Parte 5

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O problema das fontes trata de saber como adquirem juridicidade certos conteúdos normativos positivados como normas jurídicas, isto é, como se tornam historicamente vigentes como Direito. A doutrina tradicional define fontes de direito como modos de formação ou revelação do direito, adiantando grosso modo no artigo 1º do CC que são fontes formais de direito aquelas que a lei reconhece como fontes de direito, por se apresentarem como o desfecho ou a conclusão de um processo juridicamente regulado e ao qual o sistema jurídico atribui a qualidade de facto produtor de normas vinculantes. - temos pois o direito a regular a sua própria produção , o que significa que a validade da norma se funda no facto que a produz – existem portanto assim normas de primeiro grau, as normas regulam directamente os problemas, e normas de segundo grau, normas sobre as próprias normas – e aparentemente são estas que atribuem ao ordenamento jurídico a competência para decidir sobre as próprias fontes do direito positivamente válido. … mas donde vem a juridicidade destas normas? Quem atribui juridicidade ao ordenamento jurídico, ao processo juridicamente regulado de formação das normas? Este é um problema que não se esgota na resposta formal da doutrina tradicional . 1 de 9 PARTE V – FONTES DO DIREITO.

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O problema das fontes trata de saber como adquirem juridicidade certos

conteúdos normativos positivados como normas jurídicas, isto é, como se

tornam historicamente vigentes como Direito.

A doutrina tradicional define fontes de direito como modos de formação ou

revelação do direito, adiantando grosso modo no artigo 1º do CC que são

fontes formais de direito aquelas que a lei reconhece como fontes de direito,

por se apresentarem como o desfecho ou a conclusão de um processo

juridicamente regulado e ao qual o sistema jurídico atribui a qualidade de

facto produtor de normas vinculantes.

- temos pois o direito a regular a sua própria produção, o que significa

que a validade da norma se funda no facto que a produz – existem

portanto assim normas de primeiro grau, as normas regulam

directamente os problemas, e normas de segundo grau, normas sobre

as próprias normas – e aparentemente são estas que atribuem ao

ordenamento jurídico a competência para decidir sobre as próprias

fontes do direito positivamente válido.

… mas donde vem a juridicidade destas normas? Quem atribui

juridicidade ao ordenamento jurídico, ao processo juridicamente

regulado de formação das normas? Este é um problema que não se

esgota na resposta formal da doutrina tradicional.

No elenco das fontes de direito podemos referir a lei, o costume, a

jurisprudência, a doutrina e os princípios fundamentais de direito, que têm

primazia sobre as demais fontes de direito. De entre estas cabe distinguir:

- fontes voluntárias ou não voluntárias: consoante dependam de uma

deliberação da comunidade (lei, jurisprudência, doutrina) ou surjam

independentemente da escolha da comunidade nesse sentido

(costume e princípios fundamentais do direito).

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PARTE V – FONTES DO DIREITO.

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- fontes imediatas ou mediatas: aquelas que resolvem pela sua própria

força e directamente os conflitos (leis e normas corporativas) ou

aquelas que só são atendíveis quando a lei, como fonte imediata,

assim o determine (os usos não contrários aos princípios da boa fé, e a

equidade quando numa relação jurídica que não seja indisponível as

partes o acordem ad hoc ou numa cláusula compromissória).

1. A LEI – FONTE IMEDIATA DE DIREITO.

2. AS NORMAS CORPORATIVAS – FONTES MEDIATAS.

ARTIGO 1º

FONTES IMEDIATAS

1. São fontes imediatas do direito as leis, e as normas corporativas.

1. Consideram-se leis todas as disposições genéricas provindas dos órgãos estatuais

competentes; são normas corporativas as ditadas pelos organismos representativos

das diferentes categorias morais, culturais, económicas ou profissionais, no domínio

das suas atribuições, bem como os respectivos estatutos e regulamentos internos.

2. as normas corporativas não podem contrariar as disposições legais de carácter

imperativo.

O processo mais vulgarizado na criação de direito nos sistemas continentais

europeus é a lei, entendida como toda a disposição genérica emanada por

autoridade competentes após o cumprimento rigoroso das formas previstas.

A lei pode contudo ser:

- material: é a declaração de uma ou mais normas jurídicas por uma

autoridade competente, seja esta um órgão estadual, uma autarquia

local ou um órgão das regiões autónomas.

