Poemas
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AS BORBOLETAS
Brancas
Azuis
Amarelas
E pretas
Brincam
Na luz
As belas
Borboletas
Borboletas brancas
São alegres e francas.
Borboletas azuis
Gostam muito de luz.
As amarelinhas
São tão bonitinhas!
E as pretas, então…
Oh, que escuridão!
Vinícius de Moraes
Canção
Tu eras neve.
Branca neve acariciada.
Lágrima e jasmim
no limiar da madrugada.
Tu eras água.
Água do mar se te beijava.
Alta torre, alma, navio,
adeus que não começa nem acaba.
Eras o fruto
nos meus dedos a tremer.
Podíamos cantar
ou voar, podíamos morrer.
Mas do nome
que maio decorou,
nem a cor
nem o gosto me ficou.
Eugénio de Andrade
Canção de Embalar Bonequinhas Pobres", Matilde Rosa Araújo
Menina dos olhos doces
Adormece ao meu cantar:
Tenho menina de trapos,
Tenho uma voz de luar...
Os meus braços são da lua,
Quando ela é quarto cescente:
Dorme menina de trapos,
Meu pedacinho de gente.
Dorme minha filha triste,
Meu farrapo de menina,
Dorme, porque eu sou a nuvem
que te serve de cortina.
Menina dos olhos doces
Adormece ao meu cantar:
Tenho menina de trapos,
Tenho uma voz de luar...
Araújo, Matilde Rosa - Livro da Tila. Coimbra: Atlântida Editora, 1973, p. 23
Cavalinho, cavalinho Cavalinho, cavalinho Que baloiça e nunca tomba; Ao montar meu cavalinho Voo mais do que uma pomba!
Cavalinho, cavalinho, De madeira mal pintada: Ao montar meu cavalinho As nuvens são minha estrada! Cavalinho, cavalinho Que meu pai me ofereceu: Ao montar meu cavalinho Toco as estrelas do céu! Cavalinho, cavalinho Já chegam meus pés ao chão: Ao montar meu cavalinho Que triste meu coração!...
Cavalinho, cavalinho Passou tempo sem medida: Tu continuaste baixinho E eu tornei-me tão crescida. Cavalinho, cavalinho Por que não cresces comigo? Que tristeza, cavalinho, Que saudades, meu Amigo! Matilde Rosa Araújo, O Livro da Tila
GIRAFA
Leonel Neves
Tenho pena da girafa
de pescoço grandalhão:
- Como é que a pobre se abafa,
tendo uma constipação?
Coitadinha da Girafa!
Quando eu me constipo, posso
arranjar um cachecol. Mas com aquele pescoço…
Safa!
Pobre da Girafa!
- Vou oferecer-lhe um lençol.
Igual-Desigual
. .
Carlos Drummond de Andrade
Eu desconfiava: Todas as histórias em quadrinhos são iguais. Todos os filmes norte-americanos são iguais. Todos os filmes de todos os países são iguais. Todos os best-sellers são iguais. Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol são iguais. Todos os partidos políticos são iguais Todas as mulheres que andam na moda são iguais. Todos os sonetos, gazéis, virelais, sextinas e rondós são iguais. E todos, todos os poemas em versos livres são enfadonhamente iguais. Todas as guerras do mundo são iguais. Todas as fomes são iguais. Todos os amores iguais, iguais, iguais. Iguais todos os rompimentos. A morte é igualíssima. Todas as criações da natureza são iguais. Todas as ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou coisa. Ninguém é igual a ninguém. Todo o ser humano é um estranho Impar.
.
NAU CATRINETA
Lá vem a Nau Catrineta
Que tem muito que contar!
Ouvide agora, senhores,
Uma história de pasmar.
Passava mais de ano e dia
Que iam na volta do mar,
Já não tinham que comer,
Já não tinham que manjar.
Deitaram sola de molho
Para o outro dia jantar;
Mas a sola era tão rija,
Que a não puderam tragar.
Deitaram sortes à ventura
Qual se havia de matar;
Logo foi cair a sorte
No capitão general.
- “Sobe, sobe, marujinho,
Àquele mastro real,
Vê se vês terras de Espanha,
As praias de Portugal!”
