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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – USP
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFLCH
Departamento de Ciências Sociais
Disciplina: FLA: 0344 – Parentesco e Organização Social Rural
Professor ministrante: Dr. Margarida Maria Moura
Colaborador/ Monitor: Prof. Renato Aquino Neri
“Ser caipira é ser feliz”: Um passeio pelas terras
baixas da Serra da Mantiqueira em Joanópolis – SP
São Paulo
Dezembro de 2010
1
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS
INTRODUÇÃO..........................................................................................................................4
1.1 Bibliografia...........................................................................................................................6
CAPÍTULO I – COMPADRIO E RECIPROCIDADE..............................................................7
1.1 Apresentação.........................................................................................................................7
1.2 Contos...................................................................................................................................8
1.3 Lobisomem............................................................................................................................8
1.4 Bruxa.....................................................................................................................................8
1.5 Mula – Sem – Cabeça...........................................................................................................8
1.6 Cobra Grande .......................................................................................................................9
1.7 Análise..................................................................................................................................9
1.8 Bibliografia.........................................................................................................................10
CAPÍTULO II – MEMÓRIA, COTIDIANO E CULTURA....................................................12
1.1 Bibliografia.........................................................................................................................17
CAPÍTULO III – COMPADRIO, RELIGIOSIDADE E PARENTESCO..............................19
1.1 Bibliografia.........................................................................................................................22
CAPÍTULO IV – TURISMO RURAL ....................................................................................23
1.1 Turismo e Organização Rural: uma alternativa para o resgate social e de desenvolvimento
econômico no município de Joanópolis. ..................................................................................23
1.1 Bibliografia.........................................................................................................................25
ANEXOS..................................................................................................................................26
1.1 Mapa de Localização .........................................................................................................26
1.2 Dossiê do Lobisomem.........................................................................................................27
1.3 Cavalgada do Divino Espírito Santo...................................................................................38
2
AGRADECIMENTOS
Agradeço imensamente a todos os meus novos amigos e outrora colegas de curso
e em especial a Prof. Dr. Margarida Maria Moura pelo convite para participar como
colaborador/monitor da disciplina FLA: 0344 – Parentesco e Organização Social Rural que
fizeram parte desta trajetória de 4 meses de aprendizado mútuo e vivência amistosa.
O grupo agradece ao historiador Valter Cassalho pela conversa atenciosa e
descontraída com nosso grupo na Associação dos Criadores de Lobisomem e um dos grandes
responsáveis pela divulgação do mito do Lobisomem em Joanópolis-SP.
Agrademos também à Dona Rosa e seu marido pela paciência e carinho ao nos
receber em seu sítio e pelo relato simbólico e expressivo da cultura e religiosidade caipira
local.
Agradecemos à D. Silvia, mãe do nosso querido colega Caio, pela acolhida em
sua casa, apoio, amizade e conversas constantes durante os dois dias de pesquisa de campo.
Agradecemos também a toda família da Aline, em especial D. Shirley, pela
companhia, sempre prestativa e desejando o melhor.
E por último, porém não menos importante, agradecemos a matriarca da família
Paião e avó da Aline, D. Maria Paião, uma pessoa emblemática de grande alegria, com sorriso
gratuito e pela acolhida calorosa.
Muito obrigado a todos!
3
INTRODUÇÃO
Autor: Renato Aquino Neri
Os trabalhos apresentados nesta pequena e modesta monografia são os resultados
de um campo realizado no dia 06 e 07 de Novembro de 2010 na cidade de Joanópolis, região
norte do Estado de São Paulo em proximidade com a divisa de Minas Gerais (Veja o anexo I).
Essa pesquisa é fruto de um campo composto pelo monitor mais quatro alunos do curso de
Parentesco e Organização Social Rural da Universidade de São Paulo.
A amplitude da abordagem teórica reflete o pouco tempo e a única oportunidade
que o grupo teve para realizar a pesquisa o que reflete diretamente na quantidade de
informações disponibilizadas em suas produções. No entanto, a qualidade de cada um deles
deve ser ressaltada com a devida presteza, haja vista, que o esforço coletivo e continuado.
Há distintas abordagens sobre temas diversos perpassando pela religiosidade,
conjugada ao compadrio que se liga ao cosmos mitológico das histórias lendárias do
Lobisomem através do sétimo filho homem que se torna Lobisomem ao nascer e que se
alimenta de galinhas e crianças não batizadas por meio do compadrio de Batismo de Pia.
Outro tema que esta monografia aborda é o turismo rural e todo o potencial econômico da
região caipira do interior paulista.
Joanópolis é uma pequena e pacata cidade do interior paulista, localizada na Serra
da Mantiqueira, na divisa com Minas Gerais, ela atualmente tem cerca de onze mil habitantes.
Aproximadamente metade da população vive nos bairros rurais e sítios nos arredores do
centro urbano.
Segundo Terry Harris, historiadora joanopolense, a cidade foi fundada no final do
século XIX, por imigrantes europeus, principalmente portugueses, e posteriormente abrigou
muitos italianos que vieram ao país para trabalhar nas lavouras de café.
Uma característica de grande expressividade cultural em Joanópolis é a
religiosidade, vinculada a um catolicismo popular da sociedade caipira rústica.
Tradicionalmente católica, a cidade, como perímetro urbano, foi criada em torno de um
cruzeiro, que posteriormente foi substituído pela Igreja Matriz. Desde os tempos do Cruzeiro,
até hoje, anualmente ali é realizada a maior festa da localidade onde a cidade foi fundada,
festa do santo padroeiro, São João.
No calendário de festividades, além da Festa de São João, realizada na área
urbana, no meio rural celebra-se também São Gonçalo, Nossa Senhora da Luz e Nossa
Senhora do Bom Sucesso, são também tradicionais. Cada bairro rural possui sua Igreja, neste
4
caso Católica, cada qual com seu santo padroeiro e suas celebrações festivas. Atualmente, a
Festa do Divino Espírito Santo, que por alguns anos foi esquecida, surgiu fortemente em
Joanópolis. Após uma reconfiguração da tradicional festa centenária que se realizava no
passado diversos momentos rituais foram mantidos e outros aperfeiçoados. Um bom exemplo
é a tradicional cavalgada do Divino e o “Afogado” comida típica servida durante o período de
comemorações do Divino. Tal festa foi perdendo força a partir da década de trinta, segundo a
pesquisadora especializada em folclore, Neide Rodrigues Gomes.
Diversos mitos ligados ao catolicismo, como o do lobisomem e o da mula-sem-
cabeça são retratados em Joanópolis, como diz o historiador Valter Cassalho. É justamente
um desses mitos que traz o título pelo qual a cidade é mais conhecida: Joanópolis, a Capital
do Lobisomem.
No capítulo I, Caio Buni, apresenta uma breve experiência de sua terra natal e a
historiografia de Joanópolis – SP e um retrato do ciclo festivo da cidade. Ele aprofunda um
pouco mais a respeito e coloca em evidência dois outros assuntos em consonância com a
temática proposta no trabalho de campo: Compadrio e Reciprocidade. Um outro ponto a se
pensar é o destaque aos mitos e suas peculiaridades devidamente especificados dentro do
cultura folclórica expressivamente em voga em Joanópolis depois do grande destaque
nacional e internacional dado ao mito do surgimento e caça ao Lobisomem.
No capítulo II Samara Konno desenvolve algumas perspectivas teóricas e
conceituais sobre a memória e a cultura local. Neste capítulo ela explora a oralidade e as falas
das pessoas as quais tivemos um estreito contato no campo do trabalho.
O capítulo III é fruto de uma reflexão teórica e prática realizada por José Manoel
Dias a respeito do compadrio buscando alguns dos diversos textos presentes na bibliografia
do curso e em sala de aula. Ao utilizar Duglas Teixeira Monteiro e Antônio Augusto Arantes
Neto, José nos demonstra como o desenvolvimento conceitual do compadrio enquanto
parentesco espiritual para a leitura da realidade do campo e mesmo que timidamente procura
conciliar a realidade vivenciada, a experiência de campo com as percepções e aprendizados
teóricos do curso de Parentesco e Organização Social Rural na Universidade de São Paulo.
Capítulo IV realizado por Elaine Oliveira e que de maneira objetiva e breve
disserta sobre o papel motivador do turismo para o desenvolvimento da economia local e o
turismo como ferramenta de manutenção da cultura caipira na região.
No mais a proposta desde o inicio deste trabalho tem sido guiado por um esforço
pleno dos alunos com meu apoio e da professora Margarida Maria Moura em desenvolver
5
livremente um campo etnograficamente vivenciado e que reflete justamente o espírito de
aprendizado e contato com a cultura camponesa e interiorana do Brasil rural.
BIBLIOGRAFIA
ARANTES NETO, A . A . A sagrada Família: Uma análise do Compadrio.Cadernos da IFCH,
n°. 5,UNICAMP/Brasiliense, 1975,p.7 a 14.
CASSALHO, Valter. Histórias do Arco da Velha. São Paulo, 2004.
GOMES, Neide R. 6ª Cavalgada do Divino Espírito Santo. São Paulo, 2009.
HARRIS, Terry G. Ecos Distantes – Primeordios e evolução histórica de Joanópolis. Editora
Edicon, São Paulo, 1996.
MONTEIRO, Douglas Teixeira. Os errantes do novo século: um estudo sobre o surto
milenarista do Contestado. São Paulo : Duas cidades, 1974.
