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Uma robusta entrevista com o entrevistador mais fino da TV brasilei r PERFIL : ELIO GASPAR! POR ZUENIR VENTURA

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Uma robusta entrevista com o entrevistador mais fino da TV brasilei r

PERFIL : ELIO GASPAR! POR ZUENIR VENTURA

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Bom humor, talento e credibilidade transformaram o gordo

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O bRAÇAmais fino do Brasil num estrevistador de raro brilho

garoto José Eugênio Soares tinha tudo para dar certo na vida : era simpá -tico, bem-educado e queria ser diplomata . Aos 12 anos foi estudar na Suíçae aos 17, já no Brasil, tentava conciliar a boa vida de um jovem carioc aO de classe média alta com os estudos preparatórios para o ingresso n o

Instituto Rio Branco, a escola obrigatória de todos os pretendentes a uma carreira n óItamaraty . Além do mais, corria entre seus amigos a certeza de que o rapaz era de fat omuito engraçado .

Um dia, enquanto divertia com suas piadas uma roda de colegas na piscina doCopacabana Palace, no Rio, um senhor interessou-se pelas brincadeiras de Jos éEugênio. Era Silveira Sampaio, jornalista e homem de TV . "Menino, venha cá" ,chamou . "O que você pretende fazer da sua vida?" "Estou estudando para trabalhar noItamaraty", respondeu o rapaz . "Você pode estudar o que quiser", disse Silveira, "ma svai acabar mesmo é em teatro e televisão . "

Dito e feito . Em 1959, José Eugênio estreava na TV Rio e a partir dali só fez espalharseu talento em todas as atividades em que se meteu . Quem o conheceu ainda iniciante ,logo percebeu que o humorista Jô Soares tinha tudo para dar certo na vida . E deu .

Seguiram-se anos de muito trabalho e sucesso, tempo em que Jô Soares se envolve ude corpo (um grande corpo, por sinal) e alma com a televisão, jornalismo, pintura ,música, histórias em quadrinhos, teatro, cinema e tudo mais que caía na zona d einteresses de sua curiosidade inquieta . "Quando gosto de uma coisa quero conhecê-l aa fundo", diz Jô. Foi assim com a televisão, desde que começou a escrever, em 1960 ,os programas de Enrico Simonetti e de Dick Farney, na TV Record de São Paulo, at éos 17 anos seguidos em que brilhou - a partir de 1970 - com seus programashumoristicos na Rede Globo . Foi assim também com a pintura, que mereceu elogiosrasgados de experts do quilate de Pietro Maria Bardi e Mario Schemberg . , Com ocinema, a mesma coisa : produziu e dirigiu, em 1976, o Pai do Povo ("mal lançado, maldistribuído, um fracasso") e teve participações corretíssimas em O Homem do Sputni k(1958),A Mulher de Todos, de Rogério Sganzerla e Cidade Oculta, de Chico Botelho .E a dose se repetiu também no teatro, onde se revelou como o melhor one man sho wbrasileiro, arrastando platéias enormes em temporadas sempre muito extensas . Paraconferir o porquê de tanto público, basta ir ao Teatro Cultura Artística, em São Paulo ,e assistir O Gordo ao Vivo, seu mais recente espetáculo.

Mas a última grande tacada de Jô Soares aconteceu quando conseguiu realizar u mantigo sonho: comandar um programa de entrevistas na TV . Depois de uma turbulent asaída da Rede Globo, em 1987, ele encontrou no SBT o espaço que precisava para leva rao ar seu Jô Onze e Meia, que logo transformou-se na coqueluche televisiva dos finsde noite . Da estréia em agosto de 1988 até hoje, já passaram pelo programa mais d emil entrevistados, submetidos, todos eles, à verve fina e à elegância do melho rentrevistador da TV brasileira .

