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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – USP Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFLCH Departamento de Ciências Sociais Disciplina: FLA: 0344 – Parentesco e Organização Social Rural Professor ministrante: Dr. Margarida Maria Moura Colaborador/ Monitor: Prof. Renato Aquino Neri “Ser caipira é ser feliz”: Um passeio pelas terras baixas da Serra da Mantiqueira em Joanópolis – SP 1

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – USP

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFLCH

Departamento de Ciências Sociais

Disciplina: FLA: 0344 – Parentesco e Organização Social Rural

Professor ministrante: Dr. Margarida Maria Moura

Colaborador/ Monitor: Prof. Renato Aquino Neri

“Ser caipira é ser feliz”: Um passeio pelas terras

baixas da Serra da Mantiqueira em Joanópolis – SP

São Paulo

Dezembro de 2010

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS

INTRODUÇÃO..........................................................................................................................4

1.1 Bibliografia...........................................................................................................................6

CAPÍTULO I – COMPADRIO E RECIPROCIDADE..............................................................7

1.1 Apresentação.........................................................................................................................7

1.2 Contos...................................................................................................................................8

1.3 Lobisomem............................................................................................................................8

1.4 Bruxa.....................................................................................................................................8

1.5 Mula – Sem – Cabeça...........................................................................................................8

1.6 Cobra Grande .......................................................................................................................9

1.7 Análise..................................................................................................................................9

1.8 Bibliografia.........................................................................................................................10

CAPÍTULO II – MEMÓRIA, COTIDIANO E CULTURA....................................................12

1.1 Bibliografia.........................................................................................................................17

CAPÍTULO III – COMPADRIO, RELIGIOSIDADE E PARENTESCO..............................19

1.1 Bibliografia.........................................................................................................................22

CAPÍTULO IV – TURISMO RURAL ....................................................................................23

1.1 Turismo e Organização Rural: uma alternativa para o resgate social e de desenvolvimento

econômico no município de Joanópolis. ..................................................................................23

1.1 Bibliografia.........................................................................................................................25

ANEXOS..................................................................................................................................26

1.1 Mapa de Localização .........................................................................................................26

1.2 Dossiê do Lobisomem.........................................................................................................27

1.3 Cavalgada do Divino Espírito Santo...................................................................................38

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AGRADECIMENTOS

Agradeço imensamente a todos os meus novos amigos e outrora colegas de curso

e em especial a Prof. Dr. Margarida Maria Moura pelo convite para participar como

colaborador/monitor da disciplina FLA: 0344 – Parentesco e Organização Social Rural que

fizeram parte desta trajetória de 4 meses de aprendizado mútuo e vivência amistosa.

O grupo agradece ao historiador Valter Cassalho pela conversa atenciosa e

descontraída com nosso grupo na Associação dos Criadores de Lobisomem e um dos grandes

responsáveis pela divulgação do mito do Lobisomem em Joanópolis-SP.

Agrademos também à Dona Rosa e seu marido pela paciência e carinho ao nos

receber em seu sítio e pelo relato simbólico e expressivo da cultura e religiosidade caipira

local.

Agradecemos à D. Silvia, mãe do nosso querido colega Caio, pela acolhida em

sua casa, apoio, amizade e conversas constantes durante os dois dias de pesquisa de campo.

Agradecemos também a toda família da Aline, em especial D. Shirley, pela

companhia, sempre prestativa e desejando o melhor.

E por último, porém não menos importante, agradecemos a matriarca da família

Paião e avó da Aline, D. Maria Paião, uma pessoa emblemática de grande alegria, com sorriso

gratuito e pela acolhida calorosa.

Muito obrigado a todos!

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INTRODUÇÃO

Autor: Renato Aquino Neri

Os trabalhos apresentados nesta pequena e modesta monografia são os resultados

de um campo realizado no dia 06 e 07 de Novembro de 2010 na cidade de Joanópolis, região

norte do Estado de São Paulo em proximidade com a divisa de Minas Gerais (Veja o anexo I).

Essa pesquisa é fruto de um campo composto pelo monitor mais quatro alunos do curso de

Parentesco e Organização Social Rural da Universidade de São Paulo.

A amplitude da abordagem teórica reflete o pouco tempo e a única oportunidade

que o grupo teve para realizar a pesquisa o que reflete diretamente na quantidade de

informações disponibilizadas em suas produções. No entanto, a qualidade de cada um deles

deve ser ressaltada com a devida presteza, haja vista, que o esforço coletivo e continuado.

Há distintas abordagens sobre temas diversos perpassando pela religiosidade,

conjugada ao compadrio que se liga ao cosmos mitológico das histórias lendárias do

Lobisomem através do sétimo filho homem que se torna Lobisomem ao nascer e que se

alimenta de galinhas e crianças não batizadas por meio do compadrio de Batismo de Pia.

Outro tema que esta monografia aborda é o turismo rural e todo o potencial econômico da

região caipira do interior paulista.

Joanópolis é uma pequena e pacata cidade do interior paulista, localizada na Serra

da Mantiqueira, na divisa com Minas Gerais, ela atualmente tem cerca de onze mil habitantes.

Aproximadamente metade da população vive nos bairros rurais e sítios nos arredores do

centro urbano.

Segundo Terry Harris, historiadora joanopolense, a cidade foi fundada no final do

século XIX, por imigrantes europeus, principalmente portugueses, e posteriormente abrigou

muitos italianos que vieram ao país para trabalhar nas lavouras de café.

Uma característica de grande expressividade cultural em Joanópolis é a

religiosidade, vinculada a um catolicismo popular da sociedade caipira rústica.

Tradicionalmente católica, a cidade, como perímetro urbano, foi criada em torno de um

cruzeiro, que posteriormente foi substituído pela Igreja Matriz. Desde os tempos do Cruzeiro,

até hoje, anualmente ali é realizada a maior festa da localidade onde a cidade foi fundada,

festa do santo padroeiro, São João.

No calendário de festividades, além da Festa de São João, realizada na área

urbana, no meio rural celebra-se também São Gonçalo, Nossa Senhora da Luz e Nossa

Senhora do Bom Sucesso, são também tradicionais. Cada bairro rural possui sua Igreja, neste

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caso Católica, cada qual com seu santo padroeiro e suas celebrações festivas. Atualmente, a

Festa do Divino Espírito Santo, que por alguns anos foi esquecida, surgiu fortemente em

Joanópolis. Após uma reconfiguração da tradicional festa centenária que se realizava no

passado diversos momentos rituais foram mantidos e outros aperfeiçoados. Um bom exemplo

é a tradicional cavalgada do Divino e o “Afogado” comida típica servida durante o período de

comemorações do Divino. Tal festa foi perdendo força a partir da década de trinta, segundo a

pesquisadora especializada em folclore, Neide Rodrigues Gomes.

Diversos mitos ligados ao catolicismo, como o do lobisomem e o da mula-sem-

cabeça são retratados em Joanópolis, como diz o historiador Valter Cassalho. É justamente

um desses mitos que traz o título pelo qual a cidade é mais conhecida: Joanópolis, a Capital

do Lobisomem.

No capítulo I, Caio Buni, apresenta uma breve experiência de sua terra natal e a

historiografia de Joanópolis – SP e um retrato do ciclo festivo da cidade. Ele aprofunda um

pouco mais a respeito e coloca em evidência dois outros assuntos em consonância com a

temática proposta no trabalho de campo: Compadrio e Reciprocidade. Um outro ponto a se

pensar é o destaque aos mitos e suas peculiaridades devidamente especificados dentro do

cultura folclórica expressivamente em voga em Joanópolis depois do grande destaque

nacional e internacional dado ao mito do surgimento e caça ao Lobisomem.

No capítulo II Samara Konno desenvolve algumas perspectivas teóricas e

conceituais sobre a memória e a cultura local. Neste capítulo ela explora a oralidade e as falas

das pessoas as quais tivemos um estreito contato no campo do trabalho.

O capítulo III é fruto de uma reflexão teórica e prática realizada por José Manoel

Dias a respeito do compadrio buscando alguns dos diversos textos presentes na bibliografia

do curso e em sala de aula. Ao utilizar Duglas Teixeira Monteiro e Antônio Augusto Arantes

Neto, José nos demonstra como o desenvolvimento conceitual do compadrio enquanto

parentesco espiritual para a leitura da realidade do campo e mesmo que timidamente procura

conciliar a realidade vivenciada, a experiência de campo com as percepções e aprendizados

teóricos do curso de Parentesco e Organização Social Rural na Universidade de São Paulo.

Capítulo IV realizado por Elaine Oliveira e que de maneira objetiva e breve

disserta sobre o papel motivador do turismo para o desenvolvimento da economia local e o

turismo como ferramenta de manutenção da cultura caipira na região.

No mais a proposta desde o inicio deste trabalho tem sido guiado por um esforço

pleno dos alunos com meu apoio e da professora Margarida Maria Moura em desenvolver

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livremente um campo etnograficamente vivenciado e que reflete justamente o espírito de

aprendizado e contato com a cultura camponesa e interiorana do Brasil rural.

BIBLIOGRAFIA

ARANTES NETO, A . A . A sagrada Família: Uma análise do Compadrio.Cadernos da IFCH,

n°. 5,UNICAMP/Brasiliense, 1975,p.7 a 14.

CASSALHO, Valter. Histórias do Arco da Velha. São Paulo, 2004.

GOMES, Neide R. 6ª Cavalgada do Divino Espírito Santo. São Paulo, 2009.

