podendo ser realizada a transacção numqualquer local, mercado ou sistema, o Códi-go dos Valores Mobiliários impõe apenasuma obrigatoriedade de comunicação dessasoperações à entidade gestora do mercado acuja negociação esses valores se encontremadmitidos (artigo 210.º, número 2). Trata-sede uma exigência que visa não apenas con-ferir maior transparência ao mercado, maisinformação sobre as operações que são reali-zadas, mas, inclusive, evitar possíveis inter-ferências que essa negociação fora de merca-do possa reflectir quanto ao preço formadoem mercado regulamentado.

Pelo contrário, tratando-se de valoresmobiliários que não sejam passíveis de ne-gociação em mercado regulamentado e,consequentemente, relativamente aos quaisa lei não imponha a sua integração em sis-tema centralizado de registo ou depósito, arespectiva transmissão atenderá a outroconjunto de regras que enunciaremos infra.

3. Regime Actual

I – A transmissão de valores mobiliáriosao abrigo da legislação anterior consubs-

tanciava matéria digna da maior discussãodoutrinária dada a pluralidade de legisla-ção em vigor sobre esta matéria. A necessi-dade de proceder à articulação de três di-plomas, aparentemente sobrepostos em vá-rias matérias, gerou, dessa forma, um ele-vado esgrimir doutrinário.51

Com a entrada em vigor do Código dosValores Mobiliários têm-se como revogadoo Código do Mercados dos Valores Mobi-liários aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142-A/91, de 10 de Abril sucessivamente altera-do por vários diplomas, o Decreto-Lei n.º408/82, de 29 de Setembro e, entre outras,as normas constantes dos artigos 300.º,305.º, 326.º, 327.º, 330.º a 340.º do CSC.52/53

Assim sendo, toda a questão doutrináriaanteriormente gerada em torno da articula-ção do Decreto-Lei n.º 408/82, de 29 de Se-tembro, do Código das Sociedades Comer-ciais e do Código do Mercados dos ValoresMobiliários deixa de se colocar. Quanto aesta matéria o Código dos Valores Mobiliá-rios passa a integrar um regime unitário,passível de se aplicar a todos os valores mo-biliários em matéria de registo, depósito etransmissão desses valores que, em seguida,passaremos a densificar.

II – São dois os sistemas de transmissãode valores mobiliários que se encontramconsagrados pelo Código dos Valores Mo-biliários, os quais atendem, antes de mais,ao sistema de registo ou depósito impostopelo mencionado diploma, a saber:

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taxa de 0,15%0 e as taxas de supervisão subjacentes à Portaria do Ministério das Finanças n.º 1303/2001, de 22 deNovembro, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 323/2002, de 27 de Março, de 0,5‰ para valor mobi-liário da mesma natureza.50 Reitere-se, contudo, que esta é uma indiferença tributária, uma vez que pelos requisitos e exigências inerentes àqualificação de um mercado como regulamentado, supostamente será aquele que oferece melhores condições emmatéria de informação e o que melhor reflecte o preço de mercado dos títulos.51 Veja-se quanto à delimitação e articulação entre o Decreto-Lei n.º 408/82 e o Código das Sociedades ComerciaisPaula Costa e Silva, “A Transmissão de Valores Mobiliários Fora de Mercado Secundário” in “Direito dos ValoresMobiliários”, volume I, pág. 229 a 237.52 Vide artigo 15.º do decreto preambular ao Código dos Valores Mobiliários.53 Ressalva, desta forma, o disposto no artigo 328.º do Código das Sociedades Comerciais em matéria de possíveisrestrições à transmissão de acções. Veja-se João Labareda, ob cit., pág. 281 e ss.

1. Valores mobiliários escriturais ou titu-lados em sistema centralizado; e

2. Valores mobiliários titulados fora desistema centralizado. Dentro deste sistemacumpre-nos ainda distinguir:

2.1. O sistema de transmissão de valoresmobiliários ao portador (artigo 101.º); e

2.2. O sistema de transmissão de valoresmobiliários nominativos (artigo 102.º)

III – Perante o primeiro sistema enun-ciado, o Código dos Valores Mobiliários éexpresso em dispor no artigo 80.º, número1 e no artigo 105.º, respectivamente, que osvalores mobiliários que dele sejam objectotransmitem-se pelo registo na conta do ad-quirente.

Em face destas normas a grande questãoque se coloca prende-se com a natureza ju-

rídica do registo, no sentido de se apurar seo mesmo é ou não constitutivo da própriatransmissão. O anterior artigo 64.º, número1 em articulação com o disposto no artigo405.º, ambos do Código do Mercados dosValores Mobiliários, era, em nosso enten-der, mais expresso em encarar o registocomo requisito de eficácia, de oponibilida-de em face de terceiros.54 Nesse sentido, atransmissão operava, sob o ponto de vistasubstantivo, nos termos gerais consagradospelo artigo 408.º, número 1 do Código Ci-vil,55 servindo o registo como presunção detitularidade (artigo 64.º, número 6 do Códi-go do Mercados dos Valores Mobiliários) ecomo documento de legitimação para oexercício dos direitos que lhe são inerentes(artigo 54.º, número 1).56/57

