Para Lucrar Com Centavos, controle é tudo

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    Para lucrar com centavos, controle tudo

    Jornal Valor EconmicoDaniele Madureira | De So Paulo16/02/2011

    Na luxuosa sede do grupo Alsaraiva no Morumbi, na zona sul de So Paulo, o mdicoAlberto Saraiva experimenta a novidade que comea a ser oferecida esta semana nasua rede de fast-food, o Habib's: bolinho frito de bacalhau, cujo lanamento exigiuinvestimentos de R$ 20 milhes. O garom oferece suco. Ele aceita, mas pede a versolight.

    "Engordei quase meio quilo depois da degustao de ontem [dia 10]", justifica."Ficamos trs horas provando novas verses da coalhada seca, feitas por meio de umequipamento que desenvolvemos para retirar o soro do produto", diz ele, que fazquesto de dar a palavra final sobre cada lanamento. "Eu era o cozinheiro da nossaprimeira loja e essa tradio [de aprovar pessoalmente o produto antes de oferec-lo]eu no deixei de lado".

    melhor ter o controle sobre tudo, para que nossolucro no v embora em cada etapa do processo",diz Saraiva

    Aos 58 anos, o poder centralizador do "Dr.Saraiva", como chamado pelos funcionriosna sede da companhia, vai muito alm dacozinha. Mdico, sem nunca ter exercido aprofisso, Saraiva discorre com facilidadesobre o processo produtivo da coalhada ou dobacalhau noruegus, tal o seu grau deenvolvimento nos negcios, fruto de uma

    mdia de 16 horas dirias de trabalho. Mas sua especialidade est nos nmeros: faz anegociao que for preciso para que os preos dos produtos carro-chefe das suaslanchonetes Habib's (comida rabe), Ragazzo (italiana) e da novata Box 30(salgadinhos) comecem com zero.

    Foi a partir da esfiha vendida a menos de um real no Habib's (a de carne custa hoje R$0, 85), que o mdico nascido em Portugal construiu um grupo de empresas dealimentao e servios que fatura entre R$ 800 milhes e R$ 1 bilho, segundoestimativas de mercado. S de esfihas, vendeu 635 milhes de unidades em 2010, ou3,3 esfihas per capita.

    "S um produto que custa centavos pode ser socializado", diz Saraiva, que tem esta

    mesma meta com o bolinho de bacalhau, sua maior aposta desde 2005, ano em quepassou a oferecer outro item tipicamente portugus, o pastel de Belm, no Habib's.

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    Por quase um ano, Saraiva negociou com fornecedores portugueses de bacalhau, atconseguir que o preo do bolinho ficasse em R$ 0,95. Gastou outros trs meses paraampliar em 22% o espao da central de produo do Habib's, em Itapevi (SP), que hojesoma 11,1 mil metros 2.

    Alm disso, precisou adaptar mais de 200 caminhes da frota da empresa para recebero bolinho de bacalhau. "A temperatura dos nossos caminhes frigorficos era de 8Celsius, mas o SIF [Servio de Inspeo Federal, que atesta a qualidade dos alimentos]exigiu que essa temperatura fosse de 18 Celsius, sem negociao". Dos R$ 20 milhesque esto sendo investidos no lanamento do produto, metade vai para a campanhapublicitria, que comea em maro.

    No fim de 2010, a empresa importou 450 toneladas de bacalhau, montante suficientepara abastecer as atuais 330 lojas do Habib's por trs meses, com 45 milhes debolinhos. A investida, diz Saraiva, elevou a rede de lanchonetes ao patamar dosmaiores compradores de bacalhau do pas. A Riberalves, fornecedora do Habib's,atende varejistas como Po de Acar, Walmart e Carrefour.

    "Eu poderia ter comprado o bacalhau aqui no Brasil, mas a conta nunca iria fechar paraque um bolinho de 30 gramas, com 45% de bacalhau na sua formulao, custasse

    centavos", diz o empresrio, adepto ferrenho da verticalizao. Alm das trsbandeiras de restaurantes, o Alsaraiva formado por nove empresas - desdefabricante de laticnios a escritrio de arquitetura, passando por agncia depropaganda. " melhor ter o controle sobre tudo, para que o nosso lucro no vembora em cada etapa do processo", diz Saraiva, cujas indstrias de laticnios, pes,massas, doces, sorteves e sobremesas congeladas produzem itens de marca prpriapara terceiros. Em servios, a Voxline, de contact center, atende o mercado.

    "A verticalizao custa mais, mas garante maior controle sobre o processo", diz oconsultor Eugenio Foganholo, da Mixxer. "Especialmente no ramo alimentcio, em que

    preciso assegurar ainda mais a qualidade, no h nada de errado em um modeloverticalizado", diz.

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    Mas no preciso muito capital para manter esta estrutura? "No devemos nada aosbancos", diz Saraiva, que tem metade dos pontos de venda como franquia. "O nossolucro reinvestido na empresa e mesmo o candidato a franqueado precisa provar quetem recursos prprios para bancar o negcio, no queremos ningum pendurado ememprstimos", diz ele, que aprova pessoalmente cada um dos franqueados. O modelo

    foi desenvolvido em 1992, apenas quatro anos depois do incio da primeira rede, oHabib's.

    Na poca da faculdade, enquanto precisava se desdobrar entre o balco e os livros deanatomia, Saraiva abriu meia dzia de negcios diferentes. "Tive padaria, pastelaria,lanchonete, casa do nhoque, bar... Tinha uma ideia, abria um negcio, quando omovimento da loja estivesse bom, eu passava o negcio para frente", lembra ele, queadotava essa estratgia porque no tinha capital de giro nem tempo para expandir aoperao. "Tinha at corretor de imveis que me acompanhava, sabia que depois deeu trabalhar um ponto ele poderia vend-lo com lucro".