O sucesso do programa, porém, não impediu seu apresentador de atirar em outrasdireções . Ao mesmo tempo em que saboreia os números de sua audiência qualificada ,Jô Soares, 52 anos e 120 quilos, ainda consegue lotar os teatros onde se apresenta,escrever para a Imprensa, ouvir discos de jazz, atuar em filmes publicitários e apresen-tar o Jô Soares Jam Session pelas rádios Eldorado AM e FM, de São Paulo, e Jorna l

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do Brasil FM, do Rio. Quando não estáenvolvido com algum desses trabalhos ,pode ser encontrado em seu apartamentonos Jardins, em São Paulo, debruçado aocomputador e com um olho ligado noaparelho de TV permanentemente sinto-nizado na CNN- a emissora norte-ame-ricana cuja programação é dedicada 2 4horas por dia ao jornalismo . Ou se dedi-cando a Flávia, uma publicitária que es -trela o terceiro casamento de Jô; ou aDaniel, o filho de 25 anos, fruto do pri-meiro casório . Mas pode também nãoestar fazendo absolutamen-te nada, porque, afinal, nin-guém é de ferro . Muito me-nos o Gordo.

Foi no meio desse turbi-lhão de atividades que JôSoares concedeu a Lui zEgypto e Gerson Sintoni ,de IMPRENSA, a entrevis-ta que se segue .

Imprensa - Onde vocêaprendeu a entrevistar tãobem?

Jô Soares - Não tenhoa mínima idéia, foi umacoisa que aconteceu natu-ralmente . Eu tive uma ex-periência prévia por voltade 1963, 1964, no Progra-ma Silveira Sampaio, na TVRecord, de São Paulo, eufazia as entrevistas interna-cionais . Ali eu senti que erauma coisa que eu gostava e,modéstia à parte, fazia bem .

Imprensa - O estilo d oSilveira Sampaio chegou a ter uma in -fluência grande sobre você?

Jô Soares - Houve muito mais afini-dade que influência, tanto que o Silveirafoi a primeira pessoa que sacou que euiria fazer teatro, fazer show, televisão etc .Foi o primeiro que pressentiu que eu seriaum homem ligado ao showbusiness.

Imprensa - Você é um entrevistadorque consegue ao mesmo tempo ser muitoeducado com o entrevistado e garantir umnível absoluto de informalidade com re-

lação a ele . Mas como humorista é sar-cástico, um atributo que você não exerci -ta durante suas entrevistas . 0 que é quemuda?

Jô Soares - Eu acho que existe um adiferença entre o humor e o sarcasmo.Nas entrevistas, eu uso muito o humor ,mas também acho que o sarcasmo é ogolpe baixo do humor - ele deixa apessoa pouco à vontade, tende a se ragressivo . Eu posso até ser sarcásticocom relação a algum assunto, mas nunc aem relação ao entrevistado . Você pode

fazer humor, pode ser satírico, tem queser critico, mas não deve ser sarcástico .O sarcasmo é muito fácil, é o lado recal-cado do humor .

Imprensa - Você mantém essa posi-ção mesmo quando se depara com en-trevistados meio sobre o picareta, com oaquele Paulo Gontijo que foi candida-to à presidência da República no anopassado ?

Jô Soares - Aí eu uso da ironia, brin-co com o entrevistado, faço humor com

ele . Quando o entrevistado está sendoridículo, eu faço com que ele sinta oridículo da situação .

Imprensa - A sua forma de atuar n oJô Onze e Meia é baseada em algummodelo ?

Jõ Soares - Não. O formato do pro-grama é que tem a ver com o JohnnyCarson e com os programas americano sde entrevistas, nos quais entrevistado eentrevistador são colocados lado a lado ea câmera capta duas pessoas conversan-

do. $ o chamado talk-show. Eu acho ótimo, poi sprefiro essa forma do quea do entrevistado falarolhando para a câmera emvez de olhar para você .Mas quanto à maneira deentrevistar, eu acho que te-nho uma característicaúnica de fazer a coisa, queé a de tratar todo mundo namaior intimidade, como seo entrevistado estivesseem minha casa. Por isso e uchamo todo mundo devocê. Como eu estou há 3 0anos na televisão e dentroda casa das pessoas, eu te-nho intimidade suficientepara chamar o president eda República de você ,como eu chamei o ex-mi-nistro Octávio Gouvei ade Bulhões de você ou oLuis Carlos Prestes devocê. Isso não implic auma falta de respeito .Você pode faltar ao res-

peito com uma pessoa mesmo tratan-do-a de senhor.

