Paradoxos&Interpretação

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 Interpretaçã o de Textos e Probabilidade Terminei de ler o livro Randomness de Deborah J. Bennett. O livro conta a história da probabilidade, desde os antigos jogos de tabuleiros egípcios até a geração de números pseudo-randômicos nos computadores modernos, passando pelo princípio de Monte Carlo, pelo Teorema de Bayes  , a distribuição t-student e o livro de números randômicos de Leonard Tippett . O livro é bem interessante e fácil de ler. Há uma versão em português: Aleatoriedade . Recomendo para todos os apaixonados por números. No último capítulo, a autora apresenta os principais paradoxos da teoria da probabilidade. Deborah explica que muitas teorias físicas e matemáticas possuem paradoxos, mas estes só são identificados num nível bastante sofisticado. No caso da probabilidade, há muitos paradoxos na parte simples da teoria. Nem tanto da matemática em si, mas da formalização matemática de um problema real, que nada mais é do que interpretação de textos. A gramática de uma linguagem natural, sua interpretaçã o e a teoria da probabilidade estão fortemente ligados. Talve z por i sso, esta teoria não seja bem compreendida por uma parte dos matemáticos. Vejamos um exemplo bem simples de paradoxo. Leia com atenção: Dado que numa família há duas crianças e que pelo menos uma é menina, qual é a probabilidade que haja duas meninas na família? Este problema, contado de maneira diferente tem respos tas diferentes. Vejamos: 1. Você faz uma nova amiga e pergunta se ela tem filhos. Ela responde: sim, dois. Você pergunta: alguma menina? Ela responde que sim. Qual a probabilidade de ambas serem meninas? Resposta: 1/3. 2. Você faz uma nova amiga e pergunta a ela se tem algum filho. Ela responde: sim, dois - com seis e dez anos de idade. Você pergunta: a mais velha é menina? Sim, responde ela. Qual é a probabilidade de ambas as crianças serem meninas? Resposta : 1/2. 3. Você faz uma nova amiga e pergunta se ela tem filhos. Ela responde: sim, dois. Alguma menina? Sim. No outro dia você a vê com uma garota e pergunta: esta é a sua filha? Sim, ela responde. Qual é a probabilidade dos dois filhos dela serem meninas? Resposta: 1/2.

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Interpretação de Textos e Probabilidade

Terminei de ler o livro Randomness de Deborah J.

Bennett. O livro conta a história da probabilidade,

desde os antigos jogos de tabuleiros egípcios até ageração de números pseudo-randômicos nos

computadores modernos, passando pelo princípio

de Monte Carlo, pelo Teorema de Bayes

 

, a

distribuição t-student e o livro de números

randômicos de Leonard Tippett . O livro é bem

interessante e fácil de ler. Há uma versão em português: Aleatoriedade. Recomendo

para todos os apaixonados por números.

No último capítulo, a autora apresenta os principais paradoxos da teoria daprobabilidade. Deborah explica que muitas teorias físicas e matemáticas possuem

paradoxos, mas estes só são identificados num nível bastante sofisticado. No caso da

probabilidade, há muitos paradoxos na parte simples da teoria. Nem tanto da

matemática em si, mas da formalização matemática de um problema real, que nada

mais é do que interpretação de textos. A gramática de uma linguagem natural, sua

interpretação e a teoria da probabilidade estão fortemente ligados. Talvez por isso, esta

teoria não seja bem compreendida por uma parte dos matemáticos.

Vejamos um exemplo bem simples de paradoxo. Leia com atenção: Dado que numa

família há duas crianças e que pelo menos uma é menina, qual é a probabilidade que

haja duas meninas na família? Este problema, contado de maneira diferente tem

respostas diferentes. Vejamos:

1.  Você faz uma nova amiga e pergunta se ela tem filhos. Ela responde: sim, dois. Você

pergunta: alguma menina? Ela responde que sim. Qual a probabilidade de ambas

serem meninas? Resposta: 1/3.

