PARIDADE DE GÊNERO NO PODER LEGISLATIVO … · de 5% do Fundo Partidário em promoção e difusão...

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Departamento de Direito PARIDADE DE GÊNERO NO PODER LEGISLATIVO BRASILEIRO E COMPARADO Aluna: Raquel Martins de Sousa Orientadora: Adriana Vidal de Oliveira 1. Introdução: Somente há pouco mais de 80 anos as mulheres brasileiras tiveram o direto ao voto consolidado constitucionalmente, em 1934. Fato este, garantido através de muita luta pelas sufragistas, onde podemos, por exemplo, citar Leolinda Daltro 1 , fundadora do Partido Republicano Feminino, que persistiu para que um senador apresentasse o primeiro projeto de lei, em 1919, em favor do sufrágio feminino, ainda que pioneiramente Francisca Senhorinha Diniz tenha trazido este assunto logo após a proclamação da República 2 . A primeira deputada eleita pela Câmara dos Deputados foi Carlota Perez de Queiroz, em São Paulo, 1934. Antonieta de Barros foi a primeira deputada estadual negra na Assembleia de Santa Catarina (1935). A primeira senadora foi Eunice Michiles (AM), eleita suplente, tendo assumido o cargo em 1979, em vista da morte do titular. Já Laélia de Alcântara foi a primeira senadora negra da história e a terceira parlamentar, formando a bancada ao lado de Eunice Michiles, em 1981. Laélia, em sua rápida passagem pelo Senado, lutou contra o aborto e o racismo. Carlota Pereira Queiroz primeira deputada federal 1934 Ocorre que, ter conquistado o direito ao voto e cadeiras no parlamento brasileiro não foram suficientes para a real inserção da mulher nos espaços políticos e de poder. A disputa por esses espaços nunca deu-se de maneira igualitária entre homens e mulheres. Diante disto, a necessidade de intervenção jurídica a fim de minimizar esta disparidade trouxe a aprovação da Lei que garantiu a cota de gênero. Instituir cotas no sistema político configura em uma modalidade de ação afirmativa cuja finalidade é, além de remediar as desvantagens históricas, aliviando as condições resultantes de um passado discriminatório, efetivar aceleradamente a inserção das mulheres no mundo político-partidário para que a distribuição de gênero no parlamento se aproxime da real distribuição na sociedade. O sistema de cotas de gênero, difundido em todo o mundo visando a garantir vagas para as mulheres no sistema político, foi adotado pelo Brasil a partir do enunciado normativo [ 1 ] Leolinda de Figueiredo Daltro foi uma professora, feminista e indigenista baiana. Em 1910, juntamente com outras feministas, entre elas a escritora Gilka Machado, Leolinda fundou o Partido Republicano Feminino. [ 2 ]Assim que houve a proclamação da República, Francisca Senhorinha Diniz alterou o nome do seu jornal, que passava a ser O Quinze de Novembro do Sexo Feminino e destinou uma coluna fixa sobre o tema em todas as edições.

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Departamento de Direito

PARIDADE DE GÊNERO NO PODER LEGISLATIVO BRASILEIRO E

COMPARADO

Aluna: Raquel Martins de Sousa

Orientadora: Adriana Vidal de Oliveira

1. Introdução:

Somente há pouco mais de 80 anos as mulheres brasileiras tiveram o direto ao voto

consolidado constitucionalmente, em 1934. Fato este, garantido através de muita luta pelas

sufragistas, onde podemos, por exemplo, citar Leolinda Daltro1, fundadora do Partido

Republicano Feminino, que persistiu para que um senador apresentasse o primeiro projeto de

lei, em 1919, em favor do sufrágio feminino, ainda que pioneiramente Francisca Senhorinha Diniz tenha trazido este assunto logo após a proclamação da República2.

A primeira deputada eleita pela Câmara dos Deputados foi Carlota Perez de Queiroz,

em São Paulo, 1934. Antonieta de Barros foi a primeira deputada estadual negra na

Assembleia de Santa Catarina (1935). A primeira senadora foi Eunice Michiles (AM), eleita

suplente, tendo assumido o cargo em 1979, em vista da morte do titular. Já Laélia de

Alcântara foi a primeira senadora negra da história e a terceira parlamentar, formando a

bancada ao lado de Eunice Michiles, em 1981. Laélia, em sua rápida passagem pelo Senado, lutou contra o aborto e o racismo.

