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Anais do I Simpósio de Comunicação e Tecnologias Interativas
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POLÍTICA DE INFORMAÇÃO NO BRASIL: UMA ANÁLISE SOB A ÓTICA DA LEGISLAÇÃO DE TELECOMUNICAÇÕES
Rodrigo Moreno Marques1
Marta Macedo Kerr Pinheiro2 RESUMO A Internet, plataforma tecnológica convergente e marco da sociedade da informação, tanto pode contribuir para o fomento quanto para a restrição de diversidades culturais e identidades regionais. Na arena das políticas de informação, a disputa de forças entre grandes grupos econômicos combinada com a participação dos Estados consolida uma crescente concentração empresarial no mercado de telecomunicações. Nesse cenário, as empresas buscam a prestação de serviços convergentes e avançam para abarcar também o conteúdo multimídia. A análise da legislação de telecomunicações do Brasil permite perceber qual tem sido o papel dos atores sociais frente à tão controverso contexto e como as políticas de informação do país tem abordado essas questões que tanto podem afetar a nossa pluralidade sócio-cultural e identidades. Palavras-chave: Política de informação. Diversidade cultural. Legislação de telecomunicações. Introdução
A sociedade contemporânea, antes fundamentada em uma economia industrial, cedeu lugar a
um novo contexto social fortemente influenciado pela economia informacional. Nessa nova lógica
econômica os bens materiais fordistas foram substituídos pelos bens informacionais intangíveis e
por tudo que a eles se relaciona como o conhecimento, o conteúdo, a cultura, assim como a infra-
estrutura que suporta seu armazenamento e permite – ou dificulta – sua difusão.
A expansão mundial da Internet permite, além do consumo informacional de massa, a
produção e disseminação de conteúdos independentes e culturalmente plurais. Se por um lado essa
plataforma tecnológica estimula o afloramento da diversidade cultural mundial, por outro também
tem potencial para um efeito oposto, uma vez que ela atrai grandes grupos empresariais cujos
interesses econômicos tem estado historicamente apartados do compromisso com o bem estar
social. Podemos perceber o quão árdua será a luta pela manutenção da diversidade cultural e
liberdade de expressão na rede mundial de computadores quando observamos as armas que já
1 Mestrando do PPGCI/UFMG. E-mail: [email protected] 2 Professora e pesquisadora do PPGCI/UFMG. E-mail: [email protected]
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apresentaram os grandes conglomerados financeiros, cujos interesses estão voltados para a mídia;
para a produção, disseminação e controle de conteúdo; para o mercado de telecomunicações e de
tecnologia da informação.
O Relatório de Desenvolvimento Humano publicado em 2004 pelo Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento faz uma defesa contundente da diversidade cultural no mundo
globalizado, ponderando que não há desenvolvimento humano sem liberdade cultural, uma vez que
a possibilidade das pessoas terem uma vida plena só se dará se houver liberdade de escolha da sua
própria identidade, resguardadas as identidades alheias. O documento afirma que atualmente
indivíduos, comunidades e países se dão conta da eliminação gradativa de suas culturas locais e
apresentam reivindicações políticas para ajudar a manter essa pluralidade, através de movimentos
sociais ligados à luta pela liberdade cultural, humana e democrática. A gestão da diversidade
cultural torna-se, portanto, “um dos principais desafios do nosso tempo” (PENUD, 2004, p.1)
O documento WSIS-05/Tunis/DOC/007F de 18 de novembro de 2005, da Cúpula Mundial
da Sociedade da Informação em seu parágrafo 9, reafirma, de acordo com a Declaração dos
Princípios de Genebra, a determinação de que cada país venha se beneficiar das possibilidades
oferecidas pelas tecnologias de informação e comunicação. Sublinha que governos, empresas,
sociedade civil, e organizações internacionais trabalhem conjuntamente para melhorar o acesso à
infra-estrutura e às tecnologias de informação e de comunicação, à informação e o saber, ao reforçar
as competências, criando um ambiente propício à aprendizagem em todos os níveis. Evidencia
ainda a emergência de se favorecer e respeitar a diversidade cultural, as dimensões éticas da
sociedade da informação, assim como encorajar a cooperação internacional e regional (WORLD
SUMMIT ON THE INFORMATION SOCIETY, 2005).
Dada a relevância e complexidade dos desafios postos, entendemos ser imperativo o
envolvimento direto do estado nessas questões, onde as políticas de informação adotadas pelos
governos têm tido uma resposta mais econômica sem forte e necessária ênfase à diversidade
cultural, liberdade de expressão, identidades e desenvolvimento social.
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Objetivos e Metodologia
A mistura de questões tão complexas – redes, plataformas tecnológicas, mercado financeiro,
políticas de estado, desenvolvimento humano e cultural – revela grandes conflitos de interesses.
Esse artigo parte desse controverso panorama para tentar responder algumas perguntas que
merecem nossa atenção. Quais são os principais atores envolvidos nessa dinâmica, seus interesses e
estratégias para atingir seus propósitos?
Na busca da resposta para essas indagações, especialmente em relação ao contexto
brasileiro, adotamos como ferramenta metodológica a análise da razão jurídica e como recorte
temático optamos por abordar a legislação que regula as telecomunicações no Brasil.
Esse artigo resgata a evolução histórica desse marco regulatório nacional até os dias de hoje
com o objetivo de compreender como essas leis, regulamentos, normas e diretrizes do estado tem
afetado as TIC no país e os conflitos de interesses aí envolvidos. A análise da disputa de forças que
moldam a legislação nos permitirá compreender quais são os principais agentes envolvidos nesse
embate e seus respectivos papéis. Poderemos também avaliar as perspectivas que se apresentam
para o futuro a partir da análise de alguns aspectos de novas propostas legislativas que estão em
discussão no Congresso Nacional.
