Poemas I

67
Sérgio Araújo Verso I Textos em versos publicados no blog “Palavras...”

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Poemas publicados no blog Palavras

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Page 1: Poemas I

rgio

Ara

újo

Ve

rso

I

Te

xto

s e

m v

ers

os

pu

bli

cad

os

no

blo

g

“Palavra

s...”

Page 2: Poemas I

Poesia

Poesia Idéia vaga Presente, ostensiva

Grata. Vertente literal primária

Inconsolavelmente refratária Poesia Grata inerte Verte

Refrata A lítera morte que lhe tecem!

Dos cânones da língua, pioneira,

poemassiva. Poesia,

forma tão ativa Híbrido cânone,

linguitísica Bossal,

cinestésica total Cafetina,

teleeletroniconcretina.

Page 3: Poemas I

Efeméride

Do alto dos seus últimos andares

A cidade passeia tranquilamente.

Sob as cortinas,

sobre os altares,

Em seus vales, - silos de serpentes -

Repousam frios em seus azares

Generais intransigentes,

Bundas e bustos,

infernos capilares,

Bostas de pombo – renitentes -

Salpicadas no bronze esverdeado dos Cézares.

Braços de boneca,

Bola de gude no asfalto,

Alguém morreu ali na esquina colega!

Um cafezinho por favor!

Táxi!

E esse ônibus que não vem,

que horror

Catarro nas frestas de uma avenida ensolarada.

No chão da cidade,

A cidade passeia tranquilamente!

Page 4: Poemas I

Splat Plek

Splat

plek

tam tam tam

a máquina

comeu a poesia ao óleo

Você sonha

dissonha

e atarraca o dedo

na CATRACA

Plek

Splat

Tam tam tam

castração

castra ação do dedo

que não mais indica

codifica

Mas

saque do coldre empoeirado

um poema

Q U E N T E L O M É T R I C O

para ler

entre limalhas

cuidado

Levanta e corre correcorrecorrecorrecorrecorre

que a esteira não morre

PARA!

PEGA!

PAGA!

Splat!

Plek!

A máquina

comeu!

Page 5: Poemas I

A contragosto

A contragosto,

Desgosto dos traços e troços

Da minha vida útil.

Desinventando memórias,

Destroçando histórias,

Malamanhado em terras alheias.

Sons inaudíveis movem e renovam

A volatilidade da minha alma vasta

Redesenhando trilhas,

Segredando versos nas margens do dia.

Page 6: Poemas I

Um poema

Um poema

Não nasce do nada

É tempo e espada

Um poema

Nasce na rua

Que não é minha

Nem sua

É pau e pedra

Na vida do poeta

Page 7: Poemas I

XXXII

Deixarei

Que os espaços

Todos preenchidos

Sejam solavancos

Em meu corpo de avestruz

E em minhas pernas

O que reluz

Nestes espaços,

espaços todos

Sejam espaçopernas

Que perneem

Preenchendo mundos.

Page 8: Poemas I

Recife

Por cima

uma ponte

Por baixo

S

a

l

t

a

m

Cocas tamanho família

E entopem

Com tampinhas

As malhas da rede

Enredada

E atada

Por nervos ponte-agudos

Enquanto

foge por ali

Um casal de apitos

Na avenida boa vista

Saqueadores de caldo de cana

E um velho poste

No ponto da torre cinza arcaica

Daí em diante

Ausente

O sol

De par a par

Pardo

Pardeja

Page 9: Poemas I

Em lívidos olhos de janela.

Fria

Como a água matinal

(a janela da casa verde)

pinga

cacos de vidro fosco.

Page 10: Poemas I

O menino

Em vagas manhãs

Por onde o tempo recorta silhuetas de papel

Nuvens jovens

Percorrem os caminhos dos pássaros.

Em tardes infinitas

O menino sonha

Os sonhos de vento

Rasgando as copas das árvores

Numa melodia anônima.

