Parecer Familia - Guarda de Caes Animais - Divorcio

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1 PARECER JURÍDICO EMENTA: DIVÓRCIO - PEDIDO DE SEPARAÇÃO - CULPA - RESPONSABILIDADE CIVIL - DANOS MATERIAIS E MORAIS - CUMULAÇÃO DE PEDIDOS - TRAIÇÃO VIRTUAL PROCESSO Nº : XXXXX-XX.XX.XX-XXXX AÇÃO DE DIVÓRCIO CUMULADA COM DANOS MORAIS E MATERIAIS AUTOR: ADOLFO JOSÉ DA SILVA GRAICE RÉU : ANA AMÉLIA DA SILVA GRAICE JUIZA : ANDREA PACHA 1. CONSULTA "Doutor(a), meu nome é Sabrina do Bem, e gostaria de solicitar sua opinião a respeito de um situação muito grave pela qual estou passando. Depois de um casamento de mais de 20 anos, estou me divorciando do meu (ex) marido, Maurício, com quem tenho dois filhos menores (10 e 15 anos). Casamos em regime de separação parcial de bens e temos um patrimônio razoável acumulado (alguns imóveis em bairros nobres da cidade, dois carros importados, obras de arte - quadros, esculturas etc, entre outros). Há dois anos, de comum acordo, decidimos comprar três filhotes da raça labrador (recém-nascidos) para fazer companhia. sobretudo às crianças. A bem da verdade, ao longo desse período, os filhotinhos, muito bem-vindos e acolhidos por todos, desenvolveram rapidamente laços de afetividade com a família, mas, em especial, comigo e com meu marido. As crianças brincam com eles; porém, os cuidados e rotinas tem ficado a nosso encargo, dos adultos. Por exemplo, os passeios, idas ao veterinário, os cuidados 'pessoais' na pet shop, sempre ficam para mim. Curiosamente, contudo, os bichinhos não aceitam outra pessoa que não meu (ex) marido para dar de comer e fazer dormir. Chega a ser problemático, pois, muitas vezes, eles rejeitam a ração que eu ofereço e ficam sem comer, ao lado dos potes de comida, até que o Maurício chegue. Quando isso acontece, é uma festa! Ele 'conversa' com eles, conta histórias, brinca o tempo todo. Para dormir, não é muito diferente... Por incrível que pareça, vimos conversando sobre a separação (iminente, irretratável e, até agora, consensual) e, nessas ocasiões, o único ponto de discordância tem sido quanto à 'guarda' dos cachorros. Não temos qualquer problema quanto à divisão do patrimônio e já decidimos sobre a guarda compartilhada dos meninos, nossos filhos. Maurício não abre mão dos cachorros - dos três - e ameaçou ir à Justiça para oficializar a manutenção dos animais. E, mais, disse que, diante da minha negativa, vai tomar os bichos 'na marra', que, ficando comigo, eu estaria praticando

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PARECER JURÍDICO

EMENTA: DIVÓRCIO - PEDIDO DE SEPARAÇÃO - CULPA - RESPONSABILIDADE CIVIL - DANOS MATERIAIS E MORAIS - CUMULAÇÃO DE PEDIDOS - TRAIÇÃO VIRTUAL

PROCESSO Nº : XXXXX-XX.XX.XX-XXXXAÇÃO DE DIVÓRCIO CUMULADA COM DANOS MORAIS E MATERIAISAUTOR: ADOLFO JOSÉ DA SILVA GRAICERÉU : ANA AMÉLIA DA SILVA GRAICEJUIZA : ANDREA PACHA

1. CONSULTA

"Doutor(a),  meu nome é Sabrina do Bem, e gostaria de solicitar sua opinião a respeito de um situação muito grave pela qual estou passando. Depois de um casamento de mais de 20 anos, estou me divorciando do meu (ex) marido, Maurício, com quem tenho dois filhos menores (10 e 15 anos). Casamos em regime de separação parcial de bens e temos um patrimônio razoável acumulado (alguns imóveis em bairros nobres da cidade, dois carros importados, obras de arte - quadros, esculturas etc, entre outros).  Há dois anos, de comum acordo, decidimos comprar três filhotes da raça labrador (recém-nascidos) para fazer companhia. sobretudo às crianças.  A bem da verdade, ao longo desse período, os filhotinhos, muito bem-vindos e acolhidos por todos, desenvolveram rapidamente laços de afetividade com a família, mas, em especial, comigo e com meu marido.  As crianças brincam com eles; porém, os cuidados e rotinas tem ficado a nosso encargo, dos adultos.  Por exemplo, os passeios, idas ao veterinário, os cuidados 'pessoais' na pet shop, sempre ficam para mim. Curiosamente, contudo, os bichinhos não aceitam outra pessoa que não meu (ex) marido para dar de comer e fazer dormir. Chega a ser problemático, pois, muitas vezes, eles rejeitam a ração que eu ofereço e ficam sem comer, ao lado dos potes de comida, até que o Maurício chegue.  Quando isso acontece, é uma festa! Ele 'conversa' com eles, conta histórias, brinca o tempo todo. Para dormir, não é muito diferente... Por incrível que pareça, vimos conversando sobre a separação (iminente, irretratável e, até agora, consensual) e, nessas ocasiões, o único ponto de discordância tem sido quanto à 'guarda' dos cachorros.  Não temos qualquer problema quanto à divisão do patrimônio e já decidimos sobre a guarda compartilhada dos meninos, nossos filhos.  Maurício não abre mão dos cachorros -  dos três - e ameaçou ir à Justiça para oficializar a manutenção dos animais. E, mais, disse que, diante da minha negativa, vai tomar os bichos 'na marra', que, ficando comigo, eu estaria praticando 'apropriação indébita', sujeita a processo por danos morais... Um horror! Quero muito ficar com os cachorrinhos, por quem, a essa altura, posso afirmar que tenho um amor de 'mãe' também por eles! E eles, por sua vez, ainda estão numa fase muito tenra da vida...  Quais seriam os melhores argumentos para uma solução pacífica, conciliatória? Quais são as minhas chances de sucesso diante desse encruzilhada?" 