Imprensa - Os entrevistados nãosentem nenhum choque ?

Jô Soares - Não, porque o tratamen-to é mútuo : eles também me chamam devocê . Um outro aspecto é que a maioriadas pessoas que entrevisto, eu já conheç oou conheci, ou já encontrei em algum afase da vida . É que eu circulo muito emtodas as áreas há muito tempo. Eu conhe-ço praticamente todo mundo.

"Ao fazer humor você pode ser satírico.Tem que ser crítico, mas não sarcástico ;

o sarcasmo e o lado recalcado do humor "

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Imprensa - Um programa assim nã ocorre o risco de se transformar numa es-pécie de ação entre amigos ?

Jô Soares - Não, pelo seguinte: pri-meiro porque os convidados não são to -dos meus amigos, alguns são apenasconhecidos ; segundo, porque mesmoquando são amigos, são celebridades ,pessoas de destaque em suas áreas e qu esempre têm o que dizer .

Imprensa - Eu queria que você con-tasse um pouco sobre essa sua faceta d eartista multimídia, que já fez de tudoum pouco. O que é isso? É umaneurose ou uma necessidade cons-tante de sempre estar buscando umaexpressão nova?

Jô Soares - Para mim, a ativida-de artística é uma atividade exis-tencial, uma extensão de mim mes-mo. A arte é uma coisa poliva-lente . Ser artista não é como serum profissional liberal, embora eume considere trabalhando na mai sliberal das profissões . Mas é umaatividade não necessariamente espe-cializante como, por exemplo, se rmédico, arquiteto ou advogado. Euacho que o artista tem várias ma-neiras de se expressar e deve -quando pode - expressar-se em to-das elas.

Imprensa - A diferença é qu evocê se expressa bem tanto no textoquanto na pintura, na música ou n aTV. E este não é um traço comu mentre a maioria dos artistas . . .

Jô Soares - Mas poderia ser,deveria ser . Se um ator, por exemplo,resolver fazer cenários, ele deve fazercenários . Isto é um pouco a herança dosartistas renascentistas que pintavam u mquadro e depois iam consertar uma cadei-ra ou dar banho no cachorro .

Imprensa - Você é um renascentistaperdido no final do século?

Jô Soares - Não sei . Eu tenho horro ra me rotular de alguma coisa . Se eu tenhovontade de fazer alguma coisa, vou lá efaço . Quando gosto de uma coisa eu pro-curo conhecê-la a fundo e nunca ficar na

superfície . Foi assim com as histórias emquadrinhos, por exemplo .

Imprensa - Você é do tipo que sem-pre devorou gibis?

Jô Soares - Desde criança isso mefascina, especialmente desde quando eucomecei a descobrir a transcendência dashistórias em quadrinhos e os grandes ar-tistas que havia por trás delas, como é ocaso do AI Capp, do Will Eisner, doMilton Cannis, do Alex Raymond e doChester Gould . São grandes artistas que

"Prefiro o humor que exigea gargalhada. Nada mais

gostoso do que o som do riso "

estavam ali por trás de uma mídia aparen-temente sem importância e totalment emarginal . Exatamente por ser considera-da marginal - e, por isso, não depende rda crítica -, os autores de HQ sempreforam muito soltos . O trabalho do Wil lEisner, o criador do Spirit, era o própri ocinema posto em quadrinhos . Ele te mplanos em profundidade, planos em pers-pectiva, tem closes . . . E o caso também doAl Capp, de desenhistas que faziam tudoaquilo para comer e eram donos de umacriação muito solta .