Carlota Pereira Queiroz — primeira deputada federal — 1934

Ocorre que, ter conquistado o direito ao voto e cadeiras no parlamento brasileiro não

foram suficientes para a real inserção da mulher nos espaços políticos e de poder. A disputa

por esses espaços nunca deu-se de maneira igualitária entre homens e mulheres. Diante disto,

a necessidade de intervenção jurídica a fim de minimizar esta disparidade trouxe a aprovação

da Lei que garantiu a cota de gênero. Instituir cotas no sistema político configura em uma

modalidade de ação afirmativa cuja finalidade é, além de remediar as desvantagens históricas,

aliviando as condições resultantes de um passado discriminatório, efetivar aceleradamente a

inserção das mulheres no mundo político-partidário para que a distribuição de gênero no parlamento se aproxime da real distribuição na sociedade.

O sistema de cotas de gênero, difundido em todo o mundo visando a garantir vagas

para as mulheres no sistema político, foi adotado pelo Brasil a partir do enunciado normativo

[1] Leolinda de Figueiredo Daltro foi uma professora, feminista e indigenista baiana. Em 1910, juntamente com outras

feministas, entre elas a escritora Gilka Machado, Leolinda fundou o Partido Republicano Feminino. [2]Assim que houve a proclamação da República, Francisca Senhorinha Diniz alterou o nome do seu jornal, que passava a ser

O Quinze de Novembro do Sexo Feminino e destinou uma coluna fixa sobre o tema em todas as edições.

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do art. 10 par 3º da Lei 9504/97, no qual estabelece normas para as eleições que com a

redação que lhe foi dada pela lei 12034/2009, dispõe que “do número de vagas resultantes das

regras previstas neste artigo cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e

máximo de 70% para candidaturas de cada sexo”. Além disso, é prevista a aplicação mínima

de 5% do Fundo Partidário em promoção e difusão da participação política de mulheres e a

utilização de pelo menos 10% do tempo de propaganda partidária em TV e rádio para

promover e difundir a participação das mulheres na política.

2. Objetivo:

O primeiro objetivo do trabalho consiste em analisar o real fator que influi no

predomínio dos perfis masculinos para os cargos legislativos e consequentemente, nos

recorrentes baixos índices de representatividade de mulheres na Câmara dos Deputados e

Senado Federal, o que contraria o princípio da igualdade, constitucionalizado no ordenamento

jurídico, e a ausência de igualdade de gênero na composição dos espaços políticos.

Logo após, procuraremos entender porque mesmo como a lei de cotas vigente, o Brasil

não consegue aumentar a elegibilidade das mulheres no Poder Legislativo, questionando se

existe efetivamente um compromisso com a igualdade de gênero na política, em comparado

com outros países que conseguem garantir a participação feminina no parlamento.

3. Metodologia:

O trabalho, desde seu início, foi realizado com reuniões presenciais e leitura de

bibliografia acerca das teorias feministas. Após muito debate escolheu-se o presente tema

levando em conta o cenário político brasileiro atual, em que vemos paulatinamente regredir a

representatividade da mulher na política.3

A presente pesquisa tem por finalidade fazer uma discussão sobre a participação

feminina na política Brasileira, em comparado com a Bolívia e Canadá. Esta primeira,

escolhida pois é o país com percentual mais alto de mulheres no sistema parlamentar, na

América Latina. O Canadá por sua vez, adotou recentemente a paridade de gênero nos mais

altos cargos de seu governo.

Em meados do ano passado, a paridade de gênero foi inclusa na pauta da reforma

política4. Reivindicada por representantes das bancadas femininas, defenderam a cota de no

mínimo 30% das cadeiras do Legislativo para as mulheres e que, a cada eleição esta suba mais

5%.

