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ANO 19 - Nº 227 - OUTUBRO/2011 - ISSN 1676 - 3661 O DIREITO POR QUEM O FAZ: DIREITO PROCESSUAL PENAL. PARIDADE DAS PARTES. PRINCÍPIO DA IGUALDADE PROCESSUAL. SISTEMA ACUSATÓRIO. SEPARAÇÃO ENTRE ÓRGÃO ACUSADOR E O JUIZ. 1ª Vara Criminal do Foro Regional de Restinga/RS Procedimento administrativo 02/2011 j. 19.07.2011 Relatório A Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, por intermédio da Defensora Pública com atribuição para atuar perante esta Vara Criminal, Dra. Cleusa Maria Ribei- ro Trevisan, requereu, administrativamente, o remanejo dos móveis da sala de audiências, a fim de que o assento destinado ao órgão do Ministério Público seja posicionado no mesmo plano do da defesa. (...) Juntou documentos. Sucinto relatório. Passo a fundamentar. Fundamentação A recente onda de reformas do já vetusto Código de Processo Penal, dentre tantas alterações – algumas esperadas e proveito- sas, outras de feitio e resultado um tanto questionável –, com inspiração no novel Princípio Constitucional da razoável duração do processo (expressamente acrescentado à Carta Magna pela Emenda Constitucional 45/2004) e buscando mais ampla incidência do Princípio da Oralidade (e todos os seus desdobramentos) no âmbito criminal, con- centrou inúmeros atos processuais em uma única e ininterrupta (em tese) solenidade, denominada de “audiência de instrução e julgamento”. (...) Esse rearranjo, que nada mais é do que um ponto na contínua e vagarosa mudança do desenho, paradigma, processual-penal pátrio (que se acentuou há quase vinte e dois anos, com a promulgação da vigente Constituição), proporciona bem-vinda janela a repensar práticas e costumes de tempos imemoriais que, até ora, perpetuam-se. Há os que dizem que foi este o modelo adotado; outros ressaltam que não houve, de modo expresso, acolhimento desta sorte. Seja como for, o sistema processual penal acusa- tório – e não suas alternativas: o inquisitivo e o misto – é o que melhor se conforma com o arcabouço axiológico normativo da Cons- tituição Federal. Assim, ao atribuir ao Parquet, privativa- mente, a ação penal pública (art. 129, inciso I), a Lei Fundamental, parece, quis estabe- lecer a imprescindibilidade de sua atuação para o processo e, consequentemente, evitar o embricamento das funções dos sujeitos processuais. Com efeito, no processo penal, deve haver as figuras do acusador e do julgador; e elas devem ser bem delimitadas, separadas, de modo que um com o outro não se confunda. Pois bem. A atual situação cênica dos móveis da sala de audiência, por estar o assento destinado ao órgão do MP imediatamente do lado do julgador, vai de encontro a essa necessária diferenciação. Com efeito, visualmente, isso transmite a um observador – que ignora os regramentos positivos e consuetudinários – a impressão de, senão identidade, de proximidade das atribuições. (...) Embora falar em paridade de armas no âmbito do processo penal não seja de todo pacífico (afinal, beneficia-se o acusado de mais armas, como o Princípio do Favor Rei; a possibilidade de opor embargos infringen- tes e de nulidades em grau recursal e ajuizar revisão criminal etc.), há, aí, um tratamento não isonômico (desigualdade material) difícil de ser justificado. Além disso, essa conjectura “geográfica” pode – não se deve descartar – até mesmo influenciar no deslinde dos processos. Não por alguma ascendência formal sobre a de- fesa: nesse ponto, a igualdade é inatacável. E sim, na colheita da prova. Isso porque a confusão visual entre Juiz e Promotor, efeito da disposição dos assentos, tende, sim, não se negue e nem fantasie, a interferir no ânimo das pessoas que prestam declarações, sobretudo no das mais simples e humildes, que, infelizmente, são a maioria absoluta das que se fazem presentes nesta Vara Criminal, cuja competência territo- rial abrange uma das áreas mais pobres da Cidade. Posto isso, há necessidade de readequação do mobiliário da sala de audiências, tal como requerido pela Defensoria Pública. É verdade, tanto na Lei Orgânica Nacio- nal do Ministério, como na Lei Orgânica do Ministério Público do Rio Grande do Sul consta ser prerrogativa do membro do Parquet sentar-se “à direita” do julgador. Ocorre, porém, que isso é matéria de orga- nização judiciária; e, como tal (nos termos da Constituição da República, art. 125, §1°), de competência legislativa Estadual e de iniciativa do Tribunal de Justiça. Taxativamente: as disposições citadas são inconstitucionais (na medida em que a CF reservou ao Estado legislar sobre organização Judiciária, e, no ponto, no Estado do Rio Grande do Sul há lei, o COJE, prevendo a forma de organização da sala de audiências). (...) Ainda que assim não fosse – ou seja, que constitucionais fossem as disposições das leis orgânicas antes mencionadas –, persistiria a indesejável inferência. Ora, sentar “à direita” do Juiz não sig- nifica, em hipótese alguma, tomar assento “imediatamente ao lado direito”. (...) Por outro prisma, o da ponderação das funções do Ministério Público, chega-se à idêntica ilação. De fato, nos processos (cíveis) versando sobre interesses de incapazes, causas sobre o estado das pessoas etc., em que o Parquet nada pede, nem tem nada contra si pedido, intervindo como custos legis, é até compre- ensível que se situe no mesmo plano ao lado do Juiz: estaria ali como desinteressado na lide posta. O mesmo, todavia, não ocorre na ação penal (pública). Nela, é o órgão MP que decide pela sua proposição ou não (forma sua opinio delicti); é quem tem o ônus de provar seus termos; isso sem falar nos casos em que investiga DIREITO PROCESSUAL PENAL. PARIDADE DAS PARTES. PRINCÍPIO DA IGUALDADE PROCESSUAL...

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ANO 19 - Nº 227 - OUTUBRO/2011 - ISSN 1676 - 3661

O DIREITO POR QUEM O FAZ:

DIREITO PROcEssUAl PEnAl. PARIDADE DAs PARTEs. PRIncíPIO DA IgUAlDADE PROcEssUAl. sIsTEMA AcUsATóRIO. sEPARAçãO EnTRE óRgãO AcUsADOR E O jUIZ.1ª Vara criminal do Foro Regional de Restinga/RsProcedimento administrativo 02/2011j. 19.07.2011

RelatórioA Defensoria Pública do Estado do Rio

Grande do Sul, por intermédio da Defensora Pública com atribuição para atuar perante esta Vara Criminal, Dra. Cleusa Maria Ribei-ro Trevisan, requereu, administrativamente, o remanejo dos móveis da sala de audiências, a fim de que o assento destinado ao órgão do Ministério Público seja posicionado no mesmo plano do da defesa. (...)

Juntou documentos. Sucinto relatório. Passo a fundamentar.

FundamentaçãoA recente onda de reformas do já vetusto

Código de Processo Penal, dentre tantas alterações – algumas esperadas e proveito-sas, outras de feitio e resultado um tanto questionável –, com inspiração no novel Princípio Constitucional da razoável duração do processo (expressamente acrescentado à Carta Magna pela Emenda Constitucional 45/2004) e buscando mais ampla incidência do Princípio da Oralidade (e todos os seus desdobramentos) no âmbito criminal, con-centrou inúmeros atos processuais em uma única e ininterrupta (em tese) solenidade, denominada de “audiência de instrução e julgamento”.