- formal: são os diplomas emanados pela Assembleia da República (o

órgão legislativo por excelência), quer contenham verdadeiras normas

jurídicas, quer comandos individuais concretos.

As normas corporativas são normas legais, leis em sentido material, editadas

pelas corporações do Estado Novo (ainda hoje prevalecem) ou associações de

natureza corporativa, como as Ordens dos Médicos ou dos Advogados.

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3. JURISPRUDÊNCIA – FONTE MEDIATA.

É o conjunto das decisões em que se exprime a orientação seguida pelos

tribunais ao julgar os casos concretos que lhe são submetidos.

- na nossa ordem jurídica, e em contraposição com os países onde

vigora a "regra do precedente" as decisões dos tribunais só tem força

vinculativa nos limites do caso julgado, e mesmo estas decisões

vinculam aquele caso concreto, não ficam a vincular casos análogos

como normas gerais e abstractas, não criam Direito (desde que se

revogaram os assentos).

embora se reconheça que os tribunais têm alguma

intervenção criadora de Direito no caso de aplicação de

cláusulas gerais, conceitos indeterminados ou lacunas, na

medida em que a actividade jurisprudencial vai ao longo do

tempo adquirindo uma "consciência jurídica geral" – costume

jurisprudencial.

- existem contudo acórdãos uniformizadores da jurisprudência quando

tal se verifique necessário para a coerência e unidade da

jurisprudência, mas estes também têm apenas eficácia vinculativa no

caso concreto, não obrigando sequer os tribunais inferiores.

- diferentes são os acórdãos com força obrigatória geral, do Tribunal

Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo, que declaram a

inconstitucionalidade de quaisquer normas, ou a ilegalidade de

qualquer norma violadora de disposições genéricas de Direito

Administrativo.

4. DOUTRINA – FONTE MEDIATA.

São as opiniões ou pareceres que os jurisconsultos desenvolvem em bases

científicas e doutrinárias sobre a interpretação ou integração do Direito,

- consta em monografias, manuais anotações e estúdios jurídicos

vários

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- embora no direito romano possuísse qualidade de fonte do direito,

actualmente carece dela, dispõe apenas da autoridade científica do

autor que a subscreve, mas não vincula o julgador.

5. COSTUME – FONTE MEDIATA E NÃO VOLUNTÁRIA.

ARTIGO 348º

DIREITO CONSUETUDINÁRIO, LOCAL OU ESTRANGEIRO

1. Àquele que invocar direito constitucional, local ou estrangeiro, compete fazer a

prova da sua existência e conteúdo; mas o tribunal deve procurar, oficiosamente,

obter o respectivo conhecimento.

2. O conhecimento oficioso incumbe também ao tribunal, sempre que este tenha de

decidir com base no direito consuetudinário, e nenhuma das partes o tenha invocado,

ou a parte contrária haja reconhecido a sua existência e conteúdo e não haja deduzido

oposição. (…)

É uma prática ou comportamento social reiterado (corpus) acompanhada da

convicção de juridicidade e obrigatoriedade daquela norma, que se não

observa, acarreta sanções (animus).

- na sociedade moderna é escassa a possibilidade de formação de

direito por via consuetudinária (embora possível – artigo 348º),

excepto no Direito Internacional público, onde vigora por força do

artigo 8º nr. 1 – recepção automática.

- o costume pode ser secundum legem (ou confirmativo), praeter

legem (cobre áreas não cuidadas pela lei) ou contra legem (divergente

da lei, ou revogatório – embora o artigo 7º nr. 1 exclua esta forma de

cessação de vigência da lei.

6. O USO – FONTE MEDIATA NÃO VOLUNTÁRIA.

ARTIGO 3º

VALOR JURÍDICO DOS USOS

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1. Os usos que não forem contrários aos princípios da boa fé são juridicamente

atendíveis quando a lei o determine.

2. As normas corporativas prevalecem sobre os usos.

Os usos são apenas comportamentos sociais reiterados e constantes, mas

que não se sentem na comunidade como juridicamente relevantes – faltam-

lhes o animus do costume. A lei prevê casos em que confere relevância aos

usos:

- artigo 218º : relativo ao silêncio como meio declarativo, desde que

esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção.

- artigo 234º : relativo à dispensa de declaração de aceitação por força

da própria natureza ou circunstância do negócio ou dos usos.

