Parecer do Ministério Público de Contas · Técnica do Tribunal. Nada obstante o defendente...
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PARECER Nº 362/2011 PROCESSO: 2278/2011
ASSUNTO: Fiscalização de Atos e Contrato1 – Concessão de
Isenção da Cobrança de ICMS nas Usinas
Hidrelétricas de Santo Antônio e de Jirau
RELATOR: Conselheiro Paulo Curi Neto
Tratam os vertentes autos de denúncia, formulada
pelo Senhor Francisco das Chagas Barroso, que tem por objeto a
ilegitimidade da concessão de isenção da cobrança de Imposto
Sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de
Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação –
ICMS, beneficiando as empresas geradoras e concessionárias de
transmissão de energia elétrica, nas hipóteses previstas no
Convênio ICMS 47/2011, que originou a lei nº 2.538/2011.
O Corpo Técnico, em seu primeiro relatório2,
defendeu de forma incisiva a legitimidade ativa do Estado de
1 Conforme expedido mais adiante, necessária a retificação da autuação do processo, já que a denúncia apresentada atendeu aos pressupostos legais.
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Rondônia para a cobrança do tributo, além de vislumbrar
ilegalidade na pretensa isenção, sustentando, para tanto,
infringência a dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal,
bem como a diversos Princípios de Direito Público, tais como
moralidade, razoabilidade, proporcionalidade e a supremacia do
interesse público sobre o privado.
Das irregularidades capitaneadas pela Unidade
Técnica do Tribunal de Contas foram cientificados, para fins de
apresentação de justificativas, os Senhores Confúcio Aires Moura
– Governador do Estado de Rondônia; e Benedito Antônio Alves –
Secretário de Estado das Finanças – SEFIN.
Somente este último veio aos autos, rechaçando
integralmente, em seu pronunciamento3, as irregularidades aduzidas
pelo Corpo Técnico, lastreado, em suma, nas seguintes premissas:
a) a caracterização das máquinas e equipamentos como
insumos de uma obra de construção civil inviabilizaria a
cobrança do diferencial de alíquotas de ICMS, conforme
súmula 432 do STJ;
b) as empresas (construtoras das hidrelétricas) não são
obrigadas a importar pelo Estado de Rondônia, podendo fazê-
lo por qualquer outro Estado da Federação e depois realizar
a transferência para as usinas, valendo-se da aplicação da
Súmula 166 do STJ para não recolher ICMS;
2 Fls. 50/102. 3 Fls. 111/117.
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c) o valor do crédito advindo do ICMS não foi considerado
no momento da elaboração do orçamento, em face do que
“eventual dispensa ou a não realização” não afetará o
orçamento aprovado, não subsistindo afronta à Lei de
Responsabilidade Fiscal.
O Corpo Instrutivo, em seu derradeiro relato4,
considerou que as justificativas carreadas ao processo pelo
Secretário da SEFIN não deveriam prosperar, pugnando pela
manutenção de todas as irregularidades anteriormente apontadas.
É o breve relato.
Por intróito, insta consignar a necessidade de
reautuação do feito, nos termos aduzidos pelo Corpo Técnico,
tendo em vista que a denúncia apresentada pelo Senhor Francisco
das Chagas Barroso atendeu aos pressupostos de admissibilidade
insculpidos em lei. Não há, portanto, que se falar em
fiscalização de atos e contratos, nomenclatura, como se sabe,
adequada aos trabalhos desenvolvidos ex officio pela Corte de
Contas.
Avançando no mérito do caso trazido à baila,
percebe-se que o cerne da questão cinge-se à isenção da cobrança
de ICMS, concedida pelo Estado de Rondônia por meio da Lei nº
2.538/20115, em relação à:
4 Fls. 120/164. 5 Saliente-se que, inicialmente, o benefício havia sido concedido por meio da lavratura de convênio. No entanto, a aprovação da referida lei faz com que sejam desnecessárias maiores elucubrações sobre o teor do convênio antes celebrado.
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(i) importação de máquinas, aparelhos e
equipamentos, suas partes e peças e outros materiais, sem similar
nacional;
(ii) aquisição e transferência interestadual de
bens destinados a integrar ativo imobilizado, adquiridos para a
construção e operação das usinas hidrelétricas e linhas de
transmissão por empresas geradoras e concessionárias de
transmissão de energia elétrica, relacionadas às Usinas de Santo
Antônio e Jirau, no Rio Madeira6.
Com vistas ao adequado entendimento das hipóteses
de isenção supracitadas, proceder-se-á à análise apartada da
matéria, nos tópicos subsequentes.
I – Importação de Máquinas, Aparelhos e Equipamentos
O regime relativo à incidência do ICMS nas
importações está insculpido no art. 155, § 2º, IX, “a”, da
Constituição Federal de 1988, nos seguintes termos:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
IX - incidirá também:
a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua
6 Art. 2º da Lei nº 2.538/2011.
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finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) grifou-se
Percebe-se que o texto constitucional estabelece
de forma inexorável que as operações de importação que envolvam a
entrada de bens ou mercadorias caracterizam fatos geradores do
imposto. Nesse sentido, tanto a doutrina quanto a jurisprudência
são uníssonas.
Na situação em comento, que envolve a
possibilidade de cobrança de ICMS em relação à importação de
máquinas, aparelhos e equipamentos, sem similar nacional, para
utilização nas Usinas em construção no Rio Madeira, a incidência
de ICMS é incontroversa, sendo admitida pelo próprio Secretário
da SEFIN7.
A justificativa para a concessão de isenção
estaria consubstanciada, segundo consta, no fato de que as
empresas não seriam “obrigadas a importar pelo Estado de
Rondônia”, podendo “fazê-lo por qualquer outro Estado e depois
realizar a transferência para as usinas”.
Explicando em miúdos a alegação do Secretário da
SEFIN, tem-se que algumas empresas responsáveis pela construção
das hidrelétricas possuem estabelecimento tanto em Rondônia
7 Afirma o Secretário, em trecho de sua peça de defesa, que “não existem dúvidas acerca da incidência do ICMS nas operações de importação”.
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(filiais) quanto em outros Estados da Federação8 (matriz). Dessa
forma, poderiam importar as máquinas, aparelhos e equipamentos
necessários por esses e, em seguida, remeter às filiais
localizadas em Rondônia. O transporte dos bens, por sua vez,
estaria amparado pela Súmula 166 do Superior Tribunal de Justiça,
que aduz que “não constitui fato gerador do ICMS o simples
deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do
mesmo contribuinte”.
