Platão e a Medicina

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619 Platªo e a medicina* Plato and medicine Rodrigo Siqueira-Batista Professor de clínica mØdica e filosofia da Fundaçªo Educacional Serra dos Órgªos (FESO) Av. Alberto Torres, 111, Alto 25964-000 Teresópolis RJ Brasil [email protected] Fermin Roland Schramm Pesquisador do Departamento de CiŒncias Sociais, Escola Nacional de Saœde Pœblica (ENSP/Fiocruz) Rua Leopoldo Bulhıes, 1480, sala 914 21041-210 Rio de Janeiro RJ [email protected] SIQUEIRA-BATISTA, R. e SCHRAMM, F. R.: Platªo e a medicina. História, CiŒncias, Saœde Manguinhos, vol. 11(3): 619-34, set.-dez. 2004. A medicina e a filosofia sªo saberes que experimentaram influŒncia mœtua na GrØcia Antiga, a qual foi decisiva para a constituiçªo e o desenvolvimento de ambas. Um dos pontos altos desta interrelaçªo tomou forma no pensamento do filósofo Platªo (427-347 a.C.), considerado o maior pensador da tradiçªo ocidental. Discutir o alcance da reflexªo platônica sobre os mais diferentes aspectos da medicina de seu tempo Ø o escopo do presente artigo. PALAVRAS-CHAVE: medicina, filosofia, Platªo. SIQUEIRA-BATISTA, R. e SCHRAMM, F. R.: Plato and medicine. História, CiŒncias, Saœde Manguinhos , vol. 11(3): 619-34, Sept.-Dec. 2004. Medicine and philosophy are branches of knowledge that had decisive influence on each other in the time of Ancient Greece, shaping the development of both. A landmark of this interrelationship was the thought of the philosopher Plato (427-347 A.C.), considered the greatest thinker in Western tradition. The text discusses how Platonic reflection reached into the most varied aspects of medicine in the philosophers days. KEYWORDS: medicine, philosophy, Plato. vol. 11(3):619-34, set.-dez. 2004

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    PLATO E A MEDICINA

    Plato e a medicina*

    Plato and medicine

    Rodrigo Siqueira-Batista

    Professor de clnica mdica e filosofia da FundaoEducacional Serra dos rgos (FESO)

    Av. Alberto Torres, 111, Alto25964-000 Terespolis RJ Brasil

    [email protected]

    Fermin Roland Schramm

    Pesquisador do Departamento de Cincias Sociais,Escola Nacional de Sade Pblica (ENSP/Fiocruz)

    Rua Leopoldo Bulhes, 1480, sala 91421041-210 Rio de Janeiro RJ

    [email protected]

    SIQUEIRA-BATISTA, R. e SCHRAMM, F. R.:Plato e a medicina.Histria, Cincias, Sade Manguinhos,vol. 11(3): 619-34, set.-dez. 2004.

    A medicina e a filosofia so saberes queexperimentaram influncia mtua na GrciaAntiga, a qual foi decisiva para a constituioe o desenvolvimento de ambas. Um dospontos altos desta interrelao tomou formano pensamento do filsofo Plato (427-347a.C.), considerado o maior pensador datradio ocidental. Discutir o alcance dareflexo platnica sobre os mais diferentesaspectos da medicina de seu tempo oescopo do presente artigo.

    PALAVRAS-CHAVE: medicina, filosofia,Plato.

    SIQUEIRA-BATISTA, R. e SCHRAMM, F. R.:Plato and medicine.Histria, Cincias, Sade Manguinhos,vol. 11(3): 619-34, Sept.-Dec. 2004.

    Medicine and philosophy are branches ofknowledge that had decisive influence oneach other in the time of Ancient Greece,shaping the development of both. A landmarkof this interrelationship was the thought of thephilosopher Plato (427-347 A.C.), consideredthe greatest thinker in Western tradition. Thetext discusses how Platonic reflection reachedinto the most varied aspects of medicine in thephilosophers days.

    KEYWORDS: medicine, philosophy, Plato.

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    Introduo

    A s relaes entre filosofia e medicina na Grcia Antiga somuito ntimas e fecundas, remontando aos sculos VI ao IVantes de Cristo (Cornford, 1989, pp. 3-16), quando ambos os sa-beres se influenciaram mutuamente, em uma autntica via dupla.Nesse contexto, podem ser encontrados vrios elementos dopensamento pr-socrtico (sculos VI e V a.C.) no repertrio dasdoutrinas mdicas hipocrticas, como por exemplo o conceitode natureza ()1 dos pensadores originrios, cujas implicaesforam abrangentes e radicais nas concepes de uma natureza dohomem u (Siqueira-Batista, 2003b, pp. 145-6). Por outro lado, a medicina tambm imprimiu sua marca profundano pensamento filosfico, ganhando este fato grande amplitude naobra de Plato, cujas reflexes tocaram muitos aspectos do fazermdico grego no perodo clssico.