(...)Esse rearranjo, que nada mais é do que um

ponto na contínua e vagarosa mudança do desenho, paradigma, processual-penal pátrio (que se acentuou há quase vinte e dois anos, com a promulgação da vigente Constituição), proporciona bem-vinda janela a repensar práticas e costumes de tempos imemoriais que, até ora, perpetuam-se.

Há os que dizem que foi este o modelo adotado; outros ressaltam que não houve, de modo expresso, acolhimento desta sorte. Seja como for, o sistema processual penal acusa-tório – e não suas alternativas: o inquisitivo

e o misto – é o que melhor se conforma com o arcabouço axiológico normativo da Cons-tituição Federal.

Assim, ao atribuir ao Parquet, privativa-mente, a ação penal pública (art. 129, inciso I), a Lei Fundamental, parece, quis estabe-lecer a imprescindibilidade de sua atuação para o processo e, consequentemente, evitar o embricamento das funções dos sujeitos processuais.

Com efeito, no processo penal, deve haver as figuras do acusador e do julgador; e elas devem ser bem delimitadas, separadas, de modo que um com o outro não se confunda.

Pois bem. A atual situação cênica dos móveis da sala

de audiência, por estar o assento destinado ao órgão do MP imediatamente do lado do julgador, vai de encontro a essa necessária diferenciação.

Com efeito, visualmente, isso transmite a um observador – que ignora os regramentos positivos e consuetudinários – a impressão de, senão identidade, de proximidade das atribuições.

(...)Embora falar em paridade de armas no

âmbito do processo penal não seja de todo pacífico (afinal, beneficia-se o acusado de mais armas, como o Princípio do Favor Rei; a possibilidade de opor embargos infringen-tes e de nulidades em grau recursal e ajuizar revisão criminal etc.), há, aí, um tratamento não isonômico (desigualdade material) difícil de ser justificado.

Além disso, essa conjectura “geográfica” pode – não se deve descartar – até mesmo influenciar no deslinde dos processos. Não por alguma ascendência formal sobre a de-fesa: nesse ponto, a igualdade é inatacável. E sim, na colheita da prova.

Isso porque a confusão visual entre Juiz e Promotor, efeito da disposição dos assentos, tende, sim, não se negue e nem fantasie, a interferir no ânimo das pessoas que prestam declarações, sobretudo no das mais simples e humildes, que, infelizmente, são a maioria absoluta das que se fazem presentes nesta

Vara Criminal, cuja competência territo-rial abrange uma das áreas mais pobres da Cidade.

Posto isso, há necessidade de readequação do mobiliário da sala de audiências, tal como requerido pela Defensoria Pública.

É verdade, tanto na Lei Orgânica Nacio-nal do Ministério, como na Lei Orgânica do Ministério Público do Rio Grande do Sul consta ser prerrogativa do membro do Parquet sentar-se “à direita” do julgador. Ocorre, porém, que isso é matéria de orga-nização judiciária; e, como tal (nos termos da Constituição da República, art. 125, §1°), de competência legislativa Estadual e de iniciativa do Tribunal de Justiça.

Taxativamente: as disposições citadas são inconstitucionais (na medida em que a CF reservou ao Estado legislar sobre organização Judiciária, e, no ponto, no Estado do Rio Grande do Sul há lei, o COJE, prevendo a forma de organização da sala de audiências).

(...)Ainda que assim não fosse – ou seja, que

constitucionais fossem as disposições das leis orgânicas antes mencionadas –, persistiria a indesejável inferência.

Ora, sentar “à direita” do Juiz não sig-nifica, em hipótese alguma, tomar assento “imediatamente ao lado direito”.

(...)Por outro prisma, o da ponderação das

funções do Ministério Público, chega-se à idêntica ilação.

De fato, nos processos (cíveis) versando sobre interesses de incapazes, causas sobre o estado das pessoas etc., em que o Parquet nada pede, nem tem nada contra si pedido, intervindo como custos legis, é até compre-ensível que se situe no mesmo plano ao lado do Juiz: estaria ali como desinteressado na lide posta.

O mesmo, todavia, não ocorre na ação penal (pública).

Nela, é o órgão MP que decide pela sua proposição ou não (forma sua opinio delicti); é quem tem o ônus de provar seus termos; isso sem falar nos casos em que investiga D

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pessoalmente determinada notitia criminis. Seu papel, aí então, não é de parecerista,

custos legis, mas, sim, autêntica e primordial-mente, de acusador público.

O que foge disso é acidental, secundário. Por isso, não lhe é exigido – nem, acres-

cento, seria exigível – imparcialidade, a não ser, nos termos legais, a ausência de impedi-mento e de suspeição do respectivo órgão.

Afinal, como é possível fazê-lo (demandá--la) daquele sujeito que tem que previamente se convencer da existência de um crime e de que não está a acusar pessoa inocente; daquele que tem contato direto com a Polí-cia (cujo controle externo exerce), de quem cobra a produção de provas contundentes e inequívocas; daquele que recebe, mais diretamente, influxos sociais clamando por segurança pública, muitas vezes com contato direto com as vítimas e com todas as afli-ções que lhes acometem; daquele que tem de laborar no sentido de provar os pedidos que fez, sob pena de, ao fim, tê-los julgado improcedentes.

Em suma: o fardo de acusar é pesado demais para a pessoa. Por mais bem inten-cionada, equilibrada e distante que se consiga manter dos casos, terá, em maior ou menor medida, suas percepções obnubiladas por essa gama de fatores; será parcial. Isto caracteriza quem é parte. Isso, friso, não é demérito; não acarreta perda de prestígio ou credibilidade.

Pelo contrário, é importante – ou melhor: essencial – a presença de um acusador público

comprometido com os casos ajuizados ao pleno contraditório, à dialética processual. É isso que a sociedade espera. Nesse pano-rama, não tem sentido o órgão do MP que atua no âmbito criminal – diga-se mais uma vez: como acusador público – ter assento imediatamente do lado do Juiz; não há por-quê colocar-se como imparcial, quando, de fato, não é.

(...)Somando-se a tudo isso, há, ainda, um ou-

tro dado a ser relevado: gozam os Defensores Públicos, nos termos da Lei Complementar 80/94, art. 4°, §7°, da garantia de sentar no mesmo plano do Ministério Público.

Pois bem. Para ser efetivada, tal norma, necessa-

riamente, impõe o remanejo do lugar cos-tumeiramente destinado ao Parquet, pois a alternativa (os representantes de ambas as instituições ficarem no plano sentarem-se horizontalmente em relação ao Julgador) é impossível.

Isso porque o Juiz deve, por razões de ordem administrativo-prática, estar próximo do escrivão, seu auxiliar, que, de praxe, senta logo à sua esquerda; e, de outro lado, à sua direita, o estenotipista, que deve estar posi-cionado de modo a, além de escutar, poder ver os movimentos labiais das pessoas que perguntam e expõem em audiência, a para melhor desempenhar seu mister (registrar os acontecimentos).