HARRIS, Terry G. Ecos Distantes – Primeordios e evolução histórica de Joanópolis. Editora

Edicon, São Paulo, 1996.

MONTEIRO, Douglas Teixeira. Os errantes do novo século: um estudo sobre o surto

milenarista do Contestado. São Paulo : Duas cidades, 1974.

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CAPÍTULO I – COMPADRIO E RECIPROCIDADE

Autor: Caio Buni

 

Apresentação

 

Apesar de Joanópolis ter a alcunha de Capital do Lobisomem, as histórias míticas

que circulam por lá não são contadas a qualquer pessoa. Eu mesmo, tendo crescido na cidade,

fui ouvir falar em lobisomem de Joanópolis pela primeira vez, através pela TV. Primeiro foi

um comercial do McDonalds, depois diversos programas fizeram matérias sobre o assunto.

Na época, me questionando se essa história de lobisomem existia mesmo no

imaginário da cidade ou se havia sido criada apenas com fins turísticos, comecei a prestar

mais atenção em histórias que ouvia por aí. Assim, percebi que eu conhecia pessoas que já

haviam tido a porta arranhada por lobisomem, que já tinham visto mula-sem-cabeça, que

aqueles redemoinhos de vento na estrada eram coisa de saci e que nos céus da cidade, por

vezes apareciam misteriosas bolas de fogo.

Neste trabalho, para ter acesso as histórias míticas que circulam pela cidade,

sendo que não haveria tempo para colhê-las diretamente de informantes, optei por utilizar

como fonte, o historiador Valter Cassalho.

A família de Valter está em Joanópolis a cinco gerações. Seu tataravô, imigrante

europeu conhecido como Pedro Villar, montou um bar no bairro Cancan, onde ouvia as mais

diversas histórias de assombração e criaturas do outro mundo. Apesar de dizer não acreditar

nelas, recontava-as a sua família. Valter Cassalho teve o privilégio de ouvir essas histórias de

seu tio bisavô, que as ouviu diretamente de Pedro Villar.

Valter, historiador especializado em folclore, realizou uma pesquisa,

entrevistando uma série de joanopolenses para colher histórias míticas. Relacionando as

histórias que ouvia em sua família, com as histórias recorrentes ouvidas pela cidade, ele

reuniu o material no livro Histórias do Arco da Velha, utilizado no presente trabalho,

juntamente com uma entrevista feita com o historiador, como fonte de pesquisa.

Em Mito e Significado, ao tratar do caso dos kwakiutl, estudados por Franz Boas

no Canadá, Lévi-Strauss fala da importância dos mitos serem registrados pelos próprios

nativos e não só pelos antropólogos, que são pessoas do exterior. Neste caso, além de Valter

Cassalho ser um nativo, ele também é um pesquisador, no sentido formal do texto, como

historiador.

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Contos

 

As explicações a seguir, dos mitos escolhidos para análise, foram baseadas nos

contos de Valter Cassalho sobre os mitos joanopolenses.

 

Lobisomem

Se numa família nascem sete filhos homens, o filho mais novo se tornará um

lobisomem, ao menos se for batizado pelo irmão mais velho. Também pode se tornar uma

dessas criaturas, aquele que derramar sangue de um lobisomem transformado.

A pessoa que carrega esta maldição, tem o fardo de, toda lua cheia, se transformar

em um grande cachorro preto, de olhos vermelhos, que invade os galinheiros dos vizinhos

para matar as galinhas e que tem como principais vítimas, bebês recém nascidos que ainda

não foram batizados.

 

Bruxa

A bruxa é a versão feminina do lobisomem. A bruxa é a mais nova de sete irmãs,

que não foi batizada pela irmã mais velha, ou aquela que por opção pactue com o diabo. A

bruxa tem o poder de se transformar em diversos animais, sendo que o mais comum é que se

transforme em uma borboleta grande e cinzenta (uma mariposa).

A bruxa suga o sangue de recém nascidos não batizados, deixando a criança

doente e fraca.

 

Mula-sem-cabeça

Quem se transforma em mula-sem-cabeça, são parentes místicos que se

relacionam amorosamente, ou seja, compadre e comadre, padrinho e afilhada, etc. Essa

criatura é uma grande mula preta, que no lugar da cabeça existe apenas fogo. As pessoas

castigadas com essa maldição se transformam na estranha criatura depois de mortas, ou, por

vezes, ainda em vida.

A mulas-sem-cabeça correm morro a baixo ou batem-se uma na outra, buscando

alívio pelo pecado que cometeram, causando muito barulho e clarões, que assustam os que

passam por perto.

 

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Cobra grande

Uma cobra grande surge, quando um bebê falecido, que não foi batizado, é jogado

na água, em um lago ou em um rio. Isso acontece quando uma mulher tira o filho antes da

hora e para esconder, joga-o na água, e, antigamente, era comum isso acontecer quando filhos

de escravas morriam.

Quando há uma cobra grande, é possível escutar choro de criança vindo da água.

Quando uma mãe está amamentando um filho na vizinhança, a cobra grande costuma invadir

a casa, olhar para mulher e a deixar tonta, mamar no lugar do bebê e ainda, colocar a ponta de

seu rabo na boca da criança, para ninguém ouvir seu choro. O resultado é que a criança fica

fraca e a mãe fica com os mamilos rachados e marcados.

 

Análise

 

Através dos mitos, é possível perceber características da estrutura social de

Joanópolis. O enfoque deste trabalho são as relações de compadrio.

Primeiramente, é preciso esclarecer que o compadrio, aqui será tratado como

parentesco, assim como Renato Neri o faz: "O compadrio enquanto categoria de parentesco é

correntemente denominado de parentesco ritual como quer Arantes Neto (1975, p. 7), no

entanto, quero entendê-lo não como apenas parte integrante de um ritual expresso por uma

visão mais ampla de parentesco, mas como parte integrante a ela. Assim, seria pensar o

compadrio não por meio do parentesco, mas, e sobretudo, tê-lo como parte do próprio

parentesco."

Como podemos perceber nos mitos do lobisomem, da bruxa e da cobra grande, o

batismo é considerado indispensável em Joanópolis. Essa necessidade expressa através de

mitos, fica mais clara nesta passagem de Valter Cassalho: "Dentro de nosso folclore regional,

a situação das crianças era bem complicada, principalmente nos primeiros dias de vida,

quando ainda não eram batizadas. As crianças corriam o risco de serem devoradas por

lobisomens, sugadas por bruxas, raptadas por curupiras, privadas de seu leite pela cobra

grande, aterrorizadas por cucas e além é claro dos perigos dos quebrantos e mau olhados".

A hipótese é que essa necessidade do batismo, expressa mitologicamente pelos

perigos representado pelas criaturas amaldiçoadas, possa ser socialmente entendida como uma

necessidade de ampliar as relações de compadrio da família. Isto porque "pelo ritual de

compadrio, ou do batizado, [os padrinhos] são 'transformados' em parentes." (Woortmann,

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1995, p. 199), sendo que as relações de parentesco implicam em relações de aliança e, por sua

vez, "a questão da aliança conduz a questão da reciprocidade" (Woortmann, 1995,p. 87).

Sendo assim, o batismo implica em ampliar as relações de reciprocidade da família.

Agora, vamos pensar no que representa o mito da mula-sem-cabeça. A moral do

mito da mula-sem-cabeça é a proibição de relações entre compadres e comadres, e entre

padrinhos e afilhados, considerando essas relações como relações de parentesco, assim como

é afirmado no próprio conto: "o senhor sabe, depois que a gente vira compadre a comadre é

sagrada para gente, passa a ser membro da família" (Cassalho, 2004, p.38); esta nada mais é

do que uma regra de proibição do incesto.

O compadrio, leva a relações de aliança, que proporcionam reciprocidade, que,

por sua vez, "constitui um contrato, mas trata-se de um contrato como que imposto a cada

grupo doméstico: ainda que expresso numa linguagem de solidariedade, o parentesco surge

como um sistema de repressão" (Woortmann, 1995, p. 88). Neste caso, a repressão se mostra

por meio da proibição do incenso.

Lévi-Strauss (2003), nos ajuda a pensar significado social desta repressão: "a

proibição do incesto é menos uma regra que proíbe casar-se com a mãe, a irmã ou a filha do

que uma regra que obriga a dar a outrem a mãe, a irmã ou a filha" (p. 522), "antes de ser uma

proibição que afeta uma certa categoria de pessoas é uma prescrição que visa a outra

categoria" (p. 526). Pensado nas categorias parente - que inclui os compadres, padrinhos e

afilhados - e não parente, entende-se que o pretendente desejável seja o casamento com não

parentes, para que a rede de alianças da família continue se expandindo através do matrimônio

- incluindo o compadrio advindo dos padrinhos do casamento..

A conclusão é mais uma hipótese, de que a estrutura social joanopolense colabore

a favor de extensas redes de reciprocidades nas famílias, partindo do ponto de que o batizado

e o matrimônio, na prática, exercem essa função.

Devido ao curto tempo de execução do projeto, não foi possível analisar mais

dados para verificação das hipóteses elaboradas neste trabalho. Ficou em aberto, por exemplo,

a verificação da frequência do casamento entre primos, que vai contra a hipótese principal

levantada.

 

BIBLIOGRAFIA

CASSALHO, Valter. Histórias do Arco da Velha. São Paulo, 2004.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Mito e significado. Lisboa, Edições 70, 1978.