Numa noite intensa

O poeta vê o invisível código

A trama íntima

Ao desenhar manhãs

Com tintas de tarde

E noites profundas.

Page 11: Poemas I

XXI

Volver aos arcos do nó

Revirar

As tralhas

Respirar

Entulho

Tronco

Trambolho

Inocente certame do olho

Na fria agonia

Da

Q

U

E

D

A.

Page 12: Poemas I

A lua e a estrela

A lua e a estrela

Não cabem num ponto

Nem alfa

Nem ômega

Apenas o tempo

Como as cartas de um baralho

Embaralhado

Embaralha tudo

Num ponto

Entre a lua e a estrela

Page 13: Poemas I

Navegantes

Senhores navegantes,

Parem o barco!

O perfil cinético das borboletas azuis

Circunavega seus corações intranquilos.

Adeus

Cordas soltas à maré!

Atlas, contas do mar, sol, anzol

Rebrilham nos olhos de peixe

E óleos ancestrais.

Canibal à praia!

Âncora veloz ao fundo azul.

Senhores navegantes,

Olhai o fundo fosco da maré azul e

Rasgai papiros ilustrados,

Mapas

E restos semânticos

De bulas pós-ardidas.

Senhores navegantes,

Libertai as palavras-coisas

E surgirão versos andantes e rimas-remo

Na cara suja da normalidade.

Page 14: Poemas I

IX

De todos os ventos daquela tarde,

um era tímido

e o outro

velava a morte do sol

nas sombras de um muro branco.

Um cachorro vadio

dava voltas em torno de si

enquanto um vento não trouxesse

o odor das latas de lixo.

Era um perfeito dia de sol e sombras.

Dia do vento libertador

e seu pégaso afoito,

agitador,

infalível em sua missão

de escancarar portas e janelas

esquecidas pela rotina dos dias.

Vento que arrasta consigo

a luoca dança da poeira dos cantos

que impávida

como a sombra de uma árvore

projetada nas escadas vazias,

retorna espalhada sobra a calçada lisa.

Foi assim em todos os espaços

que os ventos conquistavam.

Nas esquinas,

correndo e cantando

entre ruas e buracos de parede

até partir,

para retornar agora suavemente

e contar as histórias

das tardes e dos ventos.

Page 15: Poemas I

Rápido

Lá está,

em meio à multidão

e eu a vejo

como num tape,

com seu sorriso ensolarado.

Rápido me perco

e te encontro

a passar...

Acho que foi naquele automóvel

novinho em folha

e lá se foi

mastigando

bichinhos de açúcar.

Page 16: Poemas I

Salinas

Vida de sal e sol

que adentra a aurora

e o mar sereno.

Vida que imprime o rumo,

que infla o pano,

que apruma o leme

e deixa ao vento

as sinas soltas sobre a espuma.

Vida de pescador

que na bruma leve

carrega o barco ligeiro

nas águas plácidas das Salinas.

Vida de coragem, orgulho e fé;

de ver no mar a mãe que ensina,

mãe que cuida, mãe menina.

Vida de pescador.

Vida de todos os sonhos e conquistas,

Vida vivida, atrevida

Docevida,

Margarida.

Page 17: Poemas I

Verdades e mentiras Assim como o tempo que não esconde os restos dos dias, eu não uso óculos escuros para ver os trolhas com seus trapos divinos e suas teses truculentas traçando o destino dos cordeiros empastelados no rush sanguinário, metropocêntrico. Assim como a história que se repete, carrasca. Eu vou de bonde pra não ver os becos em que te escondes. Assim como o gene ancestral eu passo mal de ver a cara suja de um peixe podre a proclamar mentiras glaciais, a acender fogueiras virtuais que não queimam os ossos mas abrem fossos. Mr. Bishop, tenha dó. Assim não dá. Eu não te aguento mais!

