Politica Publica Ppp38

268
O Impacto do BNDES Exim no Tempo de Permanência das Firmas Brasileiras no Mercado Internacional: uma análise a partir dos microdados Carlos Eduardo Lobo e Silva Metodologias Aplicadas ao Estudo das Instituições e do Processo Orçamentário na América Latina Pedro Luiz Cavalcante Rafael Silveira e Silva Comparando a Intensidade do Crescimento Pró-Pobre entre as Regiões Brasileiras Pós-Plano Real João Mário Santos de França Carlos Alberto Manso Flávio Ataliba Flexa Daltro Barreto Crise dos Alimentos e Estratégias para a Redução do Desperdício no Contexto de uma Política de Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil Walter Belik Altivo Roberto Andrade de Almeida Cunha Luciana Assis Costa Uma Análise do Acesso ao Crédito Rural para as Unidades Produtivas Agropecuárias do Estado de São Paulo: um estudo a partir do Lupa Gabriela dos Santos Eusébio Rudinei Toneto Jr. Impactos da Produção e do Abate e Processamento de Frangos de Corte na Economia Paranaense Elvanio Costa de Souza Marília Fernandes Maciel Gomes Viviani Silva Lírio Ricardo Kureski Marielce de Cássia Ribeiro Tosta Redefinindo Papéis no Processo de Regularização Fundiária: a atuação jurídica na valorização do diálogo democrático e da cidadania participativa do Engenho Velho – Itaboraí/RJ a partir do estímulo ao conhecimento e à comunicação Fábio Roberto de Oliveira Santos Fernanda de Matos Sepúlveda Lucas Baptista Portes Regina Bienenstein Considerações sobre a Dinâmica do Setor de Serviços Cearense: uma análise sob a ótica do mercado de trabalho Christiane Luci Bezerra Alves Soraia Araújo Madeira Júnior Macambira Reforma Agrária e Planejamento Regional: uma proposição Estado – mercado Saulo S. Souza Elisabete A. Silva jan. jun. 2012 38

Transcript of Politica Publica Ppp38

Page 1: Politica Publica Ppp38

O Impacto do BNDES Exim no Tempo de Permanência das Firmas Brasileiras no Mercado Internacional: uma análise a partir dos microdadosCarlos Eduardo Lobo e Silva

Metodologias Aplicadas ao Estudo das Instituições e do Processo Orçamentário na América LatinaPedro Luiz Cavalcante Rafael Silveira e Silva

Comparando a Intensidade do Crescimento Pró-Pobre entre as Regiões Brasileiras Pós-Plano Real João Mário Santos de França Carlos Alberto Manso Flávio Ataliba Flexa Daltro Barreto

Crise dos Alimentos e Estratégias para a Redução do Desperdício no Contexto de uma Política de Segurança Alimentar e Nutricional no BrasilWalter Belik Altivo Roberto Andrade de Almeida Cunha Luciana Assis Costa

Uma Análise do Acesso ao Crédito Rural para as Unidades Produtivas Agropecuárias do Estado de São Paulo: um estudo a partir do LupaGabriela dos Santos Eusébio Rudinei Toneto Jr.

Impactos da Produção e do Abate e Processamento de Frangos de Corte na Economia ParanaenseElvanio Costa de Souza Marília Fernandes Maciel Gomes Viviani Silva Lírio Ricardo Kureski Marielce de Cássia Ribeiro Tosta

Redefinindo Papéis no Processo de Regularização Fundiária: a atuação jurídica na valorização do diálogo democrático e da cidadania participativa do Engenho Velho – Itaboraí/RJ a partir do estímulo ao conhecimento e à comunicaçãoFábio Roberto de Oliveira Santos Fernanda de Matos Sepúlveda Lucas Baptista Portes Regina Bienenstein

Considerações sobre a Dinâmica do Setor de Serviços Cearense: uma análise sob a ótica do mercado de trabalhoChristiane Luci Bezerra Alves Soraia Araújo Madeira Júnior Macambira

Reforma Agrária e Planejamento Regional: uma proposição Estado – mercadoSaulo S. Souza Elisabete A. Silva

jan. jun.

2012 38

Page 2: Politica Publica Ppp38

Governo FederalSecretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República Ministro Wellington Moreira Franco

Fundação pública vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, o Ipea fornece suporte técnico e institucional às ações governamentais – possibilitando a formulação de inúmeras políticas públicas e programas de desenvolvimento brasileiro – e disponibiliza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus técnicos.

PresidenteMarcio Pochmann

Diretor de Desenvolvimento InstitucionalGeová Parente Farias

Diretora de Estudos e Relações Econômicas e Políticas InternacionaisLuciana Acioly da Silva

Diretor de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da DemocraciaAlexandre de Ávila Gomide

Diretora de Estudos e Políticas MacroeconômicasVanessa Petrelli Corrêa

Diretor de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e AmbientaisFrancisco de Assis Costa

Diretor de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação, Regulação e InfraestruturaCarlos Eduardo Fernandez da Silveira

Diretor de Estudos e Políticas SociaisJorge Abrahão de Castro

Chefe de GabineteFabio de Sá e Silva

Assessor-chefe de Imprensa e ComunicaçãoDaniel Castro

Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoriaURL: http://www.ipea.gov.br

PPP: PLANEJAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICASPublicação semestral do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada cujo objetivo é promover o debate e a circulação de conhecimento em planejamento e políticas públicas, representando o esforço do instituto de disseminar pesqui-sas, avaliações e proposições neste campo.E-mail: [email protected]

Corpo Editorial

Membros

Alexandre Cunha (Ipea)Axel Gosseries (Chaire Hoover/UCLouvain)Benny Schvarsberg (UnB)Gabriel Porcile (Cepal)Guilherme Delgado (Ipea – aposentado/UFU)Liana Carleial (UFPR)Maria Lúcia Werneck (UFRJ)Serguei Soares (Ipea)Wilson Suzigan (UNICAMP)

EditorBruno de Oliveira Cruz (Ipea)

CoeditorLeonardo Monasterio (Ipea)

Secretária-ExecutivaEdineide Pedreira Ramos

Apoio TécnicoFrancisco de Souza Filho

Page 3: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas ppp

número 38 | jan./jun. 2012

Brasília, 2012

Page 4: Politica Publica Ppp38

© Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – ipea 2012

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ou da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são proibidas.

Planejamento e políticas públicas / Instituto dePesquisa Econômica Aplicada. – n. 1 (jun.1989)- .Brasília : Ipea, 1989 -

Semestral.Editor anterior: de 1989 a março de 1990,

Instituto de Planejamento Econômico e Social.

ISSN 0103-4138

1. Economia. 2. Políticas Públicas. 3. Plane-jamento Econômico. 4. Brasil. 5. Periódicos. I.Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

CDD 330.05

Page 5: Politica Publica Ppp38

NOTA DOS EDITORES

Com este número 38, a revista Planejamento e Políticas Públicas (PPP) publica nove artigos na sua temática. Estes artigos cobrem desde a avaliação de políticas públicas até os desafios para o planejamento e a formulação de novas políticas. Os três primeiros artigos tratam da efetividade e eficiência de políticas públicas, como o impacto do crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) sobre firmas brasileiras, tema do primeiro artigo deste número; o segundo artigo trata da discussão do processo orçamentário na América Latina; e, finalmente, o terceiro artigo estuda o padrão de crescimento nas regiões bra-sileiras. Dois artigos discutem de forma ampla a questão fundiária, um trazendo uma proposta de relação entre estado e mercado e o outro avaliando e apresentan-do uma política fundiária em um município do Rio de Janeiro. Três outros artigos discutem a política de segurança alimentar, o impacto do crédito rural e a cadeia produtiva dos frangos. Finalmente, o mercado de trabalho e a dinâmica do setor de serviços, com foco no estado do Ceará, são discutidos em outro artigo. Assim, neste número 38, com esta diversidade de temas e abordagens, a PPP desempe-nha seu objetivo, qual seja, contribuir para a formulação e o aprimoramento das políticas públicas.

Este número também marca o início de um novo corpo editorial para a re-vista. Seguindo a determinação de seu regimento interno, foi escolhido esse novo comitê, após o término do período estabelecido para o corpo editorial da revista. Gostaríamos de agradecer em especial aos pesquisadores do corpo editorial do período 2009-2011, todos, de maneira incansável, dedicaram tempo e trabalho de modo a contribuir para a busca da melhoria de qualidade da revista. Agrade-cemos, ainda, aos pesquisadores Guilherme Delgado e Fernando Rezende, que tiveram ativa contribuição na discussão dos temas deste periódico. Esperamos que todos possam continuar colaborando com a revista, como sempre o fizeram durante o mandato regimental. Temos a certeza de que esse processo de melhoria será consolidado com o atual corpo editorial.

Os Editores

Page 6: Politica Publica Ppp38
Page 7: Politica Publica Ppp38

SumáRIO

O ImPACTO DO BNDES EXIm NO TEmPO DE PERmANÊNCIA DAS FIRmAS BRASILEIRAS NO mERCADO INTERNACIONAL: umA ANáLISE A PARTIR DOS mICRODADOS ..........................9Carlos Eduardo Lobo e Silva

mETODOLOGIAS APLICADAS AO ESTuDO DAS INSTITuIÇÕES E DO PROCESSO ORÇAmENTáRIO NA AmÉRICA LATINA ....................................................................................37Pedro Luiz CavalcanteRafael Silveira e Silva

COmPARANDO A INTENSIDADE DO CRESCImENTO PRÓ-POBRE ENTRE AS REGIÕES BRASILEIRAS PÓS-PLANO REAL ..............................................................................................69João Mário Santos de FrançaCarlos Alberto MansoFlávio Ataliba Flexa Daltro Barreto

CRISE DOS ALImENTOS E ESTRATÉGIAS PARA A REDuÇÃO DO DESPERDÍCIO NO CONTEXTO DE umA POLÍTICA DE SEGuRANÇA ALImENTAR E NuTRICIONAL NO BRASIL .......................107Walter BelikAltivo Roberto Andrade de Almeida CunhaLuciana Assis Costa

umA ANáLISE DO ACESSO AO CRÉDITO RuRAL PARA AS uNIDADES PRODuTIVAS AGROPECuáRIAS DO ESTADO DE SÃO PAuLO: um ESTuDO A PARTIR DO LuPA ...................133Gabriela dos Santos EusébioRudinei Toneto Jr.

ImPACTOS DA PRODuÇÃO E DO ABATE E PROCESSAmENTO DE FRANGOS DE CORTE NA ECONOmIA PARANAENSE ................................................................................................153Elvanio Costa de SouzaMarília Fernandes Maciel GomesViviani Silva LírioRicardo KureskiMarielce de Cássia Ribeiro Tosta

REDEFININDO PAPÉIS NO PROCESSO DE REGuLARIZAÇÃO FuNDIáRIA: A ATuAÇÃO JuRÍDICA NA VALORIZAÇÃO DO DIáLOGO DEmOCRáTICO E DA CIDADANIA PARTICIPATIVA DO ENGENHO VELHO – ITABORAÍ/RJ A PARTIR DO ESTÍmuLO AO CONHECImENTO E À COmuNICAÇÃO ....................................................................................183Fábio Roberto de Oliveira SantosFernanda de Matos SepúlvedaLucas Baptista PortesRegina Bienenstein

CONSIDERAÇÕES SOBRE A DINÂmICA DO SETOR DE SERVIÇOS CEARENSE: umA ANáLISE SOB A ÓTICA DO mERCADO DE TRABALHO ....................................................................................211Christiane Luci Bezerra AlvesSoraia Araújo MadeiraJúnior Macambira

REFORmA AGRáRIA E PLANEJAmENTO REGIONAL: umA PROPOSIÇÃO ESTADO – mERCADO ....237Saulo S. SouzaElisabete A. Silva

Page 8: Politica Publica Ppp38

SummARY

THE ImPACT OF BNDES EXIm PROGRAm ON EXTENDING THE PERIOD OF PERmANENCE OF BRAZILIAN FIRmS IN THE INTERNATIONAL mARKET: AN ANALYSIS BASED ON mICRODATA .....9Carlos Eduardo Lobo e Silva

APPLIED mETHODS ON INSTITuTIONS AND BuDGETING RESEARCH IN LATIN AmERICA ........37Pedro Luiz CavalcanteRafael Silveira e Silva

COmPARING THE INTENSITY OF THE PRO-POOR GROWTH IN THE BRAZILIAN REGIONS .........69João Mário Santos de FrançaCarlos Alberto MansoFlávio Ataliba Flexa Daltro Barreto

FOOD CRISIS AND STRATEGIES FOR REDuCING FOOD LOSSES IN THE CONTEXT OF A NATIONAL FOOD SECuRITY POLICY IN BRAZIL .............................................................107Walter BelikAltivo Roberto Andrade de Almeida CunhaLuciana Assis Costa

A REVIEW OF THE ACCESS TO RuRAL CREDIT FOR AGRICuLTuRAL PRODuCTION uNITS OF THE STATE OF SÃO PAuLO: A STuDY FROm THE LuPA ......................................................133Gabriela dos Santos EusébioRudinei Toneto Jr.

ImPACTS OF THE BROILER PRODuCTION AND SLAuGHTER ON THE PARANá STATE ECONOmY ... 153Elvanio Costa de SouzaMarília Fernandes Maciel GomesViviani Silva LírioRicardo KureskiMarielce de Cássia Ribeiro Tosta

REDEFINING ROLES IN THE PROCESS OF LAND REGuLARIZATION: THE JuRIDICAL ACTION FOR ImPROVING THE DEmOCRATIC DIALOGuE AND THE PARTICIPATORY CITIZENSHIP IN ENGELHO VELHO – ITABORAÍ/RJ BY STImuLATING KNOWLEDGE AND COmmuNICATION ....183Fábio Roberto de Oliveira SantosFernanda de Matos SepúlvedaLucas Baptista PortesRegina Bienenstein

CONSIDERATIONS ON THE DYNAmICS OF THE SERVICE SECTOR IN CEARá: AN ANALYSIS FROm THE PERSPECTIVE OF THE LABOR mARKET ..........................................................................211Christiane Luci Bezerra AlvesSoraia Araújo MadeiraJúnior Macambira

AGRARIAN REFORm AND REGIONAL PLANNING: A STATE-mARKET PROPOSAL....................237Saulo S. SouzaElisabete A. Silva

Page 9: Politica Publica Ppp38

SumARIO

EL ImPACTO DEL BNDES EXIm EN EL TIEmPO DE PERmANENCIA DE LAS FIRmAS BRASILEÑAS EN EL mERCADO INTERNACIONAL: uN ANáLISIS DESDE LOS mICRODATOS ........9Carlos Eduardo Lobo e Silva

mETODOLOGÍAS PARA EL ESTuDIO DE LAS INSTITuCIONES Y EL PROCESO PRESuPuESTARIO EN AmÉRICA LATINA ..................................................................................37Pedro Luiz CavalcanteRafael Silveira e Silva

COmPARANDO LA INTENSIDAD DE CRECImIENTO PRO-POBRES EN LAS REGIONES DE BRASIL ... 69João Mário Santos de FrançaCarlos Alberto MansoFlávio Ataliba Flexa Daltro Barreto

CRISIS ALImENTARIA Y ESTRATEGIAS PARA REDuCIR LAS PÉRDIDAS DE ALImENTOS EN EL CONTEXTO DE uNA POLÍTICA NACIONAL DE SEGuRIDAD ALImENTARIA Y NuTRICIONAL EN BRASIL....................................................................................................107Walter BelikAltivo Roberto Andrade de Almeida CunhaLuciana Assis Costa

uN ANáLISIS DEL ACCESO AL CRÉDITO RuRAL PARA LAS uNIDADES PRODuCTIVAS AGROPECuARIAS DEL ESTADO DE SÃO PAuLO: uN ESTuDIO DE LA LuPA.............................133Gabriela dos Santos EusébioRudinei Toneto Jr.

ImPACTOS DE LA PRODuCCIÓN Y DEL SACRIFICIO DE POLLOS DE ENGORDE EN LA ECONOmÍA DEL ESTADO DE PARANá ...............................................................................153Elvanio Costa de SouzaMarília Fernandes Maciel GomesViviani Silva LírioRicardo KureskiMarielce de Cássia Ribeiro Tosta

REDEFINIENDO ROLES EN EL PROCESO DE REGuLARIZACIÓN AGRáRIA: LA ACTuACIÓN JuRÍDICA EN LA VALORACIÓN DEL DIáLOGO DEmOCRáTICO Y DE LA CIuDADANÍA PARTICIPATIVA EN EL ENGELHO VELHO – ITABORAÍ/RJ A PARTIR DEL ESTÍmuLO DEL CONOCImIENTO Y LA COmuNICACIÓN ..................................................................................183Fábio Roberto de Oliveira SantosFernanda de Matos SepúlvedaLucas Baptista PortesRegina Bienenstein

CONSIDERACIONES SOBRE LA DINámICA DEL SECTOR DE SERVICIOS EN CEARá: uN ANáLISIS DESDE LA PERSPECTIVA DEL mERCADO DE TRABAJO ....................................................................211Christiane Luci Bezerra AlvesSoraia Araújo MadeiraJúnior Macambira

REFORmA AGRARIA Y PLANIFICACIÓN REGIONAL: uNA PROPuESTA DE ESTADO-mERCADO .....237Saulo S. SouzaElisabete A. Silva

Page 10: Politica Publica Ppp38

SOmmAIRE

LES ImPACTS Du PROGRAmmE BNDES EXIm SuR LA DuRÉE DE VIE DES FIRmES BRÉSILIENNES DANS LE mARCHÉ D’EXPORTATION: uNE APPLICATION DES DONNÉES INDIVIDuELLES ................9Carlos Eduardo Lobo e Silva

mÉTHODOLOGIES POuR L’ÉTuDE DES INSTITuTIONS ET LE PROCESSuS BuDGÉTAIRE EN AmÉRIQuE LATINE ...................................................................................................................37Pedro Luiz CavalcanteRafael Silveira e Silva

LA mESuRE DE LA CROISSANCE PRO-PAuVRES DES RÉGIONS Du BRÉSIL ..............................69João Mário Santos de FrançaCarlos Alberto MansoFlávio Ataliba Flexa Daltro Barreto

CRISE ALImENTAIRE ET LES STRATÉGIES DE RÉDuCTION DES PERTES DE PRODuITS ALImENTAIRES DANS LE CONTEXTE D’uNE POLITIQuE NATIONALE DE SÉCuRITÉ ALImENTAIRE Au BRÉSIL ...................................................................................................107Walter BelikAltivo Roberto Andrade de Almeida CunhaLuciana Assis Costa

uNE ANALYSE DE L’ACCÈS Au CRÉDIT RuRAL POuR LES uNITÉS DE PRODuCTION AGRICOLE DE L’ÉTAT DE SÃO PAuLO: uNE ÉTuDE DE L’LuPA .................................................133Gabriela dos Santos EusébioRudinei Toneto Jr.

ImPACTS DE LA PRODuCTION ET DE L’ABATTAGE DE POuLETS DE CHAIR SuR L’ÉCONOmIE DE L’ÉTAT Du PARANá ...........................................................................................................153Elvanio Costa de SouzaMarília Fernandes Maciel GomesViviani Silva LírioRicardo KureskiMarielce de Cássia Ribeiro Tosta

LA REDÉFINITION DES RÔLES DANS LE PROCESSuS DE RÉGuLARISATION FONCIÈRE: LE RÔLE Du DROIT DANS L’APPRÉCIATION Du DIALOGuE DÉmOCRATIQuE ET DE LA CITOYENNETÉ PARTICIPATIVE DANS LE QuARTIER ENGENHO VELHO, À ITABORAÍ, DANS L’ÉTAT DE RIO DE JANEIRO, À PARTIR DE L’ENCOuRAGEmENT À LA CONNAISSANCE ET À LA COmmuNICATION ...183Fábio Roberto de Oliveira SantosFernanda de Matos SepúlvedaLucas Baptista PortesRegina Bienenstein

CONSIDÉRATIONS SuR LA DYNAmIQuE Du SECTEuR DES SERVICES DANS LE CEARá: uNE ANALYSE Du POINT DE VuE Du mARCHÉ Du TRAVAIL ..................................................................211Christiane Luci Bezerra AlvesSoraia Araújo MadeiraJúnior Macambira

REFORmE AGRAIRE ET PLANIFICATION REGIONALE: uNE PROPOSITION ÉTAT-mARCHE .......237Saulo S. SouzaElisabete A. Silva

Page 11: Politica Publica Ppp38

O IMPACTO DO BNDES EXIM NO TEMPO DE PERMANÊNCIA DAS FIRMAS BRASILEIRAS NO MERCADO INTERNACIONAL: UMA ANÁLISE A PARTIR DOS MICRODADOSCarlos Eduardo Lobo e Silva*

O objetivo deste artigo é investigar os impactos do BNDES Exim sobre o tempo de permanência das firmas brasileiras no comércio internacional. Utilizando microdados do período 1997-2007, o trabalho cria grupos de controle e tratamento por meio do Propensity Score Matching (PSM) para comparar o tempo de permanência de exportadoras que receberam o BNDES Exim com exportadoras que não receberam o referido financiamento. Os resultados indicam que o BNDES Exim tem se constituído em um instrumento importante na extensão do tempo de permanência das empresas exportadoras no mercado internacional.

Palavras-chave: Comércio Internacional; BNDES Exim; Propensity Score Matching.

THE IMPACT OF BNDES EXIM PROGRAM ON EXTENDING THE PERIOD OF PERMANENCE OF BRAZILIAN FIRMS IN THE INTERNATIONAL MARKET: AN ANALYSIS BASED ON MICRODATA

The aim of this paper is to investigate the impact of BNDES Exim on the period of permanence of the Brazilian firms in the international market. Using micro data from 1997 to 2007, the article creates control and treatment groups by implementing a Propensity Score Matching (PSM) and compares them. The results indicate that BNDES Exim has been an important instrument to lengthen the period in which an exporting firm is able to participate in the international market.

Key-words: International Trade; BNDES Exim; Propensity Score Matching.

EL IMPACTO DEL BNDES EXIM EN EL TIEMPO DE PERMANENCIA DE LAS FIRMAS BRASILEÑAS EN EL MERCADO INTERNACIONAL: UN ANÁLISIS DESDE LOS MICRODATOS

El objetivo de este artículo es investigar los impactos del BNDES Exim sobre el tiempo de permanencia de las firmas brasileñas en el comercio internacional. Utilizando microdatos del período 1997-2007, la investigación crea grupos de control y tratamientos a través del “Propensity Score Matching” (PSM) para comparar el tiempo de permanencia de exportadoras que recibieron el BNDES Exim con las exportadoras que no recibieron el referido financiamiento. Los resultados indican que el BNDES Exim se ha constituido en un instrumento importante en el alargamiento del tiempo de permanencia de las empresas exportadoras en el mercado internacional.

Palabras-clave: Comercio Internacional; BNDES Exim; Propensity Score Matching.

* Professor adjunto do Programa de Pós-Graduação em Economia (PPGE) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). E-mail: [email protected]

Page 12: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201210

LES IMPACTS DU PROGRAMME BNDES EXIM SUR LA DURÉE DE VIE DES FIRMES BRÉSILIENNES DANS LE MARCHÉ D’EXPORTATION: UNE APPLICATION DES DONNÉES INDIVIDUELLES

Cet article étudie les impacts du programme BNDES Exim sur la durée de vie des firmes brésiliennes dans le marché d’exportation. Avec l´application des donnés microéconomiques de 1997 à 2007, ce papier utilise la différentiation des groupes de contrôle et des groupes de traitement générée par le Propensity Score Matching (PSM) pour comparer les durées de vie des firmes exportatrices qui ont reçu le BNDES Exim à celles des firmes exportatrices qui ne l´ont pas reçu. Les résultats montrent que le BNDES Exim est un instrument important dans la détermination de l´extension de la durée de vie des firmes exportatrices dans le marché international.

Mots-clés: Marché International; BNDES Exim; Propensity Score Matching.

1 INTRODUÇÃO

O apoio governamental às exportações nacionais não é uma exclusividade bra-sileira e tampouco um fenômeno recente.1 Ainda em 1934, os Estados Unidos criaram o Export-Import Bank (Ex-Imbank), que recebe recursos diretamente do Tesouro americano para oferecer garantias de empréstimos de capital aos expor-tadores. Além disso, fornece crédito tanto ao setor privado americano como aos importadores estrangeiros que não contam com créditos públicos nos seus países.

O Kreditanstalt Für Wiederaufbau (KFW) foi criado pelo governo alemão em 1948 e oferece financiamento de longo prazo às empresas exportadoras de bens de capital e a grandes projetos em áreas como energia, comunicação e trans-porte. Além disso, ainda atua no fortalecimento da demanda por insumos da economia alemã. Do ponto de vista do capital acionário, 80% pertencem ao governo federal, enquanto os demais 20% são dos estados da Federação. Ainda sobre este programa, vale ressaltar que o volume das exportações financiadas pelo KFW quintuplicou entre 1971 e 1989, com destaque especial ao apoio às ex-portações da aeronave Airbus, consórcio europeu que já havia se beneficiado de recursos públicos na década de 1960 durante o desenvolvimento do Airbus 300. O Japão também possui um instrumento semelhante ao KFW, mas os dados não são divulgados de forma clara pelo governo.

Em 1990, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) implantou o programa Finamex2 para apoio às indústrias exportadoras de bens de capital. Nos anos que se seguiram, novas linhas de financiamentos foram abertas e o nome do programa, alterado para BNDES Exim. Desde sua criação, o Finamex/BNDES Exim tem sido a principal fonte de recursos públicos no financiamento às atividades de exportação (MOREIRA; TOMICH; RODRIGUES, 2006;

1. Moreira e Santos (2001) traz uma série de experiências internacionais nesta área. 2. Segundo Catermol (2005), o nome Finamex deriva do programa de financiamento do BNDES Finame. O autor traz ainda um histórico detalhado dos desembolsos do Finamex/BNDES Exim.

Page 13: Politica Publica Ppp38

11O Impacto do BNDES Exim no Tempo de Permanência das Firmas Brasileiras no Mercado Internacional...

CATERMOL, 2005). O BNDES Exim não é o único programa de apoio às exportações. Em junho de 1991, o governo brasileiro estabeleceu o Programa de Financiamento às Exportações (Proex), que tem como objetivo o financiamento de exportações e importações brasileiras. Os recursos são provenientes do Tesouro Nacional e as operações são administradas pelo Banco do Brasil (BB). Além dos financiamentos diretos, o Proex disponibiliza uma linha de equalização de taxa de juros que procura equiparar as condições dos financiamentos oferecidos pelas instituições financeiras com aquelas praticadas no mercado internacional.

O programa BNDES Exim tem como objetivo prioritário ampliar a pre-sença de produtos brasileiros de maior valor agregado no mercado internacio-nal, por meio do financiamento à produção (pré-embarque) e à comercialização (pós-embarque). Diante da tendência de “reprimarização” da pauta de exportação brasileira ocorrida nos últimos anos, em que a participação dos produtos básicos passou de 26,3% em 2001 para 44,6% em 2010 (BRASIL, 2010), não há dúvi-das de que análises de políticas que visem agregar valor às exportações nacionais ganham relevância especial.

Levando-se em conta o tamanho da economia brasileira, nossa participação no comércio internacional deveria ser bem mais expressiva. Segundo dados do Banco Mundial (2010), entre 145 países analisados quanto à participação das exportações nos produtos internos brutos (PIBs) nacionais, o Brasil aparece na 138a posição, com um percentual pouca acima dos 14%, enquanto os percentuais de países como África do Sul e Rússia estão acima dos 30%. Entretanto, a partici-pação brasileira no comércio mundial, se ainda está aquém do seu potencial, tem crescido ao longo dos últimos dez anos. Dados da Secretaria de Comércio Exte-rior (Secex), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) (BRASIL, 2010), mostram que as exportações brasileiras representavam apenas 0,88% do total comercializado internacionalmente em 2000, saltando para 1,26% em 2009.

Durante o mesmo período, os recursos do BNDES destinados ao apoio às exportações quase triplicaram – de pouco mais de US$ 3 bilhões para mais de US$ 8,3 bilhões em 2009.3 Este banco tem como política privilegiar as indústrias que apresentam maior valor agregado em suas produções. Por esta razão, a distri-buição dos desembolsos totais do sistema BNDES entre os setores da economia é bastante distinta da distribuição dos recursos concedidos aos exportadores, que se concentra quase que exclusivamente nas indústrias de transformação e nas em-presas de serviços. Em 2009, aproximadamente 82,2% do total de recursos desti-nados ao apoio às exportações financiaram a indústria de transformação.

3. Dados do site do BNDES: <http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/empresa/estatisticas/Int2_1D_a_setorCNAE_export.pdf>.

Page 14: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201212

A partir da análise dos dados mencionados anteriormente, portanto, pode--se afirmar que, apesar da ainda tímida participação brasileira no comércio inter-nacional, o BNDES tem ampliado significativamente seu apoio aos exportadores, privilegiando fortemente as indústrias de transformação. Diante deste quadro, o que o presente trabalho procura analisar é a relevância das atividades do BNDES no fortalecimento das empresas brasileiras no comércio internacional. Mais es-pecificamente, pretende-se verificar os efeitos do BNDES Exim sobre o tempo de permanência dos exportadores brasileiros no mercado internacional. Em li-nhas gerais, a metodologia proposta cria grupos de controle e tratamento, que se diferenciam pelo fato de ter ou não recebido financiamento do BNDES Exim, e compara o tempo de permanência das firmas que compõem estes grupos no comércio internacional.

O artigo está dividido em cinco seções, incluindo esta introdução. A seção 2 traz uma revisão da literatura relativa ao tema. As seções 3 e 4 apresentam, respec-tivamente, a metodologia implementada no estudo e os resultados obtidos pelos modelos propostos. A seção 5 fecha o capítulo com as conclusões do trabalho.

2 REVISÃO DA LITERATURA

A literatura de interesse para os objetivos do presente estudo pode ser dividi-da em dois grandes grupos. Há, por um lado: i) análises feitas especificamente sobre os programas brasileiros de incentivo às exportações, que se utilizam de dados agregados para obter seus resultados; e, por outro, ii) estudos baseados em microdados que procuram identificar as características da empresa que são determinantes para seu sucesso no mercado exportador. Combinando o objetivo geral do primeiro grupo com a desagregação dos dados do segundo grupo, o que se pretende fazer neste artigo é utilizar microdados para avaliar os efeitos advindos do BNDES Exim sobre o tempo de permanência dos exportadores brasileiros no mercado internacional.

Sobre a política de promoção das exportações brasileiras, o estudo de Markwald e Puga (2002) tem particular importância para os objetivos deste traba-lho. Inicialmente, os autores mostram, em análise detalhada, que a base exporta-dora do Brasil não é tão pequena quanto o percentual das empresas que exportam em relação ao total – 0,8% das empresas em 2000 – pode sugerir. Markwald e Puga (op. cit.) utilizam dados de 1990 a 2001 e argumentam que, excluindo-se as empresas voltadas à produção de nontradeables e/ou as microempresas – 93% do universo das empresas –, 40,6% das empresas de porte médio e 86,5% das grandes empresas exportam. Portanto, ainda segundo os autores, o potencial de expansão da base exportadora é bem menor do que o indicado por muitos estudos. Estes autores revelam também que a base exportadora aumentou satisfatoriamente no

Page 15: Politica Publica Ppp38

13O Impacto do BNDES Exim no Tempo de Permanência das Firmas Brasileiras no Mercado Internacional...

período analisado, apresentando uma taxa anual de crescimento acima dos 6% ao ano (a.a.), sendo que nos períodos subsequentes às desvalorizações cambiais de 1991-1992 e 1999 tiverem crescimentos particularmente intensos. Os autores do estudo apontam a desistência como um fenômeno particularmente relevante: enquanto 3.350 novas empresas incorporaram-se anualmente à base, 2.600 inter-rompiam suas atividades no mercado internacional. Além disso, do universo das 3.350 empresas entrantes, aproximadamente 50% saíram do mercado internacio-nal no ano seguinte e menos de 25% permaneciam no comércio exterior cinco anos mais tarde. Confirmando as conclusões de Roberts e Tybout (1997a, 1997b), que estudaram a evolução das exportações de Marrocos, Colômbia e México, o trabalho de Markwald e Puga (2002) aponta as desvalorizações cambiais como fatores decisivos no crescimento da base exportadora brasileira.

Especificamente sobre os programas governamentais de incentivo à expor-tação, Cartermol (2005) analisa as diversas linhas de financiamento do BNDES Exim, detalhando a evolução dos instrumentos de financiamento, e apresenta fa-tos que sugerem a relação entre o aumento da exportação nacional e a implemen-tação das linhas do programa. Em estudos econométricos, Moreira, Tomich e Ro-drigues (2006) e Moreira e Santos (2001) identificam efeitos positivos tanto do BNDES Exim como do Proex, enquanto Pereira e Maciente (2000) mostram que os mecanismos privados de financiamento das exportações – adiantamentos de contrato de câmbio (ACC) e adiantamentos de contratos de exportação (ACE) – representaram um significativo aumento de rentabilidade das empresas para o período analisado (1993-1998).

Como mencionado no início desta seção, os estudos citados lidam com dados agregados das exportações brasileiras, mas a possibilidade de acessar e analisar as características das firmas individuais e relacioná-las às estratégias implementadas por elas quanto ao comércio exterior abre uma nova perspectiva ao desenvolvi-mento das teorias sobre o comércio internacional (HELPMAN, 2006). Muitos estudos recentes procuram entender empiricamente esta relação entre caracte-rísticas da firma e seu desempenho nas atividades exportadoras (ROBERTS; TYBOUT, 1997a; BERNARD; JENSEN, 1999).4

No Brasil, o Ipea tem despendido esforços profícuos nessa direção. De Negri (2003) identifica a importância dos ganhos de escala na probabilidade de a firma ingressar no mercado internacional e na determinação dos níveis de exportação

4. Vale mencionar que Reid (1981) e Dichtl, Koeglmayr e Mueller (1990) são seguidos por uma extensa literatura que, em vez de enfatizar as características das firmas, colocam as características do administrador principal da empresa como peças-chave para definir se a firma explorará ou não o comércio exterior. A partir desta abordagem, Dichtl, Koeglmayr e Mueller (1990) estimam que um terço das firmas alemãs de pequeno e médio porte, que são voltadas para o mercado interno, tem potencial exportador, conclusão extremamente relevante para os programas ligados à promoção das exportações.

Page 16: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201214

brasileira, enquanto De Negri e Freitas (2004) mostram que investimentos em inovação aumentam em 16% a probabilidade de as firmas serem também expor-tadoras. Quanto ao conteúdo tecnológico das exportações brasileiras, De Negri (2005) conclui que as empresas estrangeiras têm destaque especial na exportação de produtos de média tecnologia, sugerindo que os processos mais intensivos em inovação tecnológica ainda se concentram na matriz, enquanto as filias bra-sileiras se dedicam à montagem e à produção final de bens de intensivos em ca-pital, como automóveis e eletroeletrônicos. Em uma análise mais global, Araújo (2006a) divide as firmas brasileiras em quatro categorias e identifica aquelas que não exportam, apesar de apresentarem as características das exportadoras, deno-minadas pelo autor como “potenciais exportadoras”.

A base exportadora brasileira é definida, naturalmente, não só pelo número de novos entrantes como também pela evasão do mercado internacional daquelas que até então exportavam. Kannebley e Valeri (2006) citam Markwald e Puga (2002) para reforçar o argumento de que qualquer política de expansão da base deve estar atenta também ao tempo de permanência da firma no comércio exte-rior. Mais que isso, a base exportadora da economia brasileira seria bem maior se nossas firmas não apresentassem taxas de mortalidade tão altas.

Um período maior de permanência pode trazer um benefício adicional às empresas: as exigências do mercado internacional trariam um aumento de produ-tividade aos exportadores brasileiros (learning-by-exporting). Esta é a conclusão de Salomon e Shaver (2005) em relação à experiência espanhola nos anos compre-endidos entre 1990 e 1997.5

Apesar de identificar a mesma relação de causa e efeito para o caso brasileiro (1997-2002), Araújo (2006b) mostra a falta de consenso na literatura internacio-nal sobre suas próprias conclusões e apresenta uma série de trabalhos que indicam o caminho inverso, ou seja, uma maior produtividade prévia capacita as firmas a entrar no mercado internacional. Helpman (2006) chega a afirmar que: “A lite-ratura empírica sustenta a visão de que produtividade causa exportação, mais do que o contrário”.6, 7

Especificamente em relação ao sucesso da firma exportadora, Kannebley e Valeri (2006) relacionam as características das firmas antes da entrada no mer-cado externo com o tempo de permanência no comércio internacional, sem a pretensão de encontrar evidências de autosseleção ou learning-by-exporting.

5. Vale ressaltar que, neste trabalho, learning-by-exporting é entendido como efeitos da atividade exportadora sobre os processos de inovação das firmas.6. “The empirical literature supports the view that causality goes from productivity to, say, exports, rather than the other way around” (HELPMAN, 2006, p. 41).7. Sobre o tema, ver a revisão de Araújo (2005) e os estudos de Wagner (2007), Clerides, Lauch e Tybout (1998) e o clássico trabalho de Bernard e Jensen (1999).

Page 17: Politica Publica Ppp38

15O Impacto do BNDES Exim no Tempo de Permanência das Firmas Brasileiras no Mercado Internacional...

Os modelos propostos são dois logit multinomiais, sendo um de escolha ordenada (anos de exportação) e outro de escolha não ordenada (desistente, contínua e permanente). Quanto aos resultados, os modelos de escolha ordenada mostram uma relação mais significativa entre as características iniciais das firmas e a perma-nência no mercado internacional do que os de escolha não ordenada e identificam ainda uma distinção clara entre as empresas que exportaram um ou dois anos e aquelas que exportaram três ou quatro anos.

Perseguindo o mesmo objetivo, Esteve-Perez et al. (2007) propõem modelos de sobrevivência em que a permanência é definida pelos anos de participação no comércio exterior, implementando assim modelos de sobrevivência com tempo discreto. Os autores argumentam que quanto mais tempo a empresa permanece na atividade exportadora, mais ela acumula know-how e contatos. Por esta razão, uma permanência prolongada significa um aumento no custo de deixar o co-mércio internacional, uma vez que todos estes conhecimentos serão depreciados e, no caso de se reiniciar as exportações, maior será o custo para voltar às condi-ções que a empresa já havia alcançado quando interrompeu as atividades com o exterior. Além disso, os investimentos feitos na acumulação dos conhecimentos a respeito do mercado internacional levam a um processo de learning-by-exporting que, por sua vez, aumenta a probabilidade de sucesso da empresa. Baseados nestes dois argumentos, os autores concluem que a probabilidade de a empresa deixar o mercado deveria ser decrescente em relação aos anos de permanência no comércio internacional. Argumentam ainda que esta função não precisa ser linear, uma vez que o aprendizado pode ser mais intenso nos primeiros anos de atividade.

Estas conclusões de Esteve-Perez et al. (2007) coincidem com os resultados obtidos por eles: os testes implementados mostram que a probabilidade de a firma deixar o mercado diminui de maneira não linear, à medida que ela permanece por mais tempo. Quanto às características da firma, o modelo revela que as maiores firmas e as mais produtivas sobrevivem por mais tempo, ao passo que as variáveis de origem do capital e investimento em inovação não apresentam efeitos signifi-cativos.

Finalmente, Araújo (2005) investiga a literatura empírica que analisa os de-terminantes da firma para o sucesso no comércio internacional. Produtividade e tamanho da empresa são os aspectos destacados pelo autor como aqueles que afetariam positivamente as exportações. Outras características como intensidade no uso de capital (físico e humano), tecnologia e inovação não mostram resulta-dos tão claros e seus efeitos podem depender do país analisado e do seu estágio de desenvolvimento e ainda do setor a que pertence a firma.

Page 18: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201216

3 METODOLOGIA

Quando se opta pela análise dos efeitos de determinada política por meio da com-paração entre dois grupos, sendo um deles de controle, deve-se levar em conta que estes grupos podem apresentar características distintas, além do fato de terem sido ou não objeto da política em questão. No caso da avaliação do BNDES Exim, a simples comparação do tempo de permanência médio no mercado inter-nacional das firmas que receberam o financiamento em relação ao tempo médio daquelas que não receberam não seria indicada. Isto porque as empresas que re-cebem o financiamento do banco de desenvolvimento podem ser, por exemplo, empresas maiores, e dado que a literatura nos mostra que o tamanho da firma está relacionado com a capacidade exportadora da empresa, este fator poderia prolongar a vida das empresas financiadas, sem que o financiamento contribuísse de fato para isso.

Para se criar grupos de controle apropriados e alcançar os objetivos expos-tos anteriormente, este trabalho utilizou a técnica do Propensity Score Matching (PSM), seguindo o algoritmo proposto por Parsons (2001). Como salientado por Araújo (2006a), uma das vantagens da técnica é a simplicidade computacional, especialmente importante quando se lida com amostras compostas por milhares de observações.

Neste estudo, poder-se-iam utilizar modelos de sobrevivência. O problema de tal estratégia seria ter parte significativa da amostra truncada dos dois lados. As firmas não recebem necessariamente o financiamento do BNDES Exim no seu ano de estreia no mercado internacional, o que truncaria as firmas não estreantes pela esquerda. Além disso, como os resultados mostrarão nas seções seguintes, a maior parte das firmas permanece na atividade exportadora por mais de seis anos, o que, por sua vez, truncaria a amostra pela direita. Sendo assim, a estratégia ado-tada compara os dois grupos – controle e tratamento – a partir da classificação das firmas quanto ao seu tempo de permanência: curta duração (até três anos), média duração (de quatro a seis anos) e longa duração (sete anos ou mais), este último incluindo todas as firmas truncadas à direita. Portanto, mais do que estimar a probabilidade de deixar o mercado internacional a cada ano, a metodologia ape-nas compara a probabilidade de as firmas dos dois grupos pertencerem a uma das três categorias citadas anteriormente. Para atenuar o problema da truncagem à esquerda, inclui-se no modelo – como será explicado mais à frente – uma dummy que capta a experiência da firma na atividade exportadora acumulada nos anos anteriores ao pareamento, de tal forma que o procedimento levará este critério em conta no pareamento das firmas.

Os dados utilizados no trabalho vêm da integração desenvolvida pelo Ipea com diversas bases que contêm informações por firma. A maior parte das variáveis

Page 19: Politica Publica Ppp38

17O Impacto do BNDES Exim no Tempo de Permanência das Firmas Brasileiras no Mercado Internacional...

é oriunda da Pesquisa Industrial Anual (PIA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Minis-tério do Trabalho e Emprego (MTE), forneceu dados sobre a escolaridade média dos trabalhadores e o tempo de serviço do funcionário mais antigo, usado neste estudo como uma proxy para a idade da empresa. As informações sobre exporta-ção vieram da base de dados da Secex/MDIC.

O procedimento utilizado na avaliação do BNDES Exim considera apenas as firmas exportadoras e inicia com um modelo Probit, em que a variável depen-dente binária corresponde ao fato de a empresa ter ou não ter recebido o finan-ciamento. Definidas as variáveis independentes, cuja escolha será detalhada mais adiante, o PSM casa as empresas que receberam o financiamento com aquelas de características similares que não o receberam. Este casamento é feito por meio da probabilidade definida no modelo Probit8 (anexo). Como resultado, teremos quatro grupos: i) x empresas não financiadas que não foram casadas; ii) y empre-sas não financiadas casadas; iii) y empresas financiadas casadas; e iv) z empresas financiadas não casadas.

O casamento definido a partir das probabilidades não garante que as firmas pareadas terão as mesmas características, uma vez que há mais de uma variável independente no modelo e elas podem, mesmo apresentando valores diferentes, compensar-se de tal forma que cheguem a probabilidades próximas no modelo Probit. Este poderia ser um problema, que, antecipando a análise dos resultados, felizmente não acontece no presente trabalho. As firmas dos grupos de controle (grupo 2) e tratamento (grupo 3) apresentam características similares, enquanto as empresas que não foram financiadas nem casadas pelo PSM (grupo 1) apresen-tam características estatisticamente diferentes dos demais grupos.

Quanto à determinação das variáveis independentes, vale uma observação: o PSM é usado para a construção do grupo de controle que possibilitará a compara-ção com o grupo de tratamento. Ainda considerando a análise do BNDES Exim como exemplo, as firmas dos dois grupos devem ter características parecidas naque-les aspectos que determinam a capacidade das empresas de permanecer no mercado internacional. O matching, então, deve ser construído com base nestas variáveis importantes para o tempo de permanência na atividade exportadora. Porém, note que a variável dependente não é a permanência no mercado internacional, mas sim o fato de a firma ter recebido ou não o financiamento. Portanto, no caso das carac-terísticas importantes para a permanência não terem nenhuma – ou fraca – relação com a probabilidade de receber o BNDES Exim, o ajuste do modelo Probit ficará

8. Em uma primeira etapa, o algoritmo encontra empresas não financiadas, cujas probabilidades são idênticas às pro-babilidades das empresas financiadas até a sexta casa decimal. Os pares formados são separados da amostra e novos casamentos são definidos para as restantes, agora unindo empresas financiadas e não financiadas com probabilidades coincidentes até a quinta casa decimal e assim sucessivamente até a segunda casa decimal.

Page 20: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201218

prejudicado. Quando uma dada característica apresenta variância muito grande en-tre as empresas financiadas, o matching pode ficar prejudicado. Digamos que o ta-manho da firma, representado pelo pessoal ocupado (PO), e a produtividade (Prod) são as duas características importantes na determinação da permanência da firma no mercado exportador e que elas têm uma relação positiva, porém bastante fraca, com a probabilidade de se obter o financiamento do BNDES. Embora a relação en-tre as características e a probabilidade de financiamento seja positiva, haverá muitas empresas financiadas com baixa produtividade e ou de pequeno porte, o que au-menta a possibilidade do matching ser feito por meio da compensação de variáveis, em que o casamento une empresas de características opostas – alta produtividade e pequeno porte com baixa produtividade e grande porte.

Levando em conta o neste trabalho exposto, a determinação das variáveis independentes do modelo obedeceu ao seguinte critério: em um primeiro mo-mento, escolheram-se: i) as variáveis que a literatura aponta como importantes para a exportação das firmas; e ii) a forma funcional do modelo. No caso do ajuste ser insatisfatório, pequenas modificações, como alterações funcionais e exclusão de variáveis originais, foram experimentadas, preservando-se as mais importantes conforme os trabalhos empíricos da área, tal como produtividade, tamanho da firma e experiência na atividade exportadora.

A avaliação foi feita para as empresas que exportaram no período compreen-dido entre 1997 e 2000 e examinou-se, então, a persistência na atividade durante os sete anos subsequentes. A amostra do modelo Probit foi composta apenas pelas exportadoras e o matching é feito ano a ano, ou seja, o procedimento é repetido quatro vezes, casando-se empresas que exportaram no mesmo ano. Como já men-cionado, a variável binária dependente corresponde à obtenção do financiamento da modalidade Exim.

Como mencionado, o banco de dados da pesquisa é formado pela integra-ção e pelo cruzamento de diferentes fontes advindas do IBGE, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e MDIC, e foi desenvolvido para uma série de estu-dos desenvolvidos pelo Ipea entre 2008 e 2010. Considerando que a metodologia proposta exige que as empresas sejam acompanhadas por sete anos após os pare-amentos, escolheu-se o período 1997-2000 para a formação dos grupos de con-trole e tratamento. Este período abrange a mudança de regime cambial brasileiro ocorrida no início de 1999. Não há dúvida de que este fato merece uma atenção especial. Entretanto, mesmo antes de voltar ao tema na análise dos resultados, vale mencionar que a metodologia deste trabalho compara grupos de controle e tratamento pareados em um mesmo ano; portanto, se assumirmos que os efeitos da mudança de regime afetam tanto as firmas que recebem financiamento do BNDES Exim quanto as que não recebem, a comparação continua válida.

Page 21: Politica Publica Ppp38

19O Impacto do BNDES Exim no Tempo de Permanência das Firmas Brasileiras no Mercado Internacional...

O critério adotado e as variáveis independentes utilizadas no modelo foram os seguintes:

• Para capturar os efeitos das vantagens competitivas advindas dos ganhos de escala, além da maior possibilidade de financiamento e capacidade de correr riscos, o tamanho da firma foi representado pelo logaritmo do número de empregados (lpo), proxy utilizada em diversos trabalhos.

• Produtividade da firma corresponde no modelo ao logaritmo do valor de transformação industrial sobre o número de empregados (lprod).

• Uma vez que as bases não fornecem dados explícitos sobre investimento em inovação,9 optou-se por empregar o logaritmo da escolaridade mé-dia dos funcionários (lesc) como indicador do nível de sofisticação do processo produtivo e o grau de utilização de capital.

• A idade da firma entra no modelo como o logaritmo do tempo de tra-balho do funcionário mais antigo (lage).

• Levando-se em conta os resultados de Esteve-Perez et al. (2007), que mostram a relação inversa entre probabilidade de deixar o mercado e tempo de atividade exportadora, o modelo considera experientes as em-presas que exportaram nos três anos anteriores ao ano examinado e, para essas observações, a dummy experiente recebe valor 1.

• Assumindo que, quanto mais as atividades da firma estão voltadas à exportação, maior será a importância desta atividade para a sobrevi-vência da empresa e maior também será o custo de saída pela rápida depreciação do conhecimento acumulado do mercado internacional, as firmas são divididas em três grupos – com cortes nos percentis 33 e 66 –, segundo o quanto a receita de exportação representava na receita total da empresa no ano anterior ao do pareamento – para excluir um eventual efeito direto do BNDES Exim no volume exportado – e esses grupos foram separados por duas dummies (v1 e v2).

• Dummies para os setores (Classificação Nacional de Atividades Econô-micas – CNAE a dois dígitos).

Como já mencionado, o PSM nos fornece quatro grupos de empresas. Estes grupos são, então, analisados de acordo com a persistência no mercado interna-cional. Inicialmente, os tempos médios de permanência dos quatro grupos são comparados entre si, por meio do teste t. Em seguida, as firmas de cada um dos grupos são divididas em três categorias, segundo o tempo de permanência, já

9. A Pesquisa de Inovação Tecnológica (PINTEC), do IBGE, não foi utilizada na construção do banco de dados, porque esta não é censitária para firmas com menos de 500 empregados.

Page 22: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201220

excluindo o ano examinado: as que persistiram dois anos ou menos (categoria 1); aquelas que exportaram entre três e cinco anos sem interrupção (categoria 2); e aquelas que exportaram seis anos ou mais (categoria 3). Um teste chi-quadrado é usado para verificar se as empresas de grupos diferentes apresentam distribuição distinta entre as três categorias.

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Este trabalho acompanha em um horizonte de sete anos o comportamento das firmas que exportaram no período 1997-2000. Nesse período, a base exportadora industrial brasileira cresceu aproximadamente 8,8% e, como exposto na tabela 1, a média anual de empresas estreantes ficou um pouco acima de 16% entre 1996 e 2003, enquanto 13,5% das firmas que exportaram em determinado ano não exportaram no ano seguinte.

TABELA 1Base Exportadora Brasileira – 1997-2000

Ano Total Estreantes Desistentes1 Estreantes (%) Desistentes (%)

1997 6.221 1.035 856 16,64 13,76

1998 6.303 938 869 14,88 13,79

1999 6.565 1.131 912 17,23 13,89

2000 6.776 1.123 852 16,57 12,57

Média 6.466 1.057 872 16,33 13,50

Fonte: Banco de dados do Ipea, construído a partir das informações da PIA/IBGE, da Rais/MTE e da Secex/MDIC. Elaboração do autor.Nota: 1 Desistentes do ano n são aquelas que exportaram em n, mas não exportaram no ano (n + 1).

Com relação ao modelo Probit, que se constitui no primeiro passo dos pro-cedimentos relativos à avaliação da linha de financiamento BNDES Exim (1997-2000), as variáveis logaritmo da escolaridade e a dummy experiente foram as que não apresentaram significância estatística nos anos examinados, o que sugere que não são variáveis importantes para a obtenção do financiamento BNDES Exim. Mas, dada a relevância destas variáveis na determinação do tempo de permanên-cia das empresas no mercado internacional, decidiu-se pela manutenção de ambas no modelo para que a construção do grupo de controle levasse em conta estes dois aspectos. Já as variáveis relativas à produtividade, ao tamanho da empresa e à relevância do volume exportado apresentaram significância estatística em todos os anos analisados. Finalmente, ainda sobre o modelo Probit, vale ressaltar que o ajuste do modelo mostrou-se satisfatório para todos os anos analisados, principal-mente no caso dos três últimos.

Page 23: Politica Publica Ppp38

21O Impacto do BNDES Exim no Tempo de Permanência das Firmas Brasileiras no Mercado Internacional...

A partir da estimação do modelo inicial, os grupos de controle e de tra-tamento são formados. Como já discutido, o objetivo central do pareamento realizado pelo PSM é selecionar firmas que apresentem características similares. Portanto, espera-se que as médias das variáveis explicativas do grupo de controle sejam próximas daquelas obtidas para o grupo de tratamento. Porém, quando um dos demais grupos (grupos 1 e 4) faz parte da comparação, não há razão para esperar médias similares. Com intuito de evitar um número excessivo de tabelas, as tabelas 2, 3 e 4 trazem a média dos valores das variáveis explicativas para todos os anos analisados no trabalho.

Comparando os valores médios das variáveis explicativas para cada um dos quatro grupos gerados pelo PSM, identifica-se claramente um padrão: o grupo 1, empresas que não receberam financiamento e não foram casadas com aquelas que receberam, apresenta os valores mais baixos em termos de escolaridade e produtividade, além de ser formado por empresas mais jovens e de menor porte. As empresas do grupo 1 são ainda as menos experientes e com volume total ex-portado menos relevante em relação ao total das respectivas receitas. Empresas casadas dos grupos 2 e 3 são aquelas cujas médias das variáveis explicativas são muito próximas e apresentam valores intermediários10 (tabela 2), abaixo das em-presas do grupo 4 (empresas não casadas que receberam financiamento), que são de maior porte, mais antigas e produtivas e, ainda, com maior escolaridade.11

TABELA 2Médias das variáveis exógenas para os quatro grupos

Ordem Número de observações Variável Média

1 1.3840 Tamanho 4,70

Produtividade 9,87

Escolaridade 1,97

Idade 2,97

2 380 Tamanho 5,71

Produtividade 10,47

Escolaridade 2,04

  Idade 3,24

3 380 Tamanho 5,69

Produtividade 10,45

Escolaridade 2,04

  Idade 3,23

10. Comparando ano a ano as médias de cada variável explicativa dos grupos 2 e 3, em nenhum caso constata-se diferença estatística, mesmo considerando um grau de significância de 30%.11. Este mesmo padrão é verificado na análise ano a ano.

(Continua)

Page 24: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201222

Ordem Número de observações Variável Média

4 314 Tamanho 7,02

Produtividade 10,90

Escolaridade 2,13

  Idade 3,47

Fonte: Banco de dados do Ipea, construído a partir das informações da PIA/IBGE, da Rais/MTE e da Secex/MDIC.Elaboração do autor.

Quanto à dummy experiente (tabela 3), a distribuição das empresas mostra mais uma vez a similaridade entre as empresas dos grupos 2 e 3: nos dois ca-sos, 82,11% das empresas são consideras experientes, segundo critério explicado anteriormente, enquanto 92,04% do grupo 4 e apenas 60,69% do grupo 1 podem ser consideradas experientes.

TABELA 3Distribuição das empresas, conforme experiência no comércio internacional

Grupos 1 2 3 4 Total

Nãoexperiente

Frequência 5.440 68 68 25 5.601

Porcentagem do total 36,48 0,46 0,46 0,17 34,47

Porcentagem da linha 97,13 1,21 1,21 0,45 100,00

Porcentagem da coluna 39,31 17,89 17,89 7,96

Experiente

Frequência 8.400 312 312 289 9.313

Porcentagem do total 56,32 2,09 2,09 1,94 65,53

Porcentagem da linha 90,20 3,35 3,35 3,10 100,00

Porcentagem da coluna 60,69 82,11 82,11 92,04

Total 92,80 2,55 2,55 2,11 100,00

Fonte: Banco de dados do Ipea, construído a partir das informações da PIA/IBGE, da Rais/MTE e da Secex/MDIC.Elaboração do autor.

No tocante à relevância relativa do valor exportado (tabela 4), percebe-se que as exportações de apenas 29,91% das empresas do grupo 1 podem ser clas-sificadas como muito relevantes, fato que ocorre em 86,62% das empresas do grupo 4. Novamente, os grupos 2 e 3 apresentam resultados próximos entre si e intermediários quando comparados aos demais grupos: as exportações de 55% e 57,1% das empresas dos grupos 2 e 3, respectivamente, são consideradas muito relevantes pelo critério adotado.

(Continuação)

Page 25: Politica Publica Ppp38

23O Impacto do BNDES Exim no Tempo de Permanência das Firmas Brasileiras no Mercado Internacional...