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___________________ As estruturas elementares do parentesco. 3a. ed. Petrópolis, Vozes,

2003.

NERI, Renato Aquino. As três faces da organização social da comunidade negra rural de

Agreste: parentesco, casamento e compadrio.

WOORTMANN, Ellen F. Herdeiros, parentes e compadres. São Paulo e Brasília,Edunb e

Hucitec, 1995.

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CAPÍTULO II – MEMÓRIA, COTIDIANO E CULTURA

Autor: Samara Konno

O seguinte capitulo pretende fazer uma exposição dos modos de vida que

caracterizam o cotidiano rural na cidade de Joanópolis. Tal cotidiano, seja vivido na cidade

ou no meio propriamente rural, possui características próprias e compartilhadas, que

constituem elementos de identificação de um lugar em que “todo mundo é parente”, mas

também, e principalmente, agora que “todo mundo vai embora” , esse cotidiano se encontra

intrinsecamente relacionado a uma prática de valorização das raízes, não só como tentativa de

manter a tradição, mas também como forma de divulgar seus saberes, sua cultura e modos de

vida.

A primeira visita feita em campo, foi ao sítio de Dona Rosa, um lugar tipicamente

rural, no caminho para o bairro da cachoeira e a cerca de 20 minutos do centro da cidade. O

sítio com extensão de dois alqueires, já teve plantações de araucárias, banana e palmito,

possuindo hoje plantação de eucalipto. É rodeada por sítios de parentes, cada qual herdada

pelos 7 irmãos de seu marido, Sr. Paulo, e pelas terras de sua mãe e de seu irmão. Ao ser

perguntada sobre quantas casas havia naquela região, responde:

Ah..tem bastante, tem bastante, tá virando uma vila né? Mas só família também, minha família, a família do paulo, minha mãe, meu irmão, os irmão do Paulo aqui...”

Caracteriza dessa forma uma sociabilidade rural cuja vizinhança é a própria família:

“hoje a gente tem telefone, a uns três anos que eu coloquei telefone aqui, mas antes eu e minha mãe conversava gritando, só não podia contar segredo né?” (risos)

Ainda que essas práticas venham se extinguindo e haja uma evasão das novas

gerações para a cidade grande, o apego às praticas tradicionais se mantêm vivo, e a

valorização da própria cultura já semeia uma organização para a implementação do turismo

rural no local. A Associação dos Amigos de Bairro, localizado no bairro da cachoeira,

organiza cursos para a comunidade local. Dona rosa, dentre outros, participa do curso de

turismo rural e já prepara as instalações necessárias para oferecer o café caipira com moda de

viola.

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“ não é aquele que vocês estão acostumados a comer na padaria. Tem broa de milho, pão de centeio, doces...Ah...café de cana ainda..com coador de pano”.[...] pega o suco da cana, bota pra ferver, põe o pó de café, abafa, faz a tarde e só no outro dia de manhã que você vai coar o café.”

Denota-se assim, a valorização da cultura campesina em seus aspectos mais simples

do cotidiano, o café de cana, o coador de pano, a broa de milho, parecem ser os elementos

particulares de um modo de viver que são cultivados para a própria manutenção da cultura, e

agora também divulgados através do turismo rural.

O projeto, apoiado pele prefeitura de Joanópolis, e portanto institucional, é

principalmente fruto da associação dos moradores rurais, de modo que em âmbitos práticos,

se torna também um projeto familiar.

A valorização desse viver e saber rural é colocada por Dona Rosa e Dona Silvana

em diversos momentos da conversa, ou diretamente em frases do tipo“ como diz aquele

ditado: eu não tenho vergonha de ser caipira, nem um pingo, nem um pingo. “ Ou por tons

saudosistas dos tempos de infância, como no caso das novas casas feitas em conjunto, a base

de taquara cruzada e barrote. Tal momento de felicidade dos vizinhos recém-casados, eram

também permeadas por situações de brincadeiras:

O gostoso é que os vizinhos iam casar e a gente ia ajudar a fazer as paredes, isso faz parte da minha infância,..é gostoso né Rosa quando um joga p lá outro p cá, dá no rosto...”

Outro momento importante evocado na memória de Dona Silvana foi a criação da cidade de Joanópolis:

Joanópolis nasceu de uma festa, né, de uma reunião nasceu Joanópolis, nasceu de uma reunião ao redor de uma capelinha, foram fazer uma quermesse, da quermesse surgiu a ideia da cidade.

O fato da Joanópolis ter “nascido de uma quermesse” diz muito a respeito não só da

história da cidade, mas a partir dela, de como os vínculos foram se constituindo e dando

contorno aos modos de viver da cidade. Nesse sentido não podemos falar de cotidiano ou

modo de vida sem considerar o forte aspecto religioso presente naquilo que ouvimos, vimos e

sentimos durante as visitas feitas em Joanópolis.

Notamos que todas as casas possuem um santúario ou capela onde a imagem dos

santos de preferência de cada familia se situam. Embora não haja um sistema complexo por

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detrás da escolha do santo, sendo este, aparentemente, decorrência apenas da graça

concedida, nota-se a regularidade por escolhas de santos católicos. Ou seja,

independentemente das escolhas individuais de fé e devoção, a presença da igreja católica é

incontestável, sendo inclusive uma prerrogativa para a própria devoção: “eu sou devota dela

(Santa Rosa Mística) porque ela é da igreja católica, apostólica, romana. Como ela é da igreja

católica, apostólica, romana, eu passei a orar p ela.”

Esse aspecto religioso toma conta das atividades regulares de boa parte da população

de Joanópolis. Para além das festas típicas da cidade ( festa de São João, festa do Divino, festa

de Nossa Sra. da Lu), as práticas religiosas estão presentes também no interior dos bairros e

casas da cidade.

Na casa de Dona Maria, uma matriarca de 86 anos que mora na região urbana de

Joanópolis, a santa de devoção, Santa Rosa Mística ,tem seu dia especial de orações todo dia

13, às 18 horas.“Rosa mistica, eu rezo o terço dela, a vinte anos, todo dia 13, na minha casa aqui.

Essa aqui (a neta), quando nasceu quase morreu, nasceu por milagre, a Rosa Mística que ajudou ela. Eu fiz um pedido p salvar ela. Vinte dias, fui pegar a criançinha era assim ó. Agora tá dando aula, já dá aula, tá bom demais, não tá? Eu rezo todo dia 13, se tiver alguém p ajudar ótimo, senão vier eu faço também, mas graças a deus é cheio de gente...”

Dona Silvana completa: “eu já tive um tempo que eu caminhei um ano com ela pra rua de

casa em casa, todo dia numa casa.”

Dessa forma fica claro que o cotidiano dessas pessoas é permeado por uma

religiosidade católica, consolidada desde a época de formação da cidade, até os dias atuais,

cuja presença não se dá apenas pela tradicionalidade, mas sim por uma devoção viva, que se

faz todos os dias, presentes nos pedidos de “benção” aos mais velhos, nas orações individuais

diárias, e inclusive na primeira refeição do dia. “Na minha casa o primeiro café é para São

Benedito.”

Com relação aos pedidos de benção, que presenciamos com frequência na casa de

Dona Maria, podem ser consideradas como atitudes típicas de uma sociedade que, segundo

Monteiro (1972), “privilegiam o homem e o velho”. Para o autor a sociedade rural do

Contestado tinha a prática de batizar os filhos não primogênitos por padrinhos “privilegiados

socialmente”, ou seja, geralmente um homem mais velho, denotando então uma sociedade

tipicamente patriarcal.

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No caso de Joanópolis, essa estrutura tradicional patriarcal é bem marcada pelo

respeito destinado aos “mais velhos”, e nesse caso sem distinções de gênero. Há também

práticas e discursos que privilegiam o homem, seja na forma como lhe é servida a refeição, ou

na concepção tradicional de que o “homem é quem manda na casa”.

Assim, pedir a benção é um costume que no fazer cotidiano representa e reproduz os

valores de uma sociedade rural, cuja moral religiosa e patriarcal parecem ser os elementos nos

quais os moradores de Joanópolis baseiam seus modos de agir e se relacionar. Além, é claro,

de algumas especificidades do local, que por estar bem próximo do sul de Minas Gerais,

possui uma “cultura mais próxima da mineira”, do que propriamente da paulista. Compotas de

doce de leite com cocô, ameixa, maracujá, chocolate, amendoim, entre outros, são apreciados

com generosas fatias de queijo branco. O frango caipira e a couve-manteiga refogada com

farinha de milho são comidas cotidianas que aos “olhos” dos visitantes são apreciadas como

especialidade da culinária caipira.

Cavalos e carroças ainda são parte integrante do meio urbano da cidade que até

pouco tempo atrás promovia anualmente a festa do peão. Ao perguntarmos à Dona Maria

sobre a festa e o troféu que recebera na mesma, ela nos conta:

“O troféu meu que eu ganhei na festa. Esse troféu? Esse troféu é de domar cavalo, andar a cavalo o tempo inteiro...Eu fui na festa do peão!Eu admiro a festa do peão, você conhece a festa do peão? Agora esse prefeito que cago tudo não fez mais a festa pra nós...todo ano nós fazia, o prefeito que saiu fazia uma festa muito bonita pra nós. Você já foi na festa do peão? Tem cavalo de tudo quanto é raça. Tem cavalo feio, cavalo bonito...