Page 18: Poemas I

Metáforas Enquanto a faca do horizonte, Distante, Corta a carne crua De uma estrela nua, O dia sorri na neblina Estonteante Como um copo de blues A transbordar sonoro, Metáforas soltas Na transparência efêmera Que o dia I r r a d i a.

Page 19: Poemas I

Meninos invisíveis Quando chove na rua dos meninos invisíveis Um galo canta ao meio-dia Fazendo arrelia do vigia das madrugadas. Eles sabem que as flores mais bonitas São as margaridas das queridas irmãs Marias. Saltam, correm, Buscam borboletas nos bosques E os postes são palitos pelados que brilham nas noites frias. Quando brilha o sol nos bicos dos bules Nas manhãs gulosas das mães Marias, Os meninos invisíveis Saltam dos chinelos Comem, bebem E guardam restos de mesa para o vigia do dia. Quando a noite chega Com suas meias e ceias, Os meninos invisíveis se apagam Em sonhos de gigantes, Zé-come-lata, Homem meleca, Unha do cão, Rapa tição.

Page 20: Poemas I

Nietzscheanas nº 1

Eu olhava para aquelas sombras Que constantemente dançavam em torno de mim

E o conforto que sentia Era a solidão,

A distância que de mim se fez constante E me conservava intacto,

Delirante. Por muito tempo eu olhei para o abismo

E enfrentei seus monstros itinerantes Salpicados de realidade

E pesados Sobre os ombros dos atores ideais. E aquilo era mau.

Transbordava o peso das correntes E asfixiava como um nó na garganta.

A voz calada, A palavra não dita,

A desdita. Em torno de mim

Selvagens discursos; Profusão de olhos laterais.

Escolhos, Que nada viam, eram vistos.

Há luz... Há luz... E no solstício o solo primeiro percebe

Quem desce para matar a sede de liberdade E libertando-se Ainda há tempo

De tocar a réstia, De dizer a frase,

De ascender infante A tatear rotinas.

Page 21: Poemas I

Nietzscheanas nº 2

Estupefata a civilização de pátrias molestadas Reclama que do alto dos picos

E das cinzas dos abismos Ouça-se a voz intempestiva a apontar barbáries.

Eis o cálice ditirâmbico! Quem ousa ultrapassar o círculo ilusório

Que aprisiona, intimida e fere? Quem, dentre as ovelhas reticentes

Vê o demiurgo que sangra Em incomensuráveis convicções

E apriorismos imberbes? Lá está o homem novo!

Eu o vejo Num dèjavu embriagado de séculos

A irradiar potência numa espiral infinita, Impregnada das páginas de Kafka,

Nietzsche, Dostoiévski E Augusto dos Anjos.

Mestres da modernidade, Dilacerados em seu tempo,

Anjos e demônios, Ventres abertos para o infinito.

Page 22: Poemas I

Bar Continental De quanto tempo disponho Para viver congelado na íris estreita Desta janela vesga? Pouco me resta obter Sem optar por constrangedora aquarela Pateticamente posta Sobre a marquise de ferro fundido Do bar continental. Não sei por onde anda aquela disponibilidade sempre presente. Não sei dispor de um tempo Fundido em aquarelas, janelas e íris de marfim. Não sei Se louco ou santo É o sonho abissal Congelado sobre a marquise Do bar continental.

Page 23: Poemas I

Qualquer dia Quando sair na chuva Qualquer dia Desses dias de sair Dia de ser Dia desses... Eu então direi O que ouço O que sei Direi da estante Cheia de livros Dos ingressos antigos Daquele bilhete de viagem Já te falei da carta? (que não enviei) Do cartão da turma? Tua foto no panfleto Um manifesto Meu poema de protesto Volta e meia Ainda saio na chuva Quem sabe Te vejo de novo Olho no olho Escrevendo versos silábicos Incertos Secretos Concretos.

Page 24: Poemas I

Teu tema Parece que foi ontem O teu braço em minhas mãos O relógio E você sorri O teu rosto Uma rima O teu oposto Você ainda me vê? Eu ainda sou o teu dilema O teu tema Ainda te vejo Breve Nas luzes coloridas Na noite que te esconde Num bilhete Onde?

