Perguntas óbvias no momento que corre

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[email protected] 29/09/2012 1 Em época de vindima, abunda vinho a martelo ( porque não vou a manifestações partidárias) Tomando como fulcro a manifestação da CGTP de dia 29, algumas reflexões: 1. Governo de esquerda, clama o PC/CGTP. O que é um governo de esquerda? Um governo PC/BE para o qual nada aponta? As sondagens revelam que na ausência de alternativa credível, o eleitorado balança, desta vez do PSD para o PS, no sentido inverso ao verificado em meados de 2011. E a esquerda institucional não descola da sua representação habitual, mais ou menos a mesma desde 1975. Um governo de independentes de esquerda (como o de Pintasilgo em 1979?) como produto da iniciativa presidencial? Com este presidente, o do BPN? Com um PS refundado ou regenerado, disposto a romper com o torniquete do capital financeiro que se perfila por detrás da troika? Quem acredita nisso? Vamos continuar a ter um PS com uma liderança frágil, sem projeto, muito acusador do governo Passos mas, sem molestar a troika com uma só palavra de desagrado. Alguém configura uma revolta dentro do PS? O apoio do PC/BE a um governo PS seria facilmente conseguido. Recordamos que Fazenda recentemente perguntava o que tencionava fazer o PS quanto ao orçamento, revelando assim a subalternidade do BE face aos desígnios do PS. Umas secretarias de estado como no governo Dilma seriam uma prenda interessante e barata mas, recordamos que nas eleições de 1999, Guterres preferiu comer o queijo limiano a negociar com os deputados do novel BE, então ainda radical. Num cenário de eleições e mesmo que o PS ganhasse, a gravidade da situação atual conduziria um bloco central como em 1983, durante a intervenção do FMI; acreditamos que Portas até ficaria contente por ficar de fora. Não parece disponível qualquer solução favorável para a multidão, saída de eleições, dentro do actual modelo político e de representação. 2. Política de esquerda clama o PC/CGTP. Sem colocar o sistema em causa?

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As lógicas partidárias ou do sistema político e económico e os movimentos indignados

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[email protected] 29/09/2012 1

Em época de vindima, abunda vinho a martelo

( porque não vou a manifestações partidárias)

Tomando como fulcro a manifestação da CGTP de dia 29, algumas reflexões:

1. Governo de esquerda, clama o PC/CGTP. O que é um governo de esquerda?

Um governo PC/BE para o qual nada aponta? As sondagens revelam que na ausência de

alternativa credível, o eleitorado balança, desta vez do PSD para o PS, no sentido inverso ao

verificado em meados de 2011. E a esquerda institucional não descola da sua representação

habitual, mais ou menos a mesma desde 1975.

Um governo de independentes de esquerda (como o de Pintasilgo em 1979?) como produto da

iniciativa presidencial? Com este presidente, o do BPN?

Com um PS refundado ou regenerado, disposto a romper com o torniquete do capital

financeiro que se perfila por detrás da troika? Quem acredita nisso? Vamos continuar a ter um

PS com uma liderança frágil, sem projeto, muito acusador do governo Passos mas, sem

molestar a troika com uma só palavra de desagrado. Alguém configura uma revolta dentro do

PS?

O apoio do PC/BE a um governo PS seria facilmente conseguido. Recordamos que Fazenda

recentemente perguntava o que tencionava fazer o PS quanto ao orçamento, revelando assim

a subalternidade do BE face aos desígnios do PS. Umas secretarias de estado como no governo

Dilma seriam uma prenda interessante e barata mas, recordamos que nas eleições de 1999,

Guterres preferiu comer o queijo limiano a negociar com os deputados do novel BE, então

ainda radical.

Num cenário de eleições e mesmo que o PS ganhasse, a gravidade da situação atual conduziria

um bloco central como em 1983, durante a intervenção do FMI; acreditamos que Portas até

ficaria contente por ficar de fora.

Não parece disponível qualquer solução favorável para a multidão, saída de eleições, dentro

do actual modelo político e de representação.

2. Política de esquerda clama o PC/CGTP. Sem colocar o sistema em causa?

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Não se fala do sistema, o que pressupõe a sua aceitação como base consolidada de vida para

os residentes em Portugal. E há boas razões para essa aceitação. A vida parlamentar é doce, os

media estão sempre solícitos a gravar banalidades para o telejornal, os subsídios públicos para

o partido acontecem enquanto houver votantes, ser dirigente sindical é profissão sem risco de

despedimento, se se apostar no continuismo mais retrógrado, se se tiver estômago para

entreter os trabalhadores com slogans que têm decénios. E o sistema não poderia existir sem

sindicalistas macios ou coniventes, concertação social, bem como sem polícia para colocar na

ordem elementos insubmissos ao melhor dos sistemas, o da democracia de mercado.