6
CAPÍTULO I – COMPADRIO E RECIPROCIDADE
Autor: Caio Buni
Apresentação
Apesar de Joanópolis ter a alcunha de Capital do Lobisomem, as histórias míticas
que circulam por lá não são contadas a qualquer pessoa. Eu mesmo, tendo crescido na cidade,
fui ouvir falar em lobisomem de Joanópolis pela primeira vez, através pela TV. Primeiro foi
um comercial do McDonalds, depois diversos programas fizeram matérias sobre o assunto.
Na época, me questionando se essa história de lobisomem existia mesmo no
imaginário da cidade ou se havia sido criada apenas com fins turísticos, comecei a prestar
mais atenção em histórias que ouvia por aí. Assim, percebi que eu conhecia pessoas que já
haviam tido a porta arranhada por lobisomem, que já tinham visto mula-sem-cabeça, que
aqueles redemoinhos de vento na estrada eram coisa de saci e que nos céus da cidade, por
vezes apareciam misteriosas bolas de fogo.
Neste trabalho, para ter acesso as histórias míticas que circulam pela cidade,
sendo que não haveria tempo para colhê-las diretamente de informantes, optei por utilizar
como fonte, o historiador Valter Cassalho.
A família de Valter está em Joanópolis a cinco gerações. Seu tataravô, imigrante
europeu conhecido como Pedro Villar, montou um bar no bairro Cancan, onde ouvia as mais
diversas histórias de assombração e criaturas do outro mundo. Apesar de dizer não acreditar
nelas, recontava-as a sua família. Valter Cassalho teve o privilégio de ouvir essas histórias de
seu tio bisavô, que as ouviu diretamente de Pedro Villar.
Valter, historiador especializado em folclore, realizou uma pesquisa,
entrevistando uma série de joanopolenses para colher histórias míticas. Relacionando as
histórias que ouvia em sua família, com as histórias recorrentes ouvidas pela cidade, ele
reuniu o material no livro Histórias do Arco da Velha, utilizado no presente trabalho,
juntamente com uma entrevista feita com o historiador, como fonte de pesquisa.
Em Mito e Significado, ao tratar do caso dos kwakiutl, estudados por Franz Boas
no Canadá, Lévi-Strauss fala da importância dos mitos serem registrados pelos próprios
nativos e não só pelos antropólogos, que são pessoas do exterior. Neste caso, além de Valter
Cassalho ser um nativo, ele também é um pesquisador, no sentido formal do texto, como
historiador.
7
Contos
As explicações a seguir, dos mitos escolhidos para análise, foram baseadas nos
contos de Valter Cassalho sobre os mitos joanopolenses.
Lobisomem
Se numa família nascem sete filhos homens, o filho mais novo se tornará um
lobisomem, ao menos se for batizado pelo irmão mais velho. Também pode se tornar uma
dessas criaturas, aquele que derramar sangue de um lobisomem transformado.
A pessoa que carrega esta maldição, tem o fardo de, toda lua cheia, se transformar
em um grande cachorro preto, de olhos vermelhos, que invade os galinheiros dos vizinhos
para matar as galinhas e que tem como principais vítimas, bebês recém nascidos que ainda
não foram batizados.
Bruxa
A bruxa é a versão feminina do lobisomem. A bruxa é a mais nova de sete irmãs,
que não foi batizada pela irmã mais velha, ou aquela que por opção pactue com o diabo. A
bruxa tem o poder de se transformar em diversos animais, sendo que o mais comum é que se
transforme em uma borboleta grande e cinzenta (uma mariposa).
A bruxa suga o sangue de recém nascidos não batizados, deixando a criança
doente e fraca.
Mula-sem-cabeça
Quem se transforma em mula-sem-cabeça, são parentes místicos que se
relacionam amorosamente, ou seja, compadre e comadre, padrinho e afilhada, etc. Essa
criatura é uma grande mula preta, que no lugar da cabeça existe apenas fogo. As pessoas
castigadas com essa maldição se transformam na estranha criatura depois de mortas, ou, por
vezes, ainda em vida.
A mulas-sem-cabeça correm morro a baixo ou batem-se uma na outra, buscando
alívio pelo pecado que cometeram, causando muito barulho e clarões, que assustam os que
passam por perto.
8
Cobra grande
Uma cobra grande surge, quando um bebê falecido, que não foi batizado, é jogado
na água, em um lago ou em um rio. Isso acontece quando uma mulher tira o filho antes da
hora e para esconder, joga-o na água, e, antigamente, era comum isso acontecer quando filhos
de escravas morriam.
Quando há uma cobra grande, é possível escutar choro de criança vindo da água.
Quando uma mãe está amamentando um filho na vizinhança, a cobra grande costuma invadir
a casa, olhar para mulher e a deixar tonta, mamar no lugar do bebê e ainda, colocar a ponta de
seu rabo na boca da criança, para ninguém ouvir seu choro. O resultado é que a criança fica
fraca e a mãe fica com os mamilos rachados e marcados.
Análise
Através dos mitos, é possível perceber características da estrutura social de
Joanópolis. O enfoque deste trabalho são as relações de compadrio.
Primeiramente, é preciso esclarecer que o compadrio, aqui será tratado como
parentesco, assim como Renato Neri o faz: "O compadrio enquanto categoria de parentesco é
correntemente denominado de parentesco ritual como quer Arantes Neto (1975, p. 7), no
entanto, quero entendê-lo não como apenas parte integrante de um ritual expresso por uma
visão mais ampla de parentesco, mas como parte integrante a ela. Assim, seria pensar o
compadrio não por meio do parentesco, mas, e sobretudo, tê-lo como parte do próprio
parentesco."
Como podemos perceber nos mitos do lobisomem, da bruxa e da cobra grande, o
batismo é considerado indispensável em Joanópolis. Essa necessidade expressa através de
mitos, fica mais clara nesta passagem de Valter Cassalho: "Dentro de nosso folclore regional,
a situação das crianças era bem complicada, principalmente nos primeiros dias de vida,
quando ainda não eram batizadas. As crianças corriam o risco de serem devoradas por
lobisomens, sugadas por bruxas, raptadas por curupiras, privadas de seu leite pela cobra
grande, aterrorizadas por cucas e além é claro dos perigos dos quebrantos e mau olhados".
A hipótese é que essa necessidade do batismo, expressa mitologicamente pelos
perigos representado pelas criaturas amaldiçoadas, possa ser socialmente entendida como uma
necessidade de ampliar as relações de compadrio da família. Isto porque "pelo ritual de
compadrio, ou do batizado, [os padrinhos] são 'transformados' em parentes." (Woortmann,
9
1995, p. 199), sendo que as relações de parentesco implicam em relações de aliança e, por sua
vez, "a questão da aliança conduz a questão da reciprocidade" (Woortmann, 1995,p. 87).
Sendo assim, o batismo implica em ampliar as relações de reciprocidade da família.
Agora, vamos pensar no que representa o mito da mula-sem-cabeça. A moral do
mito da mula-sem-cabeça é a proibição de relações entre compadres e comadres, e entre
padrinhos e afilhados, considerando essas relações como relações de parentesco, assim como
é afirmado no próprio conto: "o senhor sabe, depois que a gente vira compadre a comadre é
sagrada para gente, passa a ser membro da família" (Cassalho, 2004, p.38); esta nada mais é
do que uma regra de proibição do incesto.
O compadrio, leva a relações de aliança, que proporcionam reciprocidade, que,
por sua vez, "constitui um contrato, mas trata-se de um contrato como que imposto a cada
grupo doméstico: ainda que expresso numa linguagem de solidariedade, o parentesco surge
como um sistema de repressão" (Woortmann, 1995, p. 88). Neste caso, a repressão se mostra
por meio da proibição do incenso.
Lévi-Strauss (2003), nos ajuda a pensar significado social desta repressão: "a
proibição do incesto é menos uma regra que proíbe casar-se com a mãe, a irmã ou a filha do
que uma regra que obriga a dar a outrem a mãe, a irmã ou a filha" (p. 522), "antes de ser uma
proibição que afeta uma certa categoria de pessoas é uma prescrição que visa a outra
categoria" (p. 526). Pensado nas categorias parente - que inclui os compadres, padrinhos e
afilhados - e não parente, entende-se que o pretendente desejável seja o casamento com não
parentes, para que a rede de alianças da família continue se expandindo através do matrimônio
- incluindo o compadrio advindo dos padrinhos do casamento..
A conclusão é mais uma hipótese, de que a estrutura social joanopolense colabore
a favor de extensas redes de reciprocidades nas famílias, partindo do ponto de que o batizado
e o matrimônio, na prática, exercem essa função.
Devido ao curto tempo de execução do projeto, não foi possível analisar mais
dados para verificação das hipóteses elaboradas neste trabalho. Ficou em aberto, por exemplo,
a verificação da frequência do casamento entre primos, que vai contra a hipótese principal
levantada.
BIBLIOGRAFIA
CASSALHO, Valter. Histórias do Arco da Velha. São Paulo, 2004.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Mito e significado. Lisboa, Edições 70, 1978.
10
___________________ As estruturas elementares do parentesco. 3a. ed. Petrópolis, Vozes,
2003.
NERI, Renato Aquino. As três faces da organização social da comunidade negra rural de
Agreste: parentesco, casamento e compadrio.
WOORTMANN, Ellen F. Herdeiros, parentes e compadres. São Paulo e Brasília,Edunb e
Hucitec, 1995.
