Questões Juridicas Do Divorcio

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    ALGUMAS QUESTES SOBRE O NOVO REGIME JURDICO DO DIVRCIO

    Hoje em dia, os ideais de realizao pessoal que cada um vorazmente persegue, secundarizaram o casamento.

    O casamento um estado acessrio que todos retardamos. As pessoas continuam a casar-se numa ou noutra altura da vida, mostrando que a normatividade social do casamento se mantm. O que foi desaparecendo foi a ideia do casamento como uma ncora individual, a estrutura estvel onde as paixes e os impulsos de cada um se domesticam.

    A felicidade passou a depender de uma espcie de emotivismo permanente, desligado de regras e compromissos duradouros.

    Pedro Lomba

    Dirio de Notcias

    SUMRIO

    I - O PROCESSO DE DIVRCIO POR MTUO CONSENTIMENTO NO TRIBUNAL

    I - I - INTRODUO I - II - A TRAMITAO PROCESSUAL I - III - LIMITAES NO NMERO DE TESTEMUNHAS I - IV - A DOCUMENTAO DA PROVA I - V - O ADIAMENTO DAS DILIGNCIAS PROCESSUAIS I - VI - A ADMISSIBILIDADE DO DEPOIMENTO DE PARTE I VII - O PATROCNIO FORENSE I - VIII OS EFEITOS DO CASO JULGADO I - IX - EFEITOS DA DESISTNCIA DA ACO I- X - O NUS DA PROVA DAS DIVERSAS PRETENSES I - XI - COMPETNCIA DO TRIBUNAL EM RAZO DA ESTRUTURA I - XII - A FIXAO DAS CONSEQUNCIAS DO DIVRCIO EM ACES AUTNOMAS E OS EFEITOS NO PROCESSO DE DIVRCIO

    II - XIII - ESTRUTURA FORMAL DA DECISO II - XIV - A INTERVENO PROCESSUAL DO MINISTRIO PBLICO

    II - CESSAO DA RELAO DE AFINIDADE POR DIVRCIO

    III - A PARTILHA DE BENS NO DIVRCIO

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    - I - O PROCESSO DE DIVRCIO POR MTUO

    CONSENTIMENTO NO TRIBUNAL

    - I - I - INTRODUO

    Com a Lei n. 61/2008, de 31 de Outubro, so estabelecidas trs modalidades de divrcio: -

    a) - o divrcio por mtuo consentimento requerido na conservatria do registo civil quando os cnjuges estejam de acordo em divorciar-se e quanto regulao do exerccio das responsabilidades parentais dos filhos menores, ou esta esteja previamente regulada, atribuio da casa de morada de famlia, fixao da prestao de alimentos ao cnjuge que deles carea e relao especificada dos comuns ou, caso os cnjuges optem por proceder partilha, acordo sobre a partilha dos bens comuns (artigos 1775., 1776., 1776.-A e 1778. do Cdigo Civil, 272. a 272.-C do Cdigo de Registo Civil, 12. e 14. do Decreto-Lei n. 272/2001, de 13 de Outubro, e 1420., 1422. e 1424. do Cdigo de Processo Civil);

    b) - o divrcio por mtuo consentimento requerido no tribunal quando os cnjuges estejam de acordo em divorciar-se mas esse acordo no exista quanto regulao do exerccio das responsabilidades parentais dos filhos menores, quanto atribuio da casa de morada de famlia, quanto fixao da prestao de alimentos ao cnjuge que deles carea ou quanto relao especificada dos bens comuns (artigo 1178.-A do Cdigo Civil);

    c) - o divrcio sem consentimento de um dos cnjuges quando estes no estejam de acordo em divorciar-se (artigos 1779., 1781. e 1785. do Cdigo Civil e 1407. e 1408., ambos do Cdigo de Processo Civil).

    Para alm das alteraes normativas exigidas pela eliminao da culpa no divrcio, uma das principais novidades da Lei n. 61/2008, de 31 de Outubro, consiste na disposio normativa introduzida pelo artigo 1778.-A do Cdigo Civil, onde prevista a possibilidade de decretamento do divrcio por mtuo consentimento sem o acordo dos cnjuges quanto a todos ou alguns dos consensos obrigatrios que deveriam instruir o mesmo requerimento de divrcio por mtuo consentimento na conservatria do registo civil1.

    Este modelo de divrcio por mtuo consentimento requerido no tribunal2 prev apenas as seguintes regras3: -

    a) - o prosseguimento da aco para a fixao judicial das consequncias do divrcio por mtuo consentimento, relativamente s questes sobre as quais os cnjuges no alcanaram acordo, como se fosse um divrcio sem consentimento;

    1 A relao especificada dos bens comuns, acordo sobre a regulao das responsabilidades parentais dos filhos menores, acordo sobre a prestao de alimentos ao cnjuge que deles carea e acordo sobre o destino da casa de morada de famlia (artigo 1775. do Cdigo Civil). 2 Na prtica, trata-se de um mtuo consentimento quanto ao divrcio mas litigioso quanto s demais questes que os cnjuges deveriam resolver no divrcio por mtuo consentimento. 3 Alexandra Viana Lopes, Divrcio e Responsabilidades Parentais - algumas Reflexes sobre a aplicao do novo regime, Revista do CEJ, 1. semestre 2009, n. 11, pgs. 147-149.

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    b) - pressupe a definio judicial das consequncia do divrcio em todos os segmentos dos interesses dos cnjuges e dos interesses dos filhos que no tenham sido acordados, aps a prtica dos actos e a produo de prova eventualmente necessria.

    Este conjunto de regras ainda aplicvel aos casos em que o conservador do registo civil entenda que os acordos apresentados pelos cnjuges no acautelam suficientemente os interesses de um deles, quando os requerentes do divrcio no se conformam com as alteraes indicadas pelo Ministrio Pblico ao acordo sobre o exerccio das responsabilidades parentais e mantenham o propsito de se divorciar e quando, na tentativa de conciliao ou em qualquer altura do processo de divrcio sem consentimento, seja obtido o acordo para converso em divrcio por mtuo consentimento (artigos 1776.-A, 1778. e 1779., todos do Cdigo Civil).

    Assim, ao contrrio do regime anterior, em que existia uma separao definida na tramitao e na competncia entre o divrcio por mtuo consentimento (onde os cnjuges deveriam acordar nas questes relativas aos seus interesses pessoais e patrimoniais e aos interesses dos filhos menores) e o divrcio litigioso (em que essas questes seriam objecto de deciso nas aces prprias, no afectando a tramitao da aco de divrcio), estando os cnjuges de acordo em cessar a relao matrimonial por divrcio mas no havendo acordo sobre todas ou alguma das questes sobre as quais teriam que chegar a acordo, incumbe ao juiz decidir os efeitos do divrcio relativamente a essas questes, como se fosse um divrcio sem consentimento.

    Salvo o devido respeito, parece-nos que esta opo legislativa no ter a virtualidade de reduzir a conflituosidade entre os cnjuges nem aumentar a eficincia da justia na medida em que desresponsabiliza os cnjuges de procurarem, por sua prpria iniciativa, a obteno de acordos ou no os induz na busca de uma soluo consensual quanto s questes que tero que resolver caso pretendam ambos obter a dissoluo do casamento por divrcio4.

    Com efeito, a exigncia de obteno dos acordos sobre os interesses de cada um dos cnjuges e sobre os interesses dos filhos menores como requisito do decretamento do divrcio, responsabilizava os cnjuges na satisfao dos interesses controvertidos e obrigava-os a empenhar-se na procura de solues consensuais e mais ajustadas aos interesses em causa.

    Porm, a soluo normativa encontrada, para alm das inmeras questes processuais que suscita, contribui para diminuir o esforo de conciliao e de consenso entre partes, relegando para o tribunal a resoluo das questes que os cnjuges poderiam obter por acordo (neste sentido, Alexandra Viana Lopes, Apreciao Crtica do Projecto-Lei que altera o Cdigo Civil, Lisboa 2008, pg. 51).

    Um dos principais objectivos desta reflexo consiste em analisar e avaliar os impactos decorrentes da falta de previso dos trmites processuais que fixem ou determinem previamente a prtica dos actos e a produo de prova eventualmente necessria para que o juiz decida sobre as consequncias do divrcio.

    Com efeito, num ordenamento rigidamente formatado segundo o princpio da legalidade dos trmites ou das formas processuais, a possibilidade do juiz poder determinar a tramitao do processo e a produo de prova eventualmente necessria, tem tanto de aliciante para a realizao da justia no processo civil, como de ameaador para as garantias daqueles que exercem o seu direito jurisdio (Pedro Madeira de Brito, O novo princpio da adequao formal, Aspectos do Novo Processo Civil, Editora Lex, pg. 31).

    4 Suscitando tambm reservas sobre esta opo, Pedro Lima, Algumas Notas Crticas sobre a Lei n. 61/2008, de 31 de Outubro, Boletim da ASJP, IV. srie, n. 4, Setembro 2010 (pg. 202).

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    Na verdade, o processo no existe sem procedimento e este impe a observncia de uma forma em que as formalidades dos actos ou a sua ordenao formal podem ser determinadas segundo um dos seguintes sistemas: -

    a) - o sistema da legalidade das formas em que a actuao processual se encontra pr-estabelecida na lei, podendo o desrespeito das suas prescries constituir irregularidade que, nalguns casos, comporta um valor negativo que pode implicar a ineficcia (em sentido amplo) do acto ou dos actos praticados fora da sequncia processual;

    b) - o sistema de liberdade de forma em que no existem formas previamente fixadas pelas normas processuais, cabendo aos sujeitos do processo (partes ou juiz) determinar, em cada momento e em concreto, a forma a observar.

    Embora no existam sistemas absolutamente puros, so apontadas vantagens e desvantagens a um e a outro sistema.

    Em primeiro lugar, se a lei fixa ou determina previamente as formas dos actos ou da sequncia de actos, verifica-se uma maior garantia para as partes, as quais, quando instauram uma aco ou exercem um direito de defesa, conhecem e sabem partida quais os procedimentos a adoptar e o respectivo iter5.

    Em sentido contrrio, num sistema de liberdade de forma, existe o perigo de o juiz, conscientemente ou no, ceder a influncias incontrolveis; na determinao da modalidade processual pode ser escolhido um dado ponto de vista sem que exista forma segura de controlar essa escolha alm de que, perante situaes idnticas, os juzes poderiam decidir de forma diferente, o que coloca em risco a igualdade das partes perante o processo e a garantia destas ao correcto exerccio da funo jurisdicional.

    Em segundo lugar, assinala-se ao sistema de liberdade de forma uma maior celeridade no andamento do processo quando sejam atribudos poderes ao juiz com esse objectivo, enquanto que, ao sistema com formalidades pr-elaboradas imputada morosidade face eventual verificao de actos desnecessrios mas fixados na lei; numa outra perspectiva, num sistema de liberdade de formas, se forem as partes a definir a forma adoptar, existe o risco razovel de interminveis dilaes e desfiguraes que pem em causa a realizao do prprio interesse das partes no processo.