    Do erudito ateniense provm o testemunho antigo mais famososobre o Hipcrates histrico no dilogo Fedro (Plato, 1950,passo 270c-d) , em excerto que contm uma explanao sobreo mtodo empregado pelos mdicos da Escola de Cs (Frias, 2001,p. 87-110). Ademais, em vrias obras platnicas h referncias constituio humana uma questo que interessava simulta-neamente a mdicos e filsofos , como em A Repblica e noTimeu, dilogos nos quais so apresentadas idias sobre o corpoe a alma do homem, enfatizando seus estados de sade, doena ea prpria morte e seu processo (idem, 2002, p. 84). So tambmdignas de meno as preocupaes teraputicas em relao aocorpo e alma, como as belas conversas citadas no Crmides(Plato, 1988, passo 157a), a educao () mencionada comocurativa e reparadora no Timeu (Frias, 2002, p. 127) e a crtica aosmtodos de tratamento empregados por Herdico de Mgara noLivro III de A Repblica (Siqueira-Batista et al., 2004).

    Nesse aspecto, um breve sobrevo sobre as preocupaesmdicas da filosofia platnica poderia contribuir para as reflexessobre os problemas inerentes s relaes entre medicina e filosofia.Este caminho precisamente o escopo do presente artigo.

    Plato: vida, obra e questes filosficas

    Plato , indubitavelmente, um dos filsofos mais importantesda histria do Ocidente. Nascido na plis () de Atenas em 427a.C., Plato era filho de Aristo e Perictona, sendo descendente dogrande reformador Slon por parte de me e do rei Codro, fundadorda cidade, pelo lado paterno (Chau, 2002, p. 212). O filsofo foium escritor prolfico e de grande elegncia; sua obra se distribui emdilogos um estilo de expresso filosfica nos quais se articula

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    seu pensamento conhecido em textos de grande beleza.2 Semembargo, em uma de suas obras, a Carta stima, Plato comentaque seu verdadeiro pensamento ensinado dentro dos muros daAcademia no se encontrava presente em seus escritos, os quaistrariam informaes de menor relevncia em relao totalidadede sua obra (idem, ibidem, p. 219).

    Desde o fim do sculo XVIII admite-se que todo o maravilhosoconjunto da obra platnica possui uma intrnseca perspectivaevolutiva de sua filosofia, sobretudo aps os trabalhos deSchleiermacher (Jaeger, op. cit., pp. 582-4). A partir de ento umasrie de estudos foi desenvolvida neste mbito, como o caso daestilometria de L. Campbell, na qual caractersticas de estilo foramidentificadas ao se compararem as Leis com outros dilogos da obraplatnica. Foram ento reunidos os textos do fim da vida de Plato,constituindo os chamados dilogos da velhice. Assim, pois, queuma das formas para se organizar a obra do ateniense inspiradana estilometria distingue os dilogos da juventude ainda sobreinfluncia de Scrates daqueles da maturidade e da velhice,conforme apresentado a seguir (em ordem alfabtica dentro decada categoria):

    Juventude: Apologia de Scrates defesa de Scrates (em relaoao seu julgamento no tribunal de Atenas); Crton elogio moralsocrtica; Crmides sobre a prudncia; Crtilo sobre a lin-guagem; Eutidemo contra a erstica; Eutifron sobre a piedade;Grgias sobre a retrica como falcia; Hpias menor sobre afalsidade; Hpias maior sobre a beleza; Ion sobre a Ilada ouos poetas; Laques sobre a coragem; Lisis sobre a amizade;Menexeno stira contra a retrica; Mnon sobre a virtude e osaber (este dilogo considerado o primeiro a abordar a doutrinada anamnesis, ou seja, da reminiscncia); Protgoras sobre oensino da virtude.

    Maturidade: Banquete sobre o amor; Fdon sobre aimortalidade da alma; Fedro sobre a linguagem e a retrica; ARepblica sobre a justia (neste dilogo Plato constri sua idiade plis perfeita); Parmnides sobre o ser; Teeteto sobre oconhecimento.

    Velhice: Crtias considerada uma obra inacabada, delineia umestado agrrio como ideal (figurado como Atlntida); Filebo sobreo prazer; Leis sobre o ideal poltico; Poltico sobre a monarquia;Sofista contra os sofistas; Timeu sobre a natureza (fsica ecosmologia platnicas).

    So tambm consideradas como pertencentes ao corpus platnicotrs cartas: a Terceira, a Stima (a mais conhecida) e a Oitava.Dilogos como Alcibades I e II, Anterestai, Cltofon, Hiparco, O

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    filsofo, Mino e Teages, bem como outras dez cartas que permanecemcomo obras de autenticidade duvidosa.