Esse percurso metodológico, baseado na sistematização e apreensão da questão legal, tem na
regulamentação das telecomunicações o eixo para sua fundamentação. Podemos afirmar que esse
aparato legal se constitui como razão jurídica em sintonia com a definição de Alcenir Soares dos
Reis:
A razão jurídica constitui o resultado de um processo através do qual se institucionaliza e se corporifica, no âmbito do aparato legal, o amálgama das interações dialéticas entre os diferentes atores sociais. Por meio delas, realiza-se a contraposição entre os interesses da sociedade civil e do Estado, haja vista que estes são a resultante dos elementos histórico-políticos e da prática social, que ganham representação e legitimidade e se materializam, enquanto estratégia de mediação, através da Lei (REIS, 2002, p.23)
Políticas de informação: as primeiras iniciativas
Vale a pena destacar que a ação dos estados no estabelecimento e implantação de políticas
centradas nas questões informacionais não é uma preocupação recente. Políticas voltadas para o
desenvolvimento da ciência e da tecnologia tem sido priorizadas por alguns países desde a década
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de 1950 por diferentes razões. Podemos afirmar que as primeiras iniciativas nesse sentido foram
motivadas pela percepção de que a ciência tem papel decisivo na modernização da estrutura
produtiva, assim como pelo interesse militar e estratégico (AUN, 2003, CASTELLS, 1999). Surge
nesse período o interesse em armazenar e processar eletronicamente grandes volumes de
informação, bem como recuperá-los de forma eficiente.
Podemos afirmar que o estabelecimento de políticas informacionais tem sido motivado
também pela percepção mais recente da nova divisão internacional do trabalho, que atribui papel
central aos países produtores de tecnologias e conteúdo informacional e papel periférico aqueles
estados consumidores passivos desse tipo de insumo (EISENBERG e CEPIK, 2002).
Podemos notar que essas primeiras motivações que levaram os estados a buscar o controle
da informação e de seus efeitos sociais através de intervenções administrativas não estavam
diretamente ligadas às questões sócio-culturais e seus desdobramentos. Mas à percepção desses
aspectos surgida a partir da década de 1970 se reforça cada vez mais entre os pesquisadores da
Ciência da Informação, governos e organismos internacionais, com pesquisas e ações voltadas para
a construção de conteúdos e direcionadas aos usuários.
Não bastassem os vários conflitos de interesses existentes por trás dessas complexas
questões, novos aspectos ligados à evolução tecnológica ampliam potencialmente os riscos à
pluralidade cultural e à liberdade de expressão ao entrar em cena a convergência tecnológica.
Convergência tecnológica: as promessas iniciais, as diretrizes para Sociedade da
Informação e o cenário atual
Podemos afirmar que a sociedade caminha na direção da convergência tecnológica dada a
constatação de que diferentes conteúdos e serviços - como telefonia, imagens, documentos, vídeo,
música, programação de TV e rádio - evoluem para uso crescente da Internet como rede de
transmissão, formando a maior e mais disseminada rede multiuso do planeta.
Milton Santos amplia a definição técnica de convergência ao estabelecer o conceito de
unicidade técnica, que inclui também aspectos sociais, econômicos e políticos ao debate. Segundo
Santos (2007), a unicidade técnica vigente na atualidade é estabelecida pela disseminação da técnica
da informação, que permite que outras técnicas diversas possam estabelecer comunicações entre si,
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modificando as relações de tempo e espaço e acelerando o processo histórico. Dentro desse ponto
de vista histórico, nota-se aí um aspecto recorrente e uma particularidade. O aspecto recorrente é a
constatação de que os atores com a capacidade de mobilizar a técnica dominante estão em posição
de hegemonia em relação aos demais. A singularidade do fenômeno é que pela primeira vez "tal
conjunto de técnicas envolve o planeta como um todo e faz sentir, instantaneamente, sua presença"
(SANTOS, 2007, p.25).
O resgate da evolução histórica da web nos permite compreender porque a sociedade tem
hoje motivos suficientes para debruçar-se sobre essa questão.
A segunda metade da década de 1990 marca o início de uma corrida que une governos e
empresas para implantação em de um novo sistema de comunicações eletrônica que funde "mídia
de massa personalizada globalizada com a comunicação mediada por computadores" (CASTELLS,
1999). A promessa do novo sistema, que foi chamada de multimídia, era tentadora: estender a
comunicação eletrônica para todos os domínios da vida, incluindo a ciência, o trabalho, o
aprendizado, o entretenimento e a cultura.
Diversos estados e instituições sem representação popular vinculadas ao setor
governamental tomaram iniciativas voltadas para a formação da infra-estrutura tecnológica do novo
sistema multimídia global. Paralelamente, estes organismos instituíram metas para que os governos
estabelecessem a ‘sociedade da informação’, metas essas ligadas a questões econômicas, as
telecomunicações, a comunicação de massa, a revisão do papel dos estados na sociedade, dentre
outras, conforme apresenta BEMFICA (2002):
Em 1993 o Conselho Europeu lançou o documento White Paper on Growth,
Competitiveness and Employment – the challenges and ways forward into 21st Century, que propôs
a construção da sociedade da informação a partir da cooperação entre países para constituição da
infra-estrutura de informação.
Em 1994 o ITU - International Telecomunications Union promoveu a conferência World
Telecomunications Development Conference que recomendou para o desenvolvimento das
telecomunicações: a liberalização e o fomento ao investimento privado, além da reestruturação da
regulação do setor de telecomunicações de modo a criar um ambiente estável e atrativo para
investidores, facilitar o acesso à rede aos provedores de serviço, assegurar a provisão do serviço
universal e garantir direitos dos usuários e investidores.