Page 25: Poemas I

Minha mão poética Minha mente concreta Não desliza no papel, Salta. Saculeja indomável Sobre pautas paralelas. Minha pena discreta Sobrevoa palavras Já escritas Bafejadas pelo tempo, Desvendando ritmos e dimensões. Minha mão poética Tem vontade própria, Gosta de espaços infinitos E tinta preta.

Page 26: Poemas I

Na porta

Parada Na Porta Suporta Ereta Beija O Vento Que Te Lança Pra Dentro Suposta Seja A Porta Que A Lança Não Importa Ventania Adentra Suplica Que Te Beije Na Porta

Page 27: Poemas I

À sombra do vento

Fala dessa história Que gira o sol do girassol. Diz que à sombra do vento, Como um espelho de duas faces Um ser é um nada, Clandestino! Com a cabeça na terra E os pés no espaço. E nos lábios, Um sorriso descontrolado. Dia-a-dia À procura de um raio de sol Numa esquina, Num disco de rock Ou num livro de Jack London. Conta em que janela se passa essa história, Para que eu possa dizer-te Que danças sobre pedras quentes Com braços e pernas de serpente. E a felicidade É um pêndulo, Pendente Como a espada de Dâmocles.

Page 28: Poemas I

Versos novos Perdão pelo poema que não escrevi! Quem sabe, seja a noite Com suas sombras esquálidas, Talvez seja o dia que me prende Em seus espaços retalhados. Perdão! Pois navego como tantos No mar de fragmentos, Frases, fontes e formas. Perdão, enfim, Por antever que amanhã Poderão perdoar-me Pelo não dito E que, apesar disto, Nascerão livres de toda a tristeza, Versos novos e sonoros Salpicados de fantasia.

Page 29: Poemas I

Decifra-me ou devoro-te

Vê essas tardes? Que desprezo exalam Nestas folhas sonolentas, oscilantes; Neste céu, Metálico céu. Ouve estes sons? Quão falsos soam. Que terrível prisão Nos acolhe em seu seio de pedra. Quisera Voar Com os pássaros E, súbto, precipitar-me ao chão Para num sorriso De corpo inteiro Fundir-me à terra Numa manhã de sol.

Page 30: Poemas I

Silêncio

O tempo escoou

E eu estou longe

Não te observo mais

Andando descontraida pela calçada

Ou deitada no chão

Com um olhar perdido

Imaginando utopias

Silenciosa ilha.

O tempo passou

E eu estou sozinho

Pensando em você

Sonhando, deitado no chão

Observando

O quadro na parede

Minha utopia.

Pensei num tempo

Andando com você

No caminho do mar

Na trilha das pedras

Page 31: Poemas I

Sem tempo

E sem espaço

Descalços no fim do dia.

Page 32: Poemas I

Súbito

Súbito Surge assim

Como quem rouba Um pedaço de dia

Num instante qualquer Rasgando fantasias sonorizando frases

Vociferando melodias Para mostrar-se

Claro Como um poema de Emily Dickinson

Atravessando séculos Num Daguerreótipo country

Com pássaros E gotas de chuva

A tilintar Na cobertura espessa

da minha cabeça Assim Súbito

Page 33: Poemas I

Palavrascoisas

Nada

Um vazio

Onde outrora havia palavras

Palavras coisas

Cantantes

Sonoras

Como uma flauta doce

Saltitante

Palavras moventes

Movediças

Palavras lisas

Cordilheiras lexicais

Transmentais

Nada

Um vazio

Vaso

Um Verbo

Ao acaso!

Page 34: Poemas I

36º

Um papel

Um recado

Um recibo rasgado

Quinze mil cruzeiros

Em outubro de 84

Um cigarro

Um cinzeiro

Populares de Cuba

(Fumar daña su salud)

Rio de Janeiro

Eu não fui pra Aruba!