Perante o Código dos Valores Mobiliá-

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54 Importando, dessa forma, uma fórmula já constante do registo predial.55 Já em face do regime anterior Paula Costa e Silva se pronunciava no sentido de que “De um ponto de vista subs-tantivo, a causa adequada de transmissão é a operação, não o respectivo contacto com o sistema. De um ponto de vista subs-tantivo, a transmissão da titularidade resulta do próprio negócio. Mas a partir do momento em que os direitos transmitidosforam incorporados em títulos integrados num dado sistema, a realidade substantiva convive normalmente com uma rea-lidade formal. E entre as duas pode verificar-se uma descoincidência.”. Veja-se “A Transmissão de Valores MobiliáriosFora de Mercado Secundário”, pág. 244.56 Neste sentido se pronuncia Oliveira Ascensão em “Valor Mobiliário e Título de Crédito”, pág. 45 e Osório deCastro, que debruçando-se sobre o artigo 64.º explicita que “... o n.º 1 reza expressamente que o registo é, não condiçãoda eficácia translativa inter partes, mas mera condição de oponibilidade a terceiros, entre os quais se não incluem, por for-ça do n.º 2, aqueles que tivessem obrigação de promover o registo omitido, nem os seus herdeiros. Tais preceitos são clara-mente decalcados dos n.º 1 e 2 do art. 5.º do Código do Registo Predial, sendo, por conseguinte, de presumir que o legisla-dor do Código do Mercado dos Valores Mobiliários os terá importado com o alcance que aí lhes é assinalado: os factos su-jeitos a registo produzem efeitos, designadamente inter partes, independentemente da publicação, não podendo apenas serinvocados contra terceiros para efeitos de registo ...”, ob. cit., pág. 42. Vejam-se, contudo, as considerações tecidas porFerreira de Almeida: “A lei qualifica o registo relativo a valores mobiliários escriturais como requisito de oponibilidadeem relação a terceiros (art.º 64.º, n.º 1). Mas na verdade, o registo é também, neste caso, constitutivo da titularidade ...” Emais acrescenta “Sem o registo, a transmissão de valores mobiliários escriturais ou a constituição de direitos sobre eles éportanto ineficaz em relação a terceiros, restringindo-se a eficácia entre partes às relações direito postestativo/ sujeição e di-reito de crédito/obrigação de omissão. Nenhuma faculdade integrante dos direitos absolutos sobre valores mobiliários es-criturais se transmite ou constitui por simples efeito negocial, ficando a eficácia deste plenamente dependente, sob este as-pecto, da respectiva inscrição registral. O registo de actos incidentes sobre valores mobiliários escriturais tem portanto, nodireito português, natureza constitutiva.”, ob, cit., pág. 35. Da mesma forma, Amadeu Ferreira procedendo à distin-ção do conceito “transmissão” e “transferência” e dentro do conceito de transmissão a sua verificação em mercadoe fora de mercado considera que tratando-se de transmissão fora de mercado secundário o artigo 65.º, número 3dispõe no sentido de que “... a transmissão de titularidade dos valores opera exactamente no momento em que o negóciocelebrado é integrado no sistema de registo e não, necessariamente, quando é registado na conta do adquirente.” (pág. 263);tratando-se de operação em mercado secundário é entendimento deste autor que “... os valores mobiliários escrituraistransmitem-se, em mercado secundário, no momento da celebração da operação de bolsa, desde que tenham sido observa-das as regras do registo desses valores.” (pág. 285).57 Igualmente Don José Ramón del Caño Palop, “Regimen de Transmision de Valores”, pronunciando-se sobre o

rios a questão levanta-se com particularacuidade perante a articulação do artigo80.º, número 1 com o artigo 55.º, números 1e 2 e o artigo 226.º, número 1 in fine. Efec-tivamente, dispondo o artigo 80.º que atransmissão de valores mobiliários opera como registo em conta e o artigo 226.º que os di-reitos patrimoniais inerentes aos valoresmobiliários vendidos pertencem ao com-prador desde a data da operação, parece exis-tir uma aparente contradição. O superar damesma impõe uma decomposição entreduas realidades distintas, a saber: a trans-missão em mercado regulamentado e atransmissão fora do mercado a que se en-contrem admitidos esse valores.

Quanto à transmissão de valores mobi-liários em mercado regulamentado, o nú-mero 2 do artigo 80.º é expresso em enun-ciar a possibilidade de o adquirente dos va-lores em mercado regulamentado poderproceder à sua venda nesse mesmo merca-do independentemente do registo. Nesteâmbito o entendimento quanto ao momen-to que opera a transmissão só poderá ser ode reiterar um princípio geral que já decor-re do artigo 408.º, número 1 do Código Ci-vil e, nessa medida, defender-se que atransmissão de valores mobiliários em mer-cado regulamentado se tem como efectiva-da no momento da realização da própriaoperação, independentemente da respecti-va liquidação, transferência e registo naconta do adquirente. A admitir-se tese con-trária não se compreenderia esta legitima-ção. Curioso, no entanto, é o realce conferi-do pelo legislador à legitimação conferidaapenas para efeitos de alienação e não parao exercício de qualquer outro direito (parao exercício destes direitos já vigoraria o dis-posto no número 1 do artigo 55.º que man-

da atender ao conteúdo do registo ou do tí-tulo).58 Acresce que esta é a única circuns-tância que no âmbito do regime inerente àtransmissão de valores mobiliários se vis-lumbra uma sobreposição do aspecto subs-tantivo – a aquisição de valores mobiliáriosem mercado – sobre o formal – o registo.