    A filosofia platnica, em seu cerne, emerge de um esforo doateniense para compor duas grandes influncias por ele experi-mentadas: a socrtica (sobretudo na primeira fase de sua obra; veja-se dilogos como Apologia, Crton, Eutfron, Laques, Crmides, Lsis,Protgoras e Grgias) e a pitagrica, presente desde os primrdiosda maturidade (textos como A Repblica, Mnon, O Banquete, Fdone Fedro. Pode-se dizer que o conceito de alma () apresenta umpapel central no pensamento de Plato: ela a causa geral da vida(Plato, 1956, Notice, p. 39) e o centro da moralidade (Cornford,2001, p. 54), alm de nela estar centrada toda a possibilidade deconhecimento (Plato, 1977, passo 30c), tal como o apresentado emvrios dilogos (Cornford, 1989, pp. 71-99). Ademais, so as questesrelativas alma humana e a sua relao com o corpo que setornam capitais nos aspectos da filosofia platnica referentes medicina. Assim ocorre, pois, no Timeu, texto no qual soapresentados aspectos da constituio da alma e do corpo humanos,ou seja, em que investigada a natureza do homem em sua ntimaligao com a totalidade csmica. Assim, para H. Bittar (1977, p10):

    ...o Timeu nos fala da ordem do mundo, mostrando-nos que osprincpios dessa ordem regem tambm o homem. Toda a organi-zao da plis descrita na Repblica, que vai ser agora colocadaem ao, constituindo tal projeto o objeto geral da trilogia, foifundada na natureza do homem. Mas esta, por sua vez, funda-sena prpria natureza do Universo, pelo que se impe comear pelaorigem do Universo, investigando-se as causas de sua harmonia epassando, da, para a origem do homem e a harmonia que devereger sua alma.

    O dilogo se inicia com uma referncia ao mito de Atlntida e,em seguida, passa explanao sobre a origem do cosmo () o qual teria sido fabricado por um demiurgo, por meio dacontemplao de Idias Eternas , sendo perscrutadas suas leis esua organicidade.3 semelhana do homem, o cosmo vivo concepo presente tambm no Filebo (Plato, 1941, passo 29a-30a) e racional (Plato, 1977, passo 30c), sendo constitudo porum corpo e uma alma. Todavia, uma importante distino a serfeita refere-se inexorabilidade da ligao do cosmo sua alma ambos se mantm unidos de forma perene , em contraposio aohumano, no qual a coalizo corpo-alma efmera, ocorrendo suadissoluo quando sobrevm a morte.

    A alma humana foi construda com as sobras utilizadas napreparao da alma do mundo, sendo composta por duas pores:uma imortal e outra mortal. A primeira a sede da vida, sendoaquilo que anima e mantm o corpo assim como a alma do

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    mundo a mantenedora do cosmo , localizando-se na cabea(Frias, 2002, p. 103). A alma mortal repleta de paixes terrveis efatais (Plato, 1956, passo 69c-d), sendo subdivida em irascvel situada no trax, relacionada coragem mas tambm clera econcupiscente alocada na regio umbilical, sendo relativa aosapetites, desejos, prazeres e dor. A alma humana assim tripartida:racional (imortal), irascvel e apetitiva (as duas ltimas mortais).

    alma imortal pertence possibilidade de conhecer, de acordocom o que discutido no Mnon. Aquilo que o real asFormas ou Idias o verdadeiro objeto do conhecimento,apreensvel pela alma imortal, conforme explicitado em ARepblica.4 As Formas eternas ingnitas, indestrutveis, intangveise paradigmticas compem o mundo genuinamente real e trans-cendente que, se contemplado por uma alma capaz, podeproporcionar um conhecimento verdadeiro e duradouro. comessa articulao que Plato funda uma genuna cognoscibilidade. Aalma imortal conhece o real pela contemplao das Formas eternas,antes mesmo do nascimento (ou encarnao) para esta vida, ouseja, ele a priori, como est apontado no Fdon (Plato, 1979a,passo 100a-b).

    Ora, se o conhecimento obtido pela contemplao das Formaseternas, existe a possibilidade de que ele brote na intimidade dohomem, desde que este se lembre do que viu, ou seja, desde querememore o passado. A rememorao uma instncia modelar danarrativa mtica, tendo participao decisiva na cultura helnica(Siqueira-Batista, 2003a; Vernant, 1973, pp. 305-7). No caso dosaedos gregos, a recordao () est relacionada parti-cipao das Musas (u). Sem embargo, no pensamento dePlato, a perspectiva deslocada de uma instncia extrnseca arevelao das musas para a intimidade daquele que conhece, ouseja, consiste em um atributo da alma imortal. Uma passagemexemplar acerca desta questo encontrada no Mnon, conforme oexcerto a seguir:

    Sendo ento a alma imortal e tendo nascido muitas vezes, e tendovisto tanto as coisas [que esto] aqui quanto as [que esto] noHades, enfim, todas as coisas, no h o que no tenha aprendido;de modo que no nada de admirar, tanto com respeito virtudequanto ao demais, ser possvel a ela rememorar aquelas coisasjustamente que j antes conhecia (Plato, 2001, passo 81c).