Briga de divorciados pela guarda de animais será regulada por leiPor priscilatardin

A guarda de Belinha foi decidida na JustiçaLendo a Revista Época da semana passada, vi uma reportagem interessante. Nas páginas 108 e 109, a revista tratava da guarda de animais de estimação após a separação do casal. Quem, como eu, milita na área do Direito de Família, às vezes se depara com situações um tanto curiosas. A reportagem falava sobre a solução encontrada por um casal que tinha acabado de divorciar: ela ficou com os dois cachorros e ele, com um hamster. Foi o bastante para remeter a minha memória a uma audiência na 15ª Vara de Família da Comarca da Capital, em julho deste ano, quando eu

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advogava para o marido que ajuizou ação de Separação de Corpos contra a esposa. No meio da discussão acirrada foi levantada uma questão: os hamsters que o casal criava ficariam com quem? Eram duas fêmeas, mãe e filha, a Tetéia e a Belinha. Felizmente não houve maiores desavenças, ambos concordaram que cada um ficaria com uma. Ao meu cliente — que concordou com a exposição no blog da experiência vivida por ele — coube a Belinha (foto). E foi o acordo quanto ao destino dos animais que quebrou a tensão da audiência. Até a juíza Maria Aglae Tedesco Vilardo viu graça na história e confessou: “Em tantos anos de magistratura, essa é a primeira vez que partilho hamsters.”

Problema maior haveria na ausência de acordo entre as partes, pois a questão ainda não está regulada pelo Direito brasileiro, pelo menos, não ainda. De acordo com Época, “um projeto de lei do deputado federal Márcio França (PSB-SP) estabelece uma nova regra para essa situação. O Brasil não tem uma legislação específica sobre o assunto. As decisões dos tribunais têm adotado a mesma linha de raciocínio da lei dos Estados Unidos. Lá os animais de estimação são considerados propriedade. Ficam com quem os comprou — ou quem tem o nome no pedigree. Essa jurisprudência tem ditado as decisões nos casos que chegam aos tribunais. Quem tinha amor ao cão que pertencia ao ex-amor acabava ficando num mato sem cachorro, sem a lei ao seu lado. Pelo projeto de lei proposto agora no Brasil, a propriedade é um dos fatores a ser pesado, mas não o único.”

No caso de Belinha e Tetéia, a questão da propriedade não ajudaria muito, caso não tivesse havido acordo. Até onde entendo, hamsters não têm pedigree e o valor de mercado não ultrapassa R$ 10 cada. E mesmo assim, a Belinha sequer foi comprada: nasceu da Tetéia.

Voltando à reportagem: “A legislação proposta estabelece que, caso provocada, a Justiça deve decidir por aquele que tem mais condições para ficar com o animal e mais vínculo com ele. O projeto tramita na Câmara em caráter conclusivo. Isso significa que não precisa ir a plenário, basta que passe nas comissões internas. Projetos que não revogam leis existentes ou que são considerados sem importância para ir a plenário são aprovados sem votação. Não há prazo para isso acontecer.”

O último parágrafo da reportagem, assinada por Nelito Fernandes, traz um questionamento razoável: “Ainda que deixe margem a algumas dúvidas, a jurisprudência atual tem uma regra clara, que é a propriedade. O projeto de lei conta com algo bastante subjetivo: como definir quem tem mais afeto e condições de cuidar do animal?”

No meu entendimento, questões que envolvem sentimentos, ainda que por um animal de estimação, merecem, sim, uma avaliação de acordo com cada caso. Nem sempre quem pagou pelo animal é quem nutre maior carinho pelo bicho. Está acertada a idéia do deputado Márcio França. 

A responsabilidade civil da guarda de animais no BrasilMichele de Menezes Truppel, Sylvio Francisco Mendes Truppel

 

 

     

 

Resumo: A responsabilização pelos danos causados por animais já existia no Direito Romano, assim nos dias de hoje, sua posse quando, potencialmente perigosos, gera grande preocupação por parte da comunidade e desta forma o novo Código Civil Brasileiro introduziu sensível mudança, ao dispor que o dono, ou detentor, do animal possui responsabilidade civil.

Sumário: introdução. 1. Histórico. 2. Natureza jurídica e a guarda dos animais. 3. Fato do animal no novo código civil. 4. Classificações e casos problemáticos. 5. Fato do animal nos códigos civis estrangeiros. 6. Observações penais. 7. Conclusão. Referências bibliográficas

1.INTRODUÇÃO

Mesmo a responsabilização imediata do proprietário da coisa não satisfaz em todas as situações, tendo em vista que há casos em que não se afigura justa a imputação da responsabilidade àquele que tem a propriedade, mas não tinha, no momento da ocorrência do dano, a possibilidade de comandar a utilização da coisa. Daí surge a teoria da "responsabilidade do guarda", presume-se a responsabilidade do guarda ou dono da coisa pelos danos que ela venha a causar a terceiros. A presunção só é ilidível pela prova, a ser por ele produzida, de que o dano adveio de culpa da vítima ou de caso fortuito. Tal concepção representa um avanço em relação ao tradicional sistema baseado na idéia de culpa do agente causador do dano, a ser demonstrada pela vítima. A teoria da responsabilidade presumida do guardião da coisa, animada ou inanimada, veio reverter o ônus da prova, além de limitar a elisão da presunção às hipóteses de culpa da vítima e caso fortuito.

