Parágrafos selecionados da Crítica da faculdade do juízo · Crítica da faculdade do juízo *...
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Pargrafos selecionados da
Crtica da faculdade do juzo *
Immanuel Kant
Primeira Seo
ANALTICA DA FACULDADE DO JUZO ESTTICA
Primeiro Livro
ANALTICA DO BELO
Primeiro momento do juzo de gosto1, segundo a qualidade
1. O juzo de gosto esttico.
Para distinguir se algo belo ou no, referimos a representao, no pelo entendimento ao objeto em vista do conhecimento, mas pela faculdade da imaginao (talvez ligada ao entendimento) ao sujeito e ao seu sentimento de prazer ou desprazer. O juzo do gosto no , pois, nenhum juzo de conhecimento, por conseguinte no lgico e sim esttico, pelo qual se entende aquilo cujo fundamento de determinao no pode ser seno subjetivo. Toda referncia das representaes, mesmo a das sensaes, pode, porm, ser objetiva (e ela significa ento o real de uma representao emprica); somente no pode s-lo a referncia ao sentimento de prazer e desprazer, pelo qual no
* KANT , Immanuel. Crtica da Faculdade do Juzo. Traduo de Valrio Rohden e Antnio Marques. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitria, 1993, 1-29, pp. 47-112.
[Texto revisado por Verlaine Freitas. Foram trocados alguns termos que consideramos inadequados para a fluncia da leitura, posto que contrariam, segundo pensamos, a receptividade normal para essas palavras. O exemplo mais claro o da palavra complacncia, usada pelos tradutores para o termo Wohlgefallen. Embora o prprio Kant tenha colocado entre parntesis a palavra latina complacentia como referncia para aquele termo, o sentido mais usual e muito mais difundido para tal palavra em portugus o de conivncia, em vez de um mero prazer para com alguma coisa. Desse modo, preferimos a palavra comprazimento, que tem a mesma raiz etimolgica, cum + placere, sem acarretar o sentido pejorativo daquela outra. Alm dessas correes, foram eliminadas as referncias ao que distingue as trs primeiras edies da Crtica da faculdade do juzo, uma vez que tais diferenas no tm nenhuma importncia para o leitor da lngua portuguesa e atrapalha a fluncia da leitura. vf] 1 A definio do gosto, posta aqui a fundamento, de que ele a faculdade de ajuizamento *
do belo. O que porm requerido para denominar um objeto belo tem que a anlise dos juzos de gosto descobri-lo. Investiguei os momentos, aos quais esta faculdade do juzo em sua reflexo presta ateno, segundo orientao das funes lgicas para julgar (pois no juzo de gosto est sempre contida ainda uma referncia ao entendimento). Tomei em considerao primeiro os da qualidade, porque o juzo sobre o belo encara estes em primeiro lugar (K). * A traduo de Urteil por juzo e Beurteilung por ajuizamento (outros traduziram-no por julgamento) teve em vista marcar mais uma diferena terminolgica do que conceitual, no explicada em Kant. A diferena de sentido entre ambos os termos foi modernamente elaborada por W. Windelband (Prludien, 1884, p. 52 e segs.), para quem Urteil expressa a unio de dois contedos representacionais, e Beurteilung a relao da conscincia ajuizante com o objeto representado, no ampliando o conhecimento mas expressando aprovao ou desaprovao (N.T.).
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designado absolutamente nada no objeto, mas no qual o sujeito sente-se a si prprio do modo como ele afetado pela sensao.
Apreender pela sua faculdade de conhecimento (quer em um modo de representao claro ou confuso) um edifcio regular e conforme a fins algo totalmente diverso do que ser consciente desta representao com a sensao de comprazimento. Aqui a representao referida inteiramente ao sujeito e na verdade ao seu sentimento de vida, sob o nome de sentimentos de prazer ou desprazer, o qual funda uma faculdade de distino e ajuizamento inteiramente peculiar, que em nada contribui para o conhecimento, mas somente mantm a representao dada no sujeito em relao com a inteira faculdade de representaes, da qual a mente torna-se consciente no sentimento de seu estado. Representaes dadas em um juzo podem ser empricas (por conseguinte estticas); mas o juzo que proferido atravs delas lgico se elas so referidas ao objeto somente no juzo. Inversamente, porm mesmo que as representaes dadas fossem racionais, mas em um juzo fossem referidas meramente ao sujeito (seu sentimento) , elas so sempre estticas.
2. O comprazimento que determina o juzo de gosto independente de todo interesse.
Chama-se interesse o comprazimento que ligamos representao da existncia de um objeto. Por isso, um tal interesse sempre envolve ao mesmo tempo referncia faculdade da apetio, quer como seu fundamento de determinao, quer como se vinculando necessariamente ao seu fundamento de determinao. Agora, se a questo se algo belo, ento no se quer saber se a ns ou a qualquer um importa ou sequer possa importar algo da existncia da coisa, e sim como a ajuizamos na simples contemplao (intuio ou reflexo). Se algum me pergunta se acho belo o palcio que vejo ante mim, ento posso na verdade dizer: no gosto desta espcie de coisas que so feitas simplesmente para embasbacar, ou, como aquele chefe iroqus, de que em Paris nada lhe agrada mais do que as tabernas; posso, alm disso, em bom estilo rousseauniano, recriminar a vaidade dos grandes, que se servem do suor do povo para coisas to suprfluas; finalmente, posso convencer-me facilmente de que, se me encontrasse em uma ilha inabitada, sem esperana de algum dia retornar aos homens, e se pelo meu simples desejo pudesse produzir por encanto um tal edifcio suntuoso, nem por isso dar-me-ia uma vez sequer esse trabalho se j tivesse uma cabana que me fosse suficientemente cmoda. Pode-se me conceder e aprovar tudo isto; s que agora no se trata disso. Quer-se saber somente se esta simples representao do objeto em mim acompanhada de comprazimento, por indiferente que sempre eu possa ser com respeito existncia do objeto dessa representao. V-se facilmente que se trata do que fao dessa representao em mim mesmo, no daquilo em que dependo da existncia do objeto, para dizer que ele belo e para provar que tenho gosto. Cada um tem de reconhecer que aquele juzo sobre beleza, ao qual se mescla o mnimo interesse, muito faccioso e no nenhum juzo-de-gosto puro. No se tem que simpatizar minimamente com a existncia da coisa, mas ser a esse respeito completamente indiferente para em matria de gosto desempenhar o papel de juiz.
Mas no podemos elucidar melhor essa proposio, que de importncia primordial, do que se contrapomos ao comprazimento pura e desinteressada2 no juzo de 2 Um juzo sobre um objeto do comprazimento pode ser totalmente desinteressado e ser, contudo, muito interessante, isto , ele no se funda sobre nenhum interesse, mas produz um interesse; tais so todos os juzos morais puros. Mas em si os juzos de gosto tambm no fundam absolutamente interesse algum. Somente em sociedade torna-se interessante ter gosto, e a razo disso indicada no que se segue (K).
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gosto, aquela que ligada a interesse; principalmente se ao mesmo tempo podemos estar certos de que no h mais espcies de interesse do que as que precisamente agora devem ser nomeadas.
3. O comprazimento no agradvel ligado a interesse.
Agradvel o que apraz aos sentidos na sensao. Aqui se mostra de imediato a ocasio para censurar uma confuso bem usual e chamar a ateno para ela, relativamente ao duplo significado que a palavra sensao pode ter. Todo comprazimento (diz-se ou pensa-se) ela prpria sensao (de um prazer). Portanto, tudo o que apraz precisamente pelo fato de que apraz, agradvel (e, segundo os diferentes graus ou tambm relaes com outras sensaes agradveis, gracioso, encantador, deleitvel, etc.). Se isto, porm, for concedido, ento impresses dos sentidos, que determinam a inclinao, ou princpios da razo, que determinam a vontade, ou simples formas refletidas da intuio, que determinam a faculdade do juzo, so, no que concerne ao efeito sobre sentimento de prazer, inteiramente a mesma coisa. Pois este efeito seria o agrado na sensao de seu estado; e, j que enfim todo o cultivo de nossas faculdades tem de ter em vista o prtico e unificar-se nele como em seu objetivo, assim no se poderia pretender delas nenhuma outra avaliao das coisas e de seu valor do que a que consiste no deleite que elas prometem. O modo como elas o conseguem, no importa enfim absolutamente; e como unicamente a escolha dos meios pode fazer nisso uma diferena, assim os homens poderiam culpar-se reciprocamente de tolice e de insensatez, jamais, porm, de vileza e maldade; porque todos eles, cada um segundo o seu modo de ver as coisas, tendem a um objetivo que para qualquer um o deleite.
Se uma determinao do sentimento de prazer ou desprazer denominada sensao, ento esta expresso significa algo totalmente diverso do que se denomino a representao de uma coisa (pelos sentidos, como uma receptividade pertencente faculdade do conhecimento), sensao. Pois, no ltimo caso, a representao referida ao objeto; no primeiro, porm, meramente ao sujeito, e no serve absolutamente para nenhum conhecimento, tampouco para aquele pelo qual o prprio sujeito se conhece.
Na definio dada, entendemos contudo pela palavra sensao uma representao objetiva dos sentidos; e, para no corrermos sempre perigo de ser falsamente interpretados, queremos chamar aquilo que sempre tem de permanecer simplesmente subjetivo, e que absolutamente no pode constituir nenhuma representao de um objeto, pelo nome, alis, usual de sentimento. A cor verde dos prados pertence sensao objetiva, como percepo de um objeto do sentido; o seu agrado, porm, pertence sensao subjetiva, pela qual nenhum objeto representado: isto , ao sentimento pelo qual o objeto considerado como objeto do comprazimento (o qual no nenhum conhecimento do mesmo).
Ora, que o meu juzo sobre um objeto, pelo qual o declaro agradvel, expresse um interesse pelo mesmo, j resulta claro, do fato que mediante a sensao ele suscita um desejo por tais objetos, por conseguinte o comprazimento pressupe no o simples juzo sobre ele, mas a referncia da sua existncia ao meu estado, na medida em que ele afetado por um tal objeto. Por isso do agradvel no se diz apenas: ele apraz, mas: ele deleita. No uma simples aprovao que lhe dedico, mas atravs dele gerada inclinao; e ao que agradvel do modo mais vivo, no pertence a tal ponto nenhum juzo sobre a natureza do objeto, que at aqueles que sempre tm em vista o gozar (pois esta a palavra com que se designa o ntimo do deleite) de bom grado se dispensam de todo o julgar.
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4. O comprazimento no bom est ligado ao interesse
Bom o que apraz mediante a razo pelo simples conceito. Denominamos bom para (o til) algo que apraz somente como meio; outra coisa, porm, que apraz por si mesma denominamos bom em si. Em ambos est contido o conceito de um fim, portanto a relao da razo ao (pelo menos possvel) querer, consequentemente um comprazimento na existncia de um objeto ou de uma ao, isto , um interesse qualquer.
