poesia marginal pps

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pre textos marjnaus w i l t o n c a r d o s o

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pretextos

marjnaus

wilton

cardoso

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PARTE I

descursoagora agora

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aviso aos marjnautas 

esta página expirouquando o poeta espirrou

em seu zênite zen(auge transcendente) ninguém(nenhum leitor)leitor marjnauta

a espiou

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quero um texto claro preciso

água límpida doce didática

quase matemática lógica

metros ritos incisivos

sobre a carne das palavras

reduzidas a osso e oco

cubos e axiomas sem eco

 

e depois de toda essa assepsia

injetar algumas gotas de anexato

o mínimo milímetro preciso

para ante tanta limpidez desse deserto

estontear todas as rotas suas

corpo repleto

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sobo pre

texto de ensaio textos anex

atos por ondepossam passar

uns fios devida

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ela lendome lembraa avóque seráa vó da lendade semprea linda vódas vozes todasdos meninostodos de todosos cantos

como se fosse um falsocomo se a voza linha fosseum fio sem fimsem meadaenleada em seutecer como se fosse parum parecer

de voz em voz de vez em vezme vem a voztalvez tal vezvenha de muito longe emboraapenas perto a vejofigura do meu ouvido vida vidraa voz desfiguradapor mim por quemproduz ida?

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narciso se vê na f(r)onte na f(r)onte de todos os mitos narciso se transforma

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errar a gramáticaerrar a rimaerrar a raivaerrar com raiva e força (e riso)errar tudo e tantoaté o (de) sempre sero último espantoaté que reste apenas penas de um vôo errante

ERRÁTICA

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popsia

nas margens dos netgócios

o net()ócio

e.

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idílios de um burocrata

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vento nas folhaspassar as tardes longevendo o vidromostrar-me o lentofluxo de tempoe a chuva chegando  esquecer todos os manda-chuvasvolver-me todo (e só sei se entregar-mese tragar-me até o último pulso)ao luxo de um frêmito de vácuocaos e acaso miríades ninguénsacolhei estas ondas quase domadasquase concêntricas em si (mim)lançai-as ao descompasso anexatodo fluxo desta chuva  não reconhecer-seesquecer todos os abismosapagar as cismassoltá-las prisma cacos nacos de lembranças refugadasnum cismanego-me e pego apenaspenas flutuantesamantes de uma luade rua  chuvajamais me houve

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estar doentetem suas vantagensde ver assim meio de esgueiogente bicho coisaassim querendo caira gente atravessa o mundo de ladomeio deslumbrado meio soçobradoa vida trisca num quasenum se ou numa frasenem doída nem satisfeitaviver doente empestiado ou dementeassim meio sem jeito é feitofazer de qualquer pontoda vida uma tangente

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aqui dentrobom dia doutor diz a secretáriabom dia de volta e pensa:vou te comer salafráriae ela consigo: seu pança seu velho canalha me faz um favor doutor...

aqui dentrobom dia doutor e lá forabarulhos de carros e dançasde folhas ao vento na tardecalor de sol e de asfaltopedaços de céu nas vidraçasum doido vadia as ruascigarras dormem nos galhos

como a vida mais vida valiase a vida fosse toda foramais lia mais ria mais diavadia vazando mais vida

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a vida toda um foraolharmo-nos nos olhose esquecer as teias todasserpeando entre nóse o mundo esquecerinclusive nós mesmos

nada mais ocultosob nosso olharapenas ar e margelo e areia desertardesterrarmo-nos do mundode tudo o que é profundo

suspensossem nenhum mistériogravidade alguma

entre nosso olharvazio de nósvadia calmo o caos

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a música vital

transcorre na arritmia

da viola incontrolável

e sua báquica melodia

embriaga as razões

na harmonia do caos

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hoje amanheceu tão fresconão a manhã nem o arnem esta brisa em mim tão leveamanheceu o dia em mimcomo há muito não faziasoprou uma brisa breveno meu pensamentofez-me esquecer de pensaresquecer do dia duro por vir esquecer de mim tão leveeu estive esta manhãa alma tão calma tão novatão alva quase não haviacomo em menino tudoera descoberta e magiatão fresco amanheceu-me o dia