4. Política de cotas no mundo:

Instituir uma política de cotas de gênero na política é uma iniciativa que, além de

outros alcances, responde a esforços mundiais para promover a igualdade de gênero. Surgiu

em uma conjuntura de busca pela “democracia partidária”. O termo cotas eleitorais de gênero

foi consolidado pela Declaração de Atenas de 1992 serviu de marco para reivindicação por

maior participação de mulheres no Poder Legislativo, a princípio na Europa e expandiu-se

pelo mundo um pouco mais tarde.

[3] Recentemente, o presidente interino Michel Temer apresentou seu governo composto apenas por homens.

http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/05/1770420-ministeriado-de-temer-deve-ser-o-primeiro-sem-mulheres-desde-geisel.shtml [4] http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/488283-BANCADA-FEMININA-DEFENDE-INCLUSAO-DE-

COTA-PARA-MULHERES-NA-REFORMA-POLITICA.html

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A criação dessas cotas, estabeleceu5 mundialmente um patamar de 30% para

considerar a presença mínima de mulheres no parlamento. No levantamento6 realizado com

cerca de 188 países, conseguimos identificar que a maioria deles adota alguma política de

cotas e que, naqueles onde não há cotas previstas em legislação, estas são praticadas por

iniciativas dos próprios partidos.

Um estudo comparativo entre alguns países mostra que apenas a aplicação da lei não é

suficiente para que haja incremento na quantidade de cadeiras ocupadas por mulheres. É

preciso capacitar, criar programas de apoio, além de realizar campanhas de incentivo, a fim de

despertar as condições para que elas participem dos processos decisórios do país. É

necessário, especialmente, dar acesso a recursos de financiamento de campanha, abrir espaços

nos partidos políticos para a atuação das mulheres, assegurar em lei punição aos partidos que

não cumprem o que determinam as ações afirmativas, entre outras medidas.

As cotas adotadas pelos países podem ser:

• Cotas obrigatórias previstas em lei ou cotas adotadas voluntariamente pelos partidos.

As cotas instituídas podem ser administradas da seguinte forma:

• Reserva de vagas nas listas partidárias por mandamento legal: Sistema no qual uma

parte das vagas nas listas é definida em lei. Exemplos de países que adotam esse sistema:

Brasil, Argentina, Bolívia, Equador, França, Irlanda e México. Note-se que nem sempre a

reserva de vagas na lista garante que as mulheres ocuparão as posições de elegibilidade. A

relação é favorável à participação das mulheres de modo incontestável apenas quando os

países definem na lei eleitoral a alternância de gênero, o que só é possível em listas pré-

ordenadas ou fechadas.

• Reserva de cadeiras nas Casas legislativas: As vagas são preenchidas por meio de

uma lista eleitoral à parte, composta apenas de mulheres, e os assentos são distribuídos de

acordo com a votação que cada partido obtém em relação à lista. Adotam essa modalidade

Afeganistão, Bangladesh, China, Eritreia, Jordânia e Quênia. Também é possível reservar as

vagas e estabelecer cotas de ocupação, independentemente da forma de apuração. Não seria

possível no chamado sistema distrital, praticado nos Estados Unidos, mas, nos demais

sistemas, seria viável uma cota desse tipo.

• Reserva voluntária de vagas em lista partidária: corresponde a uma prática

disseminada nas mais diversas democracias, sendo predominante naquelas mais consolidadas

do mundo.

Atualmente, 54 países adotam cotas legais sobre seus processos eleitorais para as

Câmaras Baixas7 ou Únicas de seus parlamentos , expandindo-se o número para 60 quando se

consideram os países que também adotam esse tipo de cota para a Câmara Alta e/ou para o

nível subnacional.

[5] Resolução do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas estabeleceu, em 1990, a meta de alcançar 30% de

mulheres em posições de tomada de decisões, em todos os níveis, até 1995, e 50% até 2000. [6] Dados do IPU (Inter-Parlamentary Union) [7] IDEA, IPU, Stockholm University. Atlas of Electoral Gender Quotas, 2013. (Acessível em:

http://www.idea.int/publications/atlas-of-electoral-gender-quotas/)

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O simples aumento quantitativo de candidatas não gera o necessário resultado de

aumento de parlamentares eleitas, sendo fundamental que a lei disponha de mecanismos que

(i) estabeleça incentivos ou sanções para o cumprimento ou descumprimento das disposições

legais, de forma suficiente para afetar a avaliação dos selecionadores partidários na sua

análise de custobenefício de adimplência; e (ii) garanta as condições de exigibilidade das

candidatas por meio da criação de critérios de posicionamentos e classificações para as listas partidárias.