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Em 1994 o documento Global Information Infrastructure – Agenda for Cooperation,
elaborado pelo governo dos Estados Unidos, propunha a interconexão das redes locais nacionais e
regionais dispersas no mundo para tornar possível o compartilhamento de informação, com vistas
na eliminação de barreiras decorrentes de padrões incompatíveis, na abertura dos mercados e na
reformulação de marcos regulatórios.
No ano de 1995 destaca-se a realização em Bruxelas da G7 Information Society Conference
com o objetivo de encorajar e promover a inovação e o desenvolvimento de novas tecnologias,
incluindo, a implementação de infra-estruturas de informação mundiais, abertas e competitivas, para
transformar o regime de comunicação e informação, até então doméstico, em um regime
internacional.
O discurso voltado para a sociedade da informação presente nesses documentos aponta para
um conjunto de princípios legitimados em instâncias internacionais e a serem adotados como
diretrizes para elaboração de políticas econômicas e regulativas nacionais. São marcados pelo
fomento a privatização do espaço público, quadro regulatório comum e cooperação internacional,
em sintonia com as idéias de globalização neoliberal. Dentre as atribuições imputadas ao setor
governamental pelos documentos listados, predominam as atividades relacionadas à promoção do
mercado e do consumo, evidenciando uma inversão de competências segundo a qual os estados
nacionais deixam de ser definidores para se tornarem meros executores das diretrizes padronizadas
(BEMFICA, 2002). Essa análise nos permite afirmar que as referidas políticas de informação se
distanciaram do bem comum e do interesse social para atender aos anseios do mercado
informacional.
Nesse sentido, merecem destaque o documento de conclusão da G7 Information Society
Conference o qual recomenda aos governos que assegurem um quadro apropriado para estimular o
investimento privado e criar um ambiente internacional favorável, assim como o documento norte-
americano Connecting the globe: a regulator´s guide to building a Global Information Community
publicado pela FCC - Federal Communications Commission que recomenda a promoção de
mercados absolutamente livres de regulação.
CASTELLS ajuda a revelar sem meias palavras os interesses existentes por trás das ações
governamentais: "eram as empresas, e não os governos, que estavam dando forma ao novo sistema
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multimídia" (CASTELLS, 1999). Há cerca de dez anos atrás esse autor previa um futuro sombrio
que poderia emergir da nova plataforma convergente:
Seu desenvolvimento completo não exige apenas um investimento gigantesco em infra-estrutura e teor de programação, mas também o esclarecimento do ambiente regulador, ainda envolvido em litígios entre fortes interesses empresariais, eleitorados políticos e legisladores do governo. Em tais condições, só grupos poderosíssimos, resultantes de alianças entre empresas de comunicação de massa, operadoras de comunicações, provedores de serviços de Internet e empresas de computadores, estarão em posição de dominar os recursos econômicos e políticos necessários para a difusão da multimídia. Assim, haverá um sistema multinacional, porém, com toda probabilidade, será decisivamente moldado pelos interesses comerciais de poucos conglomerados ao redor do mundo. (CASTELLS, 1999, p. 453)
Uma década depois da sombria previsão de CASTELLS, é com grande inquietação que
constatamos que ela está cada vez mais consolidada na sociedade contemporânea. Superados os
primeiros obstáculos técnicos da implantação desse backbone e seus múltiplos acessos, a Internet se
apresenta com todo o seu potencial convergente, dominada por grandes oligopólios empresariais
que desafiam a capacidade da sociedade de influir nas políticas de informação estabelecidas pelos
estados, o que traça um futuro incerto para a diversidade cultural.
E qual tem sido o papel do governo brasileiro e demais atores frente à tão controverso
contexto? Como as políticas de informação governamentais do país têm abordado as questões que
afetam a nossa diversidade sócio-cultural?
Essas são algumas das questões que nos propomos a analisar, mas antes é útil compreender
diferentes conceitos ligados à política de informação.
Plano, programa e política de informação
Vários autores definem e analisam conceitos básicos de políticas de informação e suas
abrangências, buscando identificar os valores que as conduzem em sua especificidade (AUN, 2003).
Para estes autores é preciso diferenciar os conceitos de plano e política. O plano se traduz
por um programa de atividades voltadas para construção de culturas em instituições públicas ou
privadas. O plano possui horizonte temporal mais curto e está ligado diretamente a questões
operacionais. O programa estabelece linhas de ações e metas reunidas em projetos, dispensa
explicitação legal e não implica na obrigatoriedade de participação dos poderes executivo e
legislativo.
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Por outro lado, uma política é estabelecida por um governo em exercício como forma de
intervenção de sua administração, possui temporalidade de longo prazo, explicitação e legitimação
legislativa (MOORE, 1998).
O conceito de política de informação, que traz as questões informacionais para o campo da
política, inclui também o contexto social na qual ela está inserida. Dentre os vários autores que
abordam a política informacional, merecem destaque aqueles que vão além das diretrizes
tecnológicas ou de infra-estrutura física, promovendo a preocupação com os conteúdos sócio-
culturais, o acesso ao conhecimento e suas especificidades regionais.
Para BURGER (1993) política de informação é o processo pelo qual se estabelecem os
parâmetros através dos quais a informação é controlada (criada, sintetizada, analisada, recuperada e
usada) por seres humanos. São mecanismos sociais usados para controle da informação e os efeitos
sociais da aplicação desses mecanismos.
ROWLANDS (1997) destaca dois fatores que têm influenciado as recentes experimentações
em políticas de informação: (a) a convergência de mídias, tecnologias e serviços, que exigem novas
regulamentações; (b) a percepção da contribuição positiva das políticas de informação para
construção do bem estar social e econômico, ganhos de produtividade e qualidade de vida.