Perante este enquadramento facilmentese compreende o conteúdo da norma sub-sumível ao artigo 226.º, número 1 in fine,uma vez que em ambas as circunstâncias –tanto no número 2 do artigo 80.º como nonúmero 1 do artigo 226.º – nos deparamoscom regras relativas à transmissão de valo-res mobiliários em mercado regulamenta-do. Dessa forma, o número 1 do artigo226.º mais não faz do que reiterar o princí-pio decorrente do artigo 80.º, número 2 doCódigo dos Valores Mobiliários.

Tratando-se de operações realizadas forade mercado regulamentado, o número 1 doartigo 80.º levanta maiores dúvidas quantoao momento em que se deve ter como veri-ficada a transmissão de valores mobiliários.Parecem-nos ser três as soluções passíveisde se conceber em termos teóricos:

1. Considerar que a transmissão operapelo próprio registo, independentementedo momento em que se tenha por realizadaa operação em causa;

2. Entender que a transmissão operacom a celebração da operação, ficando a suaeficácia em face de terceiros condicionadaao registo, ao seu reflexo junto das contasde titularidade. Neste âmbito, o registofuncionaria como requisito de oponibilida-de perante terceiros; até esse momento aoperação produziria efeitos apenas interpartes, fundamentando, nessa medida, umaresponsabilidade meramente obrigacionalem caso de incumprimento de uma das

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regime inerente ao ordenamento jurídico espanhol in in “El Nuevo Mercado de valores, Seminário que teve lugarnos dias 20 e 21 de Fevereiro de 1995, pág. 132.58 Dispõe o número 1 do artigo 55.º que “Que, em conformidade com o registo ou com o título, for titular de direitos re-lativos a valores mobiliários está legitimado para o exercício dos direitos que lhe são inerentes.”

partes, com todas as consequências ineren-tes a esta qualificação (artigo 798.º e ss. doCódigo Civil);

3. Defender que a transmissão se temcomo realizada no momento da operação,mas a sua eficácia inter partes e face a ter-ceiros encontrar-se-ia dependente do pró-prio registo. Desta forma e até esse mo-mento aquela operação não produziriaquaisquer efeitos.

Apesar deste não consubstanciar o objec-to do tema em análise, parece-nos ser deafastar as duas últimas propostas de inter-pretação avançadas. De outra forma, difi-cilmente se compreenderia a diferença deregime subsumível a ambos os números do

artigo 80.º do Código dos Valores Mobiliá-rios. Parece-nos que o legislador quandorefere no número 1 do artigo 80.º que os va-lores mobiliários escriturais transmitem-sepelo registo na conta do adquirente fá-lo nosentido de lhe atribuir não um requisito deeficácia ou sequer de oponibilidade peranteterceiros, mas sim um carácter verdadeira-mente constitutivo da própria transmissão,à semelhança da posição que adopta nou-tros institutos consagrados no direito ci-vil.59/60 Esta, no entanto, é uma questão quecarece de alguma depuração e da devidaponderação, mas que, certamente, fará ain-da correr muita tinta pela pena da doutri-na.