Para considerar algo bom preciso saber sempre que tipo de coisa o objeto deva ser, isto , ter um conceito do mesmo. Para encontrar nele beleza, no o necessito. Flores, desenhos livres, linhas entrelaadas sem inteno sob o nome de folhagem, no significam nada, no dependem de nenhum conceito determinado e, contudo, aprazem. O comprazimento no belo tem que depender da reflexo sobre um objeto, que conduz a um conceito qualquer (sem determinar qual), e desta maneira distingue-se tambm do agradvel, que assenta inteiramente na sensao.
Na verdade, o agradvel parece ser em muitos casos idntico ao bom. Assim se dir comumente: todo o deleite (nomeadamente o duradouro) em si mesmo bom; o que aproximadamente significa; ser duradouramente agradvel ou bom o mesmo. Todavia pode-se notar logo que isto simplesmente uma confuso falsificadora de palavras, j que os conceitos que propriamente so atribudos a estas expresses de nenhum modo podem ser intercambiados. O agradvel, visto que, como tal, representa o objeto meramente em referncia ao sentido, precisa ser primeiro submetido pelo conceito de um fim a princpios da razo, para que se o denomine bom, como objeto da vontade. Mas que ento se trata de uma referncia inteiramente diversa ao comprazimento, se denomino o que deleite ao mesmo tempo bom, conclui-se do fato que em relao ao bom sempre se pergunta se s mediatamente-bom ou imediatamente-bom (se til ou bom em si); enquanto em relao ao agradvel, contrariamente, essa questo no pode ser posta, porque a palavra sempre significa algo que apraz imediatamente. (O mesmo se passa tambm com o que denomino belo).
Mesmo nas conversaes mais comuns distingue-se o agradvel do bom. De um prato que reala o gosto com recurso a temperos e outros ingredientes diz-se sem hesitar que agradvel e confessa-se ao mesmo tempo que no bom; porque ele na verdade agrada imediatamente aos sentidos, mas mediatamente, isto , pela razo que olha para as consequncias, ele desagrada. Mesmo no julgamento da sade pode-se ainda notar esta diferena. Ela imediatamente agradvel para todo aquele que a possui (pelo menos negativamente, isto , enquanto afastamento de todas as dores corporais). Mas para dizer que ela boa, temos que ainda dirigi-la a fins pela razo, ou seja como um estado que nos dispe para todas as nossas ocupaes. Com vista felicidade, finalmente, qualquer um cr, contudo, poder chamar soma mxima (tanto pela quantidade como pela durao) dos agrados da vida um verdadeiro bom at mesmo o bom supremo. No entanto, tambm a isso a razo se ope. Amenidades so gozo. Mas se apenas este contasse, seria tolo ser escrupuloso com respeito aos meios que no-lo proporcionam, quer ele fosse obtido passivamente a partir da liberalidade da natureza, quer por atividade prpria e por nossa prpria atuao. A razo porm jamais se deixar persuadir de que tenha em si um valor a existncia de um homem, que vive simplesmente para gozar (e seja at muito diligente a este propsito) mesmo que ele, para o conseguir, fosse o mais til possvel a outros, que visem igualmente o gozo, e na medida em que ele pela simpatia gozasse em conjunto de todo o deleite. Somente atravs do que o homem faz sem considerao do gozo, em inteira liberdade e independentemente do que a natureza tambm passivamente poderia proporcionar-lhe, confere ele um valor absoluto sua
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existncia {dasein}, enquanto existncia {existenz} de uma pessoa; e a felicidade com a inteira plenitude das suas amenidades no de modo nenhum um bom incondicionado.
Mas a despeito de toda esta diversidade entre o agradvel e o bom, ambos concordam em que eles sempre esto ligados com interesse ao seu objeto, no s o agradvel ( 3), e o mediatamente bom (o til), que apraz como meio para qualquer amenidade, mas tambm o absolutamente e em todos os sentidos bom, a saber, o bom moral, que comporta o mximo interesse. Pois o bom o objeto da vontade (isto , de uma faculdade da apetio determinada pela razo). Todavia querer alguma coisa e ter comprazimento na sua existncia, isto tomar um interesse por ela, idntico.
5. Comparao dos trs modos especificamente diversos de comprazimento
O agradvel e o bom tm ambos uma referncia faculdade de apetio e nesta medida trazem consigo, aquele um comprazimento patologicamente condicionado (por estmulos), este um comprazimento prtico, o qual no determinado simplesmente pela representao do objeto, mas ao mesmo tempo pela representada conexo do sujeito com a existncia do mesmo. No simplesmente o objeto apraz, mas tambm a sua existncia. Contrariamente, o juzo de gosto meramente contemplativo, isto , um juzo que, indiferente em relao existncia de um objeto, s considera a sua natureza em comparao com o sentimento de prazer e desprazer. Mas esta prpria contemplao to pouco dirigida a conceitos: pois o juzo de gosto no nenhum juzo de conhecimento (nem terico, nem prtico) e por isso to pouco fundado em conceitos, nem os tem por fim.
O agradvel, o belo, o bom designam, portanto, trs relaes diversas das representaes ao sentimento de _15 prazer e desprazer, com referncia ao qual distinguimos entre si objetos ou modos de representao. Tambm no so idnticas as expresses que convm a cada um e com as quais se designa o comprazimento [komplazenz], nos mesmos. Agradvel significa para algum aquilo que o deleita; belo, aquilo que meramente lhe apraz; bom, aquilo que estimado, aprovado, isto , onde posto por ele um valor objetivo. Amenidade vale tambm para animais irracionais; beleza somente para homens; isto , entes animais, contudo racionais, mas no meramente como tal (por ex. espritos), porm ao mesmo tempo como animais; o bom, porm, vale para todo o ente racional em geral; uma proposio que somente no que se segue pode obter a sua completa justificao e elucidao: pode-se dizer que entre todos estes modos de comprazimento, nica e exclusivamente o do gosto pelo belo desinteressado e livre; pois nenhum interesse, quer o dos sentidos, quer o da razo, arranca aplauso. Por isso poder-se-ia dizer do comprazimento que ele, nos trs casos mencionados, refere-se a inclinao ou favor, ou respeito. Pois favor o nico comprazimento livre. Um objeto da inclinao e um que nos imposto ao desejo mediante uma lei da razo, no nos deixam nenhuma liberdade para fazer de qualquer coisa um objeto de prazer para ns mesmos. Todo o interesse pressupe necessidade ou a produz; e, enquanto fundamento determinante da aprovao, ele j no deixa o juzo sobre o objeto ser livre.
No que concerne ao interesse da inclinao pelo agradvel, qualquer um diz que a fome o melhor cozinheiro e que pessoas de apetite saudvel gostam de tudo, desde que se possa com-lo; consequentemente um tal comprazimento no prova nenhuma escolha pelo gosto. Somente quando a necessidade est saciada se pode distinguir quem entre muitos tem gosto ou no. Do mesmo modo h costumes (conduta) sem virtude, cortesia sem benevolncia, decncia sem honradez, etc. Pois onde a lei moral fala, no h objetivamente mais nenhuma livre escolha com respeito ao que deva ser feito; e mostrar gosto em sua conduta (ou no julgamento sobre a de outros) algo totalmente diverso do
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que exteriorizar a sua maneira de pensar moral: pois esta contm um mandamento e produz uma necessidade, j que contrariamente o gosto moral somente joga com os objetos do comprazimento, sem se afeioar a um deles.
Explicao do belo inferida do primeiro momento.
Gosto a faculdade de ajuizamento de um objeto ou de um modo de representao mediante um comprazimento ou descomprazimento independente de todo interesse. O objeto de um tal comprazimento chama-se belo.
Segundo momento do juzo de gosto, a saber, segundo sua quantidade.
6. O belo o que representado sem conceitos como objeto de um comprazimento universal.
Esta explicao do belo pode ser inferida da sua explicao anterior, como um objeto do comprazimento independente de todo interesse. Pois aquilo, a respeito de cujo comprazimento algum consciente de que ela nele prprio independente de todo interesse, isso ele no pode ajuizar de outro modo, seno de que tenha de conter um fundamento do comprazimento para qualquer um. Pois, visto que no se funda sobre qualquer inclinao do sujeito (nem sobre qualquer outro interesse deliberado), mas, visto que o julgante sente-se inteiramente livre com respeito ao comprazimento que ele dedica ao objeto; assim, ele no pode descobrir nenhum condio privada como fundamento do comprazimento qual, unicamente, seu sujeito se afeioasse, e por isso tem que consider-lo como fundado naquilo que ele tambm pode pressupor em todo outro; conseqentemente, ele tem de crer que possui razo para pretender de qualquer pessoa um comprazimento semelhante. Ele falar pois, do belo como se a beleza fosse uma qualidade do objeto e o juzo fosse lgico (constituindo atravs de conceitos do objeto de um conhecimento do mesmo), conquanto ele seja somente esttico e contenha simplesmente uma referncia da representao do objeto ao sujeito; porque ele contudo possui semelhana com o lgico, pode-se pressupor a sua validade para qualquer um. Mas de conceitos essa universalidade tampouco pode surgir. Pois conceitos no oferecem nenhuma passagem ao sentimento de prazer ou desprazer (exceto em leis prticas puras, que, porm, levam consigo um interesse, semelhante ao qual no se encontra nenhum ligado ao juzo de gosto puro). Conseqentemente, se tem que atribuir ao juzo de gosto, com a conscincia da separao nele de todo interesse, uma reivindicao de validade para qualquer um, sem universalidade fundada sobre objetos. Isto , uma reivindicao de universalidade subjetiva tem que estar ligada a esse juzo.
7. Comparao do belo com o agradvel e o bom atravs da caraterstica acima.
Com respeito ao agradvel, cada um resigna-se com o fato de que seu juzo, que ele funda sobre um sentimento privado e mediante o qual ele diz de um objeto que ele lhe apraz, limita-se tambm simplesmente a sua pessoa. Por isso, ele de bom grado contenta-se com o fato de que se ele diz o vinho espumante das Canrias agradvel, um outro corrige-lhe a expresso e recorda-lhe que deve dizer ele me agradvel; e assim no somente no gosto da lngua, do cu da boca e da garganta, mas tambm no que possa ser agradvel aos olhos e ouvidos de cada um. Pois a um a cor violeta suave e amena, a outra morta e fenecida. Um ama o som dos instrumentos de sopro, outro o dos instrumentos de corda. Altercar sobre isso, com o objetivo de censurar como
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incorreto o juzo de outros, que diverso do nosso, como se fosse logicamente oposto a este, seria tolice; portanto, acerca do agradvel vale o princpio: cada um tem seu prprio gosto (dos sentidos).