Li Artaud e Baudelaire

Chutei urna no palco

Meu poema silábico

Você lê se quiser

Sua voz embargada

Na hora marcada

Você diz o que quer

Dança e protesta

Manifesta!

Lê aquela brochura

Page 35: Poemas I

Ainda há Ditadura

Nós queremos diretas!

Mas ficou no papel

Agora rasgado

Um recibo solitário

De um sonho sonhado

Registrado

No CPF e RG

Cadê Você?

Page 36: Poemas I

Quem sabe um dia

Quem sabe um dia

Eu te mostro a lua

Com sua luz metálica

Numa noite fria.

Quem sabe amanhã

A estrada é deserta

A noite é prata

A relva é vasta

E tua voz é leve

Como uma navalha

Cortando o silêncio.

Quem sabe não esqueço

Teu endereço

E a luz da lua

Nos teus cabelos.

Talvez!

Num desespero de solidão

Na escuridão

Eu possa te ver

Como na primeira vez

Naquela noite

Na imensidão prateada da lua.

Page 37: Poemas I

Cavaleiro torto

Um cavaleiro torto

De silhueta neogótica

Percorre o caminho, sorrateiro

Na lama putrefatalenankin

Filho da arca pulga tricha

Esbilte pilotron sanguessuga

Mimética solução humanóide

Lesa-forma vil vivente

Um cavaleiro de longa esfera

Filho da arca sila troncha

Caminha indeciso

Na prima lama dicotômica

Cata tenso, na orla empolada

Finos fios de palavraspontes

Para dizer fundante

O que nunca fora antes.

Um cavaleiro torto

Pouco

Intrépido arcanjo rococó

Arremata a vida num poema

Como laço ou como nó.

Page 38: Poemas I

Tempo curto

O tempo é curto

O tempo é mudo

O tempo não cabe no meu mundo.

Eu curto o tempo

Mudo num segundo

Meu mundo não cabe no tempo.

Page 39: Poemas I

Esquina

Agora que estamos sós

Juntos, mas distantes

Como numa esquina

Sem um ponto de encontro

Vejo passar o tempo

Olho pro céu

Gotas de memórias

Molham meu rosto

E não há nada que eu possa fazer

Nem ontem

Nem hoje

Eu quero estar com você

Naquela praça

Depois da esquina

Eu não sei...

O tempo diz não

E mesmo que o desejo

Seja a bola da vez

Eu não te enconto

Depois da chuva

Com o sol no rosto

Naquela esquina.

Page 40: Poemas I

Elisa

Parou no meio da ponte.

Elisa!

Chicoteou-le uma lembrança.

Por que ela?

Logo ela, tão fugaz...

Embrulhado na chuva fina,

As mãos flácidas,

O olhar perdido.

Flutua.

Não sente o chão,

Não sente o corpo,

A mente ausente,

Apenas repete: Elisa!

Elisa!

Page 41: Poemas I

Estrangeiro

Eu bebo o futuro

Como um copo de água fresca

No calor intenso do presente.

Não me apetece o sorriso fácil

Do aqui e agora.

Falsa saída,

Panacéia improvável.

O futuro me pertence

Nos versos silábicos que escrevo.

Eu canto

E minha canção tem pernas longas.

Ela verá os próximos séculos

E mostrará meu espanto,

Não do futuro

Que ainda é distante a cada momento.

Mas do presente

Que nunca existiu.

Cantando sigo

Indecifrável, perdido de mim,

Estrangeiro em minha terra.

Page 42: Poemas I

O olho de Sócrates

Foi no silêncio da noite,

No lapso do tempo

Que toda a dor se foi.

Do pensar,

Do ser como sou,

Da natureza de mim

Refletida no fundo plano

Da rocha.

Uma tocha!

Inglória figura arquetípica.

De resto, o vazio

O dia é eterno

No tempo que o consome

E some!