2.  Você faz uma nova amiga e pergunta a ela se tem algum filho. Ela responde: sim,

dois - com seis e dez anos de idade. Você pergunta: a mais velha é menina? Sim,

responde ela. Qual é a probabilidade de ambas as crianças serem meninas?

Resposta: 1/2.

3.  Você faz uma nova amiga e pergunta se ela tem filhos. Ela responde: sim, dois.

Alguma menina? Sim. No outro dia você a vê com uma garota e pergunta: esta é a

sua filha? Sim, ela responde. Qual é a probabilidade dos dois filhos dela serem

meninas? Resposta: 1/2.

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Note que a primeira e a última história são bem parecidas, mas a resposta não é igual. A

diferença entre os problemas é a informação de ordem dos eventos, que tem que ser

captada na interpretação do texto. Na primeira estória você não sabe se a menina é o

primogênito ou não, mas você sabe que há uma menina, portanto há três chances:

Menina-Menino, Menino-Menina, Menina-Menina. Como os eventos são equiprováveis,

e apenas um deles é verdade, a resposta é 1/3.

O segundo e terceiro caso, você sabe que a filha mais velha ou a que está na sua frente é

a menina, logo somente o outro filho é a dúvida. Assim, as possibilidades são: Menina-

Menino, Menina-Menina. Como só uma delas pode acontecer, a resposta é 1/2.

Este é um problema bem simples. Há outros em que a interpretação é de extrema

importância para formalização do problema, por exemplo:

Um taxi atropelou uma pessoa a noite e fugiu. Uma testemunha identificou o taxi como

sendo Azul. A perícia testou a fiabilidade da testemunha e concluiu que, nas mesmas

condições do evento, ela consegue identificar a cor do carro corretamente em 80% dos

casos. Sabendo que 85% dos carros da cidade são verdes, e apenas 15% são azuis, qual

a probabilidade do carro ser realmente azul?

Há várias maneiras de interpretar esse problema, mas apenas uma é a correta:

1.  A primeira é pensar que a probabilidade do carro ser realmente azul é a

probabilidade de um carro azul acontecer de fato e da testemunha acertar o

palpite. Assim, teríamos 0.8 * 0.15 = 0.12. Apesar do raciocínio fazer sentido,

intuitivamente podemos ver que a probabilidade final ficou muito baixa, afinal a

testemunha acerta em 80% dos casos.

2.  A segunda solução é pensar que não importa a distribuição de carros na cidade. Se

alguém acerta em 80% dos casos, e este alguém falou que o carro era azul, a

probabilidade de ele acertar é 80%. No entanto, se pensarmos que há muito mais

carros verdes do que azuis rodando, os 20% de erro desta pessoa deveriam

aumentar, diminuindo a probabilidade final.

3.  A solução correta é aplicar o teorema de Bayes. A probabilidade do carro ser

realmente azul, dado que a testemunha disse que ele era azul é igual a:

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1.  Pr(dizer azul|foi azul) * Pr(foi azul)

2.  ----------------------------------------------------------------------------------

3.  (Pr(dizer azul|foi azul) * Pr(foi azul) + Pr(dizer azul|foi verde) * Pr(foi verde) )

Em outras palavras:

1.  Pr(acertar a acusação) * Pr(foi azul)

2.  ----------------------------------------------------------------------------------

3.  (Pr(acertar na acusação) * Pr(foi azul) + Pr(errar na acusação) * Pr(foi verde) )

1.  0.8 * 0.15 

2.  ------------------------

3.  0.8 * 0.15 + 0.2 * 0.85 

1.  0.12 

2.  ------- = 0.414 

3.  0.29 

Muito mais complexo do que as duas maneiras de pensar iniciais. Chegar a essa

conclusão não é fácil e este não pode ser considerado um problema difícil. Imagine os

problemas realmente difíceis. Me diverti muito descobrindo que a minha intuição não

levava ao lugar certo ao ler estes problemas. Fica a dica de um livro que vai fazer você

pensar bastante.

PS: Preciso de um editor de fórmulas no Priki. Alguma idéia?

Posted in Dec 4, 2008 by Vitor Pamplona - Edit - History