308 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

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59 Não deixa, contudo, de consubstanciar uma solução susceptível de levantar algumas dúvidas atentendendo emregra à natureza bilateral das operações que são realizadas fora de mercado e, consequentemente, ao princípio ge-ral enformador destes negociados jurídicos – princípio da autonomia da vontade das partes (artigo 405.º do Códi-go Civil).60 De outra forma, dificilmente se compreenderia o próprio regime inerente ao instituto da aquisição a non domi-no, na perspectiva de como é que alguém não legitimado para proceder a uma alienação de valores mobiliários pu-desse realizá-lo de forma a que ao terceiro adquirente que tenha procedido de boa fé não possa ser oposta essa fal-ta de legitimidade. Se A vende a B e, posteriormente, a C, a protecção que decorre para o terceiro de boa fé não setraduz apenas na boa fé em que o mesmo se encontre, mas sim no facto de a aquisição ter sido efectuada de acor-do com as regras de transmissão aplicáveis e, consequentemente, na situação em apreço, com base no facto de A terum registo a seu favor. Defender-se aqui que o contrato celebrado entre A e B se teria por concluso no momentoda operação, encontrando-se a sua eficácia condicionada ao próprio registo poderia colocar em causa o próprio ins-tituto da aquisição a non domino.Este é um instituto também ele discutível sob o ponto de vista do requisito de boa fé exigido em face do terceiroadquirente. Tendo em conta a delimitação realizada por Menezes Cordeiro entre boa fé objectiva e boa fé subjec-tiva e, no âmbito desta, a boa fé em sentido psicológico e em sentido ético, parece-nos que a boa fé enunciada no ar-tigo 58.º é uma boa fé subjectiva em sentido psicológico, na medida em que não se exige ao adquirente desses valo-res uma actuação ou o emprego de todos os esforços para averiguar a legitimidade do transmitente. O legisladorparece bastar-se com uma boa fé em sentido psicológico, isto é, o mero desconhecimento da falta de legitimidadedo transmitente. Não nos esqueçamos que, para efeitos do Código dos Valores Mobiliários, a titularidade sobre valores mobiliáriosse presume (artigo 74.º, número 1), considerando-se o registo como um instituto enformado de confidencialidade.Nesta medida, ao adquirente não é possível aceder às contas de registo para se assegurar da legitimidade do trans-mitente, especialmente no âmbito da negociação em mercado regulamentado, em geral, ou de bolsa, em particular,onde o investidor titular se limita a dar uma ordem ao intermediário financeiro junto do qual tem a sua conta, quea transmite e/ou executa mediante a inserção da mesma no sistema, a qual, após “casar” com uma ordem de senti-do contrário, é especificada para a conta dos intermediários financeiros encarregues da liquidação física da opera-ção em causa. Naturalmente que o adquirente sempre poderá, como defende Amadeu Ferreira, solicitar à entidade registadoraque emita declaração que certifique a respectiva titularidade. Trata-se, no entanto, de uma actuação que não se coa-duna com a celeridade e a massificação inerente à transmissão de valores mobiliários, especialmente em mercado.Esta dificuldade, contudo, em nosso entender, também não poderá desembocar na interpretação veiculada por Pau-la Costa e Silva, no sentido de realizar uma interpretação ab rogante da verificação deste pressuposto. De outra for-ma, desvirtuar-se-ia o próprio instituto subjacente ao artigo 58.º.

IV – Conexa com a questão do momentoem que opera a transmissão de valores mo-biliários é a data em que o registo se consi-dera efectuado. Nesta perspectiva, cumpredistinguir consoante esse registo seja:

– oficioso, no sentido de ser da incum-bência ou realizado pela entidade regista-dora na acepção do artigo 61.º, situação emque dispõe o número 1 do artigo 69.º que oregisto se tem como efectuado com a data dofacto registado, na situação em apreço com adata da transmissão;

– não oficioso ou de acordo com o prin-cípio da instância, em que o registo, deacordo com o número 2 do artigo 69.º, setem como lavrado na data da apresentaçãodo requerimento;

– precedido de bloqueio, situação emque o número 4 do artigo 69.º reflecte nosentido de reportar esse registo à data dacessação do bloqueio; e, finalmente,

– registos definitivos resultantes de con-versão de registos provisórios, dispondo

mais uma vez o artigo 69.º, agora no seunúmero 5, que o registo definitivo conservaa data que tinha enquanto provisório.

V – Tratando-se de valores mobiliáriostitulados fora de sistema centralizado, im-põe-se, agora sim, na sua plenitude, distin-guir consoante a modalidade de valoresmobiliários em causa: no caso de valoresmobiliários titulados ao portador, estabele-ce o artigo 101.º que os mesmos se transmi-tem por entrega do título ao adquirente ou aodepositário por ele indicado61/62; já na cir-cunstância de valores mobiliários tituladosnominativos, o artigo 102.º dispõe no senti-do de que os mesmos se transmitem por de-claração de transmissão, escrita no título,63 afavor do transmissário, seguida de registo jun-to do emitente ou de intermediário financeiroque a represente. Nestes casos a data detransmissão é a data da apresentação do re-querimento de registo junto da respectivaemitente (artigo 102.º, número 5).

DA (IR)RELEVÂNCIA DA FORMA DE REPRESENTAÇÃO PARA EFEITOS DE TRANSMISSÃO DE VM : 309

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61 Recorde-se que no caso de valores mobiliários titulados ao portador o Código dos Valores Mobiliários estabeleceque não se encontrando os mesmos sujeitos a regime centralizado por efeito do artigo 99.º, número 2, alínea a), de-verão os mesmos ser integrados em sistema descentralizado nos termos do artigo 99.º, número 2, alínea b), núme-ro 5 e artigos 61.º b) e 63.º. 62 Naturalmente que se os títulos já estiverem depositados junto do depositário indicado pelo adquirente, a trans-missão efectua-se nos termos do número 2 do artigo 101.º, isto é, por registo na conta do depositário.63 Tem legitimidade para efectuar a mencionada declaração de transmissão as entidades referenciadas no número2 do artigo 102.º, isto é, o depositário, em caso de depósito não centralizado, o funcionário judicial quando a trans-missão resulte de sentença ou de venda judicial e o próprio transmitente em qualquer outra circunstância.