TABELA 4Distribuição das empresas, conforme relevância relativa do valor exportado

Grupos 1 2 3 4 Total

Frequência 5126 53 47 8 5.234

Pouco Porcentagem do total 34,37 0,36 0,32 0,05 34,28

relevante Porcentagem da linha 97,94 1,01 0,90 0,15 100,00

Porcentagem da coluna 37,04 13,95 12,37 2,55

Frequência 4.575 118 116 34 4.843

Relevante Porcentagem do total 30,68 0,79 0,78 0,23 32,36

Porcentagem da linha 94,47 2,44 2,40 0,70 100,00

Porcentagem da coluna 33,06 31,05 30,53 10,83

Frequência 4.139 209 217 272 4.837

Muito Porcentagem do total 27,75 1,40 1,46 1,82 33,36

relevante Porcentagem da linha 85,57 4,32 4,49 5,62 100,00

Porcentagem da coluna 29,91 55,00 57,11 86,62

 Total 92,80 2,55 2,55 2,11 100,00

Fonte: Banco de dados do Ipea, construído a partir das informações da PIA/IBGE, da Rais/MTE e da Secex/MDIC.Elaboração do autor.

A partir da criação dos grupos de controle e tratamento, a investigação que se constitui no objetivo central do trabalho é a comparação do tempo de perma-nência dos dois grupos acima mencionados no comércio internacional. A tabela 5 traz o tempo médio de permanência das empresas dos grupos 2 e 3 e os resul-tados do teste t, que compara os valores encontrados. Os resultados mostram que empresas financiadas pelo BNDES Exim apresentam uma média de permanência acima daquelas que não contaram com o financiamento. É importante ressaltar que o teste t neste caso fica prejudicado, em razão de a amostra ser truncada à direita, ou seja, todas as empresas que exportaram sete anos ou mais sem inter-rupção recebem o valor sete. Portanto, há uma tendência do teste a subestimar a diferença das médias reais. Apesar disto, a tabela 5 mostra que, mesmo com o truncamento, a hipótese nula do teste t – que as médias são estatisticamente iguais – é rejeitada em 1997, 1998 e 1999 com 3% de significância.

Page 26: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201224

TABELA 5Teste t para a média de permanência dos grupos 2 e 3 no mercado internacional

Ano Grupo Observações Média Desvio-padrão t Value Pr > |t|

1997 2 104 5,42 2,04 -2,63 0,0091

3 104 6,09 1,56

1998 2 98 5,49 2,02 -2.25 0.0258

3 98 6,09 1,72

1999 2 89 5,62 1,97 -3.34 0.0010

3 89 6,44 1,21

2000 2 89 6,08 1,67 -0.82 0.4114

  3 89 6,28 1,61  

Fonte: Banco de dados do Ipea, construído a partir das informações da PIA/IBGE, da Rais/MTE e da Secex/MDIC.Elaboração do autor.

A limitação imposta pelo truncamento pode ser superada com a utilização do teste chi-quadrado que divide as empresas dos grupos 2 e 3 em categorias por tempo de permanência no comércio internacional. Os resultados do teste para os quatro anos analisados são mostrados nas tabelas de 6 a 9.

Nota-se pela tabela 6 que, para 1997, a maior parte das empresas de ambos os grupos permaneceu no mercado internacional sete anos ou mais. Chama atenção, porém, a diferença significativa do percentual das empresas que pertencem à catego-ria de permanência mais longa: 53,9% para o grupo 2 e mais de 70% para o grupo 3.

Outra distinção importante entre os grupos diz respeito ao número de empresas na categoria de permanência mais curta, apesar de o número total de empresas dos dois grupos ser igual em razão do pareamento. Enquanto 24 empre-sas do grupo 2 permaneceram por menos de quatro anos como exportadores, apenas 12 empresas do grupo 3 interromperam suas exportações antes do quarto ano.

O resultado do teste chi-quadrado rejeita a hipótese nula – distribuição igual para os grupos 2 e 3 – com 5% de significância. Seguindo a ideia estatística do teste chi-quadrado, pode-se dizer que, caso o financiamento do BNDES Exim não influenciasse o tempo de permanência das empresas no mercado internacio-nal, uma diferença de distribuição entre as amostras igual ou maior que aquelas verificadas entre os grupos 2 e 3 ocorreria em apenas 3,3% dos casos.

A tabela 7 é referente a 1998. Apesar de o resultado final do teste não ser tão forte quanto o anterior, é possível perceber um padrão comum aos dois analisados até aqui: 74,5% das empresas do grupo 3 e menos de 60% do grupo 2 ficam ao menos sete anos no mercado. Além disso, mais uma vez a comparação entre o número de empresas dos grupos 2 e 3 que permanecem menos de quatro anos no mercado revela uma diferença significativa: 22 e 13 empresas, respectivamente.

Page 27: Politica Publica Ppp38

25O Impacto do BNDES Exim no Tempo de Permanência das Firmas Brasileiras no Mercado Internacional...

TABELA 6Teste chi-quadrado para o tempo de permanência – 1997

1997 Grupos

Tempo de permanência

2 3

Observações % Observações %

Até 3 anos 24 23,1 12 11,54

De 4 a 6 anos 24 23,1 19 18,27

7 anos ou mais 56 53,9 73 70,19

Total 104 100,0 104 100,0

Valor Prob.

Chi-quadrado 6,82 0,033    

Fonte: Banco de dados do Ipea, construído a partir das informações da PIA/IBGE, da Rais/MTE e da Secex/MDIC.Elaboração do autor.

TABELA 7Teste chi-quadrado para o tempo de permanência – 1998

1998 Grupos

Tempo de permanência

2 3

Observações % Observações %

Até 3 anos 22 22,5 13 13,3

De 4 a 6 anos 18 18,4 12 12,2

7 anos ou mais 58 59,2 73 74,5

Total 98 100,0 98 100,0

Valor Prob.

Chi-quadrado 5,23 0,073  

Fonte: Banco de dados do Ipea, construído a partir das informações da PIA/IBGE, da Rais/MTE e da Secex/MDIC.Elaboração do autor.

Como ocorre nos dois anos anteriores, a tabela 8 mostra que em 1999 o número de empresas do grupo 2 é maior que o número de empresas do grupo 3 na categoria de permanência mais curta. Vale enfatizar que apenas quatro em-presas do grupo 3 saíram do mercado internacional nos três anos subsequentes, correspondendo a 4,5% do total do grupo. Ocorre o inverso quando a categoria de permanência mais longa é examinada: 55 empresas do grupo 2, ou 61,8% do total do grupo, contra 69 empresas, ou 77,5% do total do grupo 3, permanece-ram por sete anos ou mais no mercado internacional.

No que se refere ao resultado do teste chi-quadrado, o ano de 1999 é o que apresenta resultados mais fortes para distinguir os desempenhos das empresas dos dois grupos. A mudança mais significativa da tabela 8 em relação às anteriores, e que pode explicar o fato de o teste indicar fortemente que os dois grupos são

Page 28: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201226

estatisticamente diferentes, diz respeito ao desempenho das empresas pertencentes ao grupo 3. Comparando 1999 com os anos anteriores, houve significativa dimi-nuição do percentual de empresas pertencentes à categoria 1, somada ao aumento do percentual daquelas pertencentes à categoria 3, que ultrapassa agora a casa dos 77%, o que evidencia ainda mais os efeitos positivos do BNDES Exim sobre o tempo de permanência das empresas no mercado internacional.

TABELA 8Teste chi-quadrado para o tempo de permanência – 1999

1999 Grupos

Tempo de permanência

2 3

Observações % Observações %

Até 3 anos 18 20,2 4 4,5

De 4 a 6 anos 16 18,0 16 18,0

7 anos ou mais 55 61,8 69 77,5

Total 89 100,0 89 100,0

Valor Prob.

Chi-quadrado 10,49 0,005  

Fonte: Banco de dados do Ipea, construído a partir das informações da PIA/IBGE, da Rais/MTE e da Secex/MDIC.Elaboração do autor.

Na tabela 9, relativa a 2000, a diferença entre as distribuições dos grupos 2 e 3 pelas categorias de permanência apresenta um resultado inédito: o percentual de empresas apoiadas pelo BNDES Exim que saem do mercado nos três primeiros anos (13,5%) é maior que o percentual das que não recebem o financiamento (10,1%). Note-se que, no teste chi-quadrado, esta diferença reforça a conclusão de que as distribuições dos grupos 2 e 3 são distintas entre elas, mas, neste caso es-pecífico, pela razão oposta: os percentuais da categoria de permanência 1 sugerem um efeito negativo do financiamento do BNDES Exim. Portanto, o resultado do teste chi-quadrado deve ser interpretado com cuidado. Vale lembrar que o teste t para 2000 não mostrou diferença estatisticamente significativa, justamente porque a maior concentração de empresas do grupo 3 na categoria de longa permanência é, parcialmente, compensada pela presença maior das empresas do mesmo grupo na categoria de permanência mais curta.

Page 29: Politica Publica Ppp38

27O Impacto do BNDES Exim no Tempo de Permanência das Firmas Brasileiras no Mercado Internacional...

TABELA 9Teste chi-quadrado para o tempo de permanência – 2000

2000 Grupos

Tempo de permanência

2 3

Observações % Observações %

Até 3 anos 9 10,1 12 13,5

De 4 a 6 anos 17 19,1 6 6,7

7 anos ou mais 63 70,8 71 79,8

Total 89 100,0 89 100,0

Valor Prob.

Chi-quadrado 6,17 0,046    

Fonte: Banco de dados do Ipea, construído a partir das informações da PIA/IBGE, da Rais/MTE e da Secex/MDIC.Elaboração do autor.

Analisando os quatro anos conjuntamente, uma constatação chama aten-ção: o percentual de empresas na categoria de longa duração cresceu em todos os anos para os dois grupos. O grupo 3 inicia a série com aproximadamente 70% das empresas na categoria 3 e, três anos mais tarde, este percentual se aproxima dos 80%. As empresas do grupo 2 começam com 53,9% em 1997 e, em 2000, ultrapassam os 70%. Por estes expressivos percentuais, que significariam trunca-mentos à direita no modelo de duração, percebe-se que, mais do que estimar a probabilidade de a firma deixar o mercado internacional em dado ano, a proce-dimento proposto procura apenas comparar a probabilidade das firmas dos dois grupos analisados pertencerem a uma das categorias – curta, média e longa per-manência no comércio internacional.

Sumarizando os resultados, pode-se dizer que 1997 e 1999 apresentam os re-sultados mais fortes em termos do impacto do programa BNDES Exim no tempo de permanência das empresas no mercado internacional: nos dois anos, tanto o teste t como o teste chi-quadrado demonstraram diferenças estatisticamente sig-nificativas entre o desempenho das empresas dos grupos 2 e 3, sendo que aquelas que contaram com o apoio do BNDES permanecem, em todos os critérios, mais tempo em suas atividades exportadoras.

No caso das empresas pareadas em 1998, os resultados também seguem a mesma direção, mas com uma diferença: o teste chi-quadrado não rejeita a hipó-tese nula – mesma distribuição entre os dois grupos –, se for utilizado um nível de significância de 5%. De qualquer forma, o conjunto de empresas apoiadas pelo BNDES apresenta uma distribuição mais concentrada na categoria de permanên-cia longa e o teste t rejeita a hipótese nula – mesma média para os dois grupos – a 3% de significância.

Page 30: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201228

Finalmente, o ano 2000 é o que traz os resultados mais ambíguos. Quando comparado ao grupo 2, o grupo 3 apresenta percentuais maiores tanto na catego-ria de curta como na de longa permanência no mercado internacional, enquanto o grupo 2 tem concentração maior de empresas na categoria intermediária. Como consequência, o teste chi-quadrado indica distribuições distintas, mas o teste t não rejeita a hipótese de mesma média. Portanto, o último ano analisado não nos permite conclusões claras sobre os efeitos do BNDES Exim sobre o tempo de permanência das empresas em suas atividades de exportação.

Sobre o ano de 2000, uma observação se faz necessária antes das conclusões do trabalho. Como mencionado, não há razão para acreditar que a mudança cambial tenha afetado de maneira distinta as firmas do grupo de tratamento e do grupo de controle. Porém, chama atenção o percentual de firmas do grupo de controle que saem do mercado internacional nos três primeiros anos pós-pa-reamento. Este percentual fica entre 20% e 24% do total de firmas para os três primeiros pareamentos (tabelas 6, 7 e 8) e cai para 10,1% para as firmas pareadas em 2000 (tabela 9). Note-se que esta queda significativa é responsável pela não rejeição da hipótese nula do teste t para 2000. Portanto, se os resultados não nos permitem concluir sobre os efeitos da taxa de câmbio nos dois grupos de estudo – nem é este o objetivo do presente trabalho –, há um indício de que a desvaloriza-ção cambial pode ter reduzido o percentual de firmas do grupo de controle que saem do mercado internacional nos primeiros anos de atividade.

5 CONCLUSÃO

Um aspecto do trabalho que poderia ser entendido, à primeira vista, como uma limitação importante diz respeito ao fato de as empresas que apresentam caracte-rísticas únicas não encontrarem similares no pareamento realizado pelo método e, consequentemente, não comporem o grupo de tratamento. Assim, a metodologia poderia excluir da análise empresas importantes da lista de clientes do banco. Esta crítica é uma maneira, senão incorreta, simplificada de analisar a questão. Os resultados finais do trabalho advêm de uma análise estatística que, identifican-do um impacto positivo dos financiamentos do banco, como é o caso, equivaleria à seguinte afirmação: diante de um número suficientemente grande de empresas que compõem os grupos de tratamento e controle e diante da diferença de desem-penho das empresas destes dois grupos, pode-se afirmar que os financiamentos do BNDES geram impactos positivos na variável analisada. Vale dizer que este é um resultado estatístico, e não individual e válido para todas as empresas que são financiadas pelo banco, estando ou não no grupo de tratamento. Note-se que o fato de uma empresa específica estar ou não compondo o grupo de tratamento altera apenas marginalmente os resultados.

Page 31: Politica Publica Ppp38

29O Impacto do BNDES Exim no Tempo de Permanência das Firmas Brasileiras no Mercado Internacional...

Os anos 1997 e 1999 foram os que apresentaram resultados mais fortes em termos do impacto positivo do financiamento no tempo de permanência das empresas no mercado internacional: tanto as médias de permanência quanto à distribuição entre as categorias de permanência dos grupos de controle e de trata-mento mostraram-se diferentes estaticamente a 5% de significância.

Os resultados relativos a 1998 também demonstram os efeitos positivos do BNDES Exim, mas nesse caso as distribuições das empresas dos dois grupos são estatisticamente diferentes no teste chi-quadrado a 10% de significância. Final-mente, para 2000, a distribuição das empresas entre as categorias é diferente, mas o impacto do financiamento segue nas duas direções: aumenta o percentual de empresas nas categorias de maior e menor tempo de permanência no mercado, enquanto o grupo de empresas não financiadas se concentra na categoria inter-mediária. Por esta razão, o teste t não identifica diferença estatística na média de permanência dos dois grupos pareados em 2000.

Portanto, a partir: i) dos microdados de 1997 a 2007, oriundos do banco de dados que integra diversas bases oficiais; e ii) da metodologia proposta – Propen-sity Score Matching –, que permite a criação de grupos de controle para compa-ração contrafactual, os resultados obtidos nos permitem afirmar que o BNDES Exim se constitui em um instrumento importante no aumento do tempo de per-manência das empresas no mercado internacional.

Finalmente, o aumento da base exportadora não se dá apenas pelo ingres-so de novas firmas, mas pode ocorrer também pela redução do fluxo de saída de firmas brasileiras do mercado internacional. Recuperando o exposto por Kannebley e Valeri (2006) e Markwald e Puga (2002), que ressaltam a importância das altas taxas de mortalidade das firmas exportadoras brasileiras na redução do ritmo de crescimento da base exportadora, fica clara a relevância de programas como o BNDES Exim, que prolongam a permanência das firmas no comércio internacional. Ainda retomando algumas conclusões dos trabalhos discutidos nas seções anteriores, Esteve-Perez et al. (2007) sugerem, por meio de seus resultados, a existência de um processo de learning-by-exporting e, neste caso, a saída da fir-ma do mercado inicia um processo de depreciação do conhecimento acumulado. Além disso, Kannebley e Valeri (2006) constatam a presença de um custo fixo de entrada no mercado internacional (histerese), fato que reforça ainda mais a importância de se fortalecer as firmas que já romperam a barreira inicial de en-trada. Portanto, políticas que mantêm nossas empresas no mercado internacional evitam que a experiência acumulada e os ganhos de competitividade adquiridos ao longo do período exportador sejam subutilizados com o retorno das empresas apenas ao mercado doméstico, além de eventuais custos futuros de reentrada no comércio internacional.

Page 32: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201230

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, B. C. P. O. Os determinantes do comércio internacional ao nível da firma: evidências empíricas. Brasília: Ipea, 2005 (Texto para Discussão, n. 1133).

______. Potencial das firmas industriais brasileiras e a dimensão tecnológica. In: DE NEGRI, J.; ARAÚJO, B. C. P. O. (Org.). As empresas brasileiras e o co-mércio internacional. Brasília: Ipea, 2006a.

______. Análise empírica dos efeitos ex-post das exportações sobre a produti-vidade, o emprego e a renda das empresas brasileiras. In: DE NEGRI, J.; DE NEGRI, F.; COELHO, D. (Org.). Tecnologia, exportação e emprego. Brasília: Ipea, 2006b.

BANCO MUNDIAL. Exports of Goods and Services (2005-2008). Disponí-vel em: <http://data.worldbank.org/indicator/NE.EXP.GNFS.ZS>. Acesso em: jun. 2010.

BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SO-CIAL (BNDES). Desembolso Anual do Sistema BNDES: apoio à exportação (2000 a 2009). Disponível em: <http://data.worldbank.org/indicator/NE.EXP.GNFS.ZS>. Acesso em: jun. 2010.

BERNARD, A.; JENSEN, J. B. Exceptional performance exporter: cause, effect or both? Journal of International Economics, v. 47, n. 1, p. 1-26, 1999.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Balança Comercial Brasilei-ra: dados consolidados. 2010. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/arqui-vos/dwnl_1298052907.pdf>. Acesso em: 21 out. 2011.

CATERMOL, F. BNDES Exim: 15 anos de apoio às exportações brasileiras. Revista do BNDES, v. 12, n. 25, dez. 2005.

CLERIDES, S.; LAUCH, S.; TYBOUT, J. R. Is learning by exporting import? Micro-dynamic evidence from Colombia, Mexico and Marroco. The Quarterly Journal of Economics, v. 113, n. 3, p. 903-947, 1998.

DE NEGRI, F. Conteúdo tecnológico do comércio exterior brasileiro: o papel das empresas estrangeiras. Brasília: Ipea, 2005 (Texto para Discussão, n. 1074).

DE NEGRI, J. A. Desempenho exportador das firmas industriais no Brasil: a influência da eficiência de escala e dos rendimentos de escala. Brasília: Ipea, 2003. (Texto para Discussão, n. 997).

DE NEGRI, J. A.; FREITAS, F. Inovação tecnológica, eficiência de escala e exportações brasileiras. Brasília: Ipea, 2004 (Texto para Discussão, n. 1044).

Page 33: Politica Publica Ppp38

31O Impacto do BNDES Exim no Tempo de Permanência das Firmas Brasileiras no Mercado Internacional...

DICHTL, E.; KOEGLMAYR, H.; MUELLER, S. International orientation as a precondition for export success. Journal of International Business Studies, v. 21, n. 1, p. 23-40, 1990.

ESTEVE-PEREZ, S. et al. A survival analysis of manufacturing firms in export markets. In: ARAUZO-CAROD, J. M.; MANJON-ANTOLIN, M. C. Entrepreneurship, Industrial Location, and Economic Growth. Edward Elgar Publishing Limited, 2007.

HELPMAN, E. Trade, FDI, and the organization of firms. Journal of Economic Literature, v. XLIV, p. 589-630, 2006.

KANNEBLEY, S.; VALERI, J. O. Persistência e permanência na atividade expor-tadora In: DE NEGRI, J.; ARAÚJO, B. C. P. O. (Org.). As empresas brasileiras e o comércio internacional. Brasília: Ipea, 2006.

MARKWALD, R.; PUGA, F. Focando a política de promoção de exportações. In: PINHEIRO, A. C.; MARKWALD, R.; PEREIRA, L. V. (Ed.). O desafio das exportações. Rio de Janeiro: BNDES, 2002. p. 97-154.

MOREIRA, S. V.; SANTOS, A. F. Políticas públicas de exportação: o caso Proex. Brasília: Ipea, 2001 (Texto para Discussão, n. 836).

MOREIRA, S. V.; TOMICH, F.; RODRIGUES, M. G. Proex e BNDES-Exim: construindo o futuro. Brasília: Ipea, 2006 (Texto para Discussão, n. 1156).

PARSONS, L. S. Reducing bias in a propensity store matched-pair simple using greedy matching techniques. Proceedings of the twenty-sixth annual users group international conference, SAS, 2001.

PEREIRA, T. R.; MACIENTE, A. N. Impactos dos mecanismos de financia-mento (ACC e ACE) sobre a rentabilidade das exportações brasileiras. Brasí-lia: Ipea, 2000 (Texto para Discussão, n. 722).

REID, S. D. The decision-maker and export entry and expansion. Journal of International Business Studies, v. 12, n. 2, p. 101-112, 1981.

ROBERTS, M.; TYBOUT, J. What makes exports boom. Washington, EUA: The World Bank, 1997a.

______. The decision to export in Colombia: an empirical model of entry with sunk costs. American Economic Review, v. 87, n. 4, p. 545-564, 1997b.

SALOMON, R. M.; SHAVER, J. M. Learning-by-exporting: new insights from examining firm innovation. Journal of Economics and Management Strategy, v. 14, n. 2, p. 431-460, 2005.

WAGNER, J. Exports and productivity: a survey of the evidence from firm-level data. The World Economy, v. 30, n. 1, p. 60-82, 2007.

Page 34: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201232

ANEXO

TABELA 1AModelo Probit – 1997

Parâmetro Coeficiente Desvio-padrão Estatística chi-quadrado Pr > ChiSq

Intercept -73.539 170.9 0.0019 0.9657

lpo 0.4920 0.0461 1.138.433 <.0001

lage -0.4175 0.1084 148.261 0.0001

lesc 0.2016 0.2026 0.9905 0.3196

Experiente 0.0485 0.0766 0.4007 0.5267

lprod 0.2472 0.0667 137.402 0.0002

v1 -0.0816 0.0751 11.812 0.2771

v2 0.5579 0.0730 584.455 <.0001

cnae2 -36.254 517.1 0.0000 0.9944

cnae2 19.769 170.9 0.0001 0.9908

cnae2 10.155 170.9 0.0000 0.9953

cnae2 0.9802 170.9 0.0000 0.9954

cnae2 0.7864 170.9 0.0000 0.9963

cnae2 -32.383 227.0 0.0002 0.9886

cnae2 0.6355 170.9 0.0000 0.9970

cnae2 10.108 170.9 0.0000 0.9953

cnae2 0.7591 170.9 0.0000 0.9965

cnae2 -30.921 326.3 0.0001 0.9924

cnae2 -30.549 675.2 0.0000 0.9964

cnae2 0.5056 170.9 0.0000 0.9976

cnae2 0.9237 170.9 0.0000 0.9957

cnae2 0.9753 170.9 0.0000 0.9954

cnae2 0.2383 170.9 0.0000 0.9989

cnae2 13.657 170.9 0.0001 0.9936

cnae2 20.905 170.9 0.0001 0.9902

cnae2 15.762 170.9 0.0001 0.9926

cnae2 10.190 170.9 0.0000 0.9952

cnae2 16.126 170.9 0.0001 0.9925

cnae2 13.601 170.9 0.0001 0.9937

cnae2 14.275 170.9 0.0001 0.9933

cnae2 -41.315 323.4 0.0002 0.9898

cnae2 0.7422 170.9 0.0000 0.9965

cnae2 -18.456 2.953.9 0.0000 0.9995

Fonte: Banco de dados do Ipea, construído a partir das informações da PIA/IBGE, da Rais/MTE e da Secex/MDIC.

Page 35: Politica Publica Ppp38

33O Impacto do BNDES Exim no Tempo de Permanência das Firmas Brasileiras no Mercado Internacional...

TABELA 2A Modelo Probit – 1998

Parâmetro Coeficiente Desvio-padrão Estatística chi-quadrado Pr > ChiSq

Intercept -70.961 100.9 0.0049 0.9440

lpo 0.4718 0.0423 1.245.019 <.0001

lage -0.1060 0.1016 10.885 0.2968

lesc 0.2086 0.2122 0.9666 0.3255

experiente -0.0718 0.0663 11.723 0.2789

lprod 0.1233 0.0562 48.197 0.0281

v1 -0.0523 0.0719 0.5300 0.4666

v2 0.5745 0.0700 673.096 <.0001

cnae2 -17.539 1601.6 0.0000 0.9991

cnae2 -33.792 419.4 0.0001 0.9936

cnae2 -22.545 265.6 0.0001 0.9932

cnae2 14.337 100.9 0.0002 0.9887

cnae2 -40.858 335.3 0.0001 0.9903

cnae2 11.381 100.9 0.0001 0.9910

cnae2 10.224 100.9 0.0001 0.9919

cnae2 11.804 100.9 0.0001 0.9907

cnae2 12.177 100.9 0.0001 0.9904

cnae2 10.081 100.9 0.0001 0.9920

cnae2 11.788 100.9 0.0001 0.9907

cnae2 -26.894 447.6 0.0000 0.9952

cnae2 0.8356 100.9 0.0001 0.9934

cnae2 14.329 100.9 0.0002 0.9887

cnae2 0.8160 100.9 0.0001 0.9936

cnae2 0.6395 100.9 0.0000 0.9949

cnae2 12.812 100.9 0.0002 0.9899

cnae2 22.165 100.9 0.0005 0.9825

cnae2 -25.714 339.6 0.0001 0.9940

cnae2 14.199 100.9 0.0002 0.9888

cnae2 17.564 100.9 0.0003 0.9861

cnae2 -29.441 164.5 0.0003 0.9857

cnae2 17.169 100.9 0.0003 0.9864

cnae2 16.870 100.9 0.0003 0.9867

cnae2 16.712 100.9 0.0003 0.9868

cnae2 -26.178 948.5 0.0000 0.9978

Fonte: Banco de dados do Ipea, construído a partir das informações da PIA/IBGE, da Rais/MTE e da Secex/MDIC.

Page 36: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201234

TABELA 3AModelo Probit – 1999

Parâmetro Coeficiente Desvio-padrão Estatística chi-quadrado Pr > ChiSq

Intercept -81.666 108.6 0.0057 0.9401

lpo 0.5172 0.0436 1.404.968 <.0001

lage -0.1212 0.0991 14.972 0.2211

lesc 0.0313 0.2280 0.0188 0.8909

experiente -0.0321 0.0694 0.2139 0.6437

lprod 0.2547 0.0641 157.792 <.0001

v1 -0.0825 0.0734 12.616 0.2614

v2 0.5032 0.0717 493.135 <.0001

cnae2 -21.242 1635.0 0.0000 0.9990

cnae2 -31.256 516.8 0.0000 0.9952

cnae2 15.661 108.6 0.0002 0.9885

cnae2 13.336 108.6 0.0002 0.9902

cnae2 -40.926 315.6 0.0002 0.9897

cnae2 11.959 108.6 0.0001 0.9912

cnae2 0.7187 108.6 0.0000 0.9947

cnae2 0.4304 108.6 0.0000 0.9968

cnae2 11.822 108.6 0.0001 0.9913

cnae2 12.196 108.6 0.0001 0.9910

cnae2 -31.987 182.3 0.0003 0.9860

cnae2 -26.623 415.2 0.0000 0.9949

cnae2 0.3455 108.6 0.0000 0.9975

cnae2 0.8571 108.6 0.0001 0.9937

cnae2 10.456 108.6 0.0001 0.9923

cnae2 0.9650 108.6 0.0001 0.9929

cnae2 11.109 108.6 0.0001 0.9918

cnae2 19.746 108.6 0.0003 0.9855

cnae2 -28.734 279.8 0.0001 0.9918

cnae2 13.028 108.6 0.0001 0.9904

cnae2 15.505 108.6 0.0002 0.9886

cnae2 0.9211 108.6 0.0001 0.9932

cnae2 17.167 108.6 0.0002 0.9874

cnae2 10.837 108.6 0.0001 0.9920

cnae2 15.940 108.6 0.0002 0.9883

cnae2 -15.221 1.240.4 0.0000 0.9990

Fonte: Banco de dados do Ipea, construído a partir das informações da PIA/IBGE, da Rais/MTE e da Secex/MDIC.

Page 37: Politica Publica Ppp38

35O Impacto do BNDES Exim no Tempo de Permanência das Firmas Brasileiras no Mercado Internacional...

TABELA 4AModelo Probit – 2000

Parâmetro Coeficiente Desvio-padrão Estatística chi-quadrado Pr > ChiSq

Intercept -85.766 169.5 0.0026 0.9596

lpo 0.6456 0.0455 2.015.003 <.0001

lage -0.2236 0.0959 54.333 0.0198

lesc -0.2495 0.1703 21.460 0.1429

experiente 0.0154 0.0719 0.0459 0.8303

lprod 0.2656 0.0621 182.843 <.0001

v1 -0.1441 0.0791 33.203 0.0684

v2 0.5908 0.0746 626.431 <.0001

cnae2 -27.908 698.3 0.0000 0.9968

cnae2 -26.161 388.3 0.0000 0.9946

cnae2 17.084 169.5 0.0001 0.9920

cnae2 -46.008 442.6 0.0001 0.9917

cnae2 16.065 169.5 0.0001 0.9924

cnae2 12.740 169.5 0.0001 0.9940

cnae2 16.151 169.5 0.0001 0.9924

cnae2 10.743 169.5 0.0000 0.9949

cnae2 13.767 169.5 0.0001 0.9935

cnae2 -31.064 275.8 0.0001 0.9910

cnae2 -27.620 605.2 0.0000 0.9964

cnae2 13.368 169.5 0.0001 0.9937

cnae2 12.479 169.5 0.0001 0.9941

cnae2 12.357 169.5 0.0001 0.9942

cnae2 11.387 169.5 0.0000 0.9946

cnae2 17.378 169.5 0.0001 0.9918

cnae2 20.869 169.5 0.0002 0.9902

cnae2 -25.793 453.8 0.0000 0.9955

cnae2 17.963 169.5 0.0001 0.9915

cnae2 16.048 169.5 0.0001 0.9924

cnae2 14.978 169.5 0.0001 0.9930

cnae2 18.714 169.5 0.0001 0.9912

cnae2 -46.196 317.3 0.0002 0.9884

cnae2 18.287 169.5 0.0001 0.9914

cnae2 -14.886 2.881.5 0.0000 0.9996

Fonte: Banco de dados do Ipea, construído a partir das informações da PIA/IBGE, da Rais/MTE e da Secex/MDIC.

Originais submetidos em julho de 2010. Última versão recebida em outubro de 2011. Aprovado em novembro de 2011.

Page 38: Politica Publica Ppp38
Page 39: Politica Publica Ppp38

METODOLOGIAS APLICADAS AO ESTUDO DAS INSTITUIÇÕES E DO PROCESSO ORÇAMENTÁRIO NA AMÉRICA LATINAPedro Luiz Cavalcante*

Rafael Silveira e Silva**

O presente artigo pretende trazer reflexões sobre os avanços, as potencialidades e as limitações metodológicas dos estudos sobre instituições e orçamento na América Latina, buscando captar a sofisticação e a diversidade das metodologias adotadas nessa recente e promissora área de estudo. Primeiramente, abordamos uma série de pesquisas comparativas de caráter quantitativo que procuram explicar os determinantes políticos e institucionais do desempenho fiscal dos governos. Tais pesquisas são subdivididas em três vertentes de acordo com as variáveis independentes utilizadas para explicar o comportamento fiscal dos países, representados pelo tamanho e a composição dos gastos governamentais, seus níveis de déficit e de arrecadação. A despeito da sofisticação e da diversidade das metodologias aplicadas e, consequentemente, de suas condições de generalização, a linha de pesquisa também se direcionou para a aplicação de estudos de casos. Essa estratégia complementar visa contornar algumas limitações dos estudos comparados, ao aprofundar os contextos institucionais peculiares a cada país, incorporando outras dimensões relevantes nas análises. Logo, no enfoque qualitativo são ressaltados aspectos como: i) características dos atores; ii) determinantes institucionais que condicionam seus incentivos; iii) regras formais e informais do jogo político; e iv) reflexões acerca de outras dimensões políticas que não apenas a sustentabilidade fiscal. Com efeito, a revisão de literatura ressalta a importância de se utilizar ferramentas analíticas distintas na análise do complexo relacionamento entre política e economia, diante dos intensos processos de democratização e globalização que os países latino-americanos vêm passando nas últimas duas décadas.

Palavras-chave: Metodologia; Instituições; Orçamento; Comportamento Fiscal; América Latina.

APPLIED METHODS ON INSTITUTIONS AND BUDGETING RESEARCH IN LATIN AMERICA

This article aims to discuss the advances, strengths and limitations of methods applied on institutions and budgeting research in Latin America. The goal is to capture the sophistication and diversity of the methodological approaches in this new and promising area of study. First, we address a range of comparative quantitative inquiries that seek to explain the political and institutional determinants of fiscal government performances. The researches are divided into three parts according to the independent variables used to explain the countries fiscal behavior, represented by the size and composition of government spending, their deficit levels and tax collection. Despite the sophistication and variety of methods, consequently, its conditions of generalization, the research area has also turned towards case studies application. This complementary strategy aims to overcome some limitations of the comparative studies by focusing on the specific institutional

* Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). Doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB). E-mail: [email protected]** Consultor legislativo do Senado Federal e professor de Ciência Política na Universidade de Brasília (UnB) e na Uni-versidade do Legislativo (Unilegis). Doutorando e mestre em Ciência Política pela UnB. E-mails: [email protected], [email protected]

Page 40: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201238

contexts of each country and by incorporating other relevant dimensions in the analysis as well. Thus, this qualitative approach emphasizes aspects such as: (i) characteristics of the political actors, (ii) institutional determinants that affect their incentives, (iii) formal and informal rules of the political game, (iv) reflections on other policy dimensions beyond fiscal sustainability. Therefore, the literature review outlines the importance of different analytical tools available to analyze the complex relationship between politics and economy in a context of intense democratization and globalization that Latin Americans have been through the last two decades.

Key-words: Methodology; Institutions; Budget; Fiscal Behavior; Latin America.

METODOLOGÍAS PARA EL ESTUDIO DE LAS INSTITUCIONES Y EL PROCESO PRESUPUESTARIO EN AMÉRICA LATINA

Este artículo pretende aportar reflexiones sobre los progresos, potencialidades y limitaciones de los estudios metodológicos y de las instituciones presupuestarias en América Latina. Además, desease capturar la complejidad y diversidad de enfoques metodológicos en esta área nueva de investigación. En primer lugar, nos dirigimos a una serie de investigaciones comparativas de carácter cuantitativo, que tratan de explicar los determinantes políticos e institucionales del desempeño fiscal de los gobiernos. Este tipo de investigación se divide en tres partes de acuerdo a las variables independientes para explicar el comportamiento fiscal de los países representados por el tamaño y la composición de los niveles de gasto público, déficits y ingresos. A pesar de la complejidad y la diversidad de metodologías y, en consecuencia, sus condiciones de generalización de sus inferencias, la línea de investigación también se dirige a la aplicación de estudios de caso. Esta estrategia complementaria apunta a eludir algunas limitaciones de los estudios comparados para profundizar en los contextos institucionales de cada país, incorporando otras dimensiones relevantes en el análisis. Así, en el enfoque cualitativo se ponen de relieve, tales como: (i) las características de los actores, (ii) los factores determinantes institucionales que afectan a los incentivos, (iii) las reglas formales e informales del juego político, (iv) la reflexión sobre las dimensiones de política y no sólo la sostenibilidad fiscal. En efecto, la revisión de la literatura pone de relieve la importancia de utilizar diferentes herramientas en el análisis de la compleja relación entre política y economía, delante de los intensos procesos de democratización y globalización que los latinoamericanos han enfrentado en las últimas dos décadas.

Palabras-clave: Metodología; Instituciones; Presupuesto; Comportamiento Fiscal; América Latina.

MÉTHODOLOGIES POUR L’ÉTUDE DES INSTITUTIONS ET LE PROCESSUS BUDGÉTAIRE EN AMÉRIQUE LATINE

Cet article vise à apporter des réflexions sur le progrès, potentiel et les limites des études méthodologiques et des institutions budgétaires en Amérique latine cherchent à capturer la sophistication et la diversité des approches méthodologiques dans ce domaine nouveau et prometteur de l’étude. Premièrement, nous abordons une série de recherches comparatives de nature quantitative qui cherchent à expliquer les déterminants politiques et institutionnels de la performance budgétaire des gouvernements. Une telle recherche est divisée en trois parties selon les variables indépendantes utilisées pour expliquer le comportement budgétaire des pays, représentés par la taille et la composition de dépenses publiques, le niveaux de déficit e las recettes. Malgré la sophistication et la diversité des méthodologies et, par conséquent, de ses conditions de généralisation, la ligne de recherche est également dirigée vers l’application des études de cas. Cette stratégie complémentaire vise à contourner certaines limitations des études par

Page 41: Politica Publica Ppp38

39Metodologias Aplicadas ao Estudo das Instituições e do Processo Orçamentário na América Latina

rapport à approfondir les contextes institutionnels propres à chaque pays, en incorporant d’autres dimensions pertinentes dans l’analyse. Ainsi, l’approche qualitative sont mises en évidence telles que: (i) les caractéristiques des acteurs politiques, (ii) les déterminants institutionnels qui affectent leurs incitations, (iii) les règles formelles et informelles du jeu politique, (iv) des réflexions sur les dimensions politiques d’autres que non seulement la viabilité budgétaire. En effet, la revue de la littérature souligne l’importance de l’utilisation de différents outils analytiques à analyser la relation complexe entre politique et économie dans le visage des processus intense de la démocratisation et la mondialisation qui les Latino-Américains ont été va des deux dernières décennies.

Mots-clés: Méthodologie; Institutions; Budget; Comportement Fiscale; Amérique Latine.

1 INTRODUÇÃO

Com o auxílio de um arcabouço metodológico mais sofisticado, a perspectiva neoinstitucionalista resgatou a importância do estudo das instituições políticas no campo das Ciências Sociais. A partir de meados da década de 1980, esse enfoque foi retomado nas análises da explicação do comportamento político, do processo decisório e dos resultados das políticas públicas.

Nesse sentido, os estudos neoinstitucionais também têm focado na questão do orçamento público, haja vista sua influência nas decisões do governo acerca do financiamento e da destinação dos recursos arrecadados na sociedade civil. A abordagem do orçamento ganha mais relevância na medida em que cada vez mais é utilizada como instrumento da política fiscal do governo.

Majoritariamente, o orçamento é analisado sob o ponto de vista macroe-conômico, deixando-se de observar como e por que governos podem incorrer em persistentes déficits fiscais, em uma visão meramente de “partidas dobradas”, notando apenas em quanto os gastos são maiores ou menores do que as receitas e como isso afeta a política econômica. Outro aspecto também notório é a visão do orçamento público como peça estritamente técnica, deixando de compreender por que, em alguns países, os déficits e a desordem do próprio processo orçamen-tário estão longe de ser fatos excepcionais.

O que essas duas abordagens ignoram é o fato de o processo orçamentário englobar tanto etapas de elaboração técnica quanto de negociação política em torno dos recursos públicos e de seus programas de gastos. Tamanha é a dimensão orçamentária que se observa um processo rico de influência recíproca relativa-mente às demais instituições políticas, uma vez que revela muito sobre a natureza do Estado e do regime político existente.

Desse modo, observa-se a ascensão de estudos que buscam destacar a in-fluência da configuração das instituições políticas sobre o desempenho fiscal e orçamentário dos governos. Em um primeiro momento, esses estudos pauta-ram-se em análises comparativas que se iniciaram em países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e, logo em seguida,

Page 42: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201240

foram aplicados a casos latino-americanos. A célere produção se explica pelo fato de que, especialmente no início da década de 1990, vários países da Amé-rica Latina começaram a empreender ampla estratégia de contenção de gastos, tendo em vista a situação de crise fiscal na qual se encontravam e a necessidade de efetivar a devida transição democrática.

Assim, diante da importância do tema, o presente trabalho pretende trazer reflexões sobre os avanços, as potencialidades e as limitações metodológicas dessa promissora área de estudo que se dedica a compreender as relações entre as ins-tituições e o orçamento na América Latina. Na seção 2, o artigo traz breve apre-sentação de algumas abordagens sobre o tema instituições e suas possibilidades de conexão com o tema orçamento público. Em seguida, na seção 3, são discutidas as análises comparadas com foco quantitativo e, posteriormente, os estudos de caso. A maior preocupação é debater as contribuições, os métodos e as limitações dessa linha de pesquisa, evidenciando o caráter complementar dos métodos adotados. Por fim, na seção 4, algumas conclusões são desenvolvidas de modo a ressaltar a evolução das pesquisas nessa área de estudo.

2 POR QUE AS INSTITUIÇÕES?

As primeiras questões do estudo da política se direcionavam à natureza das ins-tituições governamentais, especialmente o Estado, e de que forma a estrutura poderia influenciar o comportamento dos governantes ou dos governados para se alcançar melhores fins. A preocupação com a natureza das instituições e de que como a estrutura molda o comportamento dos indivíduos esteve no cerne da Ciência Política desde os pensadores clássicos como Aristóteles, passando pelos contratualistas Hobbes, Locke e Montesquieu, porém com enfoque e estratégias empíricas variadas.

No século XX, após a predominância da escola behaviorista e da teoria da escolha racional, nota-se a retomada de temas negligenciados nas Ciências Sociais, tais como a relevância do Estado, a percepção de sua complexidade, a atenção à estrutura burocrática e o uso de métodos comparativos históricos. Temas esses cujas questões dificilmente encontrariam respostas sem levar em consideração o papel e a importância das instituições.

Mas o que são as instituições? É inevitável levarmos em conta a definição trazida por North (1990), segundo a qual são as regras, formais ou informais, criadas para regular a interação entre os indivíduos em uma sociedade. Tais ins-tituições estruturam os incentivos da troca entre as pessoas, seja essa econômica, política, seja social. Portanto, podem incluir desde acordos formais para regular o processo decisório e a interação entre indivíduos como também rotinas, cos-tumes, hábitos, normas sociais e cultura (MARCH; OLSEN, 1989). Essas in-

Page 43: Politica Publica Ppp38

41Metodologias Aplicadas ao Estudo das Instituições e do Processo Orçamentário na América Latina

terpretações convergem com os desafios elencados por Ostrom (1999) de que as instituições são invisíveis, requerem padronização em função de sua abordagem multidisciplinar e também envolvem múltiplos níveis de análise.

No campo das políticas públicas, Immegurt (2006) salienta que foram jus-tamente esses estudos que ajudaram a ressuscitar o interesse pelas instituições, uma vez que as pesquisas foram evidenciando que os resultados das políticas não poderiam se pautar somente em preferências dos cidadãos, equilíbrio de grupo de interesses ou forças de estruturas sociais, como classes, por exemplo.

Assim, proliferaram pesquisas com vista a verificar em que medida as institui-ções importam na explicação da ação, processos e resultados, como a coletânea de pesquisas sobre a relevância das instituições sobre as capacidades governamentais de Weaver e Rockman (1993), que concluem que as instituições são relevantes, mas ressaltam que não existe configuração institucional perfeita e recomendável para oti-mizar a governança. A combinação de determinado arranjo institucional com um conjunto de condições políticas e sociais podem tanto culminar em oportunidades de aperfeiçoamento quanto propiciar riscos à capacidade governamental. Na análise da política social nos Estados Unidos, Weir, Orloff e Skocpol (1988) unem uma série de trabalhos voltados a compreender as razões que levaram à não formação de uma rede de proteção social aos moldes dos países europeus. Almeja-se, assim, identificar o papel dos limites institucionais no processo. Com estratégias distintas, os estudos demonstram que as instituições políticas têm moldado as políticas sociais e econô-micas dos Estados Unidos, definindo os conflitos políticos nos quais cada estado e estruturas partidárias afetam os resultados das políticas públicas.

Immergut (1996), a partir da análise do comportamento do atores envolvi-dos nas discussões da política de saúde na França, na Suíça e na Suécia, argumenta que as normas constitucionais e os resultados eleitorais constrangem a capacidade dos governos em reformar. Tais instituições modificam o peso relativo dos atores e, logo, influenciam nas estratégias adotadas pelos grupos de interesses na defesa de suas preferências. A autora conclui que os resultados distintos na política social só podem ser explicados com base na análise das instituições políticas de cada país. O arcabouço dessas normas institucionais, composto por regras de jure – desenho institucional – e de fato, origina-se nos resultados eleitorais e nos sistemas partidá-rios e determina lógicas do processo decisório, que definem os parâmetros da ação do governo e da influência dos grupos de interesse.

As conclusões desses estudos corroboram com a afirmação de Thelen e Steinmo (1992) de que as estruturas institucionais influenciam os resultados, embora não seja a sua única causa. Mais importante do que as características for-mais das instituições estatais e sociais é como a configuração institucional dada modela as interações políticas.

Page 44: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201242

Para que servem as instituições? As instituições possuem várias funções: re-duzir as incertezas, introduzir regularidade e estabilidade ao dia a dia, servir de guia para as interações humanas, propagar informação, determinar as estruturas de incentivos e ajudar as pessoas a decodificar o contexto social, de forma a torná--las aptas para fazer escolhas e tomar decisões.

A importância dessas funções reflete-se principalmente naquilo que Herbert Simon denominou “racionalidade limitada”. Segundo North (1990), esse concei-to pode ser entendido pelo fato de que os agentes não são capazes de deter todas as informações nem de processá-las. Ademais, nos diversos campos das relações sociais, as informações são conhecidas de forma assimétrica, o que permite desi-gualdades de poder frente a um ato de troca. Partindo desse pressuposto, os agen-tes buscam formas de obter as informações necessárias para fazer a melhor escolha possível e também para assegurar que os contratos estabelecidos para que cada ato seja cumprido. As informações e a segurança no cumprimento dos termos de troca só podem ser obtidas mediante custos: os custos de transação.

Esses incorporam os custos de mensuração, de avaliação do produto a ser transacionado, os custos que assegurem os direitos de propriedade e o cumpri-mento das normas vigentes, sejam formais, sejam informais. A existência de custos de transação justifica o surgimento de instituições econômicas, sociais e políticas, de forma a tentar reduzi-los (TOYOSHIMA, 1999). Desse modo, os atores criam as instituições, fundamentalmente, para obter ganhos de cooperação, ou seja, as instituições são vistas como instrumentos estabilizadores do processo decisório.

Esse elemento de estabilidade de que aparentemente se revestem as ins-tituições não significa que não sejam modificáveis, pois os diferentes padrões de interação nos vários setores sociais encontram explicação nos processos de evolução de suas instituições, resultando em variados desempenhos – políticos ou econômicos.

Se utilizarmos a tipologia de instituições como regras formais e informais, North (1990) enfatiza que as várias formas de correlação entre elas determinam a estrutura institucional. Mais precisamente, as regras formais podem ser enten-didas como “decorrentes” das informais, em um processo gradual e não descontí-nuo. Dada a coexistência entre essas duas formas de limitação, para North, apenas a informal aparentemente determina a dimensão temporal da mudança.

Dá-se a entender que a mudança possui característica de um gradualismo incremental, o que implica clara ideia de continuidade do processo histórico, a despeito da descontinuidade apresentada algumas vezes pelas regras formais. Desse modo, observa-se o aspecto central no debate acerca da estabilidade e da mudança das instituições, tendo como base analítica fundamental a avaliação dos processos históricos.

Page 45: Politica Publica Ppp38

43Metodologias Aplicadas ao Estudo das Instituições e do Processo Orçamentário na América Latina

Sem a história, não há sentido claro de causalidade e muito menos percepção de como as instituições afetam umas as outras. Um dos conceitos-chave na aborda-gem temporal é o de dependência da trajetória, que envolve dinâmicas de autorre-forço (self-reinforcing) ou processos de retroalimentação positiva (positive feedbacks) em um sistema político. Processos dessa natureza, que em seus estágios iniciais ocor-rem por meio de eventos aparentemente independentes, podem produzir múltiplos resultados e, uma vez estabelecida trajetória ou traço de continuidade, tornam a reversão ou a possibilidade de mudanças muito difícil.

Assim, a análise temporal ganha relevância, tendo em vista que: i) os primeiros passos em um processo de institucionalização podem restringir várias opções dispo-níveis posteriormente; ii) a identificação dos mecanismos que geram tais constran-gimentos podem ser fontes importantes de percepção para certos movimentos de mudanças; e iii) certas influências de relevo no curso do desenvolvimento institu-cional apenas são perceptíveis por longo período de observação e dificilmente são capturados por meio de análises focalizadas.

Para North (1990), o processo histórico de uma sociedade só pode ser com-preendido por meio da análise do seu desenvolvimento institucional, ou seja, é possível verificar que nos arranjos institucionais estabelecidos pode haver condi-ções estruturantes para sua própria revisão (PIERSON, 2005). Assim, no estudo das instituições, mais que enfatizar os fatores da resistência ou da mudança, stricto sensu, torna-se relevante dar atenção à maneira pela qual prévios arranjos institucionais podem conduzir ou constranger posteriores esforços relativamente à inovação.

Portanto, a síntese pode ser identificada ao reconhecer que os atores agem racionalmente e de forma estratégica, mas as alternativas de ação percebidas por eles são, elas próprias, moldadas socialmente. Ainda assim, a capacidade dos agentes de alterar a estrutura institucional é restrita, devido à trajetória histórica e à forma pela qual ela restringe o arsenal de alternativas relevantes (HALL; TAYLOR, 2003).

3 INSTITUIÇÕES E ESTUDOS ORÇAMENTÁRIOS NA AMÉRICA LATINA

As reformas estruturais empreendidas pelos países capitalistas têm suas origens na crise fiscal iniciada após o choque do petróleo em meados da década de 1970, que culminou em uma longa e profunda recessão que combinava baixas taxas de cres-cimento com altas taxas de inflação. Em resposta, a maioria dos países da OCDE adotou medidas contracionistas, embora em graus distintos. Enquanto o governo inglês introduziu ações mais extremadas, como abolição de controle sobre fluxos financeiros e cortes nos gastos sociais, outras nações europeias também enfatiza-ram disciplina orçamentária e reformas fiscais, mas com cortes menos drásticos

Page 46: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201244

nos gastos sociais e uma política de menos enfrentamento com o movimento sindical (ANDERSON, 1995).

Por outro lado, boa parte da América Latina seguiu o caminho contrário, ou seja, optou em continuar a política de crescimento e o modo de intervenção estatal (substituição de importações). Tais estratégias de expansão econômica levaram os países a aumentar de forma considerável o endividamento que, por sua vez, gerou o desequilíbrio financeiro estrutural do setor público dos estados da região, marcado pelo aumento do déficit público, encolhimento das poupanças públicas, explosão dos níveis da dívida pública e evaporação do crédito público (BRESSER PEREIRA, 1989, 1991). Com efeito, os anos 1980 foram conhecidos como “década perdida”, pois neles predominou a estagnação da economia e a hiperinflação.

Diante dessa grave conjuntura macroeconômica, o debate acerca da redefi-nição do papel do Estado e do modo de intervenção deste na economia tem se mantido na agenda governamental. Nesse ínterim, diversas instituições sofreram transformações que definitivamente alteraram a estrutura e o modo de funciona-mento do aparelho estatal.

Com atraso de aproximadamente dez anos, os países latino-americanos tam-bém iniciaram seus processos reformistas. No tocante à questão fiscal, a preocu-pação era latente devido a constantes déficits, endividamento externo e ampliação dos gastos públicos. Ademais, o processo de democratização da região ampliou o descontentamento em relação ao gasto público e, consequentemente, eviden-ciou maior demanda por transparência e qualidade nos dispêndios dos governos (FILC; SCARTASCINI, 2004).

Nesse sentido, as reformas das instituições orçamentárias tinham como objetivo, em um primeiro momento, aperfeiçoar a política fiscal e lhe conferir mais transparência, de modo a ampliar o controle do gasto público. Em seguida, almejou-se introduzir no governo princípios de eficiência e gestão por resultados, o que ainda é bastante incipiente na América Latina, como bem expõe Curristine e Bas (2007) com base em um survey sobre práticas orçamentárias na região:

Dos 13 que responderam o survey, onze aprovaram uma nova lei fiscal, embora elas variem bastante no tipo e no alcance da reforma. Entretanto, o foco tem sido maior na busca de controle e disciplina fiscal do que propriamente na implementação de um sistema orçamentário voltado para o desempenho. (p. 86).

O fato de as reformas e seus efeitos terem sido distintos demonstra ainda mais a relevância de se buscar explicações para esses fenômenos. Desse modo, as pesquisas que visam compreender os resultados orçamentários e fiscais dos países auxiliam de forma direta e indireta os processos reformistas, seja do ponto de vista

Page 47: Politica Publica Ppp38

45Metodologias Aplicadas ao Estudo das Instituições e do Processo Orçamentário na América Latina

positivista, ao identificar qual arcabouço institucional é mais propenso ao alcance dos objetivos das reformas, seja em termos prescritivos, quando indica quais os caminhos mais adequados à disciplina fiscal.

De maneira geral, a literatura enfatiza que a natureza das instituições im-porta nos momentos da formulação, aprovação e implementação do orçamento e, logo, nos resultados fiscais de um país. Não obstante, é possível dividir a área de estudo que analisa o processo orçamentário sob a ótica das instituições em duas grandes abordagens: uma comparada quantitativa e outra com base em estudos de caso.

3.1 Primeiros estudos comparados: a preocupação com o equilíbrio fiscal

Do ponto de vista metodológico, as pesquisas comparadas se fundamentam em consistentes bases empíricas, utilizam indicadores e modelos multivariados para analisar os determinantes políticos e institucionais dos resultados fiscal e orçamentário das nações. Com efeito, os esforços de síntese e uniformização dos parâmetros e indicadores das análises se apresentam como estratégias empíricas centrais com vista a ampliar a validade externa das pesquisas, isto é, a capacidade de se prover generalizações das inferências.

Os estudos convergem na escolha das variáveis dependentes, pois normal-mente se baseiam em fatores como o tamanho e a composição dos gastos gover-namentais, os níveis de déficit e de arrecadação para caracterizar o desempenho fiscal. Todavia, as principais diferenças se encontram na seleção das variáveis ex-plicativas dos modelos, o que subsidia a classificação de três diferentes vertentes: institucionalistas eleitorais, institucionalistas fiscais ou orçamentários e uma ter-ceira corrente que se propõe agregar pressupostos das duas primeiras.

3.1.1 Institucionalistas eleitorais

A primeira corrente enfatiza a importância do papel das instituições políticas, tais como o formato do sistema eleitoral, o tipo de regime político, o federalis-mo e o papel do Gabinete do Executivo sobre o desempenho fiscal. O termo institucionalistas eleitorais foi criado por uns de seus expoentes, Hallerberg e Von Hagen (1997) em revisão da literatura pioneira das pesquisas aplicadas em países europeus. O foco são os efeitos diretos e indiretos das regras eleitorais e de outras variáveis subjacentes à dinâmica política sobre no tamanho do déficit orçamen-tário, ou seja, o papel do sistema na modelagem dos incentivos aos políticos no momento das decisões alocativas e de seus resultados.

Nesse sentido, Hallerberg e Von Hagen (op. cit.) examinam as escolhas de 15 países da União Europeia entre os anos de 1981 e 1994. A hipótese é que as instituições eleitorais importam porque elas restringem o tipo de configuração

Page 48: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201246

orçamentária disponível ao governo. Em outras palavras, a configuração do tipo delegação com forte ministro das Finanças é possível em Estados com governos de um partido e com sistemas eleitorais plurais, enquanto em governos de mais de um partido, mais comuns em Estados de representação proporcional, os mem-bros da coalizão não se submetem a esse formato de delegação. Nesse caso, uma alternativa é o estabelecimento de metas fiscais como forma de gerar cooperação no governo; contudo, essa estratégia do tipo comprometimento é menos eficaz na redução dos déficits.

Diante do debate, Hallerberg e Von Hagen (op. cit.) mapeiam o impacto da configuração partidária do governo sobre o mecanismo adotado pelo país e confirmam a premissa de que em governos de partido único tende a prevalecer a delegação, ao passo que o comprometimento prevalece na outra situação, presen-te em 13 dos 15 casos analisados, exceto Grécia e Grã-Bretanha. Em seguida, os autores aplicam o método de mínimos quadrados ordinários (MQO) em dados longitudinais, usando como principal variável explicativa do modelo a dummy ministro das Finanças forte. As demais variáveis são divididas em dois grupos: o primeiro engloba as flutuações da economia de cada país, como desemprego e taxa de crescimento, enquanto o segundo é composto por aspectos de natureza política, como a ideologia partidária do governo a mudanças do Gabinete.

Os resultados da regressão confirmam a hipótese de que o ministro da Fazenda forte é mais efetivo na manutenção do déficit mais baixo que a opção do compromisso. Por outro lado, com exceção da mudança no Gabinete, as de-mais variáveis políticas foram pouco significativas. Entretanto, foi detectado tam-bém efeito interativo entre ministro forte e metas negociadas com a mudança no Gabinete; logo, os termos de interação foram significativos e negativos, isto é, as consequências da instabilidade política parecem ser neutralizadas tanto quando um país opta pela configuração de delegação quanto de compromisso.

