Planejamento e Medição Da Qualidade de Vida Urbana

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cadernos metrópole 15 pp. 13-24 1 o sem. 2006 Resumo sumo sumo sumo sumo Este trabalho visa contribuir para a discussão de indicadores de qualidade de vida, sob a ótica do planejamento urbano, apresentan- do reflexões acerca dos temas urbanísticos a serem considerados em processos de avalia- ção da qualidade de vida urbana. A partir de um quadro conceitual mais amplo, relaciona- do a princípios de universalidade, eqüidade, sustentabilidade e gestão democrática, norteadores de uma gestão pública compro- metida com a inclusão social e territorial, são construídos três agrupamentos temáticos para pensar as variáveis componentes da medição da qualidade de vida na cidade, quais sejam: habitação, infra-estrutura e mobilidade; for- mas de organização urbana e ambiental e, fi- nalmente, capacidade de gestão pública. Pala ala ala ala alavr vr vr vr vras-cha -cha -cha -cha -chave: qualidade de vida urbana; indicadores de qualidade; acesso a recursos urbanos; inclusão social; habitação; planeja- mento urbano. Abstr Abstr Abstr Abstr Abstrac ac ac ac act This paper intends to contribute to the debate on quality of life indicators from the perspective of urban planning. It presents some reflections regarding urban issues that should be considered in processes of evaluation of quality of life in cities. The starting point is a broader conceptual frame related to principles of universality, equity, sustainability, and democratic management, which constitute the basis of a public administration committed to social and territorial inclusion. The variables involved in the measurement of urban quality of life are gathered under three thematic groups: housing , infrastructure and mobility; forms of urban and environmental organization; and, finally, capacity for public administration. Key-w ey-w ey-w ey-w ey-wor or or or ords: ds: ds: ds: ds: urban quality of life; quality indicators; access to urban resources; social inclusion; housing ; urban planning. Planejamento e medição da qualidade de vida urbana Jupir upir upir upir upira G a G a G a G a Gome ome ome ome omes de Mendonç s de Mendonç s de Mendonç s de Mendonç s de Mendonça* a* a* a* a* 01_jupira.pmd 28/11/2006, 20:13 13

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artigo de Jupira Mendonça - UFMG sobre a medição da qualidade de vida nas cidades brasileiras.

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    RRRRReeeeesumosumosumosumosumoEste trabalho visa contribuir para a discussode indicadores de qualidade de vida, sob atica do planejamento urbano, apresentan-do reflexes acerca dos temas urbansticos aserem considerados em processos de avalia-o da qualidade de vida urbana. A partir deum quadro conceitual mais amplo, relaciona-do a princpios de universalidade, eqidade,sustentabilidade e gesto democrtica,norteadores de uma gesto pblica compro-metida com a incluso social e territorial, soconstrudos trs agrupamentos temticos parapensar as variveis componentes da medioda qualidade de vida na cidade, quais sejam:habitao, infra-estrutura e mobilidade; for-mas de organizao urbana e ambiental e, fi-nalmente, capacidade de gesto pblica.PPPPPalaalaalaalaalavrvrvrvrvraaaaasssss-cha-cha-cha-cha-chavvvvveeeee::::: qualidade de vida urbana;indicadores de qualidade; acesso a recursosurbanos; incluso social; habitao; planeja-mento urbano.

    AbstrAbstrAbstrAbstrAbstracacacacactttttThis paper intends to contribute to the debateon quality of l ife indicators from theperspective of urban planning. It presentssome reflections regarding urban issues thatshould be considered in processes ofevaluation of quality of life in cities. Thestarting point is a broader conceptual framerelated to principles of universality, equity,sustainability, and democratic management,which constitute the basis of a publicadministration committed to social andterritorial inclusion. The variables involved inthe measurement of urban quality of life aregathered under three thematic groups:housing , infrastructure and mobility; forms ofurban and environmental organization; and,finally, capacity for public administration.KKKKKey-wey-wey-wey-wey-wororororords: ds: ds: ds: ds: urban quality of life; qualityindicators; access to urban resources; socialinclusion; housing ; urban planning.