4.1. Cotas eleitorais de gênero no Brasil:

No Brasil, a legislação eleitoral e partidária estimula a participação feminina na

política através dos seguintes meios:

• Estabelece um percentual mínimo de 30% de candidaturas de cada sexo8.

• Impõe a aplicação de, no mínimo, 5% dos recursos do Fundo Partidário na

criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das

mulheres9.

• Determina que, no mínimo, 10% do tempo de propaganda partidária gratuita no

rádio e na televisão seja destinado à promoção e à difusão da participação política feminina10.

Na prática a regra significa que no mínimo, 30% das vagas deveriam ser preenchidas

por mulheres. No entanto, esse percentual nunca foi alcançado. No gráfico abaixo podemos

perceber que embora o Brasil tenha assistido uma elevação na representação política das

mulheres para o cargo de deputada federal desde meados do século passado, esse percentual

oscila entre números bastante pífios.

[8] (artigo 10, § 3º, da Lei 9.504, de 1997)

[9] (artigo 44, inciso V, da Lei 9.096, de 1995, com redação dada pela Lei 12.034,w de 2009)

[10] (artigo 45, inciso IV, da Lei nº 9.906, de 1995, com redação dada pela Lei 12.034, de 2009)

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Figura 1 – Quantidade e porcentagem de mulheres eleitas para o cargo de deputada federal – Brasil, 1945-2014. (Fonte: Tribunal Superior Eleitoral. Baseado em Oliveira, 2011).

No senado, podemos verificar que nas eleições de 2014, onde concorreram ao cargo

34 mulheres e 138 homens. Saíram vitoriosas 5 delas e 22 deles. Isso corresponde a 18,5% de

mulheres eleitas, conforme tabela abaixo. Dado que estas 5 juntaram- se às outras sete

previamente eleitas, temos no senado 1211 mulheres, ante 69 homens o que leva a percentual

de 14,8%. Recorde de representação feminina no senado até hoje.

Figura 2 – Proporção de mulheres e homens eleitos/as para o cargo de senador/a nas eleições de 2014 – Brasil. (Fonte: Secretária Especial de Políticas para Mulheres)

O que é portanto, determinante, para que ainda que com sistema de cotas, não haja

garantia do percentual mínimo de mulheres nestes espaços? Segundo o último censo do

IBGE, quase cinquenta e um por cento da população brasileira é do sexo feminino. Apesar de

sermos maioria populacional, e, portanto, termos relevância quantitativa, não temos a

relevância qualitativa e principalmente no que tange à representatividade parlamentar. Não

participamos da elaboração de leis e normas. Estamos inseridas no meio de produção, em

duplas, quiçá triplas jornadas de trabalho, no entanto, estamos fora dos meios que definem o

futuro de nosso país.

A pequena presença da mulher na política vem seguida do senso comum que tenta

justificá-la por meio de falsas afirmações como a que esta deve-se ao “desinteresse da

mesma” ou que ela não tem “vocação para a política” ou ainda que “mulher não vota em

mulher” baseadas em estereótipos machistas e sexistas que resultam de séculos de

discriminação imposta ao gênero feminino. Logo, o processo de inserção da mulher na

política inicia-se na desconstrução desta cultura de discriminação para que verdadeiramente e

de forma democrática, as mulheres ocupem os espaços políticos e de poder proporcionalmente

à sua quantidade e papel na sociedade. Além disso, o perfil do potencial candidato a ser eleito

[11] Fonte: https://www25.senado.leg.br/web/senadores/em-exercicio

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tende a seguir características tradicionais como masculina, pertencer a certos grupos étnicos,

sociais e econômicos. Em sistemas eleitorais como no Brasil, onde são estabelecidas listas

abertas para os pleitos proporcionais, cria um ambiente onde a importância maior não é ter

uma vaga para concorrer, mas sim o capital político e principalmente financeiro para garantir

sua concorrência.