- artigo 885º nr. 2 : relativo ao tempo e lugar de pagamento do preço,

nos quais a lei compreende excepções se por estipulação das partes

ou por força dos usos o preço não tiver sido pago no momento da

entrega.

7. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO – MEDIATA E VOLUNTÁRIA.

São princípios jurídicos transcendentes às decisões positivadoras do

legislador, que assim são exigências feitas a todo o ordenamento jurídico

coerente com a sua própria pretensão de legitimidade e validade, que à

medida que vai evoluindo os vai desocultando.

- estão relacionados com o princípio democrático ou os princípios

fundamentais de respeito pela dignidade humana, etc., vinculando

assim o próprio legislador constituinte.

- mesmo que não sejam normas concretas, manifestam-se em normas

(princípio da boa fé, autonomia privada, etc.)

8. INÍCIO E TERMO DE VIGÊNCIA DA LEI.

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Início – segundo o artigo 5º do CC a lei só se torna obrigatória depois de

publicada no jornal oficial e de decorrida a vacatio legis – um período de

jacência importante para garantir a publicidade e conhecimento efectivo da

norma, que termina no quinto dia após a data da publicação – ou o prazo que

a lei fixe para si mesma. Uma vez publicada a lei, o seu desconhecimento não

exonera (artigo 6º). Os regulamentos locais são publicados em afixações de

editais e entram em vigor ao oitavo dia.

Termo – segundo o disposto no artigo 7º o modo de cessação pode ser a:

1. caducidade – resulta do desaparecimento dos pressupostos de

aplicação da lei ou de uma cláusula da própria lei que determina um prazo

ou uma situação para a sua permanência em vigor, não sendo relevante

que quando uma lei caduque entre outra em vigor.

2. revogação – resulta de uma nova manifestação de vontade do

legislador, contrária à lei anterior (revogada) que faz entrar em vigor uma

nova lei (revogatória).

- quanto à sua forma esta pode ser expressa (se existir uma

declaração de revogação) ou tácita (se for uma simples

incompatibilidade entre a lei revogatória e a revogada que o a

justifica) e quanto à sua extensão pode ser total (ab-rogação) quando

todas as disposições de uma lei são atingidas, ou parcial (derrogação)

quando vale apenas para algumas disposições da lei.

- a lei geral não revoga a lei especial (artigo 7º nr. 3) e a revogação

não lei revogatória não implica o renascimento da lei revogada, que

apenas revive mediante mecanismos repristinatórios (artigo 7º nr. 4).

9. HIERARQUIA DAS FONTES E DAS NORMAS - CONFLITOS.

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PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO

LEIS E PRECEITOS CONSTITUCIONAIS

CONVENÇÕES E TRATADOS INTERNACIONAIS, DIREITO COMUNITÁRIO

LEIS ORDINÁRIAS:

1. Leis da AR e Decretos-Lei do Governo

2. Decretos Legislativos Regionais

3. Regulamentos da Administração Central – decretos regulamentares, resoluções do Conselho de Ministros, despachos normativos, portarias…

4. Regulamentos da Administração Local – posturas, regimentos, regulamentos municipais…

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Com esta proliferação e hierarquização legislativa é apenas natural que

surjam conflitos, isto é, questões de facto sujeitas a normas contrárias,

podendo estes concursos e conflitos entre normas ser aparentes (caso se

resolvam com os métodos tradicionais de resolução) ou reais (caso o recurso

a estes métodos não seja suficiente para resolver o conflito entre as normas).

Os critérios tradicionais de resolução que põem fim aos conflitos aparentes

são:

1. critério da superioridade – prevalece a norma emanada pela fonte

hierárquica superior.

2. critério da posteriedade – prevalece a lei mais recente (artigo 7º

nr.2) em caso de conflitos de normas da mesma hierarquia.

3. critério da especialidade – a lei especial prevalece sobre a lei geral.

em conflito de leis da mesma hierarquia, além de se escolher a mais

recente,

Apesar destes critérios podem continuar a existir conflitos de leis:

- no tempo – situações de vida reconduzíveis a normas diferentes que

se sucedem no tempo.

- no espaço – situação concreta que pode ser objecto de

ordenamentos jurídicos diferentes.

- conflitos internos – situação que é abrangida por duas normas do

mesmo ordenamento, mas cuja aplicação simultânea se afigura

impossível por revestir uma forma contraditória.

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