    Planejamento e medioda qualidade de vida urbana

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    Introduo

    A discusso sobre a qualidade de vida nascidades tem inmeras abordagens poss-veis. No texto aqui apresentado, prope-se analisar a questo sob a tica do pla-nejamento urbano, constituindo notasexploratrias acerca dos temas urbansti-cos a serem considerados em um proces-so de avaliao da qualidade de vida ur-bana. A identificao desses temas tevecomo ponto de par tida um quadroconceitual mais amplo, tendo em vistaprincpios de universalidade, eqidade,sustentabilidade e gesto democrtica, osquais devem nortear a construo do pla-nejamento urbano e da gesto pblicacomprometidos com a incluso social eterritorial, e com a justa distribuio dosnus e dos benefcios da urbanizao.

    Em primeiro lugar, importantelembrar que um elemento fundamental nadiscusso sobre o conceito de qualidadede vida o dimensionamento da eqida-de na distribuio espacial e no acessosocial a determinados servios e recursosurbanos (Nahas, 2004, p. 100), ou seja, necessrio ter em conta a eqidade (ou oseu contrrio, o grau de desigualdade) naoferta e tambm no acesso aos recursos ur-banos. Pode-se, aqui, utilizar o conceito derenda real, de Harvey (1979), que engloba oacesso a recursos o controle dos recur-sos, que nossa definio geral da rendareal, est em funo da acessibilidade e pro-ximidade da localizao (p. 67).

    Como o poder sobre os recursosescassos de uma sociedade no pode ser

    determinado sem levar em conta a acessi-bilidade e o preo de tais recursos (ibid.,p. 49), aspectos como a relao entre a dis-tribuio territorial da populao e a distri-buio dos recursos, bem como a distribui-o de renda apresentam-se como impor-tantes componentes na avaliao da quali-dade de vida nas cidades.

    Desse modo, na construo de in-dicadores de qualidade de vida urbana, estreita a relao entre a medio da ofer-ta de servios e recursos urbanos e a me-dio do efetivo acesso da populao sdimenses de cidadania. No h comodissociar ambos os aspectos: a oferta es-vaziada se no h possibilidade de efeti-vo acesso (ou injusta se este desigual), eo acesso s pertinente na hiptese daexistncia da oferta. Ambos compem oque pode ser denominado sistema paramensurao da qualidade de vida urbana(Nahas, 2004, p. 103).

    Em segundo lugar, importanteconsiderar a questo regional na avaliaoda qualidade de vida urbana. Em cidadesque representam centralidade no espaoregional, polarizando regies, mais im-portante a presena de determinados ser-vios urbanos de suporte ao desenvolvi-mento econmico regional e aqui se tra-ta de qualidade de vida na medida em quesignifica distribuio regional de oportu-nidades de emprego e renda. Alm disto,em especial nas regies de baixa renda ebaixa variao do PIB,1 a presena de e oacesso a determinados servios de edu-cao e sade tero maior peso na quali-dade de vida, no s urbana, como tambm

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    Por fim, importante considerar, naavaliao da qualidade de vida urbana, acentralidade da habitao: a insero cida-d (a incluso, o direito cidade) pressu-pe um endereo. Mas o endereo com osignificado de incluso, por sua vez, pres-supe trs condies: em primeiro lugar,que no implique a estigmatizao nega-tiva; em segundo lugar, que signifique aces-sibilidade a trabalho e renda. Em terceirolugar, que signifique moradia servida desaneamento bsico, acesso a equipamentosurbanos e controle ambiental.

    Habitao, infra-estruturae mobilidade urbana

    Assim, um primeiro agrupamento temticoj se faz presente, para pensar a qualidadede vida urbana: habitao, infra-estrutura ur-bana e transporte e trnsito. Entende-se aquipor infra-estrutura urbana o conjunto de re-des e servios que compem a moradia,alm da edificao residencial: saneamentobsico, drenagem, coleta e disposio deresduos slidos, energia eltrica, telefoniae telecomunicaes. Vejamos os aspectosmais importantes a serem abordados na ava-liao de cada um desses componentes.