Isso faz com que fatores objetivos e subjetivos rompam com a ideia de paridade que

parte de uma concepção de justiça democrática na qual todos os sujeitos de uma sociedade

possam interagir uns com os outros como pares. Como condição objetiva temos a distribuição

de recursos materiais para que estes sejam independentes entre si. Neste contexto já sabemos

que as mulheres pertencem ao grupo onde formas e níveis de dependência econômica

institucionalizam a exploração e autorizam a enorme disparidade de concentração de riqueza,

renda e tempo livre. Já a condição subjetiva vem da institucionalização de normas culturais

que efetivam esta paridade entre os sujeitos e garantam igual oportunidades no campo social.

Além do que, como Judith Butler explica em sua teoria, isto ocorre a partir da

naturalização do processo de constituição das identidades de gênero12. É possível então

perceber que o gênero está continuamente demarcando o processo do papel que cada um teria

na sociedade. Os papéis de poder, ao que podemos ver, estão sempre nas mãos do homem,

que dentro da relação de gênero e sexo biológico está na posição de dominação social.

A garantia institucional do direito de voto e de participação nas esferas de poder (cotas

e paridade) convive com elementos patriarcais na cultura política que, relacionados a déficits

em sistemas políticos, eleitorais e partidários, incidem restritivamente, no acesso das mulheres

a cargos eletivos e à vida pública.

Ainda em relação à legislação eleitoral, entre a participação feminina e as regras

eleitorais estão presentes fatores que tem sido observados em experiência internacional.

Alguns dispositivos legais podem influenciar e determinar uma efetiva participação das

mulheres no poder legislativo, como por exemplo, o financiamento democrático de campanha.

O financiamento privado de campanhas estabelece um viés excludente da participação de

mulheres. Os Estados Unidos, por exemplo, que possui este modelo de financiamento tem a

menor participação destas, entre as democracias consolidadas13.

No que tange à aplicação dos recursos do Fundo Partidário na promoção da

participação feminina e a utilização de 10% do tempo de TV e rádio 14, segundo informações

do TSE, alguns partidos não vêm cumprindo o que estabelece a Lei, ou se cumprem, não

fazem o devido registro:

As informações de despesas foram obtidas exclusivamente dos demonstrativos publicados na página eletrônica do TSE, apresentados a este

tribunal pelos próprios partidos. Uma vez que as contas ainda não foram

julgadas, não foi objeto dessa análise a regularidade na aplicação dos

recursos em programas da mulher, o que poderia impactar no percentual aplicado.

Informa-se que o PCO não recebeu recursos do Fundo Partidário no

exercício de 2010 e que os partidos PPL, PSD e PEN somente foram registrados no TSE em 2011 e 2012.

[12] O argumento central da teoria feminista produzida por Butler é desenvolvido a partir dos atos performativos, uma vez que eles, a

princípio, possuem a função de naturalizar o processo de constituição das identidades de gênero. Tal diferenciação se reflete até mesmo na

divisão do trabalho e ao se compreender esse mecanismo é possível entender, posteriormente, as diferenças entre as expectativas sociais em

relação ao comprometimento de homens e mulheres em seus núcleos familiares, entre outras questões. [13] Dados do IPU [14] Art 44 Lei 9.096 de 1995.

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Dados TSE

De acordo com os dados podemos ver que o determinado em Lei não vem sendo

cumprido pela maioria dos partidos e portanto, não tem auxiliado na efetivação da

participação feminina no legislativo. Isto ocorre também em razão da falta de sanção legal

rígida por parte dos órgãos executivos, dificultando cada vez mais a paridade de gênero no

Brasil.

Infelizmente, os números só têm piorado diante deste cenário excludente e

absolutamente não democrático nem republicano. Em 2014, 9,9% das cadeiras ocupadas na

Câmara dos Deputados eram compostas por mulheres. Já no Senado Federal, estas ocupavam

18,5% das mesmas. Levantamentos feitos em Dezembro/2014 pela Inter-Parliamentary Union

(União Interparlamentar Mundial) apresentam o Brasil na 158ª posição dentre os 188 países.