11
CAPÍTULO II – MEMÓRIA, COTIDIANO E CULTURA
Autor: Samara Konno
O seguinte capitulo pretende fazer uma exposição dos modos de vida que
caracterizam o cotidiano rural na cidade de Joanópolis. Tal cotidiano, seja vivido na cidade
ou no meio propriamente rural, possui características próprias e compartilhadas, que
constituem elementos de identificação de um lugar em que “todo mundo é parente”, mas
também, e principalmente, agora que “todo mundo vai embora” , esse cotidiano se encontra
intrinsecamente relacionado a uma prática de valorização das raízes, não só como tentativa de
manter a tradição, mas também como forma de divulgar seus saberes, sua cultura e modos de
vida.
A primeira visita feita em campo, foi ao sítio de Dona Rosa, um lugar tipicamente
rural, no caminho para o bairro da cachoeira e a cerca de 20 minutos do centro da cidade. O
sítio com extensão de dois alqueires, já teve plantações de araucárias, banana e palmito,
possuindo hoje plantação de eucalipto. É rodeada por sítios de parentes, cada qual herdada
pelos 7 irmãos de seu marido, Sr. Paulo, e pelas terras de sua mãe e de seu irmão. Ao ser
perguntada sobre quantas casas havia naquela região, responde:
Ah..tem bastante, tem bastante, tá virando uma vila né? Mas só família também, minha família, a família do paulo, minha mãe, meu irmão, os irmão do Paulo aqui...”
Caracteriza dessa forma uma sociabilidade rural cuja vizinhança é a própria família:
“hoje a gente tem telefone, a uns três anos que eu coloquei telefone aqui, mas antes eu e minha mãe conversava gritando, só não podia contar segredo né?” (risos)
Ainda que essas práticas venham se extinguindo e haja uma evasão das novas
gerações para a cidade grande, o apego às praticas tradicionais se mantêm vivo, e a
valorização da própria cultura já semeia uma organização para a implementação do turismo
rural no local. A Associação dos Amigos de Bairro, localizado no bairro da cachoeira,
organiza cursos para a comunidade local. Dona rosa, dentre outros, participa do curso de
turismo rural e já prepara as instalações necessárias para oferecer o café caipira com moda de
viola.
12
“ não é aquele que vocês estão acostumados a comer na padaria. Tem broa de milho, pão de centeio, doces...Ah...café de cana ainda..com coador de pano”.[...] pega o suco da cana, bota pra ferver, põe o pó de café, abafa, faz a tarde e só no outro dia de manhã que você vai coar o café.”
Denota-se assim, a valorização da cultura campesina em seus aspectos mais simples
do cotidiano, o café de cana, o coador de pano, a broa de milho, parecem ser os elementos
particulares de um modo de viver que são cultivados para a própria manutenção da cultura, e
agora também divulgados através do turismo rural.
O projeto, apoiado pele prefeitura de Joanópolis, e portanto institucional, é
principalmente fruto da associação dos moradores rurais, de modo que em âmbitos práticos,
se torna também um projeto familiar.
A valorização desse viver e saber rural é colocada por Dona Rosa e Dona Silvana
em diversos momentos da conversa, ou diretamente em frases do tipo“ como diz aquele
ditado: eu não tenho vergonha de ser caipira, nem um pingo, nem um pingo. “ Ou por tons
saudosistas dos tempos de infância, como no caso das novas casas feitas em conjunto, a base
de taquara cruzada e barrote. Tal momento de felicidade dos vizinhos recém-casados, eram
também permeadas por situações de brincadeiras:
O gostoso é que os vizinhos iam casar e a gente ia ajudar a fazer as paredes, isso faz parte da minha infância,..é gostoso né Rosa quando um joga p lá outro p cá, dá no rosto...”
Outro momento importante evocado na memória de Dona Silvana foi a criação da cidade de Joanópolis:
Joanópolis nasceu de uma festa, né, de uma reunião nasceu Joanópolis, nasceu de uma reunião ao redor de uma capelinha, foram fazer uma quermesse, da quermesse surgiu a ideia da cidade.
O fato da Joanópolis ter “nascido de uma quermesse” diz muito a respeito não só da
história da cidade, mas a partir dela, de como os vínculos foram se constituindo e dando
contorno aos modos de viver da cidade. Nesse sentido não podemos falar de cotidiano ou
modo de vida sem considerar o forte aspecto religioso presente naquilo que ouvimos, vimos e
sentimos durante as visitas feitas em Joanópolis.
Notamos que todas as casas possuem um santúario ou capela onde a imagem dos
santos de preferência de cada familia se situam. Embora não haja um sistema complexo por
13
detrás da escolha do santo, sendo este, aparentemente, decorrência apenas da graça
concedida, nota-se a regularidade por escolhas de santos católicos. Ou seja,
independentemente das escolhas individuais de fé e devoção, a presença da igreja católica é
incontestável, sendo inclusive uma prerrogativa para a própria devoção: “eu sou devota dela
(Santa Rosa Mística) porque ela é da igreja católica, apostólica, romana. Como ela é da igreja
católica, apostólica, romana, eu passei a orar p ela.”
Esse aspecto religioso toma conta das atividades regulares de boa parte da população
de Joanópolis. Para além das festas típicas da cidade ( festa de São João, festa do Divino, festa
de Nossa Sra. da Lu), as práticas religiosas estão presentes também no interior dos bairros e
casas da cidade.
Na casa de Dona Maria, uma matriarca de 86 anos que mora na região urbana de
Joanópolis, a santa de devoção, Santa Rosa Mística ,tem seu dia especial de orações todo dia
13, às 18 horas.“Rosa mistica, eu rezo o terço dela, a vinte anos, todo dia 13, na minha casa aqui.
Essa aqui (a neta), quando nasceu quase morreu, nasceu por milagre, a Rosa Mística que ajudou ela. Eu fiz um pedido p salvar ela. Vinte dias, fui pegar a criançinha era assim ó. Agora tá dando aula, já dá aula, tá bom demais, não tá? Eu rezo todo dia 13, se tiver alguém p ajudar ótimo, senão vier eu faço também, mas graças a deus é cheio de gente...”
Dona Silvana completa: “eu já tive um tempo que eu caminhei um ano com ela pra rua de
casa em casa, todo dia numa casa.”
Dessa forma fica claro que o cotidiano dessas pessoas é permeado por uma
religiosidade católica, consolidada desde a época de formação da cidade, até os dias atuais,
cuja presença não se dá apenas pela tradicionalidade, mas sim por uma devoção viva, que se
faz todos os dias, presentes nos pedidos de “benção” aos mais velhos, nas orações individuais
diárias, e inclusive na primeira refeição do dia. “Na minha casa o primeiro café é para São
Benedito.”
Com relação aos pedidos de benção, que presenciamos com frequência na casa de
Dona Maria, podem ser consideradas como atitudes típicas de uma sociedade que, segundo
Monteiro (1972), “privilegiam o homem e o velho”. Para o autor a sociedade rural do
Contestado tinha a prática de batizar os filhos não primogênitos por padrinhos “privilegiados
socialmente”, ou seja, geralmente um homem mais velho, denotando então uma sociedade
tipicamente patriarcal.
14
No caso de Joanópolis, essa estrutura tradicional patriarcal é bem marcada pelo
respeito destinado aos “mais velhos”, e nesse caso sem distinções de gênero. Há também
práticas e discursos que privilegiam o homem, seja na forma como lhe é servida a refeição, ou
na concepção tradicional de que o “homem é quem manda na casa”.
Assim, pedir a benção é um costume que no fazer cotidiano representa e reproduz os
valores de uma sociedade rural, cuja moral religiosa e patriarcal parecem ser os elementos nos
quais os moradores de Joanópolis baseiam seus modos de agir e se relacionar. Além, é claro,
de algumas especificidades do local, que por estar bem próximo do sul de Minas Gerais,
possui uma “cultura mais próxima da mineira”, do que propriamente da paulista. Compotas de
doce de leite com cocô, ameixa, maracujá, chocolate, amendoim, entre outros, são apreciados
com generosas fatias de queijo branco. O frango caipira e a couve-manteiga refogada com
farinha de milho são comidas cotidianas que aos “olhos” dos visitantes são apreciadas como
especialidade da culinária caipira.
Cavalos e carroças ainda são parte integrante do meio urbano da cidade que até
pouco tempo atrás promovia anualmente a festa do peão. Ao perguntarmos à Dona Maria
sobre a festa e o troféu que recebera na mesma, ela nos conta:
“O troféu meu que eu ganhei na festa. Esse troféu? Esse troféu é de domar cavalo, andar a cavalo o tempo inteiro...Eu fui na festa do peão!Eu admiro a festa do peão, você conhece a festa do peão? Agora esse prefeito que cago tudo não fez mais a festa pra nós...todo ano nós fazia, o prefeito que saiu fazia uma festa muito bonita pra nós. Você já foi na festa do peão? Tem cavalo de tudo quanto é raça. Tem cavalo feio, cavalo bonito...
Então eu cheguei lá tudo, e dai todo mundo tava lá e falava: “Porque não trouxe o cavalo vosso Maria?' Justo hoje que vai dar troféu, tem um caminhão de troféu”. Mas eu não sabia de nada né? E o homem que tava lá em cima escutou nóis aqui em baixo, quando foi a hora de dar o presente da festa do peão chamaro eu: “Cadê aquela mulher que andava a cavalo. Como é que chama ela? É a Maria paião é a Maria paião!