Diante destas observações e demais conceitos, serão observados e descritos diante da ótica da disciplina de Responsabilidade Civil a guarda dos animais no âmbito brasileiro, assim como considerações em menor escala do que se refere ao contexto mundial.

2. HISTÓRICO

Há muito o homem aprendeu a socializar-se com os animais e, com o passar do tempo, sentindo os diversos benefícios desta socialização, descobriu que além de úteis nas lavouras e plantações, na locomoção, na guarda da propriedade, na caça, são, na maioria das vezes, sobretudo, afetuosos (Geoffroy, 2008).

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A responsabilização pelos danos causados por animais já existia no Direito Romano, pelo qual o dominus era responsável, mas seria exonerado se abandonasse o animal (SOARES, 2008).

Nos dias atuais, observamos o fenômeno da diminuição da célula familiar, isto é, o antigo conceito tradicional de família, o afeto e apego que se tem a certos animais é notório, pois no convívio do cotidiano, sendo comum acreditar-se, inclusive, na capacidade de compreensão, em toda sua plenitude (Geoffroy, 2008).

Em muitos povos, os animais são considerados como obrigados por juramento a não comer os homens. No caso de faltarem ao juramento, os Antimerinas do planalto central de Madagascar punem, por exemplo, o perjúrio dos caimões. Se um Kuki cai da árvore e morre, deve ser vingado na árvore: os parentes da vítima cortam-na e despedaçam-na. Entre certos Australianos queimam-se as armas com que algum deles foi morto. Xerxes fez flagelar o Helesponto e Cirus dispersou as águas do Gindes. (ROSSO, 2007).

Em 1547, relatos de exemplos em que animais chegaram a ser julgados, como sujeitos de direito, e até condenados. Figuraram em processos, como partes, ratos, lagartas, cães, sanguessugas e até lesmas. Em alguns casos, animais eram levados para as sessões (MIRANDA, 1966). Portanto, pode ser observado o dito, fenômeno psicológico pelo qual o ser humano procura vingar-se contra objetos ou animais irracionais pode ser observado até mesmo em crianças, quando agridem seus próprios brinquedos ou animais, onde na vingança está o ponto inicial do direito relativo à indenização.

3. NATUREZA JURÍDICA E A GUARDA DOS ANIMAIS

Os animais têm natureza jurídica de bem móvel por serem suscetíveis de movimento próprio, são também os chamados semoventes, todavia, sendo um bem, está sujeito a partilha na ocasião da dissolução da sociedade conjugal (Geoffroy, 2008).

Incluir-se-á o animal no rol de bens a serem partilhados, levando-se em conta o regime de bens e a livre convenção das partes mediante o acordo de vontades. O problema maior ocorre quando ambos desejam ter o animal exclusivamente para si e não se pode comprovar a propriedade.

Assim, deverá decidir-se na esfera judicial o destino do animal aplicando-se, como já referido, as regras ordinárias à partilha de bens (Geoffroy, 2008).

Analisar-se-á a propriedade daquele que o reivindica e, na sua falta, documentos hábeis para caracterização do domínio sobre o bem, na acepção jurídica do termo, também referido como coisa. Para tal é admitida à apreciação para a caracterização do domínio, as guias de vacina com o nome do "proprietário", os recibos diversos desde a alimentação, saúde e bem estar do animal, fora, é claro, o vínculo direto com a coisa comprovado por depoimento pessoal, testemunhas, fotografias, etc. Para alguns, vê-los chamados de "coisa" é algo repugnante.  Há quem prefira ainda chamar a posse de "guarda responsável" por entender "posse", apenas destinado ao emprego de coisas. Certo é que, tê-los com direitos inerentes às pessoas, seria de começo, no mínimo, voltar à escravidão, algo inimaginável (Geoffroy, 2008).

Para Besson, ter a guarda de uma coisa, equivale a ser "senhor da coisa", a estar obrigado a cuidar dela e vigiá-la para impedir que cause um prejuízo. Para ele, a vítima não tem que provar que o guardião perdeu seu controle sobre a coisa, porque o simples fato de ter ocorrido dano, prova que o guardião descumpriu com sua obrigação de guarda. (FACIO, 1981; & ROSSO, 2007).

Segundo Pontes de Miranda:

“Na história da responsabilidade, a cada momento encontramos sanções aplicadas a animais e, não raro, a vegetais e a corpos inorgânicos. Tais casos não se confundem com aqueles em que o animal apenas suscita a responsabilidade de outrem. A vendetta aplicava-se aos animais e às coisas.”

Pode-se dizer que há duas categorias de animais: de um lado, aqueles que são res nullius e de outro os que não são. Todo animal que não seja res nullius é suscetível de comprometer a responsabilidade de seu guardião. Segundo a doutrina tradicional, uma fera aprisionada em zoológico está sob a guarda de alguém, mas escapulindo para as matas e sendo abandonada por seu dono, torna-se res nullius. (MAZEAUD et al. 1962) & (ROSSO, 2007).

4. FATO DO ANIMAL NO NOVO CÓDIGO CIVIL

A posse de animais potencialmente perigosos, muitas vezes, sem o devido cuidado tem gerado inúmeras vítimas e uma grande preocupação por parte da comunidade em geral, que espera a responsabilização dos donos destes animais (SOARES, 2008).