Imprensa - Por isso encantadora?Jô Soares - Por isso muito forte . O

John Steinbeck escreveu uma vez o pre-fácio para um livro do Al Capp no qualdizia que ele, Capp, "era, sem dúvida, omaior escritor americano" . Isso dito peloSteinbeck! E essa possibilidade deriva dasoltura com que os desenhistas criavam eainda criam. É uma coisa semelhante a oque acontece com a literatura marginal ,por exemplo, onde se pode encontrar es-critores de ficção científica ou de roman-ces policiais noir que produzem

verdadeiras obras-primas porque es -crevem, ao mesmo tempo, ocupadoscom o mercado e despreocupadoscom a critica .

Imprensa - Você chegou a colo-car em prática a sua fascinação pe-las histórias em quadrinhos? Che-gou a produzir e publicar histo-rietas ?

Jô Soares - Eu escrevi algunsensaios e cheguei a fazer uma histó-ria em parceria com o Marcelo Mon-teiro, que publicamos em O Globo l ápor 1972, por aí . Era uma históriacujo personagem era uma espécie deprecursor do Ed Mort, a criação d oLuis Fernando Verissimo e do Mi-guel Paiva . O astro era também umdetetive absolutamente brasileir ochamado Magalhães, um persona -gem muito desastrado.

Imprensa - Você prefere o hu-mor que sugere um sorriso ou aquel eque exige uma gargalhada ?

Jõ Soares - Eu prefiro o qu eexige a gargalhada . Nada mais gos-

toso do que o som do riso .

Imprensa - Como você está semprede bom humor e tem uma relação muit oeficiente com seu público, você deve seruma pessoa muito feliz, não ?

Jô Soares - Eu vou até bater na ma-deira, porque eu acho que sou feliz sim .

muito gratificante estar numa profissã oque faz as pessoas rirem.

Imprensa - O seu humor tem algo d ejornalístico, concorda ?

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"Eu acho que o humor é a ausência dosuicídio. A pessoa só se mata quando

perde totalmente o sentido do humor "

Jô Soares - Tem. Eu mebaseio muito - até para cons-truir meus personagens - nocomportamento psicológic odas pessoas, nas fraquezas hu-manas e também na observa-ção do cotidiano . Por isso éjornalístico.

Imprensa - A leitura dejornais e o acesso à mídia aju-dam muito o seu trabalho?

Jô Soares - É claro . Euacho que quem não lê jornai sestá completamente alienad odo mundo . Eu leio em médiaquatro jornais por dia . Às ve-zes eu leio tudo, de ponta aponta, e costumo brincar di-zendo que o jornal me saiu degraça porque foi lido inteiri-nho . Há certos dias em queeles não estão saborosos, masisso é normal . E impossíve lvocê fazer um jornal extraor-dinário todos os dias . Masmesmo quando está ruim, ojornal é bom .

Imprensa - Você disseque baseia a construção deseus personagens na observação do coti-diano . Como é isso?

Jô Soares - É uma observação cons-tante . Eu saio muito na rua e conversocom as pessoas. Quando estou num táxi ,estou entrevistando o motorista o tempotodo. Dá sempre para aproveitar algum acoisa dele, ou do gerente de banco, ou dogarçom que te atende . São coisas que e uvou pinçando aqui e ali .

Imprensa - Portanto, a gênese deseus personagens está apenas nesse tip ode observação.

Jô Soares - Não só ai . É claro que u mpersonagem como o Capitão Gay, porexemplo, não é baseado em nenhum vea-do maluco que eu encontrei na rua .Neste caso, eu acordei um dia resolvid oa criar um super-herói bicha . "Isso deveser engraçado", eu pensei . Aí comece ia montar o personagem e escrever o squadros .

Imprensa - Neste seu processo decriação, depois de tudo resolvido na suacabeça, o que de fato vai provocar o riso?