BROWNE (1997) defende a busca pelo valor crítico na construção de políticas de
informação para permitir melhor equilíbrio entre os campos tecnológicos e sócio-cultural.
HILL (1995) adverte que as políticas de informação tem o potencial para minimizar ou
estimular as barreiras na sociedade, recomendando a seleção de conteúdos sócio-culturais que
garantam mais do que quantidade, mas sim a qualidade da informação e o respeito as várias formas
de especificidades.
A partir da década de 1970, quando as políticas de informação deixam de abordar apenas
questões de infra-estrutura tecnológica e criação de bases de dados, elas passam a buscar a
disponibilização de informações em redes e crescem as preocupações com aspectos ligados a
segurança, direitos autorais e proteção de conteúdos. Surge também a consciência que a
transformação de informação em conhecimento tácito exige mais do que sua simples
disponibilidade. É necessária "uma nova capacitação de busca e criação de conteúdos pertinentes e
a definição do instrumental necessário ao atendimento dessa exigência é que mais desencadeia a
complexidade na sua elaboração" (AUN, 2003).
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MOORE (1996) e BROWNE (1997) destacam a importância de que os elaboradores de
políticas de informação tenham suporte intelectual, especialmente em relação a regulação e ao
tratamento dos conteúdos dada a relativa novidade da abordagem ligada as especificidades sócio-
culturais dos diferentes países.
A análise das experiências de alguns países que se destacaram em seus esforços pelo
estabelecimento de políticas de informação nacionais é bastante esclarecedora para aqueles que
querem compreender as iniciativas que já foram tomadas e aquelas que se mostram mais
promissoras na atualidade.
AUN (2003) destaca que os governos europeus, principalmente França e Alemanha até o
início da década de 1990 vinham, em suas tentativas de construção de políticas de informação,
atendendo às pressões econômicas imediatas. Ao final dessa década já incorporavam em seus
programas preocupações mais amplas contemplando o desenvolvimento social e cultural em seus
países. Assim, crescentemente reconhece-se a premente necessidade de desenvolvimento de
conteúdos sócio-culturais nacionais e regionais e da necessidade de todo um aparato institucional
para a construção desses conteúdos.
A política de informação do estado brasileiro nas últimas décadas
Em sua revisão de literatura, VALENTIM (2002) destaca que desde a década de 1950 o
governo brasileiro tem sistematicamente criado políticas, programas e ações para o
desenvolvimento da ciência e tecnologia (C&T) no país, apesar de faltar maior agressividade
governamental no que diz respeito à informação. SCHWARZELMÜLLER, GESTEIRA e
BULCÃO (2005) também apresentam um levantamento histórico das políticas públicas ligadas a
informação no âmbito nacional. Merecem destaque algumas das iniciativas apresentadas pelas
referidas autoras:
Na segunda administração do governo de Getúlio Vargas (1951-54) é instituído do CNPq -
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; em 1951 é criada a Capes -
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior; o Funtec - Fundo de
Financiamento de Estudos e Projetos e Programas foi criado pelo governo Castelo Branco (1964-
1967); no governo Costa e Silva (1967-1969) é instituído o PED - Programa Estratégico de
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Desenvolvimento; nos governos Médici e Geisel (1969-1974) são criados o I e II Plano Nacional de
Desenvolvimento (PND) e o I e II Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(PBDCT); a Finep - Financiadora de Estudos e Projetos é uma empresa pública criada em 1971,
hoje vinculada ao MCT; o SEICT - Sistema Estadual de Informação Científica e Tecnológica é
criado no governo Figueiredo (1979-1985); em 1985 durante o governo José Sarney é criado o
Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT); o RAHAE - Programa de Capacitação de Recursos
Humanos para Atividades Estratégicas foi instituído no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-
2003).
O que se pode apreender dessa breve listagem de iniciativas? Nota-se que elas voltam-se,
sobretudo, para o estímulo ao desenvolvimento da C&T, criação de infra-estruturas ligadas à
tecnologia de informação e capacitação de recursos humanos. No entanto, podemos observar que
não está explicitada nessas políticas a preocupação com os aspectos sócio-culturais ligados à
informação, à diversidade e identidades culturais.
Em 2000 é instituído o Programa Sociedade da Informação que estabelece um conjunto de
iniciativas coordenadas pelo MCT que prevê ações dos governos federais, estaduais e municipais,
juntamente com a iniciativa privada. As suas propostas são apresentadas no Livro Verde que lista
como linhas de ação: mercado de trabalho e oportunidades, universalização de serviços para a
cidadania, educação, conteúdos e identidade cultural, governo ao alcance de todos, produção e
desenvolvimento tecnológicos, infra-estruturas avançadas. Diferentemente das iniciativas
anteriormente listadas, o Livro Verde reconhece de maneira explícita a relevância das questões
ligadas a identidade cultural:
A preservação da identidade nacional, na sociedade global, é decisiva para a capacitação em assuntos culturais, artísticos, científicos e tecnológicos, com suas claras dimensões econômicas. Portanto, questão estratégica nas políticas e programas de inserção na sociedade da informação é – além de cuidar do uso adequado das tecnologias – aumentar a quantidade e a qualidade de conteúdos nacionais que circulam nas redes eletrônicas e nas novas mídias. O amparo às identidades culturais nos novos meios resultará em benefícios evidentes, na forma de incremento da atividade econômica em geral e de desenvolvimento da cidadania. (TAKAHASHI, 2000, p. 8).