O procedimento, se efetivado, constituiria, a
toda evidência, tentativa de burla à competência tributária ativa
do Estado de Rondônia. Tendo em vista que a incidência do ICMS
em operações que envolvam a importação de bens e mercadorias é
resguardada constitucionalmente, pode-se invocar o Método Tópico-
Problemático de interpretação constitucional para o exame da
questão.
Segundo leciona J.J Gomes Canotilho9:
“o método tópico de interpretação constitucional parte das
seguintes premissas: a) caráter prático da interpretação
constitucional, haja vista que toda interpretação visa
resolver problemas concretos; b) caráter aberto,
fragmentário ou indeterminado da lei constitucional;
preferência pela discussão do problema em virtude da
textura aberta das normas constitucionais que não permitem
qualquer dedução subsuntiva a partir delas mesmo.’
8 É o caso, v.g., da empresa Energia Sustentável do Brasil S.A, que possui sede no Rio de Janeiro. 9 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed., Coimbra, Almedina, 1999, pag. 1.137.
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Vê-se que, de acordo com esse Método, a
interpretação constitucional deve partir do problema enfrentado
diante de um caso concreto para a norma regulamentadora da
matéria, tudo em busca da solução mais justa da pendenga.
Nesse diapasão, saliente-se que o vocábulo
“topoi” (do qual deriva a expressão “Tópico-Problemático”),
trazido à tona inicialmente por Aristóteles, no Livro I da
Tópica, significa:
“pontos de vista utilizáveis e aceitáveis em toda parte,
que se empregam a favor ou contra o que é conforme a
opinião aceita e que podem conduzir a verdade.
[...] tratado se propõe encontrar um método de
investigação graças ao qual possamos raciocinar, partindo
de opiniões geralmente aceitas, sobre qualquer problema que
nos seja proposto, e sejamos também capazes, quando
replicamos a um argumento, de evitar dizer alguma coisa que
nos cause embaraço10."
Trazendo a lição para o mundo jurídico, é
possível afirmar que a tópica é a técnica de raciocínio que se
dirige especificamente ao problema e, por meio da utilização de
opiniões geralmente aceitas, tem o escopo de ofertar ao jurista
uma solução consentânea com o conceito de justiça.
10 VIEHWEG, THEODOR. Tópica e Jurisprudência. Brasília, Departamento de
Imprensa Nacional, 1979, Trad. Tércio Sampaio Ferraz Jr., pag 27.
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O STF já utilizou por diversas vezes a técnica na
solução de questões constitucionais, cumprindo destacar caso em
que se desconsiderou a vedação constitucional de violação ao
sigilo das correspondências, legitimando-se a leitura de cartas
oriundas de presos, os quais se valiam da regra para praticar
crimes. O fundamento primordial para a decisão lastreou-se na
premissa (topoi) de que o direito não pode servir de manto
protetor para a prática de condutas ilícitas.
Na situação em apreço, a par do propósito
manifestamente argiloso dos contribuintes, não se mostra justo (e
nem jurídico, como expendido adiante) que valores relativos a
impostos sejam destinados a outro Estado, quando todos os
impactos das obras, mormente ambientais, serão suportados pela
população rondoniense.
Assim, ainda que o estratagema alardeado em
defesa seja levado a cabo, decerto não encontrará guarida nos
tribunais pátrios, principalmente levando-se em conta a
existência do precedente do STF trazido à tona pela Unidade
Técnica do Tribunal.
Nada obstante o defendente alegue que a
importação de máquinas e equipamentos por outro Estado não
afronta o posicionamento da Suprema Corte no exame do Recurso
Extraordinário nº 268.586, não é o que se pode aferir da leitura
da decisão.
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Na espécie, contribuinte que possuía
estabelecimentos nos Estados do Espírito Santo e São Paulo
importou, pelo primeiro, mercadorias que foram destinadas
diretamente a empresas situadas no segundo, valendo-se de relação
jurídica de cunho privado firmada entre ambos.
A peculiaridade da negociação residia no fato de
que a empresa situada no Estado do Espírito Santo gozava de
benefícios fiscais, ou seja, o artifício utilizado pelo
contribuinte permitia o desembaraço aduaneiro no Estado de São
Paulo, de mercadorias importadas, com o recolhimento do tributo
em valores significativamente inferiores.
Verifica-se que se trata de situação que guarda
íntima correlação com a pretensão que teria sido externada pelos
consórcios que se beneficiariam da isenção, no sentido de
importar por estabelecimento situado em outro Estado e depois
transportar os bens para Rondônia.
É o que se pode depreender do relato do Eminente
Ministro Cezar Peluso, in verbis:
“1. Insurge-se a recorrente contra o acórdão do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo que manteve sentença, a qual
reconheceu a esse Estado competência para exigir o ICMS
incidente na importação realizada por OCEANIA IMPORTAÇÃO E
EXPORTAÇÃO LTDA, empresa situada no Estado do Espírito
Santo, e cuja mercadoria foi remetida ao estabelecimento
paulista da mesma recorrente.” Grifou-se
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O Ministro Relator do feito, Marco Aurélio de
Mello, em seu voto, repeliu veementemente a intenção astuciosa do
contribuinte:
“Poucas vezes defrontei-me com processo a revelar drible
maior ao fisco. O acordo comercial FUNDAP, formalizado
entre a importadora e a ora recorrente, é pródigo na
construção de ficções jurídicas para chegar-se à mitigação
do ônus tributário, isso em vista do fato de a importadora
encontrar-se cadastrada no sistema FUNDAP, tendo jus, por
isso, a vantagens fiscais.
[...] Onde a lealdade aos princípios básicos à vida
democrática, aos princípios assentados na Lei Maior? A toda
evidência, tem-se quadro escancarado de simulação”.
O Ministro Cezar Peluso, em voto-vista que se
mostrou consentâneo com o do Relator, interpretou com propriedade
a cláusula final do art. 155, § 2º, IX, “a”, da CF/88, que
estabelece caber “o imposto ao Estado onde estiver o domicílio ou
o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bens ou
serviço”.
“O decisivo é saber a quem, segundo o teor do negócio
jurídico subjacente ao ato material da importação, é
destinada a mercadoria que o próprio adquirente ou, por
ele, terceiro traz do exterior. Isto é, quem adquire a
mercadoria à importação”.