Como o sistema não é perfeito porque lhe falta uma política de esquerda, aí estão os bravos

sindicalistas e deputados de esquerda para convencer as pessoas de que só a sua existência

permitirá, garantirá a sua implantação. E daí que seja preciso enquadrar os desalinhados,

indignados, descontentes, através da unidade em torno daqueles ungidos lideres das massas

trabalhadoras. Quem desconfiar dessa unidade, em cujo processo nunca falham manobras,

votações fantasmas, cooptações de ingénuos, é subtilmente afastado das reuniões e decisões.

Política de esquerda significa um carinho especial por médios, pequenos, pequeníssimos e

nano empresários, na senda da unidade dos portugueses honrados, inventada por Cunhal.

Empresários esses que, sem viabilidade e sem receitas, colaboram valentemente para os

números dos despedimentos enquanto apoiam os partidos da direita. Isso justifica que a

palavra capitalismo seja pouco ouvida nas chefias da esquerda institucional.

Política de esquerda é o silêncio sobre o modelo político atual, sobre este sistema de

representação que nomeia mais do que elege? O apoio à mascarada das assembleias

municipais, à inviabilidade subversiva dos referendos, a recusa, mesmo a um muito tímido

orçamento “participativo”?

Ora se os sindicatos são um exemplo evidente de uma profunda falta de democracia, não cabe

à CGTP colocar na agenda reivindicações democráticas. Dentro da lógica do centralismo

democrático, o comité central é a fonte de toda a legitimidade.

3. Política patriótica clama o PC/CGTP. O que será isso quando as nações se tornam

autarquias?

Aceita-se implicitamente – ao descartar soluções solidárias e concertadas com outras vítimas

da troika – que não somos gregos, como se ouve da boca dos membros do governo. Não

nascemos na Grécia mas, de facto, estamos todos gregos, nós os helénicos, os hispânicos…

Cá, como nos outros países, as burocracias sindicais cuidam da sua sobrevivência e da

manutenção dos seus serviços de controlo social, prestados no âmbito da sua pertença às

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respetivas oligarquias nacionais. Como o seu quadro é estritamente nacional, como é nesse

quadro que se joga a sua sobrevivência, a adopção de um discurso patriótico é necessário.

Como não têm o arrojo de denunciar e combater o capitalismo global, o sistema financeiro

dominante, ou as anti-democráticas instituições comunitárias e internacionais, - embora intra-

muros defendam a saída do euro - os nossos sindicalistas e o seu partido fixam-se na troika,

retirando daí argumentos para o seu discurso nacionalista que, indiretamente, retira

visibilidade às reivindicações da extrema direita.

4. O futuro dos grupos e do movimento indignado nascido o ano passado

Tem sido expresso pela parte maioritária do movimento a defesa de fórmulas de democracia

direta, de assembleismo, de horizontalidade e ausência de chefias. E uma afirmação de que

“eles não nos representam”.

A despolitização gerada nas mais jovens gerações, pela classe política, desde a “normalização”

de novembro de 1975, afastou-as tanto dos partidos políticos como da prática política; e,

dessa inexperiência, sai uma concepção romântica da unidade, como algo que dispensa uma

criteriosa construção. Convencem-se da bondade de elementos com objetivos ínvios de

captação da generosidade, do desejo de mudança daqueles jovens, para integrarem a sua

criatividade na órbita e sob a bandeira das instituições do sistema ou de grupos candidatos a

um reconhecimento por parte daquele. E, claro, tratarão de untar ou mimar alguns, com

ofertas de emprego ou candidaturas a lugares políticos ou, mais simplesmente, dando-lhes

protagonismo.

Sinteticamente,

• Como se coaduna a procura de formas democráticas, de reformulação do sistema

político e de representação, com a presença em manifestações e eventos patrocinados

por burocracias avessas à democracia, como a CGTP e o PC?

• Como se coaduna a horizontalidade, a ausência de hierarquias, a discussão coletiva,

com a presença subordinada em eventos onde é claramente definida uma orientação

partidária como resolução dos problemas do “país”? Onde há um orador de serviço – o

distinto Arménio – membro do comité central de uma relíquia da guerra fria?

• Depois das várias manifestações e eventos abertos e plurais que se desenvolvem

desde o ano passado, vamos confluir em eventos da CGTP ou dirigidos por controleiros

trotskistas? Vamos desistir da autonomia, da afirmação de formas democráticas de

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funcionamento, descredibilizando-nos perante as pessoas que assim, verão nisso que

“são todos iguais”?

• Vamos andar de evento em evento, ora ornamentando a unidade na submissão aos

desígnios da CGTP/PC, ora inseridos na orla do BE? É assim muito difícil de entender

que as estratégias partidárias passam exclusivamente pelo aumento do seu

financiamento público e do seu peso específico dentro do sistema político e

económico, que nos condena à pobreza ou ao genocídio? Que as estratégias

partidárias passam precisamente pela inexistência de autonomia, de projeto e de

estratégia por parte do movimento social?