    Habitao

    Dois aspectos devem balizar a avaliao daqualidade de vida, do ponto de vista dahabitao: o dficit habitacional (quantita-tivo e qualitativo)2 e a presena de terrasociosas em boas condies de ocupao.O tamanho do dficit habitacional, com-parativamente ao nmero total de do-miclios, indica o grau de precariedade dascondies de vida urbana na localidade.Alm disso, o conjunto de glebas e lotesociosos localizados no interior da malha ur-bana, com acessibilidade e infra-estrutura, indicativo da reteno especulativa de ter-ras e da ausncia do controle pblico so-bre esse processo. O confronto entre o ta-manho do dficit habitacional e das terrasociosas ou subtilizadas mostra, ao mesmotempo, o grau de desigualdade habitacionalpresente no municpio e o grau de injustiana distribuio dos recursos urbanos, bemcomo dos custos da urbanizao.

    Alguns aspectos indicaro, strictosensu, a qualidade de vida do ponto de vistada edificao residencial, particularmente opadro da edificao, as condies naturaisda sua localizao e a situao fundiria.

    Em primeiro lugar, a avaliao do pa-dro da edificao abrange os aspectosconsiderados no que chamamos de dficitqualitativo. Interessa, neste caso, no ape-nas a avaliao do padro fsico (materiaisutilizados e existncia de banheiro interno,por exemplo), mas tambm aspectos relati-vos ao conforto: adensamento domiciliar,especialmente em relao ao nmero dedormitrios, e adequao climtica.

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    Em segundo lugar, a avaliao damoradia, do ponto de vista do lugar ondeela se situa, tem implicaes que vo almdas questes relativas presena de infra-estrutura ou acessibilidade a servios p-blicos e oportunidades de trabalho. Aproximidade de externalidades negativas ede externalidades positivas d ao lugarpossibilidades concretas de conforto oudesconfor to ( proximidades de fontespoluidoras ou, ao contrrio, proximidadede reas verdes exuberantes, por exemplo)e tambm um (re)conhecimento social posio de prestgio ou, ao contrrio, es-tigma . Alm disso, a presena de moradiasem reas de risco, seja de inundao oude deslizamento, em reas alagadas e ou-tros tipos de reas inadequadas ocupa-o representativa de baixa qualidadede vida urbana.

    Por ltimo, mas no menos impor-tante, relevante a avaliao da situaofundiria na avaliao da qualidade de vidaurbana, sob o aspecto da habitao, umavez que a posse ou o uso legalizado doimvel residencial (seja qual for o tipo dereconhecimento) implica segurana, muitasvezes lastro que permite capacidade deendividamento, outras vezes signo de mo-bilidade social ascendente.

    Infra-estrutura e serviosurbanos

    Superar as carncias em abastecimentode gua, esgotamento sanitrio, manejode resduos slidos e de guas pluviais um requisito fundamental para a sade e

    a qualidade de vida das pessoas. (Minis-trio das Cidades, 2004a, p. 9)3

    Mas, do ponto de vista da infra-es-trutura e dos servios urbanos, importan-te avaliar, alm dos aspectos referentes aosaneamento bsico (gua, esgoto, lixo edrenagem), tambm aqueles referentes aosdemais servios de limpeza urbana, contro-le de vetores e reservatrios de doenas, e,ainda, os servios de telefonia, energia el-trica e telecomunicaes. Esse conjunto deservios urbanos compe as condies dehabitabilidade e, portanto, permite medir aqualidade da moradia em seu sentido amplo.

    Do ponto de vista do saneamentobsico, obviamente, importante medir,no apenas a extenso dos servios, relati-vamente ao tamanho da populao e dopermetro urbano, mas tambm a qualida-de dos servios. Alm disso, pode-se veri-ficar a relao entre o custo dos servios ea renda da populao (verificada a sua dis-tribuio), de modo a examinar as reais pos-sibilidades de acesso.