    Finalmente, em terceiro lugar, o procedimento demasiado ritualizado e com efeitos preclusivos no permite alcanar a justia material que se procura atravs do processo, constituindo um verdadeiro obstculo no acesso justia.

    Em suma, e com vista a assegurar um efectivo direito de acesso justia, o processo, de natureza instrumental, no pode constituir obstculo a uma deciso que atinja a justia material e as regras sobre a forma devem ajustar-se questo em litgio.

    O equilbrio entre as garantias conferidas pela forma no processo e a necessidade da realizao da justia material enquanto misso do Estado exige uma adequada ponderao do princpio da instrumentalidade da forma no processo e que se resume na ideia de que as formas do processo previstas na lei no servem para a realizao de um fim prprio e autnomo, sendo estabelecidas como o instrumento mais idneo para atingir um determinado resultado, o qual constitui o nico e verdadeiro objectivo da norma que disciplina a forma (Miguel Teixeira de Sousa, Introduo ao Processo Civil, Lisboa 1993, pgs. 35-36; Pedro Madeira de Brito, ob. cit., pgs. 31-35).

    Porm, a capacidade de tornar expedito o processo por parte do juiz implica que a lei processual lhe confira, num sistema predominantemente legalista

    5 Segundo a mxima de Jhering, a forma inimiga jurada do arbtrio, a irm gmea da liberdade.

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    como o nosso, um efectivo poder de controlo e de direco do processo, enformando-o como um dever de gesto mas, sobretudo, impondo regras sbrias de litigncia que condicionem a prolixidade das partes.

    Por outro lado, no tipificando a lei formalmente os actos a praticar, estes devero ser praticados segundo a forma mais adequada a atingir o fim e o acto processual praticado pelo juiz a que faltem os requisitos indispensveis para atingir o escopo pode ser invlido, mas esta invalidade irrelevante se o acto atingiu o fim para o qual se encontrava destinado na medida em que as regras de forma tm por funo garantir os interesses das partes, o que se retira da regra da relevncia genrica do vcio formal no interesse de quem foi estabelecido.

    Com efeito, o processo civil deve ser visto como algo que serve para viabilizar a discusso, a dialctica, to alargadamente quanto possvel, em ordem a conseguir-se o desiderato que a causa final do processo, a saber, a deciso da causa (a boa quanto possvel deciso), e no tanto mini-decises de fases ou sub-fases processuais.

    Exactamente para que os problemas substantivos sejam bem ponderados, deve haver um conjunto de regras de procedimento que confiram segurana s pessoas cujos valores e interesses, e cujos diferendos justificam e impem que a funo jurisdicional do Estado se exera atravs de normatividade que imprima segurana e no anarquia nos procedimentos.

    Ao adequar a tramitao ao caso concreto6, o juiz no pode faz-lo com violao da igualdade das partes, do direito de defesa, do contraditrio e do dispositivo.

    Por outro lado, a estrutura ssea do processo ou a sua matriz essencial no devero ser objecto de grandes alteraes, sendo difcil prever que ocorram supresses ou acrescentos de fases processuais pelo que a mudana na atitude do juiz ser sentida concretamente, dentro de cada fase, na dosagem e construo de cada acto processual7.

    H que pensar, tambm, que a ponderao necessria para ajustar devidamente as normas do processo implicar perder algum tempo de estudo e anlise do processo, sendo que o tempo no o que mais abunda nos tribunais de maior movimento.

    Assim sendo, o principal problema com que somos confrontados consiste em saber se, ao afirmar o legislador que o juiz determina a prtica dos actos e a produo de prova eventualmente necessria tanto para apreciar os acordos como para fixar as consequncias do divrcio, este tem a faculdade de adaptar activamente as normas processuais8 e quais os limites de que dispe9.

    - I - II - A TRAMITAO PROCESSUAL

    6 Determinando a prtica dos actos e a produo de prova eventualmente necessria. 7 Embora relacionado com o dever de gesto processual previsto no Regime Processual Civil Experimental (Decreto-Lei n. 108/2006, de 8 de Junho), defendemos que, em qualquer das situaes em que o juiz faa uso do princpio da adequao formal ou do dever de gesto processual, deve apresentar s partes os detalhes da programao processual que ir adoptar, sendo essa esquematizao mais justa e eficiente se for feita em colaborao com as partes (Antnio Jos Fialho, Simplificao e Gesto Processual, Regime Processual Civil Experimental, Edio CEJUR, pg. 58). 8 Aplicveis a cada uma das questes referidas no artigo 1775. do Cdigo Civil (regulao do exerccio das responsabilidades parentais, atribuio da casa de morada de famlia, alimentos ao cnjuge que deles carea e relacionao dos bens comuns). 9 Com efeito, os limites para esta adaptao activa das normas processuais que podero constituir questes controvertidas na medida em que as regras processuais que determinam contedos injuntivos ou peremptrios (e.g. no que respeita a prazos) ou aquelas que interferem no exerccio dos direitos processuais (igualdade das partes, direito de defesa e do contraditrio) no podero ser objecto de qualquer adaptao discricionria ou injustificada face aos fins do processo.

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    A primeira questo que se coloca saber se, com o prosseguimento da aco para fixao judicial das consequncias do divrcio por mtuo consentimento como se fosse um divrcio sem consentimento, o legislador pretende que se faa uso do regime previsto no artigo 1407., n. 7 do Cdigo de Processo Civil, no qual se prev a possibilidade de fixao incidental (provisria e para a pendncia da aco de divrcio) da regulao do exerccio das responsabilidades parentais dos filhos menores, da fixao de alimentos a cnjuge e da atribuio de casa de morada de famlia10.

    Os incidentes no processo so formas processuais secundrias em relao ao processo principal, pressupondo, em geral, uma questo a resolver e que apresenta, em relao ao objecto da aco, carcter acessrio ou secundrio ou representa uma ocorrncia anormal produzida no decurso do processo, sujeita a uma tramitao prpria, uma vezes materialmente autonomizada, outras inserida na tramitao do processo principal (Alberto dos Reis, Comentrio ao Cdigo de Processo Civil, vol. III, pg. 564).

    Em primeiro lugar, estando este regime incidental gizado para uma fixao provisria de alguns dos efeitos do divrcio, a determinao definitiva prevista no artigo 1778.-A, n. 3 do Cdigo Civil, apenas pode querer dizer que a aco prossegue sem consentimento das partes quanto s consequncias do divrcio mutuamente consentido (neste sentido, Alexandra Viana Lopes, Divrcio e Responsabilidades Parentais, pg. 148).

    Sobre esta questo, Tom dAlmeida Ramio entende que o legislador no pretendeu que na fixao dessas consequncias, o juiz aplique as regras processuais aplicveis ao divrcio sem consentimento de um dos cnjuges, ou seja, no pretendeu remeter para o regime processual previsto nos artigos 1407. e 1408. do Cdigo de Processo Civil e afastar o regime processual aplicvel ao divrcio por mtuo consentimento, previsto nos artigos 1419. a 1424. do Cdigo de Processo Civil, por incompatvel com o regime institudo no artigo 1778.-A. Se assim fosse, t-lo-ia dito, nomeadamente que seria aplicvel esse regime processual, com as devidas adaptaes (O Divrcio e Questes Conexas, 2. edio, pg. 60).

    O mesmo autor afirma que estamos em presena de um divrcio por mtuo consentimento e, por isso, a deciso a proferir nas questes sobre que os cnjuges no acordaram, ser proferida como se se estivesse perante um divrcio por mtuo consentimento. Fixa as consequncias como se tratasse de um divrcio por mtuo consentimento de um dos cnjuges, porque no o . No divrcio sem consentimento, o juiz no aprecia, nem decide, essas questes11. Elas no constituem objecto da aco de divrcio sem consentimento. Aqui apenas se aprecia e decide do divrcio e, eventualmente, e apenas a ttulo provisrio, da atribuio da casa de morada de famlia, dos alimentos entre cnjuges e do exerccio das responsabilidades parentais, nos termos do artigo 1407., n. 7 do Cdigo de Processo Civil (ob. cit., pg. 60).

    A segunda questo radica em saber como se procede a essa definio judicial das consequncias uma vez que o legislador no estabeleceu qualquer previso 10 Segundo Salvador da Costa (Os Incidentes da Instncia, Almedina, pg. 8) a ideia que est na base do incidente processual a de que, no processo que prprio de uma determinada aco, se incrusta uma questo acessria e secundria que implica a prtica de actos processuais que extravasam do ncleo processual da espcie em que se inserem. No centro do incidente processual est, pois, uma questo controvertida surgida no decurso do processo que, em regra, deve ser decidida antes da deciso da questo principal do litgio e cuja sede prpria a deciso final. A questo incidental , assim, de natureza contenciosa, com certo grau de conexo com algum dos elementos que integram o processo, sendo a questo incidental a ocorrncia extraordinria, acidental, estranha, surgida no desenvolvimento normal da relao jurdica processual, que origine um processado prprio, isto , com um mnimo de autonomia ou, noutra perspectiva, uma intercorrncia processual secundria, configurada como episdica e eventual em relao ao processo prprio da aco principal. 11 A ttulo de exemplo, caso algum dos cnjuges pretenda que os efeitos do divrcio retroajam data da separao (artigo 1789., n. 2 do Cdigo Civil), por se tratar de direitos indisponveis - e, consequentemente, insusceptveis de acordo ou de confisso - no ser possvel aos cnjuges convolar o processo para divrcio por mtuo consentimento, ainda que estejam ambos de acordo em divorciar-se, devendo o processo prosseguir para julgamento.

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    especfica de procedimento e a definio judicial de cada uma dessas consequncias encontra-se prevista em aces independentes, com naturezas distintas, tramitaes especficas e nus de prova diferenciados12, nomeadamente: -

    a) - a aco de regulao do exerccio das responsabilidades parentais tramitada como aco de jurisdio voluntria (artigos 150. a 161. e 174. a 180. da Organizao Tutelar de Menores, 1905. e 1906. do Cdigo Civil e 302. a 304. e 1409. a 1411., todos do Cdigo de Processo Civil).

    b) - a aco judicial de atribuio de casa de morada de famlia tramitada como processo especial de jurisdio voluntria (artigos 1793. do Cdigo Civil e 1413., 302. a 304. e 1409. a 1411., todos do Cdigo de Processo Civil).

    c) - a aco de alimentos entre cnjuges configura uma aco declarativa comum, sob a forma ordinria ou sumria, consoante o valor da causa (artigos 461. do Cdigo de Processo Civil e 2016. e 2016.-A, ambos do Cdigo Civil).

    d) - a determinao dos bens comuns do casal realizada atravs do incidente de reclamao de bens no mbito de processo especial de inventrio para separao de meaes13 (artigos 1348. e 1349. e 302. a 304. ex vi do artigo 1404., n. 3, todos do Cdigo de Processo Civil14).

    A propsito da tramitao a seguir pelo tribunal no divrcio por mtuo consentimento, Alexandra Viana Lopes refere o seguinte (Divrcio e responsabilidades parentais, pgs. 148 e 149): -

    Na aco de divrcio com consentimento, no estando previsto procedimento adequado para a definio das consequncias do divrcio, deve este decorrer de acordo com as regras gerais.