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oração da volta do supermercado

 carro trânsito comprasserviço amanhãdívidas ontem

 são baco e santo orfeu

protegei-mepara que eu nunca perca

o poder de perder-menum pôr de sol

como este

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não ter que ler

não ter que fazer

não ter que ver

se vai dar ou faltar

não comedir

nem se angustiar

augusto o dia

em que como você

velho

não ter que ter

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e agora zéliteratura acaboucontra-culturaé a favorutopia rodoupé na estrada é turismoismo nenhum sobroutodo sonho so çobrou

e agora zédroga é mercadomarginal é orga nizadotoda rima é suspeitade conspirar com uma cifracisma alguma vai dar n’algum cisma

e agora zéque fazer do que resta da festaque que eu faço com o agora

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palmo apalmo oespaçodigitalizado

as margenssempre

maisestreitas

tornar-semaisrar

efeitovazarpelosporos

das margens

tornar-semais mar

ginal

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ex-littera

a metáfora desaforadao poema sem temaa tradição travestidaa decadência da transcendênciao resto dos mestreso simulacro sublimeo todo didático do texto avali(z)adoa fábrica têxtil toda avariada

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a coisa é feita de ruídospuídos ou recémnascidosdoloridos ou nãonão importam muito os idosdesde que bem imbricadosos ruídos é um ofício difícilprecisa estar concentradoaté o último lancede dadosos neurônios todos ligados por outro ladoé extremamente fácilbasta estar distraído(como dizia o leminski)pra (ou)vir um bom ruído a gente faz o que podealguma vez vai bemna maior partese fode

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leve

como pluma

na penumbra

do sentido

que se atreve

insinuar

desentendido

nenhum papel

me cabe

vácuo virtual

sou breve

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levemais leve que uma plumanem um temaque o queiramais profundoteoremamenos denso que a espumade uma ondatenso como o gritode uma corda(no espaçode um lapso)lema algumleva este pretexto ao abismodo sentidoum riscoronda este dizerse tornar menos que istotraço ao infinitodo não ditosuma

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não declame poemas

nem os cante

no máximo sussurre-os

eles odeiam cordas vocais

amam somente o som

silente atravessando a mente

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UMA LUZ QUASE NULA

UMA VOZ QUASE MUDA

UM POEMA

QUASE NADA

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em silênciodança

no silênciodança

do silêncio

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PARTE II

dizcursoa tradição travestida

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a morteno instante da morteé um cortee no instante do corteo gostodo gozono instante do gozo 

a gosma num ácido instante e numenal semblante como a rosa aberta instantânea na tênue eterna névoa fragrante 

no ar a dama consorte

a lavar e amar nossa sorte a planar aspirar expirar um acorde da sonata espiral

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o papel do poeta é algo mudando para algo mundano que algodo mundo(que) algo agouroum mal agouro do mundoe o papel do poetanão se encharca das tintasnão é mais amarelo que amarela com o tempo e tornaporoso e ásperoque colorem as tintasque vão se descolorindo num sem tom descolorque são todas as cores: brancaesbranquiçadasretornam por todos os poros e afloram tal qual primavera reflorampor todos os cantos colorem de todas as cores refloremnão são mais tintas papéis e poetasnão maiscores e poros e algonão sei mais

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lunar

subi a escada decantada de ladrilhos pétreoscomunguei ao pé da igreja velhaum olhar para trása cidade nebulosa vivasem alma viva que se movaa esta hora desta noitese movia a ouvia seu respirar vivazeu a revia idosa revivia idademe moviaem direção ao templo queria ver em tempoo que escondia densas ásperas pesadas paredesdessas lisas trêmulas vacilosas mãos deslizamas dobras do tecido duro frio não vaticina o vento arrepio sem pensar se move rumo à quinao mar revolto se revela vento revolvia olhar e viaolhar o mar quebrar em brancosilêncio ao mara vozà voz volver o olhar daquelaalva voz tenaz olhar fugaz contemplartodos os anos passados naquele ato inatoum estender a mãoum entender de fato a faltavestida pelo manto escuro véu cobrindo lisos talosque se deslizam aéreos pela alva teceo mar medita algomar

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Amo-te dementecaridoso morrereiremorsoso e mórbidoculpar-te-ei.Culpar-te-ás e partirás tambémao imaterial abraço de teu reie escravo?Escravo e rei não heide entristecer em meu sofrerpois me dareia tie a ti possuireicomo tantos, como tantos, por devermorrerei, morreramospelo carma dum caudal impiedosoe ressuscitaremoseu pedrae tu a flor do outro monte que um pássaronum arco sobre as árvorestrouxe o olorvagodissipado pelo vento da manhãum frescorainda um frescor à rocha desventurada