    Particularmente, preciso avaliar, nocaso do abastecimento de gua, sua exten-so (extenso da rede; freqncia do abas-tecimento; quantidade de domiclios comcanalizao interna, em relao ao total dedomiclios; existncia de fonte pblica degua potvel em reas com baixo acesso rede) e a qualidade da gua (condies deproteo do manancial de captao; trata-mento da gua).

    Com relao ao esgotamento sanit-rio, necessrio avaliar, de um lado, a cober-tura do sistema (extenso da extenso da rede;quantidade de domiclios com canalizao

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    interna em relao ao total de domiclios equantidade de domiclios com lanamen-to atravs de fossa negra diretamente noscursos dgua ou na superfcie do terreno)e, de outro, a qualidade ambiental resultan-te (destino dos esgotos tratamento ou lan-amento in natura; existncia e extenso re-lativa de interceptores de esgotos).

    O componente l impeza urbanatambm deve ser avaliado na sua extenso(rea abrangida pela coleta de lixo doms-tico; abrangncia de varrio e de capina)e pela qualidade ambiental resultante (dis-posio do lixo domstico lixo a cuaberto versus aterro sanitrio; segurana eadequao do transporte; presena de lixoem cursos dgua ou em reas costeiras; tra-tamento de esgoto industrial; coleta espe-cfica de lixo hospitalar; existncia e quan-tidade relativa de coleta seletiva ereciclagem).

    A drenagem requer tanto a avaliaoda qualificao da macrodrenagem (tipo detratamento dos fundos de vale canaliza-o versus preservao do leito e de vege-tao marginal; presena de assoreamentos;presena de voorocas) quanto a qualifica-o da microdrenagem (presena de esgo-tos domsticos na rede pluvial).

    Do ponto de vista do controle devetores e reservatrios de doenas, a avalia-o do grau de controle poderia ser medi-do pela existncia de polticas pblicas decombate a vetores, legislao pertinente(cdigo sanitrio), fiscalizao, etc. No en-tanto, a eficcia da poltica e, portanto, ograu de controle so avaliados com maiorpreciso a partir da observao da presen-

    a de doenas transmissveis por vetores eda quantidade de indivduos doentes emrelao populao total.

    Com relao aos demais serviosurbanos telefonia, energia eltrica e tele-comunicaes mantm-se o critrio deavaliar quantitativa e qualitativamente, isto, a extenso dos servios e a sua qualida-de e custo, alm das possibilidades de aces-so: quantidade de domiclios atendidosem relao ao total de domiclios; conti-nuidade no funcionamento do servio;abrangncia das redes de telefones pbli-cos e de iluminao pblica. Com relaos telecomunicaes, importante, ainda,ante a necessidade de democratizao dainformao, avaliar o grau de universa-lizao do acesso Internet internamentes residncias e o acesso pblico a ela.

    Por fim, ainda que o controleambiental no constitua um servio ouinfra-estrutura urbana, importante, nestaseo, lembrar que o controle de emissode poluentes tambm aspecto fundamen-tal a ser medido na avaliao da qualidadede vida urbana. Os aspectos de poluiodo solo na rea urbana, bem como de re-cursos hdricos, so observados na avalia-o do saneamento bsico, particularmen-te no que se refere coleta, disposio etratamento dos esgotos domsticos e in-dustriais, bem como dos resduos slidos. importante ainda considerar os aspectosreferentes poluio do ar (tanto por emis-sores de origem industrial como por vecu-los automotores) e poluio sonora (pre-sena de agentes poluidores; existncia decanais de denncia e fiscalizao).

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    Mobilidade urbana,transporte e trnsito

    A avaliao da qualidade de vida urbana,do ponto de vista da mobilidade, devepartir do princpio da Mobilidade UrbanaSustentvel, entendida como

    [...] um conjunto de polticas de trans-porte e circulao que visa proporcio-nar o acesso amplo e democrtico ao es-pao urbano, atravs da priorizao dosmodos no-motorizados e coletivos detransporte, de forma efetiva, que no geresegregaes espaciais, socialmente in-clusiva e ecologicamente sustentvel baseado nas pessoas e no nos veculos.(Ministrio das Cidades, 2004b, p. 14 grifos nossos)

    Desse modo, o primeiro aspecto aser avaliado a facilidade com que os ha-bitantes da cidade acessam os locais ondese concentram as oportunidades de traba-lho, bem como as redes pblicas de sa-de e de educao. Quanto menor o tem-po de acesso, por meios no-motorizadosou por sistema de transporte coletivo,melhor o nvel da mobilidade.