Com o belo passa-se de modo totalmente diverso. Seria (precisamente ao contrrio) ridculo que algum que se gabasse de seu gosto pensasse justificar-se com isto: este objeto (o edifcio que vemos, o traje que aquele veste, o conceito que ouvimos, o poema que apresentado ao ajuizamento) para mim belo. Pois ele no tem que denomin-lo belo se apraz meramente a ele. Muita coisa pode ter atrativo e agrado para ele, com isso ningum se preocupa; se ele, porm, toma algo por belo, ento atribui a outros precisamente a mesmo comprazimento: ele no julga simplesmente por si, mas por qualquer um e neste caso fala da beleza como se ela fosse uma propriedade das coisas. Por isso ele diz: a coisa bela e no conta com o acordo unnime de outros em seu juzo de comprazimento porque ele a tenha considerado mais vezes em acordo com o seu juzo, mas a exige deles. Ele censura-os se julgam diversamente e nega-lhe o gosto, todavia pretendendo que eles devam possu-lo; e nesta medida no se pode dizer: cada um possui seu gosto particular. Isto equivaleria a dizer: no existe absolutamente gosto algum, isto , um juzo esttico que pudesse legitimamente reivindicar o assentimento de qualquer um.
Contudo, descobre-se tambm a respeito do agradvel, que no seu ajuizamento pode ser encontrada unanimidade entre pessoas, com vistas qual se nega a alguns o gosto e a outros se-lo concede, e na verdade no no significado de sentido orgnico mas de faculdade de ajuizamento com respeito ao agradvel em geral. Assim, se diz de algum que sabe entreter seus hspedes com amenidades (do gozo atravs de todos os sentidos), de modo tal que apraz a todos, que ele tem gosto. Mas aqui a universalidade tomada s comparativamente; e ento h somente regras gerais (como o so todas as empricas), no universais, como as que o juzo de gosto sobre o belo toma a seu encargo ou reivindica. Trata-se de um juzo em referncia sociabilidade, na medida em que ela se baseia em regras empricas. Com respeito ao bom, os juzos na verdade tambm reivindicam, com razo, validade para qualquer um; todavia, o bom representado somente por um conceito como objeto de um comprazimento universal, o que no o caso nem do agradvel nem do belo.
8. A universalidade do comprazimento representada em um juzo de gosto somente como subjetiva.
Esta particular determinao da universalidade de um juzo esttico, que pode ser encontrada em um juzo de gosto, na verdade uma curiosidade no para o lgico, mas sim para o filsofo transcendental; ela desafia seu no pequeno esforo para descobrir a origem da mesma, mas em compensao desvela tambm uma propriedade de nossa faculdade de conhecimento, a qual sem este desmembramento teria ficado desconhecida.
Antes de tudo, preciso convencer-se inteiramente de que pelo juzo de gosto (sobre o belo) imputa-se a qualquer um o comprazimento no objeto, sem contudo se fundar sobre um conceito (pois ento se trataria do bom); e que esta reivindicao de validade universal pertence to essencialmente a um juzo pelo qual declaramos algo belo, que sem pensar essa universalidade ningum teria idia de usar essa expresso, mas tudo o que apraz sem conceito seria computado como agradvel, com respeito ao qual deixa-se a cada um seguir sua prpria cabea e nenhum presume do outro adeso a seu juzo de gosto, o que, entretanto, sempre ocorre no juzo de gosto sobre a beleza. Posso denominar o primeiro gosto dos sentidos, o segundo, de gosto da reflexo: enquanto o
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primeiro profere meramente juzos privados, o segundo, por sua vez, profere pretensos juzos comumente vlidos (pblicos), de ambos os lados, porm, juzos estticos (no prticos) sobre um objeto simplesmente com respeito relao de sua representao com o sentimento de prazer e desprazer. Ora, contudo estranho que visto que a respeito do gosto dos sentidos no apenas a experincia mostra que seu juzo (de prazer ou desprazer em algo qualquer) no vale universalmente, mas qualquer um tambm por si to despretensioso que precisamente no imputa a outros este acordo unnime (se bem que efetiva e freqentemente se encontre uma unanimidade muito ampla tambm nestes juzos) o gosto de reflexo, que, como o ensina a experincia, tambm bastante freqentemente rejeitado com sua reivindicao de validade universal de seu juzo (sobre o belo) para qualquer um, no obstante possa considerar possvel (o que ele tambm faz efetivamente) representar-se juzos que pudessem exigir universalmente este acordo unnime e de fato o presume para cada um de seus juzos de gosto, sem que aqueles que julgam estejam em conflito quanto possibilidade de uma tal reivindicao, mas somente em casos particulares no podem unir-se a propsito do emprego correto desta faculdade.
Ora, aqui se deve notar, antes de tudo, que uma universalidade que no se baseia em conceitos de objetos (ainda que somente empricos) no absolutamente lgica, mas esttica, isto , no contm nenhuma quantidade objetiva do juzo, mas somente uma subjetiva, para a qual tambm utilizo a expresso validade comum , a qual designa a validade no da referncia de uma representao faculdade de conhecimento, mas ao sentimento de prazer e desprazer para cada sujeito. (A gente pode, porm, servir-se tambm da mesma expresso para a quantidade lgica do juzo, desde que acrescente: validade universal objetiva, diferena da simplesmente subjetiva, que sempre esttica).
Ora, um juzo objetiva e universalmente vlido tambm sempre subjetivo, isto , se o juzo vale para tudo o que est contido sob um conceito dado, ento ele vale tambm para qualquer um que represente um objeto atravs deste conceito. Mas de uma validade universal subjetiva, isto , esttica, que no se baseie em nenhum conceito, no se pode deduzir a validade universal lgica, porque aquela espcie de juzo no remete absolutamente ao objeto. Justamente por isso, todavia, a universalidade esttica, que conferida a um juzo, tambm tem que ser de ndole peculiar, porque ela no conecta o predicado da beleza ao conceito do objeto, considerado em sua inteira esfera lgica, e, no entanto estende o mesmo sobre a esfera inteira dos que julgam.
No que concerne quantidade lgica, todos os juzos de gosto so juzos singulares. Pois, porque tenho de ater o objeto imediatamente a meu sentimento de prazer, e contudo no atravs de conceitos, assim aqueles no podem ter a quantidade de um juzo objetiva e comumente vlido; se bem que, se a representao singular do objeto do juzo de gosto, segundo as condies que determinam o ltimo, for por comparao convertida em um conceito, um juzo lgico universal poder resultar disso: por exemplo, a rosa, que contemplo, declaro-a bela mediante um juzo de gosto. Contrariamente, o juzo que surge por comparao de vrios singulares as rosas, em geral, so belas no desde ento enunciado simplesmente como esttico, mas como um juzo lgico fundado sobre um juzo esttico. Ora, o juzo a rosa (de odor)3 agradvel na verdade tambm um juzo esttico e singular, mas nenhum juzo de gosto e sim dos sentidos. Ele distingue-se do primeiro no fato de que o juzo de gosto traz consigo uma quantidade esttica da universalidade, isto , da validade para qualquer um, a qual no pode ser encontrada no juzo sobre o agradvel. S e unicamente os juzos sobre
3 Kant: uso; corrigido por Erdmann.
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o bom, conquanto determinem tambm o comprazimento em um objeto, possuem universalidade lgica, no meramente esttica; pois eles valem sobre o objeto, como conhecimento do mesmo, e por isso para qualquer um.
Quando se julgam objetos simplesmente segundo conceitos, toda a representao da beleza perdida. Logo, no pode haver tampouco uma regra, segundo a qual algum devesse ser coagido a reconhecer algo como belo. Se um vestido, uma casa, uma flor bela, disso a gente no deixa seu juzo persuadir-se por nenhuma razo ou princpio. A gente quer submeter o objeto aos seus prprios olhos, como se seu comprazimento dependesse da sensao; e, contudo, se a gente ento chama o objeto de belo, cr ter em seu favor uma voz universal e reivindica a adeso de qualquer um, j que do contrrio cada sensao privada decidiria s e unicamente para o observador e seu comprazimento.
Ora, aqui se trata de ver que no juzo do gosto nada postulado , a no ser uma tal voz universal com vistas ao comprazimento, sem mediao dos conceitos; por conseguinte, a possibilidade de um juzo esttico que, ao mesmo tempo, possa ser considerado como vlido para qualquer um. O prprio juzo de gosto no postula o acordo unnime de qualquer um (pois isto s pode faz-lo um juzo lgico-universal, porque ele pode alegar razes); ele somente imputa , a qualquer um este acordo como um caso da regra, com vistas ao qual espera a confirmao no de conceitos, mas da adeso de outros. A voz universal , portanto, somente uma idia (em qu ela se baseia, no ser ainda investigado aqui). Que aquele que cr proferir um juzo de gosto, de fato julgue de acordo com essa idia, pode ser incerto; mas que ele, contudo, o refira a ela, conseqentemente que ele deva ser um juzo de gosto, anuncia-o atravs da expresso beleza. Por si prprio, porm, ele pode estar certo disso pela simples conscincia da separao, de tudo o que pertence ao agradvel e ao bom, do comprazimento que ainda lhe resta; e isto tudo para o qual ele se promete o assentimento de qualquer um; uma pretenso para qual, sob estas condies, ele tambm estaria autorizado, se ele no incorresse freqentemente em falta contra elas e por isso proferisse um juzo de gosto errneo.
9. Investigao da questo, se no juzo de gosto o sentimento de prazer precede o ajuizamento do objeto ou se este ajuizamento precede o prazer.
A soluo deste problema a chave da crtica do gosto e por isso digna de toda a ateno.
Se o prazer no objeto dado fosse o antecedente e no juzo de gosto somente a comunicabilidade 4 universal do prazer devesse ser concedida representao do objeto, ento um tal procedimento estaria em contradio consigo mesmo. Pois tal prazer no seria nenhum outro que o simples agrado na sensao sensorial e, por isso, de acordo com sua natureza, somente poderia ter validade privada, porque dependeria imediatamente da representao pela qual o objeto dado.
Logo, a universal capacidade de comunicao do estado da mente na representao dada que, como condio subjetiva do juzo de gosto, tm de jazer como
4 O verbo mitteilen tem o sentido literal de compartir ou compartilhar. Embora autores no kantianos (p. ex., Luhmann) considerem o substantivo Mitteilung como apenas designando um dos elementos da comunicao, especialistas kantianos entendem-no simplesmente no sentido de comunicao. Cf. p. ex. J. Kulemkanpff, Kants Logik des sthetischen Urteils, 1978, p. 80: allgemein kommunizierbar (allgemein mitteilbar). E.R. Kaulbach, em sthetische Welterkenntnis bei Kant, 1984, p. 71 entende Mitteilbarkeit der Gefhle como uma harmonia comunicativa, kommunikativen Harmonie. O prprio Kant assim se expressa na Reflexo 767: Der Geschmack macht, da der Genu sich kommuniziert (o gosto faz com que o gozo se comunique) (N.T.).