[...] Cumpre apurar então, no caso, quem é, na acepção
designada, o destinatário da mercadoria, se a importadora
domiciliada no Espírito Santo, ou a recorrente com
domicílio em São Paulo”
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[...] O destinatário é, pois, sem sombra de dúvidas, para
efeitos de incidência do ICMS na importação, a ora
recorrente. A emissão de notas fiscais da saída pela
empresa importadora OCEANIA IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA. e
o errôneo recolhimento do imposto no Estado do Espírito
Santo não desnaturam o negócio jurídico realizado entre a
recorrente e o exportador. A importadora foi só
intermediária na aquisição, não destinatária da
mercadoria.” grifou-se
O voto resultou no desprovimento do recurso
interposto pela empresa contribuinte, acarretando a edição da
seguinte ementa:
“ICMS - MERCADORIA IMPORTADA - INTERMEDIAÇÃO - TITULARIDADE DO TRIBUTO. O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços cabe ao Estado em que localizado o porto de desembarque e o destinatário da mercadoria, não prevalecendo a forma sobre o conteúdo, no que procedida a importação por terceiro consignatário situado em outro Estado e beneficiário de sistema tributário mais favorável." (RE nº 268.586, rel. Min. MARÇO AURÉLIO, 1ª Turma, DJ de 18.11.2005). No mesmo sentido: (AI nº 765.892, rel.Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJ de 25.08.2009) 3. Ante o exposto, nego seguimento ao recurso (art. 21, § 1º, do RISTF, art. 38 da Lei nº 8.038, de 28.05.90, e art. 557 do CPC). Publique-se. Int..Brasília, 28 de janeiro de 2010.Ministro CEZAR PELUSO Relator.” grifou-se
Sendo extreme de dúvida que o ICMS cabe ao Estado
de destino final da mercadoria ou bem, e que, no caso em comento,
todas as máquinas e equipamentos serão empregados nas obras
realizadas em Rondônia, inequívoco que este será o sujeito ativo
do tributo, independentemente de qualquer artifício utilizado
pelas empresas construtoras.
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Demais disso, o estado avançado das obras e os
efeitos retroativos concedidos pela lei nº 2.838/2011, permitem
inferir que diversos equipamentos importados já adentraram no
solo estadual, tendo ocorrido o fato gerador do tributo, de modo
que a ficção alardeada pelas concessionárias seria inviável.
Também não parece crível pressupor que as
responsáveis pelo empreendimento promoveriam a importação por
outros Estados, já que, em todo caso, teriam que recolher o
imposto na localidade, além de terem de arcar com custos
adicionais e com a eventual incidência do diferencial de alíquota
pelo transporte interestadual.
Sob outra óptica, transbordando-se a matéria para
o ramo tributário, pode-se apontar que a importação, por outro
Estado da Federação, dos bens necessários à operacionalização das
Usinas, constituiria alusão fiscal, ou como preferem alguns
especialistas, elisão ineficaz.
Em estudo sobre o tema, César A. Guimarães
Pereira elenca três formas distintas de o contribuinte se eximir
do pagamento de tributos, quais sejam: evasão tributária, elisão
tributária eficaz e elisão tributária ineficaz.
Preleciona o autor que:
“No segundo caso (elisão ineficaz), a Administração
tributária comprova a existência de negócio simulado e o
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desconsidera através de lançamento de ofício. No primeiro
caso (elisão eficaz), o negócio elisivo é enquadrado na
hipótese normativa ou na área de omissão legislativa
visadas pelo particular (ou seja, recebe a qualificação
jurídica proposta pela conduta elisiva), sem que nada possa
ser objetado pela Administração tributária ou pelo Poder
Judiciário)”.11
Heleno Taveira Tôrres, por sua vez, aduz:
“No caso da alusão, o contribuinte assume o risco pelo
resultado, visando a uma tributação menos onerosa, mediante
o uso de meios atípicos, seja para evitar a ocorrência do
fato gerador, seja para pô-lo em subsunção com uma norma
menos onerosa. Aqui já não se trata de economia de
tributos; outrossim, sem que sua atitude se constitua numa
modalidade de simulação, num agir impulsionado por
escapatória, ardil, escamoteação, estratagema, subterfúgio,
visando prejudicar a aplicação da legislação tributária12.”
Diante da materialização do procedimento de
simulação, caberia à Administração Tributária, de imediato,
frustrar os fins almejados pelos sujeitos passivos do imposto,
procedendo imediatamente o lançamento de ofício.
11 PEREIRA, César A. Guimarães. Elisão tributária e função administrativa. São
Paulo: Dialética, 2001, p.212.
12 MARINS, James (coord.). Tributação & antielisão. Curitiba: Juruá, 2002, p.
36-37.
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Caberia à parte, entendendo plausível, ingressar
com contenda judicial, fazendo valer seu direito subjetivo de
ação. O que se mostra inadmissível, na espécie, é o Estado,
diante da ameaça efetivada pelos contribuintes, deixar,
simplesmente, de realizar a cobrança de tributos cuja incidência
é incontestável.
II – Das Operações Interestaduais
No que se refere à aquisição e transferência
interestadual de bens destinados aos ativos das empresas
responsáveis pela construção das hidrelétricas do Rio Madeira,
constata-se, de fato, a existência de grande controvérsia acerca
da possibilidade de cobrança do imposto.
O Corpo Técnico defende de maneira incisiva a
incidência do ICMS na espécie, considerando, para tanto, que o
maquinário e os equipamentos serão utilizados na produção de
energia elétrica, integrando o ativo imobilizado das empresas.
O próprio defendente parece concordar com o
entendimento, ao afirmar que:
“o Estado tem defendido a incidência do ICMS diferencial de
alíquotas das máquinas e equipamentos utilizados para
geração de energia elétrica sob o fundamento de que são
componentes do ativo imobilizado do estabelecimento,
possibilitando, inclusive a utilização do crédito fiscal
desse ativo, nos termos da LC. 87/96.
Pela tese do Estado as turbinas e os equipamentos não são
considerados como insumos de uma obra em execução por
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empresa de construção civil, mas sim máquinas e
equipamentos destinados ao ativo imobilizado de
contribuinte do imposto.”
Nada obstante, o Senhor Wagner Luis da Souza
alerta, de um lado, que as empresas beneficiárias da isenção não
concordam com a tributação, ameaçando efetivar contestação
judicial, e, de outro, que existe a possibilidade de que tais
equipamentos sejam considerados insumos de uma obra da construção
civil, em face do que seria possível aplicar a Súmula nº 432 do
Superior Tribunal de Justiça – STJ, que estatui:
“Súmula 432: As empresas de construção civil não estão obrigadas a pagar ICMS sobre mercadorias adquiridas como insumos em operações interestaduais.”
Nesse sentido, citando a “caracterização das
turbinas como parte indissociável de obra de construção civil”,
vale-se do RE nº 947.935 – RS, da mesma Egrégia Corte, precedente
que evidenciaria a impossibilidade de cobrança de ICMS na
vertente situação.