    Neste dilogo, Scrates procura convencer Mnon de querealmente o conhecimento j se encontra na alma imortal. Paraisso, utiliza um dos escravos de seu interlocutor, submetendo-o aum interrogatrio sobre um problema geomtrico.5 O escravo, apschegar a algumas concluses equivocadas, novamente argido,at que finalmente alcana a soluo do problema. Com isso

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    demonstrado que, a despeito de no ter sido submetido a umaprendizado formal, um homem no caso um escravo pode sercapaz de resolver problemas complexos, desde que seja orientadopor um repertrio correto de indagaes. Essas perguntas permitemque a resposta correta seja parida, em concordncia analogiaestabelecida no Teeteto entre o mtodo socrtico e a atividade deuma parteira da maiutica. De onde viria tal conhecimento?Da prpria alma,6 seria a resposta platnica, sendo evocado a partirda :

    No Mnon a teoria da Anamnesis foi apresentada para fugir aodilema sofstico: ou conhecemos uma coisa, e ento no hnecessidade de a procurar; ou no a conhecemos, e ento nopodemos saber o que procuramos. O dilema pressupunha umanica alternativa, ou o conhecimento completo ou a ignornciatotal. A Anamnesis fornece graus de conhecimento entre estesdois extremos (Cornford, 1989, p. 82).

    Alm da possibilidade de conhecimento, a contemplao dasIdias por parte da alma platnica encerra um genuno contedomoral. Scrates pontuava que se os homens fossem libertadosdos preconceitos e das falsas convices poderiam vislumbrar averdadeira finalidade da vida. Assim, pois, aquele que atingisseo Bem no poderia deixar de faz-lo. Exatamente esta apreensodependia da contemplao das Idias eternas pela alma imortal,propiciando um incontornvel esteio moral, como analisa F. M.Cornford (idem, ibidem, p. 74):

    ... tratava-se antes de uma Teoria das Idias para regular a condutamoral. ... Constituem, sim, um mundo comum a todos ns, masque independente de todos ns. So [as Idias], afinal, os objetosabsolutos do conhecimento socrtico de que toda a virtude depende(grifo nosso).

    A alma , pois, a instncia imortal e mais importante do serhumano, representando a sede do verdadeiro conhecimento eda conduta moral isso atrelado contemplao das Idias perfeitas(Cherniss, 1990, pp. 109-10; Frias, 2001, p. 108).

    Para Plato, uma alma saudvel aquela que se compraz najustia (Plato, 1987, passo 444d), tal como discutido em ARepblica. Sem embargo, h circunstncias nas quais a alma podese tornar enferma por influncia de distrbios do corpo, afinal aalma imortal o que o homem tem de divino; assim sendo, noseria factvel que na prpria alma imortal tivessem origem suasmolstias , como se apresenta a seguir.

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    A medicina: relaes e digresses corpo-alma

    A filosofia platnica demarca uma ntida preeminncia da almasobre o corpo. Entretanto, este no foi negligenciado pelo ateniense por exemplo, a ginstica era uma das atividades importantes daAcademia , merecendo destaque em alguns dos dilogos,marcadamente no Timeu. Corpo e alma assim como tudo queexiste no cosmo so constitudos por quatro elementos: fogo,gua, ar e terra. Estes, em ltima instncia, podem ser decompostosem figuras geomtricas: o fogo em tetraedros, a terra em cuboshexagonais, o ar em octaedros e a gua em icosaedros. Estas formaspodem ser ainda reduzidas a tringulos retngulos issceles eretngulos escalenos. Pelo rearranjo dos tringulos seriamcompreendidas as transformaes dos corpos, com grandesimplicaes sobre sua durabilidade e desagregao.

    No entanto, as relaes entre corpo e alma no se limitam identidade constitutiva tringulos. Plato explica no Timeu ofuncionamento de diferentes rgos como o corao, o fgado,o bao e os intestinos , os quais tm suas fisiologias atreladas funo da alma ou seja, cada segmento anatmico refere-se finalidade da alma que lhe corresponde , talhando aquilo que I.M. Frias (2002, p; 107) chama de organicismo psicolgico.7 Ademais,o filsofo esclarece que a ligao da alma com o corpo feita pelamedula (), como o estabelecido por L. Brisson (1988, p.429): Na medula cervical est fixada a espcie imortal da almahumana e na medula espinhal a espcie mortal e, por conseqncia,suas duas subespcies.

    Com base nestes aspectos anatomo-fisiolgicos, Plato constrisua fisiopatologia, distinguindo as doenas do corpo e da alma.As enfermidades somticas podem ocorrer por (1) desequilbriodos seus elementos constitutivos fogo, terra, ar e gua; (2) porcorrupo dos tecidos do corpo a carne, os nervos, o sangue, osossos e a medula; e (3) pelo ar e por humores bile e flegma. digno de nota que a teoria humoral empregada por Plato no Timeutem inspirao na doutrina hipocrtica (Siqueira-Batista, 2003a). Hcontudo importante diferena entre uma e outra concepes. Notratado Da natureza do homem so descritos quatro humoresconstitutivos de todos os indivduos sangue, flegma, bile amarelae bile negra , que, mantidos em equilbrio, preservam o estadode sade. Para o filsofo tais humores surgem a partir dadecomposio dos tecidos, o que os torna nocivos, implicandoportanto a necessidade de que sejam eliminados para a perpetuaoda sanidade.