Sobre o tema, o antigo Código Civil brasileiro (1916) continha a seguinte previsão:

Art. 1.527. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar: I – que o guardava e vigiava com cuidado preciso; II – que o animal foi provocado por outro; III – que houve imprudência do ofendido; IV – que o fato resultou de caso fortuito, ou força maior. (BRASIL, 2008).

Responsabilidade do dono ou do detentor comportava apenas as quatro exceções previstas nos incisos, as três primeiras bastante específicas e uma quarta, contida no último inciso, mais abrangente e subjetiva.

A responsabilidade antes prevista pelo art. 1.527 do antigo Código Civil era presumida. Sendo presunção vencível, ocorria a inversão do ônus da prova.Ou seja, o "cuidado preciso"  (ROSSO, 2007).

"Cuidado preciso é aquele exigido pelo meio social e pelo local (vigilância que o tráfico impõe). Não só se presume a culpa como também a relação causal entre a infração do dever de vigilância e o dano causado pelo animal." (MIRANDA, 1966).

Regulando num mesmo artigo os danos causados por animais domésticos ou danos causados por animais naturalmente agressivos (como feras aprisionadas num zoológico), o Código Civil teve de usar a expressão "cuidado preciso", por ser mais genérica e abranger ambas as situações:

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Parece-nos que o legislador pátrio, não querendo distinguir os danos causados pelos animais ferozes, daqueles que não o são, como o fizeram certas legislações, encarou a solução do problema englobadamente e daí a razão da expressão "cuidados precisos", que devem variar segundo as circunstâncias.

Contrariamente ao atual Código, a provocação do animal do detentor ou dono, por outro (inc. II do art.1.527 do Código de 1916), afetava o regime da responsabilidade (ROSSO, 2007).

Já o inciso III, da antiga redação, não apenas foi mantido no novo código, mas ampliado e esclarecido: antes, o Código Civil referia-se à mera "imprudência", esquecendo-se da hipótese de negligência ou mesmo imperícia da vítima. O novo Código amplia as hipóteses para o termo "culpa" que parece ser bem mais adequado.

O novo Código Civil introduziu sensível mudança, ao dispor: "Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não prova culpa da vítima ou força maior."(BRASIL, 2008). Vê-se que o Código Civil caminhou no sentido de facilitar a situação da vítima, tornando a prova mais objetiva (VENOSA, 2006).  Permaneceu, na nova redação, a presunção de responsabilidade do dono ou detentor, mas caiu o número de hipóteses previstas em lei como excludentes da responsabilidade. Apenas em duas situações poderá o responsável presumido ser eximido de suas responsabilidades: culpa da vítima ou força maior (ROSSO, 2007 & SOARES, 2008).

No Código Civil de 1916, o inc. I do art. 1.527 funcionava como um dever de prova de inexistência de culpa; provando o autor que não teve culpa na fuga do animal, por exemplo, porque este estava bem guardado, eximir-se-ia da responsabilidade. Pelo Código Civil em vigor, de nada valerá ao responsável produzir tal prova, que tornou-se irrelevante (ROSSO, 2007).

Ao comentar o art. 936, Facchini Neto observa, 2002: o novo dispositivo prevê uma autêntica responsabilidade objetiva, pois não exige o legislador que se prove a culpa do dono ou detentor do animal. permanecendo a desobrigação apenas na hipótese de "força maior".

Se compreender que a omissão da expressão "caso fortuito" foi intencional, isso pode levar à conclusão de que eventuais ocorrências "naturais, derivadas da natureza" não servirão para isentar o dono ou proprietário. Seria o caso, por exemplo, do animal antes pacífico que, por alguma disfunção orgânica, torna-se, repentinamente, sem nenhuma culpa do seu dono, agressivo, causando ferimentos a terceiro. Nesta hipótese, ainda que não se possa imputar qualquer culpa ao proprietário, estaremos diante de uma clara opção pela teoria do risco integral que vai além da responsabilização objetiva. No caso, pode ser que o dono ou detentor tomasse todos os cuidados com a saúde do animal; pode ser ainda que prove, com sobras, que não incorreu em culpa. Não obstante, sobrevindo a doença e o dano a terceiros dela decorrente, responderá o dono ou detentor, porque não seria justo que a vítima arcasse com os danos (ROSSO, 2007 & SOARES, 2008).

Em qualquer hipótese, permaneceu, claramente, a eximição em razão da ocorrência comprovada de força maior. Dessa forma, no caso do policial que, arrombando residência de forma atabalhoada, por estar ao encalço de criminoso e que, deixando aberto o portão da casa, permite a fuga de animal bravo que, em seqüência, venha a ocasionar dano a transeunte, estaremos diante de caso de força maior, podendo, nesta hipótese, o dono ou detentor pugnar por sua isenção de responsabilidade (ROSSO, 2007).

5. CLASSIFICAÇÕES E CASOS PROBLEMÁTICOS

A doutrina pátria concorda que independente de culpa, o dono ou possuidor de um animal que cause danos a um terceiro está obrigado a indenizá-lo pelos prejuízos patrimoniais e morais sofridos (SOARES, 2008).

Importante distinção doutrinária é a correlação entre "fato de um animal" e "fato do homem". Suponhamos o seguinte exemplo: o proprietário de um feroz cão de raça solicita a amigo que leve o cão a passeio. Durante o passeio, o amigo, detendo o cão, encontra um terceiro, inimigo seu. Desejando feri-lo, permite que o cão o alcance e, mesmo preso à coleira, fere o terceiro. Cabe questionar: tratou-se de "fato do animal" ou de "fato humano"? A distinção contém importância evidente: se se tratar de simples fato humano, a vítima terá de comprovar a culpa do conducente do animal. Tratando-se de "fato do animal", a vítima poderá valer-se do art. 936 do Código Civil, que impõe a responsabilidade de prova de força maior ou culpa da vítima ao terceiro que conduzia o animal (ROSSO, 2007).