    Assim, concebem-se dois tipos de situaes. No caso de ser apresentado pedido de decretamento de divrcio no tribunal,

    ab initio, devem os requerentes na petio inicial, formular o pedido de cada uma das partes quanto fixao das consequncias pretendidas relativamente s quais obtiveram consenso, alegar como causa de pedir e oposio, os factos em que esto de acordo e os factos em que esto em desacordo, indicar a prova de cada uma das partes.

    No caso de devoluo de competncia para o tribunal em processo inicialmente entrado na conservatria do registo civil relativamente a qualquer um dos consensos, sem que o juiz tenha vindo a conciliar as partes, ou no caso de convolao de uma aco de divrcio sem consentimento, deve o juiz suscitar a deduo do incidente, ao qual cada um dos cnjuges formule o seu pedido, alegue os factos integrativos da causa de pedir e indique a prova, incidente a que se seguir as regras gerais de contraditrio, prova e julgamento (artigos 302. e seguintes do Cdigo de Processo Civil).

    Em todo o caso, enxertando-se as discusses sobre as consequncias do divrcio na prpria aco de divrcio com consentimento, no se pode deixar de prever uma grande complexidade processual, com o acentuar da demora na

    12 Alexandra Viana Lopes, Divrcio e responsabilidades parentais, pg. 148. 13 Entrou em vigor em 18 de Julho de 2010 o Regime Jurdico do Processo de Inventrio (aprovado pela Lei n. 29/2009, de 29 de Junho, alterada pelas Lei n. 1/2010, de 15 de Janeiro, e pela Lei n. 44/2010, de 3 de Setembro). Aquando do termo deste trabalho, no tinham ainda sido publicados os diplomas regulamentares que permitissem a implementao deste novo regime jurdico do processo de inventrio pelo que se optou por fazer referncia s disposies normativas relativas ao novo regime jurdico quando sejam referenciadas no texto disposies normativas do processo de inventrio contidas no Cdigo de Processo Civil. 14 Artigos 1., n. 4, 27., n. 1, alnea c), e 71., todos do Regime Jurdico do Processo de Inventrio.

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    definio das pretenses litigiosas, em face da diversidade de qualidade de cada uma das partes nas diferentes pretenses.

    A parte que entender que as regras incidentais constituem uma diminuio das garantias em face das aces comuns de alimentos, de atribuio de casa de morada de famlia e de regulao das responsabilidades parentais, pode revogar o consentimento do divrcio por mtuo consentimento e instaurar ou aguardar a instaurao de aco de divrcio sem consentimento, com a cumulao do pedido de alimentos e a instaurao das aces conexas em que venha a pedir a definio desses interesses (artigos 470., n. 2 e 1413., do Cdigo de Processo Civil e artigos 154., n. 4 e 174. e seguintes do Decreto-Lei n. 314/78, de 27 de Outubro).

    Contudo, este conjunto de regras no resolve inteiramente o problema pois, mesmo considerando uma tramitao incidental das questes sobre as quais os cnjuges no lograram obter consenso no mbito do divrcio com consentimento (instaurado no tribunal, remetido pela conservatria ou mediante convocao de divrcio sem consentimento), subsiste ainda um conjunto de questes processuais a resolver.

    Procurando aproximar-se da soluo deste problema, Tom dAlmeida Ramio afirma que o juiz fixa essas consequncias contra a vontade do outro cnjuge, tendo em conta a pretenso do cnjuge demandante, os fundamentos invocados e as regras do nus da prova () fundamentando e demonstrando a sua causa de pedir (O Divrcio e Questes Conexas, pgs. 61-62).

    O mesmo autor refere que so aplicveis os princpios gerais da jurisdio voluntria (artigos 1409. a 1411. do Cdigo de Processo Civil) na medida em que o divrcio por mtuo consentimento se insere no mbito desses procedimentos, sendo ainda aplicveis as disposies dos artigos 1419. a 1422. e 1424., todos do mesmo Cdigo (que no foram revogados), a sua utilidade prtica reconduz-se aos casos de convolao do divrcio sem consentimento em divrcio por mtuo consentimento e, finalmente, a sua previso para o divrcio requerido na conservatria do registo civil se afigura deslocada15.

    Para compreender melhor o problema, imagine-se uma situao em que os cnjuges requereram o divrcio por mtuo consentimento no tribunal, instruem esse pedido com uma relao especificada de bens comuns e afirmam no estar de acordo em relao regulao do exerccio das responsabilidades parentais dos filhos menores, atribuio do destino da casa de morada de famlia e obrigao de alimentos a um dos cnjuges.

    No conseguindo o juiz obter o consenso dos cnjuges quanto a estas questes, deve determinar a prtica dos actos e proceder produo de prova que considere necessria para a fixao das consequncias do divrcio nas questes em que os cnjuges no apresentaram acordo ou no acordaram na conferncia16.

    Com vista a uma melhor compreenso da questo, a causa de pedir de cada uma destas pretenses pode at no estar ainda suficientemente delimitada, no s porque a questo colocada em funo de um divrcio sem consentimento convolado em mtuo consentimento relativamente ao qual no existe o nus de alegao destas questes mas apenas dos fundamentos do divrcio (artigo 1779., n. 2 do Cdigo Civil)

    15 Nesta parte, no concordamos com este autor na medida em que o legislador consagrou a remisso deste conjunto de normas no artigo 272., n. 5 do Cdigo de Registo Civil (a propsito do procedimento do divrcio por mtuo consentimento requerido na conservatria do registo civil). 16 No mbito de um processo de divrcio sem consentimento de um dos cnjuges, se estes esto de acordo em divorciar-se na tentativa de conciliao, no faz sentido efectuar a notificao do ru para contestar (artigo 1407., n. 5 do Cdigo de Processo Civil) uma vez que o objecto do litgio no sero as questes alegadas na petio inicial da aco de divrcio sem consentimento mas alguma das questes mencionadas no artigo 1775. do Cdigo Civil sobre as quais os cnjuges no obtiveram acordo.

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    ou porque a situao colocada em funo de um divrcio por mtuo consentimento remetido pela conservatria do registo civil em que no se logrou alcanar acordo sobre alguma das questes (artigo 1778. do mesmo Cdigo).

    Neste caso, deve o juiz determinar a prtica dos actos necessrios, designadamente a apresentao dos articulados em que cada um dos cnjuges formule o seu pedido, alegue os factos integrativos da causa de pedir e indique a respectiva prova, a que se seguiro as regras gerais do contraditrio, prova e julgamento.

    aqui que se vo colocar as questes processuais a que a Lei n. 61/2008, de 31 de Outubro, no soube dar a resposta adequada.

    Vejamos. Para o exemplo que escolhemos, quer seja adoptada a soluo processual do

    incidente (artigo 1407., n. 7 do Cdigo de Processo Civil), quer a do processo de jurisdio voluntria (artigos 1409. a 1411. do mesmo Cdigo), as partes tm o nus de alegar os factos integrativos da causa de pedir (e oferecer ou requerer a respectiva prova) que permitam ao julgador decidir sobre a atribuio do uso da casa de morada a um dos cnjuges, sobre o exerccio das responsabilidades parentais dos filhos menores (residncia e exerccio das responsabilidades parentais, relaes pessoais com o progenitor no residente e obrigao de alimentos) e sobre a fixao de alimentos ao cnjuge que alega necessitar deles (com a correspondente alegao das possibilidades do outro cnjuge).

    Vejamos a primeira situao. O n. 7 do artigo 1407. do Cdigo de Processo Civil dispe que em

    qualquer altura do processo, o juiz, por iniciativa prpria ou a requerimento de alguma das partes, e se entender conveniente, poder fixar um regime provisrio quanto a alimentos, quanto regulao do exerccio das responsabilidades parentais dos filhos e quanto utilizao da casa de morada de famlia.

    Para haver lugar aplicao desta disposio normativa, h ocorrer uma situao de urgncia (premncia) relativa a qualquer uma dessas questes, de tal modo que, no sendo as mesmas fixadas, resultem colocados em perigo ou em risco relevante os bens ou interesses que visam acautelar.

    Ao estabelecer um juzo de convenincia, o legislador est a reportar-se a uma convenincia em termos temporais, no sentido de que s deve concluir ser conveniente fixar algum daqueles regimes provisrios se, ponderada em concreto a situao dos cnjuges e filhos, em funo do perodo de tempo que, previsivelmente, a aco de divrcio demorar, em juzo, se lhe afigurar necessrio (conveniente) tal fixao ou, no mnimo, prudente, para acautelar o risco que a demora da aco pode assegurar aos interesses que esto em causa, configurando-se este regime provisrio como medida cautelar (neste sentido, Ac. RL de 11/02/2010 in CJ, I, pgs. 114-117).

    Vejamos agora a segunda situao. Caso sejam adoptados os critrios da jurisdio voluntria (aplicveis

    regulao do exerccio das responsabilidades parentais e atribuio do uso da casa de morada de famlia), o julgador pode decidir segundo um juzo de oportunidade ou convenincia sobre os interesses em causa, proferindo a deciso que lhe parea mais equitativa, podendo, por exemplo, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquritos e recolher as informaes convenientes, s sendo admissveis as provas que considere necessrias (artigo 1409., n. 2 do Cdigo de Processo Civil).

    Contudo, o tribunal no dispe destes poderes nas aces em que esteja em causa a fixao dos alimentos entre cnjuges ou a determinao dos bens comuns j que estas questes so integradas no mbito da jurisdio contenciosa.

    Esta a primeira questo que importa resolver na medida em que a mesma determinante quanto posio assumida pelo julgador no mbito do processo.

  • - 10 -

    Para efeitos de determinao da natureza da jurisdio, o legislador adoptou o sistema de enumerao taxativa dos processos de jurisdio voluntria (artigos 1409. a 1411. do Cdigo de Processo Civil).

    Assim, a jurisdio voluntria exercitada em funo dos interesses dos sujeitos envolvidos ou de situaes jurdicas subjectivas, cuja tutela assumida por razes de interesse geral da comunidade, visando a actividade do tribunal, na resoluo do caso concreto, com vista a permitir: -

    a) - um certo interesse ou feixe de interesses previstos na lei e no mais justa composio dos interesses e direitos contrapostos dos litigantes;

    b) - um certo interesse ou feixe de interesses deixado livre apreciao do juiz; ou para

    c) - permitir que o juiz se limite a controlar uma auto-composio processual das prprias partes.

    No mbito desta jurisdio, existe uma diferente modelao prtica de certos princpios ou regras processuais cuja distino tende a basear-se nos critrios de deciso do tribunal e no maior relevo atribudo ao princpio do inquisitrio (neste sentido, Remdio Marques, Aco Declarativa Luz do Cdigo de Processo Civil Revisto, pgs. 78-80).

    A caracterstica geral dos processos de jurisdio voluntria a de que no h neles um conflito de interesses a compor, mas s um interesse a regular, embora podendo haver um conflito de opinies ou representaes acerca do mesmo interesse (Manuel de Andrade, Noes Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pg. 72) ou um interesse fundamental tutelado pelo direito (acerca do qual podem formar-se posies divergentes), que ao juiz cumpre regular nos termos mais convenientes (Antunes Varela - J. Miguel Bezerra - Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2. edio, pg. 69).