Jô Soares - Em primeiro lugar, ainteligência . E fundamental que o humorseja inteligente e inesperado . É a criticado cotidiano, o non-sense, é aquilo quesurpreende pelo absurdo . Por isso, paramim, o humor é muito ligado à sensibili-dade, à inteligência e à criação artística .Se você reparar bem, toda grande criaçã oartística tem um tremendo senso de hu-mor por trás dela . A Monalisa, por exem -plo : o Leonardo Da Vinci, para pinta ruma mulher com aquele sorriso, denotaum enorme toque de humor . A Lição deAnatomia, do Rembrandt, é um quadroengraçadíssimo. Se você pensar bem ,aqueles senhores médicos, todos de pre -to, todos formais, dissecando um cadáve rtodo aberto à sua frente é um negóci oengraçadíssimo . Não é uma coisa de voc êolhar e dizer "que quadro engraçado!" .

Imprensa - Um humor umpouco estranho, não acha ?

Jô Soares - E um humor deartista. Veja o Dostoiévski : el etem humor em tudo que escre-ve. Há uma passagem em OsPossessos que é da maior den-sidade e ao mesmo tempo mui-to engraçada . De repente chegaa uma festa um convidado todomaltrapilho, que ninguém al iconhece . Ele se aproxima d ogovernador, faz que vai falarum segredo ao seu ouvido e lhemorde a orelha. Morde e nã osolta . A autoridade quer se des-vencilhar, mas também nãoquer dar vexame no baile. En-quanto isso o sujeito ganha u mprestígio enorme junto à natada sociedade que está na festa ."Quem é esse maltrapilho queestá conversando com o gover-nador?", eles se perguntam ."Não sei, mas deve ser algué mmuito importante para ficar

tanto tempo cochichando com ele ." Nocontexto do livro é uma cena absoluta-mente trágica, mas ao mesmo tempo émuito engraçada. 0 Kafka, para citar u moutro exemplo, quando leu a primeira vezA Metamorfose para os amigos, as pes-soas morriam de rir . Em resumo, são to-dos casos que não partem da premissa dohumor, mas, mesmo assim, são muitoengraçados .

Imprensa - Você diria que toda ati-vidade humana tem um humor intrín-seco ?

Jô Soares - Eu nunca pensei nissodesse jeito, mas eu acho que sim . Eu achoque o humor é a ausência do suicídio, ist oé, você só se mata quando perde total-mente o senso de humor. Se você resolvese matar com gás, por exemplo, e ajoelhapara botar a cabeça dentro do forno en -quanto tenta abrir a válvula, vai ficar umnegócio muito engraçado . Se você cai r

Não. Mas, se analisarmosbem a obra, descobrimos queela parte de uma premissa dehumor.

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em si, começa a rir e não se suicida . Achoque o motivo pelo qual alguns grandeshumoristas se suicidaram foi exatamenteo de terem perdido o sentido de humor.

Imprensa - Ao que tudo indica vocênão corre esse risco, até porque o seuhumor tem uma receptividade muitogrande e cai com freqüência na própri aexpressão popular . Como é essa mágicade você inventar um bordão e de repentetodo mundo repeti-lo na rua?

Jô Soares - Da primeira vez, as pes-soas riem pelo inesperado. O bordão fa zrir porque ele lembra uma situação e con-tinua a fazer rir pelo absurdo da repetição .Eu fico espantado, por exemplo, com o"mui amigo", que é um bordão que setransformou numa expressão extrema -mente popular, todo mundo repete .

Imprensa - Como é isso para umartista? Como é constatar que o que vocêcria começa a fazer parte da cultura da spessoas e a entrar na maneira que elas têmde definir o mundo ou encarar certas si-tuações de vida?

Jô Soares - É ótimo, mas m eespanta um pouco pela dimensãoque a coisa toma. E bom també mporque é o primeiro retomo qu evocê tem para saber se o quadroou o personagem estão funcio-nando bem ou não .