Page 43: Poemas I

Um caminho nas nuvens

Na estrada

Uma pergunta escondida

Juntos buscando um caminho nas nuvens

Num céu dourado

Numa chuva colorida

Que só eu vejo

Mas entendo o seu jeito

De me dizer com os olhos

Nós somos pura história!

Com os pés descalços

Com o sol no rosto

Uma inteligência de óculos

D. Juan, Lobsang,

Aonde estamos indo?

Não importa

Eu não fechei a porta

Ainda sonhamos

Que somos crianças

Brincando com o vento

Dançando sem tocar os pés no chão

Invisíveis, eu juro!

Page 44: Poemas I

Rock and Roll

Pétalas

Piras

Sim!

Page 45: Poemas I

Sabe quando você tem certeza?

Sabe quando você tem certeza E ninguém parece se importar com a solução? Quando todos emperram E só você é ação? Quando dizem acabou Você ignora porque sabe alcançar? Entende o motivo da estranheza Mas caminha, mesmo que devagar? Ontem me disseram não haver amanhã. Não da forma como eu queria. Janelas não se abrirão para um céu azul, João não beijará Maria, Canteiros inteiros, estilhaços no chão. Sabe? Hei de apurar minha visão, Conspirar, conjurar, subverter, revolucionar; Lançar palavras num balão, Letras inteiras num muro intocável. Sabe, quando você tem certeza Não está só. Há uma rede clandestina Esperança, confiança Seja qual for o nome da trama, A gente não se engana Se suja, se fere, aposta tudo E sorri pro céu azul Sorri pra Maria, sorri pra João...

Page 46: Poemas I

Monólito

Eu reconheço este perfume que, de tão íntimo,

Abre janelas na minha previsível singularidade.

Vagando em nuvens de palavras,

Rostos e pedaços amorfos,

Estruturas e monólitos,

A saudade indecifrável.

Teu rosto no rosto de pedra,

Minhas mãos no teu rosto de seda.

Tristeza e alegria.

Parcos ângulos obtusos

Silêncios redondos

Rodopiam na valsa confusa da memória.

Pinçar retalhos de certezas completas

Que já não valem mais

Brinquedos, são o que são.

Afasto agruras,

Deixo passar o beijo, o olhar de desejo,

A noite eterna

E o dia submerso na maciez da pele.

Falas,

Amigos,

Page 47: Poemas I

Um futuro distante que hoje é presente

E a gente nem sente.

Deixo aberto o portal antropofágico,

A desordem,

O exatamente inverso do que sou

Para soar humano

Na natureza caótica do meu corpo

E na coerência do sonho.

Page 48: Poemas I

Nuvem

O código expresso

Impresso

Virtual

Sem identidade

Só me reconheço

No discurso possível

Passível

Inautêntico corpus

Generalizador

O que eu tenho a dizer

Arranha o disco rígido

do meu computador

Eu me estranho

Eu não sou eu

Sou aquilo que me generaliza

Nuvem

Neblina

Perspectiva.

Page 49: Poemas I

No meu caderno O brilho das cores, festival. A garota bonita e sua sobra no muro. Aonde vai? O cadarço do meu sapato, O Cérebro do poeta, A tabuleta que anuncia: Compro, vendo, troco, Não me importo. Ligue pra mim! O telefone caminha a seu lado. Hoje voaremos sobre a avenida Repleta, solene na valsa dos rostos, em cubos. Quero te achar Depois da partida sem despedida, Dando voltas com os olhos E tudo o que gira Está sob o céu de ontem, Dentro do meu caderno de capa verde Que agora é seu. É meu pretexto Pra continuar te encontrando Nos textos que escrevo.

Page 50: Poemas I

Leste

Extenso e estático pórtico

Genérico, caótico.

Guardião do mar, insular.

Do leste o vento

dourado.

Céu mais lindo,

Matutino na primavera.

Barro secular

Escravo no tempo e no lugar.