Ganhei um troféu só por contar que era cavaleiiiiira (tom de orgulho). Todo mundo ficava com água na boca do meu cavalinho (o troféu)...
Segundo Ecléa Bosi (1994), rememorar não é apenas relembrar, é também reviver,
de modo a re-significar o passado no tempo do presente. Sendo desse movimento de idas e
vindas da memória que pode surgir mais sobre uma “história do presente, do que uma história
do passado”. Ou seja, ao reviver o passado dona Maria não reproduz exatamente o passado no
momento presente, pelo contrário, provando ser a memória uma capacidade humana em
constante movimento, sua experiência re-vivenciada pela memória é capaz de produzir um
15
novo momento, o presente do passado. Uma nova experiência que produz novos significados,
mas que independentemente da subjetividade dos ouvintes, faz re-viver o passado, em um
novo contexto.
O troféu ganho por ter sido cavaleira, representa uma vida inteira em que o cavalo, a
roça, o paião, a tarefa, eram atividades cotidianas cuja a festa do peão tinha a função de
rememorar e valorizar socialmente.
Tanto a memória de dona Maria quanto a associação de amigos do bairro cuja dona
Rosa faz parte podem ser considerados, no primeiro caso, produto espontâneo da própria
experiência de vida campesina, e no segundo caso, uma forma de resistir às dificuldades
atuais do campo, com a possibilidade de aumentar a renda familiar através do turismo rural.
Porém, em ambos os casos, nota-se um grande orgulho e valorização da cultura campesina.
Não só por parte dos nativos da terra, como também dos visitantes, cujo aumento da procura
para conhecer o modo de vida campesino aponta para um novo fenômeno: a valorização do
modo de vida “caipira”. Ainda que seja em contexto completamente diferente da auto
valorizaçãos dada pelos nativos. Tal reconhecimento inclui desde a presença das paisagens
campestres, do ar puro, da tranquilidade do campo e da cidade, até os pormenores culturais
que compõem esse cenário, como os santuários, o fogão a lenha, as fotos antigas nas paredes,
o café de cana, a broa de milho, as histórias de vida e as cantigas de viola que animam as
reuniões.
O orgulho em mostrar as mão calejadas pelo trabalho diário na roça, as receitas
tipicas ensinadas com atenção e as histórias contadas em tons saudosistas, realmente
permearam a nossa visita nos dois dias de campo na cidade. Porém esses momentos
saudosistas e o amor vigente pela própria cidade, fazem um contraponto a atual preocupação
de evasão dos jovens de Joanópolis para cidades maiores. Segundo Aline, uma jovem da
cidade, há muitos adolescentes e jovens que estão trabalhando em lavanderias nas cidades
próximas, a cerca de 30 ou 40 minutos de Joanópolis. O que a faz se indagar sobre o futuro
das mesmas.
Porém, a procura de melhores empregos, não caracteriza abandono ou rejeição, pelo
contrário, o cultivo e valorização da cultura campesina fica impresso naqueles que vão. Dessa
forma a ligação estreita com a cidade não se desfaz facilmente.
Tal situação foi exposta por Dona Rosa na medida em que seus dois filhos, que
trabalham em cargos de gerência em jundiai e bragança paulista retornam a casa dos pais
todos os finais de semana “religiosamente”.
16
“E um dia meu filho falou: mãe, quando vai chegando em Joanópolis, parece que abre o coração...é tão gostoso voltar p casa...aquela placa (Joanópolis)o coração abre. Aquilo ali...nossa...sabe...então eles chegam aqui sábado, nossa...não para um minuto..trabalha, brinca, tão lá mas a vidinha deles está aqui.”
No entanto, ao ser indagada sobre a possibilidade de seus filhos voltarem a morar em
no sítio, dona Rosa responde: “Não. Não, morar não.(silêncio) Quem sabe né? A gente não
sabe, mas o cantinho vai estar esperando...”
Dessa forma, fica clara uma situação em que há amor às raízes, porém com a
necessidade de procura de melhores condições de trabalho em outras cidades.
Podemos concluir que embora as condições de vida do campo e da área urbana de
Joanópolis sejam distintas, seus cotidianos são compartilhados e giram em torno de um
tradicional patriarcalismo e uma intensa religiosidade católica, que oferece hoje, todas as
festas e eventos importantes da cidade.
A manutenção de um cotidiano rural, com as suas especificidades de hábitos,
costumes e crenças, vem acompanhada em parte, do orgulho “de ser caipira” e por outro lado,
de uma notória preocupação com a evasão de jovens para outras cidades. Ainda que o amor
pela terra permaneça, há uma forte possibilidade desses jovens não voltarem mais “para
viver” em Joanópolis, o que aponta para a preocupação de um gradual esvaecimento da
cultura. Talvez o orgulho em ser “caipira”, a valorização da cultura nas narrativas que
ouvimos e os esforços individuais, apoiados pela prefeitura ou não, em recuperar, manter e
disseminar a cultura campesina, mostrem mais do que o amor espontâneo por Joanópolis, mas
concomitantemente a isso, uma preocupação, ainda que inconsciente, de resistir as rápidas
mudanças de tecnologia e mercado, que impõem à Joanópolis novas configurações de vida, e
nesse sentido implicam também em estratégias para a manutenção da cultura local.
BIBLIOGRAFIA
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. 3° ed. São Paulo: Cia. das
Letras, 1994.
MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Memória, História Oral e História. Revista de História Oral
Oralidades. São Paulo: Edusp, 2010 n° 8. pp.179-194.
17
MONTEIRO, Douglas Teixeira. O significado do Compadrio. In “Os errantes do novo
século: um estudo sobre o surto milenarista do Contestado”. São Paulo : Duas cidades, 1974.
Pgs. 57 a 77.
18
CAPÍTULO III - COMPADRIO, RELIGIOSIDADE E PARENTESCO
Autor: José Manoel Dias
Neste capítulo da nossa monografia sobre a cidade de Joanópolis pretendo tratar
do tema do Parentesco e da Religiosidade, com o foco mais direcionado ao compadrio. Este
assunto foi tratado no nosso curso de Parentesco e Organização Rural por meio da leitura do
capítulo 3 do livro “Errantes do novo Século” de Duglas Teixeira Monteiro e tanto este livro
como o “A sagrada família – Uma análise estrutural do compadrio” de Antonio Augusto
Arantes Neto serão utilizados como base para a produção desse trabalho.
O sistema de compadrio pode ser definido como um sistema de relações sociais
estabelecido a partir, principalmente, dos rituais cristãos de batismo ou crisma. A Igreja
Católica Romana no século IX definiu que as crianças deveriam ter pais espirituais que seriam
responsáveis pelo patrocínio das cerimônias de batismo e da futura formação moral e religiosa
dessa criança, ademais também estabeleceu a interdição do casamento e de relações sexuais
entre as pessoas ligadas ritualmente.
Esses laços propiciaram que em muitas sociedades fossem criados sistemas de
relações que envolvessem o casal de pais, seu filho e cada um dos padrinhos.
As formas que o compadrio pode ocorrer vão muito além do batismo ou crisma. É
comum em países latino-americanos ou da Europa Meridional que ele ocorra em cerimônias
de casamento, no primeiro corte de cabelo ou das unhas de uma criança, em casos de festas
religiosas são padrinhos os responsáveis por organizá-las e patrociná-las e mais
especificamente no caso das comunidades rurais no Brasil encontra-se a madrinha de
apresentação e o compadre ou padrinho de São João.
Os diferentes modos que o compadrio pode se apresentar nos suscita, como
Antonio Augusto Arantes diz, duas questões: por que o compadrio pode ser criado de tantos
modos? E quais são as características constantes que permitem que as pessoas identifiquem tal
fenômeno em uma categoria designando-o por um mesmo nome? A primeira interrogação faz
com que ponderemos a natureza da relação de compadrio e também nos mostra a flexibilidade
e das instituições. A segunda, nos estimula a pensar qual seria a estrutura elementar do
compadrio.
Para nos aproximarmos do significado do compadrio, é importante que tenhamos
em mente que o sistema de parentesco, como diz Arantes Neto, pode ser pensando com sendo
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“um quadro básico de classificação social que delimita grupos de pessoas com quem contar
para crédito e cooperação econômica, ou quase econômica, ao mesmo tempo que define
grupos exogâmicos.
No trabalho de Duglas Teixeira Monteiro sobre o Contestado, ele analisa que os
batismos tomaram uma forma um pouco diferente da convencional. Num primeiro momento
era prática comum um duplo batismo, havia um batismo realizado em casa como uma
situação de urgência até que o outro, tradicional, pudesse ocorrer com a presença da
autoridade do padre, quando este fizesse uma visita por lá. Entretanto, esta prática que estava
perfeitamente dentro das leis canônicas foi substituída por um batismo em que a devoção ao
segundo monge João Maria era fator determinante. As famílias da região do contestado
faziam questão de esperar a passagem do monge para que este realizasse o primeiro batismo,
deixando inclusive o batismo tradicional do padre para segunda ordem.
Arantes especula a respeito da funcionalidade do compadrio com base em uma
afirmação de R. Redfield que diz que o compadrio seria uma forma de ampliação da rede
social de laços institucionalizados de um agente social e, concomitantemente, um modo se
sacralizar as relações sociais já existentes. O Autor utiliza artigos de S. Mintz e de E. Wolf
para avançar nesse aspecto afirmando que a função de extensão e intensificação de laços
sociais dependerá do contexto histórico e social no qual esta instituição existe, contudo em
qualquer uma das hipóteses fica claro que a função do compadrio é de promover a
solidariedade social.