Com o foco na América Latina, Hallerberg e Marier (2004), seguindo a pesquisa anterior, argumentam que o fortalecimento de um ator dominante no processo orçamentário no âmbito do Executivo melhora a disciplina fiscal nos sis-temas presidenciais ou parlamentares de partido único na região. Em contraparti-da, o mesmo fortalecimento do Executivo em relação ao Legislativo não apresenta implicações em termos de disciplina fiscal, uma vez que a disciplina só ocorre em países nos quais o voto pessoal é alto. Nesses casos, em que o Brasil se encaixa, o sistema eleitoral favorece a eleição de indivíduos em detrimento aos partidos, o que incentiva os políticos a prover bens particularistas a grupos específicos para serem reeleitos, embora o fortalecimento do Executivo leve ao maior controle das contas públicas. Em outras palavras, o impacto das instituições orçamentárias nos resultados fiscais seria dependente da configuração do sistema eleitoral.

Page 49: Politica Publica Ppp38

47Metodologias Aplicadas ao Estudo das Instituições e do Processo Orçamentário na América Latina

Com base em dados longitudinais de 20 nações latino-americanas e do Caribe no período 1988-1997, os autores adicionam uma variável dependente defasada para corrigir a autocorrelação, além de crescimento econômico como variável de controle. Espera-se que o equilíbrio orçamentário sofra influência das condições econômicas. Os resultados da regressão indicam que o crescimento do voto pessoal tem efeito negativo, como esperado, e o termo de interação com a força do Executivo é positivo. Embora não conclusivo, Hallerberg e Marier (2004) sugerem que, mesmo que os efeitos práticos de procedimentos centrali-zados em torno do presidente sejam pequenos quando o voto pessoal é alto na legislatura, quanto mais o sistema é centralizado, mais ele terá efeito importante em reduzir os déficits quando o voto pessoal no Parlamento é alto. Por fim, o trabalho recomenda que em países com dificuldades fiscais e forte fragmentação no Parlamento, como é o caso brasileiro, a mudança do sistema eleitoral de lista aberta para proporcional de lista fechada poderia ser alternativa para amenizar problemas do processo orçamentário.

3.1.2 Institucionalistas orçamentários

A segunda vertente, denominada de institucionalistas orçamentários, propõe-se a analisar comparativamente o papel das instituições, isto é, o conjunto de regras, procedimentos e práticas relativos ao processo orçamentário sob a formulação, aprovação, implementação e, consequentemente, resultados das contas públicas. Assim como a corrente anterior, os estudos iniciaram tendo como objeto de aná-lise países europeus e, posteriormente, foram replicados na América Latina.

Primeiramente, para elaborar e padronizar as variáveis institucionais, os trabalhos tratam os dados de surveys aplicados com autoridades orçamentárias dos países. Para criar o índice de instituições orçamentárias (Budget Institutional Index), Alesina et al. (1996) utilizam o que eles consideram a forma mais sim-ples de construção de um índice: a média da soma das escalas provenientes das respostas de cada país entre os anos de 1980-1992. As questões se basearam em três pressupostos que indicam a propensão à disciplina fiscal: leis que estabe-lecem restrições ex ante ao déficit; regras e procedimentos de cima para baixo (top-down) ou hierárquicas; e processos mais transparentes. A partir daí, os au-tores classificam essas instituições em hierárquicas e colegiadas. As primeiras implicam restrições ex ante ao tamanho do déficit, adotam procedimentos de votação cima para baixo e são transparentes, enquanto as colegiadas são justa-mente o oposto.

Entretanto, ressalte-se que o fato de o índice possuir pouca variação no decorrer do tempo, aliado ao número reduzido de países, inviabiliza explo-rar o dinamismo temporal das variáveis por meio de análise longitudinal, além de reduzir os graus de liberdade do modelo econométrico. Para amenizar esses

Page 50: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201248

problemas, Alesina et al. (1996) optam pela regressão em dois estágios (two steps estimation). No primeiro estágio, eles excluem as variáveis de instituições orçamentárias – sem variação temporal – e estimam, por meio de regressão de efeitos fixos, o resto das variáveis independentes, isto é, uma série de fatores predominan-temente de natureza econômica, tais como crescimento do produto interno bruto (PIB), crescimento real do consumo, grau de abertura do comércio, entre outros. Em um segundo momento, as estimativas de efeitos fixos do primeiro estágio são regredidas para a variável de instituição orçamentária e o termo de erro. Nesse caso, usando mínimos quadrados ponderados para corrigir heteroscedasticidade, o próprio índice e duas dummies para os países com escores alto e médio são incluídos.

Os resultados confirmam as premissas de que quanto mais hierárquico e mais transparente o processo orçamentário, maior a tendência de disciplina fiscal, representada pelo déficit primário médio. Com efeito, predomina a percepção de que, ao delegar mais poder ao responsável pela política fiscal, normalmente o ministro da Fazenda, maiores as chances de redução do déficit, como acrescenta Alston et al. (2005):

A presença de um ministro de finanças junto com um forte Poder Executivo, a estrutura do processo orçamentário, como a legislatura lida com a proposta orça-mentária, como o orçamento é implementado e executado e se existe algum veto ex post ou controle são os elementos-chaves que forçam os decisores, especialmente o Congresso, a levar em conta os verdadeiros benefícios e custos do incremento dos gastos e da taxação. (p. 11).

Anos mais tarde, Filc e Scartascini (2004) desenvolveram novo índice de regras fiscais e procedimentos orçamentários com base nos pressupostos adotados por Alesina et al. (1996) e Stein, Talvi e Grisanti (1998), entretanto, adicionando um conjunto mais abrangente de questões. A fonte de dados é de um survey mais recente de práticas e procedimentos orçamentários, elaborado pela OCDE em parceria com o Banco Mundial. A construção dos índices também segue a meto-dologia das pesquisas anteriores, incluindo informações sobre aspectos relativos a regras fiscais, hierarquia e transparência, embora o número de questões tenha sido ampliado de dez para 22. A amostra inclui 43 países que responderam os questionários, sendo 11 da América Latina.

Para traçar comparações com os resultados apresentados por Alesina et al. (1996), os autores utilizaram as mesmas variáveis independentes e dependentes; no entanto, com dados atualizados para a atual década. O recorte dos dados é transversal (cross section), em grande medida, a partir das médias dos indicadores de 2000 a 2002. Além disso, as regressões foram rodadas para todos os países da amostra, para os em desenvolvimento e também para os latino-americanos. Desse modo, foi possível explicar os resultados e as correlações, bem como traçar com-parações entre esses grupos de países.

Page 51: Politica Publica Ppp38

49Metodologias Aplicadas ao Estudo das Instituições e do Processo Orçamentário na América Latina

Apesar de a amostra mundial não ter indicado evidências do relacionamento entre os índices com os desempenhos fiscais, nos outros dois grupos de países, os resultados se apresentaram significantes. No caso das nações em desenvolvimen-to, o índice composto assim como o indicador de hierarquia do processo orça-mentário foram sempre significativos e com sinais positivos, o mesmo ocorrendo com os coeficientes de algumas variáveis de controle de ordem econômica. Para a América Latina, observou-se um padrão similar, ou seja, as estimativas do índice composto e os indicadores de hierarquia e de regras fiscais se revelaram estatistica-mente significativas e positivas, conforme esperado. Consequentemente, os acha-dos empíricos corroboram a hipótese de que as regras fiscais e os procedimentos orçamentários impactam nos resultados fiscais dos países da região como também na amostra dos países em desenvolvimento, conforme detalham Filc e Scartascini (2004) no trecho a seguir:

Os processos orçamentários limitados por regras fiscais que estabelecem limites no déficit, que previnem agências descentralizadas ou entes subnacionais de financiar as dívidas, que têm estruturas fiscais de médio prazo e reservam fundos, e que, por terem procedimentos hierárquicos que estabelecem restrições à legislatura e am-pliam o poder de barganha dos ministros para prover ao Executivo discricionarieda-de na gestão dos gastos, tendem a apresentar déficits primários mais baixos. (p. 17).

Em outras palavras, ambas as pesquisas não apenas aprofundam a compreen-são das razões que fomentam a existência de déficits fiscais nos países da América Latina como também contribuem ao identificar o que poderia ser ajustado ou aprimorado com vista a aperfeiçoar o desempenho fiscal dessas nações.

3.1.3 Tentativas de síntese

A terceira vertente procura testar alguns pressupostos e variáveis dos instituciona-listas eleitorais e orçamentários e/ou novas variáveis políticas, de modo a ampliar o escopo de explicação do comportamento fiscal na América Latina. Assim como as duas correntes abordadas, os pesquisadores dessa linha fazem uso de tratamen-to quantitativo de dados e técnicas de regressão múltipla.

Nesse sentido, Stein, Talvi e Grisanti (1998) procuraram verificar os postu-lados das duas vertentes com uma amostra de 18 países da região. Para tanto, são utilizadas as variáveis eleitorais (sistemas eleitorais) e orçamentárias (regras fiscais, regras procedimentais e transparência) no lado explicativo do modelo. Quanto às variáveis dependentes, os autores ampliam o escopo de análise do desempenho fiscal das nações, incluindo três fatores: tamanho do setor público, tamanho dos déficits fiscais e público, bem como a resposta de política fiscal ao ciclo de negó-cios (business cycle) para a média dos anos de 1990-1995. Mais especificamente, além dos índices elaborados por Alesina et al. (1996), as equações incluem atribu-tos do sistema político, tais como a magnitude dos distritos eleitorais, o número

Page 52: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201250

de partidos efetivos e o apoio do governo no Congresso, controlados pelo grau de abertura da economia, pela dívida pública anterior (1989) e pelo percentual da população acima de 65 anos.

Os resultados a partir da aplicação do método de mínimos quadrados ordi-nários com dados de corte transversal não se apresentaram uniformes, isto é, os efeitos se alternaram de acordo com as variáveis dependentes. Em suma, os auto-res afirmam que tanto as instituições orçamentárias quanto os sistemas eleitorais são determinantes para o desempenho fiscal, como exposto no trecho a seguir:

Nós descobrimos que sistemas que se baseiam na representação proporcional, con-trários aos sistemas pluralistas, tendem a gerar um grande número de partidos polí-ticos efetivos e menos apoio legislativo para o partido do governo [...] Nós descobri-mos que países com distrito de grande magnitude e um amplo número de partidos efetivos tendem a ter governo mais inchado, maior déficits e responder de modo pró-cíclico aos ciclos de negócio. Nós também achamos que os procedimentos orça-mentários que incluem restrições no déficit, introduzem elementos hierárquicos no processo orçamentário e são mais transparentes levam a déficits e dívidas menores. (STEIN; TALVI; GRISANTI, 1998, p. 3).

Avançando nessa abordagem, Acosta e Coppedge (2001) apresentam uma série de argumentos que tornam a compreensão mais complexa nas relações en-tre instituições e resultados orçamentários. Primeiro, os poderes partidários dos presidentes possuem efeitos diretos sobre os gastos, mas indiretos sobre o déficit, que, por sua vez, é influenciado pelos gastos e por forças econômicas exógenas. Segundo, as instituições orçamentárias não impactam diretamente os gastos, mas afetam os resultados fiscais de modo geral. Por fim, as variáveis normalmente utilizadas como explicativas, o tamanho do partido do presidente, o número de partidos, a disciplina partidária, a distância ideológica entre o presidente e os parlamentares e a polarização ideológica do sistema político não possuem efeitos separados; de fato, elas condicionam uma à outra em uma interação complexa que determina as chances de sucesso legislativo do presidente.

Para testar essas hipóteses, os autores focam no impacto do apoio políticos so-bre dois indicadores de desempenho fiscal: déficit orçamentário e despesas governa-mentais. Os resultados são oriundos da análise de série temporal agrupadas de uma amostra relativamente pequena – Argentina, Brasil Chile, Equador, México, Uruguai e Venezuela; porém, com recortes temporais variados que culminaram em total de 111 observações. Como conclusão, Acosta e Coppedge (2001) afirmam que as instituições importam no desempenho fiscal, seja por meio do aumento dos déficits em anos elei-torais, seja pelo fato de medidas de controle de gastos tenderem a se associar à redução dos déficits. Ademais, evidências empíricas revelam que as despesas podem ser parcial-mente explicadas pela interação entre instituições políticas, embora os autores ressaltem que tais hipóteses condicionais devem ser aprofundadas e aplicadas em outros casos.

Page 53: Politica Publica Ppp38

51Metodologias Aplicadas ao Estudo das Instituições e do Processo Orçamentário na América Latina

Do mesmo modo, Amorim Neto e Borsani (2004) procuram identificar quais variáveis políticas determinam o nível de gasto público e equilíbrio primário, suas variáveis dependentes em dez países latino-americanos entre 1980 e 1998. Além dos fatores recorrentes na literatura como orientação ideológica do parti-do governista e ciclos eleitorais, os autores utilizam outras variáveis políticas e institucionais: força legislativa do presidente, estabilidade ministerial e grau de centralização das instituições orçamentárias. Como controle da heterogeneidade dos países da região, são utilizadas as mesmas variáveis socioeconômicas de Ale-sina et al. (1996), bem como taxa de desemprego.

Para estimar os efeitos das variáveis políticas no comportamento fiscal, aplica-se o método dos mínimos quadrados generalizados com dados de série temporal transversal agrupados (pooled time-series cross-section) com 132 observações. Embora concordem com a importância da análise interativa proposta por Acosta e Coppedge (2001), os autores salientam que a variável poderes partidários do presidente sofre de problemas conceituais e operacionais, o que os leva a propor novas medidas.

Como resultado, Amorim Neto e Borsani (2004) defendem que o presiden-te apoiado por um partido forte e com equipe estável de ministros e por outros partidos com postura ideológica mais de direita tem impacto negativo nos gastos públicos e efeito positivo no equilíbrio fiscal. E, ainda, o ciclo eleitoral deteriora o último. Conforme afirmam os autores abaixo:

Nós concluímos que as características políticas dos governos da América Latina têm influência significativa no comportamento fiscal dos governos. Nossos resultados sistematicamente corroboram as ideias clássicas que eleições causam deteriorações no desempenho fiscal e que a capacidade política dos governos permite melhor adminis-tração do gasto e do déficit público. Substantivamente, governos estáveis, inclinados ideologicamente para a direita e liderados por presidentes apoiados por fortes partidos são mais susceptíveis a reduzir a despesa pública e gerar equilíbrio fiscal. (p. 23).

Entretanto, os autores salientam que a área ainda é um terreno fértil para se analisar o relacionamento entre política e economia na América Latina, espe-cialmente, pelo processo de transformação pelo qual passam regimes autoritários e de economia fechada e desenvolvimentista em direção a sistemas políticos mais democráticos e inseridos na economia internacional.

3.2 Um passo adiante: a alocação de recursos e a qualidade das políticas

Observa-se, portanto, que as pesquisas supracitadas convergem na medida em que buscam nas características institucionais e nas dinâmicas do sistema político--eleitoral as explicações para o desempenho orçamentário. Além disso, os estudos se fundamentam em técnicas estatísticas sofisticadas que variam de acordo com a disponibilidade e o tratamento dos dados para determinar as razões do compor-tamento fiscal dos governos latino-americanos.

Page 54: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201252

No entanto, as metodologias aplicadas nesses estudos comparados apresen-tam algumas limitações. Como a ênfase são as regras formais que pautam o rela-cionamento dos atores, e não as práticas efetivas que moldam o processo político, perde-se o foco com a realidade, pois as regras vigentes são operadas de forma estratégica, e não necessariamente tal como foi concebida, haja vista ser rotineiro que os atores ultrapassem suas prerrogativas formais ou não atuem da maneira como a legislação estabelece. Desse modo, tais metodologias não conseguem aju-dar a compreender o porquê algumas estratégias reformistas obtiveram sucesso enquanto outras não (FILC; SCARTASCINI, 2004).

Argumenta-se que a mera aplicação de sugestões como procedimentos hie-rárquicos do orçamento, institucionalização das regras, estabelecimento de me-canismos de transparência, entre outros, não seria ponto de partida adequado a qualquer país, tendo em vista as possibilidades de sucesso em sua implementação. A razão de alguns fracassos nas reformas das regras fiscais e procedimentos orça-mentários não é apenas das políticas adotadas, mas em alguns casos optou-se por implementar padrões que tiveram resultados positivos em outros países, descon-siderando as particularidades do processo político de cada sistema.

A aprovação de leis de responsabilidade fiscal ao fim dos anos 1990 na Amé-rica Latina foi uma das mais populares recomendações para a mudança no pa-norama fiscal nas vias da sustentabilidade. Apesar de haver forte tendência para encontrar uma relação entre as regras de orçamento e as regras fiscais, a imple-mentação e a execução de algumas dessas regras ou tem sido difícil ou ainda não afetaram os déficits como se esperava. A introdução da Lei de Responsabilida-de Fiscal (LRF) foi um sucesso apenas em alguns dos países, como no Brasil. No caso argentino, por exemplo, não houve melhoraria do equilíbrio fiscal. A Ley de Solvencia Fiscal foi introduzida em 1999, mas logo foi modificada em 2001, permitindo déficits maiores e ampliando em dois anos o tempo para definir um orçamento equilibrado. O déficit observado em 2000 foi mais de duas vezes o dé-ficit permitido pela lei original. Em 2001, foi quase 50% maior do que os novos limites e mais de seis vezes maior do que os previstos na lei original.

Nota-se que prevalece a atenção nos resultados ligados à sustentabilidade fiscal, negligenciando outras dimensões relevantes, como a representatividade e a eficiência das políticas públicas. Essa linha de pesquisa comparativa não se apro-funda nos contextos institucionais específicos nos quais são criados os incentivos e as restrições que pautam a atuação dos atores políticos. Quaisquer propostas oriundas das sugestões dessas pesquisas não levaram em conta as características específicas dos países, sobretudo, de seus processos de decisão política, em que as regras e os procedimentos deveriam ser aplicados.

Page 55: Politica Publica Ppp38

53Metodologias Aplicadas ao Estudo das Instituições e do Processo Orçamentário na América Latina

Para a compreensão do processo orçamentário, é importante entender as ações dos tomadores de decisões alocativas de acordo com os incentivos e os constrangi-mentos moldados pelas instituições políticas de cada país. Portanto, os estudos com vista a entender esse processo e a implementação bem-sucedida das recomendações não devem considerar apenas a existência ou não de instituições formais. É neces-sário também atentar para os incentivos dos gestores em cumprir as regras do jogo, bem como para o processo de tomada de decisão que garanta e incorpore nas práticas políticas a aceitação e o cumprimento das regras e procedimentos.

Dessa forma, buscou-se mover o foco apenas nos resultados fiscais e incorpo-rar de maneira mais sistemática os aspectos inerentes ao funcionamento do proces-so de formulação e implementação de políticas públicas. Nessa nova estratégia de pesquisas, destaca-se o Policy Making Process (PMP) ou Modelo de Cooperação Intertemporal, desenvolvido por Spiller e Tommasi (2007).

O modelo defende análise baseada em três estágios. O primeiro pressupõe o detalhamento do modo de funcionamento das instituições políticas e do processo de formulação das políticas públicas de um país; ambas estão estritamente corre-lacionados. Em seguida, devem ser descritas as características das políticas, salien-tando suas especificidades. Em outras palavras, o entendimento de uma política pública como a educação possui características – atores, incentivos etc. – bastante diversas da regulação, por exemplo. E, finalmente, é importante que haja conexão na abordagem entre as instituições políticas e a história com o processo de formu-lação das políticas públicas. Logicamente, uma compreensão dos fatores históri-cos que condicionaram a configuração atual do processo político é essencial para o entendimento do comportamento dos atores envolvidos. Com efeito, a figura 1 apresenta a estrutura do modelo, englobando os três estágios mencionados.

FIGURA 1Abordagem intertemporal do PMP

Instituições fundamentais e

história

Jogo do policy making

G: X * Z Y

Característica das questões de políticas públicas

Funcionamento das instituições

políticas:

regras do jogo do policy making

X

Características das políticas

públicas

Y

Z

Page 56: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201254

O PMP contrapõe a concepção de política pública como processo estático e previsível. Ao contrário, a política pública é na verdade um acordo ou transação implícito ou explícito entre decisores, em momentos contratuais e em um jogo real e contínuo da negociação de políticas. Na figura 1, esse jogo ocorre no mo-mento G, em que objetos que estão sendo negociados, isto é, as características específicas de políticas públicas (Z) interagem com as regras do jogo políticos (X). Este último é condicionado pelas características institucionais básicas de natureza histórica e constitucional.

A partir da figura 1, é possível compreender um processo intertemporal, no qual resultam as características ou as qualidades das políticas públicas, isto é, a variável dependente do modelo (Y). Spiller e Tommasi (op. cit.) detalham essas características do seguinte modo: uma política pública de qualidade reflete esta-bilidade, adaptabilidade, qualidade de implementação e execução (enforcement), coerência e coordenação, qualidades relacionadas ao investimento e capacidades e ainda eficiência e foco no interesse público.

Logo, observa-se que a análise das políticas públicas é resultante de um pro-cesso incessante de negociações que pode repercutir em resultados distintos, de acordo com aspectos institucionais, históricos, do que está sendo negociado, dos atores envolvidos e assim por diante. No entanto, um fator central para analisar a formulação das políticas públicas é a compreensão do ambiente no qual essas transações estão sendo realizadas, haja vista que, dependendo de sua configura-ção, ela terá impacto direto na qualidade das políticas públicas.

Portanto, no momento G, se o ambiente de negociação for propenso à coo-peração entre os atores, o resultado das políticas públicas tenderá a ser mais eficien-te ou de melhor qualidade. Por isso, o modelo enfatiza a importância da análise do ambiente institucional para mensurar o custo transacional da formulação das políticas públicas. Nesse sentido, o ambiente no qual a cooperação é mais provável, segundo o PMP, requer pequena quantidade de atores-chave, mas com fortes liga-ções intertemporais, transparência e boa tecnologia de delegação e execução, bem como incentivos para que a não cooperação no curto prazo seja baixa.

Com efeito, é possível perceber a existência de tipos diferenciados de polí-ticas, ilustradas na figura 2. A primeira, política ótima, ocorre em um ambiente propício à cooperação cuja autoimposição de acordos políticos é plausível, as po-líticas serão flexíveis o suficiente para acomodar mudanças na realidade econô-mica e social e não serão sujeitos ao oportunismo político. Assim, quanto maior for a perspectiva de longo prazo nos momentos contratuais, mais provável será a vigência de políticas adaptáveis a choques econômicos e de boa qualidade.

Page 57: Politica Publica Ppp38

55Metodologias Aplicadas ao Estudo das Instituições e do Processo Orçamentário na América Latina

Por outro lado, se o ambiente de transação se posicionar na parte inferior do diagrama, isto é, perspectiva imediatista, a tendência é a política ter baixa capacidade de impor trocas políticas intertemporais com reflexos negativos nas características das políticas públicas. Nesse caso, elas podem ser de duas for-mas: políticas muito voláteis, que mudam constantemente de acordo com ondas políticas e ocorrem quando os choques econômicos sobrepõem o conflito de interesses; ou políticas muito rígidas, que são incapazes de se ajustarem diante das mudanças circunstanciais, quando os conflitos de interesse ou grau de pola-rização na sociedade são mais altos que a volatilidade do ambiente econômico.

FIGURA 2Determinantes da cooperação política intertemporal

Taxa de paciência

Perspectiva de longo

prazoPolítica ótima “first-best policy”

(flexível e adaptável)

1

0

δ

Política volátil (volatilidade)

Política rígida (conflito)

Perspectiva imediatista

y – Var(θ)

θ

Obs.: y representa o grau de polarização na sociedade ou a intensidade do conflito de interesses (variável política); Var(θ) representa a incerteza com relação ao ambiente, dada a probabilidade de ocorrência de choques (variável aleatória, de conteúdo político-econômico).

As variáveis do modelo são diversas e com diferentes graus de importância de acordo com o sistema político, como as elencadas a seguir por Filc e Scartascini (2004):

Como as principais características de cada país são determinadas, por sua vez, pela história do país e das instituições, fatores como o regime político, o sistema eleitoral, a organização do Congresso e dos partidos políticos, o caráter federal ou unitário do governo, o prazo limite da reeleição, a existência de poder judicial independente e competente e funcionários públicos, entre outros, ajudam a explicar a probabilidade de cooperação e, consequentemente, alcançar um nível de despesas públicas repre-sentativas, sustentável e eficiente. (p. 13).

Page 58: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201256

A partir desse instrumental metodológico, diversas pesquisas foram de-senvolvidas nos países da América Latina (HALLERBERG; SCARTASCINI; STEIN, 2009). A seguir, traçamos os principais resultados da avaliação do processo orçamentário de alguns países, buscando verificar como a análise do ambiente de negociação entre os atores envolvidos é importante na percepção dos incentivos – ou desincentivos – ao equilíbrio e à efetividade da alocação de recursos. Serão percebidas várias semelhanças entre os países, bem como diferenças interessantes que repercutem diretamente no delicado equilíbrio entre a eficiência alocativa e a sustentabilidade fiscal – ver, por exemplo, o efeito da rigidez orçamentária entre os países. Outro traço que emerge das análises seguintes é o desafio de fazer as instituições se firmarem definitivamente na vida política dos países, de forma a constranger processos individualmente dirigidos pelos presidentes da República. A seleção dos estudos de caso descritos a seguir se pautou na heterogeneidade geográfica, política e institucional dos países da região.

3.2.1 Argentina

Abuelafia et al. (2005) traçam um quadro da experiência argentina bastante favo-rável ao presidente, principal ator no processo orçamentário, que busca maximi-zar seus objetivos, entre eles: reeleição, manutenção de opinião pública positiva e capacidade de mobilizar recursos privilegiados a suas bases eleitorais.

No entanto, o presidente está sujeito a uma série de restrições como a rigidez do orçamento e das regras fiscais, acordos com instituições financeiras internacio-nais e choques macroeconômicos. Esses fatores influenciam a política orçamen-tária na medida em que exigem mudanças no nível e na composição dos gastos e, principalmente, demandam processos de negociação como outros atores – gover-nadores provinciais, deputados e grupos de interesse.

Enquanto se pressupõe que a força relativa do Executivo vis-à-vis o Con-gresso no processo orçamentário deve contribuir para a disciplina fiscal, o caso Argentino apresenta característica específica: as negociações relevantes não acon-tecem no Congresso. Abuelafia et al. (op. cit.) destacam que a arena privilegiada é a informal, na qual as transações são conduzidas por presidente e governadores e, posteriormente, incorporadas ao orçamento, tornando-o excessivamente rígido e ineficiente na alocação de recursos. Tal aspecto ajuda a explicar a impossibilidade de acúmulo de superávit no orçamento e a impossibilidade de atenuar os impac-tos da crise de 2001.

Além da rigidez, a discricionariedade do Executivo e a alta rotatividade mi-nisterial dificultam a execução das despesas públicas de forma eficiente, as quais, em muitos casos, apresentam forte viés particularista. Outro conjunto de pro-blemas subjacentes ao funcionamento efetivo do processo orçamentário decorre

Page 59: Politica Publica Ppp38

57Metodologias Aplicadas ao Estudo das Instituições e do Processo Orçamentário na América Latina

da falta de um compromisso político para fazer cumprir os procedimentos e os regulamentos existentes. Por exemplo, muitas deficiências relativas à discriciona-riedade do Executivo poderiam ser limitadas, se as previsões de receita não fossem utilizadas de forma estratégica pelo Executivo para fins eleitorais.

Assim, no contexto de ambiente ambíguo, há alta probabilidade de que até mesmo as regras e os regulamentos mais importantes possam ser alterados, limita-dos ou ignorados. Comportamentos não cooperativos prevalecem, pois os atores desenvolvem estratégias de curto prazo já prevenindo eventuais mudanças ex post da regulamentação. Este tipo de interação estratégica implica a criação de círculos viciosos enraizados que são muito difíceis de remover.

Embora a conversão para os padrões internacionais em termos de capaci-tação e fortalecimento institucional pareça ser a estratégia mais lógica, somente após a elaboração de diagnóstico mais aprofundado será possível elaborar pro-postas de melhoria dos mecanismos institucionais razoáveis e exequíveis. No en-tanto, na ausência de compromisso democrático que implique aplicar a regra e a reversão de incentivos negativos para o desenvolvimento institucional descrito anteriormente, quase toda recomendação política parecerá inócua.

3.2.2 Brasil

Observa-se que, no quadro geral do processo orçamentário brasileiro, as insti-tuições políticas incentivam o equilíbrio. No entanto, a maneira pela qual este processo alcançou tal característica deve ser compreendida à luz de seu desenvol-vimento histórico, o qual indica uma série de aspectos que emergiu e que ainda persiste, tal como sua elevada rigidez orçamentária (ALSTON et al., 2005).

Desse modo, o ponto de partida da análise é a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88), que criou um processo orçamentário altamente des-centralizado e rígido; portanto, um orçamento com poucos incentivos e muitos obstáculos para a sustentabilidade fiscal e o equilíbrio. A partir desse ponto até a situação atual, houve sequência persistente e gradual de mudanças impulsionadas pelo forte poder presidencial de agenda, pelo processo de recentralização das fontes de financiamento fiscal e pela moldagem do jogo do orçamento.

Relativamente à recentralização, é importante salientar que esse processo ganhou impulso com a crise fiscal das unidades subnacionais (estados e grandes municípios) a partir da estabilização econômica. Grande volume de dívidas foi assumido pela União que, por sua vez, elaborou importante processo de garantias de receitas e de transferências desses entes federativos, de modo a evitar novas possibilidades de desequilíbrio fiscal.

Page 60: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201258

Da mesma forma, a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal também contri-buiu para a sustentabilidade fiscal, haja vista que, na essência, significou mais um ins-trumento do Executivo para restringir o comportamento das unidades subnacionais. Para que surgisse a LRF, foram imprescindíveis, além do ambiente de fragilidade fiscal dos estados e dos municípios, as prerrogativas presidenciais sobre o controle da agenda legislativa e sua capacidade de usar critérios próprios na execução do orçamento.

Apesar de o partido do presidente não possuir a maioria no Congresso, prin-cipalmente, em função da fragmentação do sistema partidário e do voto propor-cional de lista aberta, o Executivo consegue sempre se impor nas negociações do orçamento, devido a sua prerrogativa de gerenciar os gastos, resultando assim em um controle razoável das finanças do país. Em contrapartida, os parlamentares facilitam a barganha em troca da execução de suas emendas, o que no fim das contas tem demonstrado ser um custo baixo para o Executivo.

Isso não significa que os presidentes brasileiros têm total controle sobre suas preferências alocativas. Ainda persistem vários elementos que se mostraram incapazes de ser alterados. Em particular, a extrema rigidez do orçamento veri-ficada por meio das vinculações das receitas, o que condiciona a implementação de políticas. Essa rigidez foi projetada com a finalidade de constranger intertem-poralmente o Poder Executivo, de forma a evitar oportunismo e prover acordos críveis na aplicação mandatória de recursos voltados para a seguridade social (saúde, assistência e previdência).

É verdade que essas restrições foram relaxadas por meio da criação de fundo especial, inicialmente implementado com a denominação de Fundo Social de Emergência (FSE) e, atualmente, denominado Desvinculação das Receitas da União (DRU). A DRU tem oferecido ao Executivo alguma flexibilidade sobre as receitas e as despesas anteriormente previstas. No entanto, grande proporção do orçamento mantém-se atrelada a determinados gastos, limitando severamente as escolhas presidenciais.

Page 61: Politica Publica Ppp38

59Metodologias Aplicadas ao Estudo das Instituições e do Processo Orçamentário na América Latina

GRÁFICO 1Vinculação de receitas da União(Em %)

100

90

80

70

60

50

40

30

20

10

0

Desvinculada FSE/FEF/DRU Vinculada Transferência Estadual/Municipal

70 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 04 05 0675

Fonte: Secretaria de Orçamento Federal/Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (SOF/MPOG).

O processo pelo qual os presidentes tentam alterar essas regras por meio de seus poderes institucionais é claramente um jogo em andamento. Como é cada vez mais restritiva a alocação orçamentária, torna-se natural esperar que novas tentativas para tornar o orçamento mais flexível sejam esperadas. A própria DRU, por ser um mecanismo constitucional com prazo de validade, está sujeita a uma nova rodada de negociação política para mantê-la por mais algum tempo.

3.2.3 Equador

Equador oferece interessante estudo de caso para analisar o impacto das princi-pais reformas políticas e econômicas sobre o processo orçamentário, bem como dos resultados acerca das políticas públicas. De acordo com a pesquisa de Acosta, Albornoz e Araujo (2007), o conjunto de reformas constitucionais aprovadas em 1998 e outras reformas políticas adotadas em anos anteriores (1996-1998) ofere-ceram aos atores políticos que interagem no orçamento conjunto de incentivos contraditórios no que tange à cooperação.

Por um lado, os legisladores foram incentivados a ser mais receptivos e responsáveis aos seus eleitores, tendo em vista a mudança da política de orça-mento do nacional para a esfera local. Por outro lado, há deliberado esforço do Executivo para enfraquecer e minar a influência do Congresso em o processo

Page 62: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201260

orçamentário desde 1995. Embora os políticos tornem-se mais “responsáveis” perante seus eleitores, eles gradualmente perdem o acesso a dotações orçamentais e outros meios legais para prestigiar seu eleitorado. Paralelamente, houve fortale-cimento gradual dos governos locais por meio da maior alocação constitucional de recursos (vinculação de 15% dos gastos do governo), além da adoção de ou-tras reformas jurídicas e técnicas, como a Ley Orgánica Municipal de Regimen, que lhes deram maior autonomia relativamente ao governo central e crescente influência no processo de tomada de decisão orçamentária.

Por outro lado, tal como ocorre no Brasil, houve restrição maior ao Congresso na condução do processo orçamentário. O Executivo foi favorecido com maior poder sobre formulação e execução e com a proibição da participação dos legisla-dores nas negociações de transferências orçamentais às províncias. No que concerne à sustentabilidade, essa fórmula contribuiu para um processo orçamentário bem--sucedido. Entretanto, o orçamento tornou-se menos eficiente, induzindo número mais elevado de realocações de recursos durante a fase de aprovação.

A dolarização e a adoção da Lei de Responsabilidade Fiscal limitaram sig-nificativamente a escolha de instrumentos de política fiscal disponíveis para os governos. Dolarização imposta, de fato, implica proibição de emissão monetá-ria. Ao eliminar o papel da autoridade monetária com a dolarização, também contribuiu para a mudança escolhas de políticas para a arena legislativa, em que a mudança política tem sido tradicionalmente mais lenta. Ao mesmo tempo, um aumento dos preços internacionais do petróleo – e, portanto, um aumento nas receitas do petróleo – também contribuiu para a rigidez do orçamento, na medida em que essa elevação das receitas acabou vinculada a gastos específicos. Em contrapartida, a dolarização contribuiu para maior sustentabilidade e efi-ciência da alocação orçamentária, especialmente durante a fase de execução. Novamente, esses dois efeitos devem ser considerados no contexto de aumento dos preços do petróleo e de crescimento econômico moderado.

O segundo elemento que merece análise mais aprofundada é a alta depen-dência da economia em relação às receitas do petróleo. Durante os períodos de preços baixos da commodity, as receitas escassas têm impacto negativo no desem-penho fiscal, algo que as receitas não petrolíferas não podem compensar. Durante os períodos de alta, as receitas do petróleo criaram incentivos para a elevação de gastos fiscais. O maior poder de definição de agenda do presidente em questões orçamentais, que é geralmente considerado fator que contribuiria para disciplina fiscal, torna-se um passivo, pois há vários incentivos para investir o dinheiro do petróleo na obtenção de ganhos políticos. Em um contexto de regras orçamentá-rias rígidas e significativa vinculação, as receitas do petróleo aumentam a restrição do orçamento e reduzem os incentivos políticos para a disciplina fiscal.

Page 63: Politica Publica Ppp38

61Metodologias Aplicadas ao Estudo das Instituições e do Processo Orçamentário na América Latina

Um exemplo claro deste equilíbrio instável foi a curta duração da Lei de Responsabilidade Fiscal projetada para impedir que os aumentos nas receitas de petróleo se transformassem em expansão da despesa. Tal lei foi aprovada em 2002, em um período em que havia expectativas de que a produção e a receita do petró-leo aumentassem. Além disso, os efeitos da crise econômica 1999 ainda estavam bem presentes na memória de congressistas e do público em geral. Neste contex-to, foi possível que o governo construísse um acordo em torno de um conjunto de princípios de responsabilidade fiscal e encontrasse apoio suficiente no Congresso. Em 2005, a realidade internacional do petróleo mudou dramaticamente, o que culminou em profundas alterações nos princípios básicos da lei, capitaneadas pela oposição e pela opinião pública (ACOSTA; ALBORNOZ; ARAUJO, 2007).

A história da LRF ilustra como as mudanças nas prioridades políticas conti-nuam vulneráveis aos incentivos de curto prazo, especialmente vinculados ao pro-cesso eleitoral. No momento da aprovação da lei, os atores políticos se protegeram, postergando os efeitos legais para o momento seguinte as eleições. Por seu turno, os que assumiram os mandatos não se submeteram às novas regras e, aproveitando um contexto internacional desfavorável, mudaram-nas decisivamente. A falta da estabilidade das regras ao longo do tempo corrobora o argumento de que o aparen-temente saudável processo orçamentário é politicamente insustentável.

O efeito das reformas implementadas indica que o orçamento atual é mais sustentável e eficiente, embora pouco representativo e adaptável às necessidades de mudança. Em outras palavras, as reformas políticas e econômicas foram im-portantes na direção de uma maior governança do processo orçamentário, mas à custa da marginalização dos atores políticos importantes, como os membros do Congresso Nacional. Assim, o orçamento resultante da atual configuração insti-tucional está fora de um caminho de equilíbrio e, por isso, não são sustentáveis no longo prazo. Um observador mais atento desvenda que esta dinâmica não gera incentivos para que os atores estabeleçam acordos críveis de longo prazo, uma vez que existem fortes assimetrias entre os poderes Legislativo e Executivo.

3.2.4 Peru

O sistema político peruano é fortemente marcado pelo poder presidencial. Carranza, Chávez e Valderrama (2007) mostram com bastante clareza a prepon-derância do Executivo e da figura do presidente em particular na determinação da agenda e da tomada de decisões em várias etapas do processo orçamentário.

A classe política talvez tenha delegado ao Executivo tamanha discricionarie-dade, tendo em mente a elevada necessidade de governabilidade em um país com um sistema partidário bastante fragmentado e em que os resultados das regras eleitorais vigentes podem levar a governos com minoria no Congresso. Mas, ao

Page 64: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201262

mesmo tempo, essa política de alta discricionariedade incentiva o uso oportunista do orçamento pelo Executivo, algo que fica mais acentuado pela alta rotatividade de autoridades políticas e, portanto, pelo incentivo em mostrar resultados atraen-tes de curto prazo. Também se percebe a presença ainda fraca de uma burocracia tecnicamente competente e bem estruturada, que poderia funcionar como ele-mento mitigador da rotatividade política e de continuidade de políticas de Estado.

A esse respeito, o presidente tem claro interesse de se apresentar competente ao tentar cumprir suas promessas de campanha, fazendo o possível para manter o apoio da população. Carranza, Chávez e Valderrama (op. cit.) consideram fracas as instituições políticas peruanas, implicando incentivo maior pela busca de apoio popular não só para tentar manter seu partido em postos-chave das sucessivas ad-ministrações, mas também para permanecer no poder até o fim de seu mandato. Esse conjunto de aspectos geralmente traz forte pressão para aumentar a despesa pública e o montante do orçamento. A característica da gestão fiscal é marcada-mente pró-cíclica.

Também no caso peruano, a maximização dos objetivos do presidente es-barra em uma série de restrições econômico-financeiras e institucionais. Depois da crise dos anos 1980, estabeleceu-se uma consciência bastante generalizada da importância de manter a disciplina fiscal, repercutindo também nas ações do presidente, que tem a percepção da necessidade de evitar grandes déficits, já que estes aumentam a probabilidade de uma crise. Assim, dado o poder discricioná-rio forte do Executivo, foram introduzidos contrapesos institucionais para limi-tar a elevada flexibilidade no processo orçamentário. Em particular, mecanismos que aumentaram a transparência do sistema, evitando excessos na manipulação da opinião pública e outras partes interessadas; mais hierarquia e autonomia ao Ministério da Economia e Finanças, tendo em vista ser a instituição responsável pelo equilíbrio fiscal; uso de constrangimentos externos, tais como a proibição de financiamento do setor público pelo banco central, o monitoramento de progra-mas sob parâmetros predefinidos com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e as regras de disciplina fiscal introduzidas com a aprovação de uma lei de respon-sabilidade fiscal.

A despeito desses mecanismos, Carranza, Chávez e Valderrama (op. cit.) destacam que ainda existe tendência de o presidente tirar proveito de ganhos de curto prazo oportunista, com a anuência do Congresso. Esses benefícios incluem o aproveitamento da elevação das receitas em tempos de prosperidade e cresci-mento, atrasando o impacto das políticas para expandir os gastos no período pré--eleitoral e elevando os compromissos que são contabilizadas em exercícios futu-ros – trazendo maior rigidez no orçamento futuro. O exemplo típico desse desvio foi a não obediência aos parâmetros estabelecidos pela LRF. Mesmo levando-se

Page 65: Politica Publica Ppp38

63Metodologias Aplicadas ao Estudo das Instituições e do Processo Orçamentário na América Latina

em consideração que a presença de uma regra formal serviu para fazer visíveis desvios ou limitando abusos na política fiscal, o sistema político peruano insiste em não seguir os parâmetros estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Já no ano seguinte ao da introdução da lei, houve falhas no alcance da meta de déficit. Não obstante, o Congresso aceitou o pedido do Executivo para re-nunciar novamente ao limite do déficit em 2001 e 2002. No início de 2003, o Executivo solicitou e obteve do Congresso uma dispensa da meta de aumento da despesa, fato que se repetiu nos três anos seguintes. Assim, depois de 2000, a lei foi apenas formalmente aprovada, pois, na prática, o Congresso sistematicamente aprovou o pedido de renúncia de metas, usando abusivamente da prerrogativa de exceção. Conclusão: a classe política não consegue assumir compromissos críveis de sustentabilidade fiscal, bem como não há enforcement da legislação.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de relativamente recente, o campo de estudo é, sem dúvida, um terreno fértil para aqueles que almejam compreender o efetivo funcionamento da política orçamentária dos países latino-americanos, avançando em relação à perspectiva limitante pautada na pura contabilidade nacional. A adição de variáveis políti-cas e institucionais aos modelos explicativos visa sofisticar o entendimento dos resultados econômicos dessas nações, contribuindo assim com explicação mais contextualizada e precisa. A questão tornou-se ainda mais relevante, em especial na região, devido ao amplo processo de democratização e de globalização que transformaram os governos nacionais nessas últimas duas décadas.

O artigo se propôs a analisar diferentes vertentes e seus métodos que abor-dam essa relação específica da economia política aplicada à América Latina. Com efeito, constatou-se uma literatura diversificada e em boa medida inovadora que se dedica a desenvolver e debater sobre as melhores explicações para o fenômeno estudado, ou seja, a postura dos países no que tange à gestão do orçamento e da política fiscal. Para tanto, todas elas, em graus distintos, bebem na fonte da pers-pectiva neoinstitucionalista, mesmo que suas conclusões respondam a diferentes questões e objetivos de pesquisa.

Os comparativistas inovam ao elaborar variáveis compostas e tipologias que, em boa medida, contribuem tanto na explicação quanto na diferenciação dos desempenhos dos governos. Se, por um lado, criam condições para se comparar países tão heterogêneos e, assim, possibilitam alcance maior de generalização das inferências, por outro, não apresentam subsídios para responder o porquê cer-tos países obtiveram êxito na implementação de processos reformistas que em diferentes graus tenderam à disciplina fiscal, enquanto em outros tais mudanças foram inócuas. Com efeito, os estudos de casos focados, embora limitados na

Page 66: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201264

capacidade de generalizar seus resultados para os demais países, ao desenvolver análises mais detalhadas, incluindo não apenas as regras formais como também aspectos históricos e instituições informais, para traçar um entendimento dos re-sultados econômicos surgem como excelente estratégia metodológica que enfatiza esse questionamento.

Ambas as abordagens apresentam limitações e, principalmente, potenciali-dades nessa árdua tarefa de explicar o complexo relacionamento entre a política e a economia. Nota-se, contudo, que a presença do trade-off natural entre genera-lização e aprofundamento de cada caso demonstra a característica complementar em que a linha de pesquisa se desenvolveu.

Esses estudos apresentam robustas ferramentas analíticas na medida em que exercem duas funções não excludentes: uma positiva e outra normativa (DIERMEIER; KREHBIEL, 2003). A primeira contribui com vista a ampliar o conhecimento de como as instituições afetam o comportamento político e os resultados das políticas. Com base nesse conhecimento, é possível formu-lar proposições de ordem normativa para aperfeiçoar instituições e, assim, criar incentivos favoráveis ao comportamento desejado tanto em processos de reforma quanto de implementação de políticas. Nesse contexto, uma proposta de agenda futura de investigação seria o aprofundamento da análise das transformações institucionais tanto das regras que regem o orçamento quanto do sistema polí-tico e seus eventuais efeitos sobre o aperfeiçoamento do desempenho fiscal e do processo orçamentário.

Por fim, vale ressaltar que a academia e os organismos multilaterais, finan-ciadores de boa parte desses estudos, tenham abdicado da visão simplista pre-dominante nas décadas de 1980 e 1990, que pregavam medidas do tipo one fits all, ou seja, conjunto de receitas padrões para a modernização dos países latino--americanos. Ao contrário, esse campo de estudo demonstra que as propostas de reformas devem sempre considerar as particularidades da matriz institucional do sistema político, a sua dependência da trajetória e, principalmente, que as transformações não ocorrem do dia para a noite, mas sim de forma gradual e incremental, conforme preconizado pelo neoinstitucionalismo.

REFERÊNCIAS

ABUELAFIA, E. et al. Who decides on Public Expenditures? A political economy analysis of the budget process: the case of Argentina. Inter-American Development Bank, 2005.

ACOSTA, M. A.; ALBORNOZ, V.; ARAUJO, M. C. The political economy of the budget process: the case of Ecuador. Inter-American Development Bank, 2007.

Page 67: Politica Publica Ppp38

65Metodologias Aplicadas ao Estudo das Instituições e do Processo Orçamentário na América Latina

ACOSTA, M. A.; COPPEDGE, M. Political determinants of fiscal discipline in Latin America, 1979-1998. In: XXIII INTERNATIONAL CONGRESS OF THE LATIN AMERICAN STUDIES ASSOCIATION, Washington, DC, September 5-8th 2001.

ALESINA, A. et al. Budget institutions and fiscal performance in Latin America. Office of the Chief Economist. Inter-American Development Bank, 1996 (Working Paper Series, n. 394).

ALSTON, L. et al. Who decides on Public Expenditures? A political economy analysis of the budget process: the case of Brazil. Inter-American Development Bank, 2005.

ANDERSON, P. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, E.; GENTILI, P. (Org.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

AMORIM NETO, O.; BORSANI, H. Presidents and cabinets: the political determinants of fiscal behavior in Latin America. Studies in Comparative International Development, v. 39, n. 1, p. 3-27, 2004.

BRESSER PEREIRA, L. C. Dívida externa: crise e soluções. São Paulo: Brasi-liense, 1989.

_______. A crise da América Latina: consenso de Washington ou crise fiscal? Revista Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 3-24, 1991.

CÁRDENAS, M.; MEJÍA, C.; OLIVERA, M. La economía política del proceso presupuestal: el caso de Colombia. Inter-American Development Bank, 2007.

CARRANZA, L.; CHÁVEZ, F. J.; VALDERRAMA, J. La economía política del proceso presupuestal: el caso Peruano. Inter-American Development Bank, 2007.

CURRISTINE, T.; BAS, M. Budgeting in Latin America: results of the 2006 OECD Survey. OECD Journal on Budgeting, v. 7, n. 1, 2007.

DIERMEIER, D.; KREHBIEL, K. Institutionalism as a methodology. Journal of Theoretical Politics, v. 15, p. 123-145, 2003.

FILC, G.; SCARTASCINI, C. Budget institutions and fiscal outcomes: ten years of inquiry on fiscal matters at the Research Department. Research Department 10th Year Anniversary Conference. Office of Evaluation and Oversight. Inter-American Development Bank, 2004.

HALL, P.; TAYLOR, R. As três versões do neo-institucionalismo. Lua Nova, n. 58, p. 193-223, 2003.

Page 68: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201266

HALLERBERG, M.; MARIER, P. Executive authority, the personal vote, and budget discipline in Latin American and Caribbean countries. American Journal of Political Science, v. 48, n. 3, p. 571-587, 2004.

HALLERBERG, M.; SCARTASCINI, C.; STEIN, E. Who Decides the Budget? Cambridge: Harvard University Press, 2009.

HALLERBERG, M.; VON HAGEN, J. Electoral institutions, cabinet negotiations, and budget deficits in the European Union, 1997 (NBER Working Paper, n. 6341).

IMMERGUT, E. As regras do jogo: a lógica da política de saúde na França, na Suíça e na Suécia. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 30, n. 11, p. 139-163, 1996.

______. Institutional constraints on policy. In: MORAN, M.; REIN, M.; GOODIN, R. (Ed.). The Oxford Handbook of Public Policy. Oxford: Oxford University Press, 2006. p. 557-571.

MARCH, J.; OLSEN, J. Rules and the institucionalization of action, rediscovering institutions: the organizational basis of politics. New York: The Free Press, 1989. p. 21-38.

NORTH, D. Institutions, institutional, change and economic performance. Cambridge: University Press, 1990.

_______. Understanding the process of economic change. Princeton: University Press, 2005.

OSTROM, E. Institutional rational choice: an assessment of the IAD framework. In: SABATIER, P. (Ed). Theories of the policy process. Boulder, CO: Westview Press, 1999.

PETERS, G. Institutional theory in political science: the “new institutionalism”. London; New York: Continuum, 1999.

PIERSON, P. Politics in time: history, institutions and social analysis. Princeton: Princeton University Press, 2005.

SKOCPOL, T. Bringing the state back in: strategies of analysis in current research. In: PETER, B. E. Dietrich Rueschemeyer and Theda Skocpol: bringing the state back in. Cambridge: Cambridge University Press, 1985. p. 3-43.

SKOCPOL, T.; PIERSON, P. Historical institutionalism in contemporary political science. In: KATZNELSON, I.; MILNER, H. V. (Ed.). Political science: state of the discipline. Nova York: W. W. Norton. V., 2002.

SPILLER, P.; TOMMASI, M. The institutional foundations of public policy: the case of Argentina. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.

Page 69: Politica Publica Ppp38

67Metodologias Aplicadas ao Estudo das Instituições e do Processo Orçamentário na América Latina

STEIN, E., TALVI, E.; GRISANTI, A. Institutional arrangements and fiscal performance: the Latin American experience. National Bureau of Economic Research. Cambridge, Mass., 1998 (NBER Working Paper, n. 6358).

THELEN, K. Historical institutionalism in Comparative Politics. Annual Review of Political Science, v. 2, p. 369-404, 1999.

THELEN, K.; STEINMO, S. Historical institutionalism in Comparative Politics. In: STEINMO, S.; THELEN, K.; LONGSTRETH, F. (Ed.). Structuring politics: historical institutionalism in comparative analysis. Cambridge: Cambridge University Press, 1992. p. 1-32.

TOYOSHIMA, S. Instituições e desenvolvimento econômico: uma análise crítica das idéias de Douglass North. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 95-112, 1999.

WEAVER, K.; ROCKMAN, B. (Ed.). Do institutions matter? Washington: Brookings Institution, 1993.

WEIR, M.; ORLOFF, A.; SKOCPOL, T. The politics of social policy in the United States. Princeton University, Princeton, 1998.

Originais submetidos em abril de 2011. Última versão recebida em setembro de 2011. Aprovado em outubro de 2011.

Page 70: Politica Publica Ppp38
Page 71: Politica Publica Ppp38

COMPARANDO A INTENSIDADE DO CRESCIMENTO PRÓ-POBRE ENTRE AS REGIÕES BRASILEIRAS PÓS-PLANO REAL João Mário Santos de França*

Carlos Alberto Manso*

Flávio Ataliba Flexa Daltro Barreto*

O presente artigo contribui para a literatura sobre crescimento econômico ao quantificar e classificar, utilizando metodologia desenvolvida por Kakwani, Khandker e Son (2004), o estilo de crescimento da renda no país e em todas as regiões brasileiras, no período 1995-2009, considerando as medidas de pobreza tradicionais presentes em Foster, Greer e Thorbecke (1984). Os resultados permitem a comparação das intensidades do chamado crescimento pró-pobre – entendido neste contexto como a expansão da renda acompanhada de reduções na desigualdade e, consequentemente, na pobreza –, a partir dos rebatimentos regionais das contrações e das expansões da renda nacional. Os resultados evidenciam que Sudeste e Sul, nesta ordem, produziram os maiores ganhos pelo efeito da desigualdade de renda, potencializando o impacto do crescimento econômico sobre a redução da pobreza nestas localidades.

Palavras-chave: Crescimento Pró-Pobre; Desigualdade; Regiões Brasileiras.

COMPARING THE INTENSITY OF THE PRO-POOR GROWTH IN THE BRAZILIAN REGIONS

This paper contributes to  the literature on  economic growth to  quantify  and classify, through Kakwani, Khandker e Son (2004) methodology, the type of growth of income  in the Brazil and regions in the period 1995-2009, considering the measures of poverty present in Foster, Greer and Thorbecke (1984). The results allow the comparison of intensities of the pro-poor growth – increase in income and inequality reduction – in the regions of Brazil in periods of expansion e contraction of national income. The more developed regions East and South, in that order, produced the more expressive gains by the effect of income inequality, increasing the impact of economic growth on poverty reduction in these localities.

Key-words: Pro-Poor Growth; Inequality; Brazilian Regions.

COMPARANDO LA INTENSIDAD DE CRECIMIENTO PRO-POBRES EN LAS REGIONES DE BRASIL

El presente artículo contribuye con la literatura sobre crecimiento económico al cuantificar y clasificar, utilizando metodología desarrollada por Kakwani, Khandker y Son (2004), el estilo de crecimiento de ingresos en el país y en todas las regiones brasileras, en el periodo de 1995-2009 considerando las medidas de pobreza tradicionales presentes en Foster, Greer y Thorbecke (1984). Los resultados permiten la comparación de las intensidades del

* Curso de Pós-Graduação em Economia (Caen) na Universidade Federal do Ceará (UFC). E-mails: [email protected], [email protected] e [email protected]

Page 72: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201270

denominado crecimiento pro-pobre – entendido en este contexto como la expansión del ingreso acompañado de reducciones en la desigualdad y, por ende en la pobreza-, a partir de las refutaciones regionales, de las contracciones y de las expansiones del ingreso nacional. Los resultados reflejan que el Sudeste y Sur, -en este orden-, registraron las mayores ganancias por el efecto de desigualdad de ingresos. Potencializando el impacto del crecimiento económico respecto a la reducción de la pobreza en estas localidades.

Palabras-clave: Crecimiento Pro-Pobre; Desigualdad; Regiones Brasileras.

LA MESURE DE LA CROISSANCE PRO-PAUVRES DES RÉGIONS DU BRÉSIL

Ce article contribue à la littérature sur la croissance économique pour qualifier et classer, en utilisant la méthodologie développée par Kakwani, Khandker et Son (2004), le style de la croissance du revenu dans le pays et dans toutes les régions brésiliennes, dans la période 1995-2009, compte tenu de mesures traditionnelles de la pauvreté presentes dans Foster, Greer et Thorbecke (1984). Les résultats permettent la comparaison des intensités de la soi-disant croissance pro-pauvres - entendu dans ce contexte comme l’expansion du revenu accompagnée de réductions de l’inégalité et, donc, de la pauvreté -, à partir des rebattement régionales des contractions et des expansions du revenu national. Les résultats montrent que le Sud-est et le Sud, dans cette ordre, ont produit les plus grands gains par l’effet de l’inégalité des revenus potentialisant l’impact de la croissance économique sur la reduction de la pauvreté dans cettes localités.

Mots-clés: Croissance Pro-Pauvreté; Inégalité; Régions Brésiliennes.

1 INTRODUÇÃO

Constitui-se um debate consolidado na literatura empírica sobre desenvolvimen-to econômico que a expansão da renda por si só pode não ser suficiente para re-duzir a pobreza. Por exemplo, Adelman e Morris (1973) e Chenery et al. (1974) argumentam que as evidências são claras em apontar que os indivíduos mais po-bres em economias menos desenvolvidas pouco se beneficiaram do longo período de crescimento da renda em seus países.

É bem verdade que essa discussão foi influenciada pela hipótese da curva do “U invertido”, de Kuznets (1955, 1963), a qual sugere que, nos estágios iniciais de desenvolvimento, a distribuição de renda tenderia a piorar, mas a partir de cer-to nível voltaria a cair. Essa ideia levaria a um claro entendimento de que a pobre-za poderia levar muitos anos para declinar nas economias em desenvolvimento.