Imprensa - Qual o seu crité-rio para aferir o gosto do público?

Jô Soares - Quando eu co-meço a me cansar de fazer u mpersonagem, eu paro . Quando u mtrabalho deixa de ser prazer paramim, eu paro.

Imprensa - E esse termôme-tro funciona bem?

Jô Soares - Funciona por -que eu começo a me cansar d opersonagem antes do público .

Imprensa - Quantos perso-nagens você já criou em suacarreira?

Jô Soares - Eu parei de con -tar quando cheguei aos 260 .

Imprensa - Você pinta em casa, es-creve com freqüência? 0 que lhe dá mai sprazer, televisão, teatro, o quê?

Jô Soares - Eu costumo dizer que seganhasse na loteria iria fazer só o quegosto, ou seja, um programa de entrevis-tas, shows em teatro, escrever, pintar devez em quando e fazer um programa mu-sical no rádio, porque eu adoro jazz . Querdizer, eu não sei como destacar uma coisadas outras . No momento, o que me dámais prazer é fazer o Onze e Meia, porqueé um programa onde eu me sinto como seestivesse no palco . 0 Onze e Meia e estarno palco fazendo shows são as coisas quemais me gratificam.

Imprensa - Apresentar um talk-show era um antigo projeto seu quesó emplacou quando você deixou aRede Globo, depois de 17 anos, e fo ipara o SBT. Por que você não conse-guiu fazer o Jõ Soares Onze e Meia naGlobo ?

Jõ Soares - Na Globo não havia es-paço para esse tipo de programa . Lá ele

poderia ser semanal, mas aí eu não vi asentido. Tinha de ser diário. Quando euvim para o SBT, o Silvio Santos acreditoude cara no projeto. Nas nossas conversaspreliminares, eu disse a ele: "Olha, um adas coisas que eu faço questão de faze raqui é um programa de entrevistas, tipo odo Johnny Carson" . Aí o Silvio falou :"Mas você tem que considerar que oJohnny Carson, quando tira férias, vaipara Las Vegas e faz um show de umahora sozinho no palco" . E eu respondi :"Exatamente o que eu faço, só que e muma hora e quarenta" . 0 Silvio ficou m eolhando em silêncio por uns instantes edisse : "E verdade. Então vamos tocar oprojeto" . Ele topou na hora.

Imprensa - A sua saída da Globo nãofoi lá muito harmoniosa, confere ?

Jô Soares - De minha parte foi .

Imprensa - Você saiu por quê ?Jô Soares - Recebi uma propost a

excelente e com a garantia de liberdad epara fazer tudo que quisesse .

"Hoje o que me dá mais prazer é fazer o Jô Soares Onzee Meia. Estar no palco fazendo shows e

conduzir o programa são as coisas que mais me gratificam "

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Imprensa - Na época houve represá-lias da Globo, a emissora vetou a veicu-lação de anúncios onde você atuava .

Jô Soares - Mas isso está inteiramen-te superado . Foi tudo motivado por ummomento de paixão, de ruptura . Quandovocê está há 17 anos num lugar, sobretu -do trabalhando com amigos seus, sair écomo o fim de um casamento - parec euma traição . Mas não foi traição : eu re-cebi a proposta do SBT e avisei imediata-mente à Globo, que ficou 15 ou 20 diaspara resolver . Até que chegou um mo-mento em que eu não poderia esperarmais. Depois de tudo isso, hoje eu nãotenho a mais remota queixa da Globo, atéporque foi lá que aprendi a serum profissional melhor, a traba-lhar melhor . Foi uma relação d e17 anos de afeto e carinho equando eu sai não poderia deixarde ser uma coisa traumatizante .

Imprensa - Hoje, em televi-são, você só faz o Onze e Meia .E o programa de humor, vocêcansou dele?