    O empresrio comeou no ramo de alimentao por uma tragdia familiar. O pai,portugus, comprou uma padaria na Penha, zona leste de So Paulo, onde acabousendo assassinado durante um assalto. Aos 19 anos, como filho mais velho, Saraivaassumiu o negcio. "A faculdade de medicina me consumia o dia inteiro e eu tinha quelevantar de madrugada para aprender a fazer po", diz ele, que se lembra de ter pelomenos quatro fortes concorrentes na regio.

    Fachada da primeira loja do grupo, em imagem de meados dos anos 90 (foto ao lado). Parte de

    uma histria que comeou quando Alberto Saraiva, aos 19 anos, assumiu a padaria fundada

    pelo pai em So Paulo. Ele continuou estudando medicina - o diploma est guardado

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    Mas o po do seu estabelecimento no tinha apelo, por causa de um padeiro nocomprometido com o trabalho. "Ele saa no meio do expediente para ver se a mulher oestava traindo", lembra. Foi ento que Saraiva colocou literalmente as mos na massa

    e, depois de vrias tentativas e erros, o movimento do estabelecimento deu um salto."A nossa padaria se tornou a maior padaria do bairro e eu vendi o negcio", diz ele,que chegou a trancar a faculdade por dois anos enquanto ziguezagueava entrediferentes ramos de alimentao.

    Foi quando abriu uma lanchonete na Vila Mariana, zona sul de So Paulo, que um diafoi procurado por um velho cozinheiro desempregado, que havia trabalhado por anosna Rua 25 de Maro, tradicional meca de comrcio popular da capital paulista. PauloAbud lhe pediu emprego e Saraiva perguntou o que ele sabia fazer. "Ele me ensinoutodos os pratos rabes que conhecia e morreu dois anos depois de eu criar o Habib's,

    em 1998", afirma.

    Com o sucesso do novo empreendimento, Saraiva pendurou o diploma de medicina naparede. Hoje so 330 lojas Habib's, que devem aumentar em 45 pontos de venda esteano; e a Ragazzo, criada em 2005 e dona de uma rede de 21 lojas, ter mais dez em2011. A Box 30 - a nova bandeira que s vende salgadinhos e sorvetes, em um espaode 20 a 80 m2, bem menor que o do Habib's, de 400 m2 - ainda est em testes, comuma loja na zona sul de So Paulo. Outros cinco pontos de venda da Box 30 seroabertos este ano, antes de a marca se tornar um modelo de franquia. "A cada 30salgados comprados, o cliente ganha mais 30 e isso no promoo, a proposta da

    loja", diz ele.

    As investidas do "rei da esfiha" no se restringem ao ramo de alimentao. Saraiva seassociou h dois anos a uma empresria do ramo de turismo, Eunice Schleier, e lanoua Bib's Tur, que tem uma loja em So Paulo. Nos ltimos anos, ele tentou diversificarmais ainda e anunciou a abertura de postos de combustvel. "Mas descobrimos que ospontos que estvamos negociando tinham processos por problemas ambientais, e nofomos adiante", diz Saraiva que, no entanto, garante no ter desistido do projeto.

    Mas uma frustrao que o mdico carrega no ter levado a bandeira do Habib's parafora das fronteiras nacionais. No incio da dcada passado, ele tinha um projeto paradesembarcar em Miami, nos Estados Unidos, que foi abortado devido aos ataques de11 de setembro, em 2001. "No cairia bem abrir uma rede de comida rabe naquelemomento", conclui. Em seguida, foi a vez do Mxico, lugar onde o prprio Saraivamorou durante um ano, para apoiar a instalao das sete lojas no local. "Masenfrentamos uma srie de problemas de adaptao e decidimos que, no exterior,nunca mais montaremos sozinhos uma operao prpria", diz ele.

    Foi por isso que a terceira tentativa de internacionalizao da rede, na China, em 2009,no vingou. Na poca, Saraiva chegou a anunciar um plano de instalar 500 lojas nomaior pas do continente asitico. "Estvamos negociando com um grupo de

    investidores locais, mas o processo foi mal conduzido e eles no concordaram que a

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    nossa participao seria apenas de transferncia de know-how, queriam quetivssemos loja l", diz Saraiva. "Mas isso seria um projeto de alto risco".

    Teimoso por convico, Saraiva garante que agora est mais prximo de fazer oHabib's atravessar a fronteira. "Estamos negociando a chegada da bandeira ao

    Equador e a operao deve ser concluda este ano, com terceiros", afirma.

    Inquieto, o "Dr. Saraiva" garante que as 16 horas que passa por dia trabalhando no ofazem relegar a famlia a segundo plano. "Sou casado h 22 anos com a mesmamulher, que eu namorei por seis anos", diz Saraiva, para elencar outros nmerosprodigiosos. "Temos cinco filhos - a mais velha, Bruna, j est sendo preparada paraassumir o grupo um dia. E agora Cludia, minha mulher, est esperando o nosso sextofilho, uma menina", conta orgulhoso o palmeirense, que na sexta-feira passadarecebeu na sede da empresa o novo presidente do Palmeiras, Arnaldo Tirone.

    Como afago, Saraiva distribuiu camisetas do time equipe da empresa que oacompanhou no almoo com o dirigente do clube alviverde, um dos maiores rivais doSo Paulo Futebol Clube, patrocinado h dez anos pelo Habib's. "Quando comeamos,fazia sentido dentro da estratgia da empresa, para que o estdio atendesse aoEstatuto do Torcedor", diz ele, tambm morador do Morumbi, a trs minutos da sedeempresa. Paixes, paixes, negcios parte.