Ademais disso, assim como não é razoável

estabelecer diferenciação entre o Ministério Público e os demais atores parciais (assis-tentes da acusação e defensores), no que diz como os assentos na sala de audiências, tampouco é fazê-lo entre Defensores Públicos e Advogados. Assim, seja pela previsão da lei local (COJE), em vigor e recepcionado, no ponto, pela CF; seja porque a LOMIN ou outro estatuto do MP não preveja a prerrogativa de sentar “ao lado” do Juiz (como expressamente inclusa no caso que quis ressalvar); seja porque, por necessidade e conveniência da administração da Justiça (organização dos auxiliares diretos do Juiz), deve haver a adequação pretendida.

DispositivoPelo exposto, ACOLHO o requerimento

administrativo formulado pela Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul e DETERMINO a alteração do mobiliário da sala de audiências, de modo que seja re-movido o assento ora destinado ao órgão do Ministério Público, que deverá, quando com-parecer às solenidades aprazadas pelo Juízo, tomar lugar nos remanescentes que se situam “à direita” (e não ao lado) do Julgador. (...)

Procedam-se às diligências necessárias à reorganização dos móveis, inclusive com ciência ao Estenotipista.

Porto Alegre, 19 de julho de 2011.

Mauro Caum Gonçalves Juiz de Direito Substituto

DIREITO PEnAl. FURTO. PRIncíPIO DA sUbsIDIARIEDADE. REPARAçãO DO DAnO. AnAlOgIA in bonam partem. FAlTA DE jUsTA cAUsA. TRAncAMEnTO DA AçãO PEnAl.superior Tribunal de justiça6.ª T. – HC 197.601j. 28.06.2011 – public. 03.08.2011cadastro IbccRIM 2312

RelatórioCuida-se de habeas corpus, substitutivo de

recurso ordinário, com pedido liminar, em favor de P.J.K.M., apontando como autori-dade coatora o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (...).

Consta dos autos que o paciente foi denun-ciado como incurso no art. 155 do Código Penal. Segundo a denúncia, teria ocorrido a suposta prática de furto de água, em razão de uma ligação direta na rede de abastecimento da CEDAE, causando prejuízos à empresa responsável pela distribuição de água. A denúncia foi recebida em 25.08.2010 e, em

sede de resposta à acusação, a defesa requereu a extinção da punibilidade, mas o juízo de primeiro grau indeferiu o pedido.

Alega a impetrante que o paciente já efe-tuou o pagamento do valor estimado do preju-ízo em 21.12.2009, antes do oferecimento da denúncia, em 03.08.2010, o que demonstra a ausência de justa causa para a ação penal. (...)

É o relatório.Voto

O objeto da impetração cinge-se à veri-ficação de existência de justa causa para a ação penal, porquanto o prejuízo oriundo de suposto furto de água teria sido ressarcido à companhia de abastecimento.

Busca-se, aqui, o reconhecimento de raciocínio analógico entre a extinção da punibilidade promovida nos crimes fiscais e previdenciários.

A par do instigante argumento constante da impetração, de que haveria espaço para se promover o alargamento das disposições ligadas aos crimes fiscais e previdenciários, penso que o mais importante, in casu, é ter em linha de consideração o princípio da sub-sidiariedade, segundo o qual o Direito Penal deve ser visto como ultima ratio.

Na espécie, a intervenção social menos drástica seria a sanção civil – cuja senda in-clusive já se encontra pacificada. (...)

Penso que os fatos enfocados na denúncia não ultrapassam os limites do ilícito civil e, como tal, já alcançou, inclusive equacionamento. Desta maneira, penso que o manejo do Direito Penal implicaria intervenção estatal desproporcional, dado que, numa perspectiva conglobante não seria possível falar-se em tipicidade. (...)

Entrementes, a conferir tonalidade mais DIR

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DIREITO PEnAl. OPERAçãO DE câMbIO cOM O FIM DE PROMOVER DE EVAsãO DE DIVIsAs. PRIncíPIO DA ExclUsIVA PROTEçãO DO bEM jURíDIcO. AVAlIAçãO DO gRAU DE lEsIVIDADE AO bEM jURíDIcO. cAUsAs DE ATIPIcIDADE. cOnsTRAngIMEnTO IlEgAl. ExclUsãO DO nOME DO InDIcIADO nO InQUéRITO POlIcIAl. TRAncAMEnTO DO InQUéRITO POlIcIAl.2ª Vara Federal criminal da subseção judiciária do Rio de janeiro HC 0803753-74.2011.4.02.5101j. 14.06.2011 – public. 21.06.2011

RelatórioCuida-se de habeas corpus impetrado em

favor de D.F.G.C. e M.F.G.C., em face de ato de Delegado de Polícia Federal. Requerem os impetrantes a anulação do indiciamento do primeiro paciente e o trancamento do IPL 573/2006 (...) instaurado no âmbito da DELEFIN - Rio de Janeiro em relação a ambos. Argumentam que a conduta atribuída aos pacientes seria atípica, à razão de que os valores mantidos na conta outrora a eles pertencente no exterior estariam aquém do limite estabelecido pelo BACEN, a partir do qual seria exigida a respectiva declaração à autarquia federal.

Devidamente notificada, a autoridade im-petrada prestou informações às fls. 697/700.

O MPF opinou pela concessão parcial da ordem, com a anulação do indiciamento do primeiro paciente e prosseguimento das investigações em relação a ambos. Asseverou o parquet que o inquérito policial instaurado tem como escopo apurar, além de crimes financeiros, também crimes tributários, de lavagem de dinheiro e de formação de quadrilha.

Vieram os autos conclusos para sentença.É o relato.

FundamentaçãoA ordem deve ser parcialmente concedida. De fato, consoante a portaria de instaura-

ção (...), o IPL 573/2006 (...) apura a prática de crimes contra o sistema financeiro nacional (art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86), crimes contra a ordem tributária (art. 1º da

Lei 8.137/90), crimes de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/98) e crimes de formação de quadrilha (art. 288 do CP), sem prejuízo de outros tipos penais cuja prática eventualmente for constatada durante a investigação.

Quanto ao crime do art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86 (manutenção de depósitos não declarados às repartições fe-derais competentes) assim dispõe o referido dispositivo:

“Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País:

Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem auto-rização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.”

Depreende-se do dispositivo legal citado que o delito em questão é permanente e de mera conduta, sendo inexigível o especial fim de agir, bastando para a demonstração de dois elementos objetivos, quais sejam: a manutenção de depósitos em conta no exterior e sua não declaração à autoridade federal competente.

(...)Portanto, para configuração do delito

em questão, mostra-se imprescindível que o agente mantivesse depósito no exterior na data 31 de dezembro e que não declarasse, no momento oportuno, à autoridade com-petente. Salienta-se que a comprovação da existência ou não de saldo incumbe ao réu “uma vez que é defeso imputar à acusação a comprovação de excludente da antijuridici-dade” (ACR 2000.71.00.021894-0/RS, 8ª Turma, rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, D.E., ed. 16-05-2007).

(...)

Ao que consta dos autos, a conta (...), foi aberta pelos pacientes no (...) Bank of New York em 14 de novembro de 2002 (...) e encerrada em setembro de 2006, conforme informações do próprio banco (...).