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fundamento do mesmo e ter como conseqncia o prazer no objeto. Nada, porm, pode ser comunicado universalmente, a no ser conhecimento e representao, na medida em que ela pertence ao conhecimento. Pois s e unicamente nesta medida a ltima objetiva e s assim tem um ponto de referncia universal, com o qual a faculdade de representao de todos coagida a concordar. Ora, se o fundamento determinante do juzo sobre essa comunicabilidade universal da representao deve ser pensado apenas subjetivamente, ou seja, sem um conceito do objeto, ento ele no pode se nenhum o outro seno o estado da mente, que encontrado na relao recproca das faculdades de representao, na medida em que elas referem uma representao dada ao conhecimento em geral.
As faculdades de conhecimento, que atravs desta representao so postas em jogo, esto com isto num livre jogo porque nenhum conceito determinado as limita a uma regra particular de conhecimento. Portanto, o estado da mente nesta representao tem que ser o de um sentimento do jogo livre das faculdades de representao numa representao dada para um conhecimento em geral. Ora, a uma representao pela qual um objeto dado, para que disso resulte em geral conhecimento, pertencem a faculdade da imaginao, para a composio do mltiplo da intuio, e o entendimento para a unidade do conceito, que unifica as representaes. Este estado de um jogo livre das faculdades de conhecimento numa representao, pela qual um objeto dado, tem que poder comunicar-se universalmente; porque o conhecimento como determinao do objeto, com o qual representaes dadas (seja em que sujeito for) devem concordar o nico modo de representao que vale para qualquer um.
A comunicabilidade universal subjetiva do modo de representao num juzo de gosto, visto que ela deve ocorrer sem pressupor um conceito determinado, no pode ser outra coisa seno o estado da mente no jogo livre da faculdade da imaginao e do entendimento (na medida em que concordam entre si, como requerido para um conhecimento em geral, enquanto somos conscientes de que esta relao subjetiva prpria do conhecimento em geral tem de valer tambm para todos e consequentemente ser :, universalmente comunicvel, como o cada conhecimento determinado, que pois sempre se baseia naquela relao como condio subjetiva.
Este julgamento simplesmente subjetivo (esttico) do objeto ou da representao, pela qual ele dado, precede pois o prazer no mesmo objeto e o fundamento deste prazer na harmonia das faculdades de conhecimento; mas esta validade universal subjetiva do comprazimento, que ligamos representao do objeto que denominamos belo, funda-se unicamente sobre aquela universalidade das condies subjetivas do julgamento dos objetos.
O fato de poder comunicar o nosso estado de nimo, embora somente com vista s faculdades cognitivas, trazer consigo um prazer, poder-se-ia demonstrar facilmente (emprica e psicologicamente) a partir da tendncia natural do homem sociabilidade. Isto porm no suficiente para o nosso objetivo. Se denominamos algo belo, imputamos o prazer que sentimos a todo o outro como necessrio, no juzo de gosto, como se devesse ser considerado uma qualidade do objeto, a qual determinada nele segundo conceitos; pois a beleza, sem referncia ao sentimento do sujeito, por si no nada. Mas temos que reservar a discusso desta questo at resposta quela outra: se e como juzos estticos a priori so possveis.
Agora ocupamo-nos ainda com a questo menor: de que modo nos tornamos conscientes de uma concordncia subjetiva recproca das faculdades de conhecimento entre si no juzo de gosto? Esteticamente pelo simples sentido interno e sensao ou intelectualmente pela conscincia de nossa atividade intencional com que pomos aquelas em jogo?
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Se a representao dada, que ocasiona o juzo de gosto, fosse um conceito, que unificasse entendimento e imaginao no julgamento do objeto [Gegenstande], para um conhecimento do mesmo objekts, ento a conscincia desta relao seria intelectual (como no esquematismo objetivo da faculdade do juzo, do qual a crtica trata). Mas o juzo to pouco seria proferido em referncia a prazer e desprazer, portanto no seria nenhum juzo de gosto. Ora, o juzo de gosto contudo determina, independentemente de conceitos, o objeto com respeito ao comprazimento e ao predicado da beleza. Logo, aquela unidade subjetiva da relao somente pode fazer-se cognoscvel atravs da sensao. A vivificao de ambas as faculdades (da imaginao e do entendimento) para uma atividade indeterminada (a), mas contudo unanime atravs da iniciativa da representao dada, a saber daquela atividade que pertence a um conhecimento em geral, a sensao, cuja comunicabilidade universal o juzo de gosto postura. Na verdade, uma relao objetiva somente pode ser pensada, mas, na medida em que de acordo com suas condies subjetiva, pode todavia ser sentida no efeito sobre a mente; e numa relao que no pe como fundamento nenhum conceito (como o das faculdades de representao para uma faculdade de conhecimento, em geral) to pouco possvel um outra conscincia da mesma seno por sensao do efeito que consiste no jogo facilitado de ambas as faculdades da mente (da imaginao e do entendimento) vivificadas pela concordncia recproca. Uma representao, que sendo singular e sem comparao com outras, todavia possui uma concordncia com as condies da universalidade, a qual constitui a tarefa do entendimento em geral, conduz a faculdade do conhecimento consonncia proporcionada, que exigimos para todo o conhecimento e por isso tambm consideramos vlida para qualquer um que est destinado a julgar atravs do entendimento e sentidos coligados (para todo homem).
Explicao do belo inferida do segundo momento.
Belo o que apraz universalmente sem conceito.
Terceiro momento do juzo de gosto, segundo a relao dos fins que nele considerada
10. Da conformidade a fins em geral.
Se quisermos explicar o que seja um fim segundo suas determinaes transcendentais (sem pressupor algo emprico, como o caso do sentimento de prazer), ento fim o objeto de um conceito, na medida em que este for considerado como a causa daquele (o fundamento real de sua possibilidade); e a causalidade de um conceito com respeito a seu objeto a conformidade a fins (forma finalis). Onde, pois, no porventura pensado simplesmente o conhecimento de um objeto, mas o prprio objeto (a forma ou existncia do mesmo) como efeito, enquanto possvel somente mediante um conceito do ltimo, a se pensa um fim. A representao do efeito aqui o fundamento determinante de sua causa e precede-a. A conscincia da causalidade de uma representao com vistas ao estado do sujeito, para conservar a este nesse estado, pode aqui de modo geral designar aquilo que se chama prazer; contrariamente, desprazer aquela representao que possui o fundamento para determinar o estado das representaes ao seu prprio oposto (para impedi-las ou elimin-las).
A faculdade da apetio, na medida em que determinvel somente por conceitos, isto , a agir de acordo com a representao de um fim, seria a vontade. Conforme a um fim, porm, chama-se um objeto ou um estado da mente ou tambm
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uma ao, ainda que sua possibilidade no pressuponha necessariamente a representao de um fim, simplesmente porque sua possibilidade somente pode ser explicada ou concebida por ns na medida em que admitimos como fundamento da mesma uma causalidade segundo fins, isto , uma vontade, que a tivesse ordenado desse modo segundo a representao de uma certa regra. A conformidade a fins pode, pois, ser sem fim, na medida em que no pomos as causas desta forma em uma vontade, e contudo somente podemos tornar compreensvel a ns a explicao de sua possibilidade enquanto a deduzimos de uma vontade. Ora, no temos sempre necessidade de discernir (segundo a sua possibilidade) aquilo que observamos. Logo, podemos pelo menos observar uma conformidade a fins segundo a forma mesmo que no lhe ponhamos como fundamento um fim como matria do nexus finalis e not-la em objetos, embora de nenhum outro modo seno por reflexo.
11. O juzo de gosto no tem por fundamento seno a forma da conformidade a fins de um objeto (ou do seu modo de representao).
Todo fim, se considerado como fundamento do comprazimento, comporta sempre um interesse como fundamento de determinao do juzo sobre o objeto do prazer. Logo, no pode haver nenhum fim subjetivo como fundamento do juzo de gosto. Mas tambm nenhuma representao de um fim objetivo, isto , da possibilidade do prprio objeto segundo princpios da ligao a fins, por conseguinte nenhum conceito de bom pode determinar o juzo de gosto; porque ele um juzo esttico e no um juzo de conhecimento, o qual, pois, no concerne a nenhum conceito da natureza e da possibilidade interna ou externa do objeto atravs desta ou daquela causa, mas simplesmente relao das faculdades de representao entre si, na medida em que elas so determinadas por uma representao.
Ora, esta relao na determinao de um objeto, como um objeto belo ligado ao sentimento de prazer, que ao mesmo tempo declarado pelo juzo de gosto como vlida para todos; conseqentemente, nem uma amenidade que acompanha a representao, nem a representao da perfeio do objeto e o conceito de bom podem conter esse fundamento de determinao. Logo, nenhuma outra coisa seno a conformidade a fins subjetiva, na representao de um objeto sem qualquer fim (objetivo ou subjetivo), conseqentemente a simples forma da conformidade a fins na representao, pela qual um objeto nos dado, pode, na medida em que somos conscientes dela, constituir o comprazimento, que julgamos como comunicvel universalmente sem conceito, por conseguinte, o fundamento determinante do juzo de gosto.
12.0 juzo de gosto repousa sobre fundamentos a priori.
Estipular a priori a conexo do sentimento de um prazer ou desprazer, como um efeito, com qualquer representao (sensao ou conceito), como sua causa, absolutamente impossvel; pois esta seria uma relao de causalidade (a), que (entre objetos da experincia) sempre pode ser conhecida somente a posteriori e atravs da prpria experincia. Na verdade, na Crtica da razo prtica, efetivamente deduzimos a priori, de conceitos morais universais, o sentimento de respeito (como uma modificao particular e peculiar deste sentimento, que justamente no quer concordar nem como o prazer nem com o desprazer que obtemos de objetos empricos. Mas ali ns podemos tambm ultrapassar os limites da experincia e invocar uma causalidade, ou seja a da liberdade, que repousava sobre uma qualidade supra-sensvel do sujeito. Entretanto
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mesmo a propriamente no deduzimos esse sentimento da ideia do moral como causa, mas simplesmente a determinao da vontade foi da deduzida. Porm o estado de nimo de uma vontade determinada por qualquer coisa em si j um sentimento de prazer e idntico a ele, logo no resulta dele como efeito: o que somente teria que ser admitido se o conceito do moral como um bem precedesse a determinao da vontade pela lei; pois ento o prazer, que fosse ligado ao conceito, em vo seria deduzido deste como um mero conhecimento.