Quando comparado com seus vizinhos latino-americanos a situação continua torpe,

apresentando a penúltima pior situação, perdendo apenas para o Haiti. Temos menos mulheres

no Legislativo que o Oriente Médio. Apesar de o Brasil ter sua primeira presidente mulher, a

UIP alerta que a representação democrática está abaixo dos padrões internacionais.

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Tratando-se da América Latina, a Bolívia é o país com maior representatividade

feminina no Parlamento, com 53,1% de representantes na Câmara e, 47% no Senado. O país

foi o único entre seus vizinhos a implementar a lei de paridade aplicada pela primeira vez nas

eleições de 2014, na qual todas as listas de candidatura devem alternar homens e mulheres.

Recentemente, o Canadá implementou um novo governo em que metade dos

ministérios são compostos por mulheres, pela primeira vez. As mulheres receberam pastas

estratégicas, como de Comércio Internacional. O Ministro ainda deu como resposta às

indagações sobre esta “escolha” o motivo de o governo do Canadá precisar ter “cara de

Canadá.” Em suma, num país onde 50,4% da população é composta por mulheres, pela

primeira vez há representatividade deste quantitativo governando o país.

4.2. Representatividade feminina no Legislativo da Bolívia e Canadá

Segundo dados da União Interparlamentar, a América Latina sempre apresentou baixo

índice na representatividade feminina no Parlamento até os anos 2000. A partir daí os

números começaram a mudar e em 2014, o continente americano já havia ultrapassado os

demais continentes, inclusive o da Europa, que até 2006 liderava o ranking com 29 % de parlamentares femininas.

Fonte: IPU (2015) *Países com sistema Unicameral

**Dados não disponíveis

Conforme tabela acima vemos que o Brasil foi o país que menos evoluiu nos números.

E hoje, a Bolívia é o país das Américas que possui a porcentagem mais alta de participação

feminina no Legislativo, destacando-se assim por seu alto grau de inclusão das mulheres na

política.

De acordo com o Código Eleitoral boliviano, tanto a lista de candidaturas principal

quanto a de suplências com mais de uma candidatura para eleições na Câmara dos Deputados

deve incluir, de maneira alternada, igual número de homens e mulheres. Se a lista é composta

por um número ímpar de candidaturas, a preferência deve ser dada à mulher. A Bolívia adota

o bicameralismo, com a adoção do sistema misto, de lista fechada. Na Câmara dos Deputados,

a porcentagem de mulheres é de 53%. Já no Senado, a porcentagem é de 47%. Além disso, as

cotas são aplicadas na mesma proporção nas eleições regionais.

Este modelo deu-se à cobrança do movimento de mulheres na Bolívia, desde 1980,

onde deram início à Confederação Nacional de Mulheres Campesinas e Indígenas da Bolívia

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Bartolina Sisa15, que surge a partir da “dupla discriminação” sofrida pelas mulheres

campesinas, que passaram a sentir a necessidade de lutar pelos direitos fundamentais e pela

participação feminina na tomada de decisão. Desta forma, entre os objetivos seguidos pelo

grupo estão a “adoção da igualdade de gênero como forma de vida entre homens e mulheres”

e também a eliminação de “barreiras mentais discriminatórias”16.

Em 2009, com a reformulação da política de cotas, ficou obrigatório que as

candidaturas deveriam ser alternadas entre homens e mulheres, estabelecendo assim a política

de paridade e alternância que tem surtido efeito. No ano passado, a Câmara dos Deputados

elegeu, a primeira mulher como presidenta da Casa. Esta mobilização e reivindicação por

parte das mulheres, acirrou a necessidade de aumento de políticas publicadas voltadas a este

grupo aprovando, por exemplo, normativas para que as mulheres tenham direito à propriedade

da terra, o que antes não estava consolidado17.

Desde então, através destas políticas, a Bolívia tem conseguido garantir a efetividade

desta paridade nos espaços de poder, comprovando assim que apenas implementar cotas de

gênero não é suficiente se não vier acompanhada de ações que visem a eliminar a

discriminação histórica sofrida pela mulher.