Jô Soares - 0 programa dehumor já não me dava tanto en-tusiasmo quanto o Onze e Meia .De resto, eu faço humor tambémno programa de entrevistas . OVeja o Gordo, no fundo, tinha omesmo esquema há quase 20anos, e mais aquela preocupaçãoconstante de sempre renovar ospersonagens e criar outros. . . che-ga uma hora em que você te mque dar um tempo .

Imprensa - Você não vai in-sistir mais na fórmula do Veja oGordo?

Jô Soares - Acho difícil .Pode ser que o faça daqui a al -guns anos, mas mesmo assimacho que ficará com gosto d edeja-vu . Pode ser uma coisa meioimbecil, mas tenho uma preocu-pação muito grande com o novo .Eu tenho que me embalar pel aidéia e isso só acontece quando acoisa é nova . Eu não tenho entu-siasmos fáceis, não tenho o me-

nor sentido de nostalgia . Seria como fa-zer a Família Trapo de novo: o primeiroseria ótimo, já o segundo seria velho, umacoisa de uma melancolia terrivel .

Imprensa - Você nunca se embara-çou com um entrevistado, nunca teve u mmomento de vacilação ?

Jô Soares - Não, porque eu me sintomuito em casa e o entrevistado também .Há casos como o do brigadeiro Burne r(o brigadeiro João Paulo Moreira Bur-nier fez questão de ser entrevistado porJô Soares para rebater as acusações doex-capitão da Aeronáutica Sergio Ribei-ro Miranda de Carvalho, também en -

trevistado por Jô sobre seu envolvi-mento no caso Parasar, em 1968), mas a íeu também tiro de letra . Eu procuro serelegante com todo mundo, e não agrid oninguém. A agressão, quando existe, ficapor conta do entrevistado . Eu brinco mui -to, mas sempre com delicadeza .

Imprensa - Onde é que você arranj atempo para fazer o Onze e Meia, escreve rcolunas semanais para a Veja e Jornal doBrasil, apresentar um programa de rádio ,atuar em filmes publicitários e mante rum espetáculo em cartaz no teatro ?

Jô Soares - Tempo é uma questão d eopção, de preferência . Quando se que r

fazer, arranja-se tempo .

Imprensa - Você é um sujei -to organizado no seu dia-a-dia?

Jô Soares - Sou organizad osem ser rotineiro. Eu cumpro mi-nhas obrigações profissionais .No entanto, eu tenho o defeito d aimpontualidade . Se tenho umareunião de pauta marcada para às15h30, eu chego pontualmente às16h. Eu sei que é um defeito, masconsigo administrá-lo com pro-fissionalismo. É tanta coisa qu etenho de fazer que eu sempreacho que ainda dá tempo de fazermais um pouquinho.

Imprensa - Com todas essasatividades, é possível estabele-cer uma jornada-padrão de JôSoares ?

Jô Soares - Impossível . Eutenho uma inveja louca quandoleio entrevistas de pessoas dizen-do como é o seu dia . Eu ficomorto de inveja e tenho certez aque é tudo mentira . Quando es-crevo um show, por exemplo, à svezes fico dez, 12 horas no com-putador. Mas não tenho nenhumarotina, pode ser a qualquer hora .Eu sou mais lunar que solar . J áhouve repórteres que quisera mfazer matéria sobre o meu dia ,mas nunca conseguiram, mesmoporque há dias em que eu nãofaço rigorosamente nada.

"Procuro ser elegante com todos .A agressão, quando existe

fica por conta do entrevistado "

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pego a Time ou o Le Point, mas tenh opouca paciência para jornais estrangei-ros. Eu já me acostumei com o formatoda Imprensa brasileira e acho que, no sen-tido visual, ela dá um banho na Imprensaestrangeira . $ muito mais fácil para mimler a Folha de S.Paulo, oJornal do Brasilou o Jornal da Tarde do que ler o New

York Times ou o Le Figaro . Depois, nã oentra na minha cabeça aquela coisa de co -meçar matéria na primeira página e conti -nuar na página 19 . Eu fico enlouquecido !