V. DA (IR)RELEVÂNCIA DA FORMA DE REPRESENTAÇÃO

1. Manifestações do princípio

Densificado o regime inerente à formade representação dos valores mobiliários,ao sistema de registo ou depósito a que seencontram sujeitos, bem como os sistemasde transmissão concebíveis e delimitadospelo Código dos Valores Mobiliários, pare-

ce-nos legítima a constatação de que con-substancia timbre de todo o regime datransmissão o denominado princípio da in-diferença ou da irrelevância das formas derepresentação para efeitos de circulação.Vejamos, sucessivamente, em que termosse manifesta este princípio.

1.1. Artigos 62.º e 99.º do Código dos Valo-res Mobiliários

Conforme averiguámos e demonstrá-mos, o regime inerente à transmissão dosvalores mobiliários escriturais e principal-mente titulados encontra-se delineado combase no regime que lhes seja aplicável emmatéria de registo e depósito dos mesmos.Nessa medida, os sistemas de transmissãode valores mobiliários, tal como se encon-tram concebidos pelo Código dos ValoresMobiliários, atendem, em primeira linha,não à forma de representação ou à modali-dade de valor mobiliário em causa, comooutrora consubstanciava critério de análise,mas ao sistema de registo ou depósito a quese encontram sujeitos os respectivos valoresmobiliários e só subsidiariamente à formade representação de que são enformados.

Se esta era uma conclusão que já poderiaser retirada em face do regime anterior, pormaioria de razão subjaz ao estabelecidopelo Código dos Valores Mobiliários, namedida em que deixando de se reflectirtoda a discussão doutrinária que se geravaem torno dos três diplomas mencionados,claramente se determina que aos valoresmobiliários titulados integrados em sistemacentralizado é aplicável o disposto para osescriturais (artigo 105.º), nomeadamentequanto à sua transmissão.64 Apenas quantoa valores mobiliários não integrados em sis-tema centralizado o Código dos ValoresMobiliários distingue, quanto à forma detransmissão e à modalidade de valor mobi-liário, consoante estejamos perante titula-dos ao portador, caso em que a transmissãoopera por traditio brevi manu (artigo 101.º),ou titulados nominativos, operando por de-claração de transmissão a favor do trans-

missário seguida de registo junto do emi-tente ou de intermediário financeiro que orepresente (artigo 102.º). Assim, e em facedeste enquadramento, retira-se a conclusãode que a relevância da forma de represen-tação em termos transmissivos é, efectiva-mente, reduzida quanto à determinação doapuramento do sistema a aplicar.

1.2. Artigo 41.º do Código dos Valores Mo-biliários

Enunciativo dessa irrelevância da formade representação são ainda as situações plu-rilocalizadas a que faz menção o Códigodos Valores Mobiliários. Dada a pluralida-de de valores mobiliários passíveis de nego-ciação, em mercado ou fora dele, em Por-tugal e em territórios que não o da sede daemitente dos valores, o Código dos ValoresMobiliários consagra no seu artigo 39.º umaregra de conflitos designando que a capaci-dade para a emissão e a forma de representa-ção dos valores mobiliários regem-se pela leipessoal do emitente. No entanto, para efeitosde transmissão de direitos e constituição degarantias sobre valores mobiliários o artigo41.º manda aplicar:

a) em relação a valores mobiliários inte-grados em sistema centralizado o direito doEstado onde se situa o estabelecimento da en-tidade gestora desse sistema;

b) relativamente a valores registados oudepositados em sistema descentralizado, odireito do Estado em que se situa o estabeleci-mento onde estão registados ou depositados es-ses valores;

c) tratando-se de valores mobiliários nãoabrangidos nas situações supra definidas,pela lei pessoal do emitente.

310 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

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64 “Assim, o mercado empurra os termos da transmissão para fora das exigências de uma qualquer forma de representação,voltando a vigência do velho princípio do consensualismo que, até então, tinha sido completamente arredado pelas formasde representação.” Veja-se Amadeu Ferreira, “Direito dos Valores Mobiliários. Sumários das lições dadas ao 5.º ano...”, pág. 155.

Desta forma se reitera um princípio deindiferença da forma de representação,nomeadamente para efeitos da circulaçãodos direitos inerentes a valores mobiliáriose a constituição de garantias sobre esses va-lores, aos quais o legislador, independente-mente da forma de representação, atendemais uma vez ao sistema de registo ou de-pósito a que se encontram sujeitos esses va-lores mobiliários.

Pergunta-se: consagrando o legisladorum regime para a transmissão de direitosque atende ele próprio ao sistema de regis-to e controlo a que se encontrem sujeitos osvalores mobiliários, fará sentido aplicar ou-tro em face da transmissão dos próprios va-lores mobiliários no âmbito de situações ju-rídicas plurilocalizadas? Parece-nos quesempre poderia ser deduzido que se o Có-digo dos Valores Mobiliários determinaque a lei aplicável à transmissão de direitosinerentes a valores mobiliários é o direitodo Estado junto do qual se situa o estabele-cimento da entidade registadora ou deposi-tária, por maioria de razão quanto aos pró-prios valores mobiliários enformantes des-ses direitos, a respectiva transmissão terialugar nos mesmos termos. Nessa medida,os valores mobiliários integrados em siste-ma centralizado transmitir-se-iam de acor-do com o direito do Estado onde se situa oestabelecimento da entidade gestora dessesistema centralizado; em relação aos valo-res mobiliários integrados em sistema des-centralizado seria aplicável o direito do Es-tado em que se situa o estabelecimento daentidade registadora ou depositária dosmesmos e, quanto aos denominados escri-turais puros e titulados vivos, o da lei pes-soal do emitente.