    Na jurisdio voluntria h, no a deciso de uma controvrsia entre as partes, mas uma actividade de assistncia e de fiscalizao em relao a actos realizados pelos particulares, sendo a interveno requerida pela parte interessada. Pode existir controvrsia entre os interessados mas o essencial, nestes casos, que haja um interesse fundamental tutelado pelo direito e ao juiz se tenha atribudo o poder de escolher a melhor forma de o gerir ou de fiscalizar o modo como se pretende satisfaz-lo.

    Com vista a explicitar o critrio distintivo entre a jurisdio voluntria e a jurisdio contenciosa, Alberto dos Reis afirma que aquela tem um fim essencialmente constitutivo, tendendo constituio de relaes jurdicas novas ou coopera na constituio e no desenvolvimento de relaes existentes e que no esprito de quem organizou a classificao estava o critrio doutrinal no tocante diferenciao, baseado no exerccio de uma actividade essencialmente administrativa na jurisdio voluntria e de uma actividade verdadeiramente jurisdicional na jurisdio contenciosa (Processos Especiais II, Coimbra Editora, pgs. 397-398).

    Como afirma o mesmo autor, um julgamento pode inspirar-se em duas orientaes ou em dois critrios diferentes: critrio de legalidade, critrio de equidade. No primeiro caso, o juiz tem de aplicar aos factos da causa o direito constitudo; tem de julgar segundo as normas jurdicas que se ajustem espcie respectiva, ainda que, em sua conscincia, entenda que a verdadeira justia exigiria outra soluo. No segundo caso, o julgamento no est vinculado observncia rigorosa do direito aplicvel espcie vertente; tem liberdade de se subtrair a esse enquadramento rgido e de proferir a deciso que lhe parea mais equitativa (ob. cit., pg. 400).

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    Assim, so aplicveis aos processos de jurisdio voluntria as seguintes regras: -

    a) - mais forte a presena do princpio do inquisitrio, em contraposio ao princpio do dispositivo, na medida em que o julgador pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquritos e recolher as informaes convenientes, tendo o poder de s admitir as provas que julgue necessrias17 (artigo 1409., n. 2 do Cdigo de Processo Civil);

    b) - o juiz no est sujeito a critrios de deciso fundados em legalidade estrita, podendo pautar-se pela equidade, adoptando, em cada caso18, a soluo que lhe parea mais conveniente e oportuna ou devendo procurar antes, pela via do bom senso, a soluo mais adequada a cada caso19 (artigo 1410. do mesmo Cdigo);

    c) - as decises adoptadas pelo julgador so livremente modificveis, com fundamento em circunstncias supervenientes que justifiquem essa modificao (princpio rebus sic standibus) (artigo 1411., n. 1 do referido Cdigo);

    d) - inadmissvel recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justia de todas as decises proferidas no mbito destes processos, contanto que tenham sido pronunciadas segundo critrios de estrita convenincia e de oportunidade, ou seja, segundo critrios (decisrios) de equidade (artigo 1411., n. 2 do Cdigo de Processo Civil);

    e) - no obrigatria a constituio de advogado, salvo na fase de recurso (artigo 1409., n. 4 do Cdigo de Processo Civil);

    f) - com o requerimento inicial e a respectiva oposio, devem ser logo oferecidas as testemunhas e requeridos os outros meios de prova (artigo 303., n. 2 ex vi do artigo 1409., n. 1, ambos do Cdigo de Processo Civil);

    g) - cada parte no pode produzir mais de trs testemunhas sobre cada facto nem pode oferecer mais de oito testemunhas (artigo 304., n. 1 ex vi do artigo 1409., n. 1, ambos do Cdigo de Processo Civil).

    Em primeiro lugar, e no que diz respeito a uma das questes entre os cnjuges que o tribunal deve resolver (alimentos entre cnjuges) e, apesar de estar legalmente consagrada a possibilidade de alterao na fixao de alimentos ao cnjuge que deles carea, esta no existe em consequncia dos mecanismos processuais da jurisdio voluntria mas por fora de outra excepo ao princpio da intangibilidade do caso julgado.

    17 Na jurisdio contenciosa, o juiz s pode, em regra, servir-se dos factos fornecidos pelas partes ao passo que na jurisdio voluntria, pode utilizar factos que ele prprio capte e descubra. Nestes processos, o material de facto sobre que h-de assentar a resoluo, no s a que os interessados ofeream, seno tambm o que o juiz conseguir trazer para o processo pela sua prpria actividade, dispondo de largo poder de iniciativa na colheita dos factos e nos meios de prova. Em suma, na jurisdio contenciosa, os poderes oficiosos do juiz em matria de prova tm natureza subsidiria enquanto que, na jurisdio voluntria, essa limitao no existe (Alberto dos Reis, Processos Especiais II, Coimbra Editora, pgs. 399-400). 18 A expresso em cada caso significa que o julgador, em vez de se orientar por conceitos abstractos de humanidade e de justia, deve olhar para o caso concreto e procurar descobrir a soluo mais conveniente para os interesses em causa, funcionando como um rbitro, ao qual conferido o poder de julgar ex aequo et bono (Alberto dos Reis, Processos Especiais II, pgs. 400-401). 19 Como afirma Antunes Varela (Manual de Processo Civil, pg. 72) a prevalncia da equidade sobre a legalidade estrita, nas providncias que o tribunal tome, no vai obviamente ao ponto de se permitir a postergao de normas imperativas aplicveis situao.

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    Com efeito, em termos substantivos, o artigo 2012. do Cdigo Civil permite que, depois de fixados alimentos pelo tribunal ou por acordo dos interessados, se as circunstncias determinantes da sua fixao se modificarem, podem os alimentos ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos, ou podem outras pessoas ser obrigados a prest-los; por seu turno, o artigo 2013. do mesmo Cdigo prev mesmo a possibilidade de cessao pela morte do obrigado ou alimentado, quando aquele que os presta no possa continuar a prest-los ou aquele que os receba deixe de precisar deles ou quando o credor viole gravemente os seus deveres para com o obrigado.

    Com vista a concretizar este direito substantivo, o artigo 671., n. 2 do Cdigo de Processo Civil dispe que se o ru tiver sido condenado a prestar alimentos ou a satisfazer outras prestaes dependentes de circunstncias especiais quanto sua medida e durao, pode a sentena ser alterada desde que se modifiquem as circunstncias que determinaram a condenao.

    Consagra-se, assim, uma excepo ao princpio da intangibilidade do caso julgado em processos que no revistam natureza de jurisdio voluntria, excepo esta justificada pela constituio da referncia situao de facto ou aos seus limites temporais existentes no momento do encerramento da discusso (Lebre de Freitas, Cdigo de Processo Civil Anotado, 2. volume, pg. 680).

    Vejamos outra questo. Decretada a separao judicial de pessoas e bens ou o divrcio, ou declarado

    nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cnjuges pode requerer inventrio para partilha dos bens, salvo se o regime de bens do casamento for o da separao (artigo 1404., n. 1 do Cdigo de Processo Civil20).

    A partilha o acto ou o meio tcnico-jurdico pelo qual se pe termo indiviso de um patrimnio comum e, no caso da partilha dos bens que integram a comunho conjugal, visa a atribuio definitiva aos cnjuges dos bens comuns atravs do preenchimento da respectiva meao, pressupondo a existncia de mais do que um titular desse patrimnio (Esperana Pereira Mealha, Acordos Conjugais para Partilha dos Bens Comuns, Almedina, pg. 62).

    No optando ambos os cnjuges pela partilha conjuntamente com o divrcio (artigos 1775., n. 1, alnea a), in fine do Cdigo Civil e 272.-A a 272.-C, todos do Cdigo de Registo Civil), atravs do processo de inventrio que os cnjuges iro pr termo comunho de bens do casal e onde devem relacionar-se os bens que entraram na comunho e as dvidas que oneram o patrimnio comum, ou seja, da responsabilidade de ambos os cnjuges (neste sentido, Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, volume III, pg. 362; Ac. RP de 21/11/2000 in CJ, V, pg. 197).

    Os bens que integram a partilha so especificados na relao por meio de verbas sujeitas a uma s numerao, sendo as dvidas relacionadas em separado, sujeitas a numerao prpria (artigos 1345., n.os 1 e 2 e 1404., n. 3, ambos do Cdigo de Processo Civil21).

    Apresentada a relao de bens no processo de inventrio, o outro interessado notificado das declaraes iniciais e da relao de bens, podendo reclamar contra ela, acusando a falta de bens que devam ser relacionados, requerer a excluso de bens indevidamente relacionados, por no fazerem parte do acervo a dividir, ou arguir qualquer inexactido na descrio dos bens que releve para a partilha (artigo 1348. do Cdigo de Processo Civil).

    Sendo deduzida reclamao contra a relao de bens, o cabea-de-casal notificado para relacionar os bens em falta ou dizer o que se lhe oferecer sobre as questes suscitadas na reclamao; confessando a existncia dos bens cuja falta foi 20 Artigo 71., n. 1 do Regime Jurdico do Processo de Inventrio. 21 Artigos 23., n.os 1 e 2 e 71., ambos do Regime Jurdico do Processo de Inventrio.

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    acusada, deve proceder imediatamente ou no prazo que lhe seja concedido para o efeito, ao aditamento da relao de bens inicialmente apresentada.

    No caso contrrio, haver lugar produo de prova, decidindo o juiz da existncia de bens e da pertinncia da sua relacionao, salvo se a complexidade da matria de facto subjacente s questes tornar inconveniente a tramitao incidental, caso em que se abstm de decidir e remete os interessados para os meios comuns (artigos 1349. e 1350., ambos do citado Cdigo22).

    As provas devem ser apresentadas com o requerimento de reclamao e a respectiva resposta pelo que, no o fazendo qualquer dos interessados, fica esgotada a possibilidade de o conseguir posteriormente (artigo 303., n. 2 ex vi dos artigos 1334. e 1404., n. 3, todos do Cdigo de Processo Civil) (neste sentido, Tom dAlmeida Ramio, O Divrcio e Questes Conexas, pg. 126; Ac. STJ de 09/02/1998 in CJ-STJ, I, pg. 54; Ac. RP de 15/06/2000 in www.dgsi.pt/jtrp).

    Tambm o processo de inventrio para partilha de bens - e o respectivo incidente de reclamao de bens - reveste natureza contenciosa na medida em que no se encontra tipificado na enumerao dos processos de jurisdio voluntria (artigos 1409. a 1411. do referido Cdigo).

    Para apreciar os acordos que os cnjuges tenham apresentado ou para fixar as consequncias do divrcio, o legislador estabelece que o juiz pode determinar a prtica dos actos e a produo de prova eventualmente necessria (artigo 1778.-A, n. 4 do Cdigo Civil).

    Em primeiro lugar, importa observar que o legislador utiliza a mesma expresso no n. 1 do artigo 1776. do Cdigo Civil ao estabelecer que o conservador do registo civil pode determinar a prtica de actos e a produo de prova eventualmente necessria na apreciao dos acordos apresentados pelos cnjuges e com vista a aferir se estes acautelam os interesses de algum deles ou dos filhos.