Erodido em arquitetura evolutiva,

Cativa,

Cooperativa.

Ostra, astro rasteiro

Certo,

Na incerteza dos dias.

Page 51: Poemas I

Inventando a esperança

Ontem sonhei com uma criança Que na sua dança Inventava a juventude. Sonhei com a terra que, amiúde, Era toda a gente do mundo. O mar não era profundo E o céu era o teto da casa Pingando estrelas esparsas. Sonhei contigo A procura de um abrigo Sonolenta na relva fresca. Sonhei que ontem era amanhã Que toada doença era sã. Sonhei que era criança Inventando a esperança.

Page 52: Poemas I

Paisagem

Tarde quente de outubro: Silenciosa, Ácida. Sem sombras na rua deserta e abrasiva. Acolá, O azul marinho pinta o horizonte E revela uma poesia de bossa nova. O vento liberta um pássaro veloz, Ascendente Que respinga gotas sutís No meu rosto Quente como a tarde.

Page 53: Poemas I

Sem lei e sem ordem

Não seria nenhum pesadelo Perdido, sem lei, Sem ordem, Só com minhas lembranças E pretensões. Andando no meu caminho, Ou Parado De frente para mim. Assim... Com coração e mente. Apenas um, Que, de tão contente, Bastasse o vento. Sem tempo Sem.

Page 54: Poemas I

Homens Simples

Homens simples

Homens que nascem com o sol

Todos os dias,

Que brilham e ficam tristes,

Pedem paz e olham-se nos espelhos de casa

Todas as manhãs.

Com que caras irão para as ruas molhadas pela chuva?

Amam o sol da tarde morna,

Sonham sob um céu de claras contas.

Homens simples!

São crianças, o que eu vejo

Por trás da cortina fria da melancolia,

Além do olhar grave,

Da incerteza esperta,

São crianças sem brinquedos.

Simples crianças;

Aprendizes itinerantes

Com seus olhos rasos.

Não se enxergam na simplicidade do dia.

Homens simples!

Como talvez seja o mundo,

Page 55: Poemas I

E o tudo e o nada,

O Subterfúgio

E a gota d'água que hora pinga

[Insistente]

No meu rosto sorridente.

Page 56: Poemas I

Silenciosamente

Como slides sem as cores vivas do presente,

Eu os vejo, rostos que nunca envelhecem.

Sensações perdidas, sorrisos francos.

Sombras na memória, deslizam velozmente

E me aquecem

Suavizando meu pranto.

Preciso de tudo isso, mas por enquanto,

Vê se me esquece!

Perdido e inconsequente,

Vou aos trancos e barrancos,

Revivendo as cores que esmaecem

Silenciosamente.

Page 57: Poemas I

Correnteza

Na estrada, seguindo estrela

Caminhando devagar

Cruzando a vida, feiticeira

Com vontade de ficar

De todo feito pra vingar

Nessa estrada sorrateira

Siso pouco, muito amar

Solução se faz primeira

Construí casa de cera

Castelos à beira mar

Muros, ponte, ribanceira

Para ver tudo passar

E o que passa vai voltar

Quer queira ou não queira

Tudo tem o seu lugar

No meio da correnteza

Page 58: Poemas I

Polaroid

Aqui, onde estou, Posso diluir-me num verso Para caber no espaço do teu riso. Posso colher mil maneiras de te amar, Sonhar em cinemascope Nosso beijo lírico de domingo. Rabiscando agora, Nesse velho caderno colegial, Sou ciência humana transitória. Sou saber perdido na tua memória, Fotografia em preto e branco Da minha antiga Polaroid. Aqui, onde estou, Posso construir meus versos em silêncio Para exibir estático numa tela, Posso fazer uma fotonovela E colher o teu sorriso breve Para fazer figura leve No espaço cênico do poema.

Page 59: Poemas I

Singular

Apenas um instante

E condensado todo o amor gerado na vida

Explodir no infinito

Sobre o futuro

Além do tempo e do espaço.