    O segundo aspecto diz respeito scondies para a mobilidade atravs demeios no-motorizados (bicicleta, char-rete, carroa, cavalo, canoa), em especialsegurana e infra-estrutura de apoio. Aexistncia de boas condies, neste caso, indicativo de melhor qualidade da mobi-lidade dos mais pobres, alm de denotaraspecto favorecedor de melhores condi-es ambientais, na medida em que se trata

    de modalidades no poluentes. No casodas ciclovias, principalmente em localida-des com grande freqncia no uso da bici-cleta, importante avaliar a qualidade dopavimento e da sinalizao, verificar a exis-tncia de separao das pistas de circulaode veculos motorizados e a extenso dasvias em relao ao sistema de circulao deveculos motorizados. Nos demais casos, ascondies dizem respeito, principalmente, sinalizao e aos equipamentos de apoio,em especial em pontos de embarque edesembarque, por exemplo.

    O terceiro aspecto relativo s con-dies de circulao de pedestres: as con-dies dos passeios pblicos; rea de viasexclusivas de pedestre, principalmente nosespaos comerciais centrais, em relao svias destinadas a veculos automotores;condies da sinalizao viria; existnciade equipamentos e dispositivos para ga-rantir a mobilidade de pessoas com restri-o de mobilidade, incluindo idosos, pes-soas com deficincia4 e portadores de ne-cessidades especiais, de modo seguro econfortvel.

    Alm disso, o percentual de pessoasque se locomovem a p para vencer gran-des distncias pode ser indicativo do altocusto do transporte coletivo e, por conse-qncia, da falta efetiva de acesso aos sis-temas existentes ou, ainda, da ineficinciado transporte (itinerrios inadequados,baixa freqncia, insegurana, falta deintegrao entre diversos modos de trans-porte, entre outros). Dessa forma, a moda-lidade de transporte tem uma relao comas distncias a serem percorridas.

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    Com relao ao sistema de trans-porte coletivo, h dois grandes fatores quelimitam a sua utilizao e, portanto, colo-cam obstculos acessibilidade como fa-tor de incluso social: em primeiro lugar, ocusto, vale dizer, o percentual de compro-metimento da renda com transporte. Emsegundo lugar, a inexistncia de integraomultimodal torna ainda mais onerosa a uti-lizao do sistema e implica maior tempode deslocamento. Nas grandes cidades, fator de qualidade de vida a existncia deuma rede estrutural integrada de mdia ealta capacidade. As redes sero tanto maiseficazes quando compatibilizadas com asestratgias desenvolvimento urbano e aspolticas de uso do solo.

    A informalidade no transporte co-letivo, qual seja, a existncia de transporteno regulamentado, perniciosa para o fun-cionamento do sistema

    [...] a informalidade inicia a desregula-mentao do setor de transporte coleti-vo, baseada na disputa pelo passageironas ruas e na sua auto-regulamentao,atravs das associaes ou cooperativas,substituindo o Estado na organizao doTransporte Pblico. Com o passar dotempo, os operadores evitam a queda detarifa, estabelecem reserva de mercado,demarcam seus pontos de parada, criamterminais particulares e evitam a entradade novos operadores. (Ministrio dasCidades, 2004b, p. 36)

    Por fim, alguns aspectos relativosespecificamente ao trnsito devem ser

    objeto de avaliao: percentual de vias pa-vimentadas, principalmente aquelas quecompem os itinerrios de nibus, e sina-lizao adequada.

    A relao de mortes decorrentesde acidentes de trnsito em relao aonmero total de bitos indicativo daqualidade do trnsito. Contribuem, ain-da, polticas de educao para o trnsi-to, as quais podem ser implementadas nonvel municipal.