Então eu cheguei lá tudo, e dai todo mundo tava lá e falava: “Porque não trouxe o cavalo vosso Maria?' Justo hoje que vai dar troféu, tem um caminhão de troféu”. Mas eu não sabia de nada né? E o homem que tava lá em cima escutou nóis aqui em baixo, quando foi a hora de dar o presente da festa do peão chamaro eu: “Cadê aquela mulher que andava a cavalo. Como é que chama ela? É a Maria paião é a Maria paião!

Ganhei um troféu só por contar que era cavaleiiiiira (tom de orgulho). Todo mundo ficava com água na boca do meu cavalinho (o troféu)...

Segundo Ecléa Bosi (1994), rememorar não é apenas relembrar, é também reviver,

de modo a re-significar o passado no tempo do presente. Sendo desse movimento de idas e

vindas da memória que pode surgir mais sobre uma “história do presente, do que uma história

do passado”. Ou seja, ao reviver o passado dona Maria não reproduz exatamente o passado no

momento presente, pelo contrário, provando ser a memória uma capacidade humana em

constante movimento, sua experiência re-vivenciada pela memória é capaz de produzir um

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novo momento, o presente do passado. Uma nova experiência que produz novos significados,

mas que independentemente da subjetividade dos ouvintes, faz re-viver o passado, em um

novo contexto.

O troféu ganho por ter sido cavaleira, representa uma vida inteira em que o cavalo, a

roça, o paião, a tarefa, eram atividades cotidianas cuja a festa do peão tinha a função de

rememorar e valorizar socialmente.

Tanto a memória de dona Maria quanto a associação de amigos do bairro cuja dona

Rosa faz parte podem ser considerados, no primeiro caso, produto espontâneo da própria

experiência de vida campesina, e no segundo caso, uma forma de resistir às dificuldades

atuais do campo, com a possibilidade de aumentar a renda familiar através do turismo rural.

Porém, em ambos os casos, nota-se um grande orgulho e valorização da cultura campesina.

Não só por parte dos nativos da terra, como também dos visitantes, cujo aumento da procura

para conhecer o modo de vida campesino aponta para um novo fenômeno: a valorização do

modo de vida “caipira”. Ainda que seja em contexto completamente diferente da auto

valorizaçãos dada pelos nativos. Tal reconhecimento inclui desde a presença das paisagens

campestres, do ar puro, da tranquilidade do campo e da cidade, até os pormenores culturais

que compõem esse cenário, como os santuários, o fogão a lenha, as fotos antigas nas paredes,

o café de cana, a broa de milho, as histórias de vida e as cantigas de viola que animam as

reuniões.

O orgulho em mostrar as mão calejadas pelo trabalho diário na roça, as receitas

tipicas ensinadas com atenção e as histórias contadas em tons saudosistas, realmente

permearam a nossa visita nos dois dias de campo na cidade. Porém esses momentos

saudosistas e o amor vigente pela própria cidade, fazem um contraponto a atual preocupação

de evasão dos jovens de Joanópolis para cidades maiores. Segundo Aline, uma jovem da

cidade, há muitos adolescentes e jovens que estão trabalhando em lavanderias nas cidades

próximas, a cerca de 30 ou 40 minutos de Joanópolis. O que a faz se indagar sobre o futuro

das mesmas.

Porém, a procura de melhores empregos, não caracteriza abandono ou rejeição, pelo

contrário, o cultivo e valorização da cultura campesina fica impresso naqueles que vão. Dessa

forma a ligação estreita com a cidade não se desfaz facilmente.

Tal situação foi exposta por Dona Rosa na medida em que seus dois filhos, que

trabalham em cargos de gerência em jundiai e bragança paulista retornam a casa dos pais

todos os finais de semana “religiosamente”.

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“E um dia meu filho falou: mãe, quando vai chegando em Joanópolis, parece que abre o coração...é tão gostoso voltar p casa...aquela placa (Joanópolis)o coração abre. Aquilo ali...nossa...sabe...então eles chegam aqui sábado, nossa...não para um minuto..trabalha, brinca, tão lá mas a vidinha deles está aqui.”

No entanto, ao ser indagada sobre a possibilidade de seus filhos voltarem a morar em

no sítio, dona Rosa responde: “Não. Não, morar não.(silêncio) Quem sabe né? A gente não

sabe, mas o cantinho vai estar esperando...”

Dessa forma, fica clara uma situação em que há amor às raízes, porém com a

necessidade de procura de melhores condições de trabalho em outras cidades.

Podemos concluir que embora as condições de vida do campo e da área urbana de

Joanópolis sejam distintas, seus cotidianos são compartilhados e giram em torno de um

tradicional patriarcalismo e uma intensa religiosidade católica, que oferece hoje, todas as

festas e eventos importantes da cidade.

A manutenção de um cotidiano rural, com as suas especificidades de hábitos,

costumes e crenças, vem acompanhada em parte, do orgulho “de ser caipira” e por outro lado,

de uma notória preocupação com a evasão de jovens para outras cidades. Ainda que o amor

pela terra permaneça, há uma forte possibilidade desses jovens não voltarem mais “para

viver” em Joanópolis, o que aponta para a preocupação de um gradual esvaecimento da

cultura. Talvez o orgulho em ser “caipira”, a valorização da cultura nas narrativas que

ouvimos e os esforços individuais, apoiados pela prefeitura ou não, em recuperar, manter e

disseminar a cultura campesina, mostrem mais do que o amor espontâneo por Joanópolis, mas

concomitantemente a isso, uma preocupação, ainda que inconsciente, de resistir as rápidas

mudanças de tecnologia e mercado, que impõem à Joanópolis novas configurações de vida, e

nesse sentido implicam também em estratégias para a manutenção da cultura local.

BIBLIOGRAFIA

BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. 3° ed. São Paulo: Cia. das

Letras, 1994.

MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Memória, História Oral e História. Revista de História Oral

Oralidades. São Paulo: Edusp, 2010 n° 8. pp.179-194.

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MONTEIRO, Douglas Teixeira. O significado do Compadrio. In “Os errantes do novo

século: um estudo sobre o surto milenarista do Contestado”. São Paulo : Duas cidades, 1974.

Pgs. 57 a 77.

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CAPÍTULO III - COMPADRIO, RELIGIOSIDADE E PARENTESCO

Autor: José Manoel Dias

Neste capítulo da nossa monografia sobre a cidade de Joanópolis pretendo tratar

do tema do Parentesco e da Religiosidade, com o foco mais direcionado ao compadrio. Este

assunto foi tratado no nosso curso de Parentesco e Organização Rural por meio da leitura do

capítulo 3 do livro “Errantes do novo Século” de Duglas Teixeira Monteiro e tanto este livro

como o “A sagrada família – Uma análise estrutural do compadrio” de Antonio Augusto

Arantes Neto serão utilizados como base para a produção desse trabalho.

O sistema de compadrio pode ser definido como um sistema de relações sociais

estabelecido a partir, principalmente, dos rituais cristãos de batismo ou crisma. A Igreja

Católica Romana no século IX definiu que as crianças deveriam ter pais espirituais que seriam

responsáveis pelo patrocínio das cerimônias de batismo e da futura formação moral e religiosa

dessa criança, ademais também estabeleceu a interdição do casamento e de relações sexuais

entre as pessoas ligadas ritualmente.

Esses laços propiciaram que em muitas sociedades fossem criados sistemas de

relações que envolvessem o casal de pais, seu filho e cada um dos padrinhos.

As formas que o compadrio pode ocorrer vão muito além do batismo ou crisma. É

comum em países latino-americanos ou da Europa Meridional que ele ocorra em cerimônias

de casamento, no primeiro corte de cabelo ou das unhas de uma criança, em casos de festas

religiosas são padrinhos os responsáveis por organizá-las e patrociná-las e mais

especificamente no caso das comunidades rurais no Brasil encontra-se a madrinha de

apresentação e o compadre ou padrinho de São João.

Os diferentes modos que o compadrio pode se apresentar nos suscita, como

Antonio Augusto Arantes diz, duas questões: por que o compadrio pode ser criado de tantos

modos? E quais são as características constantes que permitem que as pessoas identifiquem tal

fenômeno em uma categoria designando-o por um mesmo nome? A primeira interrogação faz

com que ponderemos a natureza da relação de compadrio e também nos mostra a flexibilidade

e das instituições. A segunda, nos estimula a pensar qual seria a estrutura elementar do

compadrio.

Para nos aproximarmos do significado do compadrio, é importante que tenhamos

em mente que o sistema de parentesco, como diz Arantes Neto, pode ser pensando com sendo

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“um quadro básico de classificação social que delimita grupos de pessoas com quem contar

para crédito e cooperação econômica, ou quase econômica, ao mesmo tempo que define

grupos exogâmicos.

No trabalho de Duglas Teixeira Monteiro sobre o Contestado, ele analisa que os

batismos tomaram uma forma um pouco diferente da convencional. Num primeiro momento

era prática comum um duplo batismo, havia um batismo realizado em casa como uma

situação de urgência até que o outro, tradicional, pudesse ocorrer com a presença da

autoridade do padre, quando este fizesse uma visita por lá. Entretanto, esta prática que estava

perfeitamente dentro das leis canônicas foi substituída por um batismo em que a devoção ao

segundo monge João Maria era fator determinante. As famílias da região do contestado

faziam questão de esperar a passagem do monge para que este realizasse o primeiro batismo,

deixando inclusive o batismo tradicional do padre para segunda ordem.