Um momento singular

Um salto e solto no ar

Flanar

Com meu corpo inteiro

Minhas sílabas certas

E meu sorriso de criança.

Page 60: Poemas I

Devaneio

Acordou cedo.

Olhou em volta e não viu ninguém.

Não viu a nova máquina,

O olho que lhe vê.

Sua conta na rede,

Seu retrato na parede.

Ele não viu você.

Não viu o dinheiro dos outros,

O sangue na cidade;

Ele não viu a maldade.

Não viu os cabelos dela,

Seu visual progressivo,

A conta em cima da mesa,

A lata de cerveja.

Não viu o herói da tela,

As algemas no bandido;

Não viu a fita amarela,

Nem o choro, nem a vela.

Não viu que não via algures,

Enfiou-se na escuridão do sono

E sonhou contente.

Page 61: Poemas I

Sonhou com aguardente,

Recitou seus poemas de cor e salteado,

correu sobre os telhados.

Não viu que podia ver,

Onde está você,

Aonde vai o rio

E sua correnteza.

Não viu que, deveras, a sua riqueza,

Era agora a sua cegueira,

Sua nobre visão no devaneio.

Page 62: Poemas I

Utopia

Eu quero a utopia!

Não a ilha,

Mas a certeza do incerto,

A prova do improvável.

Eu quero Vênus, Marte e Júpiter,

Quero a Terra no futuro

Sem leis e sem grades,

Sem fome, crime e dinheiro;

Sem políticos, sem trapaça,

Sem a ilusão da religião.

Eu quero esta utopia.

Sem início e sem fim;

Sem crença e sem esperança.

Eu quero uma utopia

Como um poema de Emily Dickinson,

Como um pássaro que se equilibra num fio.

Eu quero utopia,

Literatura,

Poesia.

Quero sentir a tez da tela,

O odor das formas

Page 63: Poemas I

E a cor do vento.

Quero Heráclito, Nietzsche e Foucault,

Quero a historia do porvir

Tatuada pela máquina de kafka

Numa esquina da Névski.

Macunaíma na Bahia,

Castro Alves e John Donne

Numa Lanhouse de periferia.

Eu quero o aço, o vidro e o carbono,

Supermáquina,

Gadgets, widgets e applets.

Quero androide na minha porta

Com a pizza da madrugada.

Andar se pagar passagem,

Sem o meu, sem o teu,

Leaves of grass!

Quero os loucos na praça,

E os generais como privada de pombos.

Eu quero o ócio criativo,

A escolha digitada.

Eu quero o silêncio

E o barulho do vento nas copas das árvores.

Quero Rock, Blues

Page 64: Poemas I

E um samba de Batatinha.

Quero utopia, texto, melodia

E não me incomoda a tua censura.

Se “é proibido sonhar…”,

Eu escrevo pra me vingar.

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Soneto

Não serei meu vulto na janela, emoldurado,

Quando a clara lua derramar seu leite.

Prefiro ser nas tardes dos campos dourados

Com os olhos pálidos e as mãos silentes.

Como num suspiro célere, num lamento,

Como em noite crua de beijos e abraços,

Num instante é brisa, no outro evento

Espargindo luzes na solidão dos espaços.

Eu, na vastidão mecânica do meu corpo,

Sou nada aflito na superfície, solto

Na imaterialidade efêmera do pensamento .

Silêncio! Agora que a luz se esvai em flocos

No vazio intenso dos meus sonhos loucos,

Sou pluma envolta no lençol dos ventos.

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Casamata

Esta noite na casamata

Toda branca, enfeitada:

O céu iluminado,

O chão silencioso,

Espumas e risos.

Sangue e gritos

Na fumaça delgada.

Pão enfiado goela abaixo,

Circo mambembe para a mente crente.

Ninguém aguenta!

Prefiro uma ressaca de vodka

Na segunda-feira.

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