Pelo espírito do novo Código Civil, a idéia é simplificar a situação da vítima (GONÇALVES, 2008). Num primeiro momento, no âmbito processual, a vítima poderia alegar que se tratou de "fato do animal" e processar o proprietário e o detentor, com base no art. 936. Importaria, pois, ao proprietário do cão, comprovar que o conducente provocara o dano, e não exatamente o cão que, neste caso, foi usado como arma. De qualquer forma, a indenização da vítima estaria garantida: provando atitude dolosa do conducente, este responderia. Não provando atitude dolosa, da mesma forma, o conducente precisaria indenizar, agora com base no art. 936 (ROSSO, 2007 & SOARES, 2008).

Outra questão interessante é a distinção entre "fato do animal" e "fato da coisa inanimada". No caso de um cavalo que, por uma ação muito brusca e inesperada, derruba seu cocheiro, estamos diante de um "fato do animal". (MAZEAUD et al., 1962). Entretanto, se a queda foi provocada pelo rompimento da sela de má qualidade, estaremos diante de "um fato da coisa" e que, portanto, não seria regulado pelo art. 936 do Código Civil. Neste último caso, poderíamos estar diante de um vício do produto, responsabilizando-se o fabricante ou comerciante da sela (ROSSO, 2007).

Por exemplo, que solução nosso Código apresentaria para a hipótese em que o próprio animal ocasiona-se um dano, como um cavalo puro-sangue que, por acidente, enforca-se aos arreios? Na hipótese de o dono ser também o detentor, nenhuma responsabilidade existiria. Mas e na situação em que o dono confiara o animal a terceiro? Mesmo que este não tenha concorrido com culpa pela perda do animal, poderia o proprietário valer-se do disposto no artigo 936 do Código Civil?

Vê-se que a responsabilidade imposta ao proprietário é bastante ampla; passa-se à impressão de que o responsável pelo dano ocasionado pelo animal seria, em qualquer hipótese, responsabilizado, criando-se uma presunção jure et de jure, o que, entretanto, foi amenizado pela jurisprudência:

O dispositivo correspondente ao nosso art. 936 prevê a culpa do proprietário, ainda quando o animal se tenha extraviado ou fugido. Lá, portanto, a dúvida tem ainda mais fundamento. Não obstante, a maioria dos autores de pronuncia pela exoneração do proprietário. (DIAS, 2006).

Portanto, muito mais correto é atribuir ao proprietário uma presunção elidível de culpa, cabendo-lhe comprovar que não detinha a guarda do animal quando da ocorrência do dano e que, eventual extravio, não deveu-se à sua responsabilidade (ROSSO, 2007).

"Consideremos, agora, outra hipótese curiosa. O detentor, terceiro, desempenha essa função por incumbência do dono do animal, como depositário, por exemplo. Quem responde pelo dano: o detentor ou o proprietário?" Nessa hipótese, pode-se afirmar que há responsabilidade direta por pare do depositário e há culpa in eligendo do proprietário? Aguiar Dias, 2006, conclui pela responsabilidade de ambos.

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 "Outra solução, porém, há de ser dada, se se trata de locatário, comodatário, ou pessoa que se sirva do animal mediante contrato com o dono. Não há que hesitar: o poder de direção pertence ao detentor e o proprietário não pode ser responsabilizado". (DIAS, 2006).

Suponha-se que o dano tenha sido causado por animais em grupo, pertencentes a donos distintos, entendem haver responsabilidade solidária entre eles, mas negam responsabilidade caso não se possa distinguir quais dos animais agrupados ocasionaram os danos. Diante da dúvida sobre qual dos animais agrupados teria ocasionado o dano, o proprietário do animal que participava do grupo não seria responsabilizado. No entanto, Dias, 2006, adota posição contrária, que soa mais razoável: "Se há presunção contra o dono do animal, qualquer prova no sentido de sua escusa deve ser trazida por ele. Prove que não foi o seu animal que causou o dano ou, não o fazendo, suporte sua parte na responsabilidade."

Aguiar Dias, 2006, relata outra interessante possibilidade: um turista, pouco precavido, entra num campo aberto, desprovido de cercas, pretendendo tirar fotos do grupo que o acompanha quando é ferido gravemente por um touro que transitava pela propriedade. O touro não pertencia ao proprietário do imóvel onde ocorreu o infeliz evento, mas a terceiros que o conduziam. A vítima não provocara o animal. O caso foi analisado pela Câmara Federal de Apelação da Argentina onde decidiu-se que o proprietário não haveria de ser responsabilizado: apesar de aberto o imóvel, o fotógrafo incauto o invadira sem autorização, o que importa em aceitação dos riscos. Dias, 2006, afirma ser equivocada a solução que poderia redundar em exoneração dos guardadores do animal, salvo se o evento se desse em local público ou na propriedade da vítima (ROSSO, 2007).

6. FATO DO ANIMAL NOS CÓDIGOS CIVIS ESTRANGEIROS

Exceto o direito inglês e o Código Civil austríaco de 1811, as legislações européias admitem teoria geral da responsabilidade especial pelos danos causados pelos animais. O que há de diferente é a solução adotada. Uns recorrem ao risco: o Código Civil alemão, a doutrina italiana e a doutrina francesa em alguns escritores, fundam a responsabilidade no risco, assunto que merece trato especial; outros optam pela responsabilidade por culpa presumida, e tal é o sistema suíço, bem assim o português e o brasileiro. [o autor referia-se ao antigo Código Civil brasileiro; hoje, pode-se dizer que nosso Código aproximou-se da teoria do risco. (MIRANDA, 1966).