Ora, de modo semelhante se passa com o prazer no juzo esttico: s que aqui ele simplesmente contemplativo e sem produzir um interesse no objeto, enquanto no juzo moral ao contrrio ele prtico. A conscincia da conformidade a fins meramente formal no jogo das faculdades de conhecimento do sujeito numa representao, pela qual um objeto dado, o prprio prazer, porque ela contm um fundamento determinante da atividade do sujeito com vista vivificao das faculdades de conhecimento do mesmo, logo uma causalidade interna (que conforme a fins) com vista ao conhecimento em geral, mas sem ser limitada a um conhecimento determinado, por conseguinte uma simples forma da conformidade a fins subjetiva de uma representao num juzo esttico. To pouco este prazer de modo algum prtico, nem como prazer proveniente do fundamento patolgico da amenidade, nem como o proveniente do fundamento intelectual do bom representado. Apesar disso ele possui em si causalidade, a saber a de manter sem objetivo ulterior o estado da prpria representao e a ocupao das faculdades de conhecimento. Ns demoramo-nos na contemplao do belo, porque esta contemplao fortalece e reproduz-se a si prpria: este caso anlogo (mas de modo algum idntico) quela demora na qual um atrativo na representao do objeto desperta continuamente a ateno enquanto a mente passivo.
13. O juzo de gosto puro independente de atrativo e comoo.
Todo o interesse vicia o juzo de gosto e tira-lhe a imparcialidade, principalmente se ele, diversamente do, interesse da razo, no antepe a conformidade a fins ao sentimento de prazer, mas a funda sobre ele; o que ocorre no juzo esttico sobre algo todas as vezes em que ele deleita ou causa dor. Por isso juzos que so afetados deste modo no podem reivindicar absolutamente nenhum comprazimento universalmente vlido, ou podem-no tanto menos quanto sensaes dessa espcie se encontram entre os fundamentos determinantes do gosto. O gosto ainda brbaro sempre que ele precisa da mistura de atrativos e comoes para o comprazimento, ao ponto at de tornar estes os padres de medida da sua aprovao.
No obstante, atrativos frequentemente so, no apenas contados como beleza (que todavia deveria concernir propriamente s forma) como contribuio para o comprazimento esttico universal, mas at so feitos passar em si mesmos por belezas, por conseguinte a matria do comprazimento feita passar pela forma; um equvoco que, como muitos outros que entretanto sempre ainda tem algo verdadeiro por fundamento deixa-se remover mediante cuidadosa determinao destes conceitos. Um juzo de gosto, sobre o qual atrativo e comoo no tm nenhuma influncia (conquanto se deixem ligar ao comprazimento no belo), e que portanto tem como fundamento de determinao simplesmente a conformidade a fins da forma, um juzo de gosto puro.
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14. Elucidao atravs de exemplos
Juzos estticos podem, assim como os tericos (lgicos), ser divididos em empricos e puros. Os primeiros so os que afirmam agrado ou desagrado, os segundos os que afirmam beleza de um objeto ou do modo de representao do mesmo; aqueles so juzos dos sentidos (juzos estticos materiais), estes (como formais) (a) unicamente autnticos juzos de gosto.
Portanto um juzo de gosto puro somente na medida em que nenhum comprazimento meramente emprico misturado ao fundamento de determinao do mesmo. Isto, porm ocorre todas as vezes em que atrativo ou comoo tem uma participao no juzo pelo qual algo deve ser declarado belo.
Aqui de novo se evidenciam muitas objees, que por fim simulam o atrativo no meramente como ingrediente necessrio da beleza, mas at como por si s suficiente para ser denominado belo. Uma simples cor, por exemplo, a cor da relva, um simples som ( diferena do eco e do rudo), como porventura o de um violino, em si declarado belo pela maioria das pessoas, se bem que ambos paream ter por fundamento simplesmente a matria das representaes, a saber, pura e simplesmente a sensao e por isso mereceram ser chamados somente agradveis. Entretanto ao mesmo tempo se observar que as sensaes da cor como as do som somente se consideram no direito de valer como belas na medida em que ambos so puras; o que uma determinao que j concerne forma e ao nico dessas representaes que com certeza pode comunicar-se universalmente: porque a qualidade das prprias sensaes no pode ser admitida como unanime em todos os sujeitos e o agrado de uma cor, superior ao de outra, ou do tom de um instrumento musical, superior ao de um outro, dificilmente pode ser admitido como ajuizado em qualquer um da mesma maneira.
Se com Euler se admite que as cores sejam simultaneamente pulsaes (pulsus) do ter sucessivas umas s outras, como sons do ar vibrado na ressonncia e, o que o mais nobre, que a mente perceba (do que absolutamente no duvido) no meramente pelo sentido o efeito disso sobre a vivificao do rgo, mas tambm pela reflexo o jogo regular das impresses (por conseguinte a forma na ligao de representaes diversas): ento cor e som no seriam simples sensaes, mas j determinaes formais da unidade de um mltiplo, dos mesmos e neste caso poderiam ser tambm contados por si como belezas.
Mas o elemento puro de um modo simples de sensao significa que a uniformidade da mesma no perturbada e interrompida por nenhum modo estranho de sensao e pertence meramente forma; porque neste caso se abstrai da qualidade daquele modo de sensao (seja que cor ou som ele represente). Por isso todas as cores simples, na medida em que so puras, so consideradas belas; as mescladas no tm esta prerrogativa precisamente porque, j que no so simples, no possumos nenhum padro de medida para o julgamento sobre se devemos cham-las puras ou impuras.
um erro comum e muito prejudicial ao gosto autntico, incorrompido e slido, supor que a beleza atribuda ao objeto em virtude da sua forma, pudesse at ser aumentada pelo atrativo, se bem que certamente possam ainda acrescentar-se atrativos beleza para interessar a mente, alm do seco comprazimento, pela representao do objeto e assim servir de recomendao ao gosto e sua cultura, principalmente se ele ainda rude e no exercitado. Mas eles prejudicam efetivamente o juzo de gosto, se chamam a ateno sobre si como fundamentos do julgamento da beleza. Pois esto to distantes de contribuir para a beleza, que eles como estranhos, somente tm que ser admitidos com indulgncia, na medida em que no perturbem aquela forma bela quando o gosto ainda fraco e no exercitado.
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Na pintura, na escultura, enfim em todas as artes plsticas, na arquitectura, na jardinagem, na medida em que so belas-artes, o desenho o essencial, no qual no o que deleite na sensao, mas simplesmente o que apraz pela sua forma que constitui o fundamento de toda a disposio para o gosto. As cores que iluminam o esboo pertencem ao atrativo; elas na verdade podem vivificar o objeto em si para a sensao, mas no o tornar digno de intuio e belo; antes, elas at em grande parte so limitadas muito por aquilo que a forma bela requer, e mesmo l onde o atrativo admitido so enobrecidas unicamente por ela.
Toda a forma dos objetos dos sentidos (dos externos assim como mediatamente do interno) ou figura ou jogo; no ltimo caso, ou jogo das figuras (no espao: a mmica e a dana); ou simples (a) jogo das sensaes (no tempo). O atrativo das cores ou de tons agradveis do instrumento pode ser-lhe acrescido, mas o desenho na primeira e a composio no ltimo constitui o verdadeiro objeto do juzo de gosto puro; e o fato que a pureza das cores assim como a dos sons, mas tambm a multiplicidade dos mesmos e o seu contraste, paream contribuir para a beleza, no quer significar que como se produzissem um acrscimo homogneo ao comprazimento na forma, porque so por si agradveis, mas somente porque elas tornam esta ltima mais exata, determinada e completamente intuvel, e alm disso vivificam pelo seu atrativo as representaes, enquanto despertam e mantm a ateno sobre o prprio objeto.
Mesmo aquilo a que se chama ornamentos (parerga) isto , que no pertence inteira representao do objeto como parte integrante internamente, mas s externamente como acrscimo e que aumenta o comprazimento do gosto, tambm o faz, mas somente pela sua forma, como as molduras dos quadros, ou as vestes em esttuas, ou as arcadas em torno de edifcios suntuosos. Mas se o prprio ornamento no consiste na forma bela, e se ele como a moldura dourada, adequado simplesmente para recomendar, pelo seu atrativo, o quadro ao aplauso, ento chama-se adorno [Schmuck], e rompe com a autntica beleza.
Comoo, uma sensao em que o agrado produzido somente atravs de inibio momentnea e subsequente efuso mais forte da fora vital, no pertence absolutamente beleza. Sublimidade (com a qual o sentimento de comoo est ligado) requer, porm, um critrio de julgamento diverso daquele que o gosto pe no seu, fundamento; e assim um juzo de gosto puro no possui nem atrativo nem comoo como princpio determinante, numa palavra, nenhuma sensao enquanto matria do juzo esttico.
15. O juzo de gosto totalmente independente do conceito de perfeio.
A conformidade a fins objetiva somente pode ser conhecida atravs da referncia do mltiplo a um fim determinado, logo somente por um conceito. Disso, todavia, j resulta que o belo, cujo julgamento tem por fundamento uma conformidade a fins meramente formal, isto uma conformidade a fins sem fim, totalmente independente da representao do bom, porque o ltimo pressupe uma conformidade a fins objetiva, isto a referncia do objeto a um fim determinado.
A conformidade a fins objetiva ou externa, isto a utilidade, ou interna, isto a perfeio do objeto. O fato de que o comprazimento num objeto, em virtude do qual lhe chamamos belo, no pode basear-se sobre a representao de sua utilidade, pode concluir-se suficientemente dos dois captulos anteriores: porque em tal caso ele no seria um comprazimento imediato no objeto, o qual a condio essencial do juzo sobre a beleza. Mas uma conformidade a fins interna objetiva, isto a perfeio, j se aproxima mais do predicado da beleza e por isso foi tomada tambm por filsofos ilustres
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todavia com o aposto se ela for pensada confusamente - como idntica beleza. da mxima importncia decidir numa crtica do gosto se tambm a beleza pode efetivamente dissolver-se no conceito de perfeio.
Para ajuizar a conformidade a fins objetiva, precisamos sempre do conceito de um fim e (se aquela conformidade a fins no deve ser uma utilidade externa, mas interna) o conceito de um fim interno que contenha o fundamento da possibilidade interna do objeto. Ora, assim como fim em geral aquilo cujo conceito pode ser considerado como o fundamento da possibilidade do prprio objeto, assim, para nos representarmos uma conformidade a fins objetiva numa coisa, o conceito do que esta coisa deva ser precede-a; e a concordncia do mltiplo, na mesma coisa, com esse conceito (o qual fornece nele a regra da ligao do mesmo) a perfeio qualitativa de uma coisa. Disso totalmente distinta a perfeio quantitativa, como a completude de cada coisa em sua espcie, e simples conceito de quantidade (da totalidade), no qual j antecipadamente pensado como determinado o que a coisa deva ser e somente perguntado se todo o requerido para isso est nele. O formal na representao de uma coisa, isto a concordncia do mltiplo com o uno (seja qual for), de modo nenhum d por si a conhecer uma conformidade a fins objetiva; pois uma vez que se abstrai desta unidade como fim (o que a coisa deva ser), no resta seno a conformidade a fins subjetiva das representaes na mente do que intui; essa conformidade presumivelmente fornece certa conformidade a fins do estado da representao no sujeito, e neste uma satisfao para captar uma forma dada na faculdade da imaginao, mas nenhuma perfeio de qualquer objeto, que aqui no pensado por nenhum conceito de fim. Como, por exemplo, quando na floresta encontro um relvado, em torno do qual as rvores esto em crculo e no me represento a um fim, ou seja, que ele deva porventura servir para a dana campestre, no sendo dado pela simples forma o mnimo conceito de perfeio. Representar-se uma conformidade a fins objetiva formal, mas sem fim, isto a simples forma de uma perfeio (sem toda matria e conceito daquilo com o que se posto de acordo, mesmo que fosse meramente a ideia de uma legalidade), uma verdadeira contradio.