Arantes especula a respeito da funcionalidade do compadrio com base em uma

afirmação de R. Redfield que diz que o compadrio seria uma forma de ampliação da rede

social de laços institucionalizados de um agente social e, concomitantemente, um modo se

sacralizar as relações sociais já existentes. O Autor utiliza artigos de S. Mintz e de E. Wolf

para avançar nesse aspecto afirmando que a função de extensão e intensificação de laços

sociais dependerá do contexto histórico e social no qual esta instituição existe, contudo em

qualquer uma das hipóteses fica claro que a função do compadrio é de promover a

solidariedade social.

Já a perspectiva de G. Foster toca num ponto bastante importante que seria o

compadrio uma forma de tanto de “fortalecer a posição do indivíduo como também uma

espécie de seguro social ao nível econômico”. Foster afirma que o compadrio como um

contrato diático seria baseado em princípios e validado por obrigações recíprocas expressas na

troca de bens e serviços.

Entretanto, Arantes coloca em relevo um aspecto fundamental das relações de

compadrio: o compadrio liga somente pessoas que já possuam algum tipo de relação entre si,

o que nos faz questionar sua condição de algum modo redundante. R. Ravicz e J. Pitt-Rivers

são os autores recorridos para analisar esse ponto, eles enfatizam o aspecto moral ou

ideológico da instituição e que essas relações deveriam ser entendidas como relações de

respeito.

É possível estabelecer uma clivagem entre dois tipos de relação entre compadres:

intraclasses e interclasses. Esta distinção é útil para analisar quais seriam as características

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desses dois tipos de relação e de grupos, ou seja, quais as diferenças de comportamento e

expectativa entre pessoas de grupos iguais ou diferentes. Mas disso trataremos adiante.

Já em relação ao parentesco em uma perspectiva espiritual, seguimos as

orientações de Leach da “estrutura simbolizada no ritual... o sistema de relações socialmente

aprovadas e próprias em indivíduos e grupos”. Esta afirmação inspira Arantes a sugerir que a

família elementar própria seria a de Deus, no que tange a compreensão do significado do

compadrio. Ele explica que Jesus enquanto homem pertencia à linhagem de Davi, mas

enquanto Deus é fruto do Espírito Santo. Assim o vínculo de Maria com o Espírito Santo se

opõe e, ao mesmo tempo, se complementa com seu casamento convencional. Portanto, o

batismo no plano simbólico e espiritual reproduz a geração espiritual de Cristo. Sendo o

batismo um renascimento espiritual, pois a criança recebe o pecado original dos pais carnais,

ela deve possuir outros pais espirituais. Duglas Teixeira Monteiro acrescenta ainda que alguns

poderiam argumentar que Jesus-Maria-José não formariam uma família elementar por conta

da ausência dos irmãos. Contudo, a doutrina católica diz que por meio do batismo todos se

tornam irmãos de Jesus, que é o primogênito.

Assim, temos que o batismo estabelece uma ligação entre o sagrado e o profano e,

mais ainda, estas ligações acontecem curiosamente sobre laços que já existiam. Desse modo,

o que ocorre é uma consagração que transforma as relações materiais ou não-materiais já

existentes, as trocas, a cooperação, a dependência e a dominação em relações que ocorrem

dentro de quadros sagrados.

No compadrio intraclasses podemos analisar a relação entre pai-compadre de

modo que este ritual rompe a barreira de geração, o pai (homem jovem) se liga ao compadre

em uma relação de igualdade, que homogeneíza as diferenças de autoridade. O trabalho de

Arantes mostra que nas relações intraclasses é freqüente que o primeiro padrinho a ser

escolhido seja o avô paterno, tornando evidente que a relação de compadrio sobreposta à

relação familiar seria não só a demonstração de lealdade e respeito, mas também uma maneira

objetiva de provocar a ruptura baseada na diferença etária. Portanto, aconteceria o que

Arantes chama de um rito de passagem ou chancela de um rompimento no qual a condição de

adultos do casal é reafirma e ampliada.

Já para o compadrio interclasses, no qual aconteça a escolha de um padrinho mais

poderoso socialmente ou de um “patrão”, podemos interpretá-lo como uma tentativa da

superação de uma heteronomia relativa às diferenças econômicas. Em um primeiro momento

esperaríamos que esta relação buscasse algum tipo de proteção ou vantagem, entretanto

vemos que ela também prevê a mitigação de uma menoridade social. Assim, o compadre

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escolhido não necessariamente precisa ser o patrão atual, pode ser um entre os possíveis

patrões, pois a relação se estabelece de forma genérica.

É importante tratar da contribuição de Leach, apontada por Arantes, que analisa

dois tipos de relações: incorporação e aliança. A relação de incorporação seria aquela na qual

o indivíduo receberia a qualidade de membro de um nós coletivo. Portanto, trabalharíamos

com a idéia de uma substancia comum. Já para a relação de aliança, vemos a assunção de

pertencimento a um grupo e o reconhecimento de outro grupo de que se é aliado, que se daria

de forma metafísica. O exemplo dado por Duglas é o de uma sociedade matrilinear em que

mãe-filho-parentes da mãe formam uma relação de incorporação, de substancia comum. A

relação pai-filho-parentes do pai seria a de aliança em bases metafísicas e influência mística.

Do trabalho Duglas Teixeira Monteiro ainda chamam atenção alguns fatos

significantes que nos ajudariam a entender o compadrio. O autor fala que haveria uma crise na

comunidade do Contestado no âmbito religioso que se expressaria pelo duplo batismo, o

doméstico e o eclesiástico, e que posteriormente foi substituído pelo duplo batismo,

doméstico e pelo monge, sendo abandonado o eclesiástico.

O fato mais significativo é essa nova modalidade de batismo inerente a figura do

monge. Duglas afirma a preferência ao batismo pelo monge criaria laços de compadrio que

transcenderiam o plano doméstico e o oporiam à sociedade estratificada. Outro caráter do

batismo pelo monge seria que ao ser realizado os pais da criança passam a ser compadre do

próprio monge. Assim, como também acontece na Igreja, ao ser batizado essa criança passa a

pertencer a um Corpo Mítico, pelo modo da incorporação, que inicialmente seria somente

mais um, mas que depois se torna oposto a Igreja.

BIBLIOGRAFIA

MONTEIRO, Douglas Teixeira. O significado do Compadrio. In “Os errantes do novo

século: um estudo sobre o surto milenarista do Contestado”. São Paulo : Duas cidades, 1974.

Pgs. 57 a 77.

ARANTES NETO, A . A . A sagrada Família: Uma análise do Compadrio.Cadernos da IFCH,

n°. 5,UNICAMP/Brasiliense, 1975,p.7 a 14.

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CAPÍTULO IV – TURISMO RURAL

Turismo e Organização Rural: uma alternativa para o resgate social e de

desenvolvimento econômico no município de Joanópolis.

Autora: Elaine Oliveira

Para elaboração do trabalho prático da disciplina de Parentesco e Organização

Social Rural, foi sugerida uma visita à cidade de Joanópolis. Teve sua fundação no final do

século dezenove e era rota de bandeirantes e de desbravadores rumo a Minas Gerais. Este

município paulista fica localizado nos contrafortes da Serra da Mantiqueira, bem próximo a

divisa do estado de Minas Gerais. É importante entender sua geografia cercada de mananciais

de água, vasta natureza e clima propício, para compreendermos o real potencial econômico da

atividade turística percebido na região. Atualmente sua economia desenvolve-se a partir da

agropecuária e do turismo.

A visita na cidade de Joanópolis foi bastante proveitosa para o grupo, onde se

pode constatar na vida e no cotidiano da comunidade rural, aspectos estudados anteriormente

na bibliografia do curso.

Ficou muito explícito a forma como essas comunidades se organizam

economicamente através do grupo doméstico e suas relações com a terra em que vivem, assim

como citado no texto de Woortmann acerca das teorias do campesinato.

Durante os momentos de entrevista e conversa informal realizadas com os

moradores da região, foi citado em grande parte traços de seu folclore, suas crenças e seus

aspectos culturais. Deles podemos destacar a lenda do lobisomem, as Festas do divino e forma

como essas pessoas expressam sua religiosidade.

Para introduzirmos a questão do Turismo Rural, é necessário designar a atividade

com intuito de uma melhor compreensão da mesma e apesar das dificuldades encontradas

para conceituar tal atividade, podemos considerar que ele engloba diversas modalidades de

turismo, entretanto podemos nos deter nas atividades turísticas que se desenvolvem no meio

rural. Ou seja, os elementos que compõem esta atividade são os elementos que formam a vida

no campo, como o cotidiano das plantações, o comércio e a troca de seus produtos, a criação

de animais, o cuidado com a terra e a propriedade, a confecção de artesanato e toda a cultura

que está envolvida nestas relações que são em suam maioria familiares, se não por motivos

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hereditários, o são por vínculos adquiridos na convivência e solidariedade da comunidade

rural.

E aqui percebemos mais um traço da bibliografia analisada, a questão do parente e

não parente, na comunidade rural ou denominada por algumas vezes como bairro rural, todos

os que nele moram ou descendem dos mesmos são “parentes” e assim trabalham a terra. Esse

mesmo movimento acontece na propriedade rural à medida que ela passa a ser objeto do

turismo rural, pois por diversas vezes a propriedade não é auto-sustentável e precisa que seu

vizinho produza outro tipo de bem ou serviço necessário para toda a comunidade.