Ainda na América, recentemente o Canadá nomeou um governo igualitário na

formação do Governo de Trudeau que venceu a eleição em outubro do ano passado com

promessas de renovação e igualdade. O governo, que tem 30 ministérios, foi dividido entre 15

homens e 15 mulheres. Além de ser composto proporcionalmente por mulheres e homens, o

ministério também é diverso na questão religiosa e pela primeira vez também é composto por

Mulçumanos e pertencentes das Primeiras Nações.18 Ao ser indagado do motivo deste

governo, Trudeau respondeu que é “Um governo que é imagem do Canadá.”

Diante de um cenário mais democrático e inclusivo, as mulheres se viram na condição

de reivindicar mais direitos. Recentemente, um grupo de feministas pediram ao primeiro-

ministro canadense que preenchesse as vagas do senado exclusivamente com mulheres até

que existisse de fato uma paridade nesta casa.

Vemos que à medida em que espaços são conquistados, as mulheres ganham força

para pleitear mais avanços.

[15] Bartolina Sisa era esposa de Túpac Katari, importante líder do movimento indígena [16] Agencia Plurinacional de Comunicación [17] Constituição de 2009 normatizou direitos das mulheres à propriedade de terra. Antes esse direito pertencia apenas aos homens. [18] Primeiras Nações, são conhecidas as etnias nativas que habitavam o Canadá, antes da chegada dos europeus.

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Conclusão:

Analisando ainda o que já foi tratado é possível afirmar que os sistemas de cotas de

representação têm mostrado um bom resultado, principalmente nos países, que contam com

maior atuação dos grupos de mulheres. Foi a partir da busca pelos direitos da mulher, que

muitas perceberam na atuação política uma forma institucionalizada de representar seus

interesses, influenciando diretamente políticas públicas, como foi o caso da Bolívia.

Dessa forma, é preciso levar em conta que no Brasil, a falta de envolvimento com a

política local é quase cultural e não apenas um mal relacionado às mulheres, porém, os

homens acabam vendo maiores possibilidades na carreira política enquanto, devido questões

anteriormente levantadas como a dupla jornada e a falta de interesse político, as mulheres

tendem a buscar outras áreas de atuação. Assim sendo, não se pode imaginar que uma

modificação no sistema político seria o mais apropriado, como a alteração de cotas partidárias

para cotas de acentos reservados por exemplo. Pelo contrário, não ocasionaria grandes

mudanças, pois não haveria alteração na estrutura, seria algo imposto e não modificado,

podendo assim ocasionar a ocupação das cadeiras, por mulheres que não venham a defender

interesses femininos. Do mesmo modo, a cultura patriarcal fortemente enraizada na população

brasileira somada a um sistema eleitoral de lista aberta, afeta diretamente a eleição das

mulheres. Ou seja, a prática comum de “preencher” as vagas destinadas às mulheres, acaba

colocando nas listas, mulheres que nem sempre têm um histórico de atuação na política, ou

em causas inerentes ao público feminino, ou a sociedade em geral. Isto ficou evidenciado por

exemplo, na Assembleia Constituinte, onde parte das mulheres Constituintes não tinham

ligação nenhuma com o movimento feminista. Parte delas conseguiu relevante apoio popular

em virtude de terem desempenhado funções assistencialistas em governos de seus maridos (OLIVEIRA, 2012)19.

Desse modo, a criação de cotas de assento no Brasil, poderiam apenas alterar o cenário

dessa prática, de dentro dos partidos para as assembleias legislativas. Assim, a chamada para

atuação das mulheres na política deve se dar de forma mais complexa e anterior a filiação das

mesmas. A elaboração de projetos e incentivos a criação de grupos regionais que tratem de

temas importantes à mulher, são formas de se criar uma boa base para a autonomia da política

feminina, além de dar espaço para discutir o papel exercido pela mulher na sociedade. Os

países analisados já provaram que organizações de mulheres têm exercido importante

influência nas políticas públicas e feito valer a lei de cotas. O Brasil já deu o primeiro passo

com a adoção da lei, agora é hora de tornar público questões de interesse das mulheres que há

muito vêm sendo pautadas pelo movimento feminista, instigando a classe a dialogar a respeito e posicionarem-se.