Entretanto, trabalhos como Deininger e Squire (1996, 1998), Schultz (1998) e Bruno, Ravallion e Squire (1998), utilizando séries de tempo, têm rejei-tado a hipótese de Kuznets, de modo que o crescimento econômico não guarda-ria relação causal com a desigualdade. Deininger e Squire (1996), por exemplo, ilustram que o produto interno bruto (PIB) per capita cresceu 26% nos países em desenvolvimento entre 1985 e 1995, enquanto o aumento no Coeficiente de Gini foi de apenas 2,84% no mesmo período.

Page 73: Politica Publica Ppp38

71Comparando a Intensidade do Crescimento Pró-Pobre entre as Regiões Brasileiras Pós-Plano Real

Considerando a pouca variabilidade da desigualdade de renda ao longo do tempo, pode-se intuir que o aumento da renda possa ser o mecanismo mais relevante na redução da pobreza. No entanto, tal indicação estaria condicio-nada à magnitude da própria taxa de crescimento da renda e ao tamanho da desigualdade existente, que certamente minimizariam os possíveis benefícios do crescimento econômico.

Em certo sentido, a magnitude desses efeitos sobre a redução da pobreza pode ser diretamente computada pelo cálculo das elasticidades pobreza – renda e pobreza – desigualdade. Bruno, Ravallion e Squire (1998) encontram, por exem-plo, para 20 países em desenvolvimento, coeficientes estatisticamente significan-tes de -2,28 para variável crescimento da renda e 3,86 para o Coeficiente de Gini, evidenciando o maior impacto – em termos da redução da pobreza – da queda da desigualdade relativamente à elevação da renda. Evidências nacionais para essas estatísticas, com magnitudes semelhantes, podem ser encontradas em Marinho, Soares e Benegas (2004) e Hoffmann (2006).

Assim, considerando que políticas que promovam a queda da desigualdade possam ser mais relevantes para a redução da pobreza do que ações que busquem a expansão da renda média, são necessárias estratégias de redução de desequilí-brios regionais por meio de um padrão de crescimento econômico mais favo-rável aos indivíduos mais pobres de cada região. Este tipo de crescimento, que estabelece, concomitantemente, elevação da renda e redução das desigualdades é, como definido em Kakwani e Pernia (2000), o chamado crescimento inclusivo ou pró-pobre.

O presente artigo mostrará que, usando a metodologia desenvolvida por Kakwani, Khandker e Son (2004), houve crescimento pró-pobre em todas as regi-ões e, por consequência, no Brasil, e isto é corroborado pela queda do Índice de Gini. Além do mais, os resultados encontrados indicam que este estilo de cres-cimento foi mais intenso nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, nesta ordem, vis-à-vis as outras regiões.

Assim, o estudo contribui para a literatura sobre desenvolvimento econô-mico, ao determinar o tipo de crescimento e, especialmente, por quantificar os ganhos pelo efeito da desigualdade – que se constituem, naturalmente, em uma medida de bem-estar social. Especificamente, o artigo colabora com a literatura nacional, em que comumente se observam aplicações empíricas, sobretudo a par-tir de propostas presentes na literatura internacional. Vários autores brasileiros têm produzido trabalhos sobre estilos de crescimento, tanto em análise absoluta quanto relativa (SILVEIRA NETO, 2005; MANSO; BARRETO; TEBALDI, 2006; KAKWANI; NERI; SON, 2006; FORTUNATO, 2007; SALVATO; MESQUITA; ARAÚJO JR., 2008, entre outros). Recentemente, Matias, Barreto

Page 74: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201272

e Salvato (2010) utilizam três metodologias – a primeira baseada em Ravallion e Datt (1999), a segunda a partir de Son (2003) e a terceira com base em Kakwa-ni e Pernia (2000) – para qualificar o tipo de crescimento econômico ocorrido no Brasil, estados e regiões, de 1995 a 2008, incluindo análise dos subperíodos 1995-2002 e 2002-2008. Os resultados obtidos por estes autores em muito se assemelham aos do presente estudo, com destaque para a tendência menos inten-sa de crescimento pró-pobre da região Nordeste vis-à-vis as regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste.

O artigo está organizado da forma como se segue. Além desta seção intro-dutória, a seção 2, se ocupa da discussão dos fatos estilizados sobre a evolução da renda, desigualdade e pobreza. A seção 3 é dedicada à apresentação de uma meto-dologia para se identificar os estilos de crescimento quando de uma expansão ou contração da renda, além de se quantificar os ganhos pelo efeito da desigualdade. Os resultados dessa metodologia são discutidos na seção 4, inclusive contemplan-do uma discussão sobre a intensidade do crescimento pró-pobre no país e em cada região, permitindo, assim, uma análise comparativa dos desempenhos regionais. A seção 5 é dedicada às considerações finais.

2 FATOS ESTILIZADOS SOBRE EVOLUÇÃO DA RENDA, DA DESIGUALDADE E DA POBREZA NO BRASIL E NAS REGIÕES1

Para se avaliar o comportamento da desigualdade de renda nas diversas regiões brasileiras e quantificar a magnitude do crescimento pró-pobre verificado após o Plano Real, é importante analisar primeiramente como se deu a evolução da ren-da nacional – períodos de expansão e contração – e seus rebatimentos regionais após 1994.2, 3

1. A escolha espacial recai naturalmente sobre as macrorregiões por causa do interesse no desequilíbrio regional brasileiro de bem-estar social, pois, como a literatura é pródiga em evidenciar dois grupos de regiões brasileiras, um de renda alta e outro de renda baixa, análises comparativas destas regiões no contexto de um padrão de crescimento em favor dos mais pobres são imprescindíveis. Obviamente, resultados para as macrorregiões podem ter rebatimentos distintos em outras escolhas espaciais como estados e municípios, por exemplo. 2. O período de tempo inicia-se em 1995 – escolhido para que a amostra não fosse afetada diretamente pelo boom do mercado de trabalho e pela queda instantânea da pobreza pós-Plano Real (KAKWANI; KHANDKER; SON, 2006) – e estende-se até 2009, ano da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).3. Em relação à única fonte de dados deste artigo, a PNAD/IBGE, é utilizada a amostra completa, isto é, considerando os pesos individuais.

Page 75: Politica Publica Ppp38

73Comparando a Intensidade do Crescimento Pró-Pobre entre as Regiões Brasileiras Pós-Plano Real

GRÁFICO 1Evolução da renda per capita – Brasil, 1995-2009

370

420

470

520

570

620

670

1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE.Elaboração dos autores. Obs.: Valores em reais de setembro de 2009, deflacionados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).

Inicialmente, tomando-se por base a evolução da renda per capita nacional, pode ser visto no gráfico 1 que esta apresenta um comportamento cíclico no pe-ríodo analisado. Mais especificamente, a partir de 1995 assiste-se a um período de expansão até 1998, quando acontece uma contração provocada pela crise da desvalorização cambial brasileira (KAKWANI; KHANDKER; SON, 2006). Um novo período de crescimento é observado de 1999 a 2002. Por outro lado, o período 2002-2003 – início do governo do presidente Lula – é de contração da renda, mas em 2004 inicia-se um novo período de expansão que se estende até o fim da década de 2000, observando-se em 2009 o valor máximo para a renda média do país.

Page 76: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201274

GRÁFICO 2Evolução da renda per capita – Brasil e regiões, 1995-2009

0

100

200

300

400

500

600

700

800

900

1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul Brasil

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE.Elaboração dos autores.Obs.: Valores em reais de setembro de 2009, deflacionados pelo INPC.

O problema do desequilíbrio regional no Brasil e a ideia da convergência en-tre as regiões têm sempre sido temas de grande interesse na pesquisa acadêmica no país e estão, na maioria das vezes, no centro das preocupações das ações públicas. De forma geral, as evidências apontam a existência de um processo, mesmo que lento, de aproximação entre os diversos estados brasileiros (FERREIRA; DINIZ, 1995; ELLERY; FERREIRA, 1996; FERREIRA, 1996, 1999, 2000; ZINI JR., 1998). No entanto, trabalhos mais recentes como Mossi, Aroca e Fernandez (2003), Andrade et al. (2004) e Gondim, Barreto e Carvalho (2007) sugerem que essa tendência vem ocorrendo em termos de clusters espaciais, em que um grupo de baixa renda seria representado pelas regiões Nordeste e Norte4 e outro, de renda mais elevada, pelas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste – o gráfico 2 evidencia estes grupos na perspectiva da distribuição da renda pessoal de 1995 a 2009. Nessa direção, evidências semelhantes são também observadas no nível mundial, como sugerido por Jones (1997).

Verifica-se também, a partir do gráfico 2, que o movimento cíclico da renda nacional é mais bem acompanhado pelo grupo de renda alta, isto é, nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul os períodos de expansão e de contração da renda

4. As zonas rurais dos estados da região Norte, com exceção de Tocantins, só foram incluídas na PNAD a partir de 2004.

Page 77: Politica Publica Ppp38

75Comparando a Intensidade do Crescimento Pró-Pobre entre as Regiões Brasileiras Pós-Plano Real

fortemente se assemelham aos do Brasil. Além disso, percebe-se que, até 1999, Sul e Centro-Oeste apresentam uma tendência crescente, enquanto o Sudeste tem um período de relativa estabilidade. No grupo de renda baixa, por sua vez, observam-se desempenhos díspares até 2003, tendo a renda do Nordeste trajetó-ria praticamente estável, enquanto na região Norte esse movimento é declinante. Por fim, uma característica comum às cinco macrorregiões do país é a expansão da renda per capita a partir de 2003.

No gráfico 3, tem-se a evolução do Índice de Gini da renda per capita no Brasil e nas regiões. Constata-se, apesar de uma elevação inicial, clara tendên-cia de queda no período para todas as regiões e, por consequência, para o país. Especificamente no caso da região Nordeste, que apresenta os maiores níveis de concentração de renda no Brasil, o declínio da desigualdade é contínuo de 1996 a 2008, apresentando, porém, uma elevação no último ano da década. Com relação aos níveis de desigualdade das outras regiões, observa-se, em 2009, que o Centro--Oeste possui a segunda maior desigualdade de renda; a seguir, estão a região Norte, cuja concentração possui nível semelhante ao índice nacional, e as regiões Sul e Sudeste que apresentam, nesta ordem, os menores valores.

GRÁFICO 3Evolução do Índice de Gini – Brasil e regiões, 1995-2009

Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul Brasil

0,47

0,49

0,51

0,53

0,55

0,57

0,59

0,61

0,63

0,65

1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE.Elaboração dos autores.

Em termos da magnitude proporcional da queda no Índice de Gini no perí-odo completo, que pode ser acompanhada no gráfico 4, as regiões Sul (-13,43%),

Page 78: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201276

Sudeste (-10,38%) e Norte (-10,02%) foram as que apresentaram as maiores reduções, enquanto Nordeste (-7,70%) e Centro-Oeste (-4,54%), as menores, in-clusive sendo as duas únicas regiões a apresentar redução da desigualdade inferior àquela verificada para o Brasil (-9,88%).

GRÁFICO 4Redução do Índice de Gini – Brasil e regiões, 1995-2009(Em %)

-15

-12

-9

-6

-3

0

-9,88

-13,43

-10,38-10,02

-7,70

-4,54

Centro-Oeste Norte Sudeste Sul Brasil Nordeste

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE.Elaboração dos autores.

O entendimento do padrão de rebatimentos regionais de movimentos da renda nacional em termos de renda per capita, desigualdade e pobreza é de nature-za muito complexa, pois depende de vários cenários. Por exemplo, se o período de expansão da economia brasileira estiver sendo motivado por uma maior demanda de produtos agrícolas, as regiões e os setores do mercado de trabalho que estive-rem dedicados a essa atividade serão relativamente mais beneficiados. Isso poderia contribuir para mudanças na composição da renda relativa entre os diversos seg-mentos, alterando, por sua vez, os indicadores de desigualdade e pobreza em cada região. Por outro lado, se a retração ocorresse por um aumento nos juros reais na economia, o impacto poderia ser outro, uma vez que aquelas regiões e setores que dependessem mais de crédito seriam mais afetadas, com consequências diretas so-bre o mercado de trabalho nessas localidades. Nesse contexto, a dinâmica da renda pode ter reflexos imediatos e distintos sobre os níveis de desigualdade e pobreza em cada região. Pelos resultados mostrados na tabela 1, é possível observar, em

Page 79: Politica Publica Ppp38

77Comparando a Intensidade do Crescimento Pró-Pobre entre as Regiões Brasileiras Pós-Plano Real

períodos selecionados,5 as taxas médias anuais de crescimento no país e nas regiões das seguintes variáveis: renda per capita, desigualdade (medida pelo Índice de Gini) e pobreza.6

TABELA 1Taxas médias anuais de crescimento – Brasil e regiões, períodos selecionados(Em%)

Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul Brasil

I) Renda per capita

1995-2003 0,35 -0,46 -2,58 -1,33 0,00 -0,92

2003-2009 5,97 6,95 4,67 3,91 4,78 4,61

1995-2009 2,72 2,65 0,46 0,89 2,02 1,41

II) Desigualdade de renda (Índice de Gini)

1995-2003 -0,09 -0,34 -0,79 -0,22 -0,77 -0,35

2003-2009 -0,65 -0,88 -0,70 -1,53 -1,37 -1,25

1995-2009 -0,33 -0,57 -0,75 -0,78 -1,02 -0,74

III) Pobreza

III.1) Índice FGT(0) – Proporção de pobres

1995-2003 -0,96 -0,34 1,06 0,73 -2,78 -0,18

2003-2009 -13,32 -8,31 -7,33 -11,83 -11,82 -9,41

1995-2009 -6,46 -3,84 -2,62 -4,86 -6,76 -4,24

III.2) Índice FGT(1) – Hiato médio de pobreza

1995-2003 -0,72 0,03 1,20 1,19 -2,52 0,18

2003-2009 -11,73 -9,48 -7,65 -11,87 -10,95 -9,91

1995-2009 -5,60 -4,16 -2,69 -4,63 -6,22 -4,28

III.3) Índice FGT(2) – Hiato quadrático

1995-2003 -0,26 0,20 1,35 1,36 -2,27 0,37

2003-2009 -10,09 -9,61 -7,42 -11,11 -9,35 -9,60

1995-2009 -4,60 -4,13 -2,51 -4,18 -5,37 -4,03

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE.Elaboração dos autores.

Assim, a partir da tabela 1, observa-se, em termos da renda per capita, que o período 1995-2003 foi de contração da renda nacional, motivado pela queda na renda das regiões Norte, Nordeste e Sudeste e pelas quase nulas taxas de cres-cimento nas regiões Centro-Oeste e Sul. Porém, o período seguinte, 2003-2009,

5. Além do período completo, 1995-2009, foram incluídos os subperíodos 1995-2003 e 2003-2009. A escolha deveu--se às tendências de expansão da renda e de reduções da desigualdade a partir de 2003, observadas em todas as regiões do país e apresentadas nos gráficos 1, 2 e 3.6. Utilizam-se neste trabalho as linhas de pobreza regionalizadas presentes em Neri (2007). Todas as linhas e as rendas foram deflacionadas pelo INPC, conforme metodologia presente em Corseuil e Foguel (2002).

Page 80: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201278

foi de expansão em todas as regiões, com maior destaque para a região Nordeste, cuja renda cresceu a uma taxa média anual muito próxima de 7%. As regiões Sul e Sudeste, por outro lado, obtiveram as menores taxas de crescimento da ren-da neste mesmo período, com valores respectivamente iguais a 4,78% e 3,91%. O desempenho da renda no período 2003-2009 fez que no período completo houvesse expansão da renda pessoal em todas as regiões do país, tendo o Nordeste novamente o maior destaque, com crescimento de 2,65% ao ano (a.a.). Com re-lação à desigualdade medida pelo Índice de Gini, ambos os subperíodos – 1995-2003 e 2003-2009 – apresentaram queda na concentração de renda em todas as regiões; porém, as magnitudes do último subperíodo superaram amplamente as do primeiro. Na comparação relativa entre as regiões, e considerando o perí-odo completo, as maiores reduções aconteceram no Sul (-1,02%) e no Sudeste (-0,78%), enquanto as menores quedas aconteceram nas regiões Centro-Oeste (-0,33%) e Nordeste (-0,57%). Desta forma, pode-se afirmar que as regiões Nor-deste, Sul e Sudeste tiveram desempenhos relativos invertidos em relação às variá-veis renda e desigualdade, isto é, o Nordeste teve destacado crescimento da renda e pequena queda na desigualdade, enquanto o Sul e o Sudeste produziram as maio-res reduções na concentração e os menores ganhos relativos em termos de renda per capita. Com relação à região Centro-Oeste, observou-se expressivo aumento na renda e baixa redução na desigualdade; o Norte, por sua vez, teve quase nulo crescimento de renda e a terceira maior queda na desigualdade, com uma taxa próxima à apresentada pelo Sudeste.

Assim, é oportuno agora verificar o que aconteceu em termos da variável po-breza, cujo desempenho está fortemente relacionado com as evoluções da renda e da desigualdade. A literatura tem sido pródiga em mostrar as inter-relações entre estas variáveis (RAVALLION, 2001; BOURGUIGNON, 2004; ADAMS, 2004; SON, 2007; WAL, 2008). Recorrendo-se novamente às informações presentes na tabela 1, verifica-se que as reduções na pobreza no período 2003-2009 foram muito mais acentuadas que aquelas observadas no período 1995-2003. Além dis-so, para todas as medidas de pobreza7 utilizadas, as regiões Sul, Centro-Oeste e Sudeste, nesta ordem, obtiveram desempenho superior ao das regiões Nordeste e Norte, também nesta ordem.

Essa superioridade relativa das regiões de renda alta em termos da redução dos indicadores de pobreza é suficiente para sustentar a afirmação de que nestas

7. A pobreza está mensurada pelos Índices FGT(0) – conhecido como proporção de pobres, que determina a extensão da pobreza, pois é construído como a razão entre o número de pessoas pobres e a população; FGT(1) – conhecido como hiato de pobreza, cuja construção se baseia na distância entre a renda do indivíduo e a linha de pobreza e per-mite, assim, que se incorpore, além da extensão, a intensidade da escassez de renda dos indivíduos pobres; e FGT(2) – conhecido como hiato quadrático, que se utiliza do quadrado da distância entre a renda do indivíduo e a linha de pobreza e permite, assim, que se dê maior peso às pessoas com maiores níveis de privação, permitindo a compreensão sobre o grau de severidade da pobreza. Estes indicadores estão em Foster, Greer e Thorbecke (1984).

Page 81: Politica Publica Ppp38

79Comparando a Intensidade do Crescimento Pró-Pobre entre as Regiões Brasileiras Pós-Plano Real

regiões o crescimento foi mais pró-pobre? A resposta a esta questão deve passar, inicialmente, pelo entendimento do que seja este estilo de crescimento. Ainda não há na literatura da área um consenso sobre o real significado do que venha a ser caracterizado por crescimento pró-pobre (LOPEZ, 2004). Segundo Ravallion e Chen (2003), por exemplo, este conceito seria aplicado quando a renda dos pobres crescesse, independentemente do que ocorresse com a desigualdade. Por outro lado, White e Anderson (2000) consideram que uma aplicação mais apu-rada desse conceito ocorreria quando a desigualdade caísse durante a expansão da renda.8 Sem entrar no mérito desse debate, o certo é que, se consideramos a defi-nição de White e Anderson (op. cit.), a magnitude da desigualdade e sua evolução seriam variáveis importantes no combate à pobreza. Além do mais, a literatura tem apontado que políticas que visam reduzir a pobreza conciliando o crescimen-to da renda com a redução da desigualdade têm sido mais eficazes (RAVALLION, 1997, 2004; BOURGUIGNON, 2003; LOPEZ; SERVEN, 2004).

Desse modo, com a intenção de quantificar a magnitude do crescimento pró-pobre no Brasil e em suas diversas regiões de 1995 a 2009, apresenta-se na seção seguinte a metodologia desenvolvida por Kakwani, Khandker e Son (2004), em que este tipo de crescimento ocorre em um cenário de expansão da renda no qual os indivíduos em situação de pobreza se beneficiam proporcionalmente mais, havendo, portanto, redução da desigualdade. O procedimento proposto por esses autores permite identificar o aumento da renda dos pobres comparativamente aos não pobres durante um movimento cíclico da renda e então caracterizá-lo nos seguintes cenários: pró-pobre, tricke-down, empobrecedor, recessão fortemente pró-pobre, recessão pró-pobre e recessão contra pobre. Estes estilos de crescimento também serão descritos na próxima seção.

3 METODOLOGIA PARA O CÁLCULO DO CRESCIMENTO PRÓ-POBRE

Pobreza pode ser conceituada em termos de privação absoluta sofrida pela po-pulação. Uma pessoa sofre de privação absoluta se ela não goza de um padrão de vida mínimo em uma sociedade. Em termos da chamada pobreza monetária, considere a renda individual9 uma variável aleatória com função de distribui-ção ; denotando como a linha de pobreza dessa sociedade, isto implicaria que uma pessoa teria privação absoluta, em termos monetários, se sua renda fosse menor do que .

8. No entanto, é interessante estender esse conceito não somente para os períodos de expansão da renda, mas tam-bém para movimentos de contração.9. A renda individual utilizada neste artigo é, como é comum na literatura, o rendimento familiar (todas as fontes) em termos per capita, que é uma proxy para a renda da qual o indivíduo de fato se apropria para atendimento às suas necessidades.

Page 82: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201280

Para considerar, no entanto, os diferentes níveis de privação, podemos defi-nir assim uma medida do grau de privação absoluta da renda:

(1)

em que: é uma função homogênea de grau zero em e em . Assuma também que o grau de privação decresce estrita e monotonicamente a uma taxa crescente, ou seja:

e (2)

Desta forma, a magnitude da pobreza em uma sociedade pode ser medida por uma privação média dada por:

(3)

em que: é a função densidade de probabilidade. Esta é uma classe geral de medidas de pobreza aditiva.10

3.1 A Taxa de Crescimento do Equivalente Pobreza (PEGR)11

Em um processo de crescimento econômico, dois fatores contribuem para a redução da pobreza. O primeiro é a magnitude da taxa deste crescimento, isto é, o efeito do aumento da renda média. Sob esta perspectiva, e supondo que a renda gerada seja distribuída proporcionalmente entre os indivíduos – pobres ou não –, haveria algum ganho de renda para aquelas pessoas vivendo em situação de pobre-za, o que ajudaria a diminuir o grau de privação destas pessoas, reduzindo, assim, o índice de pobreza.

O segundo fator que contribui para a queda de um indicador de pobreza é a redução da desigualdade – acompanhada ou não do crescimento da renda. Ademais, o impacto do crescimento econômico na redução da pobreza seria in-fluenciado pelo comportamento da desigualdade. Se prevalecer, por exemplo, a hipótese do “U invertido” de Kuznets (1955), em economias com baixo nível de renda, o crescimento econômico teria pouca eficácia na redução da pobreza, dado o aumento da desigualdade durante esse processo.

10. Para Foster, Greer e Thorbecke (1984), uma classe de medidas de pobreza pode ser obtida utilizando-se, em que: é o parâmetro da aversão à desigualdade. Para , temos a proporção de

pobres, FGT(0); , o hiato de pobreza, FGT(1) e , o hiato quadrático, FGT(2). Como dito anteriormente, são estas as medidas de pobreza adotadas neste artigo.11. Para guardar a nomenclatura em inglês, Poverty Equivalente Growth Rate, dos autores, seguiremos com a sigla PEGR.

Page 83: Politica Publica Ppp38

81Comparando a Intensidade do Crescimento Pró-Pobre entre as Regiões Brasileiras Pós-Plano Real

Para medirmos o efeito desses dois impactos sobre a pobreza, diferenciamos a equação (3) para obtermos:

(4)

Supondo o nível de renda da população no p-ésimo percentil, a equação (4) pode ser reescrita como:

(5)

Seguindo Kakwani (1980), pode ser dado por:

(6)

em que: é a renda média da sociedade e , a primeira derivada da função de Lorenz. Tomando-se logaritmos em (6) e diferenciando-a, obtemos:

(6´)

Substituindo-se (6´) em (5), teremos:

+ (7)

Perceba que o termo , na primeira expressão no lado di-reito da igualdade, é a porcentagem de mudança na pobreza quando ocorre um crescimento na renda média de 1%, mantendo a desigualdade constante, ou seja, é a elasticidade pobreza-crescimento (EPC), como derivada em Kakwani (1993). Neste contexto, estamos assumindo que cada indivíduo recebe os bene-fícios do crescimento da renda de forma proporcional à distribuição existente. Considerando as especificações em (2) e assumindo que , o valor desta

elasticidade será sempre negativo. Dividindo-se (7) por , chegamos à seguinte expressão:

(8)

Essa equação mostra o valor total da elasticidade – pobreza, sendo influencia-do por dois componentes: o primeiro termo reflete a redução percentual da pobreza

Page 84: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201282

pelo efeito do aumento da renda média, enquanto o segundo captura o efeito da desigualdade sobre a pobreza quando do processo de crescimento econômico.

Por meio dessas expressões, podemos estabelecer alguma medida da magni-tude do crescimento pró-pobres em uma determinada economia. Para tanto, con-sidera-se, inicialmente, que este estilo de crescimento ocorre quando a mudança na desigualdade que acompanha o crescimento reduz a pobreza total.

Ou seja, em termos simplesmente da magnitude, essa situação ocorreria se a

elasticidade pobreza-total (EPT), dada pelo termo , for maior que a elas-

ticidade pobreza-crescimento de Kakwani, . Perceba-se que, nes-se caso, a redução da desigualdade seguiria a mesma direção da queda nos níveis de pobreza, de modo que reforçaria sua redução. Em outro sentido, se durante o processo de crescimento da renda, a mudança na desigualdade contribuísse para o aumento da pobreza, então o efeito do crescimento da renda na pobreza seria amortecido, de modo que EPT seria menor que EPC.

A magnitude do crescimento pró-pobre estaria, então, associada aos valores dessas elasticidades (EPT e EPC) e do efeito da desigualdade sobre a pobreza (EDP). Para tanto, Kakwani, Khadker e Son (2004) introduzem o conceito de PEGR, que procura incorporar os efeitos da expansão da renda nos níveis mais baixos da distribuição, na queda da desigualdade. Assim, estes autores sugerem o

cálculo de uma taxa hipotética de crescimento da renda ( ) que resultaria em um nível semelhante de redução da pobreza, caso o crescimento da renda média

não tivesse sido acompanhado de mudanças na desigualdade. Assim, esse ga-nho hipotético de renda poderia ser calculado como:

(9)

em que: é a elasticidade pobreza-total motivada pela expansão da renda média e

da desigualdade e a elasticidade pobreza-crescimento. Assim, caso , a expansão da renda entre os mais pobres seria mais que proporcional ao da renda média da economia, o que provocaria evidentemente uma redução da desigualdade.

A diferença entre e forneceria a intensidade do crescimento pró-pobre ocorrido.

Para o cálculo efetivo da PEGR em determinado período, para as medidas

FGT(0), FGT(1) e FGT(2) de pobreza, utilizamos as rendas médias e e as

curvas de Lorenz e , respectivamente para os anos iniciais e finais.

Page 85: Politica Publica Ppp38

83Comparando a Intensidade do Crescimento Pró-Pobre entre as Regiões Brasileiras Pós-Plano Real

O método envolve os seguintes passos:

1. Determinação do grau de privação , em que:

é uma medida de pobreza de uma distribuição de rendimentos

de frequência e z representa a linha de pobreza.

2. Cálculo da Taxa de Crescimento da Renda Média por: .

3. A partir dos valores do índice de pobreza nos anos iniciais e finais do

período, , e de valores contrafactuais

dessa medida, , obtidos com renda média de um ano e curva de Lorenz de outro, calculam-se as estimativas para a elasticidade pobreza-crescimento:

e para o efeito da desigualdade sobre a pobreza:

4. Cálculo do valor total da elasticidade pobreza ( ) pela soma entre as

variáveis e .

5. Cálculo do valor da PEGR, seguindo: .

Pode-se observar que, para o cálculo dessas elasticidades, foi considerada a elasticidade no arco, ou seja, ela é tomada na média em dois períodos tanto para os valores de renda como para a curva de Lorenz. Esse procedimento evita que o ano inicial ou terminal possam influenciar de forma significativa seus valores, o que sub ou superestimaria os valores da renda hipotética, levando a conclusões incorretas.

Seguindo novamente Kakwani, Khadker e Son (2004), e considerando a

equação (9) descrita anteriormente, , destacam-se os seguintes es-tilos de crescimento econômico e os cenários que eles descrevem:

1. Pró-pobre (pro-poor): ocorre quando . Em um cenário de expansão da renda, os pobres se beneficiam proporcionalmente mais, havendo, portanto, redução da desigualdade.

Page 86: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201284

2. Tricke-down: ocorre quando . Este processo se caracteriza pelo aumento da desigualdade, mesmo com expansão da renda média e de redução na pobreza.

3. Empobrecedor (immiserising) (BHAGWATI, 1988): ocorre quando e . Mesmo com expansão da renda média, verificam-se

aumentos na pobreza e na desigualdade.

4. Recessão fortemente pró-pobre (recession strongly pro-poor): ocorre quando e . Significa recessão na economia (redução da renda média) e também reduções na pobreza e na desigualdade.

5. Recessão pró-pobre (recession pro-poor): ocorre quando . Cenário de recessão econômica e aumento na pobreza; porém, os efeitos negativos são menores nos pobres.

6. Recessão contra pobre (recession anti-poor): ocorre quando . Cenário de recessão econômica e aumentos na pobreza, em um padrão em que os pobres se beneficiam proporcionalmente menos.

4 RESULTADOS

Nesta seção, são apresentados os resultados da aplicação da metodologia discutida na seção anterior, para o Brasil e suas cinco regiões. A análise é feita conside-rando os anos de 1995 a 1996, 1996 a 1997 e assim sucessivamente até 2009.12 Os resultados são divididos em dois momentos: no primeiro são evidenciados o crescimento da renda e a Taxa de Crescimento do Equivalente Pobreza e no segundo são comparadas as intensidades do crescimento pró-pobre.

12. À exceção do ano 2000, em que, por ser ano censitário, não houve realização da PNAD.

Page 87: Politica Publica Ppp38

85Comparando a Intensidade do Crescimento Pró-Pobre entre as Regiões Brasileiras Pós-Plano Real

TABELA 2Taxa de Crescimento do Equivalente Pobreza e Taxa de Crescimento da Renda Média – região Centro-Oeste(Em %)

Período Crescimento renda Taxa de Crescimento do Equivalente Pobreza (PEGR)

% a.a. FGT(0) FGT(1) FGT(2)

1995-1996 4,50 0,35 -2,35 -7,58

1996-1997 5,74 8,80 8,33 11,47

1997-1998 2,85 4,92 4,90 5,42

1998-1999 -8,47 -6,79 -6,30 -4,25

1999-2001 1,54 1,88 -0,74 -2,68

2001-2002 4,38 4,63 6,41 9,08

2002-2003 -9,26 -7,35 -5,22 -5,84

2003-2004 6,82 12,56 16,66 22,19

2004-2005 5,11 5,07 2,54 0,48

2005-2006 7,77 14,58 17,93 24,00

2006-2007 8,70 5,70 4,97 2,42

2007-2008 5,88 6,61 7,11 8,38

2008-2009 0,51 15,34 4,62 2,79

1995-2003 0,35 1,68 0,50 0,22

2003-2009 5,80 8,54 9,47 11,05

1995-2009 2,68 3,95 4,27 4,53

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE.Elaboração dos autores.

Nossa análise inicia-se pelos dados da região Centro-Oeste, sintetizados na tabela 2. São observados períodos de contração da renda média apenas em 1988-1999 e 2001-2002. Porém, mesmo no período de expansão 1995-1996, verificam-se taxas negativas do equivalente pobreza para o hiato e para o hiato quadrático de pobreza, evidenciando, assim, os “freios” ao crescimento, provo-cados pela alta desigualdade na região. Outra evidência nesta direção é o fato de, no subperíodo de maior expansão da renda, no caso 2006-2007, com taxa de crescimento de 8,7%, a PEGR variar de apenas 2,42% (hiato quadrático) a 5,7% (proporção de pobres). Apesar disso, no período completo, os valores da PEGR foram superiores ao crescimento da renda, demonstrando haver ganhos pelo efei-to da redistribuição desta renda. Este efeito foi provocado, especialmente, pelas taxas de crescimento da renda e da PEGR no período 2003-2009, que foram muito superiores às verificadas de 1995 a 2003.

As taxas de crescimento da renda e da PEGR para a região Nordeste estão apresentados na tabela 3. Assim como no caso do Centro-Oeste, verificam-se no

Page 88: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201286

Nordeste taxas negativas do equivalente pobreza mesmo em períodos de expansão da renda, evidenciando os efeitos nocivos da alta desigualdade sobre a pobreza na região. Destaca-se também o comportamento distinto da renda na comparação entre os subperíodos 1995-2003 e 2003-2009. Enquanto o primeiro se caracte-riza pela contração da renda, o segundo é caracterizado pelo expressivo aumento da renda média e, ainda, por este vir acompanhado de ganhos pelo efeito da de-sigualdade, pois as taxas de crescimento da PEGR são superiores a esta expansão.

TABELA 3Taxa de Crescimento do Equivalente Pobreza e Taxa de Crescimento da Renda Média – região Nordeste(Em %)

Período Crescimento renda Taxa de Crescimento do Equivalente Pobreza (PEGR)

% a.a. FGT(0) FGT(1) FGT(2)

1995-1996 1,20 -0,75 -6,02 -8,72

1996-1997 0,20 -9,55 0,69 1,46

1997-1998 4,03 6,34 7,82 9,79

1998-1999 -3,76 -2,80 -1,59 -1,39

1999-2001 -0,08 2,28 -0,43 -1,65

2001-2002 1,81 3,00 5,20 7,23

2002-2003 -7,02 -4,98 -5,35 -6,43

2003-2004 7,23 8,96 10,02 10,87

2004-2005 5,11 8,68 8,13 8,04

2005-2006 12,60 11,70 12,56 13,75

2006-2007 3,05 6,05 4,41 2,22

2007-2008 7,18 9,16 13,86 17,48

2008-2009 5,15 4,73 2,82 1,02

1995-2003 -0,46 0,45 -0,03 -0,18

2003-2009 6,72 8,54 8,70 9,01

1995-2009 2,61 3,74 3,66 3,67

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE.Elaboração dos autores.

As taxas de crescimento da renda e da PEGR para a região Norte estão apre-sentadas na tabela 4. Dos sete subperíodos de 1995 a 2003, cinco foram de con-tração da renda na região. Assim, a renda média caiu a uma taxa anual de -2,62% no período. Em contraste, o período seguinte, 2003-2009, foi de expansão da renda com ganhos pelo efeito da variação da desigualdade. No período completo, em que se tem a junção destes dois cenários antagônicos, a renda cresceu apenas 0,46% a.a., produzindo uma quase estabilidade; por outro lado, o crescimento da PEGR variou de 1,56% a.a. (proporção de pobres) a 2,27% anuais (hiato

Page 89: Politica Publica Ppp38

87Comparando a Intensidade do Crescimento Pró-Pobre entre as Regiões Brasileiras Pós-Plano Real

quadrático), demonstrando o impacto positivo da redistribuição de renda sobre os indicadores de pobreza.

TABELA 4Taxa de Crescimento do Equivalente Pobreza e Taxa de Crescimento da Renda Média – região Norte(Em %)

Período Crescimento renda Taxa de Crescimento do Equivalente Pobreza (PEGR)

% a.a. FGT(0) FGT(1) FGT(2)

1995-1996 -4,51 -3,36 -6,68 -10,82

1996-1997 -0,47 -2,84 -2,32 -0,28

1997-1998 -1,33 4,44 0,34 -0,85

1998-1999 -6,22 -2,19 -0,05 -0,30

1999-2001 1,43 1,48 1,81 2,47

2001-2002 -1,10 -3,05 0,30 1,64

2002-2003 -10,17 -3,53 -2,82 -3,93

2003-2004 1,38 1,33 4,06 7,19

2004-2005 3,96 8,04 8,76 10,78

2005-2006 8,03 13,31 9,58 7,64

2006-2007 4,43 0,91 -1,67 -5,87

2007-2008 5,08 12,25 19,10 27,76

2008-2009 4,47 -1,23 -4,18 -8,18

1995-2003 -2,62 -1,03 -0,97 -1,19

2003-2009 4,56 5,84 6,18 6,97

1995-2009 0,46 1,56 2,07 2,27

Fonte: Microdados da PNAD/IBGEElaboração dos autores.

Na tabela 5, estão apresentadas as taxas de crescimento da renda e da PEGR para a região Sudeste. Observa-se uma contração de renda de 1995 a 2003; po-rém, os maiores destaques são as altas taxas de crescimento do equivalente pobre-za no período 2003-2009, evidenciando que o aumento da renda, embora pouco expressivo, ocorreu em um padrão mais favorável aos mais pobres.

Page 90: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201288

TABELA 5Taxa de Crescimento do Equivalente Pobreza e Taxa de Crescimento da Renda Média – região Sudeste(Em %)

Período Crescimento renda Taxa de Crescimento do Equivalente Pobreza (PEGR)

% a.a. FGT(0) FGT(1) FGT(2)

1995-1996 1,85 3,74 1,65 1,58

1996-1997 0,13 0,30 -1,02 -4,39

1997-1998 -0,25 1,55 0,49 0,34

1998-1999 -6,77 -2,93 -2,87 -1,66

1999-2001 0,74 -0,55 -3,73 -6,41

2001-2002 -0,45 3,53 8,06 12,99

2002-2003 -6,68 -7,59 -6,24 -6,85

2003-2004 0,52 9,50 12,41 17,09

2004-2005 7,56 9,28 10,90 14,31

2005-2006 8,55 12,27 13,19 13,55

2006-2007 0,70 11,15 6,03 7,42

2007-2008 4,48 7,82 10,93 14,08

2008-2009 1,22 3,35 3,11 3,83

1995-2003 -1,34 -0,52 -0,92 -1,30

2003-2009 3,84 7,92 9,62 12,17

1995-2009 0,88 2,52 3,57 4,38

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE.Elaboração dos autores.

As taxas de crescimento da renda e da PEGR para a região Sul estão apresen-tadas na tabela 6. Assim como no caso do Sudeste, observa-se a larga superiori-dade das taxas de crescimento do equivalente pobreza em relação às taxas de cres-cimento da renda média, especialmente no período 2003-2009. Na comparação entre os períodos, assim como ocorrera com todas as outras regiões, as taxas em 2003-2009 superam amplamente aquelas verificadas para 1995-2003.

Page 91: Politica Publica Ppp38

89Comparando a Intensidade do Crescimento Pró-Pobre entre as Regiões Brasileiras Pós-Plano Real

TABELA 6Taxa de Crescimento do Equivalente Pobreza e Taxa de Crescimento da Renda Média – região Sul(Em %)

Período Crescimento renda Taxa de Crescimento do Equivalente Pobreza (PEGR)

% a.a. FGT(0) FGT(1) FGT(2)

1995-1996 1,42 1,14 -0,93 -4,82

1996-1997 -2,33 1,18 2,05 4,58

1997-1998 2,37 3,12 -0,56 -2,00

1998-1999 -3,77 -8,08 -6,28 -7,68

1999-2001 1,91 3,95 4,77 5,69

2001-2002 -1,03 7,14 13,33 20,49

2002-2003 -0,48 0,51 -2,18 -5,28

2003-2004 4,74 7,91 10,87 14,93

2004-2005 3,16 4,67 6,37 6,83

2005-2006 7,72 9,80 10,79 11,45

2006-2007 5,35 9,52 8,18 8,21

2007-2008 3,67 9,72 17,10 23,65

2008-2009 3,34 2,98 -3,33 -10,59

1995-2003 0,00 0,25 1,85 2,01

2003-2009 4,66 7,86 8,83 10,10

1995-2009 2,00 4,32 4,90 5,37

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE.Elaboração dos autores.

Por fim, as taxas de crescimento da renda e da PEGR para o Brasil estão apresentadas na tabela 7. Verificam-se inicialmente os maiores aumentos da renda média e as mais expressivas taxas de crescimento do equivalente pobreza no perí-odo 2003-2009, relativamente ao período 1995-2003. O padrão de crescimento da renda nacional a partir de 2003 foi em direção aos mais pobres, como pode ser visto pela superioridade da PEGR em cada medida de pobreza. Assim, pode--se afirmar que as mudanças na desigualdade de renda no Brasil, notadamente a partir de 2003, contribuíram para a redução da pobreza, potencializando o efeito do crescimento econômico neste mesmo período.

Page 92: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201290

TABELA 7Taxa de Crescimento do Equivalente Pobreza e Taxa de Crescimento da Renda Média – Brasil(Em %)

Período Crescimento renda Taxa de Crescimento do Equivalente Pobreza (PEGR)

% a.a. FGT(0) FGT(1) FGT(2)

1995-1996 1,67 0,99 -3,10 -5,86

1996-1997 0,24 -1,38 0,93 1,10

1997-1998 1,00 4,01 4,35 5,63

1998-1999 -5,86 -4,07 -2,54 -2,06

1999-2001 0,73 1,00 -0,90 -2,14

2001-2002 0,11 2,86 6,38 9,32

2002-2003 -6,05 -5,53 -5,20 -6,31

2003-2004 2,26 7,87 10,04 12,47

2004-2005 5,92 7,57 8,44 9,31

2005-2006 8,87 13,05 12,39 13,20

2006-2007 2,70 5,89 4,24 2,60

2007-2008 4,95 9,37 13,68 17,91

2008-2009 2,32 3,36 1,57 -0,22

1995-2003 -0,93 0,13 -0,15 -0,34

2003-2009 4,50 7,95 8,54 9,50

1995-2009 1,40 3,18 3,57 3,79

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE.Elaboração dos autores.

Nos gráficos de 5 a 10, são apresentadas as trajetórias de crescimento da renda e da PEGR para cada medida de pobreza utilizada, em cada uma das cinco macrorregiões e também no país. Por estes instrumentos, é possível observar o comportamento cíclico da renda, além dos períodos em que a curva de cresci-mento da PEGR é superior (inferior) à curva de crescimento da renda média, evidenciando ganhos (perdas) pelo efeito da redução da desigualdade.

Page 93: Politica Publica Ppp38

91Comparando a Intensidade do Crescimento Pró-Pobre entre as Regiões Brasileiras Pós-Plano Real

GRÁFICO 5Renda versus PEGR, FGT(0), FGT(1) e FGT(2) – região Centro-Oeste(Em %)

-15,00

-10,00

-5,00

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

Renda PEGR, FGT(0)

1995-1996 1996-1997 1997-1998 1998-1999 1999-2001 2001-2002 2002-2003 2003-2004 2004-2005 2005-2006 2006-2007 2007-2008 2008-2009

Renda PEGR, FGT(1)

-15,00

-10,00

-5,00

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

1995-1996 1996-1997 1997-1998 1998-1999 1999-2001 2001-2002 2002-2003 2003-2004 2004-2005 2005-2006 2006-2007 2007-2008 2008-2009

-15,00

-10,00

-5,00

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

25,00

30,00

Renda PEGR, FGT(2)

1995-1996 1996-1997 1997-1998 1998-1999 1999-2001 2001-2002 2002-2003 2003-2004 2004-2005 2005-2006 2006-2007 2007-2008 2008-2009

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE.Elaboração dos autores.

Page 94: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201292

GRÁFICO 6Renda versus PEGR, FGT(0), FGT(1) e FGT(2) – região Nordeste(Em %)

Renda PEGR, FGT(0)

-15,00

-10,00

-5,00

0,00

5,00

10,00

15,00

1995-1996 1996-1997 1997-1998 1998-1999 1999-2001 2001-2002 2002-2003 2003-2004 2004-2005 2005-2006 2006-2007 2007-2008 2008-2009

-10,00

-5,00

0,00

5,00

10,00

15,00

Renda PEGR, FGT(1)

1995-1996 1996-1997 1997-1998 1998-1999 1999-2001 2001-2002 2002-2003 2003-2004 2004-2005 2005-2006 2006-2007 2007-2008 2008-2009

-10,00

-15,00

-5,00

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

Renda PEGR, FGT(2)

1995-1996 1996-1997 1997-1998 1998-1999 1999-2001 2001-2002 2002-2003 2003-2004 2004-2005 2005-2006 2006-2007 2007-2008 2008-2009

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE.Elaboração dos autores.

Page 95: Politica Publica Ppp38

93Comparando a Intensidade do Crescimento Pró-Pobre entre as Regiões Brasileiras Pós-Plano Real

GRÁFICO 7Renda versus PEGR, FGT(0), FGT(1) e FGT(2) – região Norte(Em %)

Renda PEGR, FGT(0)

-15,00

-10,00

-5,00

0,00

5,00

10,00

15,00

1995-1996 1996-1997 1997-1998 1998-1999 1999-2001 2001-2002 2002-2003 2003-2004 2004-2005 2005-2006 2006-2007 2007-2008 2008-2009

Renda PEGR, FGT(1)

-15,00

-10,00

-5,00

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

25,00

1995-1996 1996-1997 1997-1998 1998-1999 1999-2001 2001-2002 2002-2003 2003-2004 2004-2005 2005-2006 2006-2007 2007-2008 2008-2009

Renda PEGR, FGT(2)

-15,00

-10,00

-5,00

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

30,00

25,00

1995-1996 1996-1997 1997-1998 1998-1999 1999-2001 2001-2002 2002-2003 2003-2004 2004-2005 2005-2006 2006-2007 2007-2008 2008-2009

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE.Elaboração dos autores.

Page 96: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201294

GRÁFICO 8Renda versus PEGR, FGT(0), FGT(1) e FGT(2) – região Sudeste(Em %)

Renda PEGR, FGT(0)

-10,00

-5,00

0,00

5,00

10,00

15,00

1995-1996 1996-1997 1997-1998 1998-1999 1999-2001 2001-2002 2002-2003 2003-2004 2004-2005 2005-2006 2006-2007 2007-2008 2008-2009

Renda PEGR, FGT(1)

-10,00

-5,00

0,00

5,00

10,00

15,00

1995-1996 1996-1997 1997-1998 1998-1999 1999-2001 2001-2002 2002-2003 2003-2004 2004-2005 2005-2006 2006-2007 2007-2008 2008-2009

-10,00

-5,00

0,00

5,00

10,00

20,00

15,00

Renda PEGR, FGT(2)

1995-1996 1996-1997 1997-1998 1998-1999 1999-2001 2001-2002 2002-2003 2003-2004 2004-2005 2005-2006 2006-2007 2007-2008 2008-2009

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE.Elaboração dos autores.

Page 97: Politica Publica Ppp38

95Comparando a Intensidade do Crescimento Pró-Pobre entre as Regiões Brasileiras Pós-Plano Real

GRÁFICO 9Renda versus PEGR, FGT(0), FGT(1) e FGT(2) – região Sul(Em %)

-10,00

-5,00

0,00

5,00

10,00

15,00

Renda PEGR, FGT(0)

1995-1996 1996-1997 1997-1998 1998-1999 1999-2001 2001-2002 2002-2003 2003-2004 2004-2005 2005-2006 2006-2007 2007-2008 2008-2009

-10,00

-5,00

0,00

5,00

10,00

20,00

15,00

Renda PEGR, FGT(1)

1995-1996 1996-1997 1997-1998 1998-1999 1999-2001 2001-2002 2002-2003 2003-2004 2004-2005 2005-2006 2006-2007 2007-2008 2008-2009

-10,00

-5,00

0,00

5,00

10,00

20,00

30,00

25,00

15,00

-15,00

Renda PEGR, FGT(2)

1995-1996 1996-1997 1997-1998 1998-1999 1999-2001 2001-2002 2002-2003 2003-2004 2004-2005 2005-2006 2006-2007 2007-2008 2008-2009

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE.Elaboração dos autores.

Page 98: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201296

GRÁFICO 10Renda versus PEGR, FGT(0), FGT(1) e FGT(2) – Brasil(Em %)

Renda PEGR, FGT(0) -10,00

-5,00

0,00

5,00

10,00

15,00

1995-1996 1996-1997 1997-1998 1998-1999 1999-2001 2001-2002 2002-2003 2003-2004 2004-2005 2005-2006 2006-2007 2007-2008 2008-2009

Renda PEGR, FGT(1) -10,00

-5,00

0,00

5,00

10,00

15,00

1995-1996 1996-1997 1997-1998 1998-1999 1999-2001 2001-2002 2002-2003 2003-2004 2004-2005 2005-2006 2006-2007 2007-2008 2008-2009

Renda PEGR, FGT(2) -10,00

-5,00

0,00

5,00

10,00

20,00

15,00

1995-1996 1996-1997 1997-1998 1998-1999 1999-2001 2001-2002 2002-2003 2003-2004 2004-2005 2005-2006 2006-2007 2007-2008 2008-2009

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE.Elaboração dos autores.

Page 99: Politica Publica Ppp38

97Comparando a Intensidade do Crescimento Pró-Pobre entre as Regiões Brasileiras Pós-Plano Real

4.1 Comparando a intensidade do crescimento pró-pobre

Os resultados mostrados na seção anterior indicaram que, de forma geral e espe-cialmente após 2003, houve predominância dos ganhos pelo efeito da desigualda-de quando do aumento da renda no país e em suas macrorregiões, para cada uma das medidas de pobreza utilizadas. No entanto, esses resultados por si sós não são ainda suficientes para identificar em que regiões o crescimento foi mais pró-pobre. Para avaliar esta intensidade, é importante analisar a diferença entre a Taxa de Crescimento do Equivalente Pobreza e a Taxa de Crescimento da Renda Média,

afinal os valores das diferenças entre as taxas de crescimento da PEGR ( ) e da renda média ( ) representam ganhos (+) ou perdas (-) de bem-estar pelo efeito da desigualdade. Os resultados, considerando as medidas proporção de pobres, hiato de pobreza e hiato quadrático de pobreza, estão apresentados, respectivamente, nas tabelas 8, 9 e 10.

Antes de iniciarmos a apresentação propriamente dita dos resultados, faz--se necessária uma observação metodológica, que pretende, inclusive, estimular a leitura concomitante das tabelas 8, 9 e 10. O cálculo da intensidade do cresci-mento pró-pobre e a definição do estilo de crescimento devem ser realizados para diferentes medidas de pobreza, não apenas pela busca da robustez nos resultados, mas também porque, quando se dá maior peso às distâncias entre as rendas in-dividuais e a linha de pobreza, o efeito desigualdade aumenta seu poder expli-cativo sobre as variações nos indicadores de pobreza (KRAAY, 2004; MANSO; BARRETO: TEBALDI, 2006). Assim, é natural que as diferenças entre os cres-cimentos da PEGR e da renda média sejam maiores na medida em que se vai do Índice FGT(0) para FGT(2), possibilitando, com isso, que ocorram mudanças no estilo de crescimento em um mesmo período. Para ilustrar esta observação, tomemos como exemplo os dados para o Brasil de 2008 a 2009, época marcada pela crise financeira internacional originada em títulos hipotecários dos Estados Unidos. Para este período, observando-se a tabela 8, para a medida FGT(0), o Brasil teve crescimento pró-pobre a uma taxa de 1,04%. Na tabela 9, entretanto, em que o indicador de pobreza é o FGT(1) – que incorpora a distância das rendas à linha de pobreza –, verifica-se que o país teve perdas pelo efeito desigualdade a uma taxa de -0,75%, o que determinou um estilo de crescimento tricke-down, que se caracteriza pelo aumento da desigualdade mesmo em um cenário de expansão da renda e de redução da pobreza. Por fim, na tabela 10, que mostra os resultados para a medida FGT(2) – que, por sua vez, potencializa ainda mais as rendas das pessoas com maiores privações –, concluímos que o Brasil teve de 2008 para 2009 um crescimento empobrecedor – cenário de expansão da renda, mas com aumento tanto na pobreza quanto na desigualdade –, com perdas pelo efeito redistributivo da renda estimadas em -2,54%. Como resumo do que ocorreu para o Brasil nesse período, podemos afirmar que os efeitos da distribuição de renda contribuíram

Page 100: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 201298

para reduzir a extensão da pobreza, beneficiando os indivíduos com rendas mais próximas da linha estabelecida; porém, tais efeitos ajudaram a potencializar a intensidade e a severidade da pobreza, em um padrão desfavorável aos indivíduos com maiores graus de privação.

TABELA 8Intensidades e estilos de crescimento, FGT(0) – Brasil e regiões(Em % a.a.)

PeríodoCentro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul Brasil

Tx Estilo Tx Estilo Tx Estilo Tx Estilo Tx Estilo Tx Estilo

1995-1996 -4,15 [2] -1,95 [3] 1,16 [5] 1,89 [1] -0,28 [2] -0,68 [2]

1996-1997 3,06 [1] -9,75 [3] -2,36 [6] 0,18 [1] 3,50 [4] -1,62 [3]

1997-1998 2,07 [1] 2,31 [1] 5,77 [4] 1,80 [4] 0,75 [1] 3,01 [1]

1998-1999 1,68 [5] 0,97 [5] 4,03 [5] 3,84 [5] -4,31 [6] 1,79 [5]

1999-2001 0,34 [1] 2,36 [4] 0,05 [1] -1,28 [3] 2,04 [1] 0,27 [1]

2001-2002 0,25 [1] 1,19 [1] -1,95 [6] 3,98 [4] 8,16 [4] 2,75 [1]

2002-2003 1,91 [5] 2,04 [5] 6,63 [5] -0,92 [6] 1,00 [4] 0,53 [5]

2003-2004 5,74 [1] 1,73 [1] -0,06 [2] 8,98 [1] 3,17 [1] 5,61 [1]

2004-2005 -0,04 [2] 3,58 [1] 4,08 [1] 1,72 [1] 1,51 [1] 1,65 [1]

2005-2006 6,81 [1] -0,90 [2] 5,28 [1] 3,72 [1] 2,08 [1] 4,18 [1]

2006-2007 -3,00 [2] 3,00 [1] -3,52 [2] 10,45 [1] 4,16 [1] 3,18 [1]

2007-2008 0,73 [1] 1,98 [1] 7,17 [1] 3,35 [1] 6,05 [1] 4,42 [1]

2008-2009 14,84 [1] -0,42 [2] -5,70 [3] 2,13 [1] -0,36 [2] 1,04 [1]

1995-2003 1,33 [1] 0,91 [4] 1,58 [5] 0,81 [5] 0,25 [1] 1,06 [4]

2003-2009 2,74 [1] 1,83 [1] 1,28 [1] 4,08 [1] 3,20 [1] 3,44 [1]

1995-2009 1,26 [1] 1,13 [1] 1,10 [1] 1,64 [1] 2,32 [1] 1,78 [1]

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE.Elaboração dos autores. Obs.: Tx: Crescimento do Equivalente Pobreza – Crescimento da Renda Média.

Estilos de crescimento: [1] Pró-pobre; [2] Tricke-down; [3] Empobrecedor; [4] Recessão fortemente pró-pobre; [5] Recessão pró-pobre; e [6] Recessão contra pobre.

Um primeiro destaque dos resultados é a quantificação da superioridade do período 2003-2009 sobre 1995-2003 em termos do crescimento da renda, dos ganhos pelo efeito desigualdade e, por consequência, da natureza dos estilos de crescimento. Para o Brasil, o período 1995-2003 foi de recessão fortemente pró--pobre – contração da renda, mas com reduções na desigualdade e na pobreza – em termos da extensão da pobreza (FGT(0), tabela 8) e, em relação à intensidade (FGT(1), tabela 9) e à severidade da pobreza (FGT(2), tabela 10), houve recessão pró-pobre – contração da renda e aumento da pobreza, embora com efeitos nega-tivos menores nos pobres. Em contraste, a partir de 2003, observa-se crescimento pró-pobre no país para todas as medidas de pobreza utilizadas e em quase todos

Page 101: Politica Publica Ppp38

99Comparando a Intensidade do Crescimento Pró-Pobre entre as Regiões Brasileiras Pós-Plano Real

os subperíodos anuais, exceção feita apenas ao período 2008-2009, que experi-mentou o estilo tricke-down para FGT(1) e empobrecedor para FGT(2), conforme discutido anteriormente.

TABELA 9Intensidades e estilos de crescimento, FGT(1) – Brasil e regiões(Em % a.a.)