Pois bem, o exame acurado dos precedentes
judiciais trazidos à tona não contribui de forma definitiva para
o deslinde da contenda. A questão, sem sombra de dúvidas, pode
gerar intenso debate jurídico perante o Poder Judiciário e o
resultado da lide é deveras imprevisível.
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Apesar disso, não pode o gestor simplesmente
dispor de potenciais recursos públicos, devendo, se for o caso,
em atenção aos diversos princípios e regras que regem a atuação
da Administração Pública, litigar até as últimas instâncias em
prol do interesse do Estado.
III – Da Infringência a Princípios Constitucionais e ao Regime
Jurídico Administrativo
Não é inoportuno salientar que a ameaça de
impetração de medidas judiciais, feita pelos consórcios
responsáveis pela construção das Usinas do Madeira, não se presta
a justificar a concessão de benefício que ultrapassa a cifra dos
milhões, notadamente na espécie, em que é possível se constatar,
sem grande esforço, a afronta a regras comezinhas de Direito
Público.
Com efeito, não se pode olvidar que a relação
jurídica controvertida se insere dentro do Regime Jurídico
Administrativo13, devendo, dessa forma, obedecer, além dos
Princípios de Direito Constitucional, também aos de Direito
Administrativo.
13 O Direito Tributário, não custa dizer o óbvio, é ramificação didática do próprio Direito Administrativo e, como tal, deve seguir as mesmas normas que o regem.
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O assunto, vale destacar, já mereceu extensa
abordagem nas duas manifestações do Corpo Instrutivo, razão pela
qual se evitará a repetição desnecessária de teses devidamente
lançadas.
Avançando, é clarividente a afronta aos
Princípios que são considerados “pedras de toque”14 da matéria.
Deveras, a Supremacia do Interesse Público sobre o Privado parece
subjugada diante da isenção em apreço.
Isso porque, o benefício, diante do contexto
fático experimentando (que inclui a propensão natural do Estado
para o empreendimento, a situação avançada das obras e a
relevância econômica dessas para o país), aparenta resguardar
mais os interesses dos consórcios construtores do que os da
sociedade, que poderia ser beneficiada de inúmeras formas com os
recursos advindos da arrecadação do ICMS.
Outrossim, patente o desrespeito ao Princípio da
Indisponibilidade do Interesse Público, que determina que o
gestor não pode dispor livremente de bens e interesses do Estado,
que devem ser manejados exclusivamente em benefício da
coletividade. Nessa esteira, verifica-se que a benfeitoria
trazida ao Estado pela concessão da isenção não é palpável,
mormente em face da ausência de critérios relativos a eventuais
compensações, tema que será abordado com pormenores mais adiante.
14 A expressão é de autoria do doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello, que a utiliza em referência aos Princípios da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado e da Indisponibilidade do Interesse Público.
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Cumpre consignar, ainda, afronta chapada ao
Princípio da Isonomia, consubstanciada no fato de que a isenção é
direcionada exclusivamente aos consórcios responsáveis pela
construção das usinas, não contemplando quaisquer outras empresas
que importem bens, sem similaridade no país, ou adquiram e
realizem a transferência interestadual de bens destinados a
integrar ativo imobilizado15.
Ressalte-se que a concessão do benefício esbarra
também nos Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade.
Acerca do tema, Celso Antônio Bandeira de Mello16, com a
propriedade que lhe é peculiar, obtempera:
“Procede, ainda, do Princípio da legalidade o Princípio da
proporcionalidade do ato à situação que demandou sua
expedição. Deveras, a lei outorga competências em vista de
certo fim. Toda demasia, todo excesso desnecessário ao seu
atendimento, configura uma superação do escopo normativo.
Assim, a providência administrativa mais extensa ou mais
intensa do que o requerido para atingir o interesse público
insculpido na regra aplicanda é inválida, por consistir em
um transbordamento da finalidade legal.”
Mais adiante, preleciona ainda o renomado autor,
in verbis:
15 A constatação se acentua diante da assertiva de que o Estado considera, ordinariamente, a incidência do imposto nas hipóteses de isenção previstas na lei, conforme informação trazida pelo próprio Secretário da SEFIN. 16 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 25ª Ed., Malheiros, 2007, p. 79 e 108.
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“Com efeito, o fato de a lei conferir ao administrador
certa liberdade (margem de descrição) significa que deferiu
o encargo de adotar, ante a diversidade de situações a
serem enfrentadas, a providência mais adequada a cada qual
delas. Não significa, como é evidente, que lhe haja
outorgado o poder de agir ao sabor exclusivo de seu líbito,
de seus humores, paixões pessoais, excentricidades ou
critérios personalíssimos, e muito menos significa que
liberou Administração para manipular a regra de Direito de
maneira a sacar dela efeitos não pretendidos nem assumidos
pela lei aplicanda.”
No caso sub examine, o Estado finda concedendo
benefício a empresas particulares diante da possibilidade de
receber, em contrapartida, investimentos, nos termos previstos no
inciso III, § 2º, do art. 2º da Lei nº 2.538/2011, ipsis
litteris:
“Art. 2º. [...]
§ 2º. A fruição da isenção prevista neste artigo fica
condicionada:
III – à celebração de termo de compromisso, nos termos do
anexo único, objetivando a realização pelas empresas
beneficiárias de outros investimentos no Estado e aumento
das compensações, além das obras especificadas neste
artigo.”
O procedimento, a toda prova, não é o mais
adequado para a consecução do fim desejado pelo Estado, qual
seja, a prestação de serviços públicos à sociedade. Ora, é
axiomático que só há que se falar em isenção diante de fato
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tributável. Estando diante de hipótese de incidência do imposto,
não subsiste motivo para a busca de forma diversa de prestação de
serviços, que não perpasse pela arrecadação de recursos públicos,
principalmente tendo em conta as diversas repercussões do
ingresso de valores no erário.
Deveras, a Atividade Financeira do Estado obedece
a diversas normas de Direito Público que visam, sobretudo,
proteger a probidade administrativa e o emprego regular de
valores públicos.
Nesse sentido, o Estado deve efetivar, querendo
adquirir bens, realizar obras ou prestar serviços, procedimento
licitatório, que deve necessariamente observar o Princípio da
Igualdade, possibilitando a participação de todo e qualquer
interessado que atenda aos requisitos previstos em lei e no
edital, tudo com o escopo de trazer ao Estado a proposta mais
vantajosa.
A execução da despesa pública, por sua vez, deve
seguir criteriosamente as fases previstas na Lei nº 4.320/6417,
que possibilitam o controle de gastos e, em última instância, a
responsabilização dos agentes públicos que deixarem de observar
prescrições legais.