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era uma casa muito engraçadanão tinha teto não tinha nada

v.m.aquele que não posso ser está vivendonão sei o que ele quer na funda noite escuradaquele quarto ao fundo que sequer eu entroa casa agora estranha e a amada não escutaa voz daquele eu mudo que agora já não ama desenvolta ela passeia e se deita em sua camae o quarto não clareia e mesmo assim enche de luzeste outro a possui enquanto a casa se revelaantiqüíssima morada de deuses que conduzaquele eu cego a viver à luz de velas ver sem velas ou sol imponderáveis nuances delacasa sem piso oitão ou teto vizinha do infinitoum rociar de eternidade impregna os cômodos disformesfoi tudo ti culpada amada a voltear por cômodos famintosde não sei quê de além amor a entristecê-la enquanto dormes co’este outro e sem meu toque nos perdoeluz inconsciente a lumiar o mar profundoem que mergulha aquele que se diz euna busca indefinida de um mapa o mar inundacômodos e casa e tudo bóia e se perdeu do eu amar e amada cômodos e casa e aquele outroainda chora o que não sinto e às vezes tem(tenho certeza) amada em leito seu e amor um poucoque (náufrago) não sei e luz é assim, às vezes vem...

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vela que o vento leva que o vento comevela suspensa no ar e no escuro marvela que voa ao longo do horizontevela que incendeia por sobre o montevela do desatino do aventureirovela que voga a lua na noite cheiavela inflada de uma lufadavela inflamável no fim do olharvela que vela a luz do plenilúniovela da tua valavela velha comadre de um sinovela entre deus e meus olhosvela que me levavela que me lava do escuro breuvela vento que passouvela luz que enluouvela vala de minh’alma valo do meu corpo morto  caravela da vida tênue vela ao vento ao sopro do vento que a voa que apaga

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teus olhos são tão solque molhas meu solquando me olhas farolque me banha de tanta luz tamanhatanta cruz estranha soa no meu sol uma luz tamanhaoutra luz de tuas entranhasoutra luz estranhaa tua luz nuaque luze em tua ruacurva e turva e puravia para as tuas duas luasque me viasvias tão estreitas que diantede tua luz tamanha, estranha nas entranhassão viaslácteas de estrelasleito de estrelasestrada de sóisextracto de luzas tuas duas luas na minha rua nua

leite puro leite pleno leite amplodivino leite

leito impuro leito planoleito estreitoleito profano

entre o teu leite e o teu leitome deito no desamparono teu jeito de me deixar solde me deixar sousó no descampadodesta luz tua: lua

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leite puro leito impuroleite pleno leito planoleite amplo leito estreitodivino leite leito profano

entre o teu leite e o teu leitome deito no desamparono teu jeito de me deixar sol de me deixar sousó no descampadodesta luz tua: lua

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ontem nasceu narcisofogo de ritosnarciso de amor foge preso no próprio risorio de narcisode mim não sei se precisofrio rio de lava nos lábios de narciso

narciso se vê na fonte na fronte de todos os mitos narciso se transforma

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estava tão mudo em hadeslodo de muro antigo pelas frestaspelas festas de dionísioum quintal me invade!tardes de narcisoriso de narcisosiso de narciso ris? rio calmo como a morterio forte 

narciso se vê na fronte na fonte de todos os mitos narciso se transforma

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era narcisoque falavafala de narcisode que faloera narcisoentre as águassai o eco de narcisopelas ondaszeros se es palham — zeus!da lágrima de narcisopor um tris te narciso 

narciso se vê na fonte na fonte de todos os mitos narciso se transforma

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josarrá quem dera ter do mundoo silêncio que necessitas agoraem que sentes sede de contemplare o teu semblante destemido a pairarmal recobres o que descobre ao bulirem tais sonhos que tens teu olharteu olhar, teu pobre olhar josarrá, mashá um cheiro negro no arque colore os teus sonhos meninose redescobre a cada olharnos teus cantos, lugares, teu larque enraíza o alicerce da casae se espalha aos vãos de teu chãoteu piso, e sobes enfim por teus móveisalcançando por fim teu telhadotuas vigas de cheiro ocreadotuas telhas de aranha que vêm que vãonão em vão tua vida emaranhatantos casos de casa encantadapelo vão das paredes caminhamcaminham tanto e não chegam a lugarque luares tu queres panhar josarrá? não te notas, não queres notarnão deves, não podes voarpor teares tecidos de arnão deves negar tuas coresteu manto, teus tantos encantosde uma cor que de cores te enchesolta o pranto que queres chorar e dizjosarrá, diz que o cheiro permeia o arque vem de tão longe e tanto tempo a jorrare deságua num rompante de dordesnorteia o poente do sol que brotas agora em teu sonhartua solidão, josarráteu amar.