    Apesar desta coincidente formulao, afigura-se manifesto que os poderes processuais conferidos ao juiz ou ao conservador numa e noutra disposio normativa so bastante diferentes23.

    Com efeito, a prtica dos actos e as diligncias instrutrias a realizar pelo conservador do registo civil devem apenas restringir-se produo dos meios de prova que permitam avaliar se os acordos acautelam os interesses que visam tutelar ou que permitam convidar correco e aperfeioamento dos acordos pois tudo aquilo que ultrapassar este entendimento ir colidir necessariamente com a norma constitucional que reserva aos tribunais a funo de julgamento dos conflitos de interesses controvertidos (artigo 202., n. 2 da Constituio da Repblica Portuguesa).

    Diversamente, o juiz pode (e deve) determinar uma tramitao processual de instruo e julgamento das questes controvertidas que lhe sejam apresentadas.

    Para fixar as consequncias do divrcio na situao escolhida, o juiz teria que decidir sobre a regulao do exerccio das responsabilidades parentais dos filhos menores, sobre a atribuio do uso da casa da morada de famlia e sobre a fixao de alimentos a um dos cnjuges.

    Vejamos. A determinao da prtica dos actos (processuais) necessrios fixao das

    consequncias do divrcio e sobre as quais os cnjuges no lograram alcanar o acordo depende, em primeiro lugar, da modalidade de divrcio que suscitada junto do tribunal: -

    22 Artigos 18. e 28., ambos do Regime Jurdico do Processo de Inventrio. 23 O que permite indiciar, com algum grau de certeza, que o legislador no anteviu de forma adequada esta questo.

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    a) - no divrcio por mtuo consentimento requerido na conservatria do registo civil, quando o conservador entenda que algum dos acordos apresentados pelos cnjuges no acautelam suficientemente os seus interesses ou quando estes se no conformem com as alteraes indicadas pelo Ministrio Pblico ao acordo sobre o exerccio das responsabilidades parentais e mantenham o propsito de ser divorciar, em princpio, no existe conflito entre os cnjuges e os actos processuais praticados apenas expressam a diversidade de opinies entre os cnjuges e o conservador do registo civil ou entre aqueles e o Ministrio Pblico (artigos 1776.-A, n. 4 e 1778., ambos do Cdigo Civil);

    b) - no divrcio por mtuo consentimento requerido no tribunal, os actos processuais praticados apenas expressam a vontade dos cnjuges em divorciar-se mas nem sequer exigida qualquer alegao quanto s questes sobre as quais no lograram alcanar acordo (artigo 1778.-A do Cdigo Civil);

    c) - no divrcio sem consentimento de um dos cnjuges, quando obtido o acordo para converso em divrcio por mtuo consentimento, os actos processuais praticados expressam, numa fase inicial, os fundamentos que justificam a dissoluo do casamento e, numa fase posterior, a manifestao da vontade de ambos os cnjuges em divorciar-se, no sendo igualmente exigida qualquer alegao prvia quanto s consequncias do divrcio sobre as quais no exista acordo (artigo 1779. do Cdigo Civil).

    Na primeira situao, a divergncia entre os cnjuges e o conservador do registo civil ou entre aqueles e o Ministrio Pblico pode consubstanciar uma questo baseada num conjunto de factos mas ser mais provvel que configure uma questo de direito ou sobre a interpretao das clusulas dos acordos apresentados e sobre a sua adequao jurdico-normativa s normas legais vigentes ou ao juzo de equidade que o conservador ou o Ministrio Pblico entendam que acautelam melhor os interesses de qualquer dos cnjuges ou dos filhos menores.

    Porm, nas restantes situaes, ambos os cnjuges esto de acordo em dissolver o seu casamento por divrcio mas esse acordo no se estendeu regulao do exerccio das responsabilidades parentais, atribuio da casa de morada de famlia e fixao de alimentos ao cnjuge que entende deles carecer24.

    Assim, mais provvel que, nestes casos, a divergncia implique a instruo e discusso das questes controvertidas, quer na sua componente fctica, quer na componente jurdico-normativa, justificando um mnimo de alegao dos interessados sobre os fundamentos que justificam as suas pretenses, as razes do dissenso entre ambos, bem como a possibilidade de apresentarem e produzirem os meios de prova que entendam adequados para demonstrar esses fundamentos, sem prejuzo do poder-dever conferido ao juiz de determinar a produo de outros meios de prova eventualmente necessrios.

    Com esta previso normativa, o legislador criou uma figura processual complexa e sui generis: - um processo que tem incio como divrcio (por mtuo consentimento ou sem consentimento) mas cuja instruo e discusso vai incidir sobre outras questes que no correspondem matriz processual nem causa de pedir prprias da aco de divrcio, sem que estejam definidas, por exemplo, normas de cumulao de pedidos25, regras de competncia, normas sobre os meios de prova

    24 Podendo ainda abranger a determinao e relacionao dos bens comuns (artigos 1775., n. 1, alnea a), 1776., n. 1 e 1778.-A, n. 1, todos do Cdigo Civil). 25 Por exemplo, poderia ter sido adoptada a soluo prevista no Cdigo da Famlia da Repblica Popular de Angola que prev a possibilidade de cumulao de pedidos no processo de divrcio permitindo ao autor ou ao ru reconvindo

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    admissveis e sobre a prpria tramitao processual, diferenciada em relao a cada uma das consequncias do divrcio que o tribunal ter que fixar para o decretar, em suma, permitindo interpretaes diversas nesta omisso de regras processuais.

    Na interpretao das normas, o intrprete deve ter em conta a sua origem e circunstncias em que as mesmas foram produzidas, no devendo aquela cingir-se letra da lei mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, considerando a unidade do sistema jurdico, as circunstncias em que a lei foi elaborada e as condies especficas de tempo em que aplicada (artigo 9., n. 1 do Cdigo Civil); na fixao do sentido e alcance da lei, o intrprete presumir que o legislador consagrou as solues mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, no podendo considerar o pensamento legislativo que no tenha na letra da lei um mnimo de correspondncia verbal, ainda que imperfeitamente expresso (n.os 2 e 3 do citado artigo).

    Ao estabelecer que, para fixar as consequncias do divrcio, o juiz determina a prtica dos actos e a produo de prova eventualmente necessria, o legislador atribuir ao juiz o dever de determinar quais os actos processuais que se afiguram essenciais fixao das consequncias do divrcio e de determinar quais os meios de prova que sejam estritamente necessrios prossecuo do mesmo fim.

    Nem mais nem menos. uma formulao legal prxima daquela que confere ao juiz o poder de

    investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquritos e recolher as informaes convenientes, admitindo apenas as provasa que considere necessrias (artigo 1409., n. 2 do Cdigo de Processo Civil).

    Assim, consistindo a questo principal da causa no decretamento do divrcio (artigo 1778.-A, n. 5 do Cdigo Civil), a definio judicial das consequncias deste configura uma questo incidental, a resolver de acordo com as orientaes processuais que o juiz entender mais convenientes, quer quanto ao contedo e forma dos actos processuais, quer quanto produo de prova considerada necessria, observando os princpios processuais, nomeadamente da igualdade das partes e do contraditrio.

    Esta a soluo que julgamos conferir sentido til formulao legal em causa26 27.

    - I - III - LIMITAES NO NMERO DE TESTEMUNHAS

    O princpio do contraditrio exige que, no plano da prova, seja facultada s partes a proposio de todos os meios probatrios potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos (principais ou instrumentais) da causa e que possam pronunciar-se sobre a apreciao das provas produzidas por si, pelo adversrio ou pelo tribunal.

    requerer, em cumulao, a regulao do poder paternal, a atribuio da casa de morada de famlia e a fixao de alimentos ao cnjuge que deles carea (artigo 104. do Cdigo da Famlia, aprovado pela Lei n. 1/88, de 20 de Fevereiro). 26 Contudo, reiteramos a afirmao de que a parte que entender que as regras incidentais constituem uma diminuio das suas garantias em face das aces que digam respeito a cada uma das consequncias do divrcio, no fica inibida de revogar o acordo para o divrcio (Alexandra Viana Lopes, Divrcio e Responsabilidades Parentais, pg. 149). 27 Apesar de tudo, a soluo legislativa que julgaramos mais adequada consistiria na revogao, pura e simples, das disposies contidas no artigo 1778.-A do Cdigo Civil e na manuteno das modalidades de divrcio por mtuo consentimento (impondo aos cnjuges a definio consensual das suas consequncias) e o divrcio sem consentimento (cuja causa de pedir e pedido se restringiria aos fundamentos que conduzam ao decretamento do divrcio) uma vez que a nova modalidade no traz qualquer vantagem significativa ou acrescida ao ordenamento jurdico, em contraposio com as inmeras questes e dvidas que suscita. Em alternativa, a manuteno destas disposies normativas numa mais que previsvel e necessria alterao do novo regime jurdico do divrcio impor a definio das regras e dos trmites processuais necessrios fixao das consequncias do divrcio na prpria aco de divrcio.

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    Este direito prova compadece-se com uma limitao razovel do nmero de testemunhas a ouvir por cada parte28, que a exigncia de economia processual justifica mas mais dificilmente concilivel com a limitao a um nmero de testemunhas a inquirir a cada facto (artigos 304., n. 1, 633. e 789., todos do Cdigo de Processo Civil), caso se entenda que a limitao se circunscreve aos factos principais da causa (Lebre de Freitas, Introduo ao Processo Civil, Coimbra Editora, pgs. 99-100).

    sabido que a limitao legal do nmero de testemunhas a inquirir por iniciativa das partes justifica-se como meio de evitar a utilizao de produo de prova para fins dilatrios pelo que, sendo ultrapassado o limite legal, no so admitidas as testemunhas oferecidas para alm daquele, considerando a proposio de prova realizada nos articulados.

    Aqui chegados, importa saber ou determinar qual o nmero de mximo de testemunhas a inquirir por iniciativa das partes nas questes sobre as quais os cnjuges no tenham obtido acordo, ou seja e de forma mais concreta, se o limite no nmero de testemunhas deve ser considerado em relao a cada questo ou se determinado em funo do conjunto de questes.

    Assim, neste caso, o nmero mximo de testemunhas poderia ser de oito por cada questo29 ou poderia ser apenas de oito (para um conjunto de questes) enquanto que, em relao a cada facto, apenas poderiam ser inquiridas trs testemunhas (artigo 304., n. 1 do Cdigo de Processo Civil).

    Optar por uma reduo ou limitao no nmero legal de testemunhas no irrelevante e deve fundamentar-se num equilbrio entre justia e celeridade.

    Na verdade, o direito prova faz parte do direito constitucional de acesso justia, sendo necessrio (e conveniente) aplicar estas regras como limites susceptveis de admitir determinadas excepes, designadamente quando esta reduo ou limitao possa implicar a impossibilidade de se fazer prova sobre determinados factos.

    Esta soluo no mbito dos limites probatrios poderia tambm suscitar a questo de saber se a deciso que fixa as consequncias do divrcio tem ou no valor de caso julgado material30.