Não se pode esquecer, ainda, que o montante da
Receita Pública repercute diretamente na Receita Corrente
17 Empenho, liquidação e pagamento.
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Líquida, que é parâmetro para alguns relevantes “limites” que
devem ser observados pelo Poder Públicos, como, v.g., a
remuneração de pessoal.
De mais a mais, todo e qualquer gasto perpetrado
de forma irregular pela Administração Pública possibilita a
punição mais severa dos agentes responsáveis, nos termos
previstos no Código Penal (Crimes Contra a Administração Pública,
Crimes Contra a Lei de Licitações, Crimes Contra as Finanças
Públicas, etc.) e na Lei de Improbidade Administrativa.
Vê-se, pois, que a pretensão de delegar aos
consórcios a realização de investimentos ou de compensações, além
de infringir diretamente diversos Princípios de Direito Público,
finda por enfraquecer o controle de gastos, facilitando o desvio
de verbas públicas.
IV – Das Compensações e Investimentos como Contrapartida pela
Isenção
Observando-se o inciso III, § 2º, do art. 2º da
Lei Estadual nº 2.538/2011, percebe-se que o gozo efetivo da
isenção concedida é condicionado à celebração de Termo de
Compromisso, que tem por objeto a realização, por parte das
beneficiárias, de “outros investimentos no Estado e aumento das
compensações“.
Ocorre que a apreciação do referido Termo de
Compromisso (anexo único da lei) indica a absoluta falta de
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critério no que diz respeito aos “investimentos na área social”
que os consórcios se comprometerão a realizar. Não existe
especificação de quais seriam esses investimentos e em que local
eles se dariam.
Inexiste ainda estipulação do valor da
“contrapartida” dos consórcios beneficiários, de forma que, no
que atine a esses, o Termo caracteriza verdadeiro “cheque em
branco”. Demais disso, a cláusula segunda do citado instrumento
aduz que os valores aplicados a título de investimento deverão
guardar consonância com “especificações contidas em planilha em
anexo”. Ocorre que não existe nenhuma planilha anexada à lei ou
ao Termo de Compromisso.
Impende citar, ainda, a incoerência verificável
na contraposição dos argumentos carreados pelo Secretário da
SEFIN e os termos contidos no Termo de Compromisso anexo à lei
2.538/2011.
Com efeito, ao passo que a SEFIN alega a
possibilidade de que a cobrança de ICMS seja indevida, a cláusula
terceira do Termo de Compromisso estipula que o seu
descumprimento implicará no “cancelamento automático e revogação
do benefício fiscal, restabelecendo-se a cobrança do ICMS
devido”.
Percebe-se, dessa forma, que a lei concessiva de
benefício milionário passou por todo o processo legislativo, que
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inclui a sanção do Governador do Estado, sem observar seus
próprios termos.
V – Da Lesão ao Pacto Federativo
Sabe-se que o Brasil constitui uma Federação
Atípica18, com organização político-administrativa formada pela
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos
autônomos, nos termos da Constituição (CF/88, artigos 1º e 18).
A autonomia das entidades federativas pressupõe
repartição de competências para o exercício e desenvolvimento de
atividade normativa19. Acerca da citada repartição, o
constitucionalista José Afonso da Silva ensina:
“O princípio geral que norteia a repartição de competência
entre as entidades componentes do Estado Federal é o da
predominância do interesse, segundo o qual à União caberão
aquelas matérias e questões de predominante interesse
geral, nacional, ao passo que aos Estados tocarão as
matérias e assuntos de predominante interesse regional, e
aos Municípios concernem os assuntos de interesse
local...20”
Pois bem, para o exercício das competências
distribuídas pela Constituição Federal, União, Estados, DF e 18 A federação brasileira é atípica ou anômala, pois há dois entes típicos (União e Estados), o que, por definição, é a regra, e dois entes atípicos (DF e Municípios). 19 HORTA, Raul Machado. A autonomia do Estado-membro no direito constitucional brasileiro, pag. 49. 20 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional. 28ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2007, pag. 478.
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Municípios necessitam de recursos, que são arrecadados de forma
originária e/ou derivada.
As receitas originárias são oriundas da
exploração do próprio patrimônio estatal21, enquanto as receitas
derivadas são auferidas por meio do poder de império do Estado,
que impõe aos administrados o recolhimento de diversas espécies
de tributos.
A utilização dessas verbas públicas, por cada
componente da Federação, guarda correlação com as respectivas
necessidades, aferidas pelo Chefe do Executivo, por meio de ações
planejadas, que resultam da elaboração das peças orçamentárias
(PPA, LDO e LOA) e que são, de forma subsequente, apreciadas pelo
Poder Legislativo22. Saliente-se que, nesses moldes, cada esfera
federativa elenca, com certa discricionariedade, as áreas
prioritárias em que serão aplicados os recursos públicos que lhe
cabem.
Trazendo-se a intelecção para o caso em tela,
vislumbra-se que o ICMS é um imposto cuja instituição e
arrecadação cabe aos Estados-Membros, conforme preceitua o art.
155, II, da CF/8823.
21 Como, por exemplo, com a receita de aluguel e de juros (decorrente da aplicação financeira do dinheiro público). 22 Processo legislativo relativo às leis orçamentárias. 23 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...] II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
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Sem embargo, a Carta Maior determina que, do
total de ICMS arrecadado pelo Estado, 25% pertencem ao Município,
que poderá utilizá-lo da forma que julgar mais conveniente, in
verbis:
Art. 158. Pertencem aos Municípios:
IV - vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.
Nesses termos, a concessão de isenção pelo Estado
de Rondônia, com fulcro na realização de investimentos e
compensações pelos consórcios responsáveis pela construção das
Usinas do Rio Madeira, constitui afronta ao pacto federativo, na
medida em que, em decorrência da manobra:
(i) o Governo Estadual poderá direcionar a
aplicação dos valores de forma irrestrita, nas áreas em que
julgar mais conveniente;
(ii) o Governo Municipal deixará de arrecadar
valores que poderiam ser direcionados ao atendimento de suas
necessidades locais, além de não ter qualquer participação no
direcionamento dos investimentos e compensações prometidos.
Verifica-se, portanto, infringências aos artigos
1º, 18 e 158, inciso IV, da CF/88, que poderão resultar na
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impetração de Ação Direta de Inconstitucionalidade pelos órgãos
legitimados.
VI – Do Desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal
A Lei de Responsabilidade Fiscal foi elaborada
com o objetivo de se promover o equilíbrio das contas públicas,
buscando impedir que o gestor público promova gastos que
ultrapassem a capacidade financeira de determinado ente estatal.
O Estado, portanto, somente deve “gastar aquilo
que foi planejado em função da arrecadação de receita, o que
pressupõe ação planejada e transparente dos atos praticados pelo
Administrador Público responsável”24.