- “Não vejo terras de Espanha,
Nem praias de Portugal;
Vejo sete espadas nuas
Que estão para te matar.”
- “Acima, acima, gageiro,
Acima ao tope real!
Olha se enxergas Espanha,
Areias de Portugal!”
- “Alvíssaras, capitão,
Meu capitão general!
Já vejo terras de Espanha,
Areias de Portugal!”
Mais enxergo três meninas,
Debaixo de um laranjal:
Uma sentada a coser,
Outra na roca a fiar,
A mais formosa de todas
Está no meio a chorar.”
- “Todas três são minhas filhas,
Oh! quem mas dera abraçar!
A mais formosa de todas
Contigo a hei-de casar.”
- “A vossa filha não quero,
Que vos custou a criar.”
- “Dar-te-ei tanto dinheiro
Que o não possas contar.”
- “Não quero o vosso dinheiro
Pois vos custou a ganhar.”
- “Dou-te o meu cavalo branco,
Que nunca houve outro igual.”
- “Guardai o vosso cavalo,
Que vos custou a ensinar.”
- “Dar-te-ei a Catrineta,
Para nela navegar.”
- “Não quero a Nau Catrineta,
Que a não sei governar.”
- “Que queres tu, meu gageiro,
Que alvíssaras te hei-de dar?”
- “Capitão, quero a tua alma,
Para comigo a levar!”
- “Renego de ti, demónio,
Que me estavas a tentar!
A minha alma é só de Deus;
O corpo dou eu ao mar.”
Tomou-o um anjo nos braços,
Não no deixou afogar.
Deu um estouro o demónio,
Acalmaram vento e mar;
E à noite a Nau Catrineta
Estava em terra a varar.
(Almeida Garrett, Romanceiro)
Meninos de todas as cores – Luísa Ducla Soares
07 por contadores.destorias
Conceição Dinis; Fátima Lima (org.)
Aventura das Letras
Porto, Porto Editora, 2003
Era uma vez um menino branco chamado Miguel, que vivia numa terra de meninos
brancos e dizia:
É bom ser branco
porque é branco o açúcar, tão doce,
porque é branco o leite, tão saboroso,
porque é branca a neve, tão linda.
Mas certo dia o menino partiu numa grande viagem e chegou a uma terra onde todos
os meninos eram amarelos. Arranjou uma amiga chamada Flor de Lótus, que, como
todos os meninos amarelos, dizia:
É bom ser amarelo
porque é amarelo o Sol
e amarelo o girassol
mais a areia da praia.
O menino branco meteu-se num barco para continuar a sua viagem e parou numa
terra onde todos os meninos são pretos. Fez-se amigo de um pequeno caçador chamado
Lumumba que, como os outros meninos pretos, dizia:
É bom ser preto
como a noite
preto como as azeitonas
preto como as estradas que nos levam para
toda a parte.
O menino branco entrou depois num avião, que só parou numa terra onde todos os
meninos são vermelhos.
Escolheu para brincar aos índios um menino chamado Pena de Águia. E o menino
vermelho dizia:
É bom ser vermelho
da cor das fogueiras
da cor das cerejas
e da cor do sangue bem encarnado.
O menino branco foi correndo mundo até uma terra onde todos os meninos são
castanhos. Aí fazia corridas de camelo com um menino chamado Ali-Babá, que dizia:
É bom ser castanho
como a terra do chão
os troncos das árvores
é tão bom ser castanho como um chocolate.
Quando o menino voltou à sua terra de meninos brancos, dizia:
É bom ser branco como o açúcar
amarelo como o Sol
preto como as estradas
vermelho como as fogueiras
castanho da cor do chocolate.
Enquanto, na escola, os meninos brancos pintavam em folhas brancas desenhos de
meninos brancos, ele fazia grandes rodas com meninos sorridentes de todas as cores.
Luísa Ducla Soares
Balada de Neve
Junho 2, 2006
Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.
É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho…
Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.
Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria…
. Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho…
Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança…
E descalcinhos, doridos…
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!…
Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!…
Porque padecem assim?!…
E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração.
Augusto Gil