Note-se que esta é uma resposta queaparentemente intuitiva parece encontrarapoio legal tanto no próprio artigo 41.º doCódigo dos Valores Mobiliários, como noprincípio geral que subjaz à regra de con-

flitos constante do artigo 46.º, número 1 doCódigo Civil que manda atender à lei dolugar da situação dos bens (lex rei sitae).

Apesar do legislador, quando pretendereferir-se à transmissão, normalmente uti-lizar uma terminologia que se afasta umpouco da que se encontra subjacente ao ar-tigo 41.º – “transmissão de direitos” por con-traposição a “transmissão de valores mobiliá-rios” – sempre se poderá arguir que quan-do se transmite um valor mobiliário, operaa transmissão de um direito que é o direitode propriedade sobre o título, enformantedo conjunto de posições jurídicas que o in-tegram. Nessa medida, ser-lhe-ia aplicáveldirectamente o artigo 41.º e todo o regimesubjacente. A existirem dúvidas sobre estainterpretação, parece-nos claro que, porforça da aplicação do princípio da lex rei si-tae (artigo 46.º, número 1 do Código Civil),o lugar da situação do bem jurídico emcausa dependerá, mais uma vez, do sistemade registo ou depósito que se lhe encontreassociado. Acresce que, em face do enqua-dramento traçado, parece-nos evidente oelemento de conexão relevante que os siste-mas de transmissão de valores mobiliáriosconcebidos no ordenamento jurídico por-tuguês manifestam com o sistema de regis-to e depósito aos mesmos associados e, nes-ses termos, determinar-se-ia como aplicá-vel à transmissão no âmbito de situações ju-rídicas plurilocalizadas a lei do Estadoonde se situa o estabelecimento da entidaderegistadora.

Nessa medida, aplicando-se tanto a ratiosubjacente ao artigo 46.º, número 1 do Có-digo Civil, como o regime do artigo 41.º doCódigo dos Valores Mobiliários, parece-nosque a determinação do direito aplicávelserá, efectivamente, realizada em funçãoda integração dos valores mobiliários ob-jecto da transmissão em sistemas centrali-zados, descentralizados e fora de qualquersistema.

DA (IR)RELEVÂNCIA DA FORMA DE REPRESENTAÇÃO PARA EFEITOS DE TRANSMISSÃO DE VM : 311

1.3. Artigo 51.º, número 5 do Código dosValores Mobiliários

Demonstrativo, também ele, da irrele-vância de regime atenta a forma de repre-sentação do valor mobiliário, é o número 5do artigo 51.º, o qual permite, conforme su-pra mencionado, que em caso de destruiçãodos títulos em depósito centralizado, opereuma conversão automática desses valoresmobiliários titulados, integrados em siste-ma centralizado, em valores escriturais, sal-vo se o emitente, no prazo de noventa dias apósa comunicação da entidade gestora do sistema,requerer a reforma judicial.

Admite, assim, o Código dos ValoresMobiliários a coexistência durante um de-terminado período – entre a destruição dostítulos e a eventual reforma judicial dosmesmos – de uma dupla forma de repre-sentação dos valores mobiliários; duplicida-de essa que decorre ex lege da conversão au-tomática em escritural dos títulos represen-tativos de determinada emissão que foramalvo de destruição. Curioso será averiguar apartir de que momento considera o legisla-dor como verificada ex lege essa conversão.Parece-nos, quanto a esta questão, tendoem conta a natureza do sistema centraliza-do e a ratio inerente à obrigatoriedade des-se depósito ou as razões inerentes a essa in-tegração voluntária por parte da emitente,que a conversão se tem como verificada nomomento da destruição dos títulos e antesmesmo de decorrido o prazo de 90 dias “...após a comunicação da entidade gestora do sis-tema de depósito centralizado ...” para a emi-tente requerer a reforma judicial dos títu-los. A salvaguarda constante da parte finaldo número 5 do artigo 51.º deverá, assim,em nossa opinião, ser interpretada no senti-do de que a conversão em escritural dos va-lores mobiliários não se tem como definiti-va caso se verifique a reforma judicial quenele se apela. Até esse momento, no entan-

to, coexistiriam ambas as formas de repre-sentação dos valores mobiliários; a partir deentão, aqueles valores serão escriturais outitulados consoante o impulso desenvolvidopela emitente dos mesmos.