O ponto é, inclusive, objeto de um dos Princípios
mais importantes do Direito Financeiro, qual seja, o Equilíbrio.
Sobre o tema, José Carlos Oliveira de Carvalho ensina:
“Trata-se do equilíbrio formal. A priori, só é recomendável
que se gaste aquilo que se tem. Assim, o orçamento deve
funcionar como uma ferramenta de planejamento real,
contemplando gastos que serão realizados em função das
receitas que serão arrecadadas. Por isso, não se deve
prever mais despesas que receitas.”25
24 SILVA, Moacir Marques da. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal: abordagem contábil e orçamentária para os municípios. Belo Horizonte: Fórum, 2009, pags. 20/22. 25 CARVALHO, José Carlos Oliveira de. Orçamento Público: teoria e questões atuais comentadas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006, pag. 14.
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Um dos mecanismos utilizados com vistas a
proteger o equilíbrio das contas públicas e, ao mesmo passo,
garantir o atendimento às necessidades coletivas, é a plena e
irrestrita arrecadação dos impostos de competência de cada um dos
entes federativos.
É o que a LRF determina em seu artigo 11, senão
vejamos:
Art. 11 - constituem requisitos essenciais da
responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e
efetiva arrecadação de todos os tributos da competência
constitucional do ente da Federação.
Diante da normativa, ao gestor estatal não resta
alternativa que não seja a “previsão e efetiva arrecadação” dos
tributos que se insiram na sua esfera de competência.
Dessa forma, infere-se, de antemão, a
infringência ao citado dispositivo legal, já que o Secretário da
SEFIN afirma de maneira categórica que a receita advinda do ICMS
não foi considerada no momento da elaboração das peças
orçamentárias do Estado de Rondônia.
A confissão denota a existência patente de falha
na elaboração das peças orçamentárias. Como bem afirmado pelo
Corpo Técnico “uma Administração Pública eficiente tem estudo
capaz de estimar o quantum provável das receitas a ingressar nos
cofres públicos”.
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A construção das Usinas do Rio Madeira é uma
realidade que remete ao ano de 200726, não havendo justificativa
plausível para a desconsideração de valores substanciais que
poderiam advir da cobrança de impostos, gerados a partir do
início de tais empreendimentos.
Por outro lado, a Renúncia de Receita, que se
materializaria por meio da isenção da cobrança de ICMS, deveria
inexoravelmente observar as disposições constantes do artigo 14
da LC 101/2000, quais sejam:
“Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:
I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;
II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
§ 1o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.
26 Isso no caso de se considerar o ano em que foi realizado o primeiro leilão, destinado à Construção da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio.
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§ 2o Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.”
O preceptivo legal supra estatui, em seu caput,
que a concessão do benefício deveria, inicialmente, conter
estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que
se iniciar e nos dois subsequentes.
Além disso, a isenção ficaria condicionada a
apresentação de ao menos uma das seguintes condições:
(i) demonstração pelo proponente de que a
renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei
orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas
de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de
diretrizes orçamentárias;
(ii) estar acompanhada de medidas de compensação,
no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita,
proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de
cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
Quanto ao estudo trienal sobre os impactos
decorrentes do benefício, depreende-se, da defesa trazida pelo
Senhor Wagner Luis de Souza, a ausência de qualquer trabalho ou
estimativa com esse desiderato.
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Não há também notícia acerca de qualquer sorte de
medidas de compensação por meio do aumento de receita, nos termos
da exigência prevista no inciso II do art. 14.
O Defendente se limitou a alegar que o valor do
crédito advindo da arrecadação de ICMS não foi considerado no
momento da elaboração do orçamento, de modo que “eventual
dispensa ou não realização” não caracterizaria afronta à LRF.
A assertiva, a priori, poderia se enquadrar na
exigência contida no inciso I do art. 14 supra, já que, de fato,
a arrecadação do imposto não foi considerada na previsão da
receita orçamentária. Não é possível renunciar ao que não se
previu. Logo, pode-se pressupor a ausência de afetação das metas
de resultados fiscais previstas no anexo próprio da Lei de
Diretrizes Orçamentárias.
Nada obstante, o procedimento, decerto, não
atende à vontade subjacente do legislador, que, no caso, se daria
por meio da ação planejada e transparente do Administrador
Público, materializada na previsão de arrecadação do tributo e em
estudo que atendesse pontualmente aos termos da lei. Aplicável
também, na espécie, Princípio Geral de Direito, expresso no
brocardo latino: turpitudinem suam allegare potest27.
27 A ninguém é dado beneficiar-se de sua própria torpeza.
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Assim, a omissão atinente à ausência de previsão,
na Lei Orçamentária Anual do Estado, acerca do crédito advindo da
arrecadação de ICMS, não pode servir de subterfúgio para a
concessão de benefício fiscal.
Demais disso, a complacência com a omissão
caracterizaria sério precedente que poderia ser utilizado por
outras Unidades Jurisdicionadas da Corte de Contas, dificultando
ações de controle.
Ressalte-se que mesmo que todas as exigências
legais houvessem sido atendidas quando da elaboração da lei em
comento, os diversos princípios infringidos pela concessão do
benefício, na forma abordada alhures, assim como a ausência de
interesse público manifesto, inquinariam a legitimidade da
isenção, conforme explanado adiante.
VII – Da Ausência de Interesse Público.
A priori, cabe consignar que a Lei nº 2.538/2011
configura, em verdade, ato administrativo material, já que não
possui abstração e impessoalidade características das leis em
geral, em face do que pode ser considerada “lei de efeitos
concretos”.
Maria Sylvia Zanella di Pietro conceitua leis de
efeitos concretos nos seguintes termos:
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“é aquela emanada do Poder Legislativo, segundo o processo
de elaboração das leis, mas sem o caráter de generalidade e
abstração próprio dos Atos Normativos. Ela é lei em sentido
formal, mas é Ato Administrativo em sentido material
(quanto ao conteúdo), já que atinge a pessoas
determinadas28.” grifou-se
Podendo a lei concessiva da isenção de ICMS ser
considerada ato administrativo em sentido material, cumpre
discorrer acerca da ausência de interesse público do Estado na
edição do ato.
Interesse público, nas palavras de Celso Antônio
Bandeira de Mello, é o “interesse resultante do conjunto de
interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em
sua qualidade de membros da Sociedade e pelos simples fato de o serem”.
Vigliar, por sua vez, aduz que:
“Assim é que se propõe, modernamente, que o interesse público constitua noção inseparável do interesse da coletividade como um todo e não apenas o do Estado, enquanto centro de direitos e obrigações29.”