No município de Joanópolis há um grande apelo ao folclore e às tradições

caipiras, o mito do lobisomem, por exemplo, é algo corriqueiro na vida dos moradores e esta

lenda tornou-se grande atrativo turístico para a comercialização deste destino. Essa história é

contada de pais para filhos, dentro dos bairros rurais, nas escolas e até mesmo nas igrejas; e

esta cercada de simbologias, manifestações do imaginário caipira que respondem às dúvidas e

dificuldades inexplicáveis que habitam o inconsciente rural. Através da tradição oral essa

história se consolidou na localidade rendendo a ela o título de “Capital do lobisomem”, com

livro escrito sobre o assunto, diversas reportagens nas grandes emissoras de televisão e

comercial, assim como contam os próprios moradores.

O “marketing do lobisomem” também impulsiona a atividade turística cultural

local, oferecendo experiências únicas de contato com o cotidiano do interior, levando os

turistas a desligarem-se de suas preocupações habituais e a mergulharem no maravilhoso

universo do caipira e sua vida. Aliás, esta é uma das propostas do Turismo Rural, ele não só

ajuda a comunidade local, fazendo com que esta se desenvolva economicamente, como

fortalece os laços e tradições habituais ao estimular o convívio da família e parentes evitando

o êxodo rural.

Joanópolis nasceu de uma festa de São João e disso também brotou o seu nome,

percebemos que as festas religiosas ou laicas são de grande importância na formação da

história local e da identidade de sua população. Exemplo disso é que ouvimos muitos relatos

acerca dessas festas em especial a Festa do Divino. A Festa do Divino, como é conhecida

popularmente, chama-se originalmente de Ciclo do Divino Espírito Santo ou na Igreja

Católica como Festa de Pentecostes, inicia-se após a Páscoa e segue até o próximo mês, tendo

o seu encerramento no qüinquagésimo dia. Em Joanópolis esta festa acontecia antigamente e

foi incentivada a acontecer novamente pelas autoridades locais, com a intenção de promover o

turismo.

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A festa inicia com a procissão dos cavaleiros que saem do largo da matriz e

percorrem as ruas do município, visitando casas, comércios, chácaras e sítios da região ao

som de muita cantoria e orações tocados pelos músicos e violeiros da cidade que aguardam

ansiosamente esta data com muitos ensaios ao longo do ano. O padre então abençoa a todos e

em seguida os cavaleiros juntamente com o povo dirigem-se aos estabelecimentos agendados

anteriormente e em cada ponto que contém a bandeira do Divino é dada a benção e são feitas

rezas. Chegando ao local final é realizada nova Louvação ao Divino com montagem de um

altar enfeitado com panos, fitas e flores vermelhas, a cor da festa.

Tudo é acompanhado pela orquestra de violeiros da cidade, coral executando

“modas caipiras”, encerrando-se com o afogado, tradicional prato da região composto de

caldo de carne cozida com batata e farinha de milho, oferecido a todos pelo dono da

propriedade onde a festa termina neste dia, repetindo-se este acontecimento por mais cinco

domingos.

Com tudo o que foi exposto acima, podemos concluir que o Turismo no meio

rural possui um papel fundamental na gestão econômica e social da terra e das comunidades,

proporcionando alternativas sustentáveis e viáveis para a promoção e continuidade das

propriedades rurais e preservação de seu saber, de sua memória. Este processo deve acontecer

de forma sustentável, levando-se em conta os limites de exploração territorial para gerar

opções de permanência e equilíbrio do grupo familiar rural.

BIBLIOGRAFIA

http://www.asbraer.org.br/Documentos/Biblioteca/turismo_rural.pdf

WOORTMANN, Ellen – “Herdeiros, Parentes e Compadres”. Páginas 29 a 93.

MOURA, Maria Margarida – “Os Herdeiros da Terra”. Páginas 31 a 71.

CASSALHO, Valter. Associação dos Criadores de Lobisomem. Joanópolis – A capital do Lobisomem. Dossiê.

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ANEXOS

ANEXO I – Mapa de Localização da Cidade de Joanópolis – SP

Fonte: http://www.joanopolis.com.br/localizacao.html

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ANEXO II – Dossiê do Lobisomem

D O S S I Ê

Cortesia – ASSOCIAÇÃO DOS CRIADORES DE LOBISOMENS

JOANÓPOLIS

A CAPITAL DO LOBISOMEM

Dizem que, quem tem muita sorte nasce virado pra lua e Joanópolis parece ser uma destas

cidades em que a lua dá muita sorte, principalmente a lua cheia, pois é nela que o lobisomem

costuma aparecer. Temido no passado, o lobisomem joanopolense passou por nova

metamorfose, deixou de ser amaldiçoado para dar sorte, de mau passou a brejeiro e de temido

passou a ser amigo.

O lobisomem teve suas histórias aguçadas em 1983, quando a folclorista Maria do Rosário de

Souza Tavares de Lima defendeu sua tese para a Escola do Folclore de São Paulo, tendo

como tema o Lobisomem e como local de pesquisa nossa cidade, lançando o livro:

“Lobisomem: assombração e realidade”.

Em 1998 o Lobisomem voltou à tona, através do comercial sobre folclore do grupo

MacDonald´s, no qual figuraram pessoas de nossa cidade. Surgiu então a LOBOMANIA,

confeccionando camisetas, adesivos e eventos, nascendo aí a A.C.L. - Associação dos

Criadores de Lobisomens, com o intuito de difundir este precioso mito.

Este lobisomem nunca percorreu tantas cidades como agora, mas ao invés de terror, traz a

proposta de um turismo sui-generis, ou seja, o turismo do imaginário.

Hoje em dia, o lobisomem pode ser considerado o carro chefe na divulgação do turismo da

cidade, aproveitando o folclore e mostrando as belezas naturais que o município encerra. No

mês de agosto acontecia a Trilha do Lobisomem, ocasião em que dezenas de jeepeiros

percorriam a madrugada joanopolense na esperança de ver o bicho. Além disso as pessoas

estão descobrindo os mistérios da lua cheia, ou seja, estão reatando com seu imaginário,

buscando ouvir e relembrar as histórias de assombração e outros contos, pacientemente

contados pelas pessoas mais antigas da família ou da comunidade.

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A proposta do lobisomem é esta, divulgar o turismo, valorizar o folclore, relembrar os bons

tempos da infância, contar um bom “causo” e se envolver nos mistérios e clarões da lua cheia.

Quanto ao lobisomem, muitos viram outros afirmam que é pura imaginação, mas na verdade

seu rastro está por ai, com seus encantos, seus mistérios e sua atração irresistível ao

desconhecido. Bem, enquanto a dúvida persiste o bicho corre solto...

Boa sorte.

Associação dos Criadores de Lobisomens.

Casa do Artesão de Joanópolis – (011) 4539-8823.

O TURISMO DO IMAGINÁRIO

Graças ao trabalho da Associação dos Criadores de Lobisomens Joanópolis conta com o

chamado “Turismo do Imaginário”, alicerçado no estudo, reaproveitamento e na projeção do

folclore. Consistindo na busca do lúdico, das sensações da infância, na reconciliação com o

sobrenatural, com o imaginário!

Mas o que é este TURISMO DO IMAGINÁRIO?

Costumo partir do pressuposto que os mitos sempre povoaram as mentes dos homens, desde

os mais remotos tempos o homem viaja em busca de seu imaginário, em busca do encontro

com o sobrenatural, com o sagrado, com as possíveis aventuras com o inesperado. Tornou-se

um aventureiro, visitando locais que acreditava possuir energias diferentes, monstros, deuses

e até mesmo passar por um portal mágico que o levasse a outros mundos.

Foram criados lugares sagrados de peregrinação em todos os períodos da história, decorrido

milênios, o homem continua em sua viagem em busca dos seus mitos, de seus medos, de

sentimentos subjetivos.

Só para se ter uma idéia, o governo da Romênia, onde situa-se a Transilvânia, pretende

gastar trinta e dois milhões de dólares num dos projetos que visa intensificar a visita a cidade

de Sighisoara, onde está o castelo que viveu o Conde Vlad Dracul, popularizado e distorcido

como Conde Drácula. O Lago Ness na Escócia continua sendo visitado até hoje e todos

sonham com uma foto do tal monstro, no Brasil Varginha no Estado de Minas Gerais, virou

ponto referencial na possibilidade de se ver um extraterrestre, que podemos afirmar ser um

mito moderno, São Tomé das Letras, também no mesmo Estado é amplamente visitada e

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pessoas juram que além dos Ets vêem gnomos e toda sorte de seres fantásticos. Alguns

municípios estão apostando nos sacis, outros em seres encantados dos rios e cachoeiras, assim

sendo, por que não investiríamos no lobisomem?. Um mito forte, dinâmico, antigo, presente

em todas as culturas e preservado no sopé da Mantiqueira.

Este é o turismo do imaginário, uma desculpa para viajar e relembrar a infância, reviver

antigas fantasias, mas também buscar a aventura de estar numa cidade e poder contar depois

que esteve lá, na terra assombrada por um determinado ser, mas também, em conhecer e

desfrutar das belezas naturais que estes locais encerram. É o novo, o inusitado, o diferente,

talvez seja isso que procuram aqueles que se aventuram por estas trilhas.

Nossa associação provou que é possível colocar os ventos do folclore a favor do turismo,

mesmo que seja um mito apavorante e que não tenha uma cara tão boa ou amiga, seus traços

podem ser melhorados, reinterpretados, sem perder a essência, criando uma nova força e uma

nova dinâmica no local onde está inserido. Boa prova de como podemos mudar isso, são os

ursos de pelúcia, os detestáveis e horríveis ratos que de repente graças a Waltt Disney viraram

seres amáveis, amigos e idolatrados por jovens e adultos.