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t e n t a t i v a

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de um lado o lodo da noitedo outrooutro lodo e as gramas putrefatas vicejandoesta faixa dura e noturnadividindo o desertoé uma serpente sem casadeglutindo metais e peidando gases vomitando vísceras ao pasto de lama indiferente tu: reflexo de serpente no olho perdido no horizonte perdido

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vieste para fugir mas encontraste buscar e voltas encontrarásvieste para encontrar   o que por onde passou nunca deixou atrás deixou este fino olor quase partido este calor bafo e o amargor seco na boca  este vago eco de amor quase um toque de dor branco do seu palor grito cego de uma flor alheia do seu compor pobre de uma só cor que insetos sabem de cor

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foges mas deves voltar sem nunca sair deste norte como nunca saíste do não norte e não um são sempre no mesmo lugar sempre no agora mesmo que o vento soprar mesmo que o norte voar

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no entanto a um passo está o norteno entanto um abismo de morte

desenha entre nós este corteque o nada só o nada em acorde

transpõe esta linha este forte 

apague dos olhos o norte cale o norte da boca e ouça! o vento do norte zunir a sua melô dia louca trazendo o norte pra dentro soprando na vela rouca

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norteensaio de morte

de onde voltamoscada vez mais

deus ateuscada vez mais

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pelo que há de vão infindo no seio dele pela música que soa nadeante no seu silêncio pelo que ele não é sendo nas profundezaspelo desmarcamento das margens esparramadas pela marca da fluidez no seio dos demarcados

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apenas eu sem mim

nesta cidade que me rodeiasem outros sem si

mudos à minha voltanesta avenida absorta em si

no seu barulho surdoao lençol de silêncio dos olhos

que me olham de dentro do meu nada mais p'ro fundo do negror de minha ausência pálidas nuvens passam ignoradas e sob plácidos lagos serenos dorme a morte que seremos e dentro dela com ela comungando e a corroendo um átimo de norte dói correndo e salta leve brisa raio vento fogo do pensamento e fura a vida da avenida

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ave em fúria gula sem nome que nos consome comida de nossas feridas  que nos ilumina e a cada pedra destroçada do asfalto a cada ato ao acaso ao cheiro de gasolina a cada passo apressado mal sabe os homens o norte deste instante da face de joén nos seus semblantes do urro de prazer dos dois amantes da flor sem haste que brotou na face do tempo sem depois nem antes agora deste norte desnorteante

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todo o vento num momentotodo o tento num instante  o vento e seu ventre aberto entre dois semblantes sempre dois movimentos vendo o abismo deserto arco precário istmo arbitrário centelha dissipada de vísceras vácuo o nada desse buraco esse sovaco no cerrado olhar fixo de vossas vozes ávidas de barro e engasgadas de catarro esse pigarro cósmico semi desnatadoe carcomido de fragmentos iaras e suas árias aéreas o norte e sua sorte incerta

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d e n o r t e

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meus velhos versos de segundavento e pássaros relva e riodissolvo-me neles na esperançana esperança como nas lembrançasem que vingo a má venturaonde perdem-se as razões, a harmonia e a sextinae o ritmo com as pulsaçõesdentro e forafora-se toda a fruideze qualquer pertencimento à entidades obscurasque passaram a fluirtranse e embriaguezdoçura e torturaperderam-se, perdi-os e todos se lançarame lancei junto com elesa qualquer alvode água, de madeira ou de metalestou à salvo, não estoutalvez... talvez...

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PARTE III

o lugarejo da província

sal-dades

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fala da palestrante

a mulher do senador hermenegildo de moraesna época das frutasabria os portões da sua casapara que o povodesfrutasseda quantidade de frutas que vocêtinha dentro daquela casa!