Como visto acima, até 07-12-2001, na esteira do quanto contido no art. 22 da Lei 7.492/86 e Carta Circular/BACEN 3.071, a repartição federal competente para receber as informações atinentes a depósitos mantidos no exterior era a Receita Federal. Contudo, é certo que a não declaração de depósito no exterior à Receita Federal, particularmente, independe do seu valor e configura o crime de sonegação fiscal, previsto na Lei 8.137/90, e não o do art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86.

É importante destacar que o valor do de-pósito mantido no exterior também é questão relevante para se configurar efetiva ofensa ao bem jurídico tutelado. Sistema Financeiro Nacional. Com efeito, o Conselho Mone-tário Nacional, órgão deliberativo máximo do Sistema Financeiro Nacional, em 20 de novembro de 2001, editou a Resolução 2.911, que autorizou o Banco Central do Brasil a fixar alguns limites à declaração de valores detidos fora do território nacional. A partir daí, o BACEN vem emitindo anualmente circulares, que dispõem sobre a matéria, estabelecendo prazos, formas e isenções. Por exemplo, para os depósitos realizados em 2001, foi editada a Circular 3.071/2001 (alterada pela Circular 3.110/2002), onde constava que os ativos inferiores ao equivalente a R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) ficavam dispensados de declaração. Em 2003, a Circular 3.181 (art. 3º) alterou os valores dos depósitos dispen-sados de declaração para R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). Durante o período em que os pacientes mantiveram a referida conta aberta, vigeram as circulares do BACEN de nrs. 3.225/2004, 3.278/2005, 3.313/2006 D

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intensa de ilícito civil, o débito decorrente da suposta subtração de água foi quitado pelo paciente, não havendo se falar, mais, em situação de abalo social em razão da imputação.

Pontue-se, por fim, que, à época dos acon-tecimentos estampados na incoativa, o pacien-te não ocupava o imóvel, que se encontrava na posse de um inquilino. Portanto, afigura-se-

-me demasiado elastério a tentativa de tragar o paciente para o universo da responsabilidade criminal sendo que ele se distanciava do palco dos acontecimentos. (...)

O comprovante do pagamento da dívida, efetuado em 21/12/2009, encontra-se acos-tado à fl. 66.

Assim, verifica-se que a insurgência se mostra em sintonia com a jurisprudência

desta Corte.Ante o exposto, concedo a ordem para tran-

car a ação penal 0268968-47.2010.8.19.0001, da 36.ª Vara Criminal da Comarca da Capital do Rio de Janeiro.

É como voto.

Maria Thereza de Assis MouraRelatora

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DIREITO PROcEssUAl PEnAl. VIOlAçãO DA InTIMIDADE. PROVA IlícITA POR VIOlAçãO DE DADOs. ExcEssO DE PRAZO nO AcEssO A DADOs OU DOcUMEnTOs QUE sEjAM DE InTEREssE DE InVEsTIgAçãO POlIcIAl.Tribunal de justiça do Estado de são Paulo16ª câm. crim. – HC 0066226-07.2011.8.26.0000j. 21.06.2011 – public. 25.07.2011cadastro IbccRIM 2313

RelatórioTrata-se de habeas corpus impetrado pelos

ilustres advogados Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch, Raquel Botelho Santoro, André Luiz Gerheim e Nathalia Ferreira dos Santos em favor de J.R.M.F., contra ato do M.M. Ju-ízo de Direito da 1ª Vara Distrital de Cajamar, Comarca de Jundiaí, nos autos do processo 41/11, em que foi expedido ofício que auto-rizou “a concessão de senha para pesquisa de dados cadastrais, IMIE’S, HEXA’S, ERB’S e bilhetagens de linhas telefônicas objeto de investigação policial, pelo prazo de 06 (seis) meses, a serem disponibilizados pela(s) empresa(s) de telefonia, em nome da autori-dade policial acima referenciada” (fls. 3 e 26).

Afirmou a impetração, em apertada síntese, que “a ordem expedida ao Paciente é genérica e viola cabalmente a esfera de intimidade dos usuários de telefonia móvel, assegurada no inciso X, do artigo 5º, da CF, uma vez que não houve a necessária fundamentação, de maneira individualizada, dos destinatários das determinações de quebra”, salientando-se, ainda, que “causou estranheza o fato da ordem prolatada conferir poderes à autoridade policial para cumprimento em todo território nacional, por prazo extremamente amplo, independente da natureza do eventual crime que venha a ser praticado ou, ainda, das eventuais prerrogativas de foro de alguns usuários” (fls. 3). (...)

A medida liminar foi concedida às fls. 135/137.

Foram prestadas informações pela autori-

dade apontada como coatora (fls. 145/146), acompanhadas de documentos (fls. 157/160).

A douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pela denegação da ordem (fls. 162/171).

É o relatório.

VotoJ. R. M. F., gerente da área de quebra de

sigilo da filial da empresa (...) no Estado de São Paulo, recebeu oficio da autoridade apontada como coatora, determinando a concessão de senha para pesquisas de dados diversos rela-tivos aos números de telefone que sejam de interesse de investigação policial presidida pelo delegado R. B. T., pelo prazo de seis meses.

Pretendem os impetrantes não seja o pa-ciente obrigado a cumprir tal determinação, que fere o disposto no inciso X, do artigo 5º, da Constituição Federal.

A ordem deve ser concedida.(...)No caso em tela, verifica-se que nem o

pedido de autoridade policial e tampouco o despacho que deferiu o pleito ali constante indicam quais linhas telefônicas poderiam ser atingidas com a concessão de tal senha, limitando-se a afirmar que as pesquisas se refe-rem às linhas “objeto de investigação policial” (fls. 147/149), sem, contudo, especificar qual seria esta investigação e qual a necessidade da adoção de t a l medida em relação a eventuais números de telefone alcançados.

E, consoante já decidido pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça:

“É ilícita a prova obtida por interceptação de comunicação telefônica autorizada por fun-damentação genérica, sem a especificação das circunstâncias e a limitação de prazo exigidas nos artigos 4º e 5° da Lei 9.296/96. Chancelar decisões com superficialidade de fundamen-

tação representaria banalizar a intromissão dos órgãos estatais de investigação na intimidade das pessoas (não só dos investigados, mas de tantos quantos com eles mantém interlocução), violando o direito fundamental à privacidade, tão superlativamente resguardado pela Constituição” (APn 422 / RR Ação Penal 2005/0094656-1 , i. Ministro Teori Albino Zavascki, CE - Corte Especial, julgado em 19/05/2010, publicado em DJe 25/08/2010) (...)

Em caso análogo, já se manifestou o Egrégio Supremo Tribunal Federal:

“A quebra do sigilo inerente aos registros ban-cários, fiscais e telefônicos, por traduzir medida de caráter excepcional, revela-se incompatível com o ordenamento constitucional, quando fundada em deliberações emanadas de CPI cujo suporte decisório apóia-se em formulações genéricas, destituídas da necessária e específica indicação de causa provável, que se qualifica como pressuposto legitimador da ruptura, por parte do Estado, da esfera de intimidade a to-dos garantida pela Constituição da República. Precedentes. Doutrina” (MS 25668/DF, i. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 23/03/2006, publicado em DJ 04.08.2006) .