Também está presente no Livro Verde o reconhecimento do quão importante e estratégico
são os conteúdos na sociedade da informação:
É por meio da operação de redes de conteúdos que a sociedade vai mover-se para a sociedade da informação. E a força motriz para a formação e disseminação dessas redes reside na eficiência das decisões coletivas e individuais em relação aos conteúdos, que se constituem, ao
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mesmo tempo, em meio e fim da gestão da informação e do conhecimento na sociedade da informação. (TAKAHASHI, 2000, p. 59)
Infelizmente, porém, apesar de estar presente no Livro Verde a percepção da importância
desses temas, podemos afirmar que ele falha ao analisar o contexto apresentado: “O que impede que
o alcance aos conteúdos seja universal são barreiras ao processo de difusão, sobretudo as de
natureza tecnológica, educacional e lingüística” (TAKAHASHI, 2000). A afirmativa ignora aquela
que acreditamos ser uma grande barreira em potencial à difusão de conteúdos: o risco de
monopolização em um mercado mercantilizado onde cresce aceleradamente a convergência
tecnológica. Durante a elaboração do Livro Verde, ampla consulta havia sido feita à sociedade e
talvez aí estes temas cruciais surgiram. Porém o processo não foi consolidado e se perdeu em
substituições por programas “emergenciais” que privilegiam o curto prazo e interesses específicos.
Se por um lado o MCT não incluiu essa discussão crucial no Livro Verde, por outro lado
podemos afirmar que algumas iniciativas do poder legislativo e de outras instâncias do poder
executivo tem tido forte reflexo sobre a configuração tecnológica da rede multimídia no Brasil,
sobre os interesses econômicos subjacentes a ela e, consequentemente, sobre as questões sócio-
culturais no país.
A partir desse ponto de vista, vamos analisar parte do ordenamento jurídico brasileiro -
especificamente aquele ligado às telecomunicações - para tentar compreender como essas leis e
regulamentos do estado tem afetado a rede que dá acesso à Internet no país e os conflitos de
interesses econômicos que a envolve. Poderemos também avaliar as perspectivas que se apresentam
para o futuro dada a evolução dessa legislação.
Análise do cenário brasileiro sob a ótica da legislação de telecomunicações
Através do decreto 16.657, de novembro de 1924, o presidente Arthur Bernardes aprovou o
"regulamento dos serviços civis de radiotelegrafia e radiotelephonia", que classificava as emissoras
destinadas a radiodifusão (broadcasting) como experimentais. Observa-se nessa legislação a clara
intenção do estado em controlar o conteúdo a ser veiculado naquela mídia emergente: a potência
dos transmissores foi limitada para controle do alcance geográfico das irradiações e instituiu-se a
obrigatoriedade de registro dos aparelhos receptores nas repartições do serviço de telégrafo. "A
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partir do registro dos aparelhos receptores, o governo poderia acompanhar cuidadosamente o
crescimento do número de ouvintes e realizar avaliações sobre o papel do sistema radiofônico em
diferentes regiões" (CALABRE, 2003).
Esse decreto também estabelecia que as concessões somente seriam permitidas à sociedades
nacionais legalmente constituídas, havendo a obrigatoriedade de transmissão em língua portuguesa.
A programação deveria ter fins educativos, científicos, artísticos e de benefício público, sendo
proibida a veiculação de "notícias internas de caráter político" sem licença prévia do governo. Em
caso de guerra ou convulsão política, o decreto admitia a intervenção governamental para suspender
transmissões ou cassar concessões.
Em 1931 durante o governo Getúlio Vargas é aprovado o decreto nº 20.047/1931,
regulamentado no ano seguinte pelo decreto 21.111/1932. Nesse último, o serviço de radiodifusão é
definido como: “relativo a radiocomunicações de sons ou imagens destinadas a serem livremente
recebidas pelo público” e a “radiodifusão é considerada de interesse nacional e de finalidade
educacional”, cabendo ao Ministério da Educação e Saúde Pública a orientação educacional da
programação das emissoras.
A exemplo do modelo americano, o decreto 21.111/32 admitia o uso da propaganda
comercial, instituindo um controle da duração dos anúncios, bem como do percentual de tempo que
eles podiam ocupar no tempo total de irradiação. "O país encontrava-se atento à expansão das
empresas estrangeiras, que aqui se instalavam, acompanhadas de suas eficazes agências de
propaganda, habituadas a utilizar o rádio como veículo de estímulo de consumo e
divulgação/lançamento de produtos" (CALABRE, 2003).
O Código Brasileiro de Telecomunicações - CBT, aprovado pela Lei n° 4.117, de 27 de
agosto de 1962, estabelece o marco regulatório para as telecomunicações no Brasil em substituição
dos Decretos 20.047/31 e 21.111/32. A nova lei estabelece que os serviços de radiodifusão
compreendem "a transmissão de sons (radiodifusão sonora), e a transmissão de sons e imagens
(televisão), a serem direta e livremente recebidas pelo público em geral". O forte lobby dos
radiodifusores faz com que essa lei se perpetue até hoje, mantendo vigentes alguns aspectos
controversos como a duração das concessões para emissoras de TV e de rádio, a renovação
automática das concessões e a ausência de qualquer restrição a propriedade cruzada dos meios de
comunicação.
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A Constituição Federativa de 1988, em seu 21o artigo, dava tratamento único aos serviços
de telecomunicações e de radiodifusão: "Compete à União: (...) XI - explorar, diretamente ou
mediante concessão a empresas sob controle acionário estatal, os serviços telefônicos, telegráficos,
de transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomunicações. (...)XII - explorar,
diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão
sonora, e de sons e imagens e demais serviços de telecomunicações". A idéia desse tratamento
único delegado ao estado seria abandonada alguns anos depois.
Com a crise dos anos 1980, o Consenso de Washington traria em 1989 um receituário
apoiado pelo governo norte-americano, pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco
Mundial onde era recomendada dentre várias ações, a privatização de empresas estatais, a
desregulamentação econômica, liberalização financeira e o fim de restrições ao capital externo.