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quando, ainda criança, me deparei com aquele livro misto de causos e exaltação dos grandes vultos morrinhenses (intelectuais, políticos, artísticos), cujo título

MORRINHOS: DE CAPELAA CIDADE DOS POMARES

pensei significar (por um desses equívocos que só as crianças podem cometer com sua prodigiosa imaginação) :

MORRINHOS DE CAPELA: A CIDADE DOS POMARES

então algo surrealista – uma cidade travestida de capela, carregando uma carapaça/capela – emergiu do texto... foi a melhor leitura que fiz do livro, até hoje

benditos sejam erros meninos

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neste livro um soneto lírio parnasoflorido em pleno pós-guerra de guilherme xavier poeta-doutorquando a língua de bilac já era dada como mortae enterrada:

Meu coração é uma cidade antiga,De casas brancas e compridos muros,Com pomares amplíssimos, escuros,E gente simples de feição amiga.

Seus habitantes não são todos puros,Talvez entre eles haja alguma intriga.Mas a harmonia geralmente abriga,E ajunta, rindo-se, os rivais mais duros.

Sua alegria buliçosa e claraEsconde mágoas que ninguém suspeitaNem descobrir impertinente ousara.

E julga-se feliz, pois, sem vaidade,Confunde na modéstia mais perfeita,Tranqüilidade com felicidade.

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é consenso considerar o parnasianismo um período literáriomuito renitente no caso do brasil (vide cândido e bosi)

é preciso dizer que o parnaso foi mais [muito muito +]algo como um estado de espírito artístico-intelectual (uma economia mental)coisa de doutores e damas entre togas e cetins

diga-se também (na companhia de bandeira) que o parnasonão deixou de ser uma continuação (+ contida) de seu suposto desafetoo romantismo – que por estas bandas é muito # de seu congênere europeu

digamos então que impregnou o brasil fim de séc XIX um estado de espírito:romântico-parnasiano

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melhor que “período”, “estado de espírito” ou “economia mental”digamos que houve uma atmosfera:ATMOSFERA ROMÂNTICO-PARNASIANA (ARP)uma atmosfera é espacial, um período é temporal ela se dissipa, ele é superadoela é mais palpável (respirável) que um estado de espírito

a ARP começou a se dissipar no brasil a partir de uma pequena explosão de luzes e ruídos, ocorrida na são paulo de 20, chamada modernismo: outra atmosfera se criava e se expandia contra as ondas bolorentas da antiga ARP

mas sua dissipação foi muito mais lenta e custosa nos rincões mais remotos do país

em plena década de 70 uma pessoa de faro mais fino podia sentir a persistência da ARP em lugares ermos como, por exemplo, na Cidade dos Pomares!

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masuma província tem duas bandas duas atmosferas imbricadas

a dos doutores damas e coronéis ARPfreudiana perturbada complexo de inferioridadeinconformada por não ser centro faz de tudopara que pelo menos em seu pequeno mundohaja quem seja umbigo haja quem seja mudohaja quem seja tudo haja quem nunca aja

a outra banda-atmosfera a da gentalha analfabeta dos meninos e dos velhosbicho mato tapera(vide drummond ramos e barros)toda tosca sem pertences nem complexosubiqüidade desumbigadaalguns a chamam sertão (mar)essa é toda margem

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e pra complicarcomo estão imbricadasuma entra na outrade modo que a gentalha respira ARPe togas e cetins se impregnam de sertão

nos dias de festa (de banda e discurso)vê-se bem como o povo respirae aspira a ARPembora casa grande e móveis coloniaiscom aquele ar de calma e fixidezamados pelo parnasoaquele ambiente aconchegantesó pode ser pra uns poucosa custa do suor e do sangue de muitosna lida dura e mal paga do campoque a gentalha anônima têm de cumprir dia após diapra que a sinhazinha leia no seu aconchegoos seus romances românticosentre móveis coloniaise gatos perfumadosencantando os poetas parnasianosque a chamarão de ninfaem seus virtuosos sonetos

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mas tudo tudo isto hojesão apenas lembrançasde quem não viveuaquela atmosfera em seu esplendore apenas passou meninopela cidade dos pomaresquando restavam quase dissipadosuns cheiros de ARP

e restam aindaumas saudades doentias de velhodaqueles móveis de jacarandá e peroba rosanos quais quando se fecha os olhosvê-se ainda a donzela trêmulade amor sem objetodevorando seus folhetins

umas saudades que são apenas mais uns cacosem meio aos fragmentos de agora outra atmosfera estanem ARP nem sertãonem mesmo modernistacheia de máquinas mínimase cálculos enormes