1.4. Artigo 46.º, número 3 do Código dosValores Mobiliários

Reiterando o princípio da irrelevânciada forma de representação encontra-se ain-da o próprio número 3 do artigo 46.º, namedida em que expressamente dispõe nosentido de que os valores mobiliários desta-cados dos valores escriturais ou tituladosintegrados em sistema centralizado são re-presentados por registo em conta autónomo.Sendo representados através de registo emconta, a sua transmissão e exercício é tam-bém ela garantida através deste registo (ar-tigo 83.º e 105.º). Nesta medida, mesmoquanto a valores mobiliários titulados a re-levância da forma de representação titula-da restringe-se ao disposto no número 4 doartigo 46.º que admite que valores mobiliá-rios destacados de outros valores mobiliá-rios titulados sejam representados por cu-pões fisicamente separados do título.

Neste âmbito, é ainda importante o des-taque do disposto no número 2 do artigo104.º que mesmo para valores mobiliáriostitulados nominativos não integrados emsistema centralizado refere que os direitosinerentes a esses valores são exercidos deacordo com o que constar do registo na emi-tente. Mais uma vez note-se que, mesmoem circunstâncias onde o título deveria re-levar, o que importa em primeira linha é oconteúdo do registo junto do emitente.Desta forma, confirma-se que apenas paraefeitos do exercício de direitos inerentes avalores mobiliários titulados ao portadorque não integrados, o legislador faz de-pender os mesmos da posse do título ou

312 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

de certificado passado pela entidade depo-sitária.65

1.5. Artigo 54.º do Código dos ValoresMobiliários

Da mesma forma, veja-se o conteúdo danorma integrante do artigo 54.º, a qual pro-nunciando-se sobre o procedimento ine-rente à conversão de valores mobiliários aoportador em nominativos e vice-versa, maisuma vez distingue consoante estejamos pe-rante, por um lado, escriturais ou tituladosem sistema centralizado – caso em que aconversão se efectua através de anotação naconta de registo individualizado – e os res-tantes valores mobiliários sujeitos a outrosistema de registo ou depósito, no qual a

conversão se efectua por substituição dos tí-tulos ou por alteração no seu texto.

2. Síntese conclusiva

Com a integração dos valores junto desistema centralizado e respectiva imobili-zação verifica-se uma perda da função tra-dicionalmente associada aos títulos, comparticular realce, como procurámos de-monstrar, quanto ao sistema de circulaçãoque se lhe encontra associado. Nesta pers-pectiva, concordamos com a afirmação66 deque é defensável a ideia de que os valores titu-lados se convertem ex lege em valores escritu-rais, a partir do momento em que são inseridosno registo centralizado67 (...). Enquanto estãodepositados os valores, as funções dos títulos

DA (IR)RELEVÂNCIA DA FORMA DE REPRESENTAÇÃO PARA EFEITOS DE TRANSMISSÃO DE VM : 313

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65 De acordo com o artigo 55.º, quem em conformidade com o registo ou com o título for titular de direitos relativo a va-lores mobiliários está legitimado para o exercício dos direitos que lhe são inerentes. O número 2 avança estipulando omesmo princípio para efeitos do exercício de direitos destacados daqueles valores mobiliários. Da mesma forma, oartigo 56.º pronunciando-se sobre a legitimação passiva dispõe no sentido de exonerar a emitente dos valoresmediante o cumprimento da prestação que se lhe encontra afecta, perante quem esteja legitimado pelo registo oupelo próprio título.A análise do regime subsequente permite retirar a conclusão de que a legitimação activa é demonstrada perante aemitente com base em documentos que titulem a posição do respectivo titular. Tais documentos, por sua vez, po-derão revestir uma das seguintes formas:a) Tratando-se de emissão de valores mobiliários representados por registos em conta ou valores mobiliários titula-dos integrados em sistema centralizado, com base em certificado emitido pela entidade registadora (artigo 78.º e 104.º,respectivamente);b) Pelo contrário, tratando-se de valores mobiliários não integrados em sistema centralizado, o expediente utiliza-do poderá ser o do próprio título (artigo 104.º, número 1, primeira parte) no caso de valores mobiliários titulados aoportador ou o conteúdo do registo efectuado junto da entidade emitente, no caso de valores mobiliários nominativos(artigo 104.º, número 2) ou valores escriturais não integrados em sistema centralizado.c) Paralelamente à titulação mencionada, o número 3 do artigo 104.º admite ainda a possibilidade dos títulos pode-rem ter cupões destinados ao exercício dos direitos inerentes. Será o destaque do cupão que legitimará o seu titulara exercer o direito nele incorporado.Em face deste regime, facilmente se retira a conclusão de que a legitimação subjacente ao Código dos Valores Mo-biliários é assegurada essencialmente com base num regime de carácter formal que atende aos elementos resultan-tes do registo ou do próprio título. Como refere Amadeu Ferreira a coincidência entre a “titularidade” registral e a ti-tularidade substantiva dos direitos sobre valores mobiliários escriturais registados é a regra. (...) a aparência de titutlarida-de que é conferida pelo registo leva o legislador a conferir legitimidade a quem tiver os direitos registados em seu nome.Não obstante, mais uma vez, note-se que o regime inerente a essa legitimação resulta não da forma de representa-ção do valor mobiliário, mas sim do regime aplicável em matéria de registo e controlo do mesmo.66 Amadeu Ferreira, “Direito dos Valores Mobiliários. Sumários das Lições dadas ao 5.º ano ...”, págs. 228 e 229.67 Naturalmente que esta conversão ex lege tem de ser entendida em sentido restrito, na perspectiva essencialmenteda transmissão de valores mobiliários. A não ser assim, dificilmente se interpretaria a norma constante do número5 do artigo 51.º, que apenas parece admitir essa conversão mediante a destruição física dos títulos.

como que ficam entre parêntesis e não descor-tinamos uma única função que esses títulospossam desempenhar”. A partir do depósito,os títulos deixam, assim, de relevar em vá-rios termos, inclusive em matéria de exercí-cio dos direitos que lhe são inerentes, apli-cando-se para o efeito o regime resultantedo artigo 83.º ex vi artigo 105.º.