PeríodoCentro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul Brasil

Tx Estilo Tx Estilo Tx Estilo Tx Estilo Tx Estilo Tx Estilo

1995-1996 -6,85 [3] -7,22 [3] -2,17 [6] -0,20 [2] -2,36 [3] -4,77 [3]

1996-1997 2,59 [1] 0,49 [1] -1,84 [6] -1,14 [3] 4,38 [4] 0,69 [1]

1997-1998 2,05 [1] 3,79 [1] 1,68 [4] 0,74 [4] -2,93 [3] 3,35 [1]

1998-1999 2,17 [5] 2,17 [5] 6,17 [5] 3,90 [5] -2,51 [6] 3,32 [5]

1999-2001 -2,28 [3] -0,34 [6] 0,38 [1] -4,47 [3] 2,86 [1] -1,63 [3]

2001-2002 2,04 [1] 3,39 [1] 1,40 [4] 8,51 [4] 14,35 [4] 6,27 [1]

2002-2003 4,04 [5] 1,67 [5] 7,35 [5] 0,43 [5] -1,69 [6] 0,85 [5]

2003-2004 9,84 [1] 2,79 [1] 2,67 [1] 11,89 [1] 6,13 [1] 7,78 [1]

2004-2005 -2,57 [2] 3,02 [1] 4,80 [1] 3,34 [1] 3,21 [1] 2,52 [1]

2005-2006 10,16 [1] -0,04 [2] 1,55 [1] 4,64 [1] 3,07 [1] 3,52 [1]

2006-2007 -3,73 [2] 1,37 [1] -6,10 [3] 5,33 [1] 2,83 [1] 1,54 [1]

2007-2008 1,23 [1] 6,68 [1] 14,02 [1] 6,45 [1] 13,43 [1] 8,73 [1]

2008-2009 4,12 [1] -2,33 [2] -8,65 [3] 1,88 [1] -6,67 [3] -0,75 [2]

1995-2003 0,15 [1] 0,43 [5] 1,65 [5] 0,41 [5] 1,84 [1] 0,78 [5]

2003-2009 3,68 [1] 1,98 [1] 1,62 [1] 5,78 [1] 4,17 [1] 4,04 [1]

1995-2009 1,59 [1] 1,05 [1] 1,61 [1] 2,68 [1] 2,90 [1] 2,17 [1]

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE.Elaboração dos autores. Obs.: Tx: Crescimento do Equivalente Pobreza – Crescimento da Renda Média.

Estilos de crescimento: [1] Pró-pobre; [2] Tricke-down; [3] Empobrecedor; [4] Recessão fortemente pró-pobre; [5] Recessão pró-pobre; e [6] Recessão contra pobre.

Em termos dos rebatimentos regionais, no período de contração 1995-2003,13 e considerando a medida FGT(0), que pondera os indivíduos indepen-dentemente das posições relativas de suas rendas, as regiões Norte (1,58%) e Sudeste (0,81%) produziram ganhos pelo efeito da desigualdade, mas em um cenário de recessão pró-pobre. Da mesma forma, o Nordeste (0,91%) em um am-biente de recessão fortemente pró-pobre. As mais intensas taxas de crescimento pró--pobre neste período pertenceram, nesta ordem, às regiões Centro-Oeste (1,33%) e Sul (0,25%). Esta ordem, porém, se inverte ao utilizar-se a medida FGT(1), que

13. Em qualquer comentário a partir deste ponto, as taxas de crescimento citadas serão sempre anuais, a menos que se faça alguma menção ao contrário.

Page 102: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012100

incorpora o efeito do gap entre a renda e a linha de pobreza. A região Sul passa a ter o mais expressivo crescimento pró-pobre (1,84%), seguida da Centro-Oeste (0,15%). As regiões Norte (1,65%), Nordeste (0,43%) e Sudeste (0,41%) produ-ziram ganhos pelo efeito da desigualdade maiores do que a Centro-Oeste, mas to-das experimentaram um crescimento do tipo recessão pró-pobre. Finalmente, para a medida FGT(2) – cuja construção incorpora o quadrado da distância da renda individual à linha de pobreza, dando mais peso, dessa forma, aos indivíduos com mais acentuada escassez de renda –, apenas a região Sul produziu crescimento pró-pobre de 1995 a 2003, com taxa anual de 2,01%. Norte (1,43%), Nordeste (0,28%) e Sudeste (0,04%) tiveram recessão pró-pobre, enquanto o Centro-Oeste experimentou perdas pelo efeito da desigualdade a uma taxa de -0,13%, em um estilo de crescimento tipo tricke-down. Assim, pode-se afirmar que a região Sul foi a única do país a produzir crescimento pró-pobre no recessivo período 1995-2003 da renda nacional, considerando as diferentes medidas de pobreza.

TABELA 10Intensidades e estilos de crescimento, FGT(2) – Brasil e regiões(Em % a.a.)

PeríodoCentro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul Brasil

Tx Estilo Tx Estilo Tx Estilo Tx Estilo Tx Estilo Tx Estilo

1995-1996 -12,08 [3] -9,92 [3] -6,30 [6] -0,28 [2] -6,25 [3] -7,53 [3]

1996-1997 5,73 [1] 1,26 [1] 0,19 [5] -4,51 [3] 6,91 [4] 0,86 [1]

1997-1998 2,57 [1] 5,76 [1] 0,48 [5] 0,59 [4] -4,37 [3] 4,63 [1]

1998-1999 4,22 [5] 2,37 [5] 5,92 [5] 5,11 [5] -3,91 [6] 3,80 [5]

1999-2001 -4,22 [3] -1,56 [6] 1,04 [1] -7,15 [3] 3,78 [1] -2,87 [3]

2001-2002 4,70 [1] 5,42 [1] 2,74 [4] 13,44 [4] 21,51 [4] 9,21 [1]

2002-2003 3,43 [5] 0,59 [5] 6,24 [5] -0,18 [6] -4,80 [6] -0,26 [6]

2003-2004 15,38 [1] 3,65 [1] 5,81 [1] 16,57 [1] 10,19 [1] 10,21 [1]

2004-2005 -4,63 [2] 2,93 [1] 6,82 [1] 6,75 [1] 3,67 [1] 3,39 [1]

2005-2006 16,23 [1] 1,15 [1] -0,39 [2] 5,00 [1] 3,73 [1] 4,33 [1]

2006-2007 -6,27 [2] -0,83 [2] -10,31 [3] 6,72 [1] 2,86 [1] -0,11 [2]

2007-2008 2,50 [1] 10,30 [1] 22,68 [1] 9,60 [1] 19,98 [1] 12,97 [1]

2008-2009 2,28 [1] -4,13 [2] -12,65 [3] 2,60 [1] -13,93 [3] -2,54 [3]

1995-2003 -0,13 [2] 0,28 [5] 1,43 [5] 0,04 [5] 2,01 [1] 0,59 [5]

2003-2009 5,25 [1] 2,29 [1] 2,41 [1] 8,33 [1] 5,43 [1] 4,99 [1]

1995-2009 1,84 [1] 1,05 [1] 1,81 [1] 3,50 [1] 3,37 [1] 2,39 [1]

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE.Elaboração dos autores. Obs.: Tx: Crescimento do Equivalente Pobreza – Crescimento da Renda Média.

Estilos de crescimento: [1] Pró-pobre; [2] Tricke-down; [3] Empobrecedor; [4] Recessão fortemente pró-pobre; [5] Recessão pró-pobre; e [6] Recessão contra pobre.

Page 103: Politica Publica Ppp38

101Comparando a Intensidade do Crescimento Pró-Pobre entre as Regiões Brasileiras Pós-Plano Real

Considerando o período 2003-2009, de expansão da renda nacional acom-panhada de queda na desigualdade e de redução na pobreza – conforme visto anteriormente –, os rebatimentos regionais produziram crescimento pró-pobre em todas as regiões do país para todas as medidas de pobreza adotadas no artigo. Os maiores ganhos, em termos do Índice FGT(0) foram, nesta ordem: Sudeste (4,08%), Sul (3,20%) e Centro-Oeste (2,74%); e os menores: Nordeste (1,83%) e Norte (1,28%). Para as medidas FGT(1) e FGT(2), estes resultados ordinais se mantêm, com diferenças apenas nas respectivas taxas de crescimento dos ga-nhos pelo efeito da desigualdade. Assim, Sudeste (5,78% e 8,33%), Sul (4,17% e 5,43%) e Centro-Oeste (3,68% e 5,25%) possuem as maiores taxas, enquanto Nordeste (1,98% e 2,29%) e Norte (1,62% e 2,41%) expõem as fragilidades de suas distribuições de renda pessoal em relação às respostas aos efeitos de políticas de crescimento pró-pobre.

Embora o período 2003-2009 tenha sido pró-pobre em todas as regiões, outros estilos de crescimento puderam ser vistos em alguns subperíodos anuais, da mesma forma do que comentado anteriormente para o Brasil, de 2008 a 2009. Assim, para a medida FGT(0), observam-se estilos tricke-down no Centro-Oeste (2004-2005 e 2006-2007), no Nordeste (2005-2006 e 2008-2009), no Norte (2003-2004 e 2006-2007) e no Sul (2008-2009); e empobrecedor no Norte, de 2008 a 2009. Para os indicadores FGT(1) e FGT(2), o estilo tricke-down aparece novamente no Centro-Oeste (2004-2005 e 2006-2007) e no Nordeste (2005-2006 e 2008-2009), enquanto o empobrecedor ocorre no Norte (2006-2007 e 2008-2009) e no Sul (2008-2009). Como se observa, a região Sudeste foi a única do país a experimentar apenas o crescimento pró-pobre em todos os subperíodos a partir de 2003.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após o Plano Real, assiste-se a um longo período de redução da desigualdade de renda em todas as regiões e no país. Essa tendência, aliada a períodos de expansão da renda nas diversas regiões, caracteriza o estilo de crescimento pró-pobre como o predominante no país. Esse domínio é acentuado, no entanto, a partir de 2003, em que as macrorregiões brasileiras passam a apresentar um crescimento pró-pobre em praticamente todos os subperíodos. No entanto, como observado, as intensi-dades deste estilo de crescimento entre as regiões foram diferentes, uma vez que Sudeste, Sul e, em uma escala menor, Centro-Oeste apresentaram maiores ganhos pelo efeito da desigualdade do que aqueles produzidos no Nordeste e no Norte do país. As regiões mais ricas do Brasil, então, tiveram mais sucesso ao potencializa-rem, com os efeitos distributivos da renda, o impacto do crescimento econômico sobre a redução da pobreza.

Page 104: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012102

REFERÊNCIAS

ADAMS, R. H. J. Economic Growth, Inequality and Poverty: Estimating the Growth Elasticity of Poverty. World Development, v. 32, n. 12, p. 1989-2014, 2004.

ADELMAN, I., MORRIS, C. T. Economic Growth and Social Equity in Developing Countries. Stanford: Stanford University Press, 1973.

ANDRADE, E. et al. Convergence Clubs among Brazilian Municipalities. Economic Letters, v. 83, p. 179-184, 2004.

BHAGWATI, J. N. Poverty and Public Policy. World Development Report, v. 16, n. 5, p. 539-654, 1988.

BOURGUIGNON, F. The growth elasticity of poverty reduction, Explaining heterogeneity across countries and time periods. In: EICHER, T.; TURNOVSKY, S. (Ed.). Inequality and Growth. Theory and Policy Implications. Cambrigde: The MIT Press, 2003.

_______. The Poverty-Growth-Inequality Triangle. Washington, DC: World Bank, 2004.

BRUNO, M; RAVALLION, M; SQUIRE, L. Equity and growth in developing countries: old and new perspectives on the policy issues: In: TANZI, V.; CHU, Ke-Young (Ed.). Income Distribution and High-Quality Growth. Cambridge: MIT Press, 1998.

CHENERY, H. et al. Redistribution with Growth. New York: Oxford University Press, 1974.

CORSEUIL, C. H.; FOGUEL, M. N. Uma sugestão de deflatores para rendas obtidas a partir de algumas pesquisas domiciliares do IBGE. Rio de Janeiro: Ipea, 2002 (Texto para Discussão, n. 897).

DEININGER, K.; SQUIRE, L. A new data set measuring income inequality. The World Bank Economic Review, v. 10, n. 3, 1996.

_______. New ways of looking at old issues: inequality and growth. Journal of Development Economics, v. 57, n. 2, p. 259-287, 1998.

ELLERY JR. R.; FERREIRA, P. Convergência entre a renda per capita dos esta-dos brasileiros. Revista de Econometria, v. 16, n. 1, p. 83-103, 1996.

FERREIRA, A. H. B. Evolução recente da renda per capita estaduais no Brasil: o que a nova evidência mostra. Revista Econômica do Nordeste, v. 27, n. 3, p. 363-374, jul.-set. 1996.

Page 105: Politica Publica Ppp38

103Comparando a Intensidade do Crescimento Pró-Pobre entre as Regiões Brasileiras Pós-Plano Real

______. Concentração regional e dispersão das rendas per capita estaduais: um comentário. Estudos Econômicos, v. 29, n. 1, p. 47-63, jan./mar. 1999.

______. Convergence in Brazil: Recent Trends and Long-Run Prospects. Applied Economics, v. 32, p. 479-489, 2000.

FERREIRA, A.; DINIZ, C. Convergência entre as rendas per capita estaduais no Brasil. Revista de Economia Política, v. 15, n. 4, 1995.

FORTUNATO, T. As inter-relações entre pobreza, desigualdade e crescimento nas mesoregiões mineiras, 1970-2000. 2007. Dissertação (Mestrado) – UFMG/Cedeplar, Belo Horizonte, 2007.

FOSTER, J. E.; GREER, J.; THORBECKE, E. A class of decomposable poverty indices. Econometrica, v. 52, p.761-766, 1984.

GONDIM, J. L; BARRETO, F. A.; CARVALHO, J. R. Condicionantes de clubes de convergência no Brasil. Revista Estudos Econômicos, São Paulo, v. 37, n. 1, 2007.

HOFFMANN, R. Transferências de renda e a redução da desigualdade no Brasil e 5 regiões entre 1997 e 2004, 2006. Mimeografado.

JONES, C. I. On the Evolution of the World Income Distribution, Journal of Economic Perspectives, v. 11, n. 3, p. 19-36, Summer 1997.

KAKWANI, N. On a class of poverty measures. Econometrica, v. 48, p. 437-446, 1980.

_______. Poverty and Economic Growth with application to Côte D’ivore. Review for Income and Wealth, v. 39, p. 121-139, 1993.

_______. On Measuring Growth and Inequality Components of Poverty with application to Thailand. Journal of Quantitative Economics, v. 16, p. 67-80, 2000.

KAKWANI, N., KHANDKER, S., SON, H. Pro-poor growth: concepts and measurement with country case studies. Brasília: International Poverty Centre/PNUD, 2004 (Working Paper, n. 1).

______. Linkages between Growth, Poverty and the Labor Market. Rio de Janei-ro: Fundação Getulio Vargas, Ensaios Econômicos, n. 634, 2006.

KAKWANI, N., PERNIA, E. What is pro-poor growth? Asian Development Review, v. 18, 2000.

KRAAY, A. When is growth pro-poor? Evidence from a panel of countries, 2004 (The World Bank Policy Research Working Paper, n. 3225).

Page 106: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012104

KUZNETS, S. Economic growth and income inequality. American Economic Review, v. 45, p.1-28, 1955.

_______. Quantitative Aspects of the Economic Growth of Nations: VIII, Distribution of Income by Size. Economic Development and Cultural Change. part 2, p. 1-80, Jan. 1963.

LOPEZ, H. Pro-Poor-Growth: A Review of What We Know (and of What We Don’t). The World Bank, 2004. Mimeografic.

LOPEZ, H.; SERVEN, L. The Mechanics of Growth-Poverty-Inequality Relationship. The World Bank, 2004. Mimeografic.

MANSO, C. A.; BARRETO, F. A.; TEBALDI, E. O desequilíbrio regional bra-sileiro: novas perspectivas a partir das fontes de crescimento pró-pobre. Revista Econômica do Nordeste, v. 31, n. 13, 2006.

MARINHO, E.; SOARES, F.; BENEGAS, M. Desigualdade de renda e efici-ência técnica na geração de bem-estar entre os estados brasileiros. RBE, Rio de Janeiro, v. 58, n. 4, p. 583-608, out.-dez. 2004.

MATIAS, J. S., BARRETO, F. A., SALVATO, M. A. Uma análise comparativa entre estados e regiões brasileiras. LEP/CAEN/UFC, 2010 (Ensaio sobre Pobreza, n. 22).

MOSSI, M. B.; AROCA, P., FERNANDEZ, I. J. Growth Dynamics and Space in Brazil. International Regional Science Review, v. 26, n. 3, p. 393-418, jul. 2003.

NERI, M. C. Miséria, desigualdade e políticas de renda: o real do Lula. Rio de Janeiro: FGV/IBRE/CPS, 2007.

RAVALLION, M. Growth, Inequality and Poverty: Looking Beyond Averages. World Development, v. 29, n. 11, p. 1803-181, 2001.

_______. Pro-poor growth: A Primer, 2004 (World Bank, Policy Research Working Papers, n. 3242).

RAVALLION, M.; CHEN, S. Measuring pro-poor growth. Economic Letters, v. 78, n. 1, p. 93-99, Jan. 2003.

RAVALLION, M.; DATT, G. Why has economic growth been more pro-poor in some states of India than others? Washington: World Bank, 1999.

SALVATO, M. A.; MESQUITA, L. A.; ARAÚJO JR., A. F. Crescimento pró-pobre: uma análise usando unidades de desenvolvimento humano sele-cionadas. Belo Horizonte: IBMEC/MG, 2008.

Page 107: Politica Publica Ppp38

105Comparando a Intensidade do Crescimento Pró-Pobre entre as Regiões Brasileiras Pós-Plano Real

SCHULTZ, T. P. Inequality in the Distribution of Personal Income in the World: How Is It Changing and Why? Journal of Population Economics, v.11, n. 3, p. 307-344, June 1998.

SILVEIRA NETO, R. M. Quão pró-pobre tem sido o crescimento econômico no Nordeste? evidências para o período 1991-2000. Revista Econômica do Nor-deste, v. 36, n. 4, p. 483-507, out.-dez. 2005.

SON, H. A note on pro-poor growth. Sidney: School of Economics of Macquarie University, 2003.

________. Pro-poor growth: concepts and measures. Asian Development Bank, n. 22, 2007.

WAL, P. A. Economic Growth and Poverty Reduction: Evidence from Kazakhstan. Asian Development Review, v. 24, n. 2, p. 90-115, 2008.

WHITE, H.; ANDERSON, A. Growth vs. Redistribution: does the pattern of growth matter? DFID white paper on eleminating World Poverty: making globalization Work for the poor, 2000.

ZINI JR., A. Regional Income Convergence in Brazil and its Socio-Economic Determinants. Economia Aplicada, v. 2, 1998.

Originais submetidos em março de 2011. Última versão recebida em julho de 2011. Aprovado em julho de 2011.

Page 108: Politica Publica Ppp38
Page 109: Politica Publica Ppp38

CRISE DOS ALIMENTOS E ESTRATÉGIAS PARA A REDUÇÃO DO DESPERDÍCIO NO CONTEXTO DE UMA POLÍTICA DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL NO BRASILWalter Belik*

Altivo Roberto Andrade de Almeida Cunha**

Luciana Assis Costa***

Este artigo enfoca o papel dos Bancos de Alimentos no Brasil como uma alternativa para a redução do desperdício alimentar e como estratégia para mobilização da sociedade para a promoção da segurança alimentar. Partindo da análise do contexto alimentar mundial e dos exemplos internacionais de implantação de Bancos de Alimentos, são apresentadas contextualizações sobre a importância e a oportunidade de projetos de redução de desperdício alimentar, bem como o ambiente organizacional e institucional que amparou estas iniciativas em diversos países. Apresenta como argumento referências de dados sobre perdas de alimentos de forma a avaliar os formatos organizacionais que emergiram no Brasil, especialmente na estruturação de Bancos de Alimentos públicos, mantidos por prefeituras municipais, e nos Bancos de Alimentos sediados em centrais de abastecimento atacadista. A articulação dos Bancos de Alimentos como estrutura logística auxiliar de programas governamentais de aquisição da agricultura familiar, bem como a estruturação de uma rede local de Bancos de Alimentos na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), são apresentados como exemplos para a montagem de um sistema que possa articular iniciativas não governamentais e iniciativas públicas de segurança alimentar.

Palavras-chave: Abastecimento; Banco de Alimentos; Segurança Alimentar e Nutricional.

FOOD CRISIS AND STRATEGIES FOR REDUCING FOOD LOSSES IN THE CONTEXT OF A NATIONAL FOOD SECURITY POLICY IN BRAZIL

This article focuses on the role of Food Banks in Brazil as an alternative to reducing food waste losses and as a strategy to mobilize society for the promotion of food security. Based on the analysis of the context of global food and international examples of implementation of Food Banks, contextualization is presented on the importance and appropriateness of projects to reduce food waste losses, as well as the organizational and institutional environment that condoned such initiatives in several countries. Presents data references as arguments about waste of food to contextualize organizational formats that emerged in Brazil, especially in the structuring of Public Food Banks, held for municipal councils and the Food Bank based in Central Wholesale Markets. The articulation of Food Banks as logistics support of the Govern Food Acquisition Programs of family farming, as well as the structuring of a local network of Food Banks in the metropolitan area of Belo Horizonte are presented as examples for structuring a system that coordinates non-governmental initiatives and public initiatives to Food Security.

Key-words: Food Suply; Food Banks; Food Security and Nutrition.

* Professor titular do Instituto de Economia e do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Doutor em Economia. E-mail: [email protected]** Professor adjunto da Faculdade de Estudos Administrativos de Belo Horizonte (FEAD/BH). Doutor em Economia. E-mail: [email protected]*** Professora adjunta da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais (EEFTO/UFMG). Doutora em Sociologia. E-mail: [email protected]

Page 110: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012108

CRISIS ALIMENTARIA Y ESTRATEGIAS PARA REDUCIR LAS PÉRDIDAS DE ALIMENTOS EN EL CONTEXTO DE UNA POLÍTICA NACIONAL DE SEGURIDAD ALIMENTARIA Y NUTRICIONAL EN BRASIL

Este artículo se centra en el papel de los Bancos de Alimentos en Brasil como una alternativa a la reducción de los residuos de alimentos y como una estrategia para movilizar a la sociedad para la promoción de la seguridad alimentaria. A partir del análisis del contexto global de alimentos y ejemplos internacionales de aplicación de Bancos de Alimentos, la contextualización se presenta en la importancia y conveniencia de los proyectos para reducir el desperdicio de alimentos, así como el clima organizacional e institucional que apoya este tipo de iniciativas en varios países. Presenta datos de referencias como argumentos acerca de las pérdidas de alimentos para contextualizar formas de organización que surgió en Brasil, especialmente en la estructuración de Bancos de Alimentos pública, que tuvo lugar para los consejos municipales y el Banco de Alimentos con sede en Centrales Mayoristas de alimentación. La articulación de Bancos de Alimentos como el apoyo logístico de los programas de adquisición de la agricultura familiar, así como la estructuración de una red local de Bancos de Alimentos en el área metropolitana de Belo Horizonte se presentan como ejemplos de la estructuración de un sistema que coordina las iniciativas no gubernamentales y las iniciativas públicas para la Seguridad Alimentaria.

Palabras-clave: Suministro Alimentario; Banco de Alimentos; Seguridad Alimentaria y Nutricional.

CRISE ALIMENTAIRE ET LES STRATÉGIES DE RÉDUCTION DES PERTES DE PRODUITS ALIMENTAIRES DANS LE CONTEXTE D’UNE POLITIQUE NATIONALE DE SÉCURITÉ ALIMENTAIRE AU BRÉSIL

Cet article met l’accent sur le rôle des banques alimentaires au Brésil comme alternative à la réduction des déchets alimentaires et une stratégie de mobilisation de la société pour la promotion de la sécurité alimentaire. Basé sur une analyse de la situation alimentaire dans le monde et des exemples internationaux de déploiement des banques alimentaires, sont présentées des emplacements sur l’importance et la pertinence des projets visant à réduire les déchets alimentaires, ainsi qu’à l’environnement organisationnel et institutionnel qui a soutien ces initiatives dans plusieurs pays. Présente comme argument les références données sur les pertes de nourriture à contextualité les formats organisationnels qui ont émergé au Brésil, surtout dans la structuration des banques alimentaires public, tenue par les maires et les banques alimentaires basés à centrale d’approvisionnement grossistes. L’articulation des banques alimentaires comme structure logistique auxiliaires de programmes d’acquisition agricole familière ainsi comme la structuration d’un réseau local de banques alimentaires dans la région métropolitaine de Belo Horizonte sont présentés à titre d’exemples pour structurer un système qui articule les initiatives non gouvernementales et les initiatives publiques de sécurité alimentaire.

Mots-clés: Alimentation; Banque Alimentaire; Sécurité Alimentaire et Nutritionnelle.

Page 111: Politica Publica Ppp38

109Crise dos Alimentos e Estratégias para a Redução do Desperdício no Contexto de uma Política...

1 INTRODUÇÃO

Com a eclosão da crise alimentar mundial de 2007, expressa pela elevação dos preços das commodities e pelo desabastecimento de gêneros alimentícios essen-ciais em diversos países, muitos analistas passaram a apontar para a necessidade de promover uma nova revolução verde, exigindo rápido aumento da oferta de produtos agrícolas. Os argumentos estão baseados em relatórios de agências inter-nacionais que chamam atenção para a redução do ritmo de crescimento da oferta de alimentos e para a aceleração da demanda, com a incorporação de massas de novos consumidores ao mercado. Os fatores agravantes desse quadro de dese-quilíbrio estariam na mudança climática, que provocaria redução das áreas aptas para a produção agropecuária e também na competição pelo uso da biomassa dada a disseminação do uso de biocombustíveis. Como elementos adjacentes a esse processo estariam os baixos estoques internacionais de produtos agrícolas e a intensa volatilidade dos mercados desses produtos em contexto de instabilidade financeira (UN/DESA, 2011; CEPAL; FAO; IICA, 2011; FAO, 2008; ZEZZA et al., 2008).

Como medidas para evitar essa potencial catástrofe, que mobilizou de forma inédita os líderes mundiais e os principais executivos dos organismos interna-cionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvol-vimento (BIRD), chegando a ser definida como um “tsunami silencioso” pelo secretário-geral da ONU, as recomendações recaíram para a necessidade de os países promoverem maior gasto público em novas tecnologias, mais crédito aos produtores e flexibilização do acesso de investidores estrangeiros aos mercados de terras. Curiosamente esse receituário se encontra no polo oposto daquele observa-do na década passada, no qual os países praticavam o protecionismo de mercado e a concessão de subsídios aos produtores, tendo em vista a redução da oferta de produtos agropecuários.

Dados estatísticos atuais indicam, no entanto, que a ameaça de desequilí-brio nos mercados de alimentos a curto prazo é limitada. Isso porque a redução na oferta de alimentos ainda não está presente (VIEIRA FILHO; GASQUES; GERVÁSIO DE SOUZA, 2011) e a contínua elevação dos preços internacio-nais não se deve estruturalmente à insuficiência de oferta de matérias-primas da agropecuária. Verifica-se também que há, em termos gerais, arrefecimento do crescimento da população mundial e, apesar da mudança no padrão de consu-mo em direção a uma dieta mais sofisticada, não se observam sinais de pressão estrutural sobre a demanda. É evidente que muitas das medidas para a regulação dos mercados globais poderiam ter sido tomadas já nos anos 40 do século XX, ao término da Segunda Grande Guerra, por ocasião da criação das principais agên-cias internacionais. Um sistema mundial de alimentos conforme foi proposto

Page 112: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012110

nos primórdios da criação da Organização das Nações Unidas para a Agricul-tura e Alimentação (FAO), em 1946, permitiria melhor equilíbrio no mercado, com menor desperdício e redução de pressões sobre os preços internacionais (FRIEDMANN, 2000). Como a proposta de criação de uma espécie de FMI alimentar não se concretizou, observa-se agora uma tentativa dramática dos líde-res mundiais com o objetivo de criar novo fórum para combater o problema da subnutrição que já afeta cerca de um bilhão de pessoas.

Um aspecto importante que contribui para agravar a disponibilidade mun-dial de alimentos é o elevado padrão de perdas, especialmente nas etapas de dis-tribuição alimentar, que subtrai do esforço produtivo parcela considerável da produção alimentar. Estudos técnicos indicam que é expressivo o desperdício em todas as fases da produção até o consumo, podendo atingir a cifra de 25% da produção global de alimentos até 2050 (NELLEMANN et al., 2009).

Nesse sentido, é importante observar que a dimensão da eficiência global das cadeias produtivas é pouco valorizada pelas políticas agrícolas nacionais, que enfatizam, via aumento da produtividade dos fatores de produção, o aumento da produção bruta por hectare cultivado e não o incremento da oferta líquida de ali-mentos para o consumo final. É na esfera da distribuição que ocorrem os maiores índices de perdas alimentares, anulando parcialmente os enormes esforços produ-tivos baseados em ganhos de produtividade agrícola.

Embora o índice de perdas alimentares seja significativo em escala global, os esforços voltados para o dimensionamento deste fenômeno são ainda pouco difundidos, refletindo-se em indicadores pontuais e assistemáticos em escala na-cional. Uma referência metodológica importante refere-se à distinção entre perdas alimentares e desperdício alimentar. O primeiro refere-se à diminuição da massa de alimentos durante o processo produtivo, nas etapas de produção, pós-colheita, processamento e distribuição, envolvendo a produção destinada diretamente para o consumo humano ou para a alimentação animal ou outros fins como biocom-bustíveis. São decorrentes de procedimentos inadequados ou pouco eficientes que causam perdas ou danos aos produtos nos processos de manipulação, transfor-mação, estocagem, transporte e embalagem (GUSTAVSSON; CEDERBERG; SONESSON, 2011).

Já o segundo refere-se exclusivamente à redução do volume de alimentos destinados exclusivamente à alimentação humana e que ocorre na etapa final da cadeia da cadeia alimentar, ou seja, é fenômeno associado à ineficiência do pro-cesso de distribuição – atacado e varejo – e de consumo. Suas causas decorrem da perda de valor comercial do produto ofertado, mas não necessariamente de seu valor nutricional decorrente do excesso de produção, de danos na aparência dos alimentos ou do consumo não realizado após a compra. Embora haja relação

Page 113: Politica Publica Ppp38

111Crise dos Alimentos e Estratégias para a Redução do Desperdício no Contexto de uma Política...

causal entre perdas e subsequente desperdício – por exemplo, produtos danificados que se deterioram biologicamente –, o desperdício é essencialmente fenômeno decorrente da não realização do consumo dos produtos cuja oferta chegou até a esfera da distribuição – atacado, varejo ou aquisição domiciliar.

O aproveitamento de alimentos não utilizados comercialmente poderia ser uma solução eficaz para a resolução dos problemas emergenciais que o mundo enfrenta por conta da fome. Em teoria, tanto os produtores como os consumido-res se beneficiariam desses esquemas. Os primeiros poderiam garantir a qualidade do produto comercializado sem que os excedentes não vendáveis derrubassem os preços praticados e sem que os custos de descarte de produtos fora dos padrões de conformidade pudessem pressionar as margens. Os consumidores, por sua vez, poderiam se beneficiar com a boa qualidade do produto e possivelmente com preços mais baixos. Já os consumidores que hoje estão à margem do mercado teriam acesso a uma alimentação de qualidade, atendendo emergencialmente as suas necessidades.

O combate ao desperdício de alimentos é um dos focos principais da atua-ção de iniciativas conhecidas como Bancos de Alimentos, destinadas a recolher, por meio de doações, selecionar e encaminhar alimentos para o consumo humano, comunitário ou individual, por intermédio de aparato logístico ágil. O primeiro projeto reconhecido de banco de alimentos com estas características surge como iniciativa comunitária em 1967, em Phoenix (Estados Unidos).

O que distingue essas iniciativas dos projetos filantrópicos de distribuição de alimentos é o combate ao desperdício via estrutura logística baseada na agi-lidade, calcada em uma rede de cooperação societária que articula diversos seg-mentos da sociedade para a doação de bens e serviços orientados à distribuição de alimentos para organizações ou famílias necessitadas. Tal iniciativa se difundiu primeiramente nos países desenvolvidos, onde a escala de desperdício é propor-cional à abundância, para depois ser adotada de forma disseminada no mundo.

Surgidos como iniciativa comunitária, os projetos de Bancos de Alimentos nos países desenvolvidos são basicamente iniciativas públicas não governamen-tais. Aos governos nacionais coube essencialmente o papel de garantir um am-biente institucional que favorecesse os processos de doação tanto do ponto de vista tributário como de responsabilidade civil (como as conhecidas leis do “Bom Samaritano”, que existem em vários países), aspecto favorecido pela criação de redes nacionais de Bancos de Alimentos.

No Brasil este “movimento” social surge como iniciativa não governamental nos anos 1990 e a partir de 2003 é incorporado como objeto de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional. Uma das peculiaridades do caso brasileiro é dada pela coexistência de dois formatos organizacionais de Bancos de Alimentos,

Page 114: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012112

um de natureza pública não governamental e outro com apoio e gerenciamento estatal, e articulado a outras políticas de segurança alimentar. Como é evidenciado no desenvolvimento deste artigo, os projetos de Bancos de Alimentos brasileiros inseridos nestes modelos têm pouca sinergia operacional e mesmo conceitual, o que dificulta a emergência de arranjos organizacionais, como redes de cooperação para proporcionar ganhos sinérgicos.

A constituição de uma rede formalizada de cooperação entre Bancos de Ali-mentos geridos pelo poder público na RMBH é um exemplo das dificuldades de constituição e das possibilidades estabelecidas por redes de cooperação entre Bancos de Alimentos.

Este artigo procura situar as iniciativas de Bancos de Alimentos, como pro-jetos de combate ao desperdício e segurança alimentar e nutricional, e analisar as características de sua organização e sua conformação no Brasil. Desta maneira, na seção 2 são analisados dados de estudos internacionais recentes, bem como de estudos para o caso brasileiro sobre o índice de perdas alimentares nas principais cadeias produtivas, evidenciando tanto sua importância quanto as divergências metodológicas na mensuração destes fenômenos. Na sequência, na seção 3 ana-lisamos a origem e a conformação da organização dos Bancos de Alimentos em alguns países, para na seção 4 avaliar a experiência brasileira, com ênfase nas estra-tégias adotadas pelos governos e pela sociedade civil no Brasil. A criação de redes de cooperação de Bancos de Alimentos como formato organizacional facilitador é objeto da seção 5, com ênfase no caso da constituição de uma rede regional de Bancos de Alimentos públicos estabelecida na RMBH. Finalmente, nas consi-derações finais apontamos limitações e propostas para o aperfeiçoamento desse mecanismo no contexto da segurança alimentar e nutricional.

2 ESTIMATIVAS DAS PERDAS ALIMENTARES NA COMERCIALIZAÇÃO

A mais completa pesquisa sobre perdas de produtos alimentares foi desenvolvida pelo Economic Research Service, divisão do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Essa pesquisa teve início em meados de 1990 visando ajustar a pirâmide de consumo norte-americana ao consumo real de nutrientes por parte do público. Dessa forma foi feito o ajustamento do consumo per capita con-siderando 250 grupos de alimentos. Mais tarde, esse departamento realizou uma nova pesquisa que apresentou estimativas para as perdas atualizadas para 2005.

As perdas foram divididas em três importantes etapas do processo de produtivo: no campo, no nível do atacado e do varejo – considerando todas as formas de comercialização e; no nível do domicílio – diferenciando-se aquilo que poderia ser processado de outros alimentos que simplesmente não foram consumidos. Considerando que as perdas na agropecuária dependem, entre

Page 115: Politica Publica Ppp38

113Crise dos Alimentos e Estratégias para a Redução do Desperdício no Contexto de uma Política...

outros fatores, de aspectos climáticos e que as perdas no domicílio estão rela-cionadas aos hábitos de consumo, o que interessa para efeito deste artigo são as perdas na comercialização, que podem ser caracterizadas como desperdício alimentar. Essas são passíveis de controle e o aperfeiçoamento dos processos de distribuição pode acusar grande impacto na oferta líquida de alimentos. Ademais, o aproveitamento das sobras na comercialização, se regulado, pode ser objeto de políticas públicas.

Alguns dados ilustrativos das perdas calculadas na etapa de comercialização durante a fase de venda no varejo nos Estados Unidos podem servir como parâ-metro para o caso brasileiro, conforme a tabela 1.

TABELA 1Estimativa de perdas no varejo para produtos hortigranjeiros – Estados Unidos, 2005

Produto Perdas no varejo (%)

Alface 13,9

Couve-flor 21,3

Brócolis 12

Batata 6,5

Repolho 14,1

Espinafre 14,4

Abóbora 12,5

Tomate 13,2

Fonte: USDA/Economic Research Service (ERS)/Food Availability (per capita) Data System.

De acordo com a tabela 1, os índices de perdas dos produtos hortigranjeiros apenas na etapa do varejo situam-se em torno de 14%, o que revela a importância deste fenômeno.

Em 2011, estudo publicado pela FAO, desenvolvido por pesquisadores do Swedish Institute for Food and Biotechnology (SIK), estimou os padrões de per-das alimentares no mundo para diversos grupos de produtos ao longo da cadeia de produção e consumo. Os dados para América Latina, apresentados na tabela 2, apontam números significativos das perdas alimentares, e seu efeito cumula-tivo ao longo do processo de produção e distribuição é coerente com os estudos realizados pelo USDA.

Page 116: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012114

TABELA 2Perdas estimadas em percentagem para grupos de produtos por etapa da cadeia produtiva na América Latina(Em %)

Etapas Produção Agrícola

Manejo e Estocagem

Processamento e embalagem

DistribuiçãoConsumo DomésticoProdutos

Cereais 6,0 4,0 2,0 a 7,0 4,0 10,0

Raízes e tubérculos 14,0 14,0 12,0 3,0 4,0

Oleaginosas e leguminosas 6,0 3,0 8,0 2,0 2,0

Frutas e vegetais 20,0 10,0 20,0 12,0 10,0

Carne 5,3 1,1 5,0 5,0 6,0

Peixes e frutos do mar 5,7 5,0 9,0 10,0 4,0

Leite 3,5 6,0 2,0 8,0 4,0

Fonte: Gustavsson, Cederberg e Sonesson (2011).

Segundo a tabela 2, o grupo das frutas e verduras e raízes e tubérculos são os que apresentam maior percentual de perdas, sendo bastante significativa a per-da nas etapas de produção, manejo/estocagem e processamento e embalagem. Nas etapas de distribuição e consumo, verificam-se expressivas ocorrências de per-das, em especial para frutas e vegetais. Esses dados são bastante similares àqueles produzidos pelo USDA.

No Brasil a questão das perdas pós-colheita tem sido predominantemente avaliada de forma pontual. Embora seja reconhecida a importância dos efeitos sis-têmicos transmitidos ao longo da cadeia produtiva, os estudos técnicos apontam a dificuldade de mensurar estes impactos, centrando a avaliação sobre a eficiência de determinado estágio de transformação pós-colheita. As estimativas de perdas pós-colheita para produtos com maior durabilidade, como grãos e cereais, estão na faixa de 5% a 30%, enquanto para produtos hortícolas pode variar entre 15% até quase 100% (CHITARRA; CHITARRA, 2005).

Existem também alguns estudos pontuais sobre perdas agrícolas em centrais de abastecimento no Brasil. Uma pesquisa realizada na Centro de Abastecimento Alimentar de Pernambuco (Ceasa/PE) para quantificar perdas na comercialização registrou perda de 21,5% no entreposto e de 16,5% nas feiras livres. A pesquisa demonstrou que no triênio 1990-1992 as perdas pós-colheita de hortaliças fo-ram da ordem de US$ 500 milhões. No mercado atacadista do Rio de Janeiro, relataram-se perdas de 20% (CORTEZ; HONORIO; MORETTI, 2002).

Em um estudo mais recente, realizado em 2008 sob a coordenação técni-ca da Centrais de Abastecimento de Minas Gerais S/A (CeasaMinas), foram me-didas as perdas na cadeia produtiva de tomate, banana prata e banana nanica. Os valores encontrados foram 17,7% para tomate, 21% para banana prata e 31,3%

Page 117: Politica Publica Ppp38

115Crise dos Alimentos e Estratégias para a Redução do Desperdício no Contexto de uma Política...

para banana nanica (CEASAMINAS, 2008). A maior parte das perdas físicas ocor-re na colheita e no domicílio e parte menor, em torno de 2%, ocorre diretamente na etapa do atacado. No entanto, é nesta etapa que se definem os parâmetros de qualidade que vão influenciar o índice de perdas no varejo e no domicílio.

De uma maneira geral, a mensuração do desperdício de alimentos no Brasil é dificultada pela falta de critérios e parâmetros sistematizados que permitam análise mais consistente do fenômeno. Relatos de especialistas do setor de alimen-tos ilustram claramente a ausência de precisão dos dados referentes às perdas de alimentos no Brasil, fato que não minimiza a extensão do problema.1

Embora não haja exatidão quanto aos valores de perdas pós-colheita no Brasil, pela ausência de pesquisas sistematizadas sobre o assunto, os dados técni-cos indicam a ocorrência de um expressivo desperdício da produção alimentar nacional, o que justifica a criação de estruturas, como os Bancos de Alimentos, capazes de atenuar ao menos parcialmente as perdas de alimentos.

O patamar das perdas alimentares nas cadeias produtivas e do desperdí-cio existente nas etapas de comercialização no modelo produtivo predominante contrasta com importante parcela da população que se encontra em situação de insegurança alimentar. Neste sentido, a discussão sobre iniciativas que reduzem as perdas dos produtos alimentícios, particularmente na etapa de distribuição, e que facilitam o acesso aos alimentos às pessoas em situação de vulnerabilidade social, torna-se extremamente relevante.

Uma iniciativa surgida em âmbito local e difundida mundialmente como al-ternativa para articular combate ao desperdício à promoção da segurança alimen-tar e nutricional refere-se aos Bancos de Alimentos. Serão discutidos na seção 3, a origem dos Bancos de Alimentos nos Estados Unidos e no Canadá, com destaque para a natureza jurídica, organização e operacionalização desses equipamentos. O caso brasileiro é analisado em sequência, evidenciando um exemplo de desenho inovador de articulação regional de bancos públicos estatais, na cooperação de ações de combate ao desperdício.

1. Segundo Celso Moretti da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa): “As perdas de alimentos variam de 20% a 60% de tudo o que se produz no campo e, às vezes, só 40% do que se cultiva é consumido, fato que nos coloca como um dos campeões do desperdício de alimentos no mundo”. (AKATU, 2003, p. 10). Para Ossir Gorenstein da Compa-nhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (CEAGESP): “Se eu afirmar aqui que a perda no mercado atacadista é de apenas 1% do que ingressa no mercado, vocês vão achar que estou mentindo, mas é esta a realidade. O que sai de lixo do CEAGESP, porque é medido, corresponde a 1,5% do que ingressa e se suprimirmos a parte desse resíduo que é formado por madeira, embalagens e papel, vamos ter menos de 1% de perda”. (AKATU, 2003, p. 16). Segundo Omar Assaf da Associação Paulista de Supermercados (Apas): “Temos hoje no Brasil uma perda de 23% de tudo o que se produz e isso sem falar da mesa, do domicílio. Horrorizados, vemos que o Brasil produz um pouco mais de 70 milhões de toneladas só de hortifruti e, por incapacidade de gestão, jogamos boa parte dessa produção fora”. (AKATU, 2003, p. 18). Finalmente para Hélio Mattar do Instituto Akatu para o Consumo Consciente (2003): “Não estamos aqui para nos resignar com os 64% de perdas que ocorrem na cadeia produtiva alimentar: 20% na colheita, 8% no transporte, 15% no processamento, 1% na distribuição e 20% no consumo. (...) Só para efeito comparativo, nos países desenvolvidos esse número cai de 64% para menos de 20%, mostrando que há um espaço enorme para melhorias”. (AKATU, 2003, p. 65).

Page 118: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012116

3 A ORIGEM DOS BANCOS DE ALIMENTOS: DA FILANTROPIA LOCALISTA À ESTRUTURAÇÃO SISTÊMICA

Os programas de Bancos de Alimentos (BA) representam uma alternativa para o combate ao desperdício ao oferecer alternativas de distribuição, rápida e direcio-nada, dos produtos alimentares que perderam seu valor comercial, mas não o nu-tritivo. Os BA, além de proporcionarem acesso aos alimentos, difundem valores para uma alimentação mais saudável e mobilizam relações comunitárias baseadas nos princípios de solidariedade e eficiência.

O termo “banco de alimentos” é geralmente definido por suas funções. For-malmente, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) define Bancos de Alimentos como “uma iniciativa de abastecimento e segurança alimentar que t[e]m como objetivos a redução do desperdício de alimentos, o aproveitamento integral dos alimentos e a promoção de hábitos alimentares saudá-veis, contribuindo diretamente para a diminuição da fome de populações vulnerá-veis, assistidas ou não por entidades assistenciais” (BRASIL, 2007). Já a Associação Canadense de Bancos de Alimentos define os BA como “uma estrutura logística e uma organização sem fins lucrativos com o objetivo de coletar, armazenar e distri-buir comida, sem custos, diretamente ou através de agências que também podem fornecer refeições para pessoas com fome” (CAFB, 2007).

De fato, na definição conceitual de Bancos de Alimentos, o aspecto da estru-tura logística é fundamental para distingui-los das iniciativas de colheita urbana, que visam ao mesmo objetivo (distribuição alimentar e combate ao desperdício), mas atuam apenas por meio de coleta e distribuição imediata, não requerendo in-fraestrutura específica de beneficiamento nem área para estocagem. Os Bancos de Alimentos, neste sentido, são organizações que contam com estrutura logística capaz de receber, selecionar, avaliar, selecionar e doar alimentos para instituições e pessoas necessitadas, podendo ter múltiplos propósitos de ação comunitária, como orienta-ção nutricional, orientações jurídicas, distribuição de outros gêneros de consumo etc.

A iniciativa pioneira de Bancos de Alimentos, com os princípios de eficiência e equidade, surge não na privação de oferta, mas em uma sociedade de abundância e desigualdade. A iniciativa original surgiu em 1967, na cidade de Phoenix, Arizo-na (Estados Unidos), quando um grupo de voluntários passou a solicitar doações de alimentos que seriam descartados pelos supermercados e pela indústria. O obje-tivo era o de preparar refeições para os necessitados. Logo as doações superaram a capacidade de preparo de refeições da cozinha comunitária, e assim estes alimentos começaram a ser estocados e distribuídos a entidades filantrópicas.

No início da década de 1970, outros Bancos de Alimentos surgiram em vá-rias cidades norte-americanas, mas o movimento ganhou verdadeiro impulso com a Reforma Fiscal de 1976 (Tax Reform Act), que tornou mais vantajosa a doação

Page 119: Politica Publica Ppp38

117Crise dos Alimentos e Estratégias para a Redução do Desperdício no Contexto de uma Política...

de produtos pelas empresas. Esse sistema foi pouco a pouco aperfeiçoado e hoje há nesse país uma rede composta por mais de 200 Bancos de Alimentos e de coleta de alimentos que os distribui a aproximadamente 50 mil agências locais de assistência social (BRASIL, 2003). Em um curto espaço de dez anos, o voluntário John Van Hengel impulsionou o estabelecimento da organização Second Harvest, dando início à primeira rede nacional de Bancos de Alimentos no mundo.

No Canadá, o primeiro Banco de Alimentos surge em 1981, em Edmon-ton. Em 1988, o país já contava com um dos sistemas de rede mais desenvol-vidos e inspirador para outros países. A Associação Canadense de Bancos de Alimentos (CAFB), criada em 1988, integrava 235 Bancos de Alimentos do Canadá, os quais, por sua vez, beneficiam 2 mil agências comunitárias que con-tam com o trabalho de voluntários para a distribuição de alimentos. O sistema canadense atende 90% das pessoas que se beneficiam de programas de distribui-ção de alimentos no Canadá2 (CAFB, 2007). A CAFB realiza diversas funções de coordenação. Articula em nível nacional a relação com os grandes doadores de alimentos, de serviços – envolvendo empresas privadas de transporte rodoviário, ferroviário e marítimo – e de recursos financeiros, seja de doações individuais, seja de doações de corporações. Dada a extensão territorial do Canadá, o sistema tem a agilidade de retirar excedentes alimentares em uma ponta do país e distri-buí-los na outra ponta em velocidade superior ao dos serviços de entrega postal. A logística é bastante sofisticada e faz uso do Sistema Nacional de Partilha de Ali-mentos (National Food Sharing System – NFSS), que promove distribuição das doações para todos os Bancos de Alimentos membros. As doações são repartidas com as centrais localizadas em alguns estados do Canadá, e a divisão se dá com base no número de pessoas atendidas por cada central (BELIK, 2004, p. 290).

Em 1984 foi criado o primeiro Banco de Alimentos da Europa, na capital francesa, sendo que apenas dois anos depois já foi constituída a Federação Eu-ropeia de Bancos de Alimentos. Em 1989 foi criada a Associação Canadense de Bancos de Alimentos.3

Nos Estados Unidos, no Canadá e em vários países da Europa, esses pro-gramas são essencialmente não governamentais e foram criados para reduzir o

2. A CAFB atendeu, em 2007, a 720 mil beneficiários, sendo cerca de 40% destes crianças (CAFB, 2007).3. A rede norte-americana conta hoje com 202 Bancos de Alimentos, distribuídos por 50 estados, que distribuem cerca de 4 bilhões de quilos para mais 50 mil entidades locais. A rede europeia, por sua vez, congrega organizações nacionais, como a francesa Fédèration Française dês Banques Alimentaires, com 79 Bancos de Alimentos associados, atendendo a 1.901 instituições e distribui aproximadamente 66,5 milhões de quilos a 4.640 associações; a italiana Fondazione Banco Alimentare, criada em 1999, em Milão, tendo coletado 53,4 milhões de quilos de alimentos em 2004, os quais foram distribuídos para 7.234 instituições; a espanhola Federation Española de Bancos de Alimentos (Fesbal), criada em 1996, com mais de 25.000 m2 de armazéns, 59 veículos, 2.650 empresas doadoras e colaboradoras; a portuguesa, com dez Bancos de Alimentos apoiando 1.048 instituições; além de outros países, como Grécia, Irlanda, Lituânia, Holanda, Luxemburgo, Polônia, Suíça. A Austrália também possui uma organização nacional que ajuda mais de 20 mil pessoas, recebe doações de mais de 500 empresas e distribuiu mais de 5 milhões de quilos de alimentos no último ano.

Page 120: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012118

desperdício, incentivar o voluntariado e beneficiar famílias pobres que dependem de ajuda de terceiros para a sua sobrevivência (BELIK, 2004, p. 287).

Em suma, a origem dos Bancos de Alimentos está vinculada a iniciativas filantrópicas locais, muitas de cunho religioso, ancoradas em princípios de solida-riedade, ajuda comunitária, a partir da cooperação e do voluntariado, e um forte sentido de combate ao desperdício que hoje se identifica com as causas ambientais e de racionalidade de consumo. Surge e prospera como iniciativa não governa-mental exatamente em países onde há abundância e forte cultura comunitária, oriunda das vivências das privações de guerra, de intolerância ao desperdício e de envolvimento comunitário.

Assim, é fácil compreender por que esses valores propiciaram o envolvi-mento de diversos segmentos da sociedade nesses países, articulando o trabalho voluntário à cooperação de grandes corporações em torno de um sentido público comum. A existência de conjunto de valores comuns e de grande aceitação na so-ciedade favoreceu a formação de redes formais, regionais ou nacionais de Bancos de Alimentos. Estas redes têm como objetivo facilitar a ampliação e consolidação das parcerias com empresas privadas para doação de recursos, produtos e serviços – principalmente de transporte –, bem como a integração funcional das unidades locais quanto ao destino e à distribuição das doações.

Para os alimentos com alto grau de perecibilidade, as redes de colheita urba-na – como a Second Harvest norte-americana e a canadense – retiram o alimento no varejo, nos restaurantes ou nos fast-foods e os distribuem imediatamente para as instituições filantrópicas cadastradas. No caso de não perecíveis, enlatados e outros, empresas transportadoras levam esses produtos para depósitos centrais, que depois os distribuem para os programas sociais privados configurando um esquema clássico de Banco de Alimentos.

Examinando a experiência internacional observamos que as iniciativas locais passaram rapidamente a funcionar em um sistema de rede, com distintos níveis hierárquicos representados pelos bancos considerados centrais, regionais e locais, dependendo do alimento distribuído e do seu raio de atuação. Os bancos centrais, ou terciários, são organizações de grande porte, administradas por staffs profissio-nais remunerados e sustentados exclusivamente por doações privadas e via renda de eventos beneficentes, sem qualquer aporte governamental.4

Normalmente cabe aos Bancos de Alimentos terciários promover o sistema, levantar recursos financeiros e receber o contato para as doações. Imediatamente,

4. Não existe formalmente uma tipologia de Bancos de Alimentos. No entanto, podemos classificá-los segundo a pro-ximidade com o local de geração do desperdício. Desta forma, os bancos primários fariam as coletas nos locais a partir de demandas de agentes na etapa de produção e distribuição; em um segundo nível estariam os bancos regionais e, finalmente, as grandes centrais logísticas operando em escala nacional.

Page 121: Politica Publica Ppp38

119Crise dos Alimentos e Estratégias para a Redução do Desperdício no Contexto de uma Política...

esses BA acionam a rede, que faz a coleta e distribui para as instituições e a clien-tela mais próxima do local de coleta. Nesse sentido, os bancos de maior porte, controlados diretamente por associações nacionais, detêm o papel de coordena-ção, muito embora não tenham contato físico direto com os alimentos. Muitas vezes esses bancos realizam operações puramente virtuais, aproximando ofertan-tes e demandantes de alimentos. Já os BA locais, atuam diretamente nas duas pontas, com equipes de técnicos atestando a qualidade dos alimentos recebidos e fornecendo informações às instituições e ao público beneficiário da vizinhança.

Vale destacar que as iniciativas de rede de Bancos de Alimentos surgiram à margem das políticas públicas tanto no Canadá quanto nos Estados Unidos e Europa, de forma que o envolvimento governamental restringiu-se à criação de ambiente institucional que permitisse o seu desenvolvimento, reduzindo as restrições legais, civis e tributárias das atividades econômicas tradicionais. Em todos os países onde esses programas decolaram, a base para o seu crescimento foi a promulgação de conjunto de regulamentações conhecido como a Lei do Bom Samaritano. Um exemplo é o Bill Emerson Good Samaritan Food Donation Act, assinado em 1996 pelo presidente Clinton nos Estados Unidos. Esta lei facilitou a doação, uma vez que: i) passou a proteger o doador de responsabilidades legais quando esta fosse feita para uma organização sem fins lucrativos; ii) protegeu o doador de responsabilidades legais civis e criminais, caso o produto tenha sido doado de boa-fé e posteriormente causasse danos ao beneficiado; iii) padronizou a responsabilidade legal a que o doador está sujeito; iv) estabeleceu a responsabili-dade legal para negligência grosseira ou má conduta intencional; e v) reconheceu que a provisão de alimentos perto da data indicada para a venda não é base para caracterizar descuido (BELIK, 2004, p. 287).

A disseminação da Lei do Bom Samaritano por outros países acabou levan-do a muitas variações nos procedimentos de doações. Um caso de radicalização desta lei é o mexicano, no qual a doação de alimentos em boas condições de con-sumo é considerada obrigatória. Ou seja, uma empresa que for denunciada pelo descarte de alimentos em boas condições para o consumo pode ser indiciada por processos criminais interpostos pelo Estado.

Diante do exposto, conclui-se que a formação de redes de articulação na-cionais de iniciativas públicas – e não governamentais – de Bancos de Alimentos e a sua expressiva capacidade de pautar propostas legislativas podem estabelecer ambiente institucional favorável a esses projetos. Sempre que estas redes estiverem ancoradas em valores compartilhados socialmente podem se constituir em dese-nho promissor de organização dos programas de Bancos de Alimentos, tais como os desenvolvidos no Canadá e nos Estados Unidos.

Page 122: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012120

4 BANCOS DE ALIMENTOS NO BRASIL

No Brasil o movimento de criação de Banco de Alimentos foi mais tardio, se comparado à América do Norte e Europa. O primeiro BA brasileiro surgiu em 2000 e tem origem em iniciativas de natureza não governamental ou paraestatal, como a organização não governamental (ONG) Banco de Alimentos de São Pau-lo e a rede do Serviço Social do Comércio (SESC).

Em 1997, o SESC inicia seu programa de colheita urbana e, em 2000, inau-gura seu primeiro Banco de Alimentos no município do Rio de Janeiro e em seguida implanta unidades em Fortaleza (2001) e Recife (2002). Em 2003, os projetos ganharam dimensão nacional com a constituição do projeto Mesa Brasil SESC com presença em todos os estados brasileiros de Bancos de Alimentos ou projetos de colheita urbana.

No caso de Bancos de Alimentos de gestão governamental, o Banco Munici-pal de Alimentos de Santo André, fundado em 2000, pode ser considerado marco referencial. A partir de 2003, os BA, inseridos na política de segurança alimentar, passam a ser apoiados pelo governo federal no âmbito do Programa Fome Zero tanto em termos de recursos para sua implantação como pela constituição de um aparato legal. No caso da tributação, o governo decretou a isenção do pagamento de imposto sobre produtos industrializados (IPI) para casos específicos já em abril de 2003.5

Podemos afirmar que no Brasil, a criação de Bancos de Alimentos evolui em vias distintas e sob diferentes estímulos. Por um lado, o MDS passa a apoiar, por meio de editais para financiamento de infraestrutura, a implantação de Bancos de Alimentos geridos por prefeituras municipais, bem como projetos sediados em centrais de abastecimento de gestão pública. Por outro lado, expande-se a rede vin-culada ao SESC que mantém o programa Mesa Brasil, com gestão realizada pela organização paraestatal e sem apoio governamental. São também implantados di-versos projetos de alcance local, e de gestão não governamental, mais assemelhados com o modelo norte-americano e igualmente sem apoio de programas públicos.