    As doenas da alma podem ser apreendidas como genunasdoenas morais (Frias, 2001, pp. 35-7), sendo genericamentechamadas de demncia, situaes nas quais h um bloqueio na

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    ao da alma racional, a qual no consegue mais exercer domniosobre a alma mortal. A demncia pode ser de dois tipos: ignornciae loucura, as quais tm diferentes causas, conforme o apresentadono Timeu:

    Por conseguinte, toda afeco que provoca em algum uma dessasperturbaes deve ser chamada doena, sendo foroso reconhecerque os prazeres excessivos e as dores fortes so as mais gravesdoenas da alma. ... Contudo, quando a semente se acumula emexcesso na medula, a ponto de transbordar, maneira de umarvore carregada de frutos, ento seus desejos e suas conseqnciaslhes ensejam, em cada ocasio, no apenas prazeres como tambmsofrimentos em grande cpia, e muito embora se comporte comoum louco quase toda a vida, por causa das dores e dos prazeresexcessivos, vindo a adoecer e embotar-se-lhe a alma por causa docorpo, ningum o considera doente, mas vicioso por prpriadeliberao (Plato, 1977, passo 73b; grifo nosso).

    Aqui sobressaem alguns elementos da maior importncia. Osexcessos so deletrios sade da alma, promovendo a loucura como na intemperana sexual, secundria ao aumento da produode smen na medula (Plato, 1956, passo 86b-e) , doena passvelde tratamento, mas no de censura para aquele que sofre. Esta idiaest de acordo com o conceito, defendido por Scrates em vriosdilogos platnicos, de que ningum mau deliberadamente, porfora de sua prpria vontade. Assim, pois, no Sofista, Plato (1979b,passo 230a) afirma que: ... toda ignorncia involuntria, e aqueleque se acredita sbio se recusar sempre a aprender qualquer coisade que se imagine experto.

    De modo similar, se l nas Leis: ... ningum intemperante pordeliberao prpria, pois sempre por ignorncia ou por no saberdominar-se ou por ambas as causas ao mesmo tempo, que a grandemaioria dos homens no pratica a temperana (Plato, 1980, passo734b).

    Isso abre a perspectiva para que uma conduta moral tenha comosubstrato um distrbio fisiolgico (Joubaud, 1991, p. 183). Umaoutra origem para a loucura reside na produo de humores deletrios bile e flegma secundrios decomposio do corpo, os quaismesclam seus vapores aos movimentos da alma, produzindo tristeza,audcia, covardia e esquecimento, entre outros (Plato, 1977, passo86e-87a).

    A ignorncia tem sua origem em dois aspectos m constituiocorporal e educao ruim , os quais poderiam ser vistos na medicinacontempornea como carter genotpico (constitutivo) e participaoambiental. Assim, homens somaticamente defeituosos e expostos auma educao imprpria so propensos ignorncia; se, no entanto,o processo educativo adequado, possvel que tais homens superem

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    sua m constituio, tornando-se justos (Frias, 2002, p. 127). Nessesentido, o homem tambm um produto da sociedade na qualvive, de tal modo que uma enfermidade social se torna capaz depromover o adoecimento individual (Brisson, op. cit., p. 454).

    H de se mencionar, em relao ignorncia, a possibilidade deque esta ocorra por uma queda da alma no corpo (Plato, 1977,passo 43b). Esta situao decorre de problemas ocasionados naalma poca do nascimento, uma vez que, ao cair no corpo, aalma passa por um processo anrquico, que paulatinamente substitudo pela harmonia de suas revolues. Distrbios dessesprimevos momentos geram alteraes nos crculos da alma bemcomo nas revolues do Mesmo e do Outro , os quais se manifestamclinicamente por troca de nomes de alguns objetos e abaloscorpreos.

    Jacques Pigeaud (1981, p. 47) traz como elementos importantespara a compreenso da doena da alma platnica, os seguintesaspectos: (1) as enfermidades da alma tm origem somtica; (2) aignorncia tambm de origem orgnica; (3) a causa fsica daloucura j era conhecida dos mdicos hipocrticos antes mesmo dePlato; (4) medicina e moral devem ser pressupostos unssonospara o tratamento do homem, em uma medicina da relao corpo-alma. Veja-se o alcance da teraputica no pensa-mento platnico.

    A teraputica e seus limites

    Plato se preocupou com o tratamento das mais diferentesmolstias do homem. Neste aspecto, o Timeu traz informaessobre vrios mtodos de tratamento empregados na Grcia dosculo IV a.C., explicitando para quais doenas eles devem serindicados. Sob uma perspectiva mais ampla, a teraputica platnicafunda-se no princpio de proporo, a exata medida nas relaesentre corpo e alma. O importante a perpetuao de umaharmonia entre as partes que compem este binmio. Uma vezmais, o que est em jogo para o restabelecimento da sade aharmonia do todo ou seja, entre as pores do corpo e daalma. Deste modo, no Crmides e nas Leis, o ateniense critica apostura dos mdicos hipocrticos ao priorizar o corpo emdetrimento da alma (Coolidge Jr., 1993, pp. 23-6). Ou seja, questionada a conduta de se tratar apenas a parte o corpo.Plato, ao contrrio, ressalta a importncia de se buscar acompreenso do todo:

    ... como talvez j tenhas ouvido, os bons mdicos, quando algum osconsulta e se queixa da vista, respondem, naturalmente, que no possvel cuidar dos olhos isoladamente, mas que necessrio tratarsimultaneamente da cabea, se se quiser passar bem os olhos. Deigual modo, julgar, enfim, que a cabea se cura em si mesma,

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    separadamente de todo o corpo, uma grande insensatez. Partindodeste princpio, debruando-se sobre todo o corpo, as suas prescri-es procuram, atravs do todo, tratar e curar a parte (Plato, 1988,passo 156b-c).