    Fator indicativo da qualidade e ges-to do trnsito tambm o tempo mdiode locomoo: tempos muito baixos soproduto de congestionamentos virios, osquais tm impactos negativos tambm so-bre a economia local.

    Formas de organizaourbana e ambiental

    Algumas questes decorrem do primeiroagrupamento temtico acima desenvolvido:em que medida os governos locais estoaparelhados para alterar a qualidade devida urbana? Que tipo de polticas pbli-cas esto sendo implementadas nas cida-des? Que instrumentos de controle urbanoe gesto da cidade esto sendo utilizados?As respostas a essas questes ensejam doisoutros conjuntos de temas: de um lado, aorganizao poltico-institucional, o con-trole urbano e ambiental e a capacidade deinvestimento pblico municipal e, de outro,as formas de organizao urbana eambiental resultantes das polticas pblicas.Comecemos por estas ltimas.

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    Uso do solo

    A anlise da estrutura urbana resultante doprocesso de formao e crescimento deuma cidade permite identificar o grau dedesigualdade socioespacial presente nes-sa estrutura. Nesse sentido, dois aspectospodem ser avaliados: em primeiro lugar, ograu de concentrao ou, o seu contrrio,de mescla de grupos sociais no territriourbano. Este aspecto importante, na me-dida em que alguns grupos sociais tmmaior poder de presso, no s econmi-co-financeira, como tambm poltica, nadistribuio dos recursos.

    O segundo aspecto a ser avaliado o grau de concentrao e de centrali-zao do uso do solo. Excetuando-se aconcentrao do uso industrial , que sejustifica pelos impactos ambientais nega-tivos, particularmente sobre o uso resi-dencial , a concentr ao de usos re-sidenciais ou de usos comerciais e de ser-vios tem resultados negativos para aqual idade de vida urbana: no lt imocaso, vai representar ociosidade de infra-estrutura em perodos fora do horriocomercial; no primeiro caso, em geral , indicativo de auto-segregao de grupossociais elitizados, que buscam, no uso ex-clusivamente residencial , o controle dautilizao do seu espao de moradia porpessoas de fora. Ademais, a mescla deusos no territrio da cidade f avorecemaior proximidade na relao trabalho/moradia, com conseqncias favorveis,como a locomoo a p e por outrosmodos no-motorizados.

    Essas consideraes no eliminama possibilidade das concentraes comer-ciais e de servios, desejveis na medidaem que permitem a competitividade e acomplementaridade de atividades econ-micas. No entanto, essas concentraes,no necessariamente, so expulsoras douso residencial.

    Alm disso, em cidades mdias egrandes, desejvel ainda a descentra-lizao dos ncleos comerciais e de ser-vios, de modo a aproximar esse tipo deconcentrao das reas mais residenciais,com impactos positivos no desenvolvi-mento econmico das diversas regies dacidade e na mobilidade urbana.

    Espaos pblicose equipamentos culturais

    A existncia e distribuio eqitativa deespaos pblicos e de equipamentos cul-turais outro aspecto importante a serabordado na avaliao da qualidade devida urbana.

    Espaos pblicos configuram con-juntos de reas pblicas de lazer, de prticaesportiva, de encontro e de descanso, in-cluindo praas, reas verdes, calades ecentros esportivos. Os equipamentosculturais so edificaes e espaos pbli-cos especificamente voltados para progra-ma governamentais e para manifestaespblicas culturais e de identidades locais(desde bibliotecas, museus e centros cultu-rais at sedes de associaes e grupos cul-turais). importante avaliar: o seu tamanho,perante a populao moradora dos bairros

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    dentro do seu raio de abrangncia; a di-versidade de usos propiciados, em relaos diversas faixas etrias; o estado de con-servao; a acessibilidade a pessoas comrestries de mobilidade e a pluralidadesocial na sua utilizao.

    Capacidade de gesto pblica

    O terceiro grupo de temas diz respeito gesto pblica, em especial capacidadede planejamento, ao e financiamento,alm da democratizao dos processosdecisrios, nos diversos aspectos relativos gesto da cidade. A qualidade de vidaurbana depende muito da capacidade dogoverno local de exercer o planejamentoe o controle do territrio da cidade, dasua estruturao, para implementar polti-cas e fiscalizar o cumprimento da regu-lao urbana e sua capacidade de investi-mento em equipamentos, servios e infra-estrutura urbana.