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benedito ventura

que (nesta vida) só foi velho e menino

afável e bonachão com aquele ar de bobão

mas só pra quem não olha nos olhos perdidos de sertão

poeta da província um pouco douto outro caipira-caipora

respirador de dois ares cheio de vícios e ofícios

tribunas e altares

mas também de sóis de luares

taperas e margens

como deixaria de ser o que é?

mestre bené

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PARTE IV

Benedito VenturaPoeta do gran circo imperial das togas

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não chores amada miaque choras de amarga a vidapois saibas que a vida vinhadevindo das idas miasaté que a vida um dia envia por não sei viasao pranto que tão doíaà vida que então se viasem vida e que só temiaque amargo não cessariaamada que amar-me-ia pois saibas amada miaque a dor do ir existepois saibas que a dor insisteque a vida porém persistee saibas que amar permiteque saibas que embora tristemui triste que o amor existe

não digas amada meigaque o pranto quer não quer queiradespenca da ribanceiranão chores amada amigapois olhas e então me digase alguma qualquer feridase achou maior um diaque um dia de alegriana vida de amada miahá chama alegre da vidamaior que a dor da vidaque o sol do meio dia sabes que a dor existe eu seie sabes que o pranto insiste e tenssaberes que a sina é triste e bemsabes que a dor persiste e vemvindo demais e tensa e heide querer e embora não seida dor que existe intensa a leique amar de amar e de amar demaisque amar te tenho e te tenho paz

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Ora!Tudo que quero é dizer que amo.Só um velho como eu pode dizer tal coisa, hoje. Amo-teDe incondicional amor intransitivoComo o dos poetas, como tem que ser. Como o amor dos tolos, de um se dar desmedido.Como os profetas, cegos de amar e ver. De um amor lascivo como o de animais,Puro instinto e violência, sangue e gozo. O amor do Cristo que me purificaisLímpido e eterno, cristalino, água e fogo. Do amor que flui de dentro para fora,De fora para dentro como o teu olhar em mim. Do amor que fica, mesmo indo embora,Tão dentro e forte ante a distância sem fim Da morte ou de um simples irPara outro cômodo que não sei seguir. Amo-te de um amor impossível,De impossível exprimir.Mas tão impossívelQue nem espremo palavrasPara vos dizer.Quem saiba assim o digaNeste sereno não dizer...

Amo-te de um amor menino.Mas que redundância!

Queres coisa mais infantilQue amar infante?

 Amo-te simplesmente

Mas isto também já foi dito por muitos(por todos os que amam)

Mas não importa para quem ama. 

Se algo importasse para quem amanão haveria amor.

Como poesia não haveriase o poeta pensasse antes.

Se o amante pensasse antesnão haveria amante,

não haverias tu, amada e exaltadapor esta alma desarmada, desarrumada.Nem alma, se me permita Deus, havia

se amor não houvesse. 

Pois que amo-te enfimem meio à tempestade

e em princípio é princípio meu amara ti e amando-te transbordar

o amor.E amar a todos e a tudo,

a mim e amar o amor. 

Amo-te como quem ama.

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casas depois de tantas casasluzes que tampam estrelaspostes e mais postesteia de fios metálicosestalando lâmpadas no arruas depois de ruasteias de ruas sem fim deste quarto pequeninimeste magro meninimsolta a imaginaçãoaté o mais longe desvãomas não há desvão!cada vão cada valevale um pedaço de casadesta teia de casa até onde?desta teia que o fio se escondedestas veias noturnas escorremcarros roncando pra ondesonha-se a noite que movecada carro pros confinsasfálticos da sua pele

esta noite tem tanta invençãoluminosa ela tem tanto escurél de noite grande pelos morros ondula a malha de luzeshá luzes a mais depois dos morros?morro de vontade dissolver-menesta idade nesta cidade nesta sedede enredar-me nesta rede vede!