Vale ressaltar que o interesse público não pode
sucumbir diante da alegação de edição de atos por critério de
conveniência e oportunidade. É o que ensina Figueiredo:
28 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 17ª Ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 666. 29 VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Ação Civil Pública, 3ª Ed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 39.
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“De conseguinte, é ledo engano afirmar que interesse
público, conveniência e oportunidade são palavras
abrangentes de qualquer conteúdo. Os conceitos têm núcleos
semânticos. Destarte, a razoabilidade e a boa-fé deverão
informar toda e qualquer interpretação. Trazemos a contexto
a noção de interesse público dada por Philippo Satta:
‘Interesse público não pode, pois, constituir-se em noção
genérica, como se tratasse de interesse de qualquer
sujeito, qualificado pela natureza pública deste; ao
contrário, designa um interesse enquanto objeto de previsão
normativo, portanto disciplinado por uma norma, no âmbito
da qual e das quais a Administração deve prover30”.
Depreende-se, pois, que a atuação estatal só é
legítima na medida em que tem por escopo resguardar os interesses
da coletividade, real detentora do poder de que se vale Estado
para a gestão da coisa pública.
Na situação em comento, a defesa apresentada pelo
Secretário da SEFIN, em consonância com a Lei Estadual nº
2.538/2011, aponta que a isenção não atende ao interesse público
da comunidade local, qual seja, a utilização da máquina
administrativa da maneira menos gravosa ao erário.
Nem se pode argumentar que o benefício
direcionou-se a fomentar o crescimento econômico do Estado, já
que este foi escolhido por sua predisposição natural para a
geração de energia hidrelétrica, independentemente de qualquer
condição mais favorável às empresas interessadas.
30 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. “Curso de Direito Administrativo”, São Paulo, Ed. Malheiros, 3.ª edição, p. 142.
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O fato supramencionado, aliado à circunstância de
que a concessão para os empreendimentos fora efetivada anos antes
da edição da lei e à inexistência de menção aos valores que
seriam aplicados pelos consórcios, como investimentos ou
compensações, em função do benefício, indicam que as únicas reais
favorecidas pela isenção são as construtoras das Usinas.
A ausência de interesse público, fim último do
Estado, macula o ato administrativo em sentido material em
apreço. Nesse diapasão, vale salientar a impetração, pelo
Ministério Público do Estado de Rondônia, de Ação Civil Pública31,
em que se pleiteou, com supedâneo em decisões do STF e do STJ, a
anulação da Lei nº 2.538/2011, considerada pelo Parquet ato
administrativo em forma de lei.
No caso, a Eminente Juíza Inês Moreira da Costa,
responsável pela 1ª Vara da Fazenda Pública, deferiu pedido de
tutela antecipada, determinando a suspensão da eficácia da “lei”
supracitada.
Ressalte-se que, no âmbito do Tribunal de Contas,
tratando-se de lei propriamente dita, ou seja, de efeitos
abstratos e impessoais, e estando-se diante de um caso concreto,
caberia somente negar executoriedade àquela e, concomitantemente,
representar aos órgãos legitimados para a impetração de Ação
Direta de Inconstitucionalidade.
31 Processo nº 0016670-44.2011.8.22.0001.
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Nada obstante, o normativo em comento pode,
conforme externado, ser considerado ato administrativo em sentido
material. Dessa ilação é possível aferir duas consequências
substanciais.
A primeira delas é de que a possibilidade de
controle de constitucionalidade da lei por meio de ADIN é
questionável. Com efeito, a Suprema Corte, de maneira geral,
considerava que leis orçamentárias não poderiam ser objeto de
controle, haja vista se tratarem de leis com efeito concreto, ato
administrativo em sentido material. Este é o teor da ementa
derivada do julgamento da ADI 2.100:
CONSTITUCIONAL. LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS. VINCULAÇÃO DE PERCENTUAIS A PROGRAMAS. PREVISÃO DA INCLUSÃO OBRIGATÓRIA DE INVESTIMENTOS NÃO EXECUTADOS DO ORÇAMENTO ANTERIOR NO NOVO. EFEITOS CONCRETOS. NÃO SE CONHECE DE AÇÃO QUANTO A LEI DESTA NATUREZA. SALVO QUANDO ESTABELECER NORMA GERAL E ABSTRATA. AÇÃO NÃO CONHECIDA. grifou-se
No entanto, decisão mais recente do STF,
prolatada em sede cautelar, evidencia a possibilidade de revisão
do entendimento:
“CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE NORMAS
ORÇAMENTÁRIAS. REVISÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O Supremo
Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de
fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos
normativos quando houver um tema ou uma controvérsia
constitucional suscitada em abstrato, independente do
caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu
objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias
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ao controle abstrato de constitucionalidade.” (ADI 4.048-
MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 14.5.2008, DJE de
22.08.2008)
Haja vista que a decisão acima transcrita foi
tomada em medida cautelar, entende-se que nada impede que o
Pretório Excelso reveja o entendimento quando do julgamento
definitivo a ação, mormente diante da grande divergência
instaurada entre os Ministros, que resultou em julgamento
apertado, por maioria de votos.
A possibilidade tanto existe que o Procurador
Geral de República, ao se manifestar na ADI 4.047, considerou que
o STF não pode examinar ato de efeito concreto, pedindo que se
retome o posicionamento anterior que não admitia ADI tendo por
objeto ato de efeito concreto32.
Demais disso, todos os precedentes citados tratam
de leis orçamentárias, que são dotadas de peculiaridades que
podem não ser identificadas na Lei Estadual nº 2.538/2011. De
todo incerto, portanto, o enfrentamento de eventual ADI
interposta.
Banda outra, tratando a lei em tela de ato
administrativo em sentido material, entendo que poderia a Corte
32 Cf. Notícias STF 06.01.2009.
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de Contas adotar as medidas previstas no artigo 49, IX, da
Constituição Estadual de 198933, in verbis:
Art. 49. O controle externo, a cargo da Assembléia Legislativa, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado, ao qual compete:
IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade, sustando, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Assembléia Legislativa;
O exato cumprimento da lei34, in casu, perpassa
pela anulação Lei Estadual nº 2.538/2011, procedimento,
inclusive, almejado pelo Parquet Estadual em sede de Ação Civil
Pública. Não sendo acatada a determinação do Tribunal de Contas,
este poderia sustar a execução do ato impugnado35.
De qualquer sorte e independentemente das
intelecções lançadas alhures, todos os órgãos legitimados à
impetração de ADI deverão ser admoestados das irregularidades
verificas nos presentes autos, os quais deverão ponderar, dentro
de suas competências constitucionais, acerca da viabilidade do
exercício de ação.