Não obstante, admite-se que essa funçãocirculatória e legitimadora dos títulos possaser recuperada, nomeadamente, nas situa-ções em que se vislumbre, na perspectivada entidade emitente, uma intenção deproceder ao levantamento dos mesmospara efeitos, p. ex., de depósito junto de ou-tra entidade, nomeadamente uma entidadeestrangeira que opere a gestão de registoscentralizados. Nessa medida teriam de serreflectidos e actualizados no conteúdo decada título a posição jurídica do seu titular,atento o principio do trato sucessivo previs-to no artigo 70.º.68/69

Uma vez findo ou cessado por qualquerforma o depósito de tais títulos, reunindo oregisto em conta reflexo desses valores mo-biliários a situação jurídica dos respectivostitulares, e não se verificando a possibilida-de de cessão do conteúdo do mesmo, im-porta, antes de proceder ao seu levanta-mento, efectuar as carimbagens devidas,por forma a reflectir a posição jurídica decada titular.

Em suma, o título é sempre ignorado en-quanto o depósito se mantiver.70

Esta necessidade de “desmaterialização”dos valores mobiliários titulados sente-se,naturalmente, com maior incidência no

caso da negociação de valores em mercadoregulamentado, exactamente pela naturezamassificada do mesmo, pela celeridade queimplica a sua transacção em mercado e pelocontrolo que se impõe na circulação dessesvalores. São estas essencialmente as preocu-pações que subjazem à cominação de obri-gatoriedade de registo ou depósito centrali-zado dos valores nele negociados impostapelo Código dos Valores Mobiliários nosseus artigos 62.º e 99.º, número 2, alínea a) eque, posteriormente, condiciona todo o sis-tema transmissivo desses mesmos valoresmobiliários.

Em face do exposto e confirmando umprincípio que começámos por enunciar eprocurámos demonstrar ao longo do tema –da restrita relevância da forma de represen-tação dos valores mobiliários para efeitos detransmissão dos mesmos, especialmentequando sujeitos a um sistema de registo oudepósito centralizado – deixamos apenas anota de que com a introdução de tecnologiasinformáticas ao nível dos vários sistemas denegociação, liquidação de operações, registoe controlo desses mesmos valores mobiliá-rios; com a obrigatoriedade de centralização; aceleridade que actualmente se impõe emface da circulação de valores mobiliários; amassificação do próprio mercado e o carácteranónimo dos investidores, com a intermedia-ção financeira obrigatória,71 deparamo-nos,efectivamente, com uma nova realidade emmatéria de transmissão de valores mobiliá-rios.72 Realidade que deixa de atender emprimeira linha à forma de representaçãodos valores ou sequer à sua modalidade e

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68 Os procedimentos inerentes ao sistema de depósito e levantamento dos títulos encontra-se delineado na Circularda Interbolsa n.º 2/2000.69 Os procedimentos inerentes ao levantamento de títulos na Central de Valores Mobiliários encontram-se expla-nados nos artigos 15.º a 18.º da Circular da Interbolsa n.º 2/2000.70 Amadeu Ferreira, “Direito dos Valores Mobiliários. Sumários das Lições dadas ao 5.º ano ...”, pág. 230.71 Actualmente e em face do Código dos Valores Mobiliários esta necessidade de intermediação financeira surge-nos um pouco esbatida em face da possibilidade de acesso directo pelos investidores ao mercado conforme resultaexpresso do artigo 273.º, número 6 do Código dos Valores Mobiliários.72 Amadeu Ferreira, “Direito dos Valores Mobiliários. Sumários das Lições dadas ao 5.º ano ...”, pág. 154.

passa a considerar especificamente o factode saber se aqueles valores estão ou não in-tegrados num sistema de registo ou depósi-to centralizado. Caso se encontrem, tudo sepassará como se se tratasse de valores mobi-liários escriturais, não apenas em termos decirculação dos mesmos, mas inclusivamente

de exercício dos direitos que lhes são ine-rentes; caso não se encontrem, então sim va-lerá a decisão conferida ao tipo de forma derepresentação inerente à emissão e o apura-mento da sua modalidade, enquanto valo-res mobiliários nominativos ou valores aoportador.

DA (IR)RELEVÂNCIA DA FORMA DE REPRESENTAÇÃO PARA EFEITOS DE TRANSMISSÃO DE VM : 315

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