O lobisomem saído dos antigos feiticeiros, das maldições dos deuses gregos, excomungados

pela intolerância cristã da Idade Média, satanizados por radicais religiosos, transformado num

pobre amaldiçoado com a sina de correr a noite inteira, vira em poucos anos, o bom

cãozinho. Antes todos corriam do lobisomem, hoje as pessoas correm atrás dele, acho que se

ele pudesse opinar sobre tudo isso, talvez viesse a afirmar: “Eu era feliz e não sabia!” Espero

que para o lobisomem não venha a valer o ensinamento de Maquiavel, onde é melhor ser

temido do que amado.

Professor Valter Cassalho

da Associação Brasileira de Folclore

vice-presidente da Associação dos Criadores de Lobisomens

MAS, O LOBISOMEM NÃO É NOSSO !

Parece que o homem tem um certo encantamento com o lobo, talvez oriundo da pré-história,

quando ambos dividiam as mesmas trilhas e mesmas cavernas, chegando mesmo a tornarem-

se amigos e inimigos no decorrer da trajetória terrestre.

O mito do lobisomem, não é uma questão de ignorância como pensam alguns, mas sim um

grande personagem que foi incorporado ao folclore brasileiro. Incorporado sim, pois o mesmo

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não é uma exclusividade nossa; sua origem provavelmente seja européia, sendo que os

europeus a introduziram no Brasil, onde teve grande aceitação e repercussão.

Na Noruega, os deuses tinham o poder de se transformar em lobo. Naquele país acreditava-se

que o lobisomem em forma humana, possuía as sobrancelhas unidas, orelhas pequenas e

pontiagudas, mãos peludas e o dedo anular do mesmo tamanho do dedo médio ou até maior.

Na Irlanda, conta-se que São Patrício amaldiçoou toda uma família e de sete em sete anos os

mesmos se metamorfoseavam. Poderia ainda se transformar em lobisomem aquele que

comesse a carne de carneiro mordido por um lobo, ou comendo acônico (erva alucinógena).

No período medieval muita gente estava disposta em virar lobisomem, pois os deuses antigos

do norte europeu, concedia o poder do lobo, como força, astúcia e rapidez a seus discípulos,

os sacerdotes antigos, praticavam rituais muito semelhantes ao xamanismo dos índios do

norte da América. Sob a lua cheia o futuro lobisomem desenhava um circulo no chão,

preparava uma fogueira, bebia uma poção a base de ervas (dormideira principalmente),

untava-se com um ungüento de gordura de gato misturado com ópio, enrolava-se com uma

pele de lobo e recitava diversas esconjurações.

No folclore franco-canadense para desfazer o encanto do lobisomem, devia-se chamar a

pessoa pelo seu nome de batismo por três vezes seguidas; para matá-lo devia-se atingi-lo com

uma bala de prata consagrada. Na França entre 1520 a 1630 foram catalogados 30 mil casos

de aparição e suspeitas de lobisomens, sendo que muita gente foi enforcada ou queimada viva

por estas acusações.

Na Alemanha nazista, foi criada em 1920 a Organização do Lobisomem, a qual após o final

da Segunda Guerra Mundial, deveria continuar na forma de guerrilha contra os Aliados. O

próprio Hitler, gostava de ser chamado de Tio Lobo.

Isso mostra que a crença no lobisomem era muito ativa na Europa e consequentemente com as

imigrações ela foi transplantada para o Brasil. O lobisomem é mais um dos inúmeros mitos

que nos fornecem muitas informações sobre a mentalidade, os costumes, os valores, os rituais

mágicos que advém de outros povos, cuja história pouco conhecemos. Mantê-los vivos em

nosso folclore é uma forma de preservar a cultura humana em nosso planeta. - (dados

extraídos de O melhor de Planeta, nº 02 – ed. Três Ltda.).

YES! NÓS TEMOS LOBISOMENS

No ultimo artigo, escrevi sobre os relatos dos lobisomens em outros países, principalmente na

Europa, afirmando inclusive que o mesmo imigrou para o Brasil na época da colonização

portuguesa e com outras imigrações européias. Porém, o importante é que o lobisomem se

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adaptou nos trópicos, ou melhor, suas lendas criaram força substancial e padronizaram-se,

como o fadário do sétimo filho, a metamorfose, etc. Para concluir esta seqüência de histórias

que me propus a contar, resolvi relatar a história mais comum sobre o mesmo, a qual é

relatada em todo o Brasil, com poucas variantes. A mesma também é extraída o livro de

Maria do Rosário de Souza T. de Lima, diversas vezes citado neste jornal, a qual aproveito

para agradecer a grande colaboração ao nosso folclore.

“Contam que uma mulher estava grávida e saiu com o marido para passear, chegaram em uma

porteira e o marido disse para mulher ficar ali um pouco que ele já voltava. Não demorou

muito, apareceu um enorme cachorro e tentou pegá-la, ela correu e subiu na porteira gritando

para o marido acudi-la, o cachorro pulava e conseguiu abocanhar sua saia de baeta (baeta

tecido de lã, felpudo e vermelho, muito usado para enrolar crianças). Passado um tempo o

cachorro desistiu e o marido apareceu logo em seguida. Desesperada voltaram para a casa, o

marido nada dizia. No outro dia, o marido deitou-se sob o sol e ficou conversando com a

mulher, quando ele sorriu a mulher percebeu que em seus dentes haviam fiapos de baeta.

Sem falar nada, a mulher foi para a casa da mãe e relatou o ocorrido, a velha e sábia

progenitora; esta mandou a filha comprar roupas novas e quando o marido saísse de casa o

seguisse, ao chegar numa Santa Cruz, o marido com certeza iria se despir para espojar-se em

estrume de galinha e outras porcarias e quando virasse lobisomem e saísse pelos campos, ela

deveria colocar as roupas novas na Santa Cruz e queimar as roupas velhas que ali estavam.

Foi o que aconteceu e nunca mais seu marido virou lobisomem, pois o fadário foi cortado

com essa simpatia”.

Bem, existem ainda, diversas histórias sobre o mesmo, bem como de outros personagens que

integram o nosso folclore, que prometo contá-las em agosto, na ocasião do mês do folclore. O

importante dessas histórias é a quantia de informações que foram e são preservadas por trás de

seus mitos e que compõem nossa riquíssima cultura popular.

OS LOBISOMENS DE ROMA

Final de agosto, mês do cachorro louco e mês do lobisomem, o grande mito do folclore

universal que faz a festa na cidade de Joanópolis. De acordo com a tradição, o lobisomem

tem sua origem na Grécia Antiga, quando o rei Licaon da Arcádia é transformado em lobo por

ter oferecido carne humana a Zeus, é interessante notar que antes de se transformar em lobo o

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rei já se chamava Licaon que vem Lucus, (luco) que significa “lobo”. Este personagem

mítico foi levado para Roma e lá desencadeou o culto lupino e as tradições das lupercais, as

quais foram posteriormente reinterpretadas, distorcidas e recontadas por outros povos até

chegar as terras brasileiras.

A própria Roma sempre esteve ligada a este animal, haja visto que, seus fundadores, Rômulo

e Remo foram amamentados por uma loba e depois encontrados por Fáustulo e criados por

sua esposa Acca Laurentia. Alguns mitógrafos mais céticos consideram a Loba como uma

prostitua de Roma, as quais recebiam esta alcunha, outros no entanto ligam a LOBA como um

animal pertencente ao Deus Marte pai dos gêmeos. O fato é que a loba tornou-se sagrada e

muito respeitada com o nome de LUPERCA.

Na volúpia de adquirir as propriedades e características do lobo, o animal que sempre causou

fascínio, medo e inveja aos humanos, os jovens romanos celebravam as LUPERCAIS, no

último mês do ano do calendário romano, mais precisamente, a 15 de fevereiro, sendo este dia

funesto chamado de februata, que vem de februare = purificar, sendo seu radical februa

nome de pequenos chicotes usados nesta cerimônia. Eles saíam das proximidades da gruta

onde foram criados Rômulo e Remo. Após terem os rostos pintados com o sangue do

sacrifício de cabras e cães, estes moços seminus, apenas com um cinturão de pele de lobo e

pequenos chicotes (februas) embevecidos em sangue, saíam correndo e uivando pelas ruas de

Roma. As mulheres da época vinham ao encontro desses jovens uivantes para levar algumas

chicotadas, que de acordo com a crença da época afastavam a estirilidade e propiciavam bons

partos. Assim todos estavam prontos para iniciar um novo ano. Estas festividades eram tão

importantes, que foi numa delas que Marco Antonio ofereceu a coroa de Roma a Julio César.

Os Lupercos (sacerdotes das lupercais) estavam divididos em dois colégios conhecidos como

Quinctiliales e Fabianos, em 44 antes de Cristo instituiu-se o terceiro com o nome de Luperci

Julii em honra ao próprio Julio César e teve como luperco (sacerdote) Marco Antonio.

A festa da Purificação Romana (fevereiro) demonstra que a vontade dos homens em

adquirir as qualidades dos animais, em especial transformar-se no lobo-homem (lobisomem)

advém de muito tempo, mesmo antes da Grécia Antiga, remonta aos primeiros xamãs nas

escuras cavernas da aurora da humanidade.

Bem, com esta história não só agosto será mês de lobisomem, mas fevereiro já se encaixa

como mês de origem e temos julho mês consagrado Julio César e um dos participantes das

Lupercais.