    Controle urbano e ambiental

    O controle urbano e o controle ambiental,no nvel local, constituem aes pblicasque permitem orientar o processo de ex-panso urbana de forma racional e ecologi-camente equilibrada, bem como promovera justa distribuio dos recursos urbanos.No basta identificar, no entanto, a existn-cia de processos de controle e regulao(ainda que estes sejam aspectos a serem abor-dados): necessrio qualificar o tipo decontrole.5 Dessa forma, impor tante

    avaliar: existncia de legislao de contro-le do uso e ocupao do solo e de legisla-o ambiental no nvel municipal; presen-a na legislao municipal e utilizao efe-tiva de instrumentos de poltica urbana pre-vistos no Estatuto da Cidade; aparato ad-ministrativo para licenciamento e fiscaliza-o (corpo tcnico, estrutura organiza-cional); grau de articulao entre as polti-cas urbanas e as polticas sociais; capacida-de administrativa e institucional para gestointermunicipal compartilhada, particular-mente nos municpios situados em aglome-raes urbanas e regies metropolitanas.

    Democratizao da gesto

    No h dvidas de que a gesto democrti-ca da cidade resulta em melhor distribuiodos recursos e, portanto, em melhor quali-dade de vida urbana. Sob esse aspecto, importante avaliar, em primeiro lugar, aquantidade e os tipos de mecanismos degesto participativa: conselhos municipais(carter deliberativo ou no; paridade; au-tonomia de escolha da representao; fre-qncia de reunies); comits gestores deprogramas pblicos (grau de participaodas comunidades locais; grau de autonomiae poder de del iberao); oramentoparticipativo (avaliao qualitativa do graude autonomia e da capacidade de decisoreal sobre os investimentos).

    Em segundo lugar, preciso avaliaro grau de democratizao da informao:as formas de divulgao das contas pbli-cas e a existncia, freqncia e abrangnciade programas de capacitao.

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    Estrutura de apoio cidadania

    O que chamamos aqui de estrutura deapoio cidadania um conjunto de me-canismos e aes voltados para a organiza-o da vida cotidiana na cidade, e que tam-bm deve ser aval iado no dimensio-namento da qualidade de vida urbana: apa-rato de assistncia tcnica e jurdica deapoio habitao; poltica de educaopara o trnsito; programas de capacitaode lideranas populares.

    Capacidade de investimento

    A capacidade de investimento mostra ascondies locais para intervenes e o po-tencial de melhoria da qualidade de vida. necessrio medir: o tamanho das recei-tas prprias (captao pelo prprio PoderPblico local) em relao ao total da re-ceita; o grau de comprometimento das recei-tas com o custeio da mquina pblica (pes-soal, gastos administrativos e gastos commanuteno de equipamentos, servios einfra-estrutura urbana) e a conseqente

    disponibilidade de receita para investimen-to urbano; a capacidade de endividamento.

    A medio e a avaliao da quali-dade de vida urbana podem constituir im-portante instrumento para o planejamen-to e a gesto urbana, na medida em queauxiliam no monitoramento da ao p-blica, permitem observar a desigualdadesocioespacial e sua evoluo e podem serutilizadas como parmetro para distribui-o territorial de recursos, contribuindo,enfim, para os processos de tomada de de-ciso. As reflexes aqui apresentadas bus-caram sistematizar as variveis urbansticasa serem consideradas em trabalhos dessanatureza. Obviamente, outras dimensesda vida urbana so tambm objeto de me-dio e anlise. No entanto, no mbito doplanejamento urbano, a estrutura socio-espacial e as formas de gesto de sua pro-duo constituem o cerne da ao pbli-ca. Dessa maneira, dimensionar a equi-dade na distribuio espacial e no acessosocial a recursos urbanos implica, funda-mentalmente, medir os aspectos consti-tutivos da estrutura urbana.