O Código Civil francês representa o ponto inicial de todas as legislações. Consta do art. 1.385: "O proprietário de um animal, ou aquele que dele se serve, é responsável pelo dano que ele cause, esteja o animal sob sua guarda, tenha-se extraviado ou escapado". Vê-se que o artigo em questão (já comentado no item anterior), aparentemente, criaria uma responsabilidade bastante ampla sobre o proprietário. Nele encontra-se implícita a noção de guarda ("ou aquele que dele se serve") (ROSSO, 2007).

Enfim, ao que parece, o Código Civil brasileiro foi, comparativamente com os demais, bastante ousado, adotando uma redação enxuta e adotando a responsabilização objetiva, o que está em plena consonância com as tendências do moderno direito civil. Muitos anos atrás, Pontes de Miranda, 1966, previa: "O direito de hoje é mais objetivo, em se tratando de animais, como o do futuro será ainda mais objetivo, mesmo em se tratando de homens." (ROSSO, 2007).

7. OBSERVAÇÕES PENAIS

A partir da sanção da lei 4.808/06, o Rio de Janeiro passa a ter um regimento que definirá regras para criação, propriedade, posse, guarda, uso, transporte e presença temporária ou permanente de cães e gatos no estado. A norma, de autoria dos deputados Paulo Ramos (PDT) e Antônio Pedregal (PSC), foi publicada no Diário Oficial do Executivo. A proposta define regras para vacinação e trânsito em áreas públicas, além das responsabilidades dos proprietários, incluindo acidentes causados por mordidas (GALVÃO, 2008). A criação com finalidade econômica e a entrada de animais em transportes coletivos também são contempladas pelo projeto, que define penalidades, como multas.

Ainda observa-se o DECRETO-LEI Nº 3.688, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941, que dispõe sobre as contravenções penais, no capitulo três sobre incolumidade pública, onde no artigo 31 dispõe em específico:

Art. 31. Deixar em liberdade, confiar à guarda de pessoa inexperiente, ou não guardar com a devida cautela animal perigoso:

Pena – prisão simples, de dez dias a dois meses, ou multa, de cem mil réis a um conto de réis.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem:

a) na via pública, abandona animal de tiro, carga ou corrida, ou o confia à pessoa inexperiente;

b) excita ou irrita animal, expondo a perigo a segurança alheia;

c) conduz animal, na via pública, pondo em perigo a segurança alheia. (Segundo Decreto).

Observa-se ainda sob a ótica da Lei nº 12.594, de 2 de Janeiro de 2008a qual "Dispõe sobre a proibição da locação, prestação de serviços, contratos de mútuo e comodato e cessão de cães para fins de guarda no Município de Curitiba e dá outras providências."

8. CONCLUSÃO

Com a observação da responsabilidade objetiva no novo Código Civil passou-se a prever apenas duas hipóteses de exclusão da responsabilidade do detentor ou proprietário: culpa exclusiva da vítima ou ocorrência de força maior. Nem mesmo o caso fortuito serviria para excluir a responsabilidade.

Um avanço é observado a partir do novo código, esperando que a alteração sirva para reprimir, de forma eficaz, os acidentes ocasionados por animais, e pautando-se na expectativa de que aquele que possui a guarda tenha mais responsabilidade.

 

Referências bibliográficas

BRASIL. Código civil brasileiro. Lei 10.406/02. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm. Acesso em: 29  de nov. de 2008.

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DIAS, J. A. Da responsabilidade civil. 11. ed. rev. atual. aum. por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

FACCHINI NETO, E. Da responsabilidade civil no novo código. In: SARLET, Ingo Wolfgang (coord.). O Novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

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Informações Sobre os AutoresMichele de Menezes Truppel

Sylvio Francisco Mendes Truppel

CONCLUSÃO:

1.1 Adolfo José da Silva Graice, brasileiro, casado, engenheiro aposentado e autor da presente demanda, devidamente representado por seus advogados de acordo com o artigo 6º do CPC, deseja obter o benefício do divórcio litigioso a fim de desconstituir o casamento celebrado há 42 anos com sua esposa, Ana Amélia da Silva Graice, pedido este cumulado sucessivamente com a reparação dos danos morais e materiais.

1.2 Estão presentes todas as condições necessárias ao ajuizamento da presente ação, de acordo com o artigo 267 , inciso VI do CPC, bem como todos os requisitos do artigo 282 do CPC que instruem a presente petição inicial.

1.3 Pelo fato de o MP ter sido devidamente intimado, não existe violação quanto ao previsto no art. 82, II, do Código de Processo Civil,segundo o qual compete ao Ministério Público intervir nas causas concernentes ao estado da pessoa ( interesses estes indisponíveis como fiscal da lei previstas no art. 82 do CPC e 129 da Constituição Federal. Tampouco há de se falar em nulidade processual por ofensa ao disposto no art. 246 do Código de Processo Civil, em que se exige a devida intimação do Ministério Público em todos os processos de divórcio .

1.4 Alega o requerente ter sido vítima de traição virtual, pelo fato de que Ana Amélia mantivera relacionamento virtual com outro homem, identificado como Moreno Sarado, durante anos sem o autor saber.