Burlandi et al. (2010) identificaram, por pesquisa direta, a existência de 118 Bancos de Alimentos em funcionamento no Brasil em 2006. Para 2011 estima--se que este número aproxime-se de 200 unidades em implantação ou em pleno

5. Da mesma forma, foram feitas gestões no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne os secretários de fazenda de todos os estados da Federação, no sentido de estender essa isenção para a cobrança do imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços (ICMS). O estado de São Paulo, assim como alguns outros estados, já aprovaram a isenção para produtos previamente cadastrados. No caso da legislação sobre a doação de alimentos, há um projeto de lei tramitando no Congresso Nacional que pretende “descriminalizar” esse procedimento, o que evidentemente contribuiria para que milhares de toneladas de alimentos bons para o consumo deixassem de ser descartadas. Trata-se do Projeto de Lei no 4.747/1998, que tem origem na proposta formulada pelo SESC em 1996 – e seu substitutivo que foi aprovado em todas as comissões – e se encontra na fila para ser votado.

Page 123: Politica Publica Ppp38

121Crise dos Alimentos e Estratégias para a Redução do Desperdício no Contexto de uma Política...

funcionamento (se considerarmos apenas os Bancos de Alimentos apoiados pelo MDS, 67 unidades, e a rede de Bancos de Alimentos vinculados ao SESC, com 78 unidades, relacionam-se 145 Bancos de Alimentos).

Uma tendência recente no Brasil foi a instalação de unidades de Bancos de Alimentos e de programas de colheita urbana em centrais de abastecimento atacadistas públicas. Atualmente algumas das maiores centrais brasileiras (como a CEAGESP, CeasaMinas, as Centrais de Abastecimento do Paraná, do Rio Grande do Sul, do Espírito Santo, de Goiás e de Campinas) possuem unidades bastante estruturadas de Bancos de Alimentos em seus principais entrepostos.6

Estudo realizado pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) em 2009 demonstra que, das 24 instituições gestoras de mercados atacadistas, nove declararam ter programas de Bancos de Alimentos e 12 desenvolvem inicia-tivas de coleta e distribuição de alimentos e orientação nutricional para consumi-dores. Nas centrais de abastecimento, via de regra, os projetos de Bancos de Ali-mentos e gestão de resíduos estão articulados operacionalmente, revelando nova tendência para as centrais de abastecimento, nas quais os Bancos de Alimentos atuam sinergicamente para melhorar a logística de recolhimento de resíduos só-lidos. Ao mesmo tempo, esses projetos evitam a presença de catantes (indivíduos que coletam sobras alimentares para consumo próprio ou familiar) nos entrepos-tos e favorecem o desenvolvimento de iniciativas de segurança alimentar, como a educação alimentar e a orientação nutricional (CONAB, 2009).

Os Bancos de Alimentos têm demonstrado expressivo benefício social e co-munitário, embora poucas centrais de abastecimento tenham desenvolvido me-todologias consistentes de operacionalização e relacionamento com esferas admi-nistrativas governamentais que envolvam a participação social na gestão destes programas. Esta lacuna pode ser atribuída tanto à natureza destes projetos, cuja metodologia operacional difere das atividades tipicamente empresariais das ins-tituições gestoras, quanto à possibilidade de utilização oportunista destas ações (CUNHA, 2006). Um aspecto importante, mas pouco explorado pelas centrais de abastecimento, é que os Bancos de Alimentos podem se constituir como im-portante centro de geração de informações nos entrepostos sobre a dinâmica do mercado atacadista, sobre as perdas de produtos, bem como instrumento estraté-gico para a educação e a orientação alimentar.

Em levantamento realizado junto aos doadores do Banco de Alimentos da CeasaMinas (Prodal), observou-se que as doações de alimentos para o banco

6. Essa tendência também é verificada em outros países. Na Central de Rungis (França), maior mercado europeu, foi implantado em 2008 o Projeto Rungis para encaminhamento do excedente não comercializado no entreposto a um banco de alimentos para benefício de entidades assistenciais. Na rede de mercados espanhóis, os entrepostos de Bar-celona (segundo maior entreposto espanhol em volume comercializado de FLV), Bilbao (quinto) e Palma de Mallorca (oitavo) mantêm Bancos de Alimentos integrados aos entrepostos (CUNHA, 2010).

Page 124: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012122

sediado no entreposto são resultado de quatro fatores superpostos: i) a ocorrência de excedentes não comercializados, geralmente em período de safra; ii) parte das doações ocorre não porque os preços estão baixos, mas ao contrário, altos demais em relação a seus eventuais substitutos e não encontram mercado; iii) doações decorrentes de produtos de alta perecibilidade e maturação rápida, que perdem significativamente seu valor para o atacado – neste caso, a doação do produto maduro, mas em ótimas condições de consumo, serve como estratégia para sus-tentar o patamar de preços do produto; e iv) a responsabilidade social, sendo as doações motivadas por iniciativas de solidariedade ou marketing social. Seja qual for a motivação, as evidências indicam que os Bancos de Alimentos sediados ou associados a centrais de abastecimento podem assumir o papel de bancos centrais, dada a regularidade de suas doações (CUNHA, 2006).

O estabelecimento de um conjunto de Bancos de Alimentos apoiados pelo MDS e a coparticipação deste ministério, juntamente ao Ministério do Desen-volvimento Agrário (MDA), no financiamento do Programa de Aquisição de Ali-mentos provocou inovação institucional importante nos últimos anos.7

Como os Bancos de Alimentos também operam como agente do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), eles passaram a receber nos últimos anos produtos oriundos do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Inicialmente estas operações se deveram à capacidade operacional dos Bancos de Alimentos apoiados pelo governo federal em receber e destinar sob a forma de doação os produtos adquiridos da agricultura familiar, nas modalidades que envolvem compra e doação simultânea de alimentos.

No entanto, esse procedimento operacional cresceu de tal forma que, se-gundo informações consolidadas até o terceiro trimestre de 2010 fornecidas pelo MDS, aproximadamente 70% dos Bancos de Alimentos apoiados pelo ministério (46 de um total de 67) receberam gêneros alimentícios deste programa, represen-tando cerca de 60% do volume operacional destes (11,2 mil toneladas de alimen-tos, para um total arrecadado de 19,8 mil toneladas). Os Bancos de Alimentos públicos passaram, então, a exercer adicionalmente a função de entrepostagem das aquisições federais da agricultura familiar, sem relação direta com o objetivo de combate ao desperdício.

As implicações do crescimento dessa nova função na movimentação operacio-nal dos BA ainda não estão claras, mas o caso analisado dos Bancos de Alimentos da RMBH sugere que esta acaba por estabelecer uma competição funcional com o

7. O programa propicia a aquisição de alimentos de agricultores familiares, com isenção de licitação, a preços compa-tíveis aos praticados nos mercados regionais. Os produtos são destinados a ações de alimentação empreendidas por entidades da rede socioassistencial; como também a equipamentos públicos de alimentação e nutrição como restau-rantes populares, cozinhas comunitárias e Bancos de Alimentos e para famílias em situação de vulnerabilidade social.

Page 125: Politica Publica Ppp38

123Crise dos Alimentos e Estratégias para a Redução do Desperdício no Contexto de uma Política...

objetivo de redução de desperdício, deixando de atuar no seu objetivo primordial, qual seja, a redução de desperdícios e mobilização de redes solidárias de doação, pas-sando a exercer o papel de entreposto do programa de compra direta do produtor.

5 A ESTRUTURAÇÃO DE REDES DE BANCOS DE ALIMENTOS: FORÇAS E CONTRAFORÇAS

Na América do Norte e na Europa, a articulação de Bancos de Alimentos em redes formais mostrou-se arranjo institucional bastante eficaz para facilitar a coor-denação das parcerias envolvidas nesses projetos, manter e animar o compromisso voluntariado junto à sociedade e permitir a integração operacional do processo de distribuição das doações alimentares e de outros serviços prestados pelos Bancos de Alimentos.

No Brasil, diversas iniciativas ocorreram no sentido da criação de uma rede de Bancos de Alimentos, seja como associação, seja como federação ou como rede formal, embora o tema permaneça como pauta em discussão entre os agentes do movimento de Bancos de Alimentos.8

A existência de dois conjuntos expressivos de Bancos de Alimentos com vinculações diferenciadas, 67 apoiados pelo MDS e 78 unidades vinculadas ao SESC – além de diversas iniciativas locais sem vinculação ou associação evidente –, contribui para dificultar a consolidação de uma organização de interesse comum, na medida em que o esforço de integração parece se voltar mais para dentro de cada rede, como é o caso do SESC, do que para a constituição de uma rede mais ampla.

A ausência de uma instância de coordenação nacional foi apontada, em 2005, pela avaliação nacional dos Bancos de Alimentos brasileiros, realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Adicionalmente, alguns desafios foram colocados para os bancos vinculados ao programa federal, relacionados à sua efetividade e transparência. Especificamente foram relacionados a falta de um padrão de funcionamento entre os bancos; a ausência de integração entre programas públicos estatais e não estatais, bem como de monitoramento e avaliação dos Bancos de Alimentos instalados; a falta de critérios para distri-buição dos alimentos; a carência de um modelo de gestão unificado que garan-tisse transparência na administração da coleta e adoção e, por fim, a falta de sistemas informatizados que viabilizassem o monitoramento e a avaliação do programa (BRASIL, 2005).

A resposta do MDS a essa situação priorizou esforços de padronização nor-mativa, difundida por intermédio de manuais e encontros nacionais de gestores

8. A proposição de uma Associação Nacional de Bancos de Alimentos foi levantada como deliberação pelo II Encontro Nacional de Bancos de Alimentos, realizado em São Paulo em 2004, sem obter, até o momento, êxito.

Page 126: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012124

de Bancos de Alimentos de suas unidades apoiadas, em vez de enfatizar integração e coordenação das esferas nacional, regional e local, como se observa no caso da rede canadense.

A relação do governo federal, nesse sentido, foi contraditória para o movi-mento, pois chamou para si o protagonismo das iniciativas de Bancos de Alimen-tos com a abertura de linhas de financiamento para unidades de gestão pública municipal. No entanto, sua ação se restringiu a orientação baseada na elaboração de procedimentos e normas de implementação do programa em esfera local, pou-co contribuindo para reforçar ou ampliar os vínculos de cooperação e parceria indispensáveis para o funcionamento sustentável dos Bancos de Alimentos.

Alguns estudos demonstram que reduzir a atuação do Estado a mero emis-sor de normatizações de procedimentos inflexíveis, uniformes e simplistas para a condução de políticas públicas inibe iniciativas inovadoras por parte dos gestores locais e da sociedade civil, eliminando, assim, a possibilidade de construção sinér-gica entre o Estado e as redes societárias (EVANS, 1996). Contudo, o sucesso de políticas sociais depende do potencial do Estado de forjar redes de engajamento cívico entre cidadãos, as quais, por sua vez, serão utilizadas como fonte de disci-plina, informação e inovação para as agências públicas, bem como auxílio para a execução de projetos comuns (FARIA, 2007; EVANS, 1996).

Considerando que o programa de Banco de Alimentos envolve diretamente a construção de valores societários, tais como redução do desperdício de alimen-tos, mudanças de hábitos alimentares, doação de bens e serviços, além do envolvi-mento voluntário, não há como vislumbrar estes objetivos sem que exista conexão entre os bancos e entre estes e as redes sociais locais.

5.1 A estruturação de uma rede horizontal de Bancos de Alimentos: o exemplo da RMBH

Exemplo de inovação institucional de caráter público, estatal e não estatal, com potencial de ser replicada para outros municípios, foi a criação de rede de coope-ração entre Bancos de Alimentos da RMBH. A construção desta rede não partiu de proposição top down, mas da participação efetiva dos profissionais responsáveis pela coordenação do programa em diversas unidades de Bancos de Alimentos de gestão pública da RMBH em parceria com uma instituição de ensino superior.

A proposição dessa rede surge em meados da década passada a partir da demanda dos profissionais envolvidos nos Bancos de Alimentos, gestores e técni-cos, reunidos inicialmente sob a animação do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de Belo Horizonte (Comusan),9 a partir da busca de

9. Esse movimento se deu inicialmente no âmbito do Núcleo de Instituições Públicas Pró-Fome Zero (NIP), que acabou incorporando-se ao Comusan.

Page 127: Politica Publica Ppp38

125Crise dos Alimentos e Estratégias para a Redução do Desperdício no Contexto de uma Política...

ganhos sinérgicos entre os atores, do grau de confiança para o compartilhamento de informações e, por fim, do caráter prioritariamente técnico dos envolvidos.

A leitura inicial era que a dificuldade de criação de rede de cooperação estava relacionada à ausência de um benefício que fosse claramente identificado como ganho de colusão ou sinérgico. O capital-semente da rede se deu a partir do desenvolvimento de ferramenta tecnológica, com uma base de dados unificada, capaz de otimizar e dar mais transparência à gestão dos Bancos de Alimentos. Trata-se do software para a gestão de Bancos de Alimentos, desenvolvido pela CeasaMinas para uso aberto, que teve com objetivo primordial a constituição de plataforma comum de controle de estoques e fluxos dos Bancos de Alimentos, bem como o cadastramento unificado de instituições beneficiárias, com infor-mações detalhadas sobre a infraestrutura de atendimento e as características do público-alvo das instituições.

Acreditava-se inicialmente que, a partir da adoção de uma plataforma in-formática comum pelos Bancos de Alimentos da região, a articulação entre estes dar-se-ia de forma espontânea. Todavia, o desenvolvimento da rede demonstrou que a possibilidade de uso compartilhado de software dedicado e gratuito exerceu papel inicial de aglutinação, mas não foi o elemento fundamental que constituiu os nexos desta rede.

Alguns entraves limitaram o processo de articulação dos bancos da região me-tropolitana. Primeiro, é importante ressaltar que a proposta de software de gestão unificada não estava inserida formalmente no desenho do programa Banco de Ali-mentos, e sua utilização dependia de ações isoladas e pessoais dos coordenadores dos bancos, estimulados pela CeasaMinas e pelos coordenadores do programa de exten-são da universidade privada Fundação Mineira de Educação e Cultura (FUMEC), de Belo Horizonte. Ou seja, não havia nenhuma institucionalização para o uso de plataforma comum de gestão entre os bancos. Além disso, as planilhas de controle de funcionamento dos bancos preenchidas mensalmente para o MDS não coincidiam com as informações geradas pelo relatório do software, o que demandava aos técnicos sobreposição de ações de acompanhamento e gestão do programa.

Concomitantemente, verificou-se resistência à adesão ao uso da ferramenta de gestão pelos coordenadores dos bancos, o que pode ser explicado inicialmente pela falta de formalização do uso, associada a fatores como desconfiança quan-to a compartilhamento das informações, resistência à mudança, rotatividade da equipe – devido aos vínculos temporários de trabalho nos Bancos de Alimentos, entre outros motivos. Em síntese, a tecnologia de informação não garantiu, a priori, a articulação dos programas, visto que, para a consolidação de uma rede de bancos, seriam necessários outros elementos, especialmente, que diziam respeito ao sentimento de confiança para compartilhar informações, a maior contato entre

Page 128: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012126

os parceiros, a clareza sobre os ganhos pessoais e institucionais advindos da arti-culação, condições estas consideradas essenciais para a adoção de cadastro único de beneficiários entre os bancos.

De acordo com Granovetter (1985), as relações sociais, mais do que disposi-tivos institucionais ou de moralidade generalizada, são as principais responsáveis pela produção de confiança nas interações. No caso específico da rede de Bancos de Alimentos, por um lado, o aspecto da confiança decorre do aumento da coesão entre os parceiros, que favorece, assim, as trocas sistemáticas especialmente sobre a operacionalização do programa.

Por outro lado, alguns outros aspectos favoreceram a articulação dos bancos em rede. Partindo do pressuposto que se mede a força do laço interpessoal a partir de uma combinação de quantidade de tempo que as pessoas passam juntas, de in-tensidade emocional, de intimidade e confiança mútua e, finalmente, de serviços recíprocos prestados (GRANOVETTER, 1983), vale destacar que o grupo inte-grante da rede passou a manter encontros regulares e com número representativo de pessoas, que permitiram maior proximidade entre os integrantes, bem como o compartilhamento de ações relacionadas especialmente à operacionalização dos Bancos de Alimentos. Esta ação articulada resultou em certa padronização do programa, sem perder de vista as demandas específicas de cada município.

Para a compreensão de como se deu, empiricamente, esse processo, alguns fatores foram preponderantes na construção da rede de Bancos de Alimentos na RMBH: i) entrada de novos bancos e coordenadores que demandava trocar e compartilhar experiências sobre o processo operacional do programa; ii) simetria de poder entre os participantes da rede, formada por profissionais técnicos dos Bancos de Alimentos, não havendo interesses políticos diretos nesta articulação; iii) sistematização das reuniões gerais da rede, com rodízio dos locais de reunião entre os bancos, propiciando a aproximação entre os atores e o conhecimento da realidade dos demais programas; iv) formação de grupos operativos para discus-são de temas específicos; v) autonomia dos coordenadores quanto às tomadas de decisões operacionais do banco de alimentos; e vi) ganhos políticos indiretos dos atores integrantes da rede, resultando em maior capacidade de convencimento das necessidades dos BA locais junto aos dirigentes públicos.

Nesse sentido, a presença de uma organização externa, em programa de extensão universitária, como mediadora dos encontros, viabilizou produção cien-tífica sobre o tema, realizou ações de educação à saúde nas entidades beneficiadas e elaborou proposta de avaliação do programa Banco de Alimentos.

De uma forma geral, o estreitamento dos contatos entre os integrantes da rede favoreceu o aumento da confiança entre os atores, e consequentemente, a intensificação das trocas de informações técnico-operacionais sobre o programa.

Page 129: Politica Publica Ppp38

127Crise dos Alimentos e Estratégias para a Redução do Desperdício no Contexto de uma Política...

Como resultado, foi possível estabelecer padronização de critérios de cadastramen-to e doações às instituições receptoras, a utilização de um regimento interno co-mum entre unidades de sete municípios, que, em última instância, potencializou o sistema de doações com resultados concretos na movimentação de alimentos.

Paradoxalmente, a fragilidade institucional do programa Banco de Alimentos em todos os níveis de governo, referente aos requisitos de financiamento, à alo-cação de recursos humanos e estrutura física adequada, favoreceu ambiente fértil para a articulação e o fortalecimento dos BA associados. A articulação entre os BA vem auxiliando o enfrentamento parcial dos problemas observados, já que grande parte destes depende da consolidação institucional e organizacional do programa.

Atualmente, essa rede é composta por sete Bancos de Alimentos localizados em sete municípios da RMBH10 e atende de forma sistemática a um total de 539 entida-des em situação de vulnerabilidade social. Em 2009, a rede arrecadou cerca de 2.437 toneladas de alimentos e atendeu a um total de 149.425 pessoas carentes. Interessan-te ressaltar que a experiência da rede de Bancos de Alimentos da RMBH, demonstra, a partir da operacionalização dos equipamentos que a compõem, além do potencial de uma atuação em rede regional, o alcance diferenciado dos bancos decorrente ba-sicamente de dois fatores: do porte dos municípios nos quais estão implementados e da vinculação de um banco a uma central de abastecimento. O Banco de Alimentos vinculado à CeasaMinas, dada a capacidade de captação e armazenamento de ali-mentos, exerce papel central no processo de arrecadação e repasse de alimentos às demais unidades da região. A grande parte das doações distribuídas pelos bancos de menor porte é oriunda dos repasses de alimentos do BA da Ceasa. Isto significa que os bancos criados em municípios de pequeno porte atuam de forma capilar na dis-tribuição dos alimentos na RMBH e na realização de ações educativas nas entidades receptoras do que propriamente no processo de arrecadação.

Entretanto, essa situação tem se alterado após a vinculação do PAA ao pro-grama Banco de Alimentos. Muitos bancos têm deixado de atuar na cadeia de doação e distribuição de alimentos por passarem a funcionar exclusivamente com produtos provenientes da agricultura familiar. Percebe-se que há distorção do ob-jetivo basilar do programa, devido à superposição de programas estatais de segu-rança alimentar e nutricional, que apresentam desenhos interessantes e efetivos, se analisados individualmente, mas que, operando de forma integrada, compro-metem diretamente a ação dos bancos na redução do desperdício de alimentos.

Finalmente, o exemplo do Banco de Alimentos de BH demonstra maior capacidade de arrecadação e logística do equipamento nos grandes centros, com experiência que integra o banco à rede varejista de hortifruti e ao programa de

10. CeasaMinas, Prefeitura de Contagem, Prefeitura de Belo Horizonte, Prefeitura de Sabará, Prefeitura de Betim, Prefeitura de Ribeirão das Neves, Santa Luzia e Mesa Minas – com a parceria da Universidade FUMEC e da UFMG.

Page 130: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012128

coleta urbana de gêneros alimentícios. A consolidação da rede metropolitana de Banco de Alimentos, uma iniciativa local, demonstra a viabilidade da coopera-ção entre o poder público, os programas não governamentais de distribuição de alimentos e instituições de ensino superior. Esta experiência, embora ainda foca-lizada, demonstra o potencial de organização e parceria das agências locais para o fortalecimento dos programas de segurança alimentar.

Um estudo realizado por Maria Alice Costa (2003) sobre a construção de política sociais em uma comunidade organizada concluiu que

(...) quando o Estado passa de ator regulador da interação social a indutor e/ou mobilizador de capital social, ligando cidadãos e articulando-se a um conjunto de re-lações que ultrapassam a divisão público-privado, ele aumenta a sua eficácia governa-mental e cria um círculo virtuoso de mudança institucional. (COSTA, 2003, p. 11).

Esta observação pode ser transposta de forma elucidativa para descrever no-vas agendas do poder público em relação ao movimento de consolidação dos Bancos de Alimentos. É evidente que há muito que fazer em termos de aprimora-mento da legislação brasileira com respeito às doações de alimentos, mas também é claro que os Bancos de Alimentos no Brasil precisam avançar para um formato mais moderno e eficiente para o desenvolvimento de suas operações.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista o grande volume de perdas e o desperdício de alimentos no Brasil em todas as etapas da produção ao consumo, e considerando também a permanência de graves problemas sociais relativos ao acesso restrito ao alimento, o programa Banco de Alimentos situa-se como iniciativa pública, não necessariamente estatal, de redistribuição de alimentos, a partir do aproveitamento de produtos que perderam o seu valor comercial, mas que mantêm as propriedades nutritivas.

No momento em que o mundo discute o problema da crise dos alimentos, com altas expressivas de preços, os Bancos de Alimentos se apresentam como alternativa eficiente para o atendimento de enorme contingente de famílias e entidades beneficentes que lidam com público em situação de vulnerabilidade social. Ademais o aproveitamento daquilo que se considera como sobras é uma necessidade imposta pelos limites dados pelo meio ambiente. Por meio de ações de racionalização na cadeia produtiva e do aproveitamento dessas sobras é possível ampliar o acesso aos alimentos, desenvolvendo um leque de soluções que possa ir mais além da única alternativa apresentada hoje que se resume na necessidade de uma nova revolução produtiva como resposta para a alta acentuada dos preços dos alimentos que se iniciou na última década.

Page 131: Politica Publica Ppp38

129Crise dos Alimentos e Estratégias para a Redução do Desperdício no Contexto de uma Política...

Os Bancos de Alimentos surgem e se consolidam de forma mais eficiente em países desenvolvidos, como os Estados Unidos e o Canadá, como iniciativa da sociedade civil no sentido de minimizar a desigualdade de acesso alimentar, respaldada, no entanto, por forte cultura societária. Nestes países, o desenho or-ganizacional do programa se fundamenta em dois pressupostos basilares: a atua-ção em rede de unidades de doação, somada a um arcabouço legal que respalda e incentiva o processo de arrecadação e doação, seja de produtos alimentícios, de recursos financeiros, seja ainda de serviços voluntários. Neste caso, o Estado atua apenas como regulador do processo de doação, além de favorecer o engajamento das redes sociais na execução do projeto.

No caso do Brasil, os Bancos de Alimentos surgem na década de 1990 por ini-ciativa não governamental, mas a sua ampliação decorre basicamente de empenho governamental, especialmente após a inclusão do tema da segurança alimentar na agenda política. A partir de 2003, os projetos de Banco de Alimentos passaram a se inserir no desenho da Política de Segurança Alimentar e Nutricional, primeiro via apoio financeiro para a sua disseminação em diversos municípios e, posteriormente, pela utilização desta infraestrutura instalada como logística para recebimento e dis-tribuição da aquisição de produtos da agricultura familiar como o PAA.

No entanto, a ação governamental brasileira não foi isenta de contradições. Ao promover rápida expansão de Bancos de Alimentos em pequenos municípios, muitos sem porte adequado, por meio de convênios com as municipalidades, o governo federal está correndo o risco de reproduzir no programa, que pressupõe o envolvimento comunitário, uma forma de clientelismo moderno, ocupando espaço de mobilização e organização tradicionalmente ocupado pelas ONGs e atores locais.

Nesse sentido, consideramos que a Política de Segurança Alimentar e Nutricional deveria focar os seus esforços naquilo que denominamos de Ban-cos de Alimentos terciários, de grande porte, localizados nas grandes cidades e nos hubs localizados nas grandes centrais de abastecimento. Em outras pa-lavras, a política pública deixou descoberto o alvo que deveria ser atacado, competindo e muitas vezes inibindo iniciativas da sociedade civil, ao mesmo tempo que estimulou dependência estrutural das iniciativas locais em relação aos recursos públicos.

As estatísticas oficiais ainda carecem de sistematização e integração, mas as evidências demonstram que as doações de alimentos adequados para o consumo via Bancos de Alimentos atendem a centenas de milhares de pessoas todos os dias. Assim, a organização em rede com troca de informações e separação de áreas de atendimento por instituição pode representar enormes economias de recursos, como demonstrou o caso de Belo Horizonte. O apoio à formação de redes de

Page 132: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012130

intercâmbio de Bancos de Alimentos é, nesse sentido, uma ação mais efetiva para a consolidação do movimento do que a disseminação de infraestrutura de Bancos de Alimentos sem que sua forma de operacionalização possa se dar de maneira sustentável. E esta só é possível por meio do envolvimento e da mobilização da sociedade civil.

REFERÊNCIAS

BASTOS, M. A. R.; COSTA, L. A. Avaliação do programa Banco de Alimentos: identificando indicadores. In: SEMINÁRIO DE EXTENSÃO DA UNIVERSI-DADE, 4., 2007, FUMEC.

BELIK, W. Como as empresas podem apoiar e participar do combate à fome. São Paulo: Instituto Ethos, 2003.

______. Politicas de Seguridad Alimentaria Para las Areas Urbanas. In: BELIK, W. (Org.). Politicas de Seguridad Alimentaria y Nutrición em America Latina. São Paulo: Hucitec, 2004.

BRASIL. Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome (Mesa). Como implantar Bancos de Alimentos. Brasília, 2003.

______. Tribunal de Contas da União (TCU). Relatório de Avaliação de Pro-grama: programa Banco de Alimentos. Brasília: TCU, Secretaria de Fiscalização e Avaliação de Programas de Governo, 2005. 122 p.

______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Bancos de alimentos: roteiro para implantação. Brasília, 2007.

BURLANDY, L. et al. Avaliação do programa Banco de Alimentos. Cadernos de Estudos: Desenvolvimento Social em Debate, Brasília, MDS, n. 14, 2010 (Rede de Equipamentos Públicos e Alimentação e Nutrição: resultado das avaliações).

CANADIAN ASSOCIATION OF FOOD BANKS (CAFB). Hunger Count, 2007. Disponível em: <www.cafb-acba.ca>.

CENTRAIS DE ABASTECIMENTO DE MINAS GERAIS S/A (CEASAMINAS). Avaliação de perdas na cadeia comercial de banana nanica, banana prata e tomate longa vida. Estudo Técnico. Belo Horizonte, 2008.

CENTRAIS DE ABASTECIMENTO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (CEASA-RJ). Perdas de hortaliças no mercado atacadista do Rio de Janeiro, 2004 (Estudo técnico).

CHITARRA, M. I. F.; CHITARRA, A. B. Pós-colheita de frutas e hortaliças: fisiologia e manuseio. Lavras: Ufla, 2005.

Page 133: Politica Publica Ppp38

131Crise dos Alimentos e Estratégias para a Redução do Desperdício no Contexto de uma Política...

COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE (CEPAL); ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A AGRICULTURA E ALIMENTAÇÃO (FAO); INSTITUTO INTERAMERICANO DE COOPE-RAÇÃO PARA A AGRICULTURA (IICA). Volatilidad de Precios en los Mercados Agrícolas (2000-2010): Implicaciones para América Latina y Opciones de Políticas, 2011.

COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO (CONAB). Diagnóstico dos mercados atacadistas de hortigranjeiros. Brasília, 2009.

CORTEZ, L. A. B.; HONORIO, S. L.; MORETTI, C. L. Resfriamento de frutas e hortaliças. 1. ed. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 2002.

COSTA, M. A. N. Sinergia e capital social na construção de políticas sociais: a favela da Mangueira no Rio de Janeiro. Revista de Sociologia Política, Curitiba, n. 21, nov. 2003.

CUNHA, A. R. A. A. Dimensões estratégicas e dilemas das centrais de abasteci-mento. Revista de Política Agrícola, Brasília, n. 4, 2006.

______. O sistema atacadista alimentar brasileiro: origens, destinos. Tese (Doutoramento). UNICAMP, Instituto de Economia, Campinas, 2010.

FARIA, C. F. Estado e organizações da sociedade civil no Brasil contemporâneo: construindo uma sinergia positiva. Revista de Sociologia e Política, Curitiva, v. 18, n. 36, jun. 2010.

FRIEDMANN, H. Uma economia mundial de alimentos sustentável. In: BELIK, W.; MALUF, R. S. Abastecimento e segurança alimentar. Campinas: IE, 2000. p. 1-22.

EVANS, P. Government Action, Social Capital and Development: Reviewing the Evidence on Synergy. World Development, v. 24, n. 6, p. 1119-113, 1996.

GRANOVETTER, M. The Strength of weak ties: a network theory revisited. Sociological Theory, v. 1, 1983.

______. Economic action and social structure: the problem of embededdness. American Journal of Sociology, Chicago, Illinois, v. 91, n. 3, p. 481-510, 1985.

GUSTAVSSON, J.; CEDERBERG, C.; SONESSON, U. Global Food Losses and Food Waste. Roma: FAO, 2011.

INSTITUTO AKATU PELO CONSUMO CONSCIENTE (AKATU). O Fome Zero e o Consumo Consciente de Alimentos. São Paulo, 2003.

NELLEMANN, C. et al. (Ed.). The Environmental Food Crisis: the environment’s role in averting future food crises – a UNEP rapid response assessment. United Nations Environment Programme, GRID-Arendal, 2009.

Page 134: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012132

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A AGRICULTURA E ALIMENTAÇÃO (FAO). The State of Food Insecurity in the World. Roma, 2008.

UNITED NATIONS/DEPARTMENT OF ECONOMIC AND SOCIAL AFFAIRS (UN/DESA). World Economic Situation and Prospects. Nova Iorque: ONU, 2011.

VIEIRA FILHO, J. E. R.; GASQUES, J. G.; GERVÁSIO DE SOUZA, A. Agricultura e crescimento: cenários e projeções. Brasília: Ipea, 2011 (Texto para Discussão, n. 1642).

ZEZZA, A. et al. The Impact of Rising Food Prices on the Poor. Roma: FAO, 2008 (ESA Working Paper, n. 08-07).

Originais submetidos em junho de 2011. Última versão recebida em agosto de 2011. Aprovado em outubro 2011.

Page 135: Politica Publica Ppp38

UMA ANÁLISE DO ACESSO AO CRÉDITO RURAL PARA AS UNIDADES PRODUTIVAS AGROPECUÁRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO: UM ESTUDO A PARTIR DO LUPA*

Gabriela dos Santos Eusébio**

Rudinei Toneto Jr.***

O artigo busca compreender e mensurar as características dos produtores rurais que ampliam a probabilidade para que estes tenham acesso ao crédito rural. Utiliza-se o modelo de estimação probit com informações retiradas do Levantamento das Unidades Produtivas Agropecuárias (Lupa) do Estado de São Paulo (2007/2008), que abrange todas as unidades de produção agropecuária (UPAs) pertencentes aos 645 municípios do estado. Os resultados mostram que o fato de o produtor pertencer a alguma cooperativa, associação e sindicato eleva a probabilidade de obter crédito. Outro resultado importante é o impacto positivo causado na probabilidade de obter crédito pela unidade possuir escrituração contábil. Além disso, pequenos produtores apresentam probabilidade menor de obter crédito rural.

Palavras-chave: Microeconometria; Crédito Rural; Probit.

A REVIEW OF THE ACCESS TO RURAL CREDIT FOR AGRICULTURAL PRODUCTION UNITS OF THE STATE OF SÃO PAULO: A STUDY FROM THE LUPA

This paper aims to understand and measure the characteristics of farmers which enhance their likelihood of having access to rural credit. We use the probit estimation model with information from the Survey of Agricultural Production Units (Lupa, in Portuguese) of São Paulo (2007/2008), which covers all 645 Agricultural Production Units belonging to municipalities in the state. The results show that producers who belong to a cooperative, association or union are more likely to obtain credit. Another positive finding is that proper bookkeeping improves a unit’s likelihood of obtaining credit. Also, small producers are less likely to obtain rural credit.

 Key-words: Microeconometrics; Rural Credit; Probit.

UN ANÁLISIS DEL ACCESO AL CRÉDITO RURAL PARA LAS UNIDADES PRODUCTIVAS AGROPECUARIAS DEL ESTADO DE SÃO PAULO: UN ESTUDIO DE LA LUPA

El objetivo del artículo es comprender y mensurar las características de los productores rurales que amplían la probabilidad de que ellos tengan acceso al crédito rural. Se utiliza el modelo de estimación probit con informaciones del Estudio de las Unidades Productivas Agropecuarias (Lupa,

* Possíveis erros e omissões são da responsabilidade dos autores. Os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiço-amento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pelo apoio financeiro à pesquisa.** Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Economia Aplicada da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). E-mail: [email protected]*** Professor titular do Departamento de Economia da USP. E-mail: [email protected]

Page 136: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012134

en portugués) del Estado de São Paulo (2007/2009), que abarca todas las UPAs pertenecientes a los 645 municipios del estado. Los resultados muestran que el hecho de pertenecer el productor a alguna cooperativa, asociación o sindicato eleva su probabilidad de obtener crédito. Otro resultado importante es que la probabilidad de obtener crédito aumenta si la unidad posee teneduría de libros. Además, pequeños productores presentan menor probabilidad de obtener crédito rural.

Palabras-clave: Microeconometría; Crédito Rural; Probit.

UNE ANALYSE DE L’ACCÈS AU CRÉDIT RURAL POUR LES UNITÉS DE PRODUCTION AGRICOLE DE L’ÉTAT DE SÃO PAULO: UNE ÉTUDE DE L’LUPA

Cet article vise à comprendre et mesurer les caractéristiques des fermiers qui améliorent leur probabilité d’avoir accès au crédit rural. Nous avons utilisé le modèle d’estimation probit avec des informations de la Recherche des Unités de Production Agricole (LUPA, en portugais) de São Paulo (2007/2008), qui englobe toutes les 645 Unités de Production Agricole appartenant aux municipalités de l’état. Les résultats montrent que les producteurs qui appartiennent à une coopérative, association ou syndicat ont de plus fortes chances d’obtenir du crédit. Un autre résultat positif c’est que les unités qui font la comptabilité ont de plus fortes chances d’obtenir du crédit rural. En plus, les petits producteurs ont de plus faibles chances d’obtenir du crédit rural.

Mots-clés: Microéconométrie; Crédit Rural; Probit.

1 INTRODUÇÃO

O acesso ao crédito é importante fator para possibilitar o crescimento das em-presas e melhor gestão dos recursos. Ao longo de muitos anos, um dos grandes entraves ao desenvolvimento da economia brasileira foi, certamente, a questão do crédito e do financiamento. O mercado de crédito brasileiro podia ser caracterizado por sua fragilidade, por apresentar nível de desenvolvimento pouco elevado e por ser substancialmente reduzido em comparação aos mercados estrangeiros. Os custos e os prazos dos empréstimos são bastante inadequados, caracterizando-se por elevadas taxas de juros e concentração de operações no curto prazo. Note-se que esta situação parece não se adequar ao elevado grau de sofisticação do sistema financeiro brasileiro, o amplo espectro de instituições com elevada solidez e rentabilidade.

Esse fato pode ser explicado por um conjunto de fatores macro e microeco-nômicos. Como fator macroeconômico, pode-se destacar a histórica instabilidade da economia brasileira, assim como de suas instituições, e as altas taxas de juros praticadas no país. Já como fator microeconômico, vale ressaltar a fraca estrutu-ra empresarial brasileira e os incentivos à informalidade, problemas legais e de enforcement das leis, como a morosidade e a incerteza sobre as decisões judiciais (PINHEIRO, 2003), a dificuldade de acesso a informações acerca das empresas e de pessoas físicas – falta de transparência e ausência de sistema de informações positivas –, entre outros aspectos.

Page 137: Politica Publica Ppp38

135Uma Análise do Acesso ao Crédito Rural para as Unidades Produtivas Agropecuárias do Estado de São Paulo...

Vale destacar que nos últimos anos verificou-se significativa elevação do cré-dito no país. A relação crédito/produto interno bruto (PIB) saltou de um valor em torno de 25% em 2002 para mais de 41% em 2008. Este aumento decorreu de uma série de fatores: consolidação da estabilidade econômica, tendência de queda da taxa de juros, mudanças institucionais importantes – crédito consigna-do, reforma do Sistema Financeiro Imobiliário, entre outros –, retomada do cres-cimento econômico, e outros aspectos que facilitaram e estimularam a ampliação do crédito. Apesar disso, a oferta de crédito no país ainda é baixa comparativa-mente a outros países.

O mercado de crédito apresenta uma série de especificidades que o diferencia de outros mercados. A principal delas refere-se à existência de informações assi-métricas entre as partes envolvidas, o que resulta em problemas para o mercado financeiro, o de seleção adversa e risco moral. Esses problemas prejudicam as tran-sações financeiras, uma vez que elevam seus custos, inviabilizando alguns tipos de operações e, consequentemente, gerando racionamento de crédito (STIGLITZ; WEISS, 1981).

Dessa maneira, pode ser atribuído ao setor financeiro um caráter conserva-dor, que exclui importantes segmentos que não são capazes de atender aos cri-térios de garantias, ou que apresentam custos elevados de verificação, como as microempresas, atividades do setor informal e do setor agrícola.

Para o meio rural, o crédito possibilita o investimento em insumos básicos da atividade, o acúmulo de capital humano e fixo, a incorporação de novas tecno-logias, a regularização do seu fluxo de consumo pessoal frente à sazonalidade da produção rural, entre outros aspectos. Por outro lado, a dificuldade de obtenção de informações e as características do meio rural dificultam a concessão do crédi-to, tendo em vista os maiores riscos envolvidos, fazendo que pequena parcela dos produtores tenha acesso ao financiamento. Compreender as características dos produtores que conseguem acessar o crédito pode facilitar o desenho de políticas e instrumentos que ampliem o acesso dos demais produtores, colaborando para a geração de renda e redução das desigualdades no meio rural.

Sendo assim, o objetivo principal deste trabalho se concentra em verificar quais características dos produtores rurais são determinantes ou ampliam a pro-babilidade para que estes tenham acesso ao crédito rural. O trabalho se baseou nos indicadores do Lupa do estado de São Paulo, realizado em 2007-2008 pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA).

De acordo com a teoria econômica, variáveis como tamanho da pro-priedade, transparência na gestão e melhorias em níveis de produtividade im-pactam de maneira positiva na obtenção de crédito pelas empresas (BECK; KUNT; MAKSIMOVIC, 2004; SCHIFFER; WEDER, 2001). Porém, quando

Page 138: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012136

analisamos o mercado de crédito rural, não há estudos empíricos que analisem a influência das características, seja do produtor, seja da propriedade, na proba-bilidade de acesso ao crédito rural. Baseado nisso, o trabalho procurou testar o impacto de algumas variáveis relacionadas a esses fatores no acesso ao crédito, por parte de produtores agropecuários do estado de São Paulo. Com este intui-to, foram utilizadas as variáveis estrato de terra, relacionada com o tamanho da unidade produtiva, a variável possuir escrituração contábil, que está relacionada com transparência de gestão, a variável ter assistência técnica oficial, que está re-lacionada com produtividade, e variáveis com informações socioeconômicas dos proprietários, que estão relacionadas com a sua qualidade de gestão.

Os resultados apresentados neste artigo mostram que a existência de escritu-ração contábil aumenta a probabilidade de o produtor obter crédito rural, e que o impacto causado quando um produtor não tem a escrituração e passa a tê-la é elevado. Além disso, vale ressaltar o fato de que produtores que participam de associações, cooperativas ou sindicatos apresentam maior probabilidade de obte-rem crédito rural.

O trabalho se divide em quatro seções além desta introdução. A seção 2 discute a questão do acesso ao crédito no meio rural. Na seção 3 é apresentado o método de estimação e na 4 é apresentada a base de dados e os resultados das estimações. Na seção 5 são apresentadas as considerações finais.

2 A QUESTÃO DO ACESSO AO CRÉDITO RURAL

De acordo com Levine (1997), o sistema financeiro afeta o crescimento econômi-co, uma vez que reduz os custos de transação e informação, além de desempenhar as funções de levantamento de fundos, amenização de riscos, seleção de clientes e direcionamento de recursos para projetos mais rentáveis. Ao cumprir essas fun-ções, este sistema se torna responsável por maior eficiência alocativa, além de possibilitar acumulação de capital e inovação tecnológica, ao alterar a taxa de poupança e realocá-la.

Quando falamos do setor rural, os mesmos argumentos encontrados em Levine (1997), que justificam a visão de que o sistema financeiro tem impactos positivos sobre o crescimento econômico, são aplicáveis. A acumulação de capital e a inovação tecnológica são fatores determinantes para o crescimento do setor rural, e o setor financeiro tem um papel primordial nesse processo, por levantar fundos, mobilizar poupança, facilitar o planejamento das atividades e permitir o acesso a melhores tecnologias e aproveitamento de melhores oportunidades econômicas.

Para o setor agrícola, o crédito se torna importante instrumento para o de-senvolvimento do setor, uma vez que possibilita o investimento em insumos bá-sicos da atividade, como capital humano e fixo, viabilizando assim o processo de

Page 139: Politica Publica Ppp38

137Uma Análise do Acesso ao Crédito Rural para as Unidades Produtivas Agropecuárias do Estado de São Paulo...

produção e de inovação do setor. Além desses motivos, o crédito também traz outros benefícios para o produtor, que não estão diretamente relacionados com a produção, por exemplo, permitindo a regularização do seu fluxo de consumo pessoal, por meio da compatibilização de seu fluxo de renda contínuo ou sazonal.

Quando o financiamento é para o setor agrícola, as dificuldades enfrentadas para se ter acesso ao crédito são ainda mais representativas, uma vez que este setor apresenta uma série de características que o tornam mais arriscados do ponto de vista dos emprestadores. Segundo Yaron (1997), os aspectos que dificultam o al-cance do meio rural pelo sistema financeiro tradicional são: a renda da população rural tende a ser menor em relação à urbana, operações em baixa escala, a baixa densidade demográfica, ausência de colateral (garantias de um empréstimo), mer-cados fragmentados e isolamento, o que cria barreiras às informações e limita a diversificação de riscos, a sazonalidade e a elevada flutuação da renda.

Spolador (2001) afirma que algumas das características que dificultam o crédito para a agricultura são: riscos climáticos, custos de transações, volatilidade nos preços dos produtos agrícolas e assimetria de informações. De acordo com Acevedo e Delgado (2002), além desses problemas, o mercado financeiro rural está sujeito a obstáculos, como: riscos elevados e dificuldades para diversificá-los, altos custos de transação para credores e devedores, dificuldade em diluir os altos custos fixos da infraestrutura financeira e a falta de produtos financeiros e não financeiros adequados às necessidades do setor.

Ao tentar minimizar o problema de informações assimétricas, o sistema fi-nanceiro utiliza mecanismos de seleção e monitoramento dos tomadores, que re-sultam em contratos complexos e exigências de garantias que acabam aumentan-do os custos de transação e operacionais, ameaçando a sustentabilidade financeira de longo prazo das instituições. Esses fatores têm elevado impacto nas decisões de concessão de crédito e na avaliação dos riscos, aumentando o custo relacionado a empréstimos de pequena magnitude, principalmente aos requeridos pelos peque-nos produtores rurais.

Para Khandker e Faruqee (2001), tanto o crédito formal como o informal são de grande importância para a agricultura, uma vez que capitalizam os agricultores e os estimulam a investir em novas tecnologias, facilitando o consumo por meio da viabili-zação do capital de giro e, assim, reduzindo a necessidade de recursos pessoais voltados para esse propósito. Ao estimarem a efetividade do Agricultural Development Bank of Pakistan (ADBP) como sistema de distribuição de crédito e utilizando dados das fa-mílias rurais paquistanesas, os autores mostraram que essa distribuição tinha impacto positivo para a prosperidade das famílias, e este impacto se mostrou mais elevado para os pequenos proprietários. Porém o estudo mostra, também, que o maior volume dos recursos foi repassado para os grandes proprietários.

Page 140: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012138

Em seu estudo, Assunção e Chein (2007) analisam o comportamento re-cente do racionamento de crédito rural para a população brasileira. Os autores relacionam o conceito de racionamento à correlação existente entre riqueza e es-colhas, ou seja, se a riqueza tem grande influência nas escolhas das famílias, então o racionamento é ativo. Utilizando dados dos Censos Demográficos 1991 e 2000, os autores concluem que o racionamento de crédito é ativo em todas as regiões do país, e que melhorias nas condições de acesso das famílias rurais são necessárias. Os autores, entretanto, questionam a capacidade de políticas de crédito resol-verem o problema, uma vez que os resultados de testes empíricos demonstram que as áreas com maior expansão do crédito bancário foram justamente as que enfrentaram maior racionamento no período.

Os autores Kroth, Dias e Giannini (2006) sugerem, em seu estudo, que a busca pelo melhor método para desenvolver um setor que apresenta mais riscos complexos do que os encontrados em outros setores e que é estratégico para as metas econômicas do país resulta em debates sobre temas relevantes ao país, como a necessidade de subsídios para o setor rural, como devem ser geridos os financia-mentos, se o crédito rural é capaz de sanar os problemas de produção, produtivi-dade, e se realmente é efetivo em trazer retornos à sociedade.

Na tentativa de resolver os principais pontos do debate sobre a efetividade do crédito rural, Kumar (2005) argumenta que os governos, em geral, adotam políticas que combinem direcionamento setorial de crédito (controles de quan-tidade), taxas de juros abaixo das taxas de mercado e programas governamentais canalizados por meio de bancos públicos. Em geral, essas políticas aumentam o volume de recursos destinados ao setor rural, porém essas políticas não possuem mecanismos visando à recuperação dos empréstimos concedidos, o que afeta ne-gativamente investimentos de longo prazo no setor.

O montante de recursos direcionados para o financiamento rural tem cres-cido de forma sistemática no país. Gasques e Spolador (2003) mostram que a média de recursos aplicados por ano, de 1990 a 1997, foi de R$ 8 bilhões e, entre 1996 a 2001, atingiu R$ 15 bilhões.

Apesar desse aumento da quantidade de recursos para a agricultura por meio do Sistema Nacional de Crédito Rural, o financiamento continua de acesso restrito e sendo um forte fator limitativo do desenvolvimento da agricultura no que se refere ao aumento da produção e às possibilidades de investimentos.

Este valor tem crescido e o estoque de financiamento rural no fim de 2008 já atingia R$ 106 bilhões, frente a R$ 89 bilhões em 2007; ou seja, aumento líquido da ordem de R$ 17 bilhões no ano, de acordo com o Boletim do Banco Central do Brasil (BCB, 2009).

Page 141: Politica Publica Ppp38

139Uma Análise do Acesso ao Crédito Rural para as Unidades Produtivas Agropecuárias do Estado de São Paulo...

Apesar do aumento dos recursos destinados ao meio rural, pequeno percen-tual de produtores utiliza o crédito rural.

3 MÉTODO: PROBIT

O modelo probit é um modelo de resposta binária, em que o interesse reside na probabilidade de resposta

P(y = 1|x) = G(β0 + β1x1 +...+ βkxk)....... (1)

em que x representa o conjunto completo de variáveis explicativas, e G é uma função de distribuição cumulativa (FDC) normal padrão, assumindo valores es-tritamente entre zero e um, 0 < G(z) < 1, para todos os números reais de z. A FDC G é expressa como uma integral dada por

G(z) = ∫z-∞ ( 2π)-1/2exp(-z2/2)dv (2)

O modelo probit é derivado de um modelo de variável latente ou não obser-vada subjacente. Seja y* uma variável não observada determinada por

y* = β0 + xβ + e, y = 1[y* > 0] (3)

E a função 1[.] é chamada de função indicadora, e assume o valor igual a um se y* > 0, e igual a zero se y* < 0. Assume-se e independente de x e e apresenta distribuição normal padrão.

Com base nessas hipóteses, a probabilidade de resposta de y passa a ser

P(y =1| x) = P(y* > 0| x) = G(β0 + xβ) (4)

Essa probabilidade nos dá a direção do efeito de xj sobre E(y*| x). Contudo, a variável latente y* raramente tem unidade de medida bem definida; assim, as magnitudes de cada βj não têm interpretação econômica.

Para extrair o efeito parcial das variáveis é preciso calcular as derivadas parciais

δp(x)/δxj = g(β0 + xβ)βj, em que g(z) = dG/dz (z) (5)

No probit, G(.) é uma função de distribuição cumulativa estritamente cres-cente. O efeito parcial de xj sobre p(x) terá o mesmo sinal de βj.

A estimação do modelo probit é realizada por máxima verossimilhança. Como essa estimação é baseada na distribuição de y dado x, a heteroscedas-ticidade em Var(y|x) é automaticamente considerada. Para obter o estimador de máxima verossimilhança, condicional nas variáveis explicativas, utilizamos a densidade yi dado xi:

F(y|xi;β) = [G(xiβ)]y[1 - G(xiβ)]1-y, y = 0,1 (6)

Page 142: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012140

A função log-verossimilhança da observação i é uma função dos parâmetros e dos dados (xi, yi), e é obtida tomando o log da função anterior, obtendo-se:

li(β) = yilog[G(xiβ)] + (1- yi)log[1 - G(xiβ)] (7)

A função G(.) está estritamente entre zero e um no probit, li(β) é bem de-finido para todos os valores de β. Em uma amostra de tamanho n, a log-verossi-milhança é obtida pela soma de todos os li(β). A estimação da máxima verossimi-lhança de β, representada por β^, que maximiza essa log-verossimilhança, e será o estimador probit.

Sob condições gerais, a estimação de máxima verossimilhança de amostras aleatórias é consistente, assimptoticamente normal e assimptoticamente eficiente.

Para estimar quais características dos produtores rurais são determinantes ou ampliam a probabilidade para que estes tenham acesso ao crédito rural, foram re-alizadas sete estimações. A primeira estimação foi realizada para os valores médios das variáveis do modelo.

As demais estimações foram realizadas para determinar os efeitos marginais para diferentes valores das variáveis independentes. As equações utilizadas foram as seguintes:

Estimação 1: estrato = 6 nivel_instrucao = 1 cooperado = 1 associado = 1 sindicalizado = 1 escrituracao = 1 renda = 100 at_oficial = 1.

Estimação 2: estrato = 6 nivel_instrucao = 1 cooperado = 1 associado = 0 sindicalizado = 1 escrituracao = 1 renda = 100 at_oficial = 1.

Estimação 3: estrato = 6 nivel_instrucao = 1 cooperado = 0 associado = 0 sindicalizado = 0 escrituracao = 1 renda = 100 at_oficial = 1.

Estimação 4: estrato = 6 nivel_instrucao = 1 cooperado = 0 associado = 0 sindicalizado = 0 escrituracao = 0 renda = 100 at_oficial = 1.

Estimação 5: estrato = 6 nivel_instrucao = 1 cooperado = 0 associado = 0 sindicalizado = 0 escrituracao = 0 renda = 100 at_oficial = 0.

Estimação 6: estrato = 3 nivel_instrucao = 1 cooperado = 0 associado = 0 sindicalizado = 0 escrituracao = 0 renda = 100 at_oficial = 0.

Os resultados das estimações são apresentados logo após a apresentação da base de dados.

4 A BASE DE DADOS: O LUPA

Para identificar as características determinantes dos proprietários rurais e de suas propriedades para a obtenção de crédito, o estudo se baseará em indicadores ex-traídos do Levantamento de Unidades de Produção Agrícola.

Page 143: Politica Publica Ppp38

141Uma Análise do Acesso ao Crédito Rural para as Unidades Produtivas Agropecuárias do Estado de São Paulo...

O Lupa é um censo agropecuário realizado pelo estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA). O projeto tem duas edições: uma realizada em 1995-1996 (PINO et al., 1997 apud IEA) e a segun-da em 2007-2008 (TORRES et al., 2009 apud IEA), com o trabalho de campo sendo realizado pela Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati), e o tratamento dos dados sob responsabilidade do Instituto de Economia Agrícola.

A unidade de levantamento é a UPA, que é definida como conjunto de propriedades agrícolas contíguas e pertencentes ao(s) mesmo(s) proprietário(s), localizadas inteiramente em um município, com área total igual ou superior a 0,1 hectare (ha), e não destinadas inteiramente a lazer (IEA). Uma UPA se apro-xima do conceito de imóvel rural, não significando este quando o imóvel rural se estende por mais de um município. Neste caso, cada parte localizada em um município é considerada uma UPA diferente, bem como quando não é possível levantar o imóvel rural como tal, sendo necessário agrupá-lo ou reparti-lo com outros (IEA). O projeto Lupa abrangeu, em 2007, todas as UPAs pertencentes aos 645 municípios do estado de São Paulo, cobrindo as explorações vegetais e animais, mas excluindo as atividades de extrativismo.

O questionário Lupa apresenta dados sobre:

• Ocupação do solo, subdividindo a área total da UPA de acordo com a área ocupada com cultura perene, cultura temporária, pastagem, reflo-restamento, vegetação natural, de descanso, vegetação de brejo e várzea, e complementar.

• Explorações vegetais, com dados sobre área cultivada, produtividade, número de plantas, irrigação, arrendamento, produção de semente, co-lheita manual, colheita mecânica, plantio direto, cultivo orgânico ou transição.

• Mão de obra, classificando-a como familiar, permanente e temporária.

• Animais, máquinas e benfeitorias.

• Proprietário, com questões como: se reside na propriedade, seu nível de instrução, se é cooperado, associado ou sindicalizado, se o percentual da sua renda correspondente à participação das atividades agrícolas.

• Administração e assistência técnica, com questões sobre utilização de cré-dito rural, utilização de seguro rural, disposição de energia elétrica, escri-turação agrícola, recebimento de assistência técnica privada ou governa-mental, existência de computadores e possibilidade de acesso à internet.

• Tecnologia em explorações vegetais, como manejo integrado de pra-gas, hidroponia, sementes melhoradas, mudas legalizadas, adubação

Page 144: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012142

mineral, orgânica ou verde, práticas de conservação e análise de solo, e cultivo em estufas.

• Técnicas em pecuária e criações, como utilização de inseminação ar-tificial, confinamento total ou semiconfinamento de bovinos, pastejo rotacionado, mineralização do rebanho e vermifugação do rebanho.

• Atividades econômicas não agropecuárias, como esporte e lazer, extra-ção mineral, hotel fazenda, SPAs, pousadas, agroindústria, pesque-pa-gue, restaurante, transformação artesanal, turismo rural e ecoturismo.

Entre essas informações disponíveis no questionário do Lupa, destacam-se as variáveis a serem utilizadas no modelo, em dados agregados.

Analisando os dados agregados do Lupa, observa-se que os tamanhos de UPAs mais predominantes no estado são aqueles entre 20 e 50 hectares, totalizan-do 23,95% das UPAs, e aqueles entre 10 e 20 hectares, com 22,55%. O tamanho da área das UPAs está dividido em 14 estratos. Esses dados são mostrados na tabela 1.

TABELA 1Estrutura fundiária do estado de São Paulo – 2007-2008

EstratoUPAs Área

Número % Hectare %

Área das UPAs com (0,1] ha 4,370 1,35 2,794.10 0,01

Área das UPAs com (1,2] ha 7,565 2,33 12,025.29 0,06

Área das UPAs com (2,5] ha 41,555 12,80 151,661.49 0,74

Área das UPAs com (5,10] ha 47,782 14,72 367,115.02 1,79

Área das UPAs com (10,20] ha 73,207 22,55 1,081,760.38 5,28

Área das UPAs com (20,50] ha 77,758 23,95 2,467,251.29 12,03

Área das UPAs com (50,100] ha 32,932 10,15 2,331,035.23 11,37

Área das UPAs com (100,200] ha 19,741 6,08 2,770,726.07 13,51

Área das UPAs com (200,500] ha 13,564 4,18 4,147,892.78 20,23

Área das UPAs com (500,1 mil] ha 3,983 1,23 2,747,396.32 13,40

Área das UPAs com (1mil,2 mil] ha 1,545 0,48 2,108,621.87 10,28

Área das UPAs com (2 mil,5 mil] ha 510 0,16 1,456,017.60 7,10

Área das UPAs com (5 mil,10 mil] ha 67 0,02 441,774.90 2,15

Área das UPAs acima de 10 mil ha 22 0,01 418,034.30 2,04

Fontes: SAA, Cati, IEA e projeto Lupa.