Ora, o juzo de gosto um juzo esttico, isto , que se baseia sobre fundamentos subjetivos e cujo fundamento de determinao no pode ser nenhum conceito, por conseguinte to pouco o de um fim determinado. Logo, atravs da beleza como uma conformidade a fins: subjetiva formal de modo nenhum pensada uma perfeio do objeto, como pretensamente formal, e contudo uma conformidade a fins objetiva; e sem valor a diferena entre os conceitos do belo e bom, como se ambos fossem diferentes apenas quanto a forma lgica, sendo o primeiro simplesmente um conceito confuso e o segundo um conceito claro de perfeio, afora isso porm iguais quanto ao contedo e origem. que ento no haveria entre eles nenhuma diferena especfica, mas um juzo de gosto seria tanto um juzo de conhecimento, como o juzo pelo qual algo declarado bom; assim como porventura o homem comum, quando diz que a fraude injusta, funda o seu juzo sobre princpios confusos, o filsofo sobre princpios claros, no fundo, porm ambos sobre os mesmos princpios da razo. Eu, porm j mencionei que um juzo esttico nico em sua espcie e no fornece absolutamente conhecimento algum (e to pouco um confuso) do objeto: este ltimo ocorre somente mediante um juzo lgico; j aquele ao contrrio refere a representao, pela qual um objeto dado, simplesmente ao sujeito e no d a perceber nenhuma qualidade do objeto, mas s a forma conforme a um fim na determinao das faculdades de representao que se ocupam com aquele. O juzo chama-se esttico tambm precisamente porque o seu fundamento de determinao no nenhum conceito, mas sim o sentimento (do sentido interno) daquela unanimidade no jogo das faculdades da mente, na medida em que ela pode ser somente sentida. Contrariamente, se se quisesse denominar estticos conceitos confusos e o juzo objetivo
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que aquela unanimidade tem por fundamento, ter-se-ia um entendimento que julga sensivelmente, ou um sentido que representaria os seus objetos mediante conceitos, o que se contradiz. A faculdade dos conceitos, quer sejam eles confusos ou claros, o entendimento; e conquanto ao juzo de gosto, como juzo esttico, tambm pertena entendimento (como a todos os juzos), contudo pertence-lhe, no como faculdade do conhecimento de um objeto, mas como faculdade da determinao do juzo e da sua representao (sem conceito) segundo a relao da mesma ao sujeito e seu entendimento interno, e na verdade na medida em que este juzo possvel segundo uma regra universal.
16. O juzo de gosta, pelo qual um objeto declarado belo sob a condio de um conceito determinado, no puro.
H duas espcies de beleza: a beleza livre (pulchritudo vaga) e a beleza simplesmente aderente (pulchritudo adhaerens). A primeira no pressupe nenhum conceito do que o objeto deva ser; a segunda pressupe um tal conceito e a perfeio do objeto segundo o mesmo. Os modos da primeira chamam-se belezas (por si subsistentes) desta ou daquela coisa; a outra, como aderente a um conceito (beleza condicionada), atribuda a objetos que se encontram sob o conceito de um fim particular.
Flores so belezas naturais livres. Que espcie de coisa uma flor deva ser, dificilmente o saber algum alm do botnico; e mesmo este, que no caso conhece o rgo de fecundao da planta, se julga a este respeito atravs do gosto, no toma em considerao este fim da natureza. Logo, nenhuma perfeio de qualquer espcie, nenhuma conformidade a fins interna, qual se refira a composio do mltiplo, posta no fundamento deste juzo. Muitos pssaros (o papagaio, o colibri, a ave do paraso), uma poro de crustceos do mar so belezas por si, que absolutamente no convm a nenhum objeto determinado segundo conceitos com respeito ao seu fim, mas aprazem livremente e por si. Assim os desenhos la grecque, a folhagem para molduras ou sobre papel de parede etc., por si no significam nada: no representam nada, nenhum objeto sob um conceito determinado, e so belezas livres. Tambm se pode contar como da mesma espcie o que na msica se denomina fantasias (sem tema), e at toda a msica sem texto.
No julgamento de uma beleza livre (segundo a mera forma) o juzo de gosto puro. No pressuposto :, nenhum conceito de qualquer fim, para o qual o mltiplo deva servir ao objeto dado e o qual este ltimo deva representar, mediante o que unicamente seria limitada a liberdade da faculdade da imaginao, que joga por assim dizer na observao da figura por assim dizer joga.
No entanto, a beleza de um ser humano (e dentro desta espcie a de um homem ou uma mulher ou uma criana), a beleza de um cavalo, de um edifcio (como igreja, palcio, arsenal ou casa de campo) pressupe um conceito do fim que determina o que a coisa deve ser, por conseguinte um conceito da sua perfeio, e portanto beleza simplesmente aderente. Ora assim como a ligao do agradvel (da sensao) beleza que propriamente s cor cerne forma, impedia a pureza do juzo de gosto, assim a ligao do bom (para o qual nomeadamente o mltiplo bom com respeito prpria coisa segundo o seu fim) beleza prejudica a pureza do mesmo.
Poder-se-ia colocar num edifcio muita coisa de aprazvel imediatamente na intuio, desde que no se tratasse de uma igreja: poder-se-ia embelezar uma figura com toda a sorte de floreados e com linhas leves porm regulares, assim como o fazem os neozelandezes com a sua tatuagem, desde que no se tratasse de um homem; e este
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poderia ter traos muito mais finos e uma fisionomia com um perfil mais aprazvel e suave, desde que no devesse representar um homem ou mesmo um guerreiro.
Ora, o comprazimento no mltiplo numa coisa, em referncia ao fim interno que determina a sua possibilidade, fundado sobre um conceito; o comprazimento na beleza porm tal que no pressupe nenhum conceito, mas est ligado imediatamente representao pela qual o objeto dado (no pela qual ele pensado). Ora se o juzo de gosto a respeito do ltimo comprazimento se torna dependente do fim no primeiro, enquanto juzo da razo, e assim limitado, ento aquele deixa de ser um juzo de gosto livre e puro.
Na verdade, o gosto lucra por essa ligao do comprazimento esttico ao comprazimento intelectual, no fato de que ele fixo; com certeza ele no universal, no obstante podem ser-lhe prescritas regras com respeito a, certos objetos determinados conformemente a fins. Mas estas por sua vez to pouco so regras de gosto, mas sim meramente do acordo do gosto com a razo, isto do belo com o bom, pelo qual o belo utilizvel como instrumento da inteno com respeito ao bom, para submeter aquela disposio da mente que se mantm a si prpria e de validade universal subjetiva quela maneira de pensar que somente pode ser mantida atravs de penoso esforo mas vlida universal objetivamente. Propriamente, porm, nem a perfeio lucra atravs da beleza, nem a beleza atravs da perfeio; mas visto que, quando mediante um conceito comparamos a representao, pela qual um objeto nos dado, com o objeto (com respeito ao que ele deva ser) no se pode evitar de ao mesmo tempo compar-la com a sensao no sujeito e assim, quando ambos os estados da mente concordam entre si, lucra a inteira faculdade de representao.
Um juzo de gosto seria puro com respeito a um objeto com fim interno determinado somente se aquele que julga no tivesse nenhum conceito desse fim ou se abstrasse dele em seu juzo. Mas este ento, conquanto proferisse um juzo de gosto correto, enquanto ajuizasse o objeto como beleza livre, seria contudo censurado e culpado de um juzo falso pelo outro que contempla a beleza nele somente como qualidade aderente (presta ateno ao fim do objeto), se bem que ambos julguem corretamente a seu modo: um, segundo o que ele tem diante dos sentidos, o outro, segundo o que ele tem no pensamento. Atravs desta distino pode-se dissipar muita dissenso dos juzos do gosto sobre a beleza, enquanto se lhes mostra que um considera a beleza livre, o outro a beleza aderente, o primeiro profere um juzo de gosto puro, o segundo um juzo de gosto aplicado.
17. Do ideal da beleza
No pode haver nenhuma regra de gosto objetiva, que determine atravs de conceitos o que seja belo. Pois todo juzo proveniente desta fonte esttico; isto , o sentimento do sujeito e no o conceito de um objeto o seu fundamento determinante. Procurar um princpio do gosto, que fornecesse o critrio universal do belo atravs de conceitos determinados, um esforo infrutfero, porque o que procurado impossvel e em si mesmo contraditrio. A comunicabilidade universal da sensao (do comprazimento ou descomprazimento), e na verdade uma tal que ocorre sem conceito, a unanimidade, tanto quanto possvel, de todos os tempos e povos com respeito a este sentimento na representao de certos objetos o critrio emprico, se bem que fraco e suficiente apenas para a suposio da derivao de um gosto, to confirmado por exemplos, do profundamente oculto fundamento comum [gemeinschaftlichen], a toda a humanidade no julgamento das formas sob as quais lhes so dados objetos.
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Por isso se consideram alguns produtos de gosto como exemplares: no como se o gosto pudesse ser adquirido enquanto imita outros. Pois o gosto tem que ser uma faculdade com uma especificidade prpria; quem porm imita um modelo, na verdade mostra, na medida em que o consegue, habilidade, mas gosto mostra somente na medida em que ele mesmo pode ajuizar este modelo.
Disso segue-se, porm, que o modelo mais elevado, o original [Urbild], do gosto uma simples ideia que cada um tem de produzir em si prprio e segundo a qual ele tem que ajuizar tudo o que objeto do gosto, o que exemplo do julgamento pelo gosto e mesmo o gosto de qualquer um. ideia significa propriamente um conceito da razo, e ideal a representao de um ente individual como adequado a uma ideia. Por isso aquele original do gosto que certamente repousando sobre a ideia indeterminada da razo de um mximo, no pode no entanto ser representado mediante conceitos, mas somente por apresentao individual pode ser melhor chamado o ideal do belo, de modo que, se no estamos imediatamente de posse dele, contudo aspiramos produzi-lo em ns. Ele, porm, ser simplesmente um ideal da faculdade da imaginao, justamente porque no repousa sobre conceitos, mas sobre a apresentao; a faculdade de apresentao porm, a imaginao. Ora, como chegamos a um tal ideal da beleza? A priori ou empiricamente? E do mesmo modo, que gnero de belo capaz de um ideal?