    Por outro lado, esta limitao probatria suscita ainda questes a propsito da invocao do valor extra-processual das provas e que se consubstancia na regra segundo a qual um certo meio de prova pode ser invocado numa segunda aco se o regime de produo de prova no segundo processo oferecer parte a quem o meio de prova oposto garantias no inferiores s do primeiro processo (artigo 522. do Cdigo de Processo Civil).

    que, ao contrrio do que afirma Tom dAlmeida Ramio no podemos considerar sempre como certo que os meios de prova obtidos ou a realizar, em regra, so comuns e, salvo o devido respeito, tambm no cremos que tenha estado na mens legislatoris considerar que existem elementos de prova comuns que so teis a uma boa deciso de mrito nestas matrias, evitando, assim a repetio desses meios probatrios caso fossem apreciadas em processos autnomos (ob. cit., pg. 58).

    28 So 20 testemunhas no processo ordinrio (artigos 633., n.os 1 e 2 do Cdigo de Processo Civil), 10 no processo sumrio e sumarssimo (artigos 789. e 464., ambos do mesmo Cdigo) e 8 nos incidentes de instncia e nos processos de divrcio (litigioso) sem consentimento (artigos 304., n. 1 e 1408., n. 2, ambos do referido Cdigo). 29 O que determina que, para trs questes em que o nmero mximo de testemunhas individualmente considerado seja de oito, o nmero mximo total de testemunhas seria de vinte e quatro. 30 Sobre opo semelhante do legislador no mbito da oposio execuo e considerando que a existncia de contraditrio, prova e apreciao judicial so suficientes para assegurar esse efeito sobre a questo apreciada, Lebre de Freitas, A Aco Executiva, pg. 163, e Cdigo de Processo Civil Anotado, volume 3., pg. 325; Rui Pinto, A Aco Executiva depois da Reforma, pg. 75; abordando o problema numa outra perspectiva e colocando dvidas sobre esta questo, Carlos Oliveira Soares, O caso julgado na aco executiva, Themis IV/7, 2003, pgs. 256-258; Paulo Pimenta, Aces e incidentes declarativos na dependncia da execuo, Themis V/9, 2004, pg. 79.

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    No obstante a falta de previso de uma tramitao processual que acautele a complexidade subjacente diversidade das questes a resolver, uma deciso incidental autnoma destas questes (artigos 302. a 304. e 1407., n. 7 do Cdigo de Processo Civil e 1778.-A, n. 4 do Cdigo Civil) aquela que melhor se adequa necessidade de prosseguimento da aco para a fixao judicial das consequncias do divrcio relativamente s questes sobre as quais os cnjuges no alcanaram acordo.

    Assim sendo, cada uma das partes apenas dispe da faculdade processual de apresentar oito testemunhas, existindo um limite de trs testemunhas por cada facto31 (artigo 304., n. 1 do Cdigo de Processo Civil).

    Competindo ao juiz determinar a produo de prova eventualmente necessria, no fica prejudicada a possibilidade de inquirio oficiosa de testemunhas j que conferido quele um papel determinante na direco do processo, permitindo-lhe, dentro de certos limites e em colaborao com as partes que prescinda dos actos e dos meios de prova que considere inteis ou inadequados e pratique outros que julgue apropriados.

    - I - IV - A DOCUMENTAO DA PROVA

    Caso seja indicada prova testemunhal ou outros meios de prova a produzir perante o tribunal, o juiz teria ainda que determinar se a documentao dos depoimentos prestados pelas testemunhas ou por outras pessoas a inquirir deveriam ser gravados ou no.

    Com efeito, no mbito do processo tutelar cvel de regulao do exerccio das responsabilidades parentais no h lugar gravao dos depoimentos a prestar na audincia de julgamento (artigo 158., n. 1, alnea c), da Organizao Tutelar de Menores)32 enquanto que, nos processos de jurisdio voluntria que admitam recurso ordinrio, a gravao dos depoimentos pode ser requerida por qualquer das partes (artigos 304., n.os 2 a 4 e 522.-A a 522.-C, todos do Cdigo de Processo Civil).

    Por outro lado, quando os incidentes da instncia sejam instrudos e julgados conjuntamente com a causa principal, o regime dos depoimentos respeitantes matria dos incidentes obedece ao que estiver estabelecido para a causa principal (artigo 304., n. 3 do mesmo Cdigo) ao passo que, nos casos restantes, tudo depende da admissibilidade ou no do recurso ordinrio quanto deciso a proferir e da iniciativa dos interessados (artigo 304., n.os 3 e 4 do citado Cdigo).

    Esta diversidade de tramitao mais um aspecto que julgamos no ter sido devidamente ponderado pelo legislador e facilmente se compreende que a opo inicialmente assumida relativamente tramitao processual das questes sobre as quais os cnjuges no tenham alcanado acordo susceptvel de condicionar tambm a possibilidade ou no de registo da prova produzida em audincia.

    Assim, impondo-se a gravao das audincias finais a par dos depoimentos, informaes e esclarecimentos nelas prestados (artigo 522.-B do Cdigo de Processo Civil), abarcando, deste modo, todos os actos processuais inseridos na audincia de discusso e julgamento (artigos 652. e 653. do mesmo Cdigo), e no tendo sido conferido o poder ao juiz, em conjugao com as partes, de seleccionar os momentos processuais que justificassem a gravao33, ser impossvel delimitar, numa mesma audincia de discusso e julgamento que, por exemplo, tenha por objecto a regulao do exerccio das responsabilidades parentais ou a fixao de alimentos ao

    31 Neste sentido, Tom dAlmeida Ramio, O Divrcio e Questes Conexas, 2. edio, pg. 64. 32 Neste sentido, Tom dAlmeida Ramio, Organizao Tutelar de Menores Anotada, 9. edio, pg. 56. 33 Antnio Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil (II volume), pg. 195.

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    cnjuge que deles carea, a gravao dos depoimentos das testemunhas, dos peritos ou dos tcnicos, restringindo-a parte em que os depoimentos podem ser gravados e limitando na parte em que no o podem ser.

    Por outro lado, conforme defende Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, II volume, pg. 205) resulta da letra da lei (artigos 463., n. 2 e 522.-B) que no basta que a causa admita recurso para que seja possvel a gravao dos depoimentos nela prestados () tornando-se ainda necessrio que os depoimentos se enquadrem numa audincia final, o que afasta do referido regime os elementos de prova recolhidos avulsamente no processo (v.g. incidentes do inventrio).

    Assim, determinando o juiz que, para fixar as consequncias do divrcio, se justifica a audio de testemunhas, de peritos ou de tcnicos, quer por iniciativa prpria, quer por iniciativa das partes, esses depoimentos devero ser gravados ?

    O juzo que feito a propsito dos incidentes no inventrio e sobre os elementos de prova recolhidos avulsamente no processo afiguram-se inteiramente aplicveis a esta situao.

    O objecto principal desta aco de divrcio consiste na dissoluo ou no fim da relao matrimonial, cuja estrutura litigiosa e controvertida no diz respeito aos fundamentos do divrcio mas sim quanto s suas consequncias nas questes em que os cnjuges esto em desacordo.

    Tratando de questo incidental em que no estabelece uma audincia de julgamento quanto prpria tramitao do incidente, afigura-se que, caso sejam ouvidas testemunhas, peritos ou tcnicos, por iniciativa do juiz ou das partes, no haver lugar documentao da prova produzida na diligncia processual que o juiz designar para o efeito.

    - I - V - O ADIAMENTO DAS DILIGNCIAS PROCESSUAIS

    No mbito da providncia tutelar cvel de regulao do exerccio das responsabilidades parentais, a audincia s pode ser adiada uma vez, por falta das partes, seus advogados ou testemunhas (artigo 158., n. 2 da Organizao Tutelar de Menores).

    Assim, a falta de alguma das partes, advogados ou testemunhas implica sempre o adiamento da audincia, por uma s vez, mesmo que esta tenha sido agendada mediante a compatibilidade de agendas, sendo inaplicvel o disposto no n. 5 do artigo 651. do Cdigo de Processo Civil ex vi do artigo 161. da Organizao Tutelar de Menores (neste sentido, Tom dAlmeida Ramio, Organizao Tutelar de Menores Anotada, 9. edio, pg. 56).

    Porm, no foi esta a soluo adoptada pelo legislador relativamente ao processo declarativo civil comum e aos demais processos em que aquele tenha aplicao subsidiria.

    Caso o juiz haja providenciado pela marcao por acordo prvio com os mandatrios judiciais, observando o disposto no artigo 155. do Cdigo de Processo Civil34, restringe-se a possibilidade de adiamento das diligncias processuais (incluindo a audincia de discusso e julgamento) falta do advogado que comunique a impossibilidade da sua comparncia por circunstncias impeditivas da sua presena (artigos 155., n. 5 e 651., n. 1, alnea d), ambos do citado Cdigo).

    Em contrapartida, se o juiz no houver providenciado pela marcao por acordo com os mandatrios judiciais e faltar algum dos advogados, sem qualquer 34 E que deve igualmente ser observado na marcao das audincias de julgamento das providncias tutelares cveis cm vista a possibilitar o acordo de agendas e evitar o adiamento de diligncias (Tom dAlmeida Ramio, Organizao Tutelar de Menores Anotada, 9. edio, pg. 57).

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    indagao ou justificao, a diligncia adiada (artigo 651., n. 1, alnea c), do referido Cdigo).

    assim evidente a diferena entre uma providncia tutelar cvel em que se apliquem as regras processuais gerais da Organizao Tutelar de Menores (e.g. a regulao do exerccio das responsabilidades parentais) e entre os processos em que sejam aplicveis as regras gerais do Cdigo de Processo Civil (artigo 651. ex vi do artigo 463. do mesmo Cdigo) (e.g. atribuio da casa de morada de famlia, alimentos entre cnjuges e incidente para relacionao de bens).

    So tambm conhecidas as razes para que se mantenha esta diversidade nos trmites processuais emergentes da falta de qualquer das partes ou dos seus mandatrios: - na Organizao Tutelar de Menores, o legislador entendeu prejudicar a celeridade em benefcio de uma soluo consensual que envolva ambos os progenitores35 e exija a sua presena na audincia de julgamento, privilegiando, desta forma, o superior interesse da criana, ao passo que, no Cdigo de Processo Civil, dada prevalncia celeridade, procurando minimizar as perturbaes causadas (ao tribunal, s partes, s testemunhas e a outros intervenientes processuais) pelos adiamentos da audincia (Lebre de Freitas, Cdigo de Processo Civil Anotado, volume 2., pg. 617).

    Na determinao das consequncias do divrcio, o juiz sempre no s promover mas tambm tomar em conta o acordo dos cnjuges (artigo 1778.-A, n. 6 do Cdigo Civil).

    Assim, quando o juiz designar qualquer diligncia processual em que devam ter interveno os cnjuges e os seus mandatrios no mbito do divrcio por mtuo consentimento requerido ou em curso no tribunal, deve aquele providenciar pela marcao da mesma por acordo prvio com os mandatrios, observando o disposto no artigo 155. do Cdigo de Processo Civil.