    As prescries arroladas para o tratamento das enfermidades soas mais diversas: ginstica, prtica da msica, dietas, estudo daastronomia e filosofia, sobre a qual h tambm importante refernciano Crmides: a utilizao de belas conversas (Plato, 1988, passo157a) capaz de engendrar na alma a temperana, a prudncia e asabedoria (Frias, 2002, p. 103). As palavras so n(phrmakon), no duplo sentido que o termo encerra: veneno eremdio. Nas mos do sofista so um txico mortal; mas quandousadas pelo filsofo, podem constituir um profcuo blsamoteraputico como o estabelecido no passo 270b do Fedro.

    exatamente nesse sentido que Plato qualifica a filosofia comouma genuna medicina da alma, havendo mltiplas referncias terapia anmica nos dilogos platnicos. De acordo com o filsofo,em A Repblica (Plato, 1987, passo 444d), uma alma saudvel aquela que se compraz na justia, possuindo equilbrio. Aenfermidade da alma comparvel injustia; deste modo, amedicina estaria para o corpo assim como a justia estaria para aalma (Plato, 1992, passo 464b-c), no sentido que aquela adquirede therapea para a alma. H um ntido carter tico (Gomperz,1969, p. 610) e poltico nesta formulao, uma vez que toda acosmogonia platnica (no Timeu) visa, em ltima anlise, a deslindara harmonia intrnseca ao cosmo, que da mesma ordem daharmonia que rege a alma humana e que dever fundar a IIideal. Assim, restabelecer a sade da alma tem uma finalidade ticaprimaz, o que engendra toda a discusso sobre a II excelsa(Cambiano, 1981) que o filsofo almejava (Cornford, 1937, p. 6).Tratar a alma promover a sua reordenao e o retorno de suaharmonia restabelecendo a justia , tal qual apontado noGrgias (Plato, 1992, passo 504d-e):

    ... fala s almas dos seus ouvintes em todas as circunstncias. E, sed ou tira aos cidados alguma coisa, sempre com a inteno defazer nascer a justia na sua alma, de expulsar dela a injustia, deimplantar nela a moderao e dela afastar a intemperana.

    Com base nessas premissas, o escopo da atividade filosficaseria manter a sade da alma, o que mister para que aIIatinja seu mximo grau de excelncia.

    interessante notar que o alcance curativo da medicina , paraPlato, intimamente relacionado s causas e histria natural dasenfermidades, bem como constituio daquele que adoece. Emrelao a esses aspectos tem importncia capital o repertrio de

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    tringulos que compoem a intimidade do corpo humano, consoanteas discusses presentes no Timeu. Cada pessoa ao nascer detmuma quantidade e arranjo de seus tringulos, os quais facultam umtempo de vida esperado e que no tem como ser prorrogado.Assim tambm so as doenas: elas tm um curso prprio umahistria natural , segundo o qual o tempo de sua durao e odesenlace encontram-se preestabelecidos. De acordo com as palavrasdo prprio filsofo (Plato, 1977, passo 89b-c):

    De regra, a constituio das doenas apresenta alguma semelhanacom a dos seres vivos, pois a composio destas condiciona umadurao regulada para a espcie em geral, nascendo cada pessoa como tempo de vida fixado pelo destino, exceo feita para os acidentesinevitveis de origem externa, pois desde o nascimento os tringulosde qualquer ser vivo se conglutinam de maneira que possam resistirat um determinado limite, alm do qual ningum consegue prolongara vida. O mesmo se passa com a constituio das doenas.

    H um determinismo inerente constituio humana e aodesenrolar da molstia, o qual torna limitados os tratamentosprescritos. Na continuao do mesmo passo do Timeu, Platocritica o uso de medicamentos para a conteno de doenasleves as quais devem ser deixadas livres para seguir seuprprio curso , enfatizando que os frmacos devem ser empre-gados apenas nos casos mais graves, ou seja, naqueles em que hgrande perigo para o doente (Plato, 1977, passo 89b-d). Asmolstias no devem, assim, ser irritadas com o uso de remdios, oque traz mais prejuzos que benefcios para aquele que sofre. Aindamais: se a molstia for incurvel ou seja, mortal (exceo feita scondies traumticas) , no deve ser prolongada a vidaartificialmente por meio de modalidades teraputicas aqui norestritas aos frmacos, mas tambm s prticas como a dieta e aginstica , de acordo com o que est exposto em A Repblica(Plato, 1987, passo 406a-b):

    ... Herdico, que era mestre de ginstica, tornou-se enfermeiro,e, misturando o exerccio bsico com a medicina, atormentou-seprimeiro e acima de tudo a si mesmo, e depois a muitos outros.