Em primeiro lugar cabe observar que a beleza, para a qual deve ser procurado um ideal, no tem que ser nenhuma beleza vaga, mas uma beleza fixada por um conceito de conformidade a fins objetiva, consequentemente no tem que pertencer a nenhum objeto de um juzo de gosto totalmente puro, mas ao de um juzo de gosto em parte intelectualizado. Isto , seja em que espcie de fundamentos do julgamento um ideal deve ocorrer, a tem que se encontrar alguma ideia da razo segundo conceitos determinados, que determina a priori o fim sobre o qual a possibilidade interna do objeto repousa. Um ideal de flores belas, de um mobilirio belo, de um belo panorama no pode ser pensado. Mas to pouco se pode representar o ideal de uma beleza aderente a fins determinados, por exemplo, de uma bela residncia, de uma bela rvore, de um belo jardim, etc.; presumivelmente porque os fins no so suficientemente determinados e fixados pelo seu conceito, consequentemente a conformidade a fins quase to livre como na beleza vaga. Somente aquilo que tem o fim da sua existncia em si prprio, o homem, que pode determinar ele prprio os seus fins pela razo, ou, onde necessita tom-los da percepo externa, pode todavia compar-los aos fins essenciais e universais e pode ento ajuizar tambm esteticamente a concordncia com esses fins: somente este homem pois capaz de um ideal da beleza, assim como a humanidade na sua pessoa, enquanto inteligncia, , entre todos os objetos do mundo, a nica capaz do ideal da perfeio.
A isso, porm pertencem, dois elementos: primeiro, a ideia normal esttica, a qual uma intuio singular (da faculdade da imaginao), que representa o padro de medida do seu julgamento, como de uma coisa pertencente a uma espcie [Spezies], animal particular; segundo, a ideia da razo, que faz dos fins da humanidade, na medida em que no podem ser representados sensivelmente, o princpio do julgamento da sua figura, atravs da qual aqueles se revelam como sem efeito no fenmeno. A ideia normal tem que tomar da experincia os seus elementos, para a figura de um animal de espcie [GattungI], particular; mas a mxima conformidade a fins na construo da figura, que seria apta para padro de medida universal do julgamento esttico de cada individuo desta espcie, a imagem que se situou por assim dizer intencionalmente no fundamento da tcnica da natureza, e qual somente a espcie no seu todo, mas nenhum indivduo separadamente, adequada, situa-se contudo simplesmente na ideia dos que julgam, a qual porm com as suas propores como ideia esttica pode ser apresentada
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inteiramente in concreto num modelo [Musterbild]. Para tornar em certa medida compreensvel como isso se passa (pois quem pode sacar totalmente da natureza o seu segredo?), vamos tentar uma explicao psicolgica.
Deve-se observar que a faculdade da imaginao sabe, de um modo totalmente incompreensvel para ns, no somente revocar os sinais de conceitos, mesmo de tempos atrs, mas tambm reproduzir a imagem e a figura do objeto a partir de um nmero indizvel de objetos de diversas espcies ou tambm de uma e mesma espcie; e igualmente, se a mente visa comparaes, de acordo com toda a verosimilhana, se bem que no suficientemente para a conscincia, sabe efetivamente como que deixar cair uma imagem sobre outra, e pela congruncia das diversas imagens da mesma espcie extrair uma intermediria, que serve a todas como medida comum. Algum viu mil pessoas adultas do sexo masculino. Ora se ele quer julgar sobre a estatura normal avalivel comparativamente, ento (na minha opinio) a faculdade da imaginao sobrepe um grande nmero de imagens (talvez todas aquelas mil); e, se me for permitido utilizar neste caso a analogia da apresentao ptica, no espao, onde a maior parte delas se rene, e dentro do contorno, onde o lugar iluminado pela mais forte concentrao de luz, que se torna cognoscvel a grandeza mdia, que est, igualmente afastada, tanto segundo a altura quanto largura, dos limites extremos das estaturas mximas e mnimas; e esta a estatura de um homem belo. Poder-se-ia descobrir a mesma coisa mecanicamente se se medissem todos os mil, somassem entre si as suas altura e largura (e espessura) e dividisse a soma por mil. Todavia a faculdade da imaginao faz precisamente isto mediante um efeito dinmico, que se origina da impresso variada de tais figuras sobre o rgo dos sentidos. Ora, se agora de modo semelhante se procurar para este homem mdio a cabea mdia, para esta o nariz mdio etc., ento esta figura encontra-se no fundamento da ideia normal do homem belo no pas onde essa comparao for feita; por isso, sob essas condies empricas, um negro necessariamente ter uma ideia normal da beleza da figura, diversa da do branco e o chins uma diversa da do europeu. Precisamente o mesmo se passaria com o modelo de um belo cavalo ou co (de certa raa). Esta ideia normal no derivada de propores tiradas da experincia como regras determinadas; mas de acordo com ela que regras de julgamento se tornam pela primeira vez possveis. Ela para a espcie inteira a imagem flutuante entre todas as intuies singulares e de muitos modos diversos dos indivduos e que a natureza colocou na mesma espcie como prottipo das suas produes, mas parece no o ter conseguido inteiramente em nenhum indivduo. Ela no de modo algum o inteiro prottipo da beleza nesta espcie, mas somente a forma, que constitui a condio imprescindvel de toda a beleza, por conseguinte simplesmente a correco na exposio da espcie. Ela como se denominava o famoso dorforo de policleto, a regra (precisamente para isso tambm podia ser utilizada na sua espcie a vaca de miro). Precisamente por isso ela tambm no pode conter nada especificamente caracterstico; pois de contrrio no seria ideia normal para a espcie. A sua apresentao to pouco apraz pela beleza, mas simplesmente porque no contradiz, nenhuma condio, sob a qual unicamente uma coisa desta espcie pode ser bela. A apresentao apenas academicamente correta.
Da ideia normal do belo, todavia se distingue ainda o ideal, que se pode esperar unicamente na figura humana pelas razes j apresentadas. Ora, nesta, o ideal consiste na expresso do moral, sem o qual o objeto no aprazeria universalmente e alm disso positivamente (no apenas negativamente numa apresentao academicamente correta). A expresso visvel de ideias morais, que dominam internamente o homem, na verdade somente pode ser tirada da experincia; mas como que tornar visvel na expresso corporal (como efeito do interior) a sua ligao a tudo o que a nossa razo liga ao moralmente bom na ideia da suprema conformidade a fins a benevolncia ou pureza
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ou fortaleza ou serenidade, etc. requer ideias puras da razo e grande poder da faculdade da imaginao, reunidos naquele que quer apenas ajuiz-las e muito mais ainda naquele que quer apresent-las. A correo de um tal ideal da beleza prova-se no fato de que ele no permite a nenhum atrativo dos sentidos misturar-se ao comprazimento no seu objeto e no obstante possui um grande interesse nele; o que ento prova que o julgamento segundo um tal padro de medida jamais pode ser puramente esttico e o julgamento segundo um ideal da beleza no nenhum simples juzo de gosto.
Explicao do belo deduzida deste terceiro momento.
Beleza a forma da conformidade a fins de um objeto, na medida em que ela percebida nele sem representao de um fim.5
Quarto momento do juzo de gosto segundo a modalidade do comprazimento no objeto.
18. O que a modalidade de um juzo de gosto.
De cada representao posso dizer que pelo menos possvel que ela (como conhecimento) seja ligada a um prazer. Daquilo que denomino agradvel digo que ele efetivamente produz prazer em mim. Do belo, porm, se pensa que ele tenha uma referncia necessria ao comprazimento. Ora, esta necessidade de uma modalidade peculiar: ela no uma necessidade objetiva terica, na qual pode ser conhecido a priori que qualquer um sentir este comprazimento no objeto que denomino belo; nem ser uma necessidade prtica, na qual, atravs de conceitos de uma vontade racional pura que serve de regra a entes que agem livremente , este comprazimento a conseqncia necessria de uma lei objetiva e no significa seno que simplesmente (sem inteno ulterior) se deve agir de um certo modo. Mas, como necessidade que pensada em um juzo esttico, ela s pode ser denominada exemplar, isto , uma necessidade de assentimento de todos a um juzo que considerado como exemplo de uma regra universal que no se pode indicar. Visto que um juzo esttico no nenhum juzo objetivo e de conhecimento, esta necessidade no pode ser deduzida de conceitos determinados e no , pois, apodtica. Muito menos pode ela ser inferida da generalidade da experincia (de um a unanimidade geral dos juzos sobre a beleza de um certo objeto). Pois, no s pelo fato de que a experincia dificilmente conseguiria documentos suficientemente numerosos, nenhum conceito de necessidade pode fundamentar-se sobre juzos empricos.
5 Poder-se-ia alegar, como instncia contra essa explicao, que existem coisas nas quais se v uma forma conforme a fins, sem reconhecer nelas um fim; por exemplo, os utenslios de pedra, freqentemente retirados de antigos tmulos, dotados de um orifcio como se fosse para um cabo, conquanto em sua figura traiam claramente uma conformidade a fins, para a qual no se conhece o fim, e nem por isso so declarados belos. Todavia o fato de que so considerados uma obra de arte j suficiente para ter que admitir que a gente refere a sua figura a alguma inteno qualquer e a um fim determinado. Da tambm a absoluta ausncia de qualquer complacncia imediata em sua intuio. Ao contrrio uma flor, por exemplo uma tulipa, tida por bela porque em sua percepo encontrada uma certa conformidade a fins, que do modo como a ajuizamos no referida absolutamente nenhum fim (K).
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19. A necessidade subjetiva que atribumos ao juzo de gosto condicionada.
O juzo de gosto imputa o assentimento a qualquer um; e quem declara algo belo quer que qualquer um deva aprovar o objeto em apreo e igualmente declar-lo belo. O dever, no juzo esttico, segundo todos os dados que so requeridos para o ajuizamento, , portanto, ele mesmo expresso s condicionadamente. Procura-se ganhar o assentimento de cada um, porque se tem para isso um fundamento que comum a todos; com esse assentimento tambm se poderia contar se apenas se estivesse sempre seguro de que o caso seria subsumido corretamente sob aquele fundamento como regra da aprovao.
20. A condio da necessidade que um juzo de gosto pretende a idia de um sentido comum.
Se juzos de gosto (identicamente aos juzos de conhecimento) tivessem um princpio objetivo determinado, ento aquele que os profere segundo esses princpios reivindicaria necessidade incondicionada de seu juzo. Se eles fossem desprovidos de todo princpio, como os do simples gosto dos sentidos, ento ningum absolutamente teria a idia de alguma necessidade dos mesmos. Logo, eles tm que possuir um princpio subjetivo, o qual determine, somente atravs de sentimento e no de conceitos, e contudo de modo universalmente vlido, o que apraz ou desapraz. Um tal princpio, porm, somente poderia ser considerado como um sentido comum, o qual essencialmente distinto do entendimento comum, que s vezes tambm se chama senso comum (sensus communis); neste caso, ele no julga segundo o sentimento, mas sempre segundo conceitos, se bem que habitualmente somente ao modo de princpios obscuramente representados.