    JJJJJupirupirupirupirupira Ga Ga Ga Ga Gomeomeomeomeomes de Mendons de Mendons de Mendons de Mendons de MendonaaaaaArquiteta e urbanista, doutora em Planejamento Urbano e Regional. Professora do Ncleo dePs-Graduao em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas [email protected]

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  • planejamento e medio da qualidade de vida urbana

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    Notas

    * Este trabalho uma verso revista e ampliada de texto elaborado para o IDHS-Instituto deDesenvolvimento Humano Sustentvel/PUC-Minas, em consultoria para a construo dondice de Qualidade de Vida nas Cidades Brasileiras (Relatrio Construo do SistemaNacional de Indicadores para Cidades. Produto: Identificao dos indicadores ideais. Mi-nistrio das Cidades/Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais Instituto de Desen-volvimento Humano Sustentvel. Projeto PNUD: BRA/04/022 - Sistema Nacional de Infor-maes das Cidades. pp. 255-267).

    (1) Para a classificao das regies brasileiras e sua conceituao, ver Bacelar, T.A. e Galvo,A.C. (2004).

    (2) Compem o dficit quantitativo, segundo estudo da Fundao Joo Pinheiro (2002): emprimeiro lugar, o dficit por reposio de estoque (domiclios que devem ser restauradosou substitudos, devido qualidade dos materiais usados na sua construo os domic-lios rsticos e os que se encontram fortemente deteriorados, tanto os muito antigos comoos que apresentam estrutura fsica danificada depreciao); em segundo lugar, o dficitpor incremento de estoque, que inclui a soma da coabitao familiar com os domicliosimprovisados, e tambm os domiclios com nus excessivo com aluguel. Podemos classi-ficar como dficit qualitativo o que o estudo da FJP denominou moradia inadequada:relaciona-se s necessidades de melhorias habitacionais ou precariedade de infra-estrutu-ra carncia de servios de infra-estrutura, adensamento excessivo, inadequao fundiriaurbana e inexistncia de unidade sanitria domiciliar interna.

    (3) O servio pblico de saneamento bsico considerado universalizado em um territrioquando assegura o atendimento, no mnimo, das necessidades bsicas vitais, sanitrias ehiginicas, de todas as pessoas, independentemente de sua condio socioeconmica,em todos os domiclios e locais de trabalho e de convivncia social, de modoambientalmente aceitvel e de forma adequada s condies locais (Projeto de Lei queinstitui as diretrizes para os servios pblicos de saneamento bsico e a poltica nacionalde saneamento bsico PNS, Art. 6, Inciso XXIII, Pargrafo nico).

    (4) Em funo da idade, estado de sade, estatura e outras condicionantes, vrias pessoas tmnecessidades especiais para receber informaes, chegar at os terminais e pontos deparada, entrar nos veculos e realizar seu deslocamento atravs dos meios coletivos detransporte ou, simplesmente, deslocar-se no espao pblico. Essas pessoas so as conside-radas Pessoas com Restrio de Mobilidade e, nesse grupo, esto includas as Pessoas comDeficincia. As deficincias podem ser divididas em cinco grupos, que so deficinciasfsicas, mentais, sensoriais, orgnicas e mltiplas. Cada deficincia gera determinadostipos de incapacidades e desvantagens ocupacionais, de orientao, de independnciafsica e de mobilidade (Ministrio das Cidades, 2004b, p. 39).

    (5) Os seus resultados so avaliados no conjunto que compe o primeiro agrupamento temticoaqui proposto.

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    Referncias

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    MINISTRIO DAS CIDADES (2004a). Cadernos Mcidades, v 5. Saneamento Ambiental. Braslia.

    __________ (2004b). Cadernos Mcidades, v 6. Poltica Nacional de Mobilidade Urbana Sus-tentvel. Braslia.

    NAHAS, M. I. P. (2004). Indicadores sociais como instrumentos para formulao de polticaspblicas e monitoramento da qualidade de vida urbana nas cidades brasileiras. Capacitaoe informao. Cadernos Mcidades 8. Braslia, Ministrio das Cidades.

    Recebido em fev./2006Aprovado em maio/2006

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