A ocupação do solo no estado é predominantemente de áreas de pastagens e de cultura temporária, as quais compreendem as terras ocupadas com lavouras que completam seu ciclo de vida durante uma única estação, perecendo depois da colheita, como o milho e a cana-de-açúcar, por exemplo. Vale ressaltar que uma

Page 145: Politica Publica Ppp38

143Uma Análise do Acesso ao Crédito Rural para as Unidades Produtivas Agropecuárias do Estado de São Paulo...

UPA pode apresentar mais de uma categoria de ocupação de solo. Assim, o per-centual de UPAs com cada tipo de ocupação, mostrado na primeira coluna, pode apresentar soma superior a 100%. O percentual de ocupação do solo, no estado, é mostrado na tabela 2.

TABELA 2Ocupação do solo do estado de São Paulo – 2007-2008

Tipo UPAs Área

Número % Hectare %

Área com cultura perene 83,971 25,87 1,225,035 5,97

Área com cultura temporária 168,104 51,79 6,737,699 32,86

Área com pastagem 234,148 72,13 8,072,849 39,37

Área com reflorestamento 43,906 13,53 1,023,158 4,99

Área com vegetação natural 155,211 47,82 2,432,912 11,87

Área de vegetação de brejo e várzea 64,242 19,79 294,754 1,44

Área em descanso 25,806 7,95 222,419 1,08

Área complementar 268,485 82,71 495,280 2,42

Área total 324,601 100,00 20,504,107 100,00

Fontes: SAA, Cati, IEA e projeto Lupa.

No estado, cerca de 60% dos proprietários possuem vínculo com alguma instituição de produtores. Além disso, apenas 15,38% utilizam o crédito rural, e 3% utilizam o seguro rural. Já a assistência técnica governamental fornece aten-dimento para um pouco mais de 48% das UPAs. Destaca-se, na tabela 3, o pe-queno percentual de produtores que utiliza o computador ou a internet para fins agropecuários.

TABELA 3Proprietários das UPAs do estado de São Paulo – 2007-2008

Número de UPAs %¹

Faz parte de associação de produtores 62,445 19,24

Faz parte de cooperativa de produtores 86,662 26,70

Faz parte de sindicato de produtores 80,702 24,86

Utiliza assistência técnica governamental 155,902 48,03

Utiliza assistência técnica privada 97,099 29,91

Utiliza crédito rural 49,917 15,38

Utiliza seguro rural 10,926 3,37

Utiliza escrituração agrícola 92,997 28,65

Acessa internet para fins na agropecuária 19,361 5,96

Utiliza computador nas atividades agropecuárias 20,610 6,35

Utiliza energia elétrica na atividade agrícola 248,006 76,40

Fontes: SAA, Cati, IEA e projeto Lupa.Nota: ¹ Calculado sobre a totalidade de UPAs do estado de São Paulo.

Page 146: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012144

Com base nessas informações, foram escolhidas variáveis relacionadas ao tamanho das propriedades, ao tipo de cultura e aos proprietários. Para a variável tamanho de área, foi utilizada a variável dividida em 14 estratos. A variável nível de instrução está dividida em cinco níveis, sendo que para a estimação foi des-considerado o nível cinco, uma vez que esse nível traz informações sobre Cadas-tro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), e não sobre instrução dos proprietários. A variável renda traz informações sobre a porcentagem da renda do proprietário que provém da atividade rural. As variáveis sobre uso de solo foram utilizadas em hectares, e as demais variáveis são dummies. Essas informações são mostradas na tabela 4.

TABELA 4Variáveis independentes

Variáveis Descrição Observações Média Desvio-padrão Mínimo Máximo

estrato Estrato da área da UPA 324601 5.368212 1.839555 1 14

perene Área com cultura perene (ha) 324601 3.773972 41.40339 0 9493.5

cultura_te~a Área com cultura temporária (ha) 324601 20.75687 107.566 0 9313.6

pastagem Área com pastagem (ha) 324601 24.87007 98.88614 0 11443

nivel_inst~o Nível de instrução 324600 2.030481 1.381163 0 5

cooperado Variável dummy: ser cooperado 309983 0.2795702 0.448789 0 1

associado Variável dummy: ser associado 309983 0.2014465 0.401082 0 1

sindicaliz~o Variável dummy: ser sindicalizado 309983 0.2603433 0.438823 0 1

escrituraçãoVariável dummy: ter escrituração contábil

309983 0.3000068 0.458261 0 1

renda Porcentagem da renda proveniente da atividade rural

324601 51.1221 39.8978 0 100

at_oficialVariável dummy: ter assistência técnica oficial

309983 0.50293 0.49999 0 1

Fontes: SAA, Cati, IEA e projeto Lupa.

As variáveis tamanho de área (estrato de terra) e uso predominante do solo (cultura perene, temporária e pastagem) estão relacionadas com as garantias que o produtor pode oferecer. As variáveis relacionadas a capital social são: se o pro-dutor faz parte de alguma cooperativa, associação ou sindicato, o índice de ins-trução do proprietário e o percentual da sua renda correspondente à participação das atividades agrícolas. O grupo que traz informações sobre qualidade de gestão e informações é formado pelas variáveis: assistência técnica governamental e es-crituração contábil. A escolha dessas variáveis deve-se ao fato de não termos na teoria econômica nenhum trabalho empírico que demonstre o impacto destas no acesso ao crédito rural. Apenas encontramos estudos que mostram a relação entre as variáveis relacionadas ao tamanho, à qualidade de gestão e ao capital social com acesso ao crédito para empresas, como pode ser visto nos trabalhos de Beck, Kunt,

Page 147: Politica Publica Ppp38

145Uma Análise do Acesso ao Crédito Rural para as Unidades Produtivas Agropecuárias do Estado de São Paulo...

Maksimovic (2004) e de Schiffer e Weder (2001). Cabe destacar que não se levaram em consideração aspectos relacionados aos equipamentos e maquinários pertencentes a cada proprietário das UPAs. Dessa forma, fazemos ressalva de que em trabalhos posteriores serão incorporados ao efeito sobre a obtenção de crédito, as características de maquinário e, portanto, o efeito poderá mostrar-se diferente segundo os equipamentos pertencentes a cada produtor.

5 RESULTADOS

A estimação do probit visa mensurar a probabilidade de o proprietário rural obter crédito rural. A primeira estimação foi realizada para os valores médios das vari-áveis, (estimação 0) resultando em probabilidade de 12,7% do proprietário com as características médias de ter acesso ao crédito rural. Os resultados são apresen-tados na tabela 5.

TABELA 5Modelo Probit: efeitos marginais – valores médios

y = Pr(credito_rural) (predict) = .12838784

Variáveis dy/dx¹ Desvio-padrão Z P>|z| [95% C.I.] X

estrato 0.0081694 0.00045 18.23 0.000 0.007291 0.009048 5.35959

perene 0.0001323 0.00001 8.89 0.000 0.000103 0.000161 3.4858

cultura_te~a -0.000022 0.00001 -3.25 0.001 -0.000036 -0.000009 18.6741

pastagem -0.000092 0.00001 -12.46 0.000 -0.000107 -0.000078 24.8029

nivel_inst~o -0.004535 0.00052 -8.72 0.000 -0.005555 -0.003517 1.95808

cooperado 0.0603606 0.00161 37.58 0.000 0.057212 0.063509 0.275725

associado 0.0651963 0.00175 37.28 0.000 0.061769 0.068624 0.197063

sindicaliz~o 0.0405602 0.00154 26.39 0.000 0.037548 0.043572 0.256651

escrituração 0.0755014 0.00154 49 0.000 0.072482 0.078521 0.292689

renda 0.0014908 0.00002 88.93 0.000 0.001458 0.001524 52.8939

at_oficial 0.0812614 0.00125 64.95 0.000 0.078809 0.083714 0.507624

Fonte: Microdados do Lupa. Elaboração dos autores. Nota: ¹ dy/dx é para a mudança discreta da variável dummy de 0-1.

Com base na observação dos dados agregados do Lupa, foi realizada a es-timação dos efeitos marginais (estimação 1) para os valores predominantes de estrato de terra, do estrato seis, que compreende áreas de 20 a 50 hectares, e do nível de instrução dos proprietários – o nível um que representa o primário com-pleto. Além disso, a estimação foi feita para proprietários que são cooperados, sindicalizados, associados, que possuem escrituração contábil, com participação da agropecuária de 100% na renda familiar e que têm acesso à assistência técnica

Page 148: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012146

oficial. O resultado é mostrado na tabela 6. Para esse proprietário, a probabili-dade de obter crédito aumenta para 59,2%. Além disso, destaca-se o efeito da assistência técnica oficial, que aumenta em 15% a probabilidade de obter crédito. Destaca-se, também, o efeito de possuir escrituração contábil, que aumenta a probabilidade de obter crédito em 13%, e de ser associado ou cooperado, que aumenta a probabilidade em 11% e 10%, respectivamente.

TABELA 6Modelo Probit: efeitos marginais – para estimação 1

y = Pr(credito_rural) (predict) = .59165814

Variáveis dy/dx¹ Desvio-padrão z P>|z| [95% C.I.] X

estrato 0.015213 0.00084 18.18 0.000 0.013573 0.016853 6

perene 0.000246 0.00003 8.89 0.000 0.000192 0.000301 3.4858

cultura_te~a -0.000042 0.00001 -3.25 0.001 -6.7E-05 -0.000017 18.6741

pastagem -0.000172 0.00001 -12.46 0.000 -0.0002 -0.000145 24.8029

nivel_inst~o -0.008447 0.00096 -8.77 0.000 -0.01034 -0.006558 1

cooperado 0.10711 0.00268 39.94 0.000 0.101853 0.112366 1

associado 0.112642 0.00276 40.84 0.000 0.107237 0.118048 1

sindicaliz~o 0.072966 0.00264 27.66 0.000 0.067795 0.078137 1

escrituração 0.132833 0.00251 52.93 0.000 0.127914 0.137751 1

renda 0.002776 0.00003 88.01 0.000 0.002714 0.002838 100

at_oficial 0.154679 0.00239 64.68 0.000 0.149992 0.159366 1

Fonte: Microdados do Lupa. Elaboração dos autores. Nota: ¹ dy/dx é para a mudança discreta da variável dummy de 0-1.

A partir desse resultado, foram realizadas estimações retirando-se, uma por vez, as características do produtor. Essas estimações são mostradas na tabela 7. Ao se estimar o modelo com as mesmas características, porém, para o produtor que não é associado (estimação 2), a probabilidade de obter crédito cai para 48%. Quando se estima o modelo para o produtor que não é associado, não é sindicali-zado, nem participa de cooperativa (estimação 3), a probabilidade cai ainda mais: passa para 30%.

Ao se estimar o modelo para o proprietário que também não possui es-crituração contábil, além de não apresentar vínculo com nenhuma instituição (estimação 4), essa probabilidade cai para 20%. E quando o proprietário não apresenta também, além dessas características, o acesso à assistência técnica oficial (estimação 5), a probabilidade de ter acesso ao crédito diminui para 10%.

Page 149: Politica Publica Ppp38

147Uma Análise do Acesso ao Crédito Rural para as Unidades Produtivas Agropecuárias do Estado de São Paulo...

TABELA 7Estimações: probabilidades

  estrato nível-instrução cooperado associado sindicalizadoescrituração

contábilrenda at_oficial

Probabilidade (%)

Estimação 1 6 1 1 1.000 1 1 100 1 59,2

Estimação 2 6 1 1 0.000 1 1 100 1 48

Estimação 3 6 1 0 0.000 0 1 100 1 30

Estimação 4 6 1 0 0.000 0 0 100 1 20

Estimação 5 6 1 0 0.000 0 0 100 0 10,9

Estimação 6 3 1 0 0.000 0 0 100 0 8,8

Fonte: Microdados do Lupa. Elaboração dos autores.

Quando estimamos o modelo para um pequeno proprietário rural (estima-ção 6), que apresenta uma unidade produtiva entre dois e cinco hectares, com apenas o primário completo, e que não é associado, cooperado, sindicalizado, não possui escrituração contábil, não tem assistência técnica oficial e toda a renda familiar provém da atividade agropecuária, a probabilidade de obter crédito rural cai para 8,8%. Esse resultado pode ser visto na tabela 8.

TABELA 8Modelo Probit: efeitos marginais – para a estimação 6

y = Pr(credito_rural) (predict) = .08870796

Variáveis dy/dx¹ Desvio-padrão z P>|z| [95% C.I.] X

estrato 0.0062973 0.00031 20.25 0.000 0.005688 0.006907 3

perene 0.000102 0.00001 8.78 0.000 0.000079 0.000125 3.4858

cultura_te~a -0.0000174 0.00001 -3.28 0.001 -0.000028 -7.00E-06 18.6741

Pastagem -0.000071 0.00001 -12.84 0.000 -0.000082 -0.00006 24.8029

nivel_inst~o -0.0034965 0.0004 -8.68 0.000 -0.004286 -0.002707 1

cooperado 0.0517813 0.00155 33.44 0.000 0.048746 0.054816 0

associado 0.0549013 0.00162 33.91 0.000 0.051728 0.058075 0

sindicaliz~o 0.0335573 0.00136 24.61 0.000 0.030885 0.036229 0

escrituração 0.0667063 0.00158 42.13 0.000 0.063603 0.069809 0

renda 0.0011492 0.00002 52.64 0.000 0.001106 0.001192 100

at_oficial 0.0802566 0.00135 59.39 0.000 0.077608 0.082905 0

Fonte: Microdados do Lupa. Elaboração dos autores.Nota: ¹ dy/dx é para a mudança discreta da variável dummy de 0-1.

Page 150: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012148

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O acesso ao crédito é importante instrumento para possibilitar crescimento para os diferentes setores. No meio rural, o crédito possibilita investimento em insu-mos básicos da atividade, o acúmulo de capital humano e fixo, a incorporação de novas tecnologias, a regularização do seu fluxo de consumo pessoal frente à sazonalidade da produção rural, entre outros aspectos. Porém, este setor apresenta uma série de características que dificultam a concessão de crédito, como alta sazo-nalidade, informações assimétricas, riscos climáticos, entre outros. Com isso, os produtores rurais se deparam com um mercado de crédito racionado.

Para entender o porquê de alguns produtores terem maior possibilidade de obter crédito, foi estimado o modelo probit para produtores agropecuários do estado de São Paulo. Para tanto, foram utilizados microdados do Lupa do estado de São Paulo.

Os resultados mostram que os produtores que são proprietários de unidades produtivas entre 20 e 50 hectares, são associados, cooperados ou sindicalizados, apresentam escrituração contábil, têm acesso à assistência técnica oficial e nível de instrução com até o primário completo apresentam uma probabilidade muito mais elevada de obter crédito do que um produtor que apresenta os valores mé-dios dessas características, 59,2% contra 12,7%, respectivamente.

Ao se repetir a estimação para produtores com esse nível de instrução e tamanho de propriedade, mas para produtores que não são associados, a probabi-lidade de obter crédito se tornou menor. E assim, foram repetidas as estimações para produtores que não eram cooperados ou sindicalizados, que não possuíam escrituração contábil e, finalmente, que não possuíam assistência técnica oficial. Em cada uma das estimações, a probabilidade de obter crédito foi diminuindo, chegando a apenas 10,9%.

Com esses resultados, destaca-se o importante papel exercido por essas ins-tituições. Para o estado de São Paulo, os produtores que fazem parte de alguma cooperativa, associação e sindicato são aqueles que apresentam maior possibilida-de de conseguir crédito rural.

O impacto positivo da existência de escrituração contábil para a obtenção de crédito por parte dos produtores também foi significativo. Este impacto pode ser explicado pelo fato de que a escrituração contábil permite maior transparência da propriedade, diminuindo o problema de assimetria de informações.

Além disso, a estimação realizada para pequenos produtores, com unidades produtivas de dois a cinco hectares, com apenas o primário completo, e que não é associado, cooperado ou sindicalizado, não possui escrituração contábil, não tem assistência técnica oficial e toda a renda familiar provém da atividade

Page 151: Politica Publica Ppp38

149Uma Análise do Acesso ao Crédito Rural para as Unidades Produtivas Agropecuárias do Estado de São Paulo...

agropecuária, mostra que a sua probabilidade de obter crédito é de apenas 8,8%. Esse resultado nos mostra as dificuldades enfrentadas pelo pequeno produtor rural, quando necessita do mercado de crédito.

Vale ressaltar que os resultados obtidos neste trabalho evidenciam a necessi-dade de ampliar a transparência, a disseminação de melhores práticas de gestão e o acesso dos produtores à assistência técnica, para que número maior de unidades produtivas possa obter financiamento.

Os resultados apresentados pelas estimações apontam, inicialmente, para a importância das variáveis analisadas para o aumento da probabilidade de acesso ao crédito rural, por parte dos produtores agropecuários do estado de São Paulo.

O estudo constitui um esforço inicial em mostrar, empiricamente, as di-ficuldades de acesso ao crédito para produtores agropecuários do estado de São Paulo, uma vez que compreender as características que levam esses produtores a terem dificuldades em acessar crédito pode facilitar o desenho de políticas e instrumentos que ampliem o acesso dos demais produtores, colaborando para a geração de renda e redução das desigualdades no meio rural.

REFERÊNCIAS

ABRAMOVAY, R.; VEIGA, J. E. Análise (diagnóstico) da inserção do PRONAF na política agrícola. Projeto de Pesquisa. São Paulo; Brasília, 1996. p. 4. Mimeografado. Convênio Fipe/Ipea 7/97.

______. Novas instituições para o desenvolvimento rural: o caso do PRONAF. Brasília: Ipea, 1998 (Texto para Discussão, n. 641).

ACEVEDO, R.; DELGADO, J. El papel de los bancos de desarrollo agrícola em el acceso al credito rural. In: CONFERENCIA DESARROLLO DE LÃS ECONOMIAS RURALES IN AMERICA LATINA Y EL CARIBE: MANEJO SOSTENIBLE DE LOS RECURSOS NATURALES, ACCESO A TIERRAS Y FINANZAS RURALES, 2002, Fortaleza.

AKERLOF, G. A. The Market for “Lemons”: Quality Uncertainty and the Market Mechanism. The Quarterly Journal of Economics, v. 84, n. 3, p. 488-500, Aug. 1970.

ASSUNÇÃO, J. J.; CHEIN, F. Condições de crédito no Brasil rural. Revista de Economia e Sociologia Rural, Brasília, v. 45, n. 2, 2007.

BANCO CENTRAL DO BRASIL (BCB). Avaliação de 5 anos do projeto Juros Spread Bancário no Brasil. Brasília, dez. 2004.

Page 152: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012150

______. Sistema de informações de crédito do Banco Central (SCR). Brasília, set. 2005. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/?SCR>.

______. Relatório Anual – ano: 2009. Disponível em: <www.bb.com.br>.

______. Indicadores econômicos consolidados. Disponível em: <www.bcb.gov.br>.

BANCO DO BRASIL. Ministério de Integração Regional (MIR). FCO Fun-do Constitucional do Centro Oeste. Disponível em: <www.mir.org.br>. Acesso em: abr. 2009.

BECK, T.; DEMIRGÜÇ-KUNT, A.; MAKSIMOVIC, V. Financial and Legal Constraints to Firm Growth: Does Size Matter? Journal of Finance, forthcoming, 2004.

BITTENCOURT, G.; BIANCHINI, V. A agricultura familiar na região Sul do Brasil — Quilombo (SC): um estudo de caso, 1996. Mimeografado. Con-vênio FAO/Incra.

CAVALCANTI, I. M. Crédito rural e produto agropecuário municipal: uma análise de causalidade. Dissertação (Mestrado em Economia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. 73 p.

COMIN, A.; MÜLLER, G. Crédito, modernização e atraso. Cadernos CEBRAP, São Paulo, CEBRAP, Nova série, n. 6, 1986.

FAVERET FILHO, P. Evolução do crédito rural e tributação sobre alimentos na década de 1990: implicações sobre as cadeias de aves, suínos e leite. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 16, p. 31-56, 2002.

FEIJÓ, R. The impact of a family farming credit programme on the rural economy of Brazil. In: CONGRESSO DE ECONOMIA, 29. Salvador: ANPEC, 11-14 dez. 2001. Anais.

GASQUES, J. G.; SPOLADOR, H. F. S. Taxa de juros e políticas de apoio interno à agricultura. Brasília: Ipea, 2003 (Texto para Discussão, n. 952).

GONÇALVES, J. S. et al. Padrão do financiamento das agro-commodities com base nos novos títulos financeiros. In: CONGRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL SOBER, 43., 2005, Ribeirão Preto. Anais.

GONZALE, B.; COSTA, S. Agricultura brasileira: modernização e desempenho. Teoria e Evidência Econômica, UPF, Passo Fundo, v. 5, n. 10, p. 5-35, 1998.

GRYZAGORIDIS, O. B.; FERREIRA, L. R. Impactos do crédito rural no Bra-sil. In: CONGRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E SOCIOLOGIA RURAL, 46., 2008, Rio Branco, Acre.

Page 153: Politica Publica Ppp38

151Uma Análise do Acesso ao Crédito Rural para as Unidades Produtivas Agropecuárias do Estado de São Paulo...

GUANZIROLI, C. E. PRONAF dez anos depois: resultados e perspectivas para o desenvolvimento rural. Revista de Economia e Sociologia Rural, SciELO Brasil, 2007.

HOMEM DE MELO, F. A abertura comercial e o papel dos aumentos de produtividade na agricultura brasileira. 31 p. Disponível em <http://www.ifb.com.br/documentos/hdemelo.pdf>.

INSTITUTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA (IEA). Informações sobre o Lupa. Disponível em: <http://www.cati.sp.gov.br/projetolupa/sobreolupa.php>.

KHANDKER, S. R.; FARUQEE, R. R. The impact of farm credit in Pakistan. World Bank, 2001 (Working Paper, n. 2653). Agriculture, Land, Commodity, Prices, Markets.

KROTH, D.; DIAS, J.; GIANNINI, F. A importância do crédito rural e da educação na determinação do produto per capita rural: um estudo dinâmico em painéis de dados para os municípios paranaenses. In: CONGRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, 44., 2006, Fortaleza.

KUMAR, A. Acess to Financial Services in Brazil. World Bank, 2005.

LEVINE, R. Financial Development and Economic Growth: Views and Agenda. Journal of Economic Literature, v. XXXV, p. 688-726, 1997.

MATTEI, L. Impactos do PRONAF: análise de indicadores. Brasília: MDA/NEAD, 2005 (Série Estudos, n. 11).

MIRANDA, E. F. Agricultura: 1994/2002 – crescimento e modernização. In: Panorama macroeconômico brasileiro. Brasília: Secretaria de Política Econômica/Ministério da Fazenda, 13 ago. 2002. 8 p.

NAVES, C. F. B. A sustentabilidade financeira das cooperativas de crédito rural: um estudo de caso no estado de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Economia Aplicada) – Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2007. 145 f.

PEREIRA, S. E.; FIGUEIREDO, A. S.; LOUREIRO, P. R. A. Avaliação do impacto da utilização de crédito, da educação e da escolha do canal de comer-cialização na horticultura: caso do núcleo rural do Distrito Federal. Revista de Economia e Sociologia Rural, SciELO Brasil, 2006.

PEROBELLI, F. F. C.; FAMÁ, R. Determinantes da estrutura de capital: aplicação a empresas de capital aberto brasileiras. Revista de Administração da USP, São Paulo, v. 37, n. 3, p. 33-46, jul./set. 2002.

PINHEIRO, A. Judiciário, reforma e economia: a visão dos magistrados. Rio de Janeiro: Ipea, 2003 (Texto para Discussão, n. 966).

Page 154: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012152

PROGRAMA NACIONAL DE FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR (PRONAF). Relatório Institucional do PRONAF. Brasília: SAF/MDA, 2002. Disponível em: <www.mda/saf.org>.

REZENDE, G. C.; GOLDIN, I. A agricultura brasileira na década de 80: crescimento numa economia em crise. Rio de Janeiro: Ipea, 1993. 119 p.

SACCO DOS ANJOS, F. et al. Agricultura familiar e políticas públicas: o im-pacto do PRONAF no Rio Grande do Sul. In: CONGRESSO DA SOBER, 17., jul. 2004, Cuiabá/MT.

SCHIFFER, M.; WEDER B. Firm Size and the Business Environment: Worldwide Survey Results. Washington, DC: International Finance Corporation, Aug. 2001 (Discussion Paper, n. 43).

SOUZA, J. V. P. Novas estratégias de financiamento do agronegócio: uma análise sobre a viabilidade de emissão do CDCA pelas cooperativas. Dissertação (Mestrado em Economia Aplicada) – Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2007. 167 f.

SPOLADOR, H. F. S. Reflexões sobre a experiência brasileira de financia-mento agrícola. Dissertação (Mestrado em Economia Aplicada) – Universidade de São Paulo, Piracicaba, dez. 2001. 93 p.

STIGLITZ, J.; WEISS, A. Credit Rationing in Markests with Imperfect Information. American Economic Review, v. 71, n. 3, p. 333-421, 1981.

TAVARES, M. C. Ciclo e crise: o movimento recente da industrialização. Rio de Janeiro: UFRJ, 1978.

WOOLDRIDGE, J. M. Introdução à econometria: uma abordagem moderna. Tradução de Rogério Cézar de Souza e José Antônio Ferreira. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2006.

YARON, J.; BENJAMIN, M.; PIPREK, G. Rural Finance: issues, design and best practice. Washington: World Bank, 1997.

Originais submetidos em março de 2011. Última versão recebida em outubro 2011. Aprovado em outubro de 2011.

Page 155: Politica Publica Ppp38

IMPACTOS DA PRODUÇÃO E DO ABATE E PROCESSAMENTO DE FRANGOS DE CORTE NA ECONOMIA PARANAENSEElvanio Costa de Souza*

Marília Fernandes Maciel Gomes**

Viviani Silva Lírio***

Ricardo Kureski****

Marielce de Cássia Ribeiro Tosta*****

Este trabalho objetivou, por meio da análise de insumo-produto, avaliar o poder de encadeamento e os efeitos multiplicadores dos setores paranaenses, evidenciando-se os setores frango (produção de frangos de corte) e abate de frangos (abate e processamento de frangos de corte). Os índices puros de ligações mostram que estes são setores-chave no Paraná como ofertante e demandante. Eles não figuram entre os setores que possuem os maiores multiplicadores de emprego no estado e apenas o primeiro está entre aqueles com os maiores multiplicadores de renda. Por outro lado, apresentam os multiplicadores de produção mais relevantes.

Palavras-chave: Frango de Corte; Insumo-Produto; Impactos Econômicos; Paraná.

IMPACTS OF THE BROILER PRODUCTION AND SLAUGHTER ON THE PARANÁ STATE ECONOMY

This study aimed to measure the linkage and multiplier effects of Paraná State sectors, focusing the broiler production and slaughter sectors, by using the input-output analysis. The pure linkage indices showed that these two are key sectors in Paraná State, the broiler production as supplier, and the broiler slaughter as demander. They are not among the sectors that generate the greatest employment multipliers in the State. In terms of the income multiplier, only the broiler production is among the main sectors. On the other hand, they generate the greatest output multipliers.

Key-words: Broiler; Input-Output; Economic Impacts; Paraná.

IMPACTOS DE LA PRODUCCIÓN Y DEL SACRIFICIO DE POLLOS DE ENGORDE EN LA ECONOMÍA DEL ESTADO DE PARANÁ

Este estudio tuvo como objetivo evaluar los efectos de encadenamiento y los efectos multiplicadores de los sectores productivos del Estado de Paraná. Se analiza principalmente la producción y el sacrificio de pollos de engorde. Se utiliza el análisis de insumo-producto. Los índices de eslabonamientos puros muestran que la producción de pollos de engorde es un sector clave como ofertante de productos intermedios y el sacrificio de pollos de engorde es un sector clave como demandante

* Professor do Departamento de Economia (DEE) da Universidade Federal de Viçosa (UFV). E-mail: [email protected]** Professora do Departamento de Economia Rural (DER) da UFV. E-mail: [email protected]*** Professora do DER/UFV. E-mail: [email protected]**** Pesquisador do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes). E-mail: [email protected]

Page 156: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012154

de insumos intermedios. Estos dos sectores no se encuentran entre los de mayor multiplicador de empleo en el Estado. La producción de pollos de engorde es uno de los sectores con mayores multiplicadores de ingreso. Los dos sectores tienen los mayores multiplicadores de producción.

Palabras-clave: Pollos de Engorde; Insumo-Producto; Impactos Económicos; Paraná.

IMPACTS DE LA PRODUCTION ET DE L’ABATTAGE DE POULETS DE CHAIR SUR L’ÉCONOMIE DE L’ÉTAT DU PARANÁ

Cette étude visait à évaluer les effets de liaison et les effets multiplicateurs des secteurs économiques de l’État du Paraná. Nous analysons principalement la production et l’abattage de poulets de chair. Nous utilisons l’analyse entrées-sorties. Les pure indices de liaison montrent que la production de poulets de chair est un secteur clé en tant que vendeur et l’abattage de poulets de chair est un secteur clé en tant qu’acheteur. Ils ne sont pas parmi les secteurs les plus multiplicateurs d’emplois dans l’État. La production de poulets de chair est parmi les secteurs les plus multiplicateurs de revenu. Les deux secteurs sont les plus multiplicateurs de production.

Mots-clés: Poulet de Chair; Entrées-Sorties; Impacts Economiques; Paraná.

1 INTRODUÇÃO

O baixo custo de produção e a qualidade do produto têm contribuído para que o Brasil se coloque entre os maiores produtores e exportadores de carne frango na atua-lidade. Em 2007, o país foi o terceiro maior produtor, com 9,7 milhões de toneladas (15,9% da produção mundial), e o maior exportador, com 3,2 milhões de toneladas, o que representou 45,5% das exportações mundiais do produto (ABEF, 2008).

No contexto brasileiro, a região Sul foi responsável por 60,9% do total de frangos de corte abatidos em 2007, com destaque para o estado do Paraná, maior produtor nacional, que respondeu por 25,2% (IBGE, 2008c). Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) (BRA-SIL, 2008) o Paraná foi, em 2007, o segundo maior exportador de carne de frango entre os estados brasileiros, com 26,7% do total exportado pelo Brasil, posicionando-se atrás apenas de Santa Catarina, que participou com 28,1%.

A avicultura é uma atividade de grande relevância no estado do Paraná. Ela deteve, em 2006, o segundo maior valor bruto da produção (VBP) entre os produtos da agropecuária estadual (R$ 3,8 bilhões), estando à sua frente apenas a soja, com R$ 3,9 bilhões (ANDRETTA, 2008). A produção de frangos represen-tou 73,9% da produção avícola nesse mesmo ano.1

A atividade avícola apresenta-se como a de maior VBP agropecuária em 72 dos 399 municípios paranaenses. Segundo o Sindicato e Associação dos Abate-douros e Produtores Avícolas do Paraná (Sindiavipar) (2008), o frango de corte é

1. Os 26,1% restantes dizem respeito à produção de pintainhos, perus, galinhas, aves exóticas e codornas.

Page 157: Politica Publica Ppp38

155Impactos da Produção e do Abate e Processamento de Frangos de Corte na Economia Paranaense

responsável pela geração de 50 mil postos de trabalho na criação dos animais e de outros 500 mil no setor industrial – abate e processamento – e de serviços – trans-porte de insumos, pintainhos, frangos e produtos finais –, constituindo-se, além de uma importante atividade econômica, em uma atividade de grande relevância social. No estado, existem 7.482 produtores integrados de frango e 455 de peru.

Indubitavelmente, as atividades de produção e de abate e processamento de frangos de corte são de grande expressividade na economia paranaense. Entretan-to, indicadores sobre seus efeitos de encadeamento e multiplicadores ainda não são encontrados na literatura nacional. Assim, alguns questionamentos são feitos acerca destes setores: são eles setores-chave no Paraná? Seus efeitos multiplicado-res de produção, renda e emprego são relevantes?

Com base na teoria econômica, sabe-se que as atividades são ligadas umas às outras, de forma que o aumento da produção em dado setor eleva a produção em outros, que mantêm relações com ele, seja vendendo-lhe insumos, seja utilizan-do seus produtos como insumo. Da mesma forma, aqueles que estão ligados ao primeiro também se relacionam com outros, de modo que o impulso inicial gera impactos sobre diversos setores econômicos – efeitos multiplicadores.

O setor de produção de frangos de corte demanda ração, equipamentos, cama de aviário, energia elétrica, serviços de manutenção das instalações, serviços de se-guro, serviços de transporte, produtos veterinários e assistência técnica, bem como oferta o produto frango, a matéria-prima principal da indústria de abate e proces-samento de frangos de corte. O setor de abate de frangos, por sua vez, demanda frangos, embalagens, equipamentos, serviços de transporte, energia elétrica, água e serviços de seguro, e oferta carne de frango e produtos processados aos mercados atacadistas, varejistas de autosserviço (supermercados) e mercado externo.

Das demandas geradas por esses dois setores na economia paranaense, duas merecem destaque: a de serviços de transporte e a de grãos para a fabricação de ração. São feitas, no estado, cerca de 100 mil viagens por mês envolvendo o trans-porte de pintos, ração, aves vivas, aves abatidas, produtos processados, outros insumos e viagens de assistência técnica aos integrados (SINDIAVIPAR, 2008). Com respeito à produção de grãos no estado, a avicultura demanda o equivalente a 590,4 mil hectares de milho e 200 mil hectares de soja para a produção de ração.

Desse modo, choques ocorridos nesses setores – variações no consumo interno ou externo de carne de frango, novas políticas públicas, elevação/di-minuição dos investimentos, entre outros – devem provocar efeitos multiplica-dores importantes sobre a economia na qual estão inseridos. Assim, o objetivo deste trabalho é avaliar os impactos econômicos gerados pelos setores de pro-dução e de abate e processamento de frangos de corte na economia paranaense. Especificamente, pretende-se verificar se eles são setores-chave no estado – se

Page 158: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012156

possuem efeitos de encadeamento relevantes sobre outros setores – e se apresen-tam importantes multiplicadores de produção, renda e emprego. Para cumprir estes objetivos, utilizar-se-á a análise de insumo-produto.

O modelo de insumo-produto tem sido utilizado com frequência em aná-lises intersetoriais, com vista a verificar a importância de setores específicos, bem como identificar aqueles que são chave para o desenvolvimento de determina-das economias. Entre os estudos que fizeram uso da análise de insumo-produto, citam-se os de Guilhoto et al. (1994) e Casimiro Filho (2002), que analisaram a economia nacional; e os de Silva (2004) e Tosta et al. (2005), que procederam a análises em nível regional. Para o estado do Paraná, em específico, verificaram-se na literatura, entre outros, os trabalhos de Martins et al. (2003), Sesso Filho et al. (2004) e Rodrigues et al. (2006).

Apesar de importantes trabalhos sobre a economia paranaense terem sido feitos nos últimos anos utilizando a análise de insumo-produto, na literatura con-sultada não foi encontrado nenhum que avaliasse os efeitos de encadeamento e multiplicadores dos setores de produção e de abate e processamento de frangos de corte. Rodrigues et al. (2006), por exemplo, analisaram a evolução da estrutura produtiva dos setores alimentares no sistema inter-regional, Paraná-restante do Brasil, entre 1980, 1990 e 2000. Nesse estudo, entretanto, não havia uma desa-gregação setorial suficiente que permitisse considerações a respeito dos setores de produção e de abate e processamento de frangos de corte. No presente trabalho, este tipo de análise será possível, pois esses dois setores serão incluídos na matriz de insumo-produto estadual por meio da desagregação dos setores pecuária e pesca e alimentos e bebidas, respectivamente.

Dessa forma, este estudo amplia o conhecimento acerca desses importantes setores na economia estadual, suprindo a carência existente na literatura científi-ca. Ademais, tais conhecimentos são imperativos para a tomada de decisão, quan-do se busca, principalmente, o desenvolvimento de regiões em que se estabelecem tais atividades, ou que são propícias a desenvolvê-las, sinalizando se elas emanam estímulos adicionais sobre outros setores.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

O Tableau Économique, do francês François Quesnay, publicado em 1758, é con-siderado a ideia inicial do modelo de insumo-produto (LANGONI, 1986). O pioneiro da formulação matemática direcionada ao sistema econômico, entretan-to, foi Leon Walras, um século após o trabalho de Quesnay. Walras se interessava pela determinação simultânea de todos os preços na economia, ou seja, compre-ender o equilíbrio geral de mercado. Para tal, fazia uso de um sistema de equações simultâneas (RODRIGUES et al., 2006).

Page 159: Politica Publica Ppp38

157Impactos da Produção e do Abate e Processamento de Frangos de Corte na Economia Paranaense

O ponto mais alto do trabalho iniciado por Quesnay foi alcançado quando Wassily Leontief, em 1936, apresentou uma teoria geral da produção, baseada na interdependência econômica (MIERNYK, 1974). Esse trabalho possibilitou a modelagem aplicada do modelo de insumo-produto.

Esse instrumento de análise passou por um período de estagnação após a publicação de Leontief, dadas a complexidade e a sofisticação matemática neces-sárias (MILLER, 1998). A primeira aplicação do modelo de insumo-produto foi feita para a economia norte-americana, em 1941, pelo próprio Leontief e, a partir daí, passou a ser utilizado como instrumento de análise de fatores estruturais e de planejamento econômico (MIERNYK, 1974).

O quadro 1 apresenta uma matriz de insumo-produto simplificada, com-posta por dois setores econômicos. As linhas da matriz representam a distribuição da produção dos setores e, as colunas, os insumos absorvidos por eles.

QUADRO 1Matriz de insumo-produto do tipo Leontief para dois setores

Setores

Compras (j)

Valor bruto da produção

Demanda intermediária Demanda final

Setor 1 Setor 2 C I G E

Vendas(i)

Setor 1 Z11 Z12 C1 I1 G1 E1 X1

Setor 2 Z21 Z22 C2 I2 G2 E2 X2

Importações M1 M2 MC MI MG ME

Tributos indiretos líquidos T1 T2 TC TI TG TE

Valor adicionado VA1 VA2

Valor bruto da produção X1 X2

Fonte: Miller e Blair (1985).

Nessa matriz, Xi é a produção total do setor i, Zij é a produção do setor i utilizada como insumo intermediário pelo setor j, Ci é a produção do setor i consumida pelas famílias, Ii é a produção do setor i destinada ao investimento, Gi é a produção do setor i consumida pelo governo, Ei é a produção do setor i destinada à exportação, Xj é o custo de produção total do setor j, Mj são as im-portações feitas pelo setor j, MC são as importações feitas para o consumo das famílias, MI são as importações destinadas ao investimento, MG são as importa-ções destinadas ao governo, ME são as importações destinadas às exportações – as quais passam por alguma transformação antes de serem reexportadas –, Tj é o total dos impostos indiretos líquidos recolhidos pelo setor j e VAj é o valor adicionado do setor j.

Page 160: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012158

Conforme se observa na matriz, o VBP dos setores pode ser obtido por duas óticas: pelo vetor linha e vetor coluna. Pelo vetor linha, o VBP do setor i é dado pela soma das vendas para si mesmo com as vendas para outros setores e para os componentes da demanda final. Ou seja,

Xi = Zi1 + Zi2 + ... + Zij + Ci + Ii + Gi + Ei (1)

Considerando-se Yi = Ci + Ii + Gi + Ei, a expressão (1) pode ser reescrita como

(2)

em que Yi é a demanda final total do setor i.

Pelo vetor coluna, o VBP do setor j é igual à soma das compras de insumos do próprio setor, de outros setores e importados, com os pagamentos de tributos e o valor adicionado –salários, lucros etc.:

Xj = Z1j + Z2j + ...+ Zij + Mj + Tj + VAj (3)

(4)

Como esse é um sistema de equilíbrio geral, a soma dos elementos nas colu-nas é igual à soma dos elementos nas linhas, isto é:

Xi = Xj (5)

Considerando-se a ótica do vetor linha, os fluxos de produtos dos setores, em uma economia com n setores, podem ser descritos como:

(6)

Sabendo-se qual é o valor gasto pelo setor j com a compra de insumos pro-duzidos por cada setor da economia (Zij) para realizar sua produção (Xj), podem--se obter seus coeficientes técnicos diretos de produção (aij). Estes indicam quan-to o setor j gasta com insumos adquiridos do setor i para produzir uma unidade monetária de produto. Então, aij é definido como:

(7)

Page 161: Politica Publica Ppp38

159Impactos da Produção e do Abate e Processamento de Frangos de Corte na Economia Paranaense

Rearranjando-se a expressão (7), Zij pode ser expresso como:

Zij = aij Xj (8)

Substituindo-se a expressão (8) em (6), encontra-se um sistema de equações lineares simultâneas em que os coeficientes técnicos diretos de produção são os parâmetros:

(9)

O sistema de equações (9) pode ser escrito em notação matricial, como segue:

X = AX + Y 10)

em que A é a matriz dos coeficientes técnicos diretos de produção, de ordem n x n, X é o vetor do VBP, de ordem n x 1, e Y é o vetor da demanda final, também de ordem n x 1.

A expressão (10) pode ser rearranjada, tal que:

X – AX = Y (11)

(I – A)X = Y (12)

X = (I –A) –1 Y (13)

em que I é a matriz identidade, de dimensão n x n.

Na expressão (13), (I –A) –1é a matriz inversa de Leontief (matriz B), tam-bém conhecida como matriz de coeficientes técnicos diretos e indiretos de produ-ção. Ela capta os efeitos diretos e indiretos de modificações exógenas na demanda final sobre os n setores. Cada elemento bij da matriz B representa os requisitos diretos e indiretos da produção do setor i necessários para produzir uma unidade adicional no setor j.

No modelo tratado até este ponto, o consumo das famílias, os gastos do governo, os investimentos e as exportações são considerados elementos exóge-nos. Quando o consumo das famílias é tratado como exógeno, diz-se que o mo-delo é aberto em relação às famílias. Entretanto, é também comum endogenei-zar-se o consumo das famílias, ou seja, trazer o setor famílias da demanda final para dentro da matriz de consumos intersetoriais (matriz Z). Nesse caso, tem-se um modelo fechado em relação às famílias, e são criadas uma nova linha e uma nova coluna (n + 1) na matriz Z. A nova coluna é a transferência do consumo

Page 162: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012160

das famílias e a nova linha é a transferência da renda das famílias – remuneração mais rendimento de autônomos.

Assim, o conjunto de equações (6) passará a ser representado como

(15)

tal que Yi* é a demanda final do setor i sem o consumo das famílias.

Os coeficientes técnicos diretos de produção do setor n + 1, o setor famílias, são obtidos como segue:

ou, (16)

Substituindo-se (16) no conjunto de equações (15), tem-se:

(17)

Esse conjunto de equações pode ser representado, de forma genérica, pelo seguinte conjunto de matrizes:

, e

em que A é a matriz dos coeficientes técnicos diretos de produção com o setor família endogeneizado, de ordem (n + 1) x (n + 1); HC é o vetor coluna dos coe-ficientes de consumo das famílias; HR é o vetor linha dos coeficientes de insumos das famílias; h é a interação do setor família com ele mesmo, geralmente igual a zero; X é o vetor do VBP, de ordem (n + 1) x 1; e Y é o vetor de demanda final sem o consumo das famílias.

Page 163: Politica Publica Ppp38

161Impactos da Produção e do Abate e Processamento de Frangos de Corte na Economia Paranaense

Assim, após a endogeneização do consumo das famílias, o modelo de Leontief passa a ser escrito como:

X = (I – A ) –1 Y (18)

3 METODOLOGIA

3.1 Construção da matriz de insumo-produto paranaense

Além das matrizes de insumo-produto nacionais, frequentemente utilizam-se as matrizes regionais para verificar as relações setoriais e seus impactos na economia. Os modelos regionais possibilitam quantificar os efeitos de variações na demanda final dos setores de determinada região sobre variáveis econômicas, tais como pro-dução, renda e emprego. Além disso, as matrizes regionais têm permitido analisar as diferenças entre estruturas de produção regional; avaliar efeitos de políticas de redistribuição geográfica de atividades econômicas e de programas de investimen-to públicos; e elaborar planos de desenvolvimento regional (SILVEIRA, 2000).

Para a construção da matriz de insumo-produto paranaense de 2005, uti-lizou-se o método do quociente locacional simples. Esse método permite obter os coeficientes técnicos de produção estaduais por meio da regionalização dos coefi-cientes nacionais. Ele foi utilizado, entre outros, por Kureski e Caballero Nuñes (2005), quando da construção da matriz de insumo-produto do Paraná para 2000. Outra opção seria a construção de uma matriz de insumo-produto a partir de dados primários, mas esta envolveria elevados custos, dado que seria necessária uma extensa coleta de informações junto a todos os setores produtivos no estado. Escolheu-se 2005 porque esse é o ano da última matriz de insumo-produto cons-truída pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o Brasil.

O quociente locacional simples é uma medida da especialização regional baseada na comparação da importância relativa de uma atividade em uma região com sua importância relativa no país. O quociente locacional simples da ativida-de i (QLi) pode ser assim obtido:

(19)

em que XEi é o valor da produção do setor i no estado, XE é o valor total da pro-dução no estado, XPi é o valor da produção do setor i no país e XP é o valor total da produção no país.

De acordo com Rodrigues et al. (2006), o quociente locacional simples pode ser entendido como medida da capacidade do setor i em atender à demanda de outros setores da região e à demanda final. Assim, QLi maior que um indica que

Page 164: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012162

o setor i é mais concentrado no estado do que em nível nacional e, portanto, sua produção deve ser suficiente para atender às demandas locais. Por outro lado, QLi menor que um aponta que o setor i é menos concentrado no estado do que em nível nacional e, neste caso, é provável que a parcela da demanda local pelos produtos do setor i seja suprida por importações de outras regiões do país.

Assim, para a regionalização dos coeficientes técnicos diretos de produção, utiliza-se o seguinte procedimento:

em que aijPR é o coeficiente técnico paranaense e aij

BR é o coeficiente técnico bra-sileiro.

A matriz de coeficientes técnicos nacional (ABR) foi obtida a partir das ma-trizes de produção e de consumo intermediário da matriz de insumo-produto brasileira, conforme os procedimentos descritos em Miller e Blair (1985):

ABR = D Bn (20)

em que é a matriz de participação setorial na produção dos produ-tos nacionais (Market Share), é a matriz dos coeficientes técnicos dos insumos nacionais, V é a transposta da matriz de produção, a qual mostra quais são os bens produzidos por cada setor econômico; U é a matriz de consumo intermediário, que fornece a quantidade de insumos que cada setor utiliza para sua produção; Q é o vetor do valor da produção total, por produto; e X é o vetor do valor da produção total, por setor.

Obtida a matriz de coeficientes técnicos nacional (ABR ), aplicou-se os proce-dimentos de regionalização mencionados anteriormente para a obtenção da ma-triz de coeficientes técnicos do Paraná (APR ). A partir desta, calculou-se a matriz inversa de Leontief paranaense (BPR ), a qual é utilizada para calcular os índices de ligações e os multiplicadores:

BPR = (I – APR)–1 (21)

A matriz APR também possibilita calcular a matriz de consumo intermediá-rio, setor por setor, do Paraná (matriz ZPR ):

(22)

em que é o vetor do valor da produção dos setores paranaenses diagonalizado.

Page 165: Politica Publica Ppp38

163Impactos da Produção e do Abate e Processamento de Frangos de Corte na Economia Paranaense

O valor da demanda final do setor i paranaense (YiPR) pode ser obtido por

diferença:

(23)

em que é o valor da produção do setor i e é o valor da venda do setor i para o setor j.

3.1.1 Dados utilizados na construção da matriz de insumo-produto paranaense

Para o cálculo dos quocientes locacionais, são necessárias informações sobre o valor da produção de cada setor ao nível nacional e estadual. O valor da produ-ção dos setores nacionais foi obtido na tabela 1 (recursos de bens e serviços) da matriz de insumo-produto brasileira elaborada pelo IBGE (2008b). O valor da produção dos setores estaduais está disponível nas tabelas das Contas Regionais do Brasil, também de autoria do IBGE (2008a). Nestas últimas, o valor da produ-ção do setor indústria de transformação encontra-se agregado. Para obter o valor da produção das diversas atividades que compõe a indústria de transformação, utilizaram-se informações da Pesquisa Industrial (IBGE, 2005b).

Com isso, obteve-se o valor da produção para 55 setores nacionais e 49 esta-duais. Para que as informações nacionais e estaduais fossem compatíveis, portan-to, fez-se necessário agrupar alguns setores nacionais. Para os novos setores cria-dos, produção e abate e processamento de frangos de corte – de agora em diante denominados como frango e abate de frangos –, os valores da produção, nacionais e estaduais, foram obtidos na tabela recursos de bens e serviços (IBGE, 2008b), em Andretta (2007) e na Pesquisa Industrial (IBGE, 2005b). Após agregações e desagregações, passou-se a contar com o valor da produção para 51 setores tanto ao nível nacional quanto estadual. O quadro 2 mostras as agregações e desagrega-ções setoriais efetuadas.

QUADRO 2Agregações e desagregações de setoriais

Setores originais Setores agregados e desagregados

Petróleo e gás natural

Extrativa mineralMinério de ferro

Outros da indústria extrativa

ComércioComércio, manutenção e reparação

Serviços de manutenção e reparação

(Continua)

Page 166: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012164

Setores originais Setores agregados e desagregados

Educação mercantilSaúde e educação mercantis

Saúde mercantil

Educação pública

Administração, saúde e educação públicasSaúde pública

Administração pública e seguridade social

Pecuária e pescaFrango

Outros da pecuária e pesca

Alimentos e bebidasAbate de frangos

Outros alimentos e bebidas

Fonte: Setores da matriz de insumo-produto brasileira (IBGE, 2008b).Elaboração dos autores.

Para obter a matriz dos coeficientes técnicos da economia brasileira (matriz ABR ), são necessárias as seguintes informações: matriz de produção e de consumo intermediário, valor da produção total por produto e da produção total por setor. Estes dados são encontrados na tabela 1 (recursos de bens e serviços) e 3 (oferta e demanda a preço básico) da matriz de insumo-produto brasileira (IBGE, 2008b).

Antes de gerar a matriz ABR, criou-se uma coluna para o setor frango e uma para o setor abate de frangos nas matrizes de produção e de consumo intermediá-rio. Estas duas novas colunas são desagregações dos setores pecuária e pesca e ali-mentos e bebidas – conforme mostra o quadro 2 –, efetuadas com base em infor-mações da Pesquisa Industrial (IBGE, 2005b), da planilha de custos de produção de frangos de corte (EMBRAPA, 2008) e das próprias matrizes de produção e de consumo intermediário dos setores nacionais. Além disso, também realizaram--se nas matrizes de produção e de consumo intermediário as agregações setoriais constantes no quadro 2. Assim, estas duas matrizes passaram a ter 51 setores.

3.2 Índices puros de ligações intersetoriais

Os índices de ligações intersetoriais possibilitam identificar os setores que pos-suem os mais importantes efeitos de encadeamento na economia. Desse modo, será possível verificar se a produção e o abate e o processamento de frangos de corte são setores-chave no estado do Paraná.

Os índices puros de ligações (abordagem GHS), desenvolvidos por Guilho-to, Sonis e Hewings (1996), permitem isolar o setor j do restante da economia, de maneira a determinar o efeito das ligações totais deste. Os índices puros indicam a diferença entre a produção total na economia e a produção nesta se o setor j não comprasse insumos de outros setores nem vendesse sua produção para eles.

(Continuação)

Page 167: Politica Publica Ppp38

165Impactos da Produção e do Abate e Processamento de Frangos de Corte na Economia Paranaense

A matriz de coeficientes técnicos diretos de produção (A) pode ser assim decomposta:

(24)

em que Ajj e Arr são matrizes quadradas de coeficientes técnicos diretos de pro-dução do setor j e do resto da economia, respectivamente; Ajr e Arj representam matrizes retangulares dos insumos diretos adquiridos pelo setor j do resto da eco-nomia e pelo resto da economia do setor j; Aj refere-se ao setor j isolado do resto da economia; e Ar representa o restante da economia.

Partindo-se da expressão (24), a matriz inversa de Leontief pode ser repre-sentada por:

(25)

em que , , e

Levando-se em consideração as informações contidas na expressão (25) e a formulação , apresentada na expressão (13), é possível derivar um conjunto de índices de ligações que possibilitam ordenar os setores em termos de importância de valor.

Substituindo-se a expressão (25) na expressão (13), obtém-se:

(26)

Multiplicando-se os dois últimos termos da expressão (26), encontra-se:

(27)

em que é o índice puro de ligações para trás (pure backward linkage –

PBL); e é o índice puro de ligações para frente (pure forward linkage – PFL).

Os índices puros de ligações para trás representam o impacto puro do valor da produção total do setor j sobre a economia, não considerando a demanda de

Page 168: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012166

insumos que ele gera internamente, nem as demandas da economia como um todo para ele e vice-versa. Os índices puros de ligações para frente, por outro lado, indicam o impacto puro sobre o setor j provocado pela produção no resto da economia. Os índices puros de ligações têm a vantagem de levar em consideração os diferentes níveis de produção dos setores, o que não ocorre com os índices de ligações de Rasmussen-Hirschman.

O índice puro total de ligações (pure total linkage – PTL) é dado por:

PTL = PBL + PFL (28)

Os índices puros de ligações geralmente são apresentados na forma norma-lizada para facilitar a comparação com outros índices de ligações. A normalização consiste em dividir o índice puro de ligações de cada setor pelo índice puro de ligações médio da economia. Assim, o índice puro de ligações para trás normali-zado é definido como:

(29)

Por sua vez, o índice puro de ligações para frente normalizado é dado por:

(30)

Por fim, o índice puro total normalizado é expresso por:

(31)

Setores que apresentam índices de ligações maiores que um são considera-dos setores-chave, pois seus impactos sobre a economia são maiores que a média. Segundo Hirschman (1958), o estado deve primar por estimular os setores-chave, maximizando os benefícios gerados pelos programas de desenvolvimento, dado que os recursos disponíveis para tais programas são, em geral, escassos.

Page 169: Politica Publica Ppp38

167Impactos da Produção e do Abate e Processamento de Frangos de Corte na Economia Paranaense

3.3 Multiplicadores

Os cálculos dos multiplicadores possibilitarão avaliar como o produto, a renda e o emprego paranaenses reagem quando os setores frango e abate de frangos aumentam sua produção.

Os impactos de uma variação na demanda final de um setor sobre o produ-to, a renda e o emprego da economia podem ser diretos, indiretos e induzidos. Os impactos diretos são aqueles gerados diretamente pelo setor que teve sua demanda aumentada, os indiretos são os causados pelos setores que fornecem insumos a ele e os induzidos (ou efeito-renda) referem-se àqueles provocados por setores que atendem às demandas das famílias que trabalham nos setores que geraram impactos diretos e indiretos (MILLER; BLAIR, 1985).

Os impactos diretos e indiretos podem ser medidos por meio dos elementos da matriz inversa de Leontief de um modelo aberto em relação às famílias – com o consumo das famílias considerado exógeno. Esses são conhecidos como multi-plicadores simples ou multiplicadores do tipo I.

Para mensurar os impactos diretos, indiretos e induzidos (impactos totais), deve-se utilizar a matriz inversa de Leontief de um modelo fechado em relação às famílias – endogeneizando-se o consumo das famílias. Nesse caso, têm-se os multiplicadores totais ou multiplicadores do tipo II.

3.3.1 Multiplicadores de produção

O multiplicador de produção representa a produção adicional gerada em toda a economia em resposta a uma alteração de uma unidade monetária na demanda final do setor j.

O multiplicador de produção simples, ou do tipo I, do setor j ( ) pode ser assim obtido:

(32)

em que representa os elementos da matriz inversa de Leontief no modelo aberto em relação às famílias.

O multiplicador de produção total, ou do tipo II, do setor j ( ) pode ser expresso por:

(33)

Page 170: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012168

em que representa os elementos da matriz inversa de Leontief no modelo fechado em relação às famílias.

3.3.2 Multiplicadores de renda

O multiplicador de renda possibilita quantificar a renda gerada em toda a econo-mia para cada unidade monetária de renda gerada no setor j, quando este eleva sua produção para atender ao aumento na demanda final.

O multiplicador de renda do tipo I do setor j ( ) é expresso por:

(34)

em que é um elemento da linha correspondente ao coeficiente de renda das famílias, ou seja, a razão entre a renda recebida pelas famílias do setor j e o seu valor da produção.

O multiplicador de renda do tipo II do setor j ( ) é obtido por:

(35)

Os coeficientes de renda e de consumo das famílias paranaenses foram esti-mados a partir do valor adicionado dos setores estaduais, divulgado pelas Contas Regionais do Brasil, e dos coeficientes das famílias brasileiras, obtidos na matriz de insumo-produto nacional.