Enquanto que no Brasil ainda se faz necessária a conscientização social da importância

da participação feminina, na Bolívia as mulheres têm atuado cada vez mais em projetos

pautados neste tema, buscando maior participação nas esferas decisórias, interesse esse que

surge a partir do momento que percebem que sua atuação no mercado de trabalho é tão

importante para a economia local quanto é a do homem, e que por esse motivo deveriam ser

tratadas como cidadãs, com o mesmo respeito que era dado aos demais. Ou seja, fica claro

que é a partir do “empoderamento” feminino que surge a conscientização de que a igualdade

de gênero é necessária, e que um meio de se alcançar isso seria através da política. Do mesmo

[19] OLIVEIRA, Adriana Vidal. A Constituição da Mulher Brasileira Uma análise dos estereótipos de gênero na Assembleia Constituinte de 1987-1988 e suas consequências no texto constitucional. 2012. pg 204.

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modo, a atuação dos movimentos sociais é de grande importância para uma percepção

positiva da sociedade em relação as modificações que devem ser realizadas. Quanto aos

países que adotaram a lei de cotas partidárias, mas ainda não presenciaram grandes mudanças,

como é o caso do Brasil, se faz necessário fortalecer projetos voltados para diminuição da

desigualdade de gênero e dar maior atenção às demandas levantadas pelo movimento

feminista de forma a permitir que as mulheres tomem consciência de sua importância nas bancadas e passem a se envolver cada vez mais na esfera política.

Deve-se considerar, também, a plataforma de ação das candidatas mulheres e o que

vem sendo proposto nessas campanhas, com o objetivo de analisar se questões de interesse do

público feminino vêm sendo abordadas, de modo que essas quando eleitas, exerçam uma

política de ideias e não apenas de presença.

Conclui-se que muito antes da modificação do sistema de cotas brasileiro, uma maior

atenção a questões de igualdade de gênero se faz necessária, do mesmo modo que uma melhor

análise da presença de mulheres dentro dos partidos, também é importante, já que, uma vez

que existam filiadas e candidatas, mesmo que em número inferior aos homens, logo, o

problema não está na entrada de mulheres nesse meio.

No atual cenário político em que a primeira presidenta eleita foi afastada de seu cargo

e substituiu-a seu vice Michel Temer, temos um governo onde nenhum ministério é ocupado

por mulheres. Desta forma percebemos que os baixos índices de representatividade feminina

no Congresso Nacional brasileiro em suas tendências atuais não sofrerão alteração e melhora

significativa sem as devidas intervenções. Demonstram ainda que a preocupação da ONU e

outros entes internacionais é fundamentada sob a denotação da naturalidade com que lidam

com a desigualdade de gênero no atual governo. Busca-se aqui esclarecer o significado da

representação de mulheres e oferecer argumentos adicionais à ideia de que tais práticas

representativas diferenciadas são um importante instrumento de inclusão política.

A procuradoria Especial da Mulher no Senado Federal tem como proposta a“reserva

de vagas na Câmara dos Deputados, no Senado Federal, nas Assembléias Estaduais, na

Câmara Legislativa do Distrito Federal e nas Câmaras Municipais, começando com 30% e

elevando-se gradualmente até que a plena equidade seja alcançada (50%). A proposta inclui

ainda o financiamento democrático de campanha com reserva de 30% dos recursos do Fundo

Partidário para financiar candidaturas femininas e a previsão legal de punição para os partidos

que não cumprirem as leis quanto a cotas de gênero.”20

Superar os fatores que influenciam a baixa participação das mulheres no Poder

Legislativo deve ser a principal intervenção a ser feita. No que tange à situação a mulher na

sociedade a elevada carga de trabalho, com a tripla jornada; o caráter machista da sociedade e

o domínio masculino dos partidos políticos são os principais desafios. Quanto às leis

afirmativas as falhas são, na ineficiência dentro do atual sistema brasileiro de cotas; a baixa

alocação de recursos nas campanhas das mulheres; a falta de punição aos partidos que não

cumprem a legislação e a falta de formação e campanhas de conscientização.

Referências:

<http://www.ipu.org/wmn-e/world.htm>

[20] http://www12.senado.gov.br/senado/procuradoria/

Departamento de Direito

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Procuradoria Especial da Mulher do Senado Federal. + Mulheres na Política.