    Como assim? Perguntou ele.

    Dilatando a sua prpria morte respondi eu. Acompanhandopasso a passo a sua doena, que era mortal, sem ser, ao que parece,capaz de se curar, atravessou a vida a tratar-se, sem se ocupar de maisnada, estafando-se a ver que no se desviasse da dieta habitual, custando-lhe a morrer, devido ao seu saber, at que atingiu a velhice (grifonosso).

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    Nesta passagem Plato renega a atuao de Herdico, o qualadotou um combinado de ginstica e dieta para protelar sua molstiaincurvel. Sua prtica, que atormentou a si mesmo e a outros,propiciou que vagasse pela vida doente subentendendo-se aquique tenha sofrido e feito sofrer com isto. Neste sentido, seria muitomais pertinente se declinar em buscar de forma ensandecida otratamento da enfermidade, uma vez que a morte, no caso de doenasincurveis, pode ser muito mais redentora que algoz: ... se o corpo[do homem atingido por enfermidade mortal] no capaz de resistir,a morte liberta-o de dificuldades (Plato, 1987, passo 406e, grifonosso).

    A opo pela morte parece ser mais razovel nessas circunstn-cias, as quais se referem a molstias no passveis de cura.Assim, Plato elabora uma censura aberta ao emprego da artemdica como forma de prolongar a vida, caso o enfermo estejaacometido por molstia incurvel. Para isso utiliza uma bela ecoesa argumentao, a qual se mantm ainda extremamente atual,sobretudo no contexto dos debates bioticos sobre o fim da vida,como foi possvel se discutir em outras oportunidades (Schramm,2001; Siqueira-Batista et al., 2002; Siqueira-Batista et al., 2003 a e b).

    Ponderaes finais

    A cultura ocidental representa, nos seus mais distintos matizes,um genuno legado da Grcia antiga. Diferentes campos do saberse estruturaram e alcanaram grande maturidade na sociedadehelnica, imprimindo profundas marcas na sua evoluo histricae conceitual subseqente. Inserem-se neste mbito a medicinahipocrtica cujo mtodo em grande parte continua presentena prtica clnica hodierna e a filosofia um produto intrn-seco ao esprito grego, provavelmente a mais original e decisivaherana daquele povo.

    Filosofia e medicina so contemporneas o registro civil deuma e de outra dista pouco mais de cem anos: sculos VI e V a.C.,respectivamente , o que permitiu a emergncia de uma marcantecumplicidade entre ambas (Siqueira-Batista, 2003a, p. 232). Estaconstatao se torna mais difana medida que: (1) identificam-sehomens que se dedicavam, simultaneamente, aos dois misteres como Alcmen de Crtona e Empdocles de Agrigento; (2) percebe-se uma ntida influncia da filosofia pr-socrtica nas doutrinasmdicas da Escola de Cs como no equilbrio (pitagrico) dosquatro humores e no conceito de u , vistoanteriormente; (3) na presena de idias mdicas nos textosfilosficos, cujo divisor de guas foi, indubitavelmente, o filsofoPlato.

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    PLATO E A MEDICINA

    Como se tentou demarcar neste breve ensaio, o pensador ateniensemanifestou grande interesse por diferentes aspectos da medicina.Suas concepes mdicas se articulam intimamente a todo manancialterico de sua obra, representando preocupaes com as relaesentre o cosmo e o homem e entre este a e plis , o corpo e aalma e, de um certo modo, com o prprio binmio vida e morte,uma vez que todo o seu esforo se dirige idia de uma almatripartida que possui uma poro imortal divina habitando ocorpo mortal e perecvel.

    H uma fecunda confluncia de teorias mdicas e filosficasnos dilogos platnicos, como na idia de sade relacionada aoequilbrio entre parte e todo e entre corpo e alma , cabendoao tratamento um papel relevante no sentido de restabelecer acrase perdida, tal como se pode perceber nos fragmentosfilosficos (como em Alcmon) e nos tratados hipocrticos Dos humores e Da natureza do homem, entre outros (Hippocrates,1992, pp. 10-1). Entretanto, o campo de atuao das condutasteraputicas restrito: as molstias tm uma histria natural qui um prognstico, tal como ensinado pelos mdicos de Cs, de modo que passvel de crtica a utilizao de medidascorretivas para as enfermidades brandas as quais no devemser irritadas pelos remdios , bem como para as incurveis,pois o tratamento destas ltimas possibilita o prolongamentoartificial e sofrido da vida.

    Eis o panorama: na complexidade e abrangncia de suasespeculaes, Plato realiza uma leitura da medicina de sua pocaque se mantm extremamente atual, no contexto de seus problemasmais recnditos. Questes como: a relao entre homem e meioambiente; a possibilidade de adoecimento psquico por causasorgnicas; a explicao fisiolgica para a inexorabilidade dedeterminados estados nosolgicos; e a conseqente crtica aostratamentos desproporcionais que beirariam a obstinaoteraputica podem ser retomados hoje, como frutfero pano defundo terico para uma atitude mais reflexiva em relao medicina.