Assim, carente a decisão guerreada de ele-mentos suficientes a justificar a adoção da me-dida determinada no ofício remetido ao paciente - que viola a intimidade de inúmeras pessoas, sem que sejam elas identificadas e sem que seja indicada qual a razão específica para a violação das garantias constitucionais de tais indivíduos – não pode a ordem ali constante prosperar, razão pela qual o writ deve ser concedido a fim de livrar o paciente do seu cumprimento.

Ante o exposto, concede-se a ordem, conva-lidando-se a liminar anteriormente concedida.

Alberto Mariz de OliveiraRelatorD

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e 3.345/2007dispensando a declaração para valores mantidos no exterior em montante inferior a US$ 100.000,00 (cem mil dólares norte-americanos).

Diante desse panorama, e considerando os extratos bancárias da conta (...), resulta com-provada a atipicidade da conduta prevista no parágrafo único do art. 22 da Lei 7.492/86. Por esse motivo, deve a investigação engen-drada no IPL 573/2006 (...) ser trancada em relação a eles, porém apenas no tocante ao crime previsto no dispositivo em tela, haja vista que, conforme exposto, as diligências

investigatórias não se direcionam apenas para a apuração desta prática delitiva.

Por consequência, deve ser anulado o indiciamento do primeiro paciente (...), uma vez demonstrado o evidente constrangimento ilegal. É admitido pela jurisprudência que tal providência possa ser levada a efeito pelo Poder Judiciário

DispositivoPelo exposto, concedo parcialmente a or-

dem de habeas corpus em favor de D.F.G.C. e M.F.G.C., para trancar o IPL 573/2006

(...) no que condiz à apuração do crime previsto no parágrafo único do art. 22 da Lei 7.492/86, eis comprovada a atipicidade das condutas, anulando-se o indiciamento do paciente D.F.G.C. (...)

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Tudo feito, subam os autos ao Eg. Tribu-

nal Regional Federal da Segunda Região, nos termos do art. 574, inc. I, do CPP.

Rio de Janeiro, 14 de junho de 2011.

Gustavo Pontes Mazzocchi Juiz Federal SubstitutoD

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Direito Processual Penal. garantia da ordem pública como fundamento da prisão preventiva. Evasão do réu do distrito da culpa. garantia da necessidade de fundamentação das decisões judiciais. necessidade de demonstração inequívoca dos pressupostos legais da prisão preventiva. Observância das regras mínimas do fumus comissi delitici.

“(...) 1. O princípio constitucional da motivação das decisões judiciais, consagrado pelo inciso IX do art. 93 da Constituição da República, quando manifestado no decorrer da persecução penal, transmuda-se em garantia do Estado democrático de direito. 2. A pri-são preventiva deve ter amparo nos requisitos legais e nos elementos concretos e fáticos dos autos, restando insuficiente a mera remissão ao art. 312 do Código de Processo Penal. 3. A natureza jurídica de medida cautelar da prisão preventiva exige o fumus comissi delicti, consubstanciado na prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria. 4. In casu, a) o paciente é réu em ação penal que tem por objeto a suposta prática do crime de homicídio simples (CP, Art. 121) contra sua ex-esposa, mediante golpes de faca. b) o paciente, embora inicialmente tenha comparecido de forma espontânea pe-rante a autoridade policial, passou a frustrar a atividade persecutória do Estado, permanecendo em local incerto e não sabido por mais de 2 (dois) anos, mesmo sabendo-se sujeito passivo de ação penal. 5. A prisão preventiva é justificável quando circunstâncias revelam situação de fuga do acusado. Precedentes: HC 104.606/PE, Relator Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, Julgamento em 14/12/10; HC 101.356/RJ, Relator Min. Ayres Britto, Segunda Turma, Julgamento em 30/11/10. 6. As condições pessoais do acusado, tais como bons antecedentes não bastam a infirmar os fundamentos da prisão cau-telar. Precedentes: HC 106.426/MG, Relatora Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, Julgamento em 3/5/11; HC 102.354/PA, Relator

Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, Julgamento em 22/3/11. 7. Ordem denegada. (...).”(STF – 1.ª T. – HC 103.460 – rel. Luiz Fux – j. 16.08.2011 – public. 30.08.2011 – Cadastro IBCCRIM 2295)

Pesquisador: Alberto Alonso Muñoz

Anotação: Trata-se de habeas corpus impetrado no Supremo Tri-bunal Federal, julgado pela 1ª Turma, com relatoria do Ministro Luiz Fux. O paciente do presente writ responde pela prática do delito de homicídio (art. 121, CP) contra sua ex-esposa, valendo-se de golpes de faca. De forma espontânea, compareceu perante a autoridade policial no início das investigações criminais, externando a esperada colaboração compatível com a situação jurídica de inocente, cons-titucionalmente prevista. Após tal colaboração, ficou 2 (dois) anos em local incerto e não sabido, frustrando a atividade persecutória do Estado. Tal fato foi interpretado pelo Poder Judiciário como situação de fuga do acusado. O status de fugitivo deu-se durante o trâmite da ação penal, o que acarretou, mesmo em se tratando de réu primário com bons antecedentes, a sua restrição cautelar via prisão preventiva (art. 312, CPP).

A prisão preventiva foi justificada com base na garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal, diante de eventual fuga do paciente. Lembrou bem o Ministro relator a necessidade de prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. Todo esse aparato legal consubstanciado na letra do art. 312 do CPP. Utilizou-se, também, o art. 93, IX, da Constituição da República Federativa do Brasil, traçando um paralelo entre a fundamentação jurídica – identificação e repetição do artigo de lei para prender - e a fundamentação fática, não sendo suficiente a mera repetição dos dispositivos do CPP, sendo necessário, também, situações fáticas que comprovem ser a privação da liberdade processual a medida

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jURIsPRUDÊncIA AnOTADA

PRezAdOS ASSOCIAdOS,Na década de 90, quando a internet ainda dava seus primeiros passos, era bastante difícil fazer pesquisa jurisprudencial. Eram poucas as fontes de informações qualificadas que retratavam a jurisprudência nacional. Naquela época, o Caderno de Jurisprudência do Boletim do IBCCRIM já era tido como uma dessas poucas e valiosas fontes de pesquisa, fato que, com o passar dos anos, tomou cada vez mais corpo e notoriedade entre a sociedade jurídico-criminal.O tempo passou, e a internet foi ocupando espaço e importância na vida de todos, inclusive dos Tribunais, os quais passaram a disponibilizar suas decisões em formato digital, a partir de eficientes mecanismos de pesquisa. Com isso, o Caderno de Jurisprudência do Boletim, aos poucos, tornou-se inócuo em meio às inovações cibernéticas de pesquisa que se apresentaram.Frente a essa nova realidade, o IBCCRIM viu-se na obrigação de reformular seu Caderno de Jurisprudência, em respeito à relação de amizade e confiança que há tantos anos foi estabelecida com seus associados, de modo a continuar sendo a fonte de pesquisa diferenciada e qualificada que se propôs quando de sua fundação.Com efeito, o conhecido ementário de jurisprudência foi extinto, cedendo espaço a um canal acadêmico no qual decisões judiciais serão discutidas por estudiosos do Direito. O novo formato do Caderno de Jurisprudência do Boletim pretende explorar o conteúdo da decisão, principalmente, anotando a fundamentação utilizada pelo magistrado e, portanto, indo além da mera compilação de julgados de outrora.Além disso, o caderno terá seu alcance expandido, publicando decisões monocráticas (sejam de 1º ou 2º graus), bem como decisões provenientes de órgãos administrativos que tratem de questões relevantes às discussões relacionadas às Ciências Criminais.Assim, o Caderno de Jurisprudência passará a ter duas seções: a primeira, com a publicação de julgados reduzidos provenientes de tribunais, decisões monocráticas, de juízos de primeira instância ou, ainda, de órgãos administrativos; e a segunda, com a publicação de anotações a ementas de destacada relevância.O IBCCRIM pretende, portanto, inovar seu Caderno de Jurisprudência, de modo a dar continuidade ao serviço qualificado que sempre buscou oferecer aos seus associados. A Coordenação

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Reclamação aos tribunais. Preservação da autoridade das decisões judiciais do sTj. Falsa identidade. Autodefesa. Direito de não provar contra si. Atipicidade da conduta.

