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para ser escritor Charles Kiefer 2010

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para ser escritor

Charles Kiefer

2010

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sumário

Ser escritor 6 A nova estética 9 Três notas sobre os blogs 12 O perigo que ronda as oficinas literárias 18 A sacralização do próprio texto 21 Sopro vital 24 Dialética do conto 27 A nuança da palavra 29 O paradoxo de Pixis 31 A má literatura 34 Literatura é solidão 38 Rigor e compaixão 41 A arte não evolui 44 Acerca de lançamentos 47

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Ainda sobre lançamentos em bares e assemelhados... 50 Adjetivar ou não é uma questão? 53 Um conselho de Mario Quintana 55 Um prazer anárquico 58 Títulos 61 A velha lição 64 É conto ou crônica? 68 Leitura de originais 73 Paixões literárias 76 O haicai 78 Quem não é visto 80 O plágio 83 Quatro mundos da criação 86 O peso da obrigação de ser original 88 O fogo sagrado 91 Cultura com sotaque 95 Literatura infantil 98 O som do H 101 O local, o nacional – temas, mercados, histórias 104 Trilogias 109 Eu assino o que escrevo 111 Passando a literatura a limpo 115 Questões táticas e estratégicas do Acordo Ortográfico 118 Sobre concursos literários 122 O Jardim do Éden é aqui 125 Três modelos teóricos 128 Um ofício estranho 131 O guardião da floresta 135 Um parâmetro ético 138 Sobre as mulheres de escritores 143 Duas obsessões 146 O padrão metafórico 149 Os oblíquos 151 O conto é um meteorito 154 As dores, a dor 156

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Um escritor somente é escritor quando menos é

escritor, no instante mesmo em que tenta ser

escritor e escreve.

Na absoluta solidão de seu ofício, enquanto a

mente elabora as frases e a mão corre para acom-

panhar-lhe o raciocínio, é escritor.

Nesse espaço, entre o pensamento e a expres-

são, vibra no ar um ser sutil, fátuo e que, termi-

nada a frase, concluído o texto, se evapora. Nesse

átimo, o escritor é escritor. Aí e somente aí.

Depois, já é o primeiro leitor, o primeiro crítico

de si mesmo e não mais escritor.

Explodida a bolha de sabão em que planava,

começa a surgir o autor, essa derivação vaidosa e

arrogante do escritor.

É o autor que imagina o efeito que seu texto

produzirá sobre os outros, sobre a sociedade; é o

autor que sente prazer em ver seu nome estampa-

do na capa de uma obra qualquer; é o autor que

se regozija com um comentário positivo da crítica,

que se enfurece com um comentário negativo.

E a depender da visão de mundo que o autor

importa da cultura em que está mergulhado o cor-

po de homem ou de mulher que lhe dá suporte,

fará uma literatura mais subjetiva e pessoal ou

mais objetiva e social. Mas qualquer um deles já

deixou de ser escritor, já abriu mão da total liberda-

de de escrever sem nenhum propósito e já começou

a servir ideologicamente a isto ou àquilo.

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A angústia de escrever talvez advenha daí, des-

sa encruzilhada, dessa cicatriz e dessa impossibili-

dade de se permanecer escritor por muito tempo.

Não será por isso que o fluxo de consciência é

tão prazeroso? Porque, em certo sentido, o fluxo,

ao fazer jorrar o material inconsciente, é capaz de

prolongar a duração do escritor e manter afastado

o autor.

O autor, ao contrário do escritor, corre rapida-

mente em direção a outra mutação – transforma-se

no profissional de literatura, no cronista, no contis-

ta, no romancista. E este, esquecido de sua origem

e de sua completa inutilidade, alienado e vencido,

organiza sessões de autógrafos, faz palestras e con-

trata assessores de imprensa.

Aos poucos, enfim, o autor, auxiliado por esses

profissionais competentes, vai matando o escritor,

fazendo-o esquecer-se de que escrever e sonhar são

uma coisa só e que se esgotam no próprio devir.

Às vezes, num gesto desesperado, para livrar-

-se dessa morte anunciada, o escritor apanha uma

espingarda de caça e explode a cabeça dos três.

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A nova estética

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A locomotiva e a imprensa criaram o conto

moderno.

Edgar Allan Poe, numa resenha sobre Twice

told tales, de Nathaniel Hawthorne, faz a apologia

da rapidez e da concisão, um século antes de Ítalo

Calvino estabelecê-las como paradigmas estéticos

para o século XXI.

Poe condena o estilo lento, rebuscado, verbo-

so, comparando-o às velhas diligências do Oeste.

O futuro, anuncia o escritor de Boston, será das

locomotivas e dos textos rápidos. A dissertação,

vaticina o pai do Corvo, cederá lugar à informação.

Até mesmo o conto, que ele também cultiva, há de

ser lido de uma assentada. De uma assentada de

trem que fizesse um percurso de, no máximo, duas

horas. Ou uma só, de preferência.

Hoje, muitos bons contos podem ser lidos em

menos tempo, muito menos tempo. Contos que

requeiram duas horas de leitura já são, para nós,

tediosas novelas.

O mundo se acelera, e a literatura – espelho em

que ele se mira – apressa-se também.

Importante é não confundir pressa com rapidez.

Pressa é relaxamento.

Rapidez pode ser virtude.

Não escrevo este rápido e conciso texto com

pressa. Mas ele poderá ser lido rapidamente.

Ele deve ser lido rapidamente, que os bytes e os

neurônios têm pressa, muita pressa.

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Porque a nossa atual locomotiva chama-se in-

ternet. E ela é rápida, muito rápida.

Além de gerar palavras novas – os dinossauros

as chamavam neologismos –, essa nova machina

exige textos curtos, parágrafos curtos, frases curtas.

Hoje, com um olhar retrospectivo, podemos ver a

revolução industrial parindo novas formas artíticas, a

short storie, a crônica, o folhetim, o romance policial,

o romance psicológico, o romance de aventuras.

Com um olhar prospectivo, podemos ver um

novo gênero, ainda sem nome, retorcendo-se na

tela do computador.

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Três notas sobre os blogs

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Todo produto cultural – ainda o mais alienado e

superficial – oculta na sombra da aparência a mas-

sa sólida e substanciosa que o projeta. A um olhar

rápido, e que não penetra a matéria observada, os

blogs não passam de “trenzinhos elétricos de di-

versão do ego”, em que adolescentes desorienta-

dos estariam fazendo mera catarse, como têm dito

aqueles que condenam, geralmente sem sequer co-

nhecer, essa nova forma de expressão.

Num certo aspecto, a acusação é verdadeira.

Nesses novos espaços de comunicação, o ego pas-

seia – como passeou, solene, na tragédia áurea, na

lírica clássica e no drama burguês – porque o texto

real ou virtual é a casa do ego, onde o ser lança os

seus fundamentos. E no labirinto do ego devorador

é de pouca ou de nenhuma importância a diferença

entre a dor de Homero e a angústia de uma esta-

giária de comunicação.

É bom que o ego passeie pelos blogs, e que se

expanda, e que se desnude, especialmente nesta

fase fundadora, de pura ex-pressão, quando o que é

quer vir para fora, embora saia apertado e debaixo

de vaias. De tanto mostrar-se, a expressão, no cho-

que permanente contra o leito do rio da experiência,

arredondará as suas formas, polirá as suas arestas

e se transformará em arte. (O que chamamos de

Homero é a lenta sedimentação de um processo po-

pular polifônico, que a tardia gramática helenista