    Refletir sobre o fazer mdico eis uma perspectiva da maiorimportncia em uma sociedade laica e plural. Procedendo assim, moda platnica, abre-se um caminho para a construo de umaprtica mdica mais condizente com as necessidades humanas,voltada para a amplido das suas possibilidades, mas tambmciosa em relao aos limites de suas prprias mos e dos meiospor elas utilizados e aperfeioados, representados pela arte decurar e cuidar.

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    RODRIGO SIQUEIRA-BATISTA E FERMIN ROLAND SCHRAMM

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    NOTAS

    * Trabalho realizado no Departamento de Cincias Sociais/Escola Nacional de Sade Pblica (ENSP)/Fundao OswaldoCruz e no Ncleo de Estudos em Filosofia e Sade (NEFISA)/Fundao Educacional Serra dos rgos.

    1 A palavra grega (physis) traduzida, de forma muito simplista e rudimentar, como natureza. Etimologicamente,physis formada pelo sufixo sis e pela raiz verbal phy. Na voz ativa a palavra significa produzir e na voz mdia, crescer.Acredita-se que o termo se origina a partir de caractersticas do reino vegetal, estendendo-se mais tarde o significado doverbo a ponto de assumir uma amplido mxima. Para W. Jaeger (1995), em Paidia, a palavra abarca tambm a fonteoriginria de todas as coisas, aquilo a partir do qual se desenvolvem e pelo qual se renova constantemente o seudesenvolvimento; em outras palavras, a realidade subjacente s coisas de nossa experincia. Deste modo, a palavra physisindica aquilo que por si brota, emerge, surge de si prprio e se manifesta neste desdobramento, pondo-se no manifesto. Aphysis tudo o que existe, nada existe que no seja . Para aprofundamento dessa discusso ver Bornheim (1999, p. 7).

    2 No sculo XVI os textos platnicos foram traduzidos (para o latim) e publicados por H. Estienne, o qual disps a versogrega em duas colunas, cada uma delas divididas em letras a, b, c e d, precedidas por um nmero. Esta meno temrelevncia porque as tradues subseqentes mantiveram tal disposio, sendo bastante comum a referncia a determinadopasso de um dilogo ao se comentar sobre um excerto especfico.

    3 A existncia de dois mundos sensvel e inteligvel uma das teses mais famosas do pensamento platnico.O mundo inteligvel constitudo pelas Formas (ou Idias) eternas e detentoras do ser, as quais so o modelo paradigma incorruptvel para o mundo sensvel (cpia do primeiro), e que detm as coisas sujeitas ao devir:O Demiurgo de que nos fala Plato no Timeu no o mero arteso, o que simplesmente trabalha com as mos,mas aquele que produz contemplando um modelo, transferindo para a cpia as virtudes desse modelo. ODemiurgo contempla e produz: h nele uma atividade terica e uma prtica, inseparveis (Plato, 1977, Introduo, p.14). Sem embargo, importante demarcar que as Idias eternas no representam leis da natureza algo imanente aomundo sensvel (como a alma nos milsios): Os objetos que descobriu [Plato] no eram leis da natureza, se por estasentendermos frmulas que descrevem a seqncia de fenmenos sensveis, ou coisas desse gnero. Nas suas mos, ateoria transformou-se numa doutrina da inteligvel natureza das coisas em oposio consciente ao materialismo queidentificava a realidade com os componentes elementares dos corpos tangveis (Cornford, 1989, p. 74).

    4 No Livro V de A Repblica, Plato comenta que se estes objetos as Idias podem ser conhecidos, eles tm de serreais, uma vez que o perfeitamente real tem de ser necessariamente idntico ao perfeitamente cognoscvel. (Plato, 1987,passo 477a).

    5 Na verdade o problema versa sobre a construo de um quadrado que deve ser o dobro de um dado quadrado,o que implica no teorema do quadrado da hipotenusa (este, uma provvel descoberta de Pitgoras).

    6 Apesar de, no Mnon, a questo do conhecimento j estar centrada na alma, no h aluso explcita Teoria das Formas,consoante o discutido por M. Iglsias (Plato, 2001. p. 12): O Mnon entretanto no faz nenhuma meno clara teoriadas Idias transcendentes, nem mesmo na passagem sobre a reminiscncia, onde esperado que ela faria sua apario.

    7 Para Ivan M. Frias (2001, p. 108), V-se que a alma primeira. A estrutura corporal um simples abrigo e meio delocomoo para a alma. O corpo encontra sua razo de ser na alma. Cada segmento anatmico tem uma finalidade derivadada funo que desempenhada pela parte da alma que lhe corresponde. H, portanto, um finalismo em cada passagem daantomo-fisiologia do Timeu que tambm est presente na descrio das estruturas onde efetivamente ocorre a ligao daalma com o corpo.

  • vol. 11(3):619-34, set.-dez. 2004 633

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    Recebido para publicao em agosto de 2003.

    Aprovado para publicao em fevereiro de 2004.