33 Saliente-se que o teor do normativo é repetido na Lei Complementar nº 154/96 (Lei Orgânica) e no Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia. 34 Nesse sentido, devem ser considerados todos os argumentos trazidos no vertente parecer, tais como: infringência a diversos princípios de Direito Público; desrespeito a artigos da Constituição Federal; e afronta à Lei de Responsabilidade Fiscal. 35 Procedimento desnecessário no momento, tendo em vista que a lei se encontra suspensa por decisão judicial.
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VIII – Do Equilíbrio Econômico-Financeiro
É de conhecimento público que os consórcios
responsáveis pela Construção das Usinas Hidrelétricas de Santo
Antônio e de Jirau, ambas no Rio Madeira, venceram leilões
realizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANELL), que
tiveram como critério de julgamento a menor tarifa média pela
energia a ser gerada pelas Usinas.
Dentre as garantias decorrentes da assinatura do
contrato administrativo, derivado do leilão, encontra-se a
necessidade de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro.
Celso Antônio Bandeira de Mello, abordando o tema, obtempera o
que segue:
“Aliás, a garantia do contratado ao equilíbrio econômico-
financeiro do contrato administrativo não poderia ser
afetada nem mesmo por lei. É que resulta de dispositivo
constitucional, o art. 37, XXI, pois, de acordo com seus
termos, obras, serviços, compras e alienações serão
contratados com cláusulas que estabeleçam obrigações de
pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta.
É evidente que, para serem mantidas a efetivas condições
das propostas (constantes da oferta vencedora do certame
licitatório que precede o contrato), a Administração terá
de manter íntegra a equação econômico-financeira inicial.
Ficará, pois, defendida também contra os ônus que o
contratado sofra em decorrência de alterações unilaterais,
ou comportamento faltosos da Administração36”
36 Pag. 625.
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Verifica-se que o equilíbrio econômico-
financeiro37 se caracteriza como sendo uma relação, estabelecida
pelas próprias partes contratantes no instante em que firmado o
contrato, que envolvem um plexo de direitos e de encargos do
contratado, de onde se extrai a equação, imutável, e que inclui o
lucro do particular.
Nessa equação, obviamente, estão inseridos todos
os custos com que o particular contratado terá de arcar, de modo
que qualquer alteração, para mais ou para menos, deverá ser
compensada.
No ponto, diversas notícias divulgadas na mídia
dão conta de que o pagamento de ICMS, nas operações beneficiadas
pela isenção, foi considerado tanto na elaboração de projetos
para fins de financiamento junto ao Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social, quanto na composição dos
preços oferecidos no leilão promovido pela ANNEL.
Nessa senda, a benesse conferida aos consórcios
causaria alteração da equação econômico-financeiro do contrato
celebrado, gerando o aumento substancial do lucro auferido pelas
empresas, em detrimento do interesse público que deveria
prevalecer.
Assim, mister se faz que o Tribunal de Contas da
União, órgão responsável pela fiscalização do leilão levado a
37 Também denominado por alguns autores como “equação financeira do contrato”.
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cabo, seja admoestado da referida possibilidade, para que adote
as medidas apropriadas sob o prisma legal.
IX - Conclusão
Diante do exposto, o MPC se manifesta como segue:
I – Que se promova a retificação da autuação do
feito, que deverá ser tratado como denúncia, considerando que
foram atendidos os pressupostos legais e regimentais necessários
a sua admissibilidade;
II – No mérito, seja a denúncia considerada
procedente, tendo em vista que:
a) Sobre as importações de máquinas, aparelhos e
equipamentos, pelos consórcios responsáveis pela Construção das
Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, incide,
inequivocamente, o ICMS;
b) Em relação à aquisição e transferência
interestadual de bens destinados aos ativos imobilizados das
referidas empresas, o Estado deve, como o faz ordinariamente,
considerar a incidência do imposto;
c) A isenção concedida pelo Estado afronta os
seguintes Princípios: Supremacia do Interesse Público Sobre o
Privado; Indisponibilidade do Interesse Público; Moralidade;
Isonomia e Razoabilidade e Proporcionalidade;
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d) A realização de compensações e investimentos,
como contrapartida pela isenção conferida, enfraquece o controle
de gastos públicos, facilitando o desvio, além do que não existem
critérios objetivos regulando o quantitativo e os locais em que
aqueles deverão ser aplicados;
e) A concessão de isenção pelo Estado de
Rondônia, com fulcro na realização de compensações e
investimentos, constitui lesão ao pacto federativo (afronta aos
artigos 1º, 18 e 158, IV, da CF/88), na medida em que subtrai do
Município a livre disposição da parcela de 25% do ICMS que lhe
deveria ser repassada;
f) A concessão da Renúncia de Receita (isenção)
não observou os requisitos constantes dos incisos I e II, artigo
14, da Lei de Responsabilidade Fiscal;
g) Não existe qualquer razão de interesse público
que justifique a isenção concedida;
III – Represente-se, com o envio de cópia dos
autos, ao Procurador-Geral da República e ao Procurador-Geral de
Justiça do Estado, apontando as infringências, pela Lei Estadual
nº 2.538/2011, a princípios constitucionais e aos artigos 1º, 18
e 158, IV, da CF/88, para que, em sendo o caso, interponham ADI;
IV – Represente-se, com o envio de cópia dos
autos, com os mesmo fundamentos, ao Conselho Federal da Ordem dos
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Advogados do Brasil, considerando a legitimidade do órgão para a
propositura de ADI;
V – Represente-se, com o envio de cópia dos
autos, à Controladoria-Geral da União e ao Tribunal de Contas da
União, alertando os citados órgãos sobre a possível quebra do
equilíbrio econômico-financeiro do contrato assinado após os
leilões promovidos pela ANEEL, para a construção das Usinas
Hidrelétricas de Santo Antônio e de Jirau, no Rio Madeira;
VI – Determine-se ao Secretário da SEFIN, com
supedâneo no art. 48, IX, da Constituição Estadual de 1989, que,
no prazo máximo de 15 (quinze) dias, anule o ato administrativo
em sentido material, consistente na Lei Estadual nº 2.538/2011,
tendo em vista a infração a Princípios Constitucionais e de
Direito Administrativo; a afronta aos artigos 1º, 18, e 158, IV,
da CF/88; o não atendimento aos requisitos para a concessão de
isenção, previstos no art. 14, I e II, da LRF e a ausência de
interesse público para a concessão da benesse.
É o Parecer.
Porto Velho, 1º de Setembro de 2011.
Érika Patrícia Saldanha De Oliveira
Procuradora-Geral do Ministério Público de Contas