Já a perspectiva de G. Foster toca num ponto bastante importante que seria o
compadrio uma forma de tanto de “fortalecer a posição do indivíduo como também uma
espécie de seguro social ao nível econômico”. Foster afirma que o compadrio como um
contrato diático seria baseado em princípios e validado por obrigações recíprocas expressas na
troca de bens e serviços.
Entretanto, Arantes coloca em relevo um aspecto fundamental das relações de
compadrio: o compadrio liga somente pessoas que já possuam algum tipo de relação entre si,
o que nos faz questionar sua condição de algum modo redundante. R. Ravicz e J. Pitt-Rivers
são os autores recorridos para analisar esse ponto, eles enfatizam o aspecto moral ou
ideológico da instituição e que essas relações deveriam ser entendidas como relações de
respeito.
É possível estabelecer uma clivagem entre dois tipos de relação entre compadres:
intraclasses e interclasses. Esta distinção é útil para analisar quais seriam as características
20
desses dois tipos de relação e de grupos, ou seja, quais as diferenças de comportamento e
expectativa entre pessoas de grupos iguais ou diferentes. Mas disso trataremos adiante.
Já em relação ao parentesco em uma perspectiva espiritual, seguimos as
orientações de Leach da “estrutura simbolizada no ritual... o sistema de relações socialmente
aprovadas e próprias em indivíduos e grupos”. Esta afirmação inspira Arantes a sugerir que a
família elementar própria seria a de Deus, no que tange a compreensão do significado do
compadrio. Ele explica que Jesus enquanto homem pertencia à linhagem de Davi, mas
enquanto Deus é fruto do Espírito Santo. Assim o vínculo de Maria com o Espírito Santo se
opõe e, ao mesmo tempo, se complementa com seu casamento convencional. Portanto, o
batismo no plano simbólico e espiritual reproduz a geração espiritual de Cristo. Sendo o
batismo um renascimento espiritual, pois a criança recebe o pecado original dos pais carnais,
ela deve possuir outros pais espirituais. Duglas Teixeira Monteiro acrescenta ainda que alguns
poderiam argumentar que Jesus-Maria-José não formariam uma família elementar por conta
da ausência dos irmãos. Contudo, a doutrina católica diz que por meio do batismo todos se
tornam irmãos de Jesus, que é o primogênito.
Assim, temos que o batismo estabelece uma ligação entre o sagrado e o profano e,
mais ainda, estas ligações acontecem curiosamente sobre laços que já existiam. Desse modo,
o que ocorre é uma consagração que transforma as relações materiais ou não-materiais já
existentes, as trocas, a cooperação, a dependência e a dominação em relações que ocorrem
dentro de quadros sagrados.
No compadrio intraclasses podemos analisar a relação entre pai-compadre de
modo que este ritual rompe a barreira de geração, o pai (homem jovem) se liga ao compadre
em uma relação de igualdade, que homogeneíza as diferenças de autoridade. O trabalho de
Arantes mostra que nas relações intraclasses é freqüente que o primeiro padrinho a ser
escolhido seja o avô paterno, tornando evidente que a relação de compadrio sobreposta à
relação familiar seria não só a demonstração de lealdade e respeito, mas também uma maneira
objetiva de provocar a ruptura baseada na diferença etária. Portanto, aconteceria o que
Arantes chama de um rito de passagem ou chancela de um rompimento no qual a condição de
adultos do casal é reafirma e ampliada.
Já para o compadrio interclasses, no qual aconteça a escolha de um padrinho mais
poderoso socialmente ou de um “patrão”, podemos interpretá-lo como uma tentativa da
superação de uma heteronomia relativa às diferenças econômicas. Em um primeiro momento
esperaríamos que esta relação buscasse algum tipo de proteção ou vantagem, entretanto
vemos que ela também prevê a mitigação de uma menoridade social. Assim, o compadre
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escolhido não necessariamente precisa ser o patrão atual, pode ser um entre os possíveis
patrões, pois a relação se estabelece de forma genérica.
É importante tratar da contribuição de Leach, apontada por Arantes, que analisa
dois tipos de relações: incorporação e aliança. A relação de incorporação seria aquela na qual
o indivíduo receberia a qualidade de membro de um nós coletivo. Portanto, trabalharíamos
com a idéia de uma substancia comum. Já para a relação de aliança, vemos a assunção de
pertencimento a um grupo e o reconhecimento de outro grupo de que se é aliado, que se daria
de forma metafísica. O exemplo dado por Duglas é o de uma sociedade matrilinear em que
mãe-filho-parentes da mãe formam uma relação de incorporação, de substancia comum. A
relação pai-filho-parentes do pai seria a de aliança em bases metafísicas e influência mística.
Do trabalho Duglas Teixeira Monteiro ainda chamam atenção alguns fatos
significantes que nos ajudariam a entender o compadrio. O autor fala que haveria uma crise na
comunidade do Contestado no âmbito religioso que se expressaria pelo duplo batismo, o
doméstico e o eclesiástico, e que posteriormente foi substituído pelo duplo batismo,
doméstico e pelo monge, sendo abandonado o eclesiástico.
O fato mais significativo é essa nova modalidade de batismo inerente a figura do
monge. Duglas afirma a preferência ao batismo pelo monge criaria laços de compadrio que
transcenderiam o plano doméstico e o oporiam à sociedade estratificada. Outro caráter do
batismo pelo monge seria que ao ser realizado os pais da criança passam a ser compadre do
próprio monge. Assim, como também acontece na Igreja, ao ser batizado essa criança passa a
pertencer a um Corpo Mítico, pelo modo da incorporação, que inicialmente seria somente
mais um, mas que depois se torna oposto a Igreja.
BIBLIOGRAFIA
MONTEIRO, Douglas Teixeira. O significado do Compadrio. In “Os errantes do novo
século: um estudo sobre o surto milenarista do Contestado”. São Paulo : Duas cidades, 1974.
Pgs. 57 a 77.
ARANTES NETO, A . A . A sagrada Família: Uma análise do Compadrio.Cadernos da IFCH,
n°. 5,UNICAMP/Brasiliense, 1975,p.7 a 14.
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CAPÍTULO IV – TURISMO RURAL
Turismo e Organização Rural: uma alternativa para o resgate social e de
desenvolvimento econômico no município de Joanópolis.
Autora: Elaine Oliveira
Para elaboração do trabalho prático da disciplina de Parentesco e Organização
Social Rural, foi sugerida uma visita à cidade de Joanópolis. Teve sua fundação no final do
século dezenove e era rota de bandeirantes e de desbravadores rumo a Minas Gerais. Este
município paulista fica localizado nos contrafortes da Serra da Mantiqueira, bem próximo a
divisa do estado de Minas Gerais. É importante entender sua geografia cercada de mananciais
de água, vasta natureza e clima propício, para compreendermos o real potencial econômico da
atividade turística percebido na região. Atualmente sua economia desenvolve-se a partir da
agropecuária e do turismo.
A visita na cidade de Joanópolis foi bastante proveitosa para o grupo, onde se
pode constatar na vida e no cotidiano da comunidade rural, aspectos estudados anteriormente
na bibliografia do curso.
Ficou muito explícito a forma como essas comunidades se organizam
economicamente através do grupo doméstico e suas relações com a terra em que vivem, assim
como citado no texto de Woortmann acerca das teorias do campesinato.
Durante os momentos de entrevista e conversa informal realizadas com os
moradores da região, foi citado em grande parte traços de seu folclore, suas crenças e seus
aspectos culturais. Deles podemos destacar a lenda do lobisomem, as Festas do divino e forma
como essas pessoas expressam sua religiosidade.
Para introduzirmos a questão do Turismo Rural, é necessário designar a atividade
com intuito de uma melhor compreensão da mesma e apesar das dificuldades encontradas
para conceituar tal atividade, podemos considerar que ele engloba diversas modalidades de
turismo, entretanto podemos nos deter nas atividades turísticas que se desenvolvem no meio
rural. Ou seja, os elementos que compõem esta atividade são os elementos que formam a vida
no campo, como o cotidiano das plantações, o comércio e a troca de seus produtos, a criação
de animais, o cuidado com a terra e a propriedade, a confecção de artesanato e toda a cultura
que está envolvida nestas relações que são em suam maioria familiares, se não por motivos
23
hereditários, o são por vínculos adquiridos na convivência e solidariedade da comunidade
rural.
E aqui percebemos mais um traço da bibliografia analisada, a questão do parente e
não parente, na comunidade rural ou denominada por algumas vezes como bairro rural, todos
os que nele moram ou descendem dos mesmos são “parentes” e assim trabalham a terra. Esse
mesmo movimento acontece na propriedade rural à medida que ela passa a ser objeto do
turismo rural, pois por diversas vezes a propriedade não é auto-sustentável e precisa que seu
vizinho produza outro tipo de bem ou serviço necessário para toda a comunidade.