Essas agências passaram a vincular rigidamente seus empréstimos e financiamentos a adoção das
medidas do Consenso (CHENAIS, 1995, 1996; NETO, 2003).
A emenda constitucional No 8, aprovada em 1995, alterou o artigo 21 da Constituição
brasileira e permitiu a privatização dos serviços de telefonia e transmissão de dados, até então
explorados respectivamente pela ‘Telecomunicações Brasileiras S.A. – TELEBRAS’ e pela
‘Empresa Brasileira de Telecomunicações – EMBRATEL. Os serviços de telecomunicações e de
radiodifusão foram distinguidos e ficou estabelecido no novo texto constitucional que seria criado
um órgão regulador dos serviços de telecomunicações.
A primeira etapa da privatização do setor de telecomunicações brasileiro se consolidou
através do projeto de Lei No. 9.295 de 19 de julho de 1996, que tratou dos segmentos de mercado
com alta atratividade para os investimentos privados, como telefonia móvel celular, serviços via
satélite e constituição de redes corporativas. A segunda etapa estabeleceu o desenho da privatização
do Sistema Telebrás, através da Lei Geral de Telecomunicações (LGT) ou Lei No. 9.472 de 16 de
julho de 1997. Foi criada a Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL e os serviços de
telecomunicações ficaram a partir de então a cargo dessa agência, excetuados os de radiodifusão
que continuaram regidos pela Lei No 4.117 de 1962 e o serviço de TV a cabo, regulamentado por lei
específica (Lei 8.977/1995)
Dessa maneira, consolidam-se as reformas do estado brasileiro, que abandona o papel de
interventor e assume o papel de regulador. Nessa ocasião já se observava uma tendência mundial de
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fusões e aquisições de empresas de telecomunicações, aumentando a concentração de capitais, o
que seria um "um teste para a competência dos órgãos reguladores regionais no âmbito global para
que sejam capazes de suportar a pressão de grupos econômicos cada vez mais poderosos no âmbito
mundial" (NETO, 2003).
Luciano Coutinho apontava, em artigo publicado em 1997, dentre os riscos do processo de
privatização que então se desenhava: o risco de que o modelo estabeleça impedimentos técnicos à
competição, como acesso desigual às redes básicas e o risco de defasagem entre a capacidade de
regulação e a estrutura do mercado. Além destes, Coutinho alertava: “Qualquer que venha a ser o
modelo a ser adotado, é essencial recuperar a capacidade de planejamento e construir capacidade de
regulação pública do setor” (COUTINHO, CASSIOLATO e SILVA, 1997).
A demora do Brasil em aderir ao Consenso de Washington retardou por alguns anos a
privatização do setor de telecomunicações, ocorrida antes em outros países, "o que trouxe a
vantajosa possibilidade de aprendizado com as experiências ocorridas anteriormente". (PIRES,
1999, p. 2).
O aparato regulatório adotado procurou traçar diversas salvaguardas, à luz da experiência internacional, para evitar a prática de ações anticompetitivas por parte dos incumbentes. A LGT estabeleceu um importante papel de complementaridade para a Anatel na aplicabilidade da lei de defesa da concorrência, em conjunto com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, no setor de telecomunicações (PIRES, 1999, p. 9).
Devido a preocupação dos legisladores com o risco de concentração de mercado que então já
era observada no cenário mundial, é delegada à Anatel as funções da Secretaria de Defesa
Econômica referentes ao controle, prevenção e repressão das infrações da ordem econômica.
O Plano Geral de Outorgas (PGO) aprovado pelo Decreto 2.534 de 1998 dividiu o país em
regiões que compuseram os lotes do serviço de telefonia fixa leiloado. Mais uma vez tentando evitar
a concentração de mercado, o modelo concebido para o certame previa que em cada região haveria
uma empresa concessionária (incumbent) que exploraria a infra-estrutura estatal de rede física
legada (incluindo os cabos até os assinantes, chamados de rede de acesso ou última milha) e uma
empresa-espelho (autorizatária entrante) que investiria em infra-estrutura e meios físicos próprios
para concorrer com a primeira. Dada a evidente vantagem das concessionárias em relação as
empresas-espelho, foi adotado na telefonia fixa um instrumento regulatório com algumas
assimetrias pró-entrantes. Segundo PIRES (1999), "os objetivos dessas políticas são os de reduzir o
poder de mercado das incumbentes, incentivar a entrada de novos operadores e obter uma estrutura
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de mercado mais competitiva". Dentre essas assimetrias empregadas pela Anatel, destacamos três
que são bastante relevantes para a discussão proposta.
A primeira assimetria tenta obrigar as incumbets a compartilhar os cabos que chegam aos
assinantes, o que é chamado de umbundling ou desagregação de rede. Essa iniciativa decorre do
fato de que as autorizatárias entrantes tem dificuldades de atingir os consumidores finais por não
terem herdado, assim como as concessionárias, as redes de acesso existentes. Nesse sentido, o artigo
155 da LGT estabelece que "para desenvolver a competição, as empresas prestadoras de serviços de
telecomunicações de interesse coletivo deverão (...) disponibilizar suas redes a outras prestadoras de
serviços de telecomunicações de interesse coletivo” (ANATEL, 1997).
A segunda assimetria proíbe que um mesmo grupo de acionistas tenha participação relevante
ou controle acionário direto em concessionárias de telefonia fixa que atuam em regiões distintas do
PGO. Essa medida visa garantir a existência de pelo menos três concessionárias distintas no Brasil e
cria a possibilidade de que elas concorram entre si, não obstante cada uma delas não tenha rede de
acesso fora de sua própria região.