“(...) I. Reclamação proposta nos moldes determinados na Resolução nº 12/2009 do STJ, através da qual o reclamante requer a cassação do acórdão reclamado, a fim de fazer prevalecer a jurisprudência pacificada no âmbito desta Corte no sentido da inexistência de crime na conduta de se atribuir falsa identidade perante a autoridade policial em face do princípio constitucional da autodefesa compreendido no de perma-necer calado conforme disposto no art. 5º, LXIII da Constituição. II. Ao declarar a falsa identidade, em hipótese em que não fica patente o propósito de obter vantagem, a conduta revela-se atípica em face do art. 307, CP. III. Caso em que as instâncias ordinárias concluíram que o reclamante mentiu para defender-se. IV. Exercício de direito constitucional de não produzir provas contra si mesmo devidamente reconhecido. V. Atipicidade da conduta por ausência de demonstração do elemento subjetivo do tipo (“para obter em proveito próprio ”) e do elemento normativo (“vantagem ”). VI. Decisão da 2ª Turma Recursal do Distrito Federal que, no caso concreto, aplicou o art. 307 CP à conduta atípica. VII. Reclamação procedente porque, ante os fatos da causa, o acórdão da 2ª Turma Recursal contrariou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Liminar mantida apenas em relação ao reclamante, revogada quanto ao mais. (...).” (STJ – 3.ª S. – Recl. 4.526 – rel. Gilson Dipp – j. 08.06.2011 – public. 30.08.2011 – Cadastro IBCCRIM 2285)

Pesquisador: Matheus Silveira Pupo

Anotação: Trata-se de julgamento de reclamação proposta perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ), com requerimento de cassação de acórdão proferido pela 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, em que se condenou o reclamante a cumpri-mento de pena privativa de liberdade, por se entender praticada a conduta prevista no art. 307 do Código Penal (“falsa identidade”), consubstanciada em informar “nome diverso do verdadeiro com o fim de ocultar a sua vida pregressa” em Delegacia de Polícia.

Preliminarmente, reconheceu-se a competência para julgamento da reclamação pelo STJ, com fundamento no art. 105, caput, inciso I, alínea “f ”, da Constituição da República (CR) e na Resolução nº 12, de 2009, expedida por esta Corte.

No mérito, o pedido formulado foi julgado procedente, com fun-damento em atipicidade da conduta imputada ao reclamante, por estar ligada à garantia da ampla defesa e ao direito a não autoincriminação.

A respeito do julgado, duas questões devem ser ressaltadas: a) o cabimento da reclamação; e b) a atipicidade da conduta imputada ao reclamante.

Por primeiro, note-se que a reclamação é cabível, porque se visou à garantia da autoridade das decisões do STJ (art. 105, caput, inciso I, alínea “f ”, da CR). Em diversos julgados do STJ, evidencia-se interpretação de dispositivo de lei federal (art. 307 do Código Penal) divergente da constante no acórdão impugnado (Cf., entre outros: STJ, 5ª T., Rel. Min. Laurita Vaz, HC 171.389-ES, DJe 17.05.2011; STJ, 5ª T., Rel. Min. Arnaldo Lima, HC 99.179-SP, DJe 13.12.2010; STJ, 5ª T., Rel. Min. Felix Fischer, HC 46.747-MS, DJe 20.02.2006).

Segundo o art. 105, caput, inciso I, alínea “f ”, da Constituição da

mais adequada. Como fundamento jurídico, utilizou-se o art. 312 e como fundamento fático a fuga do paciente por mais de 2 anos, durante a ação penal, acarretando a suspensão do processo e do prazo prescricional, nos termos do art. 366 do CPP.

Julgada a ordem de habeas corpus em 16 de agosto de 2011, recebeu tal ação constitucional a planificação normativa da novatio legis 12.403, que alterou substancialmente a estrutura das medidas cautelares no processo penal, em especial, a prisão preventiva. O regramento fático da preventiva foi mantido e bem lembrado pelo Ministro relator, tanto no momento em que lembrou do fumus comissi delicti, caracterizado pela prova da materialidade do delito e indícios de autoria, quanto ao demarcar a presença fundamental dos requisitos fáticos somados aos jurídicos dos arts. 312 do CPP. Sem a materialidade e os indícios de autoria, sequer se pode aventar qualquer privação cautelar de liberdade.

Hoje, após o novo sistema de cautelares vigente, outros elementos fático-jurídicos precisam ser avaliados para retirar a liberdade de alguém, de forma provisória, no Brasil. A Lei 12.403 reconstruiu o sistema cautelar no processo penal, amparado por dois pilares fixos: os princípios da adequação e da necessidade das medidas cautelares. A prisão cautelar, incluindo a preventiva, só receberá aplicação lícita por parte do magistrado se a medida for a mais adequada e proporcionalmente necessária para a tutela do processo. Não se pode prender processualmente sem antes avaliar a aptidão do novo leque de 10 (dez) medidas cautelares diversas da prisão para serem aplicadas com prioridade sobre a custódia cautelar (arts. 319 e 320 do CPP).

Dessa explicação, podemos extrair regras objetivas: 1. Não se pode prender um juridicamente inocente sem fundamentar a decisão res-tritiva provando a ineficiência das dez outras medidas cautelares para

a tutela do processo e de seu eventual desfecho; 2. A justificativa da prisão preventiva, além da fundamentação jurídica (arts. 282, 312 e 313), exige a fundamentação concreta de sua necessidade e ade-quação, principalmente diante da regra expressa da subsidiariedade de sua aplicação.

Com base nesse amplo arsenal de hipóteses jurídicas contrárias à prisão preventiva como prima ratio da tutela processual, defendemos o esgotamento das demais hipóteses cautelares previstas no Código de Processo Penal para, aí sim, em caso de descumprimento, e somente como última hipótese, justificar eventual conversão em prisão, nos termos dos arts. 282, § 4.º, e 312, parágrafo único.

Evoluiu a jurisprudência ao primar pela motivação, pela fun-damentação fática da prisão cautelar e pela observância das regras mínimas do fumus comissi delitici. Agora chegou o momento de ca-minhar quatro outros passos na direção da inclusão de tais premissas - conquistadas a duras penas - na órbita gravitacional dos princípios da adequação, necessidade, proporcionalidade e subsidiariedade da prisão preventiva.