No município de Joanópolis há um grande apelo ao folclore e às tradições
caipiras, o mito do lobisomem, por exemplo, é algo corriqueiro na vida dos moradores e esta
lenda tornou-se grande atrativo turístico para a comercialização deste destino. Essa história é
contada de pais para filhos, dentro dos bairros rurais, nas escolas e até mesmo nas igrejas; e
esta cercada de simbologias, manifestações do imaginário caipira que respondem às dúvidas e
dificuldades inexplicáveis que habitam o inconsciente rural. Através da tradição oral essa
história se consolidou na localidade rendendo a ela o título de “Capital do lobisomem”, com
livro escrito sobre o assunto, diversas reportagens nas grandes emissoras de televisão e
comercial, assim como contam os próprios moradores.
O “marketing do lobisomem” também impulsiona a atividade turística cultural
local, oferecendo experiências únicas de contato com o cotidiano do interior, levando os
turistas a desligarem-se de suas preocupações habituais e a mergulharem no maravilhoso
universo do caipira e sua vida. Aliás, esta é uma das propostas do Turismo Rural, ele não só
ajuda a comunidade local, fazendo com que esta se desenvolva economicamente, como
fortalece os laços e tradições habituais ao estimular o convívio da família e parentes evitando
o êxodo rural.
Joanópolis nasceu de uma festa de São João e disso também brotou o seu nome,
percebemos que as festas religiosas ou laicas são de grande importância na formação da
história local e da identidade de sua população. Exemplo disso é que ouvimos muitos relatos
acerca dessas festas em especial a Festa do Divino. A Festa do Divino, como é conhecida
popularmente, chama-se originalmente de Ciclo do Divino Espírito Santo ou na Igreja
Católica como Festa de Pentecostes, inicia-se após a Páscoa e segue até o próximo mês, tendo
o seu encerramento no qüinquagésimo dia. Em Joanópolis esta festa acontecia antigamente e
foi incentivada a acontecer novamente pelas autoridades locais, com a intenção de promover o
turismo.
24
A festa inicia com a procissão dos cavaleiros que saem do largo da matriz e
percorrem as ruas do município, visitando casas, comércios, chácaras e sítios da região ao
som de muita cantoria e orações tocados pelos músicos e violeiros da cidade que aguardam
ansiosamente esta data com muitos ensaios ao longo do ano. O padre então abençoa a todos e
em seguida os cavaleiros juntamente com o povo dirigem-se aos estabelecimentos agendados
anteriormente e em cada ponto que contém a bandeira do Divino é dada a benção e são feitas
rezas. Chegando ao local final é realizada nova Louvação ao Divino com montagem de um
altar enfeitado com panos, fitas e flores vermelhas, a cor da festa.
Tudo é acompanhado pela orquestra de violeiros da cidade, coral executando
“modas caipiras”, encerrando-se com o afogado, tradicional prato da região composto de
caldo de carne cozida com batata e farinha de milho, oferecido a todos pelo dono da
propriedade onde a festa termina neste dia, repetindo-se este acontecimento por mais cinco
domingos.
Com tudo o que foi exposto acima, podemos concluir que o Turismo no meio
rural possui um papel fundamental na gestão econômica e social da terra e das comunidades,
proporcionando alternativas sustentáveis e viáveis para a promoção e continuidade das
propriedades rurais e preservação de seu saber, de sua memória. Este processo deve acontecer
de forma sustentável, levando-se em conta os limites de exploração territorial para gerar
opções de permanência e equilíbrio do grupo familiar rural.
BIBLIOGRAFIA
http://www.asbraer.org.br/Documentos/Biblioteca/turismo_rural.pdf
WOORTMANN, Ellen – “Herdeiros, Parentes e Compadres”. Páginas 29 a 93.
MOURA, Maria Margarida – “Os Herdeiros da Terra”. Páginas 31 a 71.
CASSALHO, Valter. Associação dos Criadores de Lobisomem. Joanópolis – A capital do Lobisomem. Dossiê.
25
ANEXOS
ANEXO I – Mapa de Localização da Cidade de Joanópolis – SP
Fonte: http://www.joanopolis.com.br/localizacao.html
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ANEXO II – Dossiê do Lobisomem
D O S S I Ê
Cortesia – ASSOCIAÇÃO DOS CRIADORES DE LOBISOMENS
JOANÓPOLIS
A CAPITAL DO LOBISOMEM
Dizem que, quem tem muita sorte nasce virado pra lua e Joanópolis parece ser uma destas
cidades em que a lua dá muita sorte, principalmente a lua cheia, pois é nela que o lobisomem
costuma aparecer. Temido no passado, o lobisomem joanopolense passou por nova
metamorfose, deixou de ser amaldiçoado para dar sorte, de mau passou a brejeiro e de temido
passou a ser amigo.
O lobisomem teve suas histórias aguçadas em 1983, quando a folclorista Maria do Rosário de
Souza Tavares de Lima defendeu sua tese para a Escola do Folclore de São Paulo, tendo
como tema o Lobisomem e como local de pesquisa nossa cidade, lançando o livro:
“Lobisomem: assombração e realidade”.
Em 1998 o Lobisomem voltou à tona, através do comercial sobre folclore do grupo
MacDonald´s, no qual figuraram pessoas de nossa cidade. Surgiu então a LOBOMANIA,
confeccionando camisetas, adesivos e eventos, nascendo aí a A.C.L. - Associação dos
Criadores de Lobisomens, com o intuito de difundir este precioso mito.
Este lobisomem nunca percorreu tantas cidades como agora, mas ao invés de terror, traz a
proposta de um turismo sui-generis, ou seja, o turismo do imaginário.
Hoje em dia, o lobisomem pode ser considerado o carro chefe na divulgação do turismo da
cidade, aproveitando o folclore e mostrando as belezas naturais que o município encerra. No
mês de agosto acontecia a Trilha do Lobisomem, ocasião em que dezenas de jeepeiros
percorriam a madrugada joanopolense na esperança de ver o bicho. Além disso as pessoas
estão descobrindo os mistérios da lua cheia, ou seja, estão reatando com seu imaginário,
buscando ouvir e relembrar as histórias de assombração e outros contos, pacientemente
contados pelas pessoas mais antigas da família ou da comunidade.
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A proposta do lobisomem é esta, divulgar o turismo, valorizar o folclore, relembrar os bons
tempos da infância, contar um bom “causo” e se envolver nos mistérios e clarões da lua cheia.
Quanto ao lobisomem, muitos viram outros afirmam que é pura imaginação, mas na verdade
seu rastro está por ai, com seus encantos, seus mistérios e sua atração irresistível ao
desconhecido. Bem, enquanto a dúvida persiste o bicho corre solto...
Boa sorte.
Associação dos Criadores de Lobisomens.
Casa do Artesão de Joanópolis – (011) 4539-8823.
O TURISMO DO IMAGINÁRIO
Graças ao trabalho da Associação dos Criadores de Lobisomens Joanópolis conta com o
chamado “Turismo do Imaginário”, alicerçado no estudo, reaproveitamento e na projeção do
folclore. Consistindo na busca do lúdico, das sensações da infância, na reconciliação com o
sobrenatural, com o imaginário!
Mas o que é este TURISMO DO IMAGINÁRIO?
Costumo partir do pressuposto que os mitos sempre povoaram as mentes dos homens, desde
os mais remotos tempos o homem viaja em busca de seu imaginário, em busca do encontro
com o sobrenatural, com o sagrado, com as possíveis aventuras com o inesperado. Tornou-se
um aventureiro, visitando locais que acreditava possuir energias diferentes, monstros, deuses
e até mesmo passar por um portal mágico que o levasse a outros mundos.
Foram criados lugares sagrados de peregrinação em todos os períodos da história, decorrido
milênios, o homem continua em sua viagem em busca dos seus mitos, de seus medos, de
sentimentos subjetivos.
Só para se ter uma idéia, o governo da Romênia, onde situa-se a Transilvânia, pretende
gastar trinta e dois milhões de dólares num dos projetos que visa intensificar a visita a cidade
de Sighisoara, onde está o castelo que viveu o Conde Vlad Dracul, popularizado e distorcido
como Conde Drácula. O Lago Ness na Escócia continua sendo visitado até hoje e todos
sonham com uma foto do tal monstro, no Brasil Varginha no Estado de Minas Gerais, virou
ponto referencial na possibilidade de se ver um extraterrestre, que podemos afirmar ser um
mito moderno, São Tomé das Letras, também no mesmo Estado é amplamente visitada e
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pessoas juram que além dos Ets vêem gnomos e toda sorte de seres fantásticos. Alguns
municípios estão apostando nos sacis, outros em seres encantados dos rios e cachoeiras, assim
sendo, por que não investiríamos no lobisomem?. Um mito forte, dinâmico, antigo, presente
em todas as culturas e preservado no sopé da Mantiqueira.
Este é o turismo do imaginário, uma desculpa para viajar e relembrar a infância, reviver
antigas fantasias, mas também buscar a aventura de estar numa cidade e poder contar depois
que esteve lá, na terra assombrada por um determinado ser, mas também, em conhecer e
desfrutar das belezas naturais que estes locais encerram. É o novo, o inusitado, o diferente,
talvez seja isso que procuram aqueles que se aventuram por estas trilhas.
Nossa associação provou que é possível colocar os ventos do folclore a favor do turismo,
mesmo que seja um mito apavorante e que não tenha uma cara tão boa ou amiga, seus traços
podem ser melhorados, reinterpretados, sem perder a essência, criando uma nova força e uma
nova dinâmica no local onde está inserido. Boa prova de como podemos mudar isso, são os
ursos de pelúcia, os detestáveis e horríveis ratos que de repente graças a Waltt Disney viraram
seres amáveis, amigos e idolatrados por jovens e adultos.