"O Brasil de hoje me dá uma imensa compaixão,é triste ver o país patinando. Ao mesm o

tempo, eu não saberia viver em outro lugar "

Imprensa - Você é uma personalida-de pública geralmente muito assediad apela Imprensa . Como você avalia sua re -lação com a Imprensa?

Jõ Soares - Sc fosse para dar um anota de zero a dez, dava nove . Dificil-mente eu tenho tido algum aborrecimen -to com a Imprensa e tenho muitos amigo strabalhando nela . Só há uma coisa nissotudo que enlouquece pessoas conhecidascomo eu : são aquelas pautas que o editorbola e o repórter vai fazer como se fosseum soldado do exército alemão - aquel eque não admite ouvir um não como res-posta . Eu estou aqui em casa escrevendo,o telefone toca e invariavelmente vem aperguntinha : "Qual é o melhor sorvete dacidade?" ; "Qual é o seu restaurante pre -ferido?" ; "Onde um gordo se veste?" . N oNatal, então, é um inferno : "Onde vocêvai passar o Natal?" ; "O que representa oNatal para você?" . . .

Imprensa - Você atende ou vai logodispensando o repórter ?

Jô Soares - Eu atendo, mas é duroaturar todo o fim de ano alguém pergun -

tando como vai ser o Ano Novo . . . Euacabo achando graça . Uma vez me ligo uuma repórter da Playboy me perguntand oassim: "Jô, pra você quem é bom decama?" . Eu respondi que bom de camamesmo é o meu marceneiro . Ela retrucou :"Como assim?". E eu disse : "Não temcomo assim . Eu juro por Deus que seu

editor não vai ficar bravo se você disserque, para o J; Soares, quem é bom decama é o seu marceneiro" . Mas a repórte rnão desistia: "Mas em que sentido?" . Nãotem sentido .

Imprensa - Você debita essas peque -nas inconveniências aos delírios dos edi -tores ou ao despreparo dos repórteres?

Jõ Soares - As vezes é o despreparo ,mas também tenho a impressão que ge-ralmente esse é o tipo de trabalho d erepórter iniciante, que tem medo de che -gar para o editor e dizer : "0 Jô não falou" .

Imprensa - E como leitor, a Impren-sa brasileira satisfaz você?

Jõ Soares - O que eu leio me satisfazplenamente . De vez em quando ainda

Imprensa - E o Brasil, Jô? O cidadã oJosé Eugênio Soares acha que este paistem graça?

Jõ Soares - O Brasil hoje em dia medá uma imensa compaixão. É uma triste -za ver que este pais continua patinando ,continua meio emperrado, mas, ao mes-mo tempo, eu não saberia viver cm outrolugar . Eu tenho uma esperança enormeno Brasil, mas me entristecem as contra -dições brutais que existem aqui, em todosos níveis. E tenho medo que não seja pr ajá uma mudança mais radical nesse esta -do de coisas . A população não tem com ose vestir, não tem como comer decente -mente e isso é uma tristeza porque é u mpais rico, meu Deus! O pior é que aspessoas vão se acostumando com a misé -ria - isso não me entra na cabeça . Umdia vi uma reportagem na TV que mos-trava um vagão de trem de subúrbio en-tupido de gente e as pessoas sorrindo,numa boa, amontoadas como gado . 0brasileiro tem um lado bom e generosoque é uma coisa espantosa.

Imprensa - Você acha que o vot otem condição de mudar isso?

Jô Soares - E claro que sim, não háoutra maneira . É como dizia o Winsto nChurchill : "A democracia é a pior formade governo, com exceção de todas asoutras que têm sido tentadas de temposem tempos" . Eu acho que nós ainda va-mos chegar a um nível de consciênci aonde as pessoas votem menos cm herói se mais em projetos e idéias .

Imprensa - A propósito, qual é amelhor picanha do eixo Rio-São Paulo ?

Jõ Soares - . . .X

42 IMPRENSA - SETEMBRO 1990