1.5 Afirma o autor, segundo consta da fl 2, item 1.2,“ que nunca demandou que a esposa trabalhasse fora ou se preocupasse com as finanças da casa, podendo, assim, dedicar-se à criação dos filhos, à manutenção da casa (sempre com auxílio de funcionários) e aos cuidados

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com sua aparência, tudo sempre custeado pelo marido, embora a ré seja herdeira de vultoso patrimônio. ’’

1.6 Segundo consta dos autos em anexo ( docs 4 a 10, e 11 a 13), Adolfo teria descoberto a infidelidade pela troca de correspondências entre Ana Amélia e Moreno, seu parceiro de sexo virtual, no computador da mulher ao retornar de uma de suas viagens de negócios, onde teria flagrado vários emails trocados entre o par, correspondência classificada por ele como “pornografia de quinta categoria”.

1.7 Em seguida, sentiu fortes dores no peito e foi hospitalizado com urgência no Hospital Samaritano com conseqüente infarto do miocárdio seguido de profunda depressão.

1.8 Na vida real, Ana Amélia é uma senhora de 64 anos com tipo de mulher de 64 anos: cabelos grisalhos, cortados elegantemente, vestida de forma clássica.

1.9a Exige o autor o reconhecimento público da infidelidade e alega culpa da mulher. Ana Amélia e Adolfo, pais de dois filhos maiores, estão casados há 42 anos sob o regime de separação total de bens. Alternativamente, o autor propõe o divórcio consensual e sigiloso com fins de reservar a sua privacidade

1.9b A  parte ré, a princípio , apesar de ter sido devidamente citada, não se manifestou ainda com contestação, o que aparentemente acarretaria a revelia. Contudo o artigo 320 , em seu inciso II do CPC, proíbe os efeitos da revelia para os direitos indisponíveis (cerne da presente ação).

1.9c Começada a audiência preliminar, chegam à presente conciliação , a ré, devidamente representada e assistida por seus advogados, , formando o direito ao contraditório e à ampla defesa, conforme preceitua o artigo 5 , LV da CFRB,

É o relatório.

2.0 FUNDAMENTAÇÃO:

2.1 DA ATUAÇAO NECESSARIA DO MP

2.1.1 O constituinte originário considera a Instituição permanente e essencial para a função jurisdicional do Estado do MP como clausula pétrea ( artigos 61, 4 c/c 127 da CFRB). Entre suas diversas atividades, incluem-se zelar par ao bem-estar da coletividade ( interesse público primário).

2.1.2 Tutelam-se de regra, duas espécies de interesses, nas palavras do eminente Professor Emerson Garcia : “ aqueles que atingem diretamente o interesse individual , sendo destituídos de maior relevância para os interesses do agrupamento, e o interesse social, divisando a partir de uma dimensão coletiva dos interesses envolvidos ou mesmo com a sua origem vinculada a um interesse aparentemente individual ( grifo nosso), em Ministério Público, organização, atribuições e regime jurídico, ed.Lumen Juris, 2008” .

2.1.3 É de se ressaltar que, em inúmeros casos, seriam dispensadas a intervenção e consequente participação do MP, por se tratar de preceito de ordem pública ,( o artigo 226 da CFRB, nos

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diz que “ a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”) .Dai falarmos aqui em interesses tutelados pela ordem pública, que passam a ser direitos indisponíveis.

2.2 DOS PEDIDOS DO AUTOR

2.2.1 Pela narrativa da inicial da parte autora, percebe-se um certo teor de quesito de culpa por parte de sua esposa, o que, pela argumentação da acusação, teria acarretado todo o cerne do pedido imediato de divórcio, e consequente pedido mediato de reparação dos danos.

2.2.2 Ocorre que com o advento da emenda constitucional número 66/2010, o constituinte facilitou a obtenção do divórcio na não necessidade de se provar a culpa, nem tanto que corra o antigo prazo de 2 anos para que marido e mulher possam se divorciar. Festejado o novo parágrafo 6 do artigo 226 da Carta Maior, citamos a opinião do ilustre professor e civilista Paulo Lobo, em PEC do divórcio : consequências jurídicas imediatas, p. 8 : “ O novo texto constitucional suprimiu a previa separação como requisito para o divorcio, bem como eliminou qualquer prazo para se propor o divórcio, seja judicial ou administrativo”

|Transcrevemos a ementa abaixo que exprime bem o nosso entendimento:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DIVÓRCIO. DESNECESSÁRIA AFERIÇÃO DE CULPA E PRÉVIA PARTILHA DOS BENS. ALIMENTOS DEVIDOS A FILHO MENOR QUE DEVEM SER PLEITEADOS EM VIA PRÓPRIA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE DECRETOU O DIVÓRCIO. PRECEDENTES DESTE TRIBUNALRECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO, NA FORMA DO CAPUT DO ARTIGO 557 DO CPC.

Processo: APL 205959020118190208 RJ 0020595-90.2011.8.19.0208, relator : DES. JORGE LUIZ HABIB, data : 19/04/2012, DECIMA OITAVA CAMARA CIVEL.

2.2.3 Pensamos portanto, ser irrelevante se a esposa, ora ré da presente demanda, agiu com vontade , ou se é culpada de traição, ainda que virtual, tão comum nos dias de hoje das relações inter – pessoais cibernéticas.

2.2.4 Segundo os juristas Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald, nobres colegas do Ministério Público dos estados da Bahia e de Minas Gerais respectivamente, foi estabelecido que o único requisito a ser exigido hoje, é o desafeto, ou a falta de vontade em permanecer casado, independente de lapso temporal ou de culpa (Curso de Direito Civil, Famílias, p. 433, ano 2012, ed. Juspodivm).