O lobisomem saído dos antigos feiticeiros, das maldições dos deuses gregos, excomungados
pela intolerância cristã da Idade Média, satanizados por radicais religiosos, transformado num
pobre amaldiçoado com a sina de correr a noite inteira, vira em poucos anos, o bom
cãozinho. Antes todos corriam do lobisomem, hoje as pessoas correm atrás dele, acho que se
ele pudesse opinar sobre tudo isso, talvez viesse a afirmar: “Eu era feliz e não sabia!” Espero
que para o lobisomem não venha a valer o ensinamento de Maquiavel, onde é melhor ser
temido do que amado.
Professor Valter Cassalho
da Associação Brasileira de Folclore
vice-presidente da Associação dos Criadores de Lobisomens
MAS, O LOBISOMEM NÃO É NOSSO !
Parece que o homem tem um certo encantamento com o lobo, talvez oriundo da pré-história,
quando ambos dividiam as mesmas trilhas e mesmas cavernas, chegando mesmo a tornarem-
se amigos e inimigos no decorrer da trajetória terrestre.
O mito do lobisomem, não é uma questão de ignorância como pensam alguns, mas sim um
grande personagem que foi incorporado ao folclore brasileiro. Incorporado sim, pois o mesmo
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não é uma exclusividade nossa; sua origem provavelmente seja européia, sendo que os
europeus a introduziram no Brasil, onde teve grande aceitação e repercussão.
Na Noruega, os deuses tinham o poder de se transformar em lobo. Naquele país acreditava-se
que o lobisomem em forma humana, possuía as sobrancelhas unidas, orelhas pequenas e
pontiagudas, mãos peludas e o dedo anular do mesmo tamanho do dedo médio ou até maior.
Na Irlanda, conta-se que São Patrício amaldiçoou toda uma família e de sete em sete anos os
mesmos se metamorfoseavam. Poderia ainda se transformar em lobisomem aquele que
comesse a carne de carneiro mordido por um lobo, ou comendo acônico (erva alucinógena).
No período medieval muita gente estava disposta em virar lobisomem, pois os deuses antigos
do norte europeu, concedia o poder do lobo, como força, astúcia e rapidez a seus discípulos,
os sacerdotes antigos, praticavam rituais muito semelhantes ao xamanismo dos índios do
norte da América. Sob a lua cheia o futuro lobisomem desenhava um circulo no chão,
preparava uma fogueira, bebia uma poção a base de ervas (dormideira principalmente),
untava-se com um ungüento de gordura de gato misturado com ópio, enrolava-se com uma
pele de lobo e recitava diversas esconjurações.
No folclore franco-canadense para desfazer o encanto do lobisomem, devia-se chamar a
pessoa pelo seu nome de batismo por três vezes seguidas; para matá-lo devia-se atingi-lo com
uma bala de prata consagrada. Na França entre 1520 a 1630 foram catalogados 30 mil casos
de aparição e suspeitas de lobisomens, sendo que muita gente foi enforcada ou queimada viva
por estas acusações.
Na Alemanha nazista, foi criada em 1920 a Organização do Lobisomem, a qual após o final
da Segunda Guerra Mundial, deveria continuar na forma de guerrilha contra os Aliados. O
próprio Hitler, gostava de ser chamado de Tio Lobo.
Isso mostra que a crença no lobisomem era muito ativa na Europa e consequentemente com as
imigrações ela foi transplantada para o Brasil. O lobisomem é mais um dos inúmeros mitos
que nos fornecem muitas informações sobre a mentalidade, os costumes, os valores, os rituais
mágicos que advém de outros povos, cuja história pouco conhecemos. Mantê-los vivos em
nosso folclore é uma forma de preservar a cultura humana em nosso planeta. - (dados
extraídos de O melhor de Planeta, nº 02 – ed. Três Ltda.).
YES! NÓS TEMOS LOBISOMENS
No ultimo artigo, escrevi sobre os relatos dos lobisomens em outros países, principalmente na
Europa, afirmando inclusive que o mesmo imigrou para o Brasil na época da colonização
portuguesa e com outras imigrações européias. Porém, o importante é que o lobisomem se
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adaptou nos trópicos, ou melhor, suas lendas criaram força substancial e padronizaram-se,
como o fadário do sétimo filho, a metamorfose, etc. Para concluir esta seqüência de histórias
que me propus a contar, resolvi relatar a história mais comum sobre o mesmo, a qual é
relatada em todo o Brasil, com poucas variantes. A mesma também é extraída o livro de
Maria do Rosário de Souza T. de Lima, diversas vezes citado neste jornal, a qual aproveito
para agradecer a grande colaboração ao nosso folclore.
“Contam que uma mulher estava grávida e saiu com o marido para passear, chegaram em uma
porteira e o marido disse para mulher ficar ali um pouco que ele já voltava. Não demorou
muito, apareceu um enorme cachorro e tentou pegá-la, ela correu e subiu na porteira gritando
para o marido acudi-la, o cachorro pulava e conseguiu abocanhar sua saia de baeta (baeta
tecido de lã, felpudo e vermelho, muito usado para enrolar crianças). Passado um tempo o
cachorro desistiu e o marido apareceu logo em seguida. Desesperada voltaram para a casa, o
marido nada dizia. No outro dia, o marido deitou-se sob o sol e ficou conversando com a
mulher, quando ele sorriu a mulher percebeu que em seus dentes haviam fiapos de baeta.
Sem falar nada, a mulher foi para a casa da mãe e relatou o ocorrido, a velha e sábia
progenitora; esta mandou a filha comprar roupas novas e quando o marido saísse de casa o
seguisse, ao chegar numa Santa Cruz, o marido com certeza iria se despir para espojar-se em
estrume de galinha e outras porcarias e quando virasse lobisomem e saísse pelos campos, ela
deveria colocar as roupas novas na Santa Cruz e queimar as roupas velhas que ali estavam.
Foi o que aconteceu e nunca mais seu marido virou lobisomem, pois o fadário foi cortado
com essa simpatia”.
Bem, existem ainda, diversas histórias sobre o mesmo, bem como de outros personagens que
integram o nosso folclore, que prometo contá-las em agosto, na ocasião do mês do folclore. O
importante dessas histórias é a quantia de informações que foram e são preservadas por trás de
seus mitos e que compõem nossa riquíssima cultura popular.
OS LOBISOMENS DE ROMA
Final de agosto, mês do cachorro louco e mês do lobisomem, o grande mito do folclore
universal que faz a festa na cidade de Joanópolis. De acordo com a tradição, o lobisomem
tem sua origem na Grécia Antiga, quando o rei Licaon da Arcádia é transformado em lobo por
ter oferecido carne humana a Zeus, é interessante notar que antes de se transformar em lobo o
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rei já se chamava Licaon que vem Lucus, (luco) que significa “lobo”. Este personagem
mítico foi levado para Roma e lá desencadeou o culto lupino e as tradições das lupercais, as
quais foram posteriormente reinterpretadas, distorcidas e recontadas por outros povos até
chegar as terras brasileiras.
A própria Roma sempre esteve ligada a este animal, haja visto que, seus fundadores, Rômulo
e Remo foram amamentados por uma loba e depois encontrados por Fáustulo e criados por
sua esposa Acca Laurentia. Alguns mitógrafos mais céticos consideram a Loba como uma
prostitua de Roma, as quais recebiam esta alcunha, outros no entanto ligam a LOBA como um
animal pertencente ao Deus Marte pai dos gêmeos. O fato é que a loba tornou-se sagrada e
muito respeitada com o nome de LUPERCA.
Na volúpia de adquirir as propriedades e características do lobo, o animal que sempre causou
fascínio, medo e inveja aos humanos, os jovens romanos celebravam as LUPERCAIS, no
último mês do ano do calendário romano, mais precisamente, a 15 de fevereiro, sendo este dia
funesto chamado de februata, que vem de februare = purificar, sendo seu radical februa
nome de pequenos chicotes usados nesta cerimônia. Eles saíam das proximidades da gruta
onde foram criados Rômulo e Remo. Após terem os rostos pintados com o sangue do
sacrifício de cabras e cães, estes moços seminus, apenas com um cinturão de pele de lobo e
pequenos chicotes (februas) embevecidos em sangue, saíam correndo e uivando pelas ruas de
Roma. As mulheres da época vinham ao encontro desses jovens uivantes para levar algumas
chicotadas, que de acordo com a crença da época afastavam a estirilidade e propiciavam bons
partos. Assim todos estavam prontos para iniciar um novo ano. Estas festividades eram tão
importantes, que foi numa delas que Marco Antonio ofereceu a coroa de Roma a Julio César.
Os Lupercos (sacerdotes das lupercais) estavam divididos em dois colégios conhecidos como
Quinctiliales e Fabianos, em 44 antes de Cristo instituiu-se o terceiro com o nome de Luperci
Julii em honra ao próprio Julio César e teve como luperco (sacerdote) Marco Antonio.
A festa da Purificação Romana (fevereiro) demonstra que a vontade dos homens em
adquirir as qualidades dos animais, em especial transformar-se no lobo-homem (lobisomem)
advém de muito tempo, mesmo antes da Grécia Antiga, remonta aos primeiros xamãs nas
escuras cavernas da aurora da humanidade.
Bem, com esta história não só agosto será mês de lobisomem, mas fevereiro já se encaixa
como mês de origem e temos julho mês consagrado Julio César e um dos participantes das
Lupercais.