    Caso venha a faltar algum dos cnjuges ou algum dos mandatrios a essa diligncia, e no se verifique qualquer circunstncia impeditiva e inesperada da presena do mandatrio, o juiz deve adiar a realizao da diligncia se houver razes para considerar vivel a possibilidade de um acordo dos cnjuges sobre as consequncias do divrcio36.

    - I - VI - A ADMISSIBILIDADE DO DEPOIMENTO DE PARTE

    Por fora da diversidade das tramitaes processuais, pode ainda suscitar-se a questo da admissibilidade do depoimento de parte requerido por qualquer um dos cnjuges relativamente aos efeitos do divrcio que incumbe ao juiz fixar e sobre os quais no exista acordo.

    Vejamos. A admissibilidade da confisso como meio de prova tendo por objecto

    factos relativos a direitos indisponveis constitui uma questo controversa face ao disposto na alnea b) do artigo 354. do Cdigo Civil que prev a inadmissibilidade deste meio de prova se recair sobre factos relativos a direitos indisponveis.

    Apesar disso, o artigo 361. do mesmo Cdigo dispe que o reconhecimento de factos desfavorveis, que no possa valer como confisso, vale como elemento probatrio, que o tribunal aprecia livremente, o que justifica que alguma doutrina se

    35 E dos respectivos advogados. 36 Adopta-se uma soluo intermdia que combina a obrigatoriedade de adiamento na providncia tutelar cvel de regulao do exerccio das responsabilidades parentais com a regra do no adiamento da diligncia, em nome da busca de uma soluo consensual do litgio.

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    refira ineficcia da confisso (neste sentido, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2. edio, pg. 549).

    Assim, a confisso incidente sobre factos relativos a direitos indisponveis pode constituir um meio de prova admissvel, submetido, no entanto, livre convico do julgador.

    Sobre a admissibilidade do depoimento de parte h quem sustente a tese da sua inadmissibilidade uma vez que o mesmo visa obter a confisso judicial, admitindo que o juiz possa determinar que as partes prestem informaes ou esclarecimentos ao tribunal (artigos 356., n. 2 do Cdigo Civil e 265. e 519., ambos do Cdigo de Processo Civil) (Rodrigues Bastos, Notas ao Cdigo de Processo Civil, vol. III, 1972, pgs. 118-119), enquanto que outros defendem a admissibilidade do depoimento de parte, argumentando que este no se circunscreve obteno da confisso judicial com eficcia plena mas que poderia ter por objecto qualquer declarao confessria ainda que sujeita livre convico do julgador37 (Amrico Campos Costa, O depoimento de parte sobre factos relativos a direitos indisponveis, Revista dos Tribunais, Ano 76., pgs. 322 a 327).

    Este problema mais relevante quando a fixao das consequncias do divrcio diga respeito fixao de alimentos ao cnjuge que deles carea ou determinao judicial dos bens comuns do casal j que estas questes, indubitavelmente, no configuram direitos indisponveis.

    Incumbindo parte que requer a prestao de depoimento de parte o nus de indicar, de forma discriminada, os factos sobre que h-de recair (artigo 552., n. 2 do Cdigo de Processo Civil) e cabendo ao juiz convidar a parte que fazer essa indicao quando a mesma tenha sido omitida no respectivo requerimento probatrio, so conferidos ao juiz poderes de zelar pelo aproveitamento dos actos das partes e para a prossecuo da verdade material.

    Os factos sobre os quais a parte h-de depor no constam de uma base instrutria e a apresentao factual dos articulados em termos muito genricos no veda da prestao de depoimento de parte, assim como a proposio desta sobre pontos concretos menos amplos do que os dela constantes.

    Requerido por uma parte o depoimento da outra parte, compete ao juiz admiti-lo (artigos 508.-A, n. 2 e 512., n. 2, ambos do Cdigo de Processo Civil), podendo rejeit-lo se o objecto proposto for inadmissvel38 ou o requerente no tiver indicado os factos que o constituem aps convite para o efeito.

    O depoimento de parte , em regra, prestado na audincia final de discusso e julgamento (artigo 556., n. 1 do Cdigo de Processo Civil) na qual o juiz dever assegurar que seja respeitado o objecto oportunamente admitido.

    Assim, caso o objecto do depoimento de parte diga respeito a factos sobre os quais o mesmo seja admissvel, pode o mesmo ser prestado no mbito das diligncias para fixao das consequncias do divrcio, incumbindo ao juiz determinar o alcance dessa admissibilidade39.

    - I - VII - O PATROCNIO FORENSE

    37 Assim, poder-se ia utilizar o depoimento de parte para a obteno de tal declarao confessria, sendo que recai sobre o depoente o dever de ser fiel verdade, muito embora as suas respostas sejam desprovidas de valor probatrio tarifado, estando sujeita ao regime da prova livre. 38 Pode tambm ser rejeitado se o seu objecto respeitar a direitos indisponveis para quem entenda no ser admissvel -, por no se tratar de facto pessoal, por dizer respeito a factos criminosos ou torpes ou por ser claro que a parte no tem conhecimento do facto (Remdio Marques, A Aco Declarativa Luz do Cdigo Revisto, pg. 375). 39 J quanto aos factos que digam respeito a direitos indisponveis, a sua admissibilidade depender do entendimento que o juiz tenha sobre o assunto de acordo com as posies expressas na doutrina.

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    O patrocnio forense considerado como elemento essencial boa administrao da justia e tem subjacente o reconhecimento da funo social dos advogados na administrao da justia, assegurando a representao jurdica das partes e a conduo tcnico-jurdica do processo40 (artigo 208. da Constituio da Repblica Portuguesa).

    por isso que as normas da organizao judiciria estabelecem que os advogados participam na administrao da justia, competindo-lhes, de forma exclusiva e com as excepes previstas na lei, exercer o patrocnio das partes41 (artigos 6., n. 1 da Lei n. 3/99, de 13 de Janeiro, e 7., n. 1 da Lei n. 52/2008, de 28 de Agosto).

    O advogado o profissional do foro cuja actividade se desdobra em trs vertentes: de apoio e informao jurdica, de instncia de resoluo amigvel de conflitos e de mandatrio processual das partes (Antnio Arnaut, Iniciao Advocacia, 2. edio, pg. 35)42.

    Estabelecendo as normas da organizao judiciria que o patrocnio forense exercido exclusivamente por advogados mas, ao mesmo tempo, admitindo a existncia de excepes, foi opo expressa do legislador prever que, nalguns casos, a constituio por advogado no seja obrigatria, quer pelo valor econmico dos conflitos, pela natureza dos interesses controvertidos ou pela inexistncia de discusses de mbito jurdico.

    Assim, nas causas de competncia dos tribunais com alada, em que seja admissvel recurso ordinrio e nas causas em que seja sempre admissvel recurso, independentemente do valor, obrigatria a constituio de advogado (artigo 32., n. 1, alneas a), e b), do Cdigo de Processo Civil).

    Nos inventrios, seja qual for a sua natureza e valor, s obrigatria a interveno de advogado para se suscitarem ou discutirem questes de direito (artigo 32., n. 3 do mesmo Cdigo43) enquanto que, nos processos de jurisdio voluntria, no obrigatria a constituio de advogado, salvo na fase de recurso (artigo 1409., n. 4 do citado Cdigo).

    Com base nestas disposies normativas, possvel estabelecer as seguintes regras para os processos de divrcio (seja qual for a sua natureza) e para as questes que os cnjuges devem resolver: -

    a) - nos processos de divrcio por mtuo consentimento instaurados na conservatria do registo civil, no obrigatria a constituio de advogado, salvo na fase de recurso (artigos 1409., n.os 1 e 4 e 1419. a 1424., todos do Cdigo de Processo Civil e 12., n. 1, alnea b), e 14., ambos do Decreto-Lei n. 272/2001, de 13 de Outubro);

    b) - nos processos de divrcio por mtuo consentimento instaurados no tribunal, obrigatria a constituio de advogado (artigos 1778.-A do Cdigo Civil, 32., n. 1, alnea c), 312. e 1407. e 1408., todos do Cdigo de Processo Civil);

    c) - nos processos de divrcio sem consentimento do outro cnjuge, obrigatria a constituio de advogado (artigos 32., n. 1, alnea c), 312. e 1407. e 1408., todos do Cdigo de Processo Civil);

    40 E que corresponde ao exerccio do denominado jus postulandi. 41 Os actos prprios do advogado encontram-se previstos no artigo 62. do Estatuto da Ordem dos Advogados e na Lei n. 49/2004, de 24 de Agosto. 42 J no sculo XIII, Jacopo Ruiz (tutor de Afonso X de Espanha) recomendava aos juzes que se as partes quisessem advogado para defender os seus direitos, lho deveriam dar, sobretudo aos pobres, aos rfos e queles que no soubessem razoar. 43 Artigo 8. do Regime Jurdico do Processo de Inventrio.

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    d) - nos processos de regulao do exerccio das responsabilidades parentais, no obrigatria a constituio de advogado, salvo na fase de recurso (artigo 1409., n. 4 do Cdigo de Processo Civil ex vi do artigo 150. da Organizao Tutelar de Menores);

    e) - nos processos de atribuio de casa de morada de famlia, no obrigatria a constituio de advogado, salvo na fase de recurso (artigos 1409., n. 4 e 1413., ambos do Cdigo de Processo Civil e 5., n. 1, alnea b), do Decreto-Lei n. 272/2001, de 13 de Outubro);

    f) - nos processos de inventrio para separao de meaes, seja qual for o seu valor, obrigatria a interveno de advogado quando se suscitem ou discutam questes de direito (artigos 32., n. 3 e 1404., n. 3, ambos do Cdigo de Processo Civil44);

    g) - nas aces declarativas de alimentos entre cnjuges, obrigatria a interveno de advogado quando o valor da aco admita recurso ordinrio (artigo 32., n. 1, alnea a), do Cdigo de Processo Civil).

    O advogado deve recusar o patrocnio de uma questo em que j tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa45 com outra que represente, ou tenha representado, a parte contrria, estando proibido de aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes (artigos 83., n. 1, alnea a), e 94., n.os 1 e 3 do Estatuto da Ordem dos Advogados46).

    Esta disposio normativa tem em vista evitar a existncia de conflito de interesses na conduo do mandato por advogado e assume uma tripla funo ao: -

    a) - defender a comunidade em geral, e os clientes de um qualquer advogado em particular, de actuaes menos lcitas ou danosas por parte de um colega, conluiado ou no com algum ou alguns dos seus clientes;

    b) - defender o prprio advogado da possibilidade de, sobre ele recair a suspeita de actuar, no exerccio da sua profisso, visando qualquer outro interesse que no seja a defesa intransigente dos direitos e interesses dos seus clientes; e

    c) - defender a prpria profisso, a advocacia, do antema que sobre ela recairia na eventualidade de se generalizarem este tipo de situaes.