NO RASTRO DO LOBISOMEM...

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O lobo sempre foi um animal que encantou o ser humano desde a época das cavernas, onde

talvez compartilharam o mesmo espaço, percorreram as mesmas trilhas e disputaram regiões

de caça.

Provavelmente entre 10.000 a 5.000 a. C. o homem desenvolveu suas técnicas ritualisticas

surgindo em alguns lugares os feiticeiros, tendo em seus inúmeros ritos a intenção de

transformar-se ou adquirir qualidades de alguns animais, inclusive do astuto e exímio caçador

– o LOBO.

Na Grécia Antiga, a rica mitologia relata que o rei Licaon foi punido por Zeus, sendo

transformado em Lobo. A deusa Ártemis (Diana) era acompanhada de diversos cães, que nada

mais eram do que homens transformados neste animal.

Na fundação de Roma (750 a. C.) aparece a lendária Loba (deusa Luperca) que protegeu os

fundadores Rômulo e Remo, sendo que suas festas se denominavam Lupercais (festas do

Lobo).

No século I da Era Cristã, no Satiricon escrito por Tito Petrônio Arbiter existe o relato de um

soldado que transformava-se em lobo. O poeta Vírgilio em Bucólicas cita a transformação de

homens em lobos através de ervas.

Na Noruega, os deuses tinham o poder de se transformar em lobo. Naquele país acreditava-se

que o lobisomem em forma humana, possuía as sobrancelhas unidas, orelhas pequenas e

pontiagudas, mãos peludas e o dedo anular do mesmo tamanho do dedo médio ou até maior.

Na Irlanda, conta-se que São Patrício amaldiçoou toda uma família e de sete em sete anos os

mesmos se metamorfoseavam em lobisomens.

No período medieval muita gente estava disposta em virar lobisomem, pois os deuses antigos

do norte europeu concediam aos discípulos o poder do lobo, como força, astúcia e rapidez.

Na França entre 1520 a 1630 foram catalogados 30 mil casos de aparição e suspeitas de

lobisomens, sendo que muita gente foi enforcada ou queimada viva por estas acusações.

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Em 1832 na Bretanha, poderia virar lobisomem quem ficasse dez anos afastado do

confessionário. Na baixa Bretanha em 1870 poderia virar Lobo quem se envolvesse na pele

deste animal.

Na Alemanha nazista, foi criada em 1920 a Organização do Lobisomem, a qual após o final

da Segunda Guerra Mundial, deveria continuar na forma de guerrilha contra os Aliados.

No Brasil - tomando por base a origem européia do lobisomem, no final do século passado

com a leva de imigrantes para as lavouras do café, desembarcou alguns lobisomens, pois a

partir deste período o mito ganha força neste País

Em Joanópolis – cidade fundada em 1878, os primeiros lobisomens chegaram com os

imigrantes europeus e deram origem a novas estórias de lobisomens, espalhando seus feitos

por todos os lugares.

No ano de 1983 – a folclorista Maria do Rosário de Souza Tavares de Lima lança seu livro

Lobisomem: assombração e realidade, tendo como campo de pesquisa esta cidade.

Em 09-4-1984, o jornalista Eduardo Mattos publica matéria sobre o lobisomem de Joanópolis

no jornal “O Estado de São Paulo”, sugerindo esta cidade como a Capital do Lobisomem.

Em 1998, o Lobisomem voltou à tona, através do comercial sobre folclore do grupo

MacDonald´s.

Em agosto de 1998 o artesão Marcos Bueno, estiliza um novo lobisomem para esta cidade,

através de desenhos e bonecos e é criada a Associação dos Criadores de Lobisomens A.C.L.

Em 1999 jornais e redes de televisão percorrem o município com entrevistas e matérias sobre

este mito!

No ano 2000 - realiza-se casamento simbólico entre o Lobisomem de Joanópolis e a Mula-

sem-cabeça de Cocais/MG, com ampla divulgação na imprensa nacional.

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Durantes estes dez anos o bicho foi motivo de trabalhos de conclusão de curso para

faculdades, matérias de revistas, jornais, livros, programas de TV.

Atualmente a CASA DO ARTESÃO (ao lado da Matriz) abriga a ASSOCIAÇÃO DOS

CRIADORES DE LOBISOMENS bem como a CASA DO LOBISOMEM, com muitos

souvenires como vinhos, pingas, biscoitos, bolos, doces, camisetas, chaveiros, bonecos do

Lobisomem. Na entrada tem um boneco tamanho natural da artista plástica Regina Rodrigues

a mesma que criou no ano passado as CUECAS DO LOBISOMEM (Crie o bicho solto!). Há

ainda lobisomens pequenos em bisqui, camisetas, licores feitos por André Collins.

A novidade desde ano de 2010 tem sito o NENÉM LOBISOMEM ou seja, um lobisomem

(boneco) bebê que tem sido o xodó da casa do Artesão.

Os lobisomens e bonecos de vários artistas espalham-se por todo o município em cachaçarias,

bares, lojas de artesanato.

O bicho está pegando !!!!!

FICHA TÉCNICA

(dados sobre o mito no Brasil do Livro Lobisomem Assombração e Realidade)

ASPECTO FÍSICO – É um homem magro e pálido, com grandes orelhas, provido de pêlos

abundantes por todo o corpo. O antebraço e as mãos são calosos, pois usa-os como patas,

quando transformado em quadrúpede.

FATOR DETERMINANTE – Ser o primeiro ou o último de uma série de sete filhos, o

sétimo filho de um casal que só tinha fêmeas; filho de incesto, no qual se incluem as

comadres; permanecer durante dez anos sem confissão ou comunhão ou sem molhar os dedos

em água benta.

IDADE QUE SE MANIFESTA – Logo após o nascimento; aos sete, doze, treze e vinte e

quatro anos; por vezes em qualquer idade, quando for amaldiçoado por pais ou padrinhos.

PARA ANULAR A MALDIÇÃO – Ser batizado pelo irmão mais velho. Receber na pia de

batismo o nome de Bento ou Custódio.

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RITUAIS – Procurar uma encruzilhada, galinheiro, chiqueiro, despir-se, dar quatro nós um

em cada ponta da camisa; sete nós na camisa e urinar em cima, virar as roupas pelo avesso;

dar cambalhotas recitando palavras mágicas; colocar-se sob o raios da lua, espojar-se sobre a

roupa ou sobre o solo.

OCASIÃO PROPÍCIA – Qualquer dia da semana, exceto sábados e domingos. Na noite de

quinta para sexta-feira. Durante a quaresma, na sexta-feira da Paixão. No dia 13 ou no dia de

São João e ainda durante a lua cheia.

ASPECTOS FISICOS DO LOBISOMEM – forma de lobo, cachorrão preto ou escuro, com

parte de trás mais alta do que a da frente. Homem de olhos afogueados, pelo eriçado, unhas

agudas. O morto, é sempre de cor branca na forma de um cachorrão.

A MALDIÇÃO (fadário) – Percorrer sete cidades em cada noite de maldição e voltar ao

lugar de partida antes que o galo cante, antes que clareie o dia,

COMO SE HERDA O FADARIO – fazendo-o sangrar, sujando-se no seu sangue,

contando-lhe que é Lobisomem, sendo mordido por ele.

COMO SE INTERROMPE O FADÁRIO – Ferindo-o de forma que perca sangue com um

objeto de prata. Saudando-o com o sinal da cruz. Contando-lhe que é um Lobisomem.

Queimando suas roupas que despe na ocasião da transformação e substituindo-as por outras

virgens. Chamando-o pelo nome de batismo. Quando for batizado pelo irmão mais velho.

Dando-lhe uma surra com duas cordas de fumo e amarrando-lhe uma terceira no pescoço.

Jogando-lhe água benta, Quando neném proceder o ritual de espetar-lhe sete agulhas virgens

em três sextas-feiras seguidas, logo após o batismo na igreja.

COMO SE PERPETUA O FADÁRIO – Desfazendo os nós das suas roupas ou dando-lhe

sumiço.

PROTEÇÃO CONTRA LOBISOMEM – Abrir os braços em cruz e rezar o Crendospadre.

O alho, a lâmina de facão ou machado.

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PARA MATAR O LOBISOMEM – Atirar no seu dedo mindinho do pé. Atirar com bala

benta ou bala lambuzada em cera de vela do altar.

Textos do Professor VALTER CASSALHO da Associação Brasileira de

Folclore e presidente da Associação dos Criadores de Lobisomens

VALTER CASSALHO - Formado em História pela Faculdade de Ciências e Letras da

Fundação de Ensino Superior de Bragança Paulista em 1994. Durante os módulos científicos

da Pós Graduação (lato-sensu) na mesma faculdade desenvolveu a Pesquisa intitulada

PICANDO FUMO, um estudo sobre a formação e costumes caipiras na região bragantina.

Secretário e membro da COMISSÃO PAULISTA DE FOLCLORE.

Membro da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE FOLCLORE, a qual administra o Museu

de Folclore Rossini Tavares de Lima em São Paulo.

Fundador e primeiro presidente da ASSOCIAÇÃO DOS CRIADORES DE

LOBISOMENS - ACL em 1998 a qual tem por objetivo a catalogação e divulgação do mito

do lobisomem de Joanópolis.

Autor do livro HISTÓRIAS DO ARCO DA VELHA, Editora Vida & Consciência, através

da Secretaria do Estado da Cultura (2004).

ANEXO III

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