2.2.5 Entendemos portanto, pelas razões acima expostas, que deveria a parte autora emendar a sua petição, ainda que tenha por objetivo divórcio consensual (item 1.5 da inicial), sob pena de ter o seu pedido indeferido sem a resolução do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido, nos termos do artigo 267, inciso VI do CPC. Caberia simplesmente pedir o divórcio, sem menção qualquer que seja à culpa.

2.2.6 Por se tratar de pedidos sucessivos ( artigos 289 e 292 do CPC) em que o segundo pedido de reparação de danos depende do primeiro, ao nosso ver, restaria prejudicado o pedido , ausente a responsabilidade subjetiva(a culpa), ainda que venha a existir o nexo causal a ser confirmado por futura prova pericial (no computador do casal). Nos dizeres de Marinoni em : Processo de Conhecimento, ano 2011, p.86, ed. RT , na cumulação sucessiva somente será apreciado o segundo pedido, na hipótese de procedência do primeiro, sendo este último,

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prejudicial ao segundo pedido , este , nos dizeres de Cândido Rangel Dinamarco, “acabará por perder o seu objeto”, em Instituições de Direito Processual Civil, ano 2009, ítem n. 996, ed. Malheiros.

2.2.7 Alternativamente, e ainda que seja do direito potestativo do autor querer se divorciar de forma consensual, e pelo fato de ainda não estar claro se a parte ré consente ou não com tal pedido (vide contestação parte escrita EPILOGO “concluir que a presente ação, supra enfrentada, deve ser extinta sem resolução de mérito ou, subsidiariamente, julgada totalmente improcedente” , votamos como membros do MP pela inclusão, via emenda da inicial ou ex oficio , pela juíza Andréia Pachá (que ora preside a presente audiência de conciliação ), do pedido de ação de separação de corpos( nos termos do artigo 1562 do CC, combinado com o artigo 888, VI do CPC )como medida preventiva e de caráter cautelar e não definitivo, com fins de “ se dar um tempo na relação “, para se evitar futuros arrependimentos com danos irreparáveis, como a obrigação recíproca de alimentos, a dor do fim de um casamento de mais de 40 anos, podendo haver o chamado dano moral em ricochete para os filhos e netos do casal.

2.2.8Nos dizeres de Cristiano Chaves de Faria: “ O pedido de separação de corpos pode e apresentar com cunho preparatório ou incidental ( em uma ação de divórcio) e pode ser pleiteado com base em indícios de um perigo decorrente da manutenção do casal sob o mesmo teto.”

2.2.9 No que tange a responsabilidade civil na seara do direito de família, nada obsta a jurisprudência colhida na contestação da ré contra tal possibilidade( p.9), há parcela significativa de juristas renomados ( Gustavo Tepedino e Aparecida Amarante), que aceitam a sua aplicabilidade nos casos em que seja constatado ter se caracterizado um ato ilícito ( artigos 286 e 187 do CC),somente havendo o dever de indenizar se presente estiver a cláusula geral de ilicitude).

CONCLUSÃO

Em face do novo conceito de família inaugurado pela Constituição Federal de 1988 e da emenda 66/2010, não mais se justifica a imposição de uma série de restrições à dissolução do matrimônio como consta atualmente no Código Civil de2002, afinal de contas, o ente familiar somente deve ser mantido enquanto cumprir a sua função constitucional de promoção da dignidade de cada um dos seus membros.

Em não sendo mais verificada tal função no seio familiar, não há qualquer interesse público na manutenção inócua do mero vínculo jurídico que o casamento passa a ser.

Como se vê, o direito material regulador da dissolução do casamento caminha no sentido de garantir aos cônjuges, no exercício de sua autonomia privada, a livre escolha em manter ou de se extinguir a família.Por isto, o Ministério Público não vê óbice algum para o deferimento do pedido de divórcio,até porque, nos termos do art. 226, § 7º, da CFRB, o planejamento familiar é livre decisão do casal., ressalvando a sugestão de que se peça antes a ação de separação de corpos.

Opinamos no sentido de que o consulente aguarde o fim da presente audiência, ciente de que caso venha a de fato se divorciar, terá inúmeras responsabilidades decorrentes de tal fato, como o dever de prestar alimentos para a ré, e de se submeter ao regime de separação absoluta dos bens, vindo a responder cada qual com a sua respetiva divida ( incluem-se aqui as despesas médicas de internação hospitalar que teve em decorrência do infarto), não vinculando o patrimônio do outro.

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Ademais, concordamos com a contestação da ré( p. 8 , tópico “ DA INCOMPETÊNCIA DESTE JUIZO” , no que diz respeito à via eleita para o pedido de indenização . De fato, não compete a este juízo analisar tal pedido. Sendo de competência de Vara Cível, faz - se necessário ao autor formular a ação autônoma de reparação de danos materiais e morais .

A contrário senso da inicial do autor, opinamos concordando com Cristiano Chaves de Faria, que a melhor solução sinaliza no sentido de que a violação pura e simples de um dever jurídico familiar “não é suficiente para caracterizar o dever de indenizar” ( Curso de Direito Civil, Famílias, ano 2012, p. 162, ed. Juspodivm).Contudo , quanto ao pedido de danos materiais, entendemos pertinente o provimento de tal pedido( caso ajuizado em ação autônoma) , em clara evidência aos danos que o autor suportou com o seu infarto e consequente internação hospitalar.

É o parecer .

Daniel Schwartz Costa Lima, MP nº xxx.xxx e Maria Alexsandra Bezerra, MP nº : xxx.xxx

Promotores de Justiça da XX Vara de Família do TJ/RJ