noite grande da cidade

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vede esta noite longalarga noite profundavede esta noite de redesvede esta noite de malhasvede este céu repicadovede o repisque de estrelas vede este cheiro de noite e o cheiro do galho picadosalpicado de orvalhoesta noite picadas escurasesta cíclica noite de luastrês luas e não luavede esta noite sem ruas  o cheiro verde vai entranhando as narinasa poeira não passa o vento não vemnem vai nesta noite imóvel que nos cercateias de terras teias de verdes teiasde tantos galhos que se cruzam no cruzeiroteias de quanto mistério

deste carro ou desta tapera solta no sertãosolta o menino a sua ilusãode ver o invisível que não sabeo indizível que não se vêsaindo de si sobre a serraniaquantas grotas sem seu olharbrotam agora neste instantede noite fulgurante?tantas formigas fervilhandoe estrelas nos olhandoestalando a nos brilhar

noite grande do sertão

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noite contida eu seide cada canto seucada recanto de breuou brilhonoite pequena eu sei só não sei porque o de todo dia toda noiteeu não sei mais noite mais íntima seionde acabas com as casasonde as asas se divisamonde as abas desta noitesó não sei porque estas beirasme cheiram sem eira nem beiranão sei porque que te beijammeus beiços com tanto ardor lua cheia de quintalencheste o meu portalpara o sem fim de mimtão pequeninimnoite do meu morrim

tu és em cada poste cada luzcada lua e cada estrelacada telha cada casae casa-te com cada para-lelepípedo negro de amorque te carrega de diae se consome de noite no seu fulgorabraçando-nos brincando-nos de nósnos nós do futuronoite o futuro é escuroquero-te passada luz-minada

noite minha pequenininha

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o nariz frio do cachorro alegree um portão monstruosoo muro altovelhoverde de lodoe descascado 

cascas de árvorese passeios de praçasbicicletas e bolasbobas meninase meninos sonsose tristesalegres e tristes 

postes de luzes cinzase janelas mortase abertastortasruelas voltase voltasmortase tristes 

vilas e rodas vivase noitesvivas e mortasmanhãse tardes quentese longas

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faz frio na rua nuafrio de batê- queixofaz cheiro de chuva molhadavai ter pardal no fiovai ter pinguinho nas folhasque hoje eu sei que é orvalho

amanhã de manhã tem friotem cheiro de terra frescaflor de jabuticabadepois do aguaceiro

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tapera é uma esperano meio do nadano veio do dia plantadano seio da noite rebrotada

tapera abando nada beira de ninguém sem eira na esteira do musgo e do lodo na esteira

tapera na capoeiragrota de vaca fugidagreta de visco ungido fundida no cisco fugido pro zóio doído de luz que tampa a tapera

tapera uma sombra salpicada de sol picada de noite no veio do dia

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jurubeba é uma biloca verdemargosa feito felque levada ao céuda boca leva a bocaao céu feito o amor depois da dorfeita a vida desfeita de uma ferida jurubeba é um ensina dorjurubeba é um amar gor é uma esfera repleta de florantes e depois de florna embriagada línguaeufóricasofridaqueimada de antiflor jurubeba é um desvéu que desvela o amargo-doce é um favo de fel no céuda boca ávida de mel é mel tão apurado que amarga

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souo que lembro e o que lembroé mandinga pr’eu ter sidoo que sonhei um dia idoe dolorido não sei se setembro não sei se me relembro ou a lembrançaque há de vir ao ar se insinuaré o enchimento amanhã do esvaziarque ficou perdido na manhã esperança acordes pobres de pardais infânciafios de postes das catadupas ignoradaspela alegria brincando sem nadapensar sobre as pedras da rua sem ânsia sobre a perda a distância medita esferográficasobre a mesa dos tempos idos só doridose sarados neste retraçar floridode alma velha sem viço pra ginástica ó pardais e jabuticabas bobos e boloscidade natal pós-modernamente em cacosnesta cabaça podre que a guarda sacode gatos lentos e sem unhas do desconsolo

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arrasto um punhado de pó pelas ruas arauto das casas desertas e puídaspelo silêncio e pela treva carcomidade luz entrante de uma fresta (festa de meninos)gatos conhecem-na biblicamenteentre móveis silentes calmamenteroçam pêlos nas suas entranhascasa estranha trêmulo vácuoarrepio de frio sob a tarde de morrinhosquintal pomar escuro mar de podridão docemuro de frinchas funcho e hortelãlã estas redes de madeira tetotateante alto de barro piso em falsoum braço de halosobra do sol que arrasto

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joaquim papudo

vagueias ruas alheias

paradas vivas

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F I M