Portanto, somente sob a pressuposio de que exista um sentido comum (pelo qual, porm, no entendemos nenhum sentido externo, mas o efeito decorrente do jogo livre de nossas faculdades de conhecimento), somente sob a pressuposio, digo eu, de um tal sentido comum o juzo de gosto pode ser proferido.
21. Se se pode com razo pressupor um sentido comum.
Conhecimentos e juzos, juntamente com a convico que os acompanha, tm que poder comunicar-se universalmente; pois, do contrrio, eles no alcanariam nenhuma concordncia com o objeto; eles seriam em suma um jogo simplesmente subjetivo das faculdades de representao, precisamente como o ceticismo o reclama. Se, porm, conhecimentos devem poder comunicar-se, ento tambm o estado da mente, isto , a disposio das faculdades de conhecimento para um conhecimento em geral, e na verdade aquela proporo que se presta a uma representao (pela qual um objeto nos dado) para faz-la um conhecimento, tem que poder comunicar-se universalmente: porque sem esta condio subjetiva do conhecer, o conhecimento como efeito no poderia surgir. Isto tambm acontece efetivamente sempre que um objeto dado leva, atravs dos sentidos, a faculdade da imaginao composio do mltiplo, e esta por sua vez pe em movimento o entendimento para unidade do mesmo6 em conceitos. Mas esta disposio das faculdades de conhecimento tem uma proporo diversa, de acordo com a diversidade dos objetos que so dados. Todavia, tem que haver uma proporo, na qual
6 Vorlnder prope que mesmo se referira a mltiplo, e altera derselben (Kant) para desselben, aceito pela Academia. O texto de Kant da mesma remete a composio, o que no parece desproprositado (N.T.).
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esta relao interna para a vivificao, (de uma pela outra) a mais propcia para ambas as faculdades da mente com vistas ao conhecimento (de objetos dados) em geral; e esta disposio no pode ser determinada de outro modo seno pelo sentimento (no segundo conceitos). Ora, visto que esta prpria disposio tem que poder comunicar-se universalmente e por conseguinte tambm o sentimento da mesma (em uma representao dada), mas visto que a comunicabilidade universal de um sentimento pressupe um sentido comum; assim, este poder ser admitido com razo, e na verdade sem neste caso se apoiar em observaes psicolgicas, mas como a condio necessria da comunicabilidade universal de nosso conhecimento, a qual tem que ser pressuposta em toda lgica e em todo princpio dos conhecimentos que no seja ctico.
22. A necessidade do assentimento universal, que pensada em um juzo de gosto, uma necessidade subjetiva que sob a pressuposio de um sentido comum representada como objetiva.
Em todos os juzos pelos quais declaramos algo belo no permitimos a ningum ser de outra opinio, sem com isso fundarmos nosso juzo sobre conceitos, mas somente sobre nosso sentimento; o qual, pois, colocamos a fundamento, no como sentimento privado, mas como um sentimento comunitrio . Ora, este sentido comum no pode, para este fim, ser fundado sobre a experincia; pois ele quer dar direito a juzos que contm um dever; ele no diz que qualquer um ir concordar com nosso juzo, mas que deve concordar com ele. Logo, o sentido comum, de cujo juzo indico aqui o meu juzo de gosto como um exemplo e por cujo motivo eu lhe confiro validade exemplar, uma simples norma ideal, sob cuja pressuposio poder-se-ia, com direito, tomar um juzo que com ela concorde e um comprazimento em um objeto, expressa no mesmo [como] regra para qualquer um; porque o princpio, na verdade admitido s subjetivamente, mas contudo como subjetivo-universal (uma idia necessria para qualquer um), poderia, no que concerne unanimidade de julgantes diversos, identicamente a um princpio objetivo, exigir assentimento universal, contanto que apenas se estivesse seguro de ter feito a subsuno correta.
Esta norma indeterminada de um sentido comum efetivamente pressuposta por ns, o que prova nossa presuno de proferir juzos de gosto. Se de fato existe um tal sentido comum como princpio constitutivo da possibilidade da experincia, ou se um princpio ainda superior da razo no-lo torne somente princpio regulativo, antes de tudo para produzir em ns um sentido comum para fins superiores; se, portanto, o gosto uma faculdade original e natural, ou somente a idia de uma faculdade fictcia e a ser ainda adquirida de modo que um juzo de gosto, com sua pretenso a um assentimento universal, de fato seja somente uma exigncia da razo de produzir uma tal unanimidade do modo de sentir, e que o dever, isto , a necessidade objetiva da confluncia do sentimento de qualquer um com o sentimento particular de cada um, signifique somente a possibilidade dessa unanimidade, e o juzo de gosto fornea um exemplo somente de aplicao deste princpio; aqui no queremos, e no podemos, ainda investigar isso; por ora, cabe-nos somente decompor a faculdade do gosto em seus elementos e uni-la finalmente na idia de um sentido comum.
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Explicao do belo inferida do quarto momento.
Belo o que conhecido sem conceito como objeto de um comprazimento necessrio.
Observao geral sobre a primeira seco da Analtica
Se se extrai o resultado das anlises precedentes, descobre-se que tudo decorre do conceito de gosto: que ele uma faculdade de julgamento de um objeto em referncia livre conformidade a leis da faculdade da imaginao. Ora, se no juzo de gosto tiver que ser considerada a faculdade da imaginao na sua liberdade, ento ela ser tomada em primeiro lugar no reprodutivamente, tal como ela submetida s leis de associao, mas como produtiva e espontnea (como autora de formas voluntrias de intuies possveis); e embora na apreenso de um dado objeto dos sentidos ela na verdade esteja vinculada a uma forma determinada deste objeto e nesta medida no possua nenhum jogo livre (como na poesia), todavia ainda se pode compreender bem que precisamente o objeto pode fornecer-lhe uma tal forma, que contm uma composio do mltiplo, tal como a faculdade da imaginao se fosse entregue livremente a si prpria a projetaria em concordncia com a legalidade do entendimento em geral. Todavia o fato que a faculdade da imaginao seja livre e apesar disso por si mesma conforme a leis, isto que ela contenha uma autonomia, uma contradio. Unicamente o entendimento fornece a lei. Se porm a faculdade da imaginao coagida a proceder segundo uma lei determinada, ento o seu produto , quanto forma, determinado por conceitos de como ele deve ser; mas em, tal caso, como foi mostrado acima, o comprazimento no o no belo e sim no bom (da perfeio, em todo caso simplesmente do formal), e o juzo no nenhum juzo pelo gosto. Portanto unicamente uma conformidade a leis sem lei e uma concordncia subjetiva da faculdade da imaginao com o entendimento sem uma concordncia objetiva, j que a representao referida a um conceito determinado de um objeto, pode coexistir com a livre conformidade a leis do entendimento (a qual tambm foi denominada conformidade a fins sem fim) e com a peculiaridade de um juzo de gosto.
Ora, figuras geomtrico-regulares, a figura de um crculo, de um quadrado, de um cubo, etc., so comumente citadas por crticos do gosto como os exemplos mais simples e indubitveis da beleza; e contudo so denominadas regulares exatamente porque no se pode represent-las de outro modo que pelo fato de serem consideradas simples apresentaes de um conceito determinado, que prescreve quela figura a regra (segundo a qual ela unicamente possvel). Portanto um dos dois tem de estar errado: ou aquele juzo dos crticos, de atribuir beleza s sobreditas figuras; ou o nosso, que considera a conformidade a fins sem conceito necessria beleza.
Ningum admitir facilmente que seja necessrio um homem de gosto para encontrar na figura de um crculo mais comprazimento do que num perfil rabiscado, num quadriltero equiltero e equiangular mais do num quadriltero oblquo, de lados desiguais e por assim dizer deformado; pois isso concerne somente ao entendimento comum e de modo algum ao gosto. Onde for percebida uma inteno, por exemplo de ajuizar a magnitude de um lugar ou de tornar compreensvel a relao das partes entre si e com o todo numa diviso: a so necessrias figuras regulares e na verdade aquelas da espcie mais simples; e o comprazimento no assenta imediatamente na viso da figura, mas da utilidade da mesma para toda espcie de inteno possvel. Um quarto, cujas paredes formam ngulos oblquos; uma praa de jardim da mesma espcie, e mesmo toda a violao da simetria tanto na figura dos animais (por exemplo, ter um olho) como
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nas dos edifcios ou dos canteiros de flores desapraz porque contraria o fim, no apenas praticamente com respeito a um uso determinado desta coisa, mas tambm para o julgamento em toda espcie de inteno possvel; o que no o caso no juzo de gosto, que se puro, liga imediatamente, e sem considerao do uso ou de um fim, comprazimento ou descomprazimento simples contemplao do objeto.
A conformidade a regras que conduz ao conceito de um objeto na verdade a condio indispensvel (conditio sine qua non) para captar o objeto numa nica representao e determinar o mltiplo da forma do mesmo. Esta determinao um fim com respeito ao conhecimento; e em referncia a este ela tambm est sempre ligada a comprazimento (o qual acompanha a efetuao de cada inteno mesmo simplesmente problemtica). Mas em tal caso trata-se simplesmente da aprovao da soluo que satisfaz a uma questo, e no de um entretimento livre, e indeterminadamente conforme a um fim, das faculdades da mente com o que denominamos belo, e onde o entendimento est ao servio da faculdade da imaginao e no esta ao servio daquele.
Numa coisa que possvel somente atravs de uma inteno, num edifcio, mesmo num animal, a conformidade a regras que consiste na simetria tem que expressar a unidade da intuio que acompanha o conceito de fim, e co-pertence ao conhecimento. Mas onde somente deve ser entretido um jogo livre das faculdades de representao (contudo sob a condio de que o entendimento no sofra a nenhuma afronta), em parques, decorao de aposentos, toda a espcie de utenslios de bom gosto, etc., a conformidade a regras, que se anuncia como coero, tanto quanto possvel evitada; por isso o gosto ingls por jardins, o gosto barroco por mveis impulsionam a liberdade da faculdade da imaginao at perto do grotesco e nesta abstrao de toda a coero da regra precisamente admitem que o gosto pode mostrar a sua mxima perfeio em projetos da faculdade da imaginao.
Todo o rigidamente-regular (o que se aproxima da regularidade matemtica) tem em si o mau gosto de no proporcionar nenhum longo entretimento com a sua contemplao, mas na medida em que ele no tem expressamente por inteno o conhecimento ou um determinado fim prtico, produz tdio. Contrariamente aquilo com que a faculdade da imaginao pode jogar naturalmente e conformemente a fins -nos sempre novo e no se fica enfastiado com sua viso. Marsden (a) na sua descrio de Sumatra faz a observao de que nesse lugar as belezas livres da natureza circundam por toda a parte o observador e por isso j tm pouco atrativo para ele; contrariamente se encontrasse no meio de uma floresta u