A terceira assimetria limita a natureza dos serviços a serem prestados por essas empresas,
impedindo, por exemplo, que uma concessionária de telefonia fixa, suas coligadas, controladas ou
controladora tenham concessão ou autorização de serviço de TV a cabo na sua área de atuação
(ANATEL, 1998b). Esperava-se com essa limitação que as operadoras de TV a cabo se
constituíssem em concorrentes de fato no mercado de telecomunicações nacional, assim com o são
em outros países.
Apesar de louváveis, podemos afirmar que as três assimetrias regulatórias mostraram-se na
prática ineficientes para os objetivos a que foram criadas, conforme demonstraremos a seguir.
Dificuldades na primeira assimetria reforçam a concentração de mercado
Em relação a primeira assimetria, podemos afirmar que a desagregação de rede no Brasil,
assim como no resto do mundo, ainda não foi alcançada e continua a ser um desafio para os órgãos
reguladores e para a sociedade. Essa questão merece atenção especial na atualidade tendo em vista
que esses cabos de pares metálicos se mostram um patrimônio de elevado valor estratégico, dada a
evolução tecnológica que permite o estabelecimento através deles de canais simultâneos para
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transmissão de voz e acesso à Internet em alta velocidade. Assim, persiste no Brasil o domínio
hegemônico das concessionárias de telefonia fixa detentoras desses cabos de última milha,
conhecidas hoje pelos nomes fantasia Oi (outorgada para região I), Brasil Telecom (região II) e
Telefonica (região III).
O imbróglio do monopólio da última milha parece que não será desfeito facilmente através
da desagregação das redes de pares metálicos. Também parece que não será através das redes de
acesso das operadoras de TV a cabo, dada a sua baixa penetração no Brasil. Podemos afirmar,
portanto, que a concorrência provavelmente virá através das redes sem fio de telefonia móvel ou das
modernas redes wireless metropolitanas.
Tendo em vista a oportunidade de promover a concorrência na telefonia fixa e Internet
através de novas redes wireless, em julho de 2006 Anatel publicou um edital de licitação pública
que oferecia 1.036 licenças para redes sem fio em 67 áreas no país e que impedia que as incumbents
atuassem na região onde tem concessão de telefonia fixa. Essas concessionárias contestaram
judicialmente a restrição imposta pelo edital, o que ganhou o apoio de peso do Ministro das
Comunicações Hélio Costa, que alegou que o edital contrariava a intenção do Ministério das
Comunicações (MINICOM) de usar algumas faixas de freqüências para programas de inclusão
digital. Em fevereiro de 2008 a Anatel revogou oficialmente o certame e a possibilidade de
instalação da concorrência no serviço de telecomunicações no Brasil se viu mais uma vez adiada.
Pressões econômicas sobre a segunda assimetria: grandes conglomerados se unem
Em relação à segunda assimetria, que mantém o controle acionário distinto para cada
concessionária, observamos através da mídia que essa restrição está sofrendo forte pressão para ser
revogada. Uma iniciativa empresarial, apoiada pelo ministro das comunicações Hélio Costa, propõe
a fusão das empresas de telefonia fixa Oi e Brasil Telecom, o que criaria uma corporação bilionária
com atuação e rede própria em todos os estados da federação, exceto São Paulo. Se antes havia o
temor de que os órgãos reguladores não fossem capazes de suportar a pressão de poderosos grupos
econômicos, agora assistimos uma nebulosa mistura entre os interesses desses grupos e os interesses
do poder executivo federal. Luciano Coutinho, hoje presidente do BNDES, defende a operação
alegando que ela permitirá o aumento da participação do estado como acionista e criará uma
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proteção contra o avanço das operadoras estrangeiras no mercado nacional. Tendo em vista que não
está ainda claro qual será o formato da participação acionária do estado nessa transação e nem qual
será o instrumento que garantirá a manutenção do capital nacional nesse negócio, podemos afirmar
que há nessa iniciativa sérios riscos ao interesse público e à participação e ganho social.
Em 08 de fevereiro de 2008 as concessionárias de telefonia encaminharam ofício para a
Anatel solicitando a revisão do PGO, de maneira a eliminar as restrições a que as incumbents estão
hoje submetidas em relação a aquisição de outras concessionárias. A Anatel encaminhou o
documento ao MINICOM e esse concordou com o pleito através do ofício No 11/2008/MC:
O Ministério das Comunicações recomenda: (a) supressão da vedação, constante dos arts. 7º e 14 do PGO, que impede a transferência de controle ou de concessão que resulte no controle, direto ou indireto, por um mesmo acionista ou grupo de acionistas, de concessionárias atuantes em Regiões distintas do PGO, possibilitando a integração de redes de STFC e a consolidação geográfica entre Regiões (MINICOM, 2008, p.9).
A queda da terceira assimetria: alianças entre empresas de telecomunicações e comunicação
de massa avançam sobre a difusão multimídia e sobre o conteúdo
Resta avaliar a situação em que se encontra a terceira assimetria regulatória apresentada, que
impedia a participação das companhias de telefonia fixa de atuar no segmento de TV a cabo e,
portanto, no estratégico mercado do conteúdo.
Buscar o tripple play tem sido uma iniciativa recorrente entre as empresas de
telecomunicações mundiais, ou seja, adicionar a oferta de conteúdo ao seu portfólio de produtos,
que já inclui a telefonia e o acesso à Internet. Observam-se fusões e aquisições de empresas que
buscam assim a convergência e a concentração crescente de mercado.