Somente com o pleno respeito a esse novo feixe de exigências desenhado pela Lei 12.403/11, a prisão mostrar-se-á irrefutável e ganhará a aquiescência de quem luta pela liberdade como regra social, em seu sentido mais amplo.

Sobre o tema, ver: FERNANDES, Antonio Scarance. Medidas cautelares. In: Boletim IBCCRIM. São Paulo: IBCCRIM, ano 18, n. 224, p. 06 - 07, jul. 2011.

Ivan Luís MarquesProfessor convidado nos Cursos de Pós-graduação da ESA/SP, da UniFMU, do

Praetorium e da Universidade Federal do Mato Grosso. Escritor. Advogado.

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República e a Resolução nº 12, de 2009, o STJ é competente para julgamento da referida reclamação, que versa sobre divergência entre acórdão proferido por Turma Recursal estadual e a jurisprudência do STJ. Como bem observado no julgado, até a criação de Turma de Uniformização no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais - preconizada, no âmbito da Justiça Federal, no art. 14, § 2º, da Lei n. 10.259, de 2001 - compete ao STJ o exame da matéria.

Ademais, a matéria constitucional invocada no julgamento foi avaliada incidenter tantum, o que afasta, de plano, a alegação de incompetência da Corte. Como se tratou de julgamento incidental da matéria constitucional, parece-nos que, de fato, não procede a afirmação de competência do Supremo Tribunal Federal (STF).

No que se refere à segunda questão, a atipicidade da conduta imputada ao reclamante decorre de exercício do direito à defesa (art. 5º, caput e inciso LV, da CR) e do direito à não autoincriminação (art. 5º, § 2º, da CR e art. 8.2, alínea “g”, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos).

A defesa – direito-garantia assegurado aos acusados em geral – assenta-se sobre dois baluartes: autodefesa e defesa técnica. O exercício da autodefesa é incompatível com concomitante prática de ato ilícito. As informações prestadas por investigado ou por acusado hão de ser oportunamente valoradas no decorrer da persecução penal. Se em nada contribuírem, deverão ser desconsideradas, sem que prejuízo algum lhes possa ser atribuído.

Por razões semelhantes, também não pode caracterizar ato ilícito o exercício do direito a não autoincriminação, decorrência do princípio nemo tenetur se detegere. Investigado ou acusado, como fonte de prova

eventual que são, podem, espontaneamente, prestar informações no decorrer da persecução penal.

A questão debatida no julgado relaciona-se à existência ou não de um dever de veracidade por parte de investigado ou de acusado quanto a dados de qualificação. A doutrina, antes avessa à pos-sibilidade de exercício do direito ao silêncio na primeira fase de interrogatório, evoluiu ao admiti-lo se da informação dos referidos dados puder advir autoincriminação do acusado (GRINOVER, Ada Pellegrini. O interrogatório como meio de defesa (Lei 10.792/03). Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, RT, n. 53, mar.--abr. 2005, p. 188).

Isto não significa que, se não silenciar, seja-lhes atribuído dever de veracidade quanto ao conteúdo de informações prestadas. Nas duas fases do interrogatório, apresenta-se versão pessoal: na primeira, quan-to a dados de qualificação e a outras informações pessoais (art. 187, § 1º, do Código de Processo Penal); na segunda, sobre fatos imputados (art. 187, § 2º, do Código de Processo Penal). Afirmar o dever de veracidade contraia o assegurado direito a não autoincriminação.

É por estas razões que, corretamente, foi afirmada a atipicidade da conduta imputada ao reclamante. A atribuição de falsa identidade, no caso em tela, ocorreu no exercício do direito à autodefesa e do direito à não autoincriminação, que não caracteriza prática do tipo previsto no art. 307 da Lei Penal.

Márcio Geraldo Britto Arantes FilhoGraduado em Direito e Mestre em Direito Processual

pela Universidade de São Paulo (USP). Advogado.

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TRIbUnAIs REgIOnAIs FEDERAIsDireito Processual Penal. suspensão do processo. Produção antecipada de prova.

“(...) Suspensa a persecução criminal por admissão irrecorrida de questão prejudicial facultativa, a antecipação da oitiva de testemu-nhas exige casuística demonstração de sua excepcional urgência, não presumida pela natureza da prova oral. Precedentes. (...).”(TRF 4.ª R. – 7.ª T. – HC 0009567-23.2011.404.0000 – rel. Néfi Cordeiro – j. 24.08.2011 – public. 01.09.2011 – Cadastro IBCCRIM 2268)

Pesquisadora: Andréa Cristina D’Angelo

Anotação: Conforme se extrai do acórdão, a ordem de habeas corpus foi concedida para suspender a realização de audiência de oitiva de testemunhas da acusação e da defesa, em razão da ausência de demonstração casuística de que a produção antecipada da prova oral era urgente.

Isto porque, a autoridade coatora decidiu que o art. 93 do Código de Processo Penal – que trata das questões prejudiciais facultativas – condiciona a suspensão do curso do processo à inquirição das testemunhas e à realização de outras provas consideradas urgentes.

A questão posta em debate no writ versa sobre a presunção feita pelo juízo criminal de primeiro grau de que a prova oral a ser produ-zida era urgente sem, no entanto, basear-se em elementos concretos.

O acórdão fundamentou-se em julgados do STF e do STJ no sentido de que o caráter emergencial deve ser demonstrado casuisti-camente e que a alegação genérica de esquecimentos dos fatos pelas pessoas não é suficiente para configurar a referida urgência.

Além disso, não enseja a colheita antecipada de prova a menção do decurso de lapso de tempo.

Aliás, esse é o entendimento consolidado na Súmula nº 455 do Superior Tribunal de Justiça, ao tratar da antecipação de provas para fins de aplicação do disposto no art. 366 do Código de Processo Penal.

Impende observar que apenas em circunstâncias especiais e com a devida justificação casuística é que se permite a antecipação da produção probatória. Isto porque a aludida antecipação tem natureza cautelar e, portanto, excepcional, devendo sempre atender aos requi-sitos do fumus boni iuris e do periculum in mora (GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Medidas cautelares da Lei 9.271/96: produção antecipada de provas e prisão preventiva. In: Boletim IBCCRIM, nº 42, esp., São Paulo, jun. 1996, p. 05).

Pode ser considerado urgente – o que ensejaria a produção an-tecipada da prova – a testemunha gravemente enferma, correndo risco de falecer, a exemplo do que dispõe o art. 225 do Código de Processo Penal (RJTACRIM 39/340 e RJTACRIM 39/428; SILVA FRANCO, Alberto; e STOCO, Rui [coord.]. In: Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. vol. 2. 2ª edição. Editora Revista dos Tribunais, p. 1.978 e 1.979), como bem apontado pelo I. Desembargador Néfi Cordeiro, relator do pedido de habeas corpus.

Com efeito, prova urgente “é aquela cuja produção não pode esperar, sob pena de perecimento. Sua produção se inviabiliza com o passar do tempo, exigindo, portanto, realização imediata” (preceden-tes: HC 132852 e HC 111984, todos do Superior Tribunal de Justiça; MARQUES, Leonardo Augusto Marinho. Produção antecipada de prova: medida excepcional que pode ser realizada em conformidade com o modelo constitucional acusatório, legitimando-se no contraditório e no direito de defesa. In: RESENDE, Sérgio Antônio de; PINTO, Felipe Martins; e ESTEVES, Heloisa Monteiro de Moura (org.). Análise de precedente criminal do Superior Tribunal de Justiça – Estudos em homenagem à Desembargadora Jane Ribeiro Silva. 1ª edição. Belo Horizonte: Editora Atualizar, 2009, p. 178).