NO RASTRO DO LOBISOMEM...
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O lobo sempre foi um animal que encantou o ser humano desde a época das cavernas, onde
talvez compartilharam o mesmo espaço, percorreram as mesmas trilhas e disputaram regiões
de caça.
Provavelmente entre 10.000 a 5.000 a. C. o homem desenvolveu suas técnicas ritualisticas
surgindo em alguns lugares os feiticeiros, tendo em seus inúmeros ritos a intenção de
transformar-se ou adquirir qualidades de alguns animais, inclusive do astuto e exímio caçador
– o LOBO.
Na Grécia Antiga, a rica mitologia relata que o rei Licaon foi punido por Zeus, sendo
transformado em Lobo. A deusa Ártemis (Diana) era acompanhada de diversos cães, que nada
mais eram do que homens transformados neste animal.
Na fundação de Roma (750 a. C.) aparece a lendária Loba (deusa Luperca) que protegeu os
fundadores Rômulo e Remo, sendo que suas festas se denominavam Lupercais (festas do
Lobo).
No século I da Era Cristã, no Satiricon escrito por Tito Petrônio Arbiter existe o relato de um
soldado que transformava-se em lobo. O poeta Vírgilio em Bucólicas cita a transformação de
homens em lobos através de ervas.
Na Noruega, os deuses tinham o poder de se transformar em lobo. Naquele país acreditava-se
que o lobisomem em forma humana, possuía as sobrancelhas unidas, orelhas pequenas e
pontiagudas, mãos peludas e o dedo anular do mesmo tamanho do dedo médio ou até maior.
Na Irlanda, conta-se que São Patrício amaldiçoou toda uma família e de sete em sete anos os
mesmos se metamorfoseavam em lobisomens.
No período medieval muita gente estava disposta em virar lobisomem, pois os deuses antigos
do norte europeu concediam aos discípulos o poder do lobo, como força, astúcia e rapidez.
Na França entre 1520 a 1630 foram catalogados 30 mil casos de aparição e suspeitas de
lobisomens, sendo que muita gente foi enforcada ou queimada viva por estas acusações.
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Em 1832 na Bretanha, poderia virar lobisomem quem ficasse dez anos afastado do
confessionário. Na baixa Bretanha em 1870 poderia virar Lobo quem se envolvesse na pele
deste animal.
Na Alemanha nazista, foi criada em 1920 a Organização do Lobisomem, a qual após o final
da Segunda Guerra Mundial, deveria continuar na forma de guerrilha contra os Aliados.
No Brasil - tomando por base a origem européia do lobisomem, no final do século passado
com a leva de imigrantes para as lavouras do café, desembarcou alguns lobisomens, pois a
partir deste período o mito ganha força neste País
Em Joanópolis – cidade fundada em 1878, os primeiros lobisomens chegaram com os
imigrantes europeus e deram origem a novas estórias de lobisomens, espalhando seus feitos
por todos os lugares.
No ano de 1983 – a folclorista Maria do Rosário de Souza Tavares de Lima lança seu livro
Lobisomem: assombração e realidade, tendo como campo de pesquisa esta cidade.
Em 09-4-1984, o jornalista Eduardo Mattos publica matéria sobre o lobisomem de Joanópolis
no jornal “O Estado de São Paulo”, sugerindo esta cidade como a Capital do Lobisomem.
Em 1998, o Lobisomem voltou à tona, através do comercial sobre folclore do grupo
MacDonald´s.
Em agosto de 1998 o artesão Marcos Bueno, estiliza um novo lobisomem para esta cidade,
através de desenhos e bonecos e é criada a Associação dos Criadores de Lobisomens A.C.L.
Em 1999 jornais e redes de televisão percorrem o município com entrevistas e matérias sobre
este mito!
No ano 2000 - realiza-se casamento simbólico entre o Lobisomem de Joanópolis e a Mula-
sem-cabeça de Cocais/MG, com ampla divulgação na imprensa nacional.
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Durantes estes dez anos o bicho foi motivo de trabalhos de conclusão de curso para
faculdades, matérias de revistas, jornais, livros, programas de TV.
Atualmente a CASA DO ARTESÃO (ao lado da Matriz) abriga a ASSOCIAÇÃO DOS
CRIADORES DE LOBISOMENS bem como a CASA DO LOBISOMEM, com muitos
souvenires como vinhos, pingas, biscoitos, bolos, doces, camisetas, chaveiros, bonecos do
Lobisomem. Na entrada tem um boneco tamanho natural da artista plástica Regina Rodrigues
a mesma que criou no ano passado as CUECAS DO LOBISOMEM (Crie o bicho solto!). Há
ainda lobisomens pequenos em bisqui, camisetas, licores feitos por André Collins.
A novidade desde ano de 2010 tem sito o NENÉM LOBISOMEM ou seja, um lobisomem
(boneco) bebê que tem sido o xodó da casa do Artesão.
Os lobisomens e bonecos de vários artistas espalham-se por todo o município em cachaçarias,
bares, lojas de artesanato.
O bicho está pegando !!!!!
FICHA TÉCNICA
(dados sobre o mito no Brasil do Livro Lobisomem Assombração e Realidade)
ASPECTO FÍSICO – É um homem magro e pálido, com grandes orelhas, provido de pêlos
abundantes por todo o corpo. O antebraço e as mãos são calosos, pois usa-os como patas,
quando transformado em quadrúpede.
FATOR DETERMINANTE – Ser o primeiro ou o último de uma série de sete filhos, o
sétimo filho de um casal que só tinha fêmeas; filho de incesto, no qual se incluem as
comadres; permanecer durante dez anos sem confissão ou comunhão ou sem molhar os dedos
em água benta.
IDADE QUE SE MANIFESTA – Logo após o nascimento; aos sete, doze, treze e vinte e
quatro anos; por vezes em qualquer idade, quando for amaldiçoado por pais ou padrinhos.
PARA ANULAR A MALDIÇÃO – Ser batizado pelo irmão mais velho. Receber na pia de
batismo o nome de Bento ou Custódio.
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RITUAIS – Procurar uma encruzilhada, galinheiro, chiqueiro, despir-se, dar quatro nós um
em cada ponta da camisa; sete nós na camisa e urinar em cima, virar as roupas pelo avesso;
dar cambalhotas recitando palavras mágicas; colocar-se sob o raios da lua, espojar-se sobre a
roupa ou sobre o solo.
OCASIÃO PROPÍCIA – Qualquer dia da semana, exceto sábados e domingos. Na noite de
quinta para sexta-feira. Durante a quaresma, na sexta-feira da Paixão. No dia 13 ou no dia de
São João e ainda durante a lua cheia.
ASPECTOS FISICOS DO LOBISOMEM – forma de lobo, cachorrão preto ou escuro, com
parte de trás mais alta do que a da frente. Homem de olhos afogueados, pelo eriçado, unhas
agudas. O morto, é sempre de cor branca na forma de um cachorrão.
A MALDIÇÃO (fadário) – Percorrer sete cidades em cada noite de maldição e voltar ao
lugar de partida antes que o galo cante, antes que clareie o dia,
COMO SE HERDA O FADARIO – fazendo-o sangrar, sujando-se no seu sangue,
contando-lhe que é Lobisomem, sendo mordido por ele.
COMO SE INTERROMPE O FADÁRIO – Ferindo-o de forma que perca sangue com um
objeto de prata. Saudando-o com o sinal da cruz. Contando-lhe que é um Lobisomem.
Queimando suas roupas que despe na ocasião da transformação e substituindo-as por outras
virgens. Chamando-o pelo nome de batismo. Quando for batizado pelo irmão mais velho.
Dando-lhe uma surra com duas cordas de fumo e amarrando-lhe uma terceira no pescoço.
Jogando-lhe água benta, Quando neném proceder o ritual de espetar-lhe sete agulhas virgens
em três sextas-feiras seguidas, logo após o batismo na igreja.
COMO SE PERPETUA O FADÁRIO – Desfazendo os nós das suas roupas ou dando-lhe
sumiço.
PROTEÇÃO CONTRA LOBISOMEM – Abrir os braços em cruz e rezar o Crendospadre.
O alho, a lâmina de facão ou machado.
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PARA MATAR O LOBISOMEM – Atirar no seu dedo mindinho do pé. Atirar com bala
benta ou bala lambuzada em cera de vela do altar.
Textos do Professor VALTER CASSALHO da Associação Brasileira de
Folclore e presidente da Associação dos Criadores de Lobisomens
VALTER CASSALHO - Formado em História pela Faculdade de Ciências e Letras da
Fundação de Ensino Superior de Bragança Paulista em 1994. Durante os módulos científicos
da Pós Graduação (lato-sensu) na mesma faculdade desenvolveu a Pesquisa intitulada
PICANDO FUMO, um estudo sobre a formação e costumes caipiras na região bragantina.
Secretário e membro da COMISSÃO PAULISTA DE FOLCLORE.
Membro da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE FOLCLORE, a qual administra o Museu
de Folclore Rossini Tavares de Lima em São Paulo.
Fundador e primeiro presidente da ASSOCIAÇÃO DOS CRIADORES DE
LOBISOMENS - ACL em 1998 a qual tem por objetivo a catalogação e divulgação do mito
do lobisomem de Joanópolis.
Autor do livro HISTÓRIAS DO ARCO DA VELHA, Editora Vida & Consciência, através
da Secretaria do Estado da Cultura (2004).
ANEXO III
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