Duas movimentações significativas nesse sentido aconteceram recentemente no mercado de
telecom brasileiro. Primeiramente a empresa Telefonica atuante no estado de São Paulo adquiriu
parte o controle acionário da empresa de TV via satélite TVA, depois de conseguir a aprovação da
Anatel em julho de 2007. Alguns meses depois a Anatel aprovou a aquisição da empresa de TV a
cabo WayTV pelo grupo controlador da Oi, contrariando vedação expressa existente no contrato de
concessão de telefonia fixa, que estabelece que a concessão ou autorização de serviço de TV a cabo,
em sua mesma área de atuação, "não será outorgada nem transferida pela ANATEL à
Concessionária, suas coligadas, controladas ou controladora" (Anatel, 1998b)
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Mas as intenções das empresas de telefonia são mais ambiciosas e avançam agora para a
modificação do marco regulatório vigente. O já referido oficio enviado à Anatel pelas
concessionárias em 08 de fevereiro de 2008 explicitava a intenção das companhias telefônicas:
"põem-se importante a supressão de restrições à possibilidade de transmissão de conteúdo
audiovisual pelos grupos empresariais". Mais uma vez observamos que o MINICOM faz coro com
o interesse das incumbents, conforme consta no ofício No 11/2008/MC:
O Ministério das Comunicações recomenda: (...) b) a revisão de restrições regulatórias constantes de outros atos normativos, conforme avaliação a ser feita pela Anatel, de modo a permitir a consolidação da operação de múltiplos serviços, viabilizando a plena integração de diferentes infra-estruturas de rede e a convergência digital entre voz, vídeo e dados (MINICOM, 2008, p.9).
A análise dos desdobramentos ligados as três assimetrias regulatórias apresentadas desenha
um cenário das telecomunicações no Brasil marcado pela uma eminente concentração hegemônica
de mercado e a busca pela expansão da natureza desses serviços, que se aproximam agora do
chamado conteúdo multimídia convergente.
Em meio a tão polêmico contexto, apresenta-se uma nova janela de oportunidade para que a
sociedade brasileira discuta e decida sobre esses e vários outros aspectos de sua política de
informação, que podem trazer importantes reflexos para a sua diversidade cultural e identidade
nacional. Trata-se do Projeto de Lei 29/2007.
O Projeto de Lei 29/2007: a política de informação nacional na pauta do congresso
Encontra-se em discussão na câmara dos deputados a proposição do Projeto de Lei 29/2007,
cuja tramitação pode ser acompanhada no endereço eletrônico
<http://www2.camara.gov.br/proposicoes>.
O referido projeto revoga dispositivos da lei que regulamenta o serviço de TV a cabo no
Brasil. Dentre as inovações que estão em discussão pelos legisladores podemos citar algumas
propostas de grande impacto na política de informação vigente no país.
O projeto prevê a abertura do mercado de TV por assinatura para as empresas de
telecomunicações, inclusive aquelas de telefonia fixa e telefonia móvel, e propõe um novo marco
regulatório para o tema. De acordo com a proposta, as empresas de telecomunicações, suas
controladas, controladoras ou coligadas poderão distribuir o conteúdo audiovisual, mas não poderão
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produzi-lo. Completa essa concepção, a limitação da participação de outorgadas de radiodifusão no
capital total e votante das prestadoras de serviços de telecomunicações, assim como a limitação da
participação das empresas de telecom no capital de produtoras, programadoras e empresas
outorgadas de radiodifusão. Tenciona-se com essas medidas a permissão da exploração da
convergência tecnológica, mas afastando o fantasma de um duplo monopólio que poderia entregar
para uma única empresa "a rede" e também o conteúdo.
O PL 29/2007 tenta também proteger e fomentar a produção de conteúdo audiovisual
brasileiro através de alguns mecanismos, como por exemplo, a criação de um sistema de cotas
mínimas para veiculação de conteúdo nacional em cada um dos canais de TV por assinatura.
Conclusões
A convergência tecnológica traz consigo cada vez maiores possibilidades técnicas para
difusão de conteúdo multimídia. O segmento mundial de telecomunicações que já vinha
apresentando tendência para concentração de mercado, volta-se agora para abarcar também o
controle comercial do conteúdo informacional, da produção audiovisual e da indústria cultural.
A análise da legislação brasileira de telecomunicações deixa explícitos os grandes conflitos
de interesses que estão subjacentes ao contexto posto. A partir da observação das ações e dos
posicionamentos assumidos pelos atores envolvidos nesse cenário, podemos perceber as grandes
pressões existentes por trás da concepção e da aplicação da regulamentação pertinente, onde o
mercado se apresenta travestido em redes e fusões. De aparência invisível as redes de
telecomunicação são apresentadas sistematicamente sem a participação dos usuários, onde os
intermediários são sempre colocados em defesa dos aspectos econômicos e ou jurídicos.
Atualmente questiona-se os principais marcos regulatórios da radiodifusão (Código Brasileiro de
Telecomunicações, Lei no 4.117/62), das telecomunicações (Lei Geral de Telecomunicações, Lei No
9.472/97) e do serviço de TV a Cabo (Lei 8.977/95). Está em jogo a competência e autonomia dos
legisladores e da interface dos órgãos reguladores nacionais e demais atores sociais para que sejam
construídas políticas de informação em sintonia com o bem comum, com a pluralidade, a
diversidade cultural e com as identidades nacionais. A universalidade de acesso aos saberes,
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destacada nos discursos sobre a sociedade da informação, exige trocas sociais, tanto lingüísticas
quanto culturais.
Defendemos a atuação do Estado para a preservação das diversidades culturais e na divisão
do conhecimento. O que se teme é o avanço da uniformização e que a indústria da informação, via
telecomunicações e engenharias de comunicação, defina as pressões e margens de manobra, entre
marketing e cultura (JEANNERET, 2005). Cabe ao Estado controlar essa “mão invisível”, quando
ela começa a apresentar uma perigosa vocação para tecer as tramas da web.
Mas é preciso estar atento para o alerta de Milton Santos (SANTOS, 2007), que defende um
estado forte, mas não em nome da defesa das economias dominantes, mas a favor de uma nova
globalização mais humana e a serviço de outros fundamentos sociais e políticos.
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