Nesse sentido, preleciona o Professor Doutor Magalhães Gomes que “a antecipação na colheita não deverá ser, certamente, uma rotina nos casos em que houver a suspensão do processo (...), mas providên-

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TRIbUnAIs DE jUsTIçADireito Processual Penal. Acesso amplo do defensor aos elementos de prova já documentados em procedimento investigatório que digam respeito ao exercício do direito de defesa. cerceamento de defesa. Transcrição parcial da comunicação interceptada.

“(...) ‘É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de Polícia Judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa’ (STF, Súmula vinculante nº 14, DJe nº 26 de 9/2/2009, p. 1).- Certo é que inexiste, a princípio, obrigatoriedade de transcrição integral das conversas interceptadas. De fato, a ausência do laudo de transcrição das conversas gravadas de determinada linha telefônica, por si só, não acarreta a nulidade do processo, sendo indispensável, neste caso, a demonstração do prejuízo. (...).”(TJMG – 2.ª Câm. Crim. – HC 0280476-24.2011.8.13.0000 – rel. Beatriz Pinheiro Caíres – j. 07.07.2011 – public. 20.07.2011 – Cadastro IBCCRIM 2314)

Pesquisador: Átila Pimenta Machado Coelho

Anotação: No caso acima citado, o paciente foi denunciado pela suposta prática do crime previsto no art. 35 da Lei n° 11.343/06 e, não obstante não tenha tido contra si expedido mandado de busca e apreensão, de prisão cautelar e nem oportunizada sua oitiva no âmbito policial, foi incluso no rol da exordial acusatória em razão de diálogos em que outros denunciados mencionaram seu nome.

Bem por isso, tendo em vista que o paciente foi denunciado exclusivamente por ter tido seu nome mencionado em diálogos au-torizados judicialmente, e que, ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais, foi concedido o acesso às mídias telefônicas tanto para elaboração da peça vestibular quanto para os memoriais da acusação, a Defesa requereu, com fundamento nos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e da paridade de armas, e atentando ao teor da Súmula Vinculante 14 do Supremo Tribunal Federal, o mesmo tratamento despendido à acusação e, portanto, o acesso à integralidade das provas constantes dos autos.

Todavia, o magistrado de 1ª instância negou o referido pedido sob o fundamento de que “é de sabença acadêmica, que o acusado defende dos fatos narrados na denúncia e, em relação ao ora requerido, os fatos narrados na denúncia encontram respaldo no Laudo Pericial de transcrição juntado aos autos. Assim, qualquer outro diálogo que não consta nos laudos, por não interessar ao processo, não causará qualquer prejuízo aos acusados. Assim sendo, indefiro o pedido”, ensejando a impetração do remédio heroico perante o E. Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Acompanhando as razões da impetração, a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais concedeu par-cialmente a ordem asseverando que “o amplo acesso às gravações é a única forma de propiciar a defesa a possibilidade de verificar a fideli-dade das transcrições, levadas a efeito, bem como de examinar a prova produzida, sendo certo que, nas interceptações telefônicas, também pode existir demonstração do não envolvimento do réu no evento delituoso, de interesse da defesa.”

Com efeito, cumprindo os princípios insculpidos na Carta Magna, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais agiu de forma correta ao conceder o acesso à integralidade das provas. Isso porque, no processo judicial ou administrativo, a Constituição Federal assegura a todo cidadão o contraditório e a ampla defesa (art. 5°, inciso LV), princípios, estes, que ficam impossibilitados de serem exercidos quando as armas dispostas para guerrear no Processo Penal não permitem o equilíbrio nas exposições entre Acusação e Defesa com vistas ao convencimento do Magistrado. Aliás, em razão de reiteradas ofensas aos princípios constitucionais em voga, não à toa o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante 14 garantido ao defensor o amplo acesso aos elementos de prova.

Ademais, em sentido semelhante ao que foi decidido pela 2ª Câ-mara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, foi publicado artigo nesse Boletim em que os autores Carlos Edu-ardo Machado e Diogo Tebet, comentando a Súmula supracitada, asseveram que o “acesso amplo só pode ser entendido como alcance a todos os elementos produzidos no âmbito da investigação criminal. E diante do conjunto probatório coligido, somente o defensor poderá afirmar e classificar quais elementos serão necessários ou não, e quais serão utilizados para o desempenho e exercício do direito de defesa de seu constituinte. Por esse motivo constitui prerrogativa do advogado o amplo e irrestrito acesso aos autos da investigação criminal, independentemente da existência de elementos concernentes a terceiros”(Polícia Federal e a Súmula Vinculante nº 14 do STF. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 17, n. 203, p. 04-05, out. 2009).

Por fim, importante mencionar que a decisão do TJMG encon-tra guarida na jurisprudência das Cortes Superiores, nesse sentido: “ao interessado assiste o direito líquido e certo de amplo conhecimento do inteiro teor da interceptação telefônica. Com esse entendimento, a Turma concedeu a ordem para assegurar à defesa da paciente o acesso à escuta/quebra do sigilo telefônico, anulando o processo e, por outro lado, garantiu a liberdade provisória mediante termo de comparecimento aos atos do processo. Ordem Concedida” (STJ, HC n° 150.892-RS, Rel. Min. Nilson Naves, DJ 02.03.2010) e “o sigilo próprio aos dados da interceptação de comunicação telefônica está direcionado a proteger e não a gerar um quadro em que alguém se vê envolvido, devendo comparecer a delegacia policial, sem que se lhe possibilite, e ao advogado, conhecer as razões respectivas. Fora disso é inaugurar-se época não só de suspeita generalizada, a alcançar o profissional da advocacia, como também de verdadeiro terror, partindo-se para estratégia inconcebível, no que assentada na surpresa. Ordem concedida” (STF, HC 92.331/PB, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 18.03.2008).

Denota-se, portanto, que o aresto em comento está em perfeita sintonia com os princípios dispostos na Constituição Federal, bem como encontra alicerce em súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal e respaldo no arcabouço jurisprudencial das Cortes Superio-res. Desta forma, concluímos que o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais andou bem em possibilitar o óbvio, vale dizer: dispôs à Defesa as mesmas provas ofertadas à Acusação.

Átila Pimenta Machado CoelhoProfessor universitário. Advogado.

cia resultante da avaliação do risco concreto de impossibilidade na obtenção futura das informações necessárias ao êxito da persecução” (obra supracitada).

Assim, conforme asseverado acertadamente pelo Douto Relator, a urgência não pode ser presumida, devendo ser analisadas as pecu-liaridades do caso concreto, apresentando-se os motivos pelos quais

a produção de prova se faz necessária e o seu caráter emergencial.

Andréa Cristina D’AngeloEspecialista em Direito Penal e Processual Penal pela Escola Paulista de Direito.

Coordenadora adjunta do Departamento de Mesas de Estudos e Debates do IBCCRIM.Advogada criminalista.TR

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