Poema Em Linha Reta de Fernando Pessoa Com Seu Heterônimo Álvaro de Campos_mais Atual Impossível

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  www.eftsaopaulo.com.br Poema em linha reta de Fernando Pessoa com seu heterônimo Álvaro de Campos: mais atual impossível Janaina de Abreu Gaspar EFT São Paulo Poema em linha reta Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.  E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavel mente sujo. Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado, Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado [sem pagar, Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado Para fora da possibilidade do soco; Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.  

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Poema de fernando Pessoa continua atual

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    Poema em linha reta de Fernando Pessoa com seu

    heternimo lvaro de Campos: mais atual impossvel

    Janaina de Abreu Gaspar

    EFT So Paulo

    Poema em linha reta

    Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

    Todos os meus conhecidos tm sido campees em tudo.

    E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,

    Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,

    Indesculpavelmente sujo.

    Eu, que tantas vezes no tenho tido pacincia para tomar banho,

    Eu, que tantas vezes tenho sido ridculo, absurdo,

    Que tenho enrolado os ps publicamente nos tapetes das etiquetas,

    Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,

    Que tenho sofrido enxovalhos e calado,

    Que quando no tenho calado, tenho sido mais ridculo ainda;

    Eu, que tenho sido cmico s criadas de hotel,

    Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moos de fretes,

    Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado

    [sem pagar,

    Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado

    Para fora da possibilidade do soco;

    Eu, que tenho sofrido a angstia das pequenas coisas ridculas,

    Eu verifico que no tenho par nisto tudo neste mundo.

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    Toda a gente que eu conheo e que fala comigo

    Nunca teve um ato ridculo, nunca sofreu enxovalho,

    Nunca foi seno prncipe todos eles prncipes na vida

    Quem me dera ouvir de algum a voz humana

    Que confessasse no um pecado, mas uma infmia;

    Que contasse, no uma violncia, mas uma cobardia!

    No, so todos o Ideal, se os oio e me falam.

    Quem h neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?

    prncipes, meus irmos,

    Arre, estou farto de semideuses!

    Onde que h gente no mundo?

    Ento sou s eu que vil e errneo nesta terra?

    Podero as mulheres no os terem amado,

    Podem ter sido trados mas ridculos nunca!

    E eu, que tenho sido ridculo sem ter sido trado,

    Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?

    Eu, que venho sido vil, literalmente vil,

    Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

    De Fernando Pessoa, com o heternimo lvaro de Campos, o poema transcende e se

    faz atual na crtica s pessoas que escondem falhas e expe apenas xitos.

    Se a indignao do comeo do sculo XX foi inspirao, o que dizer do momento

    atual?

    O virtual se torna a representao perfeita do que gostaramos de ser e ter. O mais

    est em ascenso....Mais amigos, mais coisas, mais felicidade, mais inteligncia,

    mais... Mais... Mais...

    Todos esto felizes, com finais de semana incrveis e festas badaladas.

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    Tudo perfeito!

    Mas...

    A busca por ateno, por curtidas, por fs demonstra o quo frgil a vida dessas

    pessoas que encontram no virtual o consolo para uma vida comum.

    No Poema em linha reta, lvaro de Campos faz um apelo, por um mundo real e

    verdadeiro, sem hipocrisia ou falsas aparncias.

    Aps narrar todos os seus defeitos, interroga o leitor:

    Quem h neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?

    Onde que h gente no mundo?

    Ento sou s eu que vil e errneo nesta terra?

    Buscamos a transparncia, a verdade, a coragem, e parafraseando o autor, estamos

    fartos de semideuses!

    Talvez por isso, os consultrios estejam to cheios de pessoas deprimidas, ansiosas,

    com medos infundados e baixa autoestima.

    Chegam questionando tais semideuses e comparando tais vidas perfeitas vida

    medocre que levam.

    Ora! Viver em linha reta, somente no virtual, pois na realidade cometemos erros,

    tropeamos e mudamos o percurso diversas vezes.

    E se o assunto est em voga nos dias atuais, continuamos os mesmos, mudamos

    apenas a forma que utilizamos para viver nossas aparncias.

    Bom, eu sou gente, eu erro, cometo falhas e aprendo com meus desacertos.

    E voc, gente?