    Como afirma Antnio Arnaut (Estatuto da Ordem dos Advogados Anotado, Coimbra Editora, pg. 111) a lealdade e a confiana so as pedras basilares das relaes advogado-cliente. Se um destes pressupostos falha, de um lado ou de outro, melhor ser que o advogado renuncie ao mandato, ou que o cliente procure outro patrono () pois seria altamente desprestigiante para a classe que o advogado pudesse intervir, a favor da

    44 Artigos 8. e 71., ambos do Regime Jurdico do Processo de Inventrio. 45 A questo conexa pressupe uma relao evidente entre vrias causas, de modo que a deciso de uma dependa das outras ou que a deciso de todas dependa da subsistncia ou valorizao de certos factos (Parecer do Conselho Geral da Ordem dos Advogados de 11/05/1996 relatado por Alberto Lus; Parecer do Conselho Geral da Ordem dos Advogados de 13/10/2000 relatado por Carlos Grij, ambos disponveis no site da Ordem dos Advogados). O critrio da conexo tem que existir para que tenhamos em conta um vertente do dever de lealdade para com o cliente e que consiste no princpio fundamental segundo a qual a lealdade do advogado em relao a um consulente, constituinte ou patrocinado se prolonga para alm da questo sobre que consultado ou para a qual constitudo ou nomeado por tal forma que, se terminar o mandato ou a representao, e o advogado e o ex-cliente passarem para campos adversos, aquela lealdade e a confiana que lhe andou associada so quebradas. 46 Lei n. 15/2005, de 26 de Janeiro.

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    outra parte, numa questo conexa ou noutro processo como se fosse uma conscincia que se aluga.

    Assim, e a propsito do patrocnio forense nas aces de divrcio por mtuo consentimento, a Ordem dos Advogados estabeleceu como doutrina uniforme que o advogado pode representar ambos os cnjuges no divrcio por mtuo consentimento mas, se no decorrer do processo surgirem conflitos entre os seus clientes, deve abster-se de patrocinar qualquer deles e renunciar ao mandato (Parecer do Conselho Geral da Ordem dos Advogados de 01/10/2000 publicado na Revista da Ordem dos Advogados, Janeiro de 2001).

    Em suma, estando verificados os pressupostos do artigo 1778.-A do Cdigo Civil, justificando a interveno judicial para a deciso de um conflito entre os cnjuges sobre as consequncias do divrcio, o patrocnio forense (obrigatrio na modalidade de divrcio por mtuo consentimento requerido no tribunal e no divrcio por mtuo consentimento ou quando se discutam questes de direito em qualquer das modalidades) deve ser exercido por advogados que representem cada uma das partes, no sendo possvel o patrocnio de ambos os cnjuges pelo mesmo advogado47.

    - I - VIII - OS EFEITOS DO CASO JULGADO

    Com a fixao pelo juiz das consequncias do divrcio por mtuo consentimento, importa determinar qual o valor dessa deciso, designadamente se a mesma relevante para efeitos de caso julgado.

    Em primeiro lugar, parece-nos evidente que a fixao das consequncias do divrcio na regulao do exerccio das responsabilidades parentais dos filhos menores, na atribuio do uso da casa de morada de famlia e na determinao da prestao de alimentos ao cnjuge que deles carea produz caso julgado nos mesmos termos em que o faria qualquer aco autnoma que tivesse por objecto alguma daquelas questes.

    Contudo, a questo que se coloca saber se a deciso judicial sobre a relao especificada dos bens comuns tem o mesmo valor.

    Com efeito, sendo esta questo definitivamente resolvida no inventrio subsequente para partilha dos bens comuns, a questo da relevncia jurdica da sua apresentao no divrcio por mtuo consentimento tem sido objecto de posies divergentes na doutrina e na jurisprudncia.

    Na doutrina, Lopes Cardoso afirma que apesar da lei processual exigir que se junte petio de divrcio ou separao por mtuo consentimento a relao especificada dos bens comuns, com indicao dos respectivos valores (artigo 1419., n. 1, alnea b), do Cdigo de Processo Civil), o mesmo ocorrendo quando os cnjuges acordem, na tentativa de conciliao do processo de divrcio litigioso (artigo 1407., n. 3 do mesmo Cdigo), os efeitos do caso julgado na sentena que decrete a dissoluo do casamento por divrcio, no se estendem a essa relao pois, seguro, no se verifica a identidade de pedidos nem tem que haver entendimento prvio quanto partilha dos bens do casal, que s os acordos quanto prestao de alimentos, destino da casa de morada de famlia e exerccio do poder paternal foram sujeitos apreciao na mesma sentena (artigo 1776., n. 2 com referncia ao artigo 1775., n. 2, ambos do Cdigo Civil) (Partilhas Judiciais, volume III, 4. edio, pg. 365).

    Tambm na doutrina, mas em sentido algo diverso, Rita Lobo Xavier conclui que a exigncia da apresentao de uma relao especificada de bens comuns

    47 Salvo nos casos em que a interveno judicial seja determinada por uma divergncia entre os cnjuges e o conservador do registo civil ou entre aqueles e o Ministrio Pblico e os mesmos mantenham o propsito de divorciar-se uma vez que, neste caso, o conflito no se verifica entre os patrocinados (artigos 1776.-A e 1778., ambos do Cdigo Civil).

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    poder continuar a ligar-se, tal como acontecia no momento remeto em que teve a sua origem, proteco de cada um dos cnjuges contra actos de sonegao dos bens comuns ou dos respectivos rendimentos por parte do outro. Trata-se de um documento que pode ser apresentado noutros processos e que tem um particular valor probatrio: o cnjuge que ulteriormente vier a negar a existncia, a qualificao ou o valor de um bem includo na lista assinada por ambos que tem o encargo da prova de que este existe, de que no lhe deve ser reconhecida tal qualificao ou atribudo aquele valor (A relao especificada de bens comuns: relevncia jurdica da sua apresentao no divrcio por mtuo consentimento, Revista Julgar n. 8-2009, pgs. 11-26).

    No mesmo sentido, Tom dAlmeida Ramio afirma que compete, pois, ao ex-cnjuge, no mbito do processo de inventrio para partilha dos bens comuns, demonstrar o contrrio, ou seja, infirmar que, apesar dessa omisso (se for o caso), existiam ou existem outros bens (para alm dos bens confessados e daqueles cuja existncia resulta de documentos autnticos). E compete-lhe, de acordo com as regras do nus da prova, provar que essa relao de bens estava incorrecta ou incompleta e que esses bens pertenciam ao patrimnio comum e que devem ser relacionados no inventrio subsequente ao divrcio (O Divrcio e Questes Conexas, pg. 59)48.

    Em sentido bastante diverso, evidenciando a falta de utilidade desses acordos, Afonso Patro afirma que no se v qualquer sentido nesta exigncia (de apresentao do relacionamento dos bens comuns e do seu valor), no se percebe a utilidade, no se lhe retiram quaisquer efeitos e no corresponde nem satisfaz qualquer interesse pblico ou das partes (Os acordos complementares no divrcio por mtuo consentimento, Revista Lex Familiae, Ano 2, n. 4, pgs. 103-110).

    No mesmo sentido, parecendo tambm prescindir da relao especificada dos bens comuns, Amadeu Colao refere unicamente o acordo sobre o exerccio das responsabilidades parentais dos filhos menores, o acordo sobre a atribuio da casa de morada de famlia e o acordo sobre a fixao de alimentos ao cnjuge que deles carea como as nicas questes que o tribunal ter que fixar49 (Novo Regime do Divrcio, 3. edio, pg. 60).

    Na jurisprudncia, so tambm defendidas posies bastantes diversas, embora prevalea a tese segundo a qual a relao de bens que acompanha o requerimento para a separao por mtuo consentimento no visa determinar a forma de proceder partilha, no tendo tambm a natureza de negcio jurdico, cuja validade se possa discutir (Ac. STJ de 06/05/1987 in BMJ 367.-465; Ac. STJ de 18/02/1988 in BMJ 374.-472; Ac. STJ de 11/05/2006 in CJ-STJ, I, pgs. 83-84)50.

    Com um entendimento algo diverso, tendo ambos os cnjuges relacionado certo bem como comum na aco de divrcio por mtuo consentimento, no pode depois um deles, na oposio ao arrolamento requerido pelo outro, dizer que tal bem prprio e no comum, circunstncia que poderia consubstanciar abuso de direito (Ac. RE de 08/07/2008 in www.dgsi.pt/jtre) pois a relao de bens no pode constituir um nada jurdico, algo de irrelevante e insusceptvel de vincular as partes pois, se assim no fosse, teramos que admitir que a lei impunha a prtica mais ou menos de um acto intil e iconoclasta (Ac. RG de 17/04/2004 in www.dgsi.pt/jtrg). 48 Este autor cita ainda em abono da sua posio o Ac. RL de 23/10/2003 (6. seco) proferido no mbito do processo n. 8021/03 (indito). 49 Parece-nos que este autor confunde a questo da apresentao da relao especificada de bens comuns com a partilha dos bens comuns sendo que esta ltima apenas pode ser realizada por acordo dos cnjuges e na conservatria do registo civil. 50 Partilhando este entendimento, so ainda conhecidas as seguintes decises: - Ac. RP de 19/04/2007 (Rel. Mrio Fernandes) processo n. 0731631 in www.dsgi.pt/jtrp; Ac. RC de 13/03/2007 (Rel. Regina Rosa) processo 473/07.0TMCBR-A.C1 in www.dgsi.pt/jtrc; Ac. RG de 28/06/2007 (Rel. Espinheira Baltar) processo n. 879/07-1 in www.dgsi.pt/jtrg; Ac. RE de 08/07/2008 (Rel. Bernardo Domingos) processo n. 1787/08-1 in www.dgsi.pt/jtre; Ac. RL de 06/10/2009 in CJ, IV, pg. 105-106.

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    Contudo, nenhum destes entendimentos pode ser aplicado situao em que o juiz, no mbito do processo de divrcio ou de separao por mtuo consentimento, determina quais os bens comuns que devem ser relacionados e a considerar na futura partilha uma vez que essa questo controvertida ser objecto de instruo e deciso judicial, com observncia do princpio do contraditrio e, por isso, ter necessariamente que produzir caso julgado entre os cnjuges, no podendo ser objecto de nova discusso no inventrio subsequente (artigo 671. do Cdigo de Processo Civil)51.

    - I - IX - EFEITOS DA DESISTNCIA DA ACO

    Caso algum dos cnjuges, ou ambos, venham a desistir da aco de divrcio por mtuo consentimento requerido no tribunal, a consequncia processual no dever traduzir-se no prosseguimento do processo com vista a que o juiz decida as questes para as quais no se revelou possvel o acordo dos cnjuges, como se se tratasse de um divrcio sem consentimento de um dos cnjuges.

    Esta soluo defendida por Amadeu Colao (ob. cit., pg. 59) afirmando que por um argumento de identidade de razes: com efeito, se esta a soluo que o legislador aponta para a hiptese de os cnjuges no terem logo apresentado, na sua aco, qualquer um dos acordos referidos no n. 1 do artigo 1775. do Cdigo Civil, tambm o dever ser, no caso de tal impossibilidade vier a materializar-se j na sua pendncia e ainda por uma questo de economia processual (), no faria qualquer sentido que o juiz se limitasse a indeferir o pedido de divrcio, pois aqui a nica alternativa seria a de um dos cnjuges intentar nova aco judicial, desta vez, seguindo o processo de divrcio por suposta falta de consentimento do outro