3.3.3 Multiplicadores de emprego

O multiplicador de emprego do setor j representa os novos postos de trabalho gerados em todos os setores da economia para cada posto de trabalho gerado no setor j, quando este aumenta sua produção para atender a uma elevação em sua demanda final.

O multiplicador de emprego do tipo I do setor j ( ) é dado por:

(36)

Page 171: Politica Publica Ppp38

169Impactos da Produção e do Abate e Processamento de Frangos de Corte na Economia Paranaense

em que é o coeficiente de emprego do setor j, isto é, o número de empregos gerados para cada unidade produzida.

Por sua vez, o multiplicador de emprego do tipo II do setor j ( ) é assim obtido:

(37)

Os dados de emprego por setor de atividade no Paraná foram obtidos na Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD) (IBGE, 2005c), sen-do complementados por informações da Pesquisa Industrial (IBGE, 2005b), da Pesquisa Anual de Serviços (IBGE, 2005a) e da Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego (Rais/MTE) (BRASIL, 2005).

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 Índices puros de ligações intersetoriais

Para verificar se a produção e o abate e o processamento de frangos de corte são setores-chave no estado do Paraná, calcularam-se os índices puros de ligações intersetoriais. Estes índices são úteis para identificar os setores com maior poder de encadeamento na economia. A tabela 1 apresenta os índices puros de ligações normalizados para trás, para frente e total referentes aos setores econômicos pa-ranaenses em 2005. Os setores aparecem classificados quanto à ordem de impor-tância, em termos dos valores dos índices.

Dezessete setores podem ser considerados chave como demandantes na economia paranaense. Entre estes, os cinco que apresentam os maiores índices puros de ligações para trás normalizados, em ordem de importância, são: outros alimentos e bebidas (6), automóveis, camionetas e utilitários (35), administração, saúde e educação públicas (51), abate de frangos (5) e comércio, manutenção e reparação (42).

Esses setores possuem importantes demandas de matéria-prima na economia local, principalmente os setores outros alimentos e bebidas (6) e abate de frangos (5), cujos insumos advêm, principalmente, da agropecuária estadual. Os setores comércio, manutenção e reparação (42) e administração, saúde e educação públi-cas (51) apresentaram os maiores valores da produção em 2005. A relevância do primeiro, no estado, se deve, em grande medida, à comercialização da produção agropecuária.

Page 172: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012170

O setor abate de frangos (5) se mostra importante demandante na economia paranaense, aparecendo na quarta posição entre os setores de maior índice puro de ligações para trás. Suas demandas são quase inteiramente locais, principalmen-te no tange ao insumo principal, o frango de corte. Isso ocorre porque os aviários devem estar, em média, a um raio de 40 a 50 km de distância do abatedouro, em razão de aspectos logísticos (custos de transporte) e da perda de peso e da quali-dade da carne em face ao estresse a que o frango é acometido ao ser transportado por grandes distâncias (IPARDES, 2002).

O setor frango (2), em contrapartida, não apresentou índice maior que a unidade e, portanto, não é um setor-chave como demandante, aparecendo apenas na 35a colocação entre os setores de maior índice puro para trás.

Com respeito aos maiores índices de ligações para frente normalizados, 15 setores podem ser classificados como chave. Os cinco setores que apresentam os maiores índices para frente são: i) comércio, manutenção e reparação (42); ii) transporte, armazenagem e correio (43); iii) agricultura, silvicultura e exploração florestal (1); iv) refino de petróleo e coque (14); e v) eletricidade e gás, água, es-goto e limpeza urbana (40).

O setor frango (2) apresenta índice puro de ligações para frente maior que a unidade (1,67), o que é natural, visto que sua produção é o insumo principal do se-tor abate de frangos (5). Portanto, ele é um setor-chave no Paraná, como ofertante. O setor abate de frangos (5), por sua vez, não é um setor-chave em termos de liga-ções para frente (índice igual a 0,04), o que também já era esperado, dado que sua produção não é, de forma significativa, utilizada como insumo por outros setores.

Caso se considerem como setores-chave apenas aqueles que apresentam ín-dice puro de ligações totais normalizado maior que um, 19 dos 51 setores parana-enses classificam-se como chave em 2005. Destes, os cinco principais, em ordem decrescente, são: i) outros alimentos e bebidas (6); ii) comércio, manutenção e reparação (42); iii) agricultura, silvicultura e exploração florestal (1); iv) transpor-te, armazenagem e correio (43); e v) automóveis, camionetas e utilitários (35).

O setor abate de frangos (5) ocupa a nona posição entre os setores com maiores impactos totais. Ele também pode ser considerado um setor-chave, pois apresenta índice total maior que a unidade (1,79). O setor frango (2), por esse cri-tério, não deve ser considerado um setor-chave, pois apresenta índice igual a 0,92.

De acordo com Rodrigues et al. (2006), as indústrias alimentares encon-travam-se entre os setores que apresentavam os maiores índices puros de ligações para trás em 2000, com destaque para os setores fabricação de óleos vegetais e abate de animais – primeiro e segundo colocados, respectivamente. Os resultados encontrados por esses autores indicam que o setor abate de animais saiu da 11a colocação em 1980 para ocupar o segundo lugar em 2000.

Page 173: Politica Publica Ppp38

171Impactos da Produção e do Abate e Processamento de Frangos de Corte na Economia Paranaense

TABELA 1 Índices puros de ligações normalizados para trás, para frente e total – Paraná, 2005

Setores Trás Ordem Frente Ordem Total Ordem

1 Agricultura, silvicultura e exploração florestal 2,50 6 3,71 3 3,10 3

2 Frango 0,17 35 1,67 13 0,92 21

3 Outros da pecuária e pesca 0,47 25 1,61 14 1,04 18

4 Extrativa mineral 0,00 48 0,50 26 0,25 37

5 Abate de frangos 3,54 4 0,04 45 1,79 9

6 Outros alimentos e bebidas 7,18 1 2,45 9 4,82 1

7 Produtos do fumo 0,36 27 0,00 51 0,18 40

8 Têxteis 0,21 31 0,56 23 0,39 31

9 Artigos do vestuário e acessórios 0,60 21 0,10 38 0,35 33

10 Artefatos de couro e calçados 0,28 29 0,01 49 0,14 42

11 Produtos de madeira, exclusive móveis 1,34 14 0,52 24 0,93 20

12 Celulose e produtos de papel 1,51 12 0,82 16 1,17 16

13 Jornais, revistas e discos 0,22 30 0,44 27 0,33 35

14 Refino de petróleo e coque 1,27 16 3,44 4 2,36 6

15 Álcool 0,03 45 0,25 30 0,14 43

16 Produtos químicos 0,55 23 2,14 10 1,34 13

17 Fabricação de resina e elastômeros 0,09 39 0,21 31 0,15 41

18 Produtos farmacêuticos 0,07 41 0,07 42 0,07 48

19 Defensivos agrícolas -0,08 50 0,68 19 0,30 36

20 Perfumaria, higiene e limpeza 0,19 32 0,07 43 0,13 44

21 Tintas, vernizes, esmaltes e lacas 0,01 47 0,20 33 0,10 45

22 Produtos e preparados químicos diversos 0,04 44 0,17 36 0,10 46

23 Artigos de borracha e plástico -0,06 49 1,69 12 0,82 24

24 Cimento 0,16 36 0,21 32 0,18 39

25 Outros produtos de minerais não metálicos 0,14 37 0,66 20 0,40 30

26 Fabricação de aço e derivados 0,08 40 0,36 29 0,22 38

27 Metalurgia de metais não ferrosos 0,05 43 0,08 40 0,07 50

28 Produtos de metal – exclusive máquinas e equipamentos 0,19 33 1,19 15 0,69 27

29Máquinas e equipamentos – inclusive manutenção e reparos

1,18 17 0,66 21 0,92 22

30 Eletrodomésticos 0,65 19 0,03 46 0,34 34

31 Máquinas para escritório e equipamentos de informática 0,19 34 0,01 48 0,10 47

32 Máquinas, aparelhos e materiais elétricos 0,11 38 0,73 17 0,42 29

33 Material eletrônico e equipamentos de comunicações 0,64 20 0,08 41 0,36 32

34Aparelhos/instrumentos médico-hospitalares, medida e óptico

0,06 42 0,09 39 0,07 49

35 Automóveis, camionetas e utilitários 5,72 2 0,03 47 2,87 5

(Continua)

Page 174: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012172

Setores Trás Ordem Frente Ordem Total Ordem

36 Caminhões e ônibus 1,38 13 0,04 44 0,71 26

37 Peças e acessórios para veículos automotores -0,17 51 2,81 6 1,32 14

38 Outros equipamentos de transporte 0,01 46 0,00 50 0,01 51

39 Móveis e produtos das indústrias diversas 1,27 15 0,19 35 0,73 25

40 Eletricidade e gás, água, esgoto e limpeza urbana 0,48 24 3,29 5 1,89 8

41 Construção 2,48 7 0,64 22 1,56 11

42 Comércio, manutenção e reparação 2,65 5 5,24 1 3,94 2

43 Transporte, armazenagem e correio 2,12 8 3,99 2 3,05 4

44 Serviços de informação 0,56 22 2,00 11 1,28 15

45 Intermediação financeira e seguros 0,84 18 2,70 7 1,77 10

46 Serviços imobiliários e aluguel 0,34 28 0,71 18 0,52 28

47 Serviços de alojamento e alimentação 1,78 9 0,37 28 1,08 17

48 Serviços prestados às empresas 0,37 26 2,67 8 1,52 12

49 Saúde e educação mercantis 1,60 10 0,13 37 0,87 23

50 Outros serviços 1,53 11 0,50 25 1,01 19

51 Administração, saúde e educação públicas 4,13 3 0,20 34 2,16 7

Fonte: Resultados da pesquisa.

Segundo os referidos autores, as indústrias alimentares, em geral, melhoraram de posição nas últimas décadas, graças à reestruturação e modernização pela qual passaram. Os investimentos em novos processos, produtos e tecnologias em 1990 permitiram que setores modernos como os de abate de animais e fabricação de óleos vegetais apresentassem os maiores índices puros de ligações para trás em 2000.

Quanto aos setores com os maiores índices puros de ligações para frente, em 2000, Rodrigues et al. (2006) encontraram os seguintes resultados: agrope-cuária, química, comércio, transporte e serviços industriais de utilidade pública. Destaca-se, nesse sentido, a ligeira perda de ímpeto da agropecuária, quando se comparam 2000 e 2005. De acordo com as informações das Contas Regionais do Brasil, a agropecuária perdeu participação no valor total produzido pelo Paraná entre 2000 e 2005 (10,5%, em 2000, e 8,5%, em 2005). Isso se deve, em grande medida, à estiagem que castigou a agricultura paranaense em algumas das últimas safras, como a de 2005/2006.

4.2 Efeitos multiplicadores na economia paranaense

Os cálculos dos multiplicadores permitem analisar se os setores frango e abate de frangos geram importantes impactos sobre a produção, a renda e o emprego no Paraná quando aumentam sua produção.

(Continuação)

Page 175: Politica Publica Ppp38

173Impactos da Produção e do Abate e Processamento de Frangos de Corte na Economia Paranaense

4.2.1 Multiplicadores de produção

Os multiplicadores de produção do tipo I e tipo II referentes aos setores econô-micos paranaenses em 2005 são apresentados na tabela 2. Os multiplicadores de produção do tipo I indicam qual será a produção adicional gerada em toda a economia, direta e indiretamente –pois o consumo das famílias é considerado exógeno –, em resposta à alteração de uma unidade monetária na demanda final do setor j.

Os cinco maiores multiplicadores de produção do tipo I são dos seguintes setores: i) abate de frangos (5); ii) frango (2); iii) outros alimentos e bebidas (6); iv) produtos do fumo (7); e v) fabricação de resina e elastômeros (17). Os dois primeiros setores, como observado, são os maiores impactadores sobre a produ-ção paranaense. O primeiro apresenta multiplicador de produção do tipo I igual a 2,72 e o segundo, 2,33. Isso significa que, caso ocorra aumento da demanda final desses setores em uma unidade monetária, a produção da economia como um todo aumentará em 2,72 e 2,33 unidades monetárias, respectivamente.

Os multiplicadores de produção do tipo II, por sua vez, indicam qual será a produção adicional gerada em toda a economia, direta, indiretamente e por força do efeito induzido, em resposta à alteração de uma unidade monetária na deman-da final do setor j. Os cinco setores que apresentam os maiores multiplicadores de produção do tipo II são: i) abate de frangos (5); ii) frango (2); iii) produtos do fumo (7); iv) outros alimentos e bebidas (6); e v) serviços de alojamento e alimentação (47).

O setor abate de frangos (5) apresenta multiplicador de produção do tipo II igual a 4,24, indicando que o aumento de uma unidade monetária em sua demanda final gera aumento de 4,24 unidades monetárias na produção da econo-mia como um todo. Ele possui o maior multiplicador de produção do tipo II na economia paranaense. O setor frango (2) apresentou multiplicador de produção do tipo II igual a 3,93, demonstrando que a produção total paranaense aumenta-rá em 3,93 unidades monetárias cada vez que a demanda final do setor aumentar em uma unidade monetária.

Cumpre ressaltar que os setores que apresentaram os maiores multiplicado-res de produção são aqueles cujas demandas de insumos incidem, em sua maior parcela, na economia local. Como a maior parte de seus fornecedores são locais, ao aumentarem sua produção para atender ao aumento da demanda final, há me-nor “vazamento” de impactos em direção a outros estados ou países.

Segundo o trabalho de Sesso Filho et al. (2004), em 2000, o setor abate de animais possuía o maior multiplicador de produção no Paraná, seguido pelas demais indústrias alimentares. Em contrapartida, ele apresentou um dos menores

Page 176: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012174

efeitos de transbordamento do Paraná para o restante do Brasil. Isso indica que os efeitos multiplicadores de produção do setor abate de animais se concentram mais no estado, quando comparado com outros setores. As demais indústrias alimenta-res igualmente apresentaram os menores efeitos de transbordamento.

TABELA 2 Multiplicadores do tipo I e II de produção, renda e emprego – Paraná, 2005

SetoresMultiplicadores de produção Multiplicadores de renda Multiplicadores de emprego

Tipo I Ordem Tipo II Ordem Tipo I Ordem Tipo II Ordem Tipo I Ordem Tipo II Ordem

1Agricultura, silvicultura, exploração florestal

1,61 29 2,92 13 1,31 46 2,15 46 1,18 48 1,71 48

2 Frango 2,33 2 3,93 2 1,79 27 2,87 34 2,68 17 4,78 23

3 Outros da pecuária e pesca 1,64 27 2,82 18 1,42 40 2,26 45 1,26 45 1,69 49

4 Extrativa mineral 1,58 32 2,43 41 2,49 11 4,89 11 3,07 14 7,38 16

5 Abate de frangos 2,72 1 4,24 1 5,35 3 8,84 3 5,02 9 9,10 11

6 Outros alimentos e bebidas 2,26 3 3,40 4 4,41 4 7,43 5 4,97 10 7,68 13

7 Produtos do fumo 2,18 4 3,78 3 2,43 12 4,16 14 19,75 2 38,32 2

8 Têxteis 1,69 22 2,71 23 1,91 21 3,33 25 2,13 26 3,95 27

9Artigos do vestuário e acessórios

1,68 25 3,10 7 1,40 41 2,28 43 1,26 44 1,88 47

10 Artefatos de couro e calçados 1,84 13 2,90 14 1,82 24 3,01 29 1,82 30 3,02 33

11Produtos de madeira – exclu-sive móveis

1,95 7 3,03 8 2,37 14 4,07 16 2,30 22 3,75 29

12 Celulose e produtos de papel 1,94 8 2,97 10 2,42 13 4,26 13 3,72 13 7,62 14

13 Jornais, revistas e discos 1,60 31 2,64 30 1,65 34 2,91 33 1,56 34 2,93 35

14 Refino de petróleo e coque 1,42 45 1,72 51 3,18 6 6,21 7 31,20 1 78,72 1

15 Álcool 1,84 12 2,75 21 5,37 2 9,56 2 2,09 27 2,88 36

16 Produtos químicos 1,76 17 2,42 42 2,90 9 5,26 9 6,03 6 14,53 8

17Fabricação de resina e elastômeros

2,05 5 2,83 16 3,44 5 6,45 6 5,62 7 14,17 9

18 Produtos farmacêuticos 1,51 38 2,22 48 2,15 18 3,86 18 1,54 35 2,47 41

19 Defensivos agrícolas 1,90 11 2,84 15 2,31 15 4,11 15 6,22 5 14,72 7

20 Perfumaria, higiene e limpeza 1,83 15 2,62 31 3,11 7 5,55 08 2,34 20 3,92 28

21Tintas, vernizes, esmaltes e lacas

1,72 19 2,45 40 2,21 16 3,86 17 2,38 19 4,63 24

22Produtos e preparados quími-cos diversos

1,72 20 2,65 28 1,77 29 3,07 28 2,34 21 5,26 19

23 Artigos de borracha e plástico 1,69 24 2,58 33 1,68 33 2,91 32 1,66 33 3,21 32

24 Cimento 1,81 16 3,17 6 1,86 23 3,60 22 5,05 8 16,07 6

25Outros produtos de minerais não metálicos

1,73 18 2,75 22 1,79 26 3,13 26 1,46 39 2,48 40

26 Fabricação de aço e derivados 1,53 36 2,18 49 2,55 10 4,87 12 2,13 25 4,46 25

(Continua)

Page 177: Politica Publica Ppp38

175Impactos da Produção e do Abate e Processamento de Frangos de Corte na Economia Paranaense

SetoresMultiplicadores de produção Multiplicadores de renda Multiplicadores de emprego

Tipo I Ordem Tipo II Ordem Tipo I Ordem Tipo II Ordem Tipo I Ordem Tipo II Ordem

27Metalurgia de metais não ferrosos

1,58 33 2,40 43 1,91 22 3,62 21 1,88 29 4,23 26

28Produtos de metal, exclusive máquinas e equipamentos

1,45 42 2,29 46 1,51 37 2,70 37 1,38 41 2,50 39

29Máquinas e equipamentos, inclusive manutenção e reparos

1,57 34 2,47 39 1,58 35 2,68 38 1,74 31 3,54 30

30 Eletrodomésticos 1,71 21 2,54 35 2,06 19 3,54 23 2,85 16 6,20 18

31Máquinas para escritório e equipamentos de informática

1,52 37 2,26 47 2,05 20 3,45 24 3,04 15 6,55 17

32Máquinas, aparelhos e mate-riais elétricos

1,61 30 2,50 38 1,71 31 3,01 30 2,21 24 5,13 20

33Material eletrônico e equipa-mentos de comunicações

1,69 23 2,67 27 1,77 28 2,95 31 3,77 11 9,40 10

34Aparelhos/instrumentos médico-hospitalares, medida e óptico

1,37 47 2,36 45 1,39 42 2,53 39 1,49 38 3,41 31

35Automóveis, camionetas e utilitários

2,00 6 2,82 17 3,00 8 4,91 10 11,83 3 24,64 3

36 Caminhões e ônibus 1,90 10 2,54 34 5,82 1 9,91 1 8,57 4 16,64 5

37Peças e acessórios para veículos automotores

1,83 14 2,70 25 2,19 17 3,73 20 2,43 18 4,79 22

38Outros equipamentos de transporte

1,42 44 2,38 44 1,36 44 2,27 44 1,13 50 1,52 50

39Móveis e produtos das indús-trias diversas

1,67 26 2,60 32 1,80 25 3,13 27 1,72 32 3,01 34

40Eletricidade e gás, água, esgoto e limpeza urbana

1,54 35 2,64 29 1,74 30 3,80 19 3,73 12 17,84 4

41 Construção 1,48 39 2,68 26 1,37 43 2,39 42 1,26 43 2,03 45

42Comércio, manutenção e reparação

1,32 50 2,79 20 1,17 50 1,99 49 1,14 49 1,92 46

43Transporte, armazenagem e correio

1,62 28 2,80 19 1,42 39 2,44 41 1,46 40 2,81 37

44 Serviços de informação 1,46 41 2,51 37 1,56 36 2,85 36 2,02 28 5,13 21

45Intermediação financeira e seguros

1,34 49 2,51 36 1,36 45 2,51 40 2,30 23 8,47 12

46 Serviços imobiliários e aluguel 1,06 51 1,94 50 1,47 38 7,50 4 1,49 37 7,57 15

47Serviços de alojamento e alimentação

1,94 9 3,29 5 1,71 32 2,86 35 1,53 36 2,28 43

48Serviços prestados às empresas

1,37 46 2,71 24 1,23 48 2,08 47 1,19 47 2,08 44

49 Saúde e educação mercantis 1,47 40 2,93 12 1,25 47 2,02 48 1,35 42 2,54 38

50 Outros serviços 1,44 43 3,01 9 1,20 49 1,95 50 1,10 51 1,51 51

51Administração, saúde e educação públicas

1,36 48 2,95 11 1,16 51 1,89 51 1,22 46 2,44 42

Fonte: Resultados da pesquisa.

(Continuação)

Page 178: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012176

4.2.2 Multiplicadores de renda

Como já exposto, o multiplicador de renda possibilita quantificar a renda gerada em toda a economia para cada unidade monetária de renda gerada no setor j, quando este eleva sua produção para atender ao aumento na demanda final. Os setores que apresentam os maiores multiplicadores de renda do tipo I – quan-do o setor famílias é considerado exógeno – no Paraná, em 2005, são: i) cami-nhões e ônibus (36); ii) álcool (15); iii) abate de frangos (5); iv) outros alimentos e bebidas (6); e v) fabricação de resina e elastômeros (17). Os multiplicadores de renda são apresentados na tabela 2.

O setor abate de frangos (5) é o que gera o terceiro maior multiplicador de renda do tipo I no Paraná (5,35). Isso implica que, para aumento de uma unidade monetária na renda gerada por esse setor, a renda distribuída por todos os setores do estado, na forma de remunerações e rendimentos de autônomos, elevar-se-á em 5,35 unidades monetárias. O setor frango (2) não se encontra entre os setores que geram os maiores multiplicadores de renda do tipo I. Mesmo assim, não se pode desprezar sua importância, pois, para cada aumento de uma unidade monetária em sua renda, a renda total da economia paranaense eleva-se em 1,79 unidade monetária.

Quando o consumo das famílias é endogeneizado (multiplicadores do tipo II), os setores que apresentam os maiores multiplicadores de renda são pratica-mente os mesmos: i) caminhões e ônibus (36); ii) álcool (15); iii) abate de frangos (5); iv) serviços imobiliários e aluguel (46); e v) outros alimentos e bebidas (6). Este último setor, que aparecia em quarto lugar pelos multiplicadores do tipo I, agora figura como o quinto colocado.

O setor serviços imobiliários e aluguel (46) passou da 38a para a quarta colocação ao se considerar, além dos efeitos diretos e indiretos, o efeito induzido. O valor da produção desse setor engloba o aluguel pago, o valor adicionado das empresas que fazem locação e o aluguel imputado (o maior componente). Este úl-timo diz respeito à renda gerada pelo fator de produção terra. Considera-se que o imóvel residencial gera renda para seu proprietário, mesmo não alugado. Assim, o valor do consumo das famílias desse setor torna-se elevado, refletindo-se em gran-de multiplicador de renda do tipo II, pois este também capta o efeito induzido.

O setor abate de frangos (5) continua apresentando o terceiro maior mul-tiplicador de renda entre os setores paranaenses (8,84). Esse resultado indica que, se a renda desse setor se elevar em uma unidade monetária, a renda total distribuída na economia – dada pela soma da renda gerada por ele (efeito di-reto) com a gerada nos setores que suprem suas demandas (efeitos indiretos) e nos que atendem às demandas das famílias (efeito induzido) – aumentará em 8,84 unidades monetárias. O setor frango (2) não figura entre os que geram

Page 179: Politica Publica Ppp38

177Impactos da Produção e do Abate e Processamento de Frangos de Corte na Economia Paranaense

os maiores multiplicadores de renda do tipo II; porém, vale salientar que se sua renda aumentar em uma unidade monetária, a renda total distribuída na economia elevar-se-á em 2,87 unidades monetárias.

4.2.3 Multiplicadores de emprego

O multiplicador de emprego do setor j representa os novos postos de trabalho gerados em todos os setores da economia para cada posto de trabalho gerado neste setor, quando este aumenta sua produção para atender a uma elevação em sua demanda final.

Os setores paranaenses que apresentam os maiores multiplicadores de em-prego do tipo I, em 2005, conforme pode ser observado na tabela 2, são: i) refino de petróleo e coque (14); ii) produtos do fumo (7); iii) automóveis, camionetas e utilitários (35); iv) caminhões e ônibus (36); e v) defensivos agrícolas (19). Esses setores estão localizados na Região Metropolitana de Curitiba.

Apesar de os setores frango (2) e abate de frangos (5) se posicionarem entre os mais importantes em termos de multiplicadores de produção, e este último en-tre aqueles com os maiores multiplicadores de renda, eles não estão entre os cinco setores com os mais significativos multiplicadores de emprego do tipo I no Para-ná. O setor abate de frangos (5) encontra-se na nona posição, com multiplicador igual a 5,02, significando que, para cada emprego que ele gera, criam-se, apro-ximadamente, cinco novos empregos na economia. O setor frango (2) apresenta menor multiplicador de emprego que o setor abate de frangos. Para cada emprego gerado nesse setor, são criados 2,68 novos empregos na economia paranaense.

Os setores que apresentam os maiores multiplicadores de emprego do tipo II são: i) refino de petróleo e coque (14); ii) produtos do fumo (7); iii) automóveis, camionetas e utilitários (35); iv) eletricidade e gás, água, esgoto e limpeza urbana (40); e v) caminhões e ônibus (36).

Em se tratando de multiplicador de emprego do tipo II, o setor abate de frangos (5) cai para o 11o lugar. Para cada novo emprego criado nesse setor, são gerados 9,10 novos empregos na economia paranaense, por meio dos efeitos diretos, indiretos e induzidos. No caso do setor frango (2), geram-se 4,78 novos empregos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve por objetivo avaliar o poder de encadeamento e os efeitos mul-tiplicadores dos setores econômicos paranaenses, evidenciando-se os setores fran-go e abate de frangos. Para cumprir os objetivos propostos, utilizou-se a análise de insumo-produto.

Page 180: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012178

Inicialmente, construiu-se uma matriz de insumo-produto para o estado do Paraná, referente a 2005. Utilizaram-se os índices puros de ligações para verificar o poder de encadeamento dos setores e, para mensurar os impactos de aumento em sua demanda final sobre toda a economia, calcularam-se os multiplicadores de produto, renda e emprego.

A partir dos resultados encontrados, algumas características da economia para-naense podem ser destacadas. Observa-se que o comércio, os transportes, a agricultu-ra, o refino de petróleo e os serviços industriais de utilidade pública são as atividades que geram maiores impactos para frente no processo produtivo. Em termos de im-pactos para trás, o destaque fica por conta das indústrias processadoras de produtos agropecuários (abate de frangos e outros alimentos e bebidas), do setor automobi-lístico, da administração pública e do comércio. Em termos de multiplicadores de emprego e renda, o setor refino de petróleo, as indústrias processadoras de produtos agropecuários e a indústria automobilística apresentam maior relevância.

De acordo com os índices puros de ligações, o setor abate de frangos apa-rece entre os cinco com maior poder de encadeamento para trás. O setor frango apresentou índice puro de ligações para frente normalizado maior que a unidade, caracterizando-se como setor-chave, ainda que não esteja entre os dez mais im-portantes em termos desse índice. Pelo índice puro total normalizado, apenas o setor abate de frangos deve ser considerado chave.

Por intermédio dos multiplicadores de produção, verificou-se que os setores abate de frangos e frango são os que geram os maiores impactos sobre a produção total da economia quando sua demanda final aumenta. Em termos de efeitos mul-tiplicadores de renda, apenas o primeiro está entre os principais setores do estado.

O setor abate de frangos se coloca entre os 15 que geram os maiores impac-tos sobre o emprego ao aumentar sua produção para atender a uma elevação na demanda final. O setor frango, por sua vez, não apresenta efeitos multiplicadores de emprego muito significativos.

Visto que os recursos disponíveis para programas de desenvolvimento são, em geral, escassos, o estado deve primar por estimular as atividades que possuem os mais importantes efeitos de encadeamento na economia, maximizando os benefí-cios gerados. Desse modo, se houver uma política de desenvolvimento para regiões deprimidas no Paraná, os setores de produção e de abate e processamento de frango de corte podem ser possíveis candidatos a receber incentivos públicos, dado que o primeiro é um setor-chave como ofertante e, o segundo, como demandante.

Obviamente, como observado, eles não se sobressaem em todos os indica-dores calculados, visto que o setor frango possui fraco poder de dispersão para trás e, o setor abate de frangos, para frente. Nesse aspecto, se o poder público pre-

Page 181: Politica Publica Ppp38

179Impactos da Produção e do Abate e Processamento de Frangos de Corte na Economia Paranaense

tendesse incentivar apenas as atividades que geram importantes impactos tanto para frente quanto para trás no processo produtivo, provavelmente eles ficariam de fora. Porém, se o objetivo fosse estimular os setores que possuem importantes efeitos multiplicadores de produção, ambos mereceriam atenção. Já, se a intenção fosse aumentar o nível de renda e emprego, apenas o setor abate de frangos deve-ria receber estímulos. Isso, é claro, beneficiaria indiretamente o setor frango, pois é fornecedor de matéria-prima para o setor abate de frangos.

Cumpre destacar, também, a importância do setor outros alimentos e be-bidas – que inclui outras indústrias de abate, de café, de laticínios, de açúcar, a fabricação de óleos vegetais e outros produtos alimentares. Ele é o setor mais im-portante no estado em termos de impactos para trás, tal que seu crescimento gera significativos estímulos para a agropecuária estadual, sua principal fornecedora de matérias-primas. Além disso, ele também gera importantes impactos para frente, estimulando setores como o de transporte e o de comércio. Ainda, está entre os setores que possuem os maiores multiplicadores de produção, renda e emprego. Assim, boa estratégia de desenvolvimento para a economia estadual como um todo, ou para alguma região menos desenvolvida, seria incentivar as atividades que transformam e agregam valor aos produtos da agropecuária.

Por fim, pode-se apresentar como sugestão para futuros trabalhos a cons-trução de uma matriz inter-regional para o Paraná e a quantificação dos efeitos de transbordamento. O efeito de transbordamento mostra como o aumento da produção setorial em uma região impacta a produção em outra, dado que os se-tores econômicos não restringem suas relações de compra e venda à região onde estão localizados. Nesse sentido, a construção de uma matriz inter-regional para o Paraná permitirá mensurar os efeitos de transbordamento desse estado para o restante do Brasil e vice-versa.

REFERÊNCIAS

ANDRETTA, G. M. A. C. Valor bruto da produção agropecuária paranaense de 2005. Curitiba: SEAB/Deral/DEB, 2007. Disponível em: <http://www.pr.gov.br/ seab/valor_bruto2006.pdf>. Acesso em: 12 maio 2007.

______. Valor bruto da produção agropecuária paranaense em 2006. Curiti-ba: SEAB/Deral/DEB, 2008. Disponível em: <http://www.seab.pr.gov.br/arqui-vos/ File/PDF/VBP_2006.pdf>. Acesso em: 5 mar. 2008.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PRODUTORES E EXPORTADORES DE FRANGO (ABEF). Estatísticas: mercado mundial. Disponível em: <http://www.abef.com.br/ Estatisticas/MercadoMundial/MercadoMundial.php>. Acesso em: 31 mar. 2008.

Page 182: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012180

BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Relação Anual de Infor-mações Sociais (Rais), 2005.

______. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Alice web. Disponível em: <http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br/>. Acesso em: 3 mar. 2008.

CASIMIRO FILHO, F. Contribuições do turismo à economia brasileira, 2002. 220 f. Tese (Doutorado em Economia Aplicada) – Escola Superior de Agri-cultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2002.

EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA (EMBRAPA). Custos de produção de frango de corte: 2005 e 2006. Concórdia, 2008. Dis-ponível em: <http://www.cnpsa.embrapa.br/?ids=Pt1m35l7s>. Acesso em: 10 maio 2008.

GUILHOTO, J. J. M.; SONIS, M.; HEWINGS, G. J. D. Linkages and multipliers in a multiregional framework: integration of alternative approaches. Urbana: University of Illinois/Regional Economics Applications Laboratory, 1996 (Discussion Paper, n. 96-T-8).

GUILHOTO, J. J. M. et al. Índices de ligações e setores-chave na economia brasileira: 1959-1980. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 24, n. 2, p. 287-314, ago. 1994.

HIRSCHMAN, A. O. The strategy of economic development. New Haven: Yale University Press, 1958.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pes-quisa Anual de Serviços 2005. Rio de Janeiro, 2005a. v. 7.

______. Pesquisa industrial 2005. Rio de Janeiro, 2005b. v. 24.

______. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2005. Rio de Janeiro, 2005c.

______. Contas regionais do Brasil: 2004-2008, 2008a. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/contasregionais/2008/default.shtm>. Acesso em: 14 jul. 2008.

______. Matriz de insumo-produto: Brasil 2000/2005, 2008b. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/matrizinsumo_produto/default.shtm>. Acesso em: 6 set. 2008.

______. Pesquisa Trimestral de Abate de Animais. 2008c. Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em: 14 jul. 2008.

Page 183: Politica Publica Ppp38

181Impactos da Produção e do Abate e Processamento de Frangos de Corte na Economia Paranaense

INSTITUTO PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL (IPARDES). Análise da competitividade da cadeia agroindustrial de carne de frango no estado do Paraná. Curitiba, 2002. 230 p.

KURESKI, R.; CABALLERO NUÑEZ, B. E. Método de obtenção da matriz de insumo-produto do Paraná para o ano de 2000. Revista de Economia Aplicada, São Paulo, v. 9, p. 121-137, 2005.

LANGONI, C. G. Apresentação. In: LEONTIEF, W. A economia do insumo--produto. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1986. p. 7-17.

MARTINS, G. et al. Inserção do setor florestal na estrutura econômica do Para-ná: análise insumo-produto. Revista Paranaense de Desenvolvimento, Curiti-ba, n. 104, p. 5-21, jan./jun. 2003.

MIERNYK, W. H. Elementos de análise de insumo-produto. São Paulo: Atlas, 1974. 158 p.

MILLER, R. E. Regional and interregional input-output analysis. In: ISARD, W. et al. Methods of interregional and regional analysis. Brookfield, Vt: Ashgate Publishing Company USA, 1998. p. 41-70.

MILLER, R. E.; BLAIR, P. D. Input-output analysis: foundations and extensions. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1985.

RODRIGUES, R. L. et al. Setores alimentares e relações produtivas no sistema inter-regional Paraná-restante do Brasil. Revista Paranaense de Desenvolvi-mento, Curitiba, n. 110, p. 9-32, jan./jun. 2006.

SESSO FILHO, U. A. et al. Indústria automobilística no Paraná: impactos na produção local e no restante do Brasil. Revista Paranaense de Desenvolvi-mento, Curitiba, n. 106, p. 89-112, jan./jun. 2004.

SILVA, L. M. S. Relações intersetoriais da economia acreana e sua inserção na economia brasileira: uma análise insumo-produto. 2004. 165 f. Disserta-ção (Mestrado em Economia Aplicada) – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2004.

SILVEIRA, S. F. R. Inter-relações econômicas dos estados na bacia do rio São Francisco: uma análise de insumo-produto. 2000. 245 f. Tese (Doutorado em Economia Aplicada) – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universi-dade de São Paulo, Piracicaba, 2000.

SINDICATO E ASSOCIAÇÃO DOS ABATEDOUROS E PRODUTORES AVÍCOLAS DO PARANÁ (SINDIAVIPAR). Fator social. Disponível em: <http://www.sindiavipar.com.br/ 2index.html>. Acesso em: 20 fev. 2008.

Page 184: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012182

TOSTA, M. C. R. et al. Importância e encadeamento dos setores de produção e abate e processamento da cadeia suinícola em Minas Gerais. Revista de Econo-mia e Sociologia Rural, Brasília, v. 43, n. 2, p. 9-29, 2005.

UNITED STATES DEPARTMENT OF AGRICULTURE (USDA). Production, supply and distribution online. Disponível em: <http://www.fas.usda.gov/psdonline/psdHome.aspx>. Acesso em: 30 nov. 2008.

Originais submetidos em novembro de 2010. Última versão recebida em julho de 2011. Aprovado em agosto de 2011.

Page 185: Politica Publica Ppp38

REDEFININDO PAPÉIS NO PROCESSO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: A ATUAÇÃO JURÍDICA NA VALORIZAÇÃO DO DIÁLOGO DEMOCRÁTICO E DA CIDADANIA PARTICIPATIVA DO ENGENHO VELHO – ITABORAÍ/RJ A PARTIR DO ESTÍMULO AO CONHECIMENTO E À COMUNICAÇÃOFábio Roberto de Oliveira Santos*

Fernanda de Matos Sepúlveda**

Lucas Baptista Portes***

Regina Bienenstein****

O artigo aborda a participação dos profissionais do Direito no processo de regularização fundiária em comunidade de baixa renda. Parte-se da experiência empírica de uma ação de extensão do NEPHU/UFF – na comunidade do Engenho Velho, Itaboraí/RJ – para a formulação de mecanismos jurídicos que proporcionem o equilíbrio entre os interesses individuais dos moradores e o interesse coletivo. Pinça-se o quadro de crise de efetividade do direito fundamental à moradia digna no Brasil para, posteriormente, estabelecer correlação com as dificuldades enfrentadas no projeto desenvolvido pelo NEPHU/UFF na comunidade supracitada. Nesse contexto, a equipe jurídica, em uma abordagem sistêmica e interdisciplinar do tema, desenvolveu com os demais profissionais do núcleo da UFF instrumentos garantidores de uma regularização fundiária democrática, considerando a indissociabilidade entre os aspectos políticos (cidadania participativa), jurídicos (legalização da posse), sociopsíquicos (conhecimento) e urbanísticos (redesenhos dos lotes e intervenções físicas).

Palavras-chave: Regularização Fundiária; Cidade Formal; Direito à Moradia; Democracia; Cidadania Participativa.

REDEFINING ROLES IN THE PROCESS OF LAND REGULARIZATION: THE JURIDICAL ACTION FOR IMPROVING THE DEMOCRATIC DIALOGUE AND THE PARTICIPATORY CITIZENSHIP IN ENGELHO VELHO – ITABORAÍ/RJ BY STIMULATING KNOWLEDGE AND COMMUNICATION

The article explores the participation of Law practitioners in the process of elaborating a Land Regularization in poor areas. The starting point for the article is the experience of the NEPHU/UFF –– in the neighborhood of Engenho Velho, located in Itaboraí, in the state of Rio de Janeiro.

* Advogado, professor de Direito, especialista em Processo Civil pela Universidade Federal Fluminense (UFF), assessor jurídico da Procuradoria-Geral de Quissamã do Rio de Janeiro (RJ) e pesquisador do Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos (NEPHU)/UFF no projeto A Observação Internacional dos Impactos do COMPERJ sobre os Objetivos de Desenvolvimentos do Milênio nos Municípios do Conleste. E-mail: [email protected]** Advogada, especialista em Processo Civil pela UFF, bolsista do NEPHU/UFF no projeto A Observação Internacional dos Impactos do COMPERJ sobre os Objetivos de Desenvolvimentos nos Municípios do Conleste e graduada e licencia-da em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: [email protected]*** Colaborador e graduando do 3o período da Faculdade de Direito da UFF. E-mail: [email protected]**** Colaboradora e doutora em Arquitetura e Urbanismo pela UFF, professora titular do curso de Arquitetura e Urba-nismo do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) da UFF e coordenadora do NEPHU/UFF. E-mail: [email protected]

Page 186: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012184

The NEPHU made use of experiments to elaborate legal mechanisms that may be efficient in balancing individual rights and collective interests. Firstly, the article examines the government’s ineffectiveness in ensuring the right to housing, which is considered to be a fundamental right by the Constitution of Brazil. Subsequently, it establishes an association between this ineffectiveness and the difficulties faced by the NEPHU during the project in the neighborhood of Engenho Velho. In this context, dealing with the theme in a systematic and interdisciplinary way, the Law practitioners developed with other members of the NEPHU staff instruments which guarantee a democratic fundiary regularization, considering the following inseparable issues: political (participative citizenship), legal (legalizing the possession), sociopsychological (knowledge) and urban (redesigning the lot and physical interventions).

Key-words: Fundiary Regularization; Formal City; Right to Housing; Democracy; Participative Citizenship.

REDEFINIENDO ROLES EN EL PROCESO DE REGULARIZACIÓN AGRÁRIA: LA ACTUACIÓN JURÍDICA EN LA VALORACIÓN DEL DIÁLOGO DEMOCRÁTICO Y DE LA CIUDADANÍA PARTICIPATIVA EN EL ENGELHO VELHO – ITABORAÍ/RJ A PARTIR DEL ESTÍMULO DEL CONOCIMIENTO Y LA COMUNICACIÓN

El artículo trata de la participación de los profesionales de Derecho en el proceso de regularización agraria en una comunidad de baja renta. A partir de la experiencia empírica de una acción de posgrado del NEPHU/UFF en la comunidad del “Engenho Velho” en la ciudad de Itaboraí, RJ, Brasil, para la formulación de mecanismos jurídicos que proporcionen el equilibrio entre el interés individual de los habitantes y el interés colectivo. El autor parte de un cuadro de crisis de la efectividad del derecho fundamental a la vivienda digna de la población desplazada, que ocurre en Brasil, para después establecer una correlación con las dificultades enfrentadas en el proyecto desarrollado por el NEPHU/UFF en la comunidad supracitada. En esto contexto el Equipo Jurídico logró una abordaje sistemica e interdisciplinaria del tema y desarrolló junto con los demás profesionales del nucleo de la UFF instrumentos garantidores de una regularización agraria democrática, considerando la indissociabilidade entre los aspectos políticos (ciudadanía participativa), jurídicos (legalización de la posesión), socio psíquicos (conocimiento) y urbanísticos (nuevo dibujo de los lotes e intervenciones físicas).

Palabras-clave: Regularización Agraria; Ciudad Formal; Derecho a La Vivienda; Democracia; Ciudadanía Participativa.

LA REDÉFINITION DES RÔLES DANS LE PROCESSUS DE RÉGULARISATION FONCIÈRE: LE RÔLE DU DROIT DANS L’APPRÉCIATION DU DIALOGUE DÉMOCRATIQUE ET DE LA CITOYENNETÉ PARTICIPATIVE DANS LE QUARTIER ENGENHO VELHO, À ITABORAÍ, DANS L’ÉTAT DE RIO DE JANEIRO, À PARTIR DE L’ENCOURAGEMENT À LA CONNAISSANCE ET À LA COMMUNICATION

L’article parle de la participation des profissionels du Droit dans le process de regularisation fundiaire dans les communautés plus pauvres. On commence d’une expérience empirique d’un projet académique du NEPHU/UFF dans la communauté de Engenho Velho – Itaboraí/RJ, pour la formulation de mécanismes juridiques que puissent proportionner l’équilibre entre les intérêts individuels des habitants et les intérêts collectifs. On dégage des empêchements affrontés dans le projet devélopé par le NEPHU/UFF dans la communatuté mentionné pour l ̀effectuer. Dans ce context

Page 187: Politica Publica Ppp38

185Redefinindo Papéis no Processo de Regularização Fundiária...

de difficulté, l`Équipe Juridique, avec un travail systématique et interdisciplinaire, a développé avec les autres professionnels du NEPHU/UFF, instruments pour assurer une regularisation fundiaire démocratique en examinen la connexion entre les points politiques (citoyenneté participative), juridiques (légalisation des terres), socio-psychique (savoir faire) et urbanistique (modification de l`urbanization).

Mots-clés: Regularisation Fundiaire; Cité Formel; Droit à L`Habitation; Démocratie; Citoyenneté Participative.

“O princípio da dignidade humana identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas pessoas por sua só existência. A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito como com as condições materiais de subsistência.”

Luis Roberto Barroso

1 INTRODUÇÃO

Não se pode olvidar que imprescindível é o estudo do direito fundamental social à moradia, eis que o referido direito retrata a influência dos acontecimentos eco-nômico – político – social sobre inúmeros direitos individuais, emergindo a ne-cessidade imperiosa dos pensadores do direito acompanharem toda essa evolução.

Segundo Boaventura Santos (apud SARLET, 2003, p. 422), a pós-moder-nidade trouxe na bagagem a globalização, que na esfera econômico-política tem como marca o consenso neoliberal. A despeito do aspecto positivo desse fenôme-no complexo, não se pode esconder seus impactos na teoria do Estado. Impõe o Estado mínimo o que, de certa forma, enfraquece o Estado Democrático (Social) de Direito, pois retira do ente estatal algumas ações indispensáveis para a efetivi-dade dos direitos fundamentais, contribuindo assim com a crise destes.

Observa-se com isso a incapacidade do Estado em prestar o mínimo existen-cial, mitigando, em muitos casos, o princípio norteador da República Federativa do Brasil: a dignidade da pessoa humana (Art. 1o, inciso III, da CF/881). A limi-tada capacidade prestacional do Estado é notória em qualquer esquina, hospital público, comunidade carente, escola e creches. É o retrato da exclusão social.

A fragmentação do Estado neoliberal retira a potencialidade dos governos, reduzindo assim a sua participação (espontânea), por meio de ações concretas, na construção de uma sociedade livre, justa e solidária (Art. 3o, inciso I, da CF/88) e na erradicação da pobreza e da marginalização, bem como na redução das desi-gualdades sociais e regionais (Art. 3o, inciso III, da CF/88).

Colocada em risco a democracia e enfraquecido o papel do Estado na sua condição de promover e assegurar os direitos fundamentais e as instituições democráticas, a própria noção de cidadania como direito a ter direitos encontra-se sob grave ameaça,

1. Constituição Federal de 1988.

Page 188: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012186

implantando-se, em maior ou menor grau, aquilo que Boaventura Santos denomi-nou de “fascismo societal” (SARLET, 2003, p. 422).

Em consonância com o pensamento anterior, afirma Santos (apud SARLET, 2003, p. 421):

Dentre as diversas manifestações desta nova e perversa forma de fascismo, típica dos países tidos como periféricos ou em desenvolvimento, assume especial relevância e crescente segregação social dos excluídos (fascismo do apartheid social), de tal sorte que a cartografia urbana passa a ser caracterizada por uma divisão em zonas civili-zadas, onde as pessoas – ainda – vivem sob o signo do contrato social, com a ma-nutenção do modelo democrático e da ordem jurídica estatal, e em zona selvagem, caracterizadas por uma espécie de retorno ao estado de natureza hobbesiano, no qual o Estado, a pretexto de manutenção da ordem e proteção das zonas civilizadas, passa a atuar de forma predatória e opressiva, além de subverter-se virtualmente a ordem jurídica democrática, o que, por sua vez, leva à afirmação – também a expres-são cunhada por Boaventura Santos – do fenômeno do fascismo do Estado Paralelo.

Essa crise da sociedade, do Estado, do direito e da cidadania gera reflexos imediatos no âmbito dos direitos fundamentais. Entre tais reflexos, cumpre des-tacar: i) a intensificação do processo de exclusão, notadamente no seio das clas-ses mais desfavorecidas, fenômeno ligado diretamente ao aumento dos níveis de desemprego e subemprego; ii) redução e até mesmo supressão de direitos sociais prestacionais básicos (saúde, educação e moradia), assim como o corte ou, pelo menos, a flexibilização dos direitos dos trabalhadores; e iii) ausência ou precarie-dade dos instrumentos jurídicos e de instâncias oficiais ou inoficiais capazes de controlar o processo, resolvendo litígios dele oriundos, e de manter o equilíbrio social, agravando o problema da falta de efetividade dos direitos fundamentais e da própria ordem jurídica estatal (SARLET, 2003, p. 423).

Como se verifica, o atual problema de fundo dos direitos fundamentais não é justificá-los e nem protegê-los. Trata-se de um problema mais que filosófico, um problema sociopolítico.

2 DIREITO À MORADIA: MÍNIMO VITAL A SER GARANTIDO

As leis, em geral, são bem minuciosas em previsões de mínimos vitais, isto é, aquilo que é estritamente necessário para a manutenção da vida. Consultando os dispositivos da CF/88, vê-se proteção ao salário (Art. 7o, caput), à peque-na propriedade rural (Art. 5o, inciso XXVI), à moradia (Art. 6o da CF c/c Lei no 8.009/1990, Arts. 1o e 4o, § 4o), ao padrão mínimo de qualidade de ensino (Art. 211, §1o) e, por fim, ao objeto do presente programa: à regularização da moradia no espaço urbano.

Trata-se aqui de um mínimo social garantido pelo Estado e referente a bens primários. Ocorre que este mínimo recebe a conotação de menor e não de básico,

Page 189: Politica Publica Ppp38

187Redefinindo Papéis no Processo de Regularização Fundiária...

significando que os patamares de satisfação das necessidades vitais beiram à des-proteção social, de modo que o fundamental é reduzido a uma partícula ínfima de satisfação (ALFONSIN, 2003).

Vale mencionar que enquanto o mínimo pressupõe supressão ou cortes de atendimentos, tal como propõe a ideologia liberal arraigada no pensamento dos brasileiros, o básico requer investimentos sociais de qualidade para preparar o terreno a partir do qual maiores atendimentos possam ser prestados e otimizados. Isto é, se o mínimo nega o ótimo do atendimento, o básico é a mola propulsora da satisfação essencial de necessidades em direção ao ótimo.

Por trás da alegada “falta de recursos públicos”, ou “dificuldades inerentes às exigências de cumprimento da função social da propriedade”, existe toda uma cultura de interpretação das causas de pobreza que não inclui a expansão capita-lista como uma das causas principais.

Considerando-se as limitações de espaço, é inevitável concluir que, se existe um direito com capacidade ilimitada sobre tal espaço, falta espaço para aqueles que não têm dinheiro para concorrer no mercado altamente capitalista e, por-tanto, não conseguirão preencher os requisitos impostos por este mercado para a aquisição da propriedade.

Verifica-se, pois, que a lei da oferta e da procura, como corolário do sistema capitalista, é pensada sem qualquer referência à garantia das necessi-dades vitais, fato este que pode fadar ao insucesso o atendimento ao mínimo existencial – entendendo-se aqui esse mínimo como básico –, tendo em vista que a não previsão de um máximo a ser adquirido dificilmente permitirá a sobrevivência dos mínimos.

É lamentável que uma sociedade erija o direito real de propriedade à cate-goria de incólume ou intangível pela utilização da expressão erga omnes (contra todos) em seu aspecto invariável, deixando de atentar para a única função que não o desumaniza, ou seja, a sua função social.

Essa função social da propriedade sobre o solo integra o próprio conteúdo daquele direito, é causa e não efeito da sua aquisição e conservação, na medida em que, ao lado de uma relação da propriedade urbana como bem de troca no mer-cado, corresponde a uma “relação-fim”, que grava o próprio bem com um “fim transcendente”, isto é, com o propósito de que o exercício do direito de proprie-dade sobre o imóvel urbano não seja empecilho para a satisfação de necessidades vitais de não proprietários.

O exercício efetivo da função social dos direitos reais pressupõe a interpela-ção da expressão erga omnes pelos “interesses alheios” que explicam e justificam a função social daqueles direitos.

Page 190: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012188

Para esse balanço permanente, dois princípios constitucionais de grande re-levância para a sustentação dos direitos humanos fundamentais podem apoiar o princípio da função social da propriedade em favor daqueles que são vitimados pela especulação da propriedade privada.

O primeiro é o princípio democrático, também identificado como funda-mento do Estado Democrático de Direito, no qual se encontram notadamente presentes a noção de sociabilidade, a procura do bem-estar e a consagração cons-titucional dos direitos sociais. O segundo princípio que pode reforçar o da função social da propriedade é o da proporcionalidade, que tem como fim ponderar bens e interesses conflitantes (BARROSO, 2003a).

Pretende-se demonstrar que a satisfação de necessidades humanas, tal como a moradia, não permite alternativa outra que não sua satisfação, pois, para garan-tia do direito à vida e à dignidade de todas as pessoas, inexiste outro meio.

Sendo assim, indispensável se torna o discernimento da sociedade civil e do Estado, no que diz respeito às diferenças entre aquelas necessidades, seus desejos, seus interesses e suas preferências.

É que na ausência de tal discortínio, a manipulação frequente do conceito de necessidade vital desvia os recursos públicos do atendimento preferencial das necessidades vitais para conservar uma cultura que introjetou como normal a falta de teto da maioria pobre da população.

Constata-se, portanto, que é fundamental a conscientização tanto do poder público quanto da comunidade de baixa renda sobre a imprescindibilidade da necessidade vital de moradia digna, de modo que aquele se proponha a realizar políticas públicas com previsão orçamentária suficiente para o atendimento de to-das as atividades indispensáveis à consecução desse direito. E esta, a comunidade, adeque a propriedade pública ao fim social de utilizá-la para a sua residência e de sua família, obedecendo às previsões legislativas.

3 APRESENTAÇÃO DO NEPHU/UFF

O Estado Democrático de Direito obtém substancialidade tão somente com a legitimidade da Constituição e dos direitos fundamentais, traduzida em uma escala axiológica, em que repousa a eficácia das regras constitucionais e assenta a estabilidade de princípios do ordenamento jurídico, orquestrado pelas normas constitucionais.

Nesse contexto, o direito à moradia (adequada e digna) insere-se.

O cerne do presente artigo é descrever as dificuldades e as soluções jurídicas encontradas, de forma interdisciplinar, no processo de regularização fundiária da comunidade do Engenho Velho, desenvolvido pelo NEPHU/UFF.

Page 191: Politica Publica Ppp38

189Redefinindo Papéis no Processo de Regularização Fundiária...

A relevância da experiência jurídica aqui relatada reside nos mecanismos encontrados para assegurar a função social da propriedade, a participação dos beneficiados (possuidores) e a transparência das decisões técnicas. Assim, cor-roborar-se-á com a discussão acerca do problema atual de acesso ao solo urbano e à moradia adequada, que, de certa maneira, evidencia a segregação social e a violação do direito fundamental à moradia.

Cumpre esclarecer que o NEPHU/UFF, criado no fim de 1982, desenvolve ações extensionistas almejando regularizar, urbanístico e juridicamente, assenta-mentos de baixa renda, de modo a resolver situações de risco e prepará-los para receber infraestrutura (saneamento básico, pavimentação e equipamentos públi-cos), além de viabilizar a legalização da situação de fato da posse.

É mister também frisar que a noção de regularização fundiária estabelecida pela coordenação do NEPHU compreende a legalização da ocupação por meio da busca da segurança jurídica da posse (aspecto jurídico), a emancipação dos ci-dadãos por meio da participação democrática (aspecto político) e a reformulação do conceito da ocupação do espaço urbano incorporando a noção de qualidade e de adequação do direito à moradia (aspecto físico-urbanístico).

Com essa perspectiva multidimensional do espaço urbano, o NEPHU/UFF vem implementando o projeto de Regularização Fundiária e Urbanização do as-sentamento popular Engenho Velho, acordado entre a Prefeitura Municipal de Itaboraí e a UFF.

O estado, em toda sua extensão, há de coordenar o desenvolvimento urba-no e a ocupação dos terrenos por meio de instrumentos urbanísticos e jurídicos, promovendo e estimulando a ordenação adequada das cidades, de modo a alcan-çar a função social da cidade e diminuir as acentuadas desigualdades sociais e a segregação residencial.

Ressalta-se ainda que a titulação da propriedade/segurança da posse, con-cretizada por meio de sentença judicial na ação de usucapião ou de decisão admi-nistrativa de concessão especial para fins de moradia, corrobora com a efetividade do valor constitucional da dignidade da pessoa humana, bem como do direito fundamental à moradia adequada, visto que é expressão visível da realização da justiça social.

A proposta desse estudo científico emergiu da necessidade latente de apri-morar a participação dos pensadores do direito nos projetos de regularização fun-diária plena, seja no aspecto social, seja no aspecto legal, em escala local, regional e nacional.

É certo ainda que as cidades brasileiras se apresentam como meio de exclu-são social em que o espaço urbano se divide em dois: a cidade oficial e a cidade

Page 192: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012190

real. De acordo com Bienenstein (2002), existe uma cidade real – as comunidades de baixa renda, por exemplo –, em que o abandono e a desídia da administração pública são frequentes, e a cidade oficial, onde os holofotes públicos concentram sua atuação.

Vale lembrar, nesse ponto, que o caos urbano e seu caráter excludente de-correm de inúmeros fatores: a urbanização acelerada e desordenada, a ineficácia do Estado do bem-estar social, a ineficiência do atual modelo urbanístico e a especulação imobiliária. Isso tudo transformou o espaço brasileiro urbano em uma seara de exclusão social por meio da inobservância, em relação à população carente, dos direitos humanos – direitos sociais: à educação, à saúde e à moradia – e da segregação sociourbana.

Nesse contexto, o legislador pátrio, na esteira da tendência internacional,2 adotou medidas essenciais para conter a especulação imobiliária e a má utilização do espaço urbano. O legislador originário de 1988 manteve o preceptivo constitu-cional que prescrevia o princípio social da propriedade, mas também, pela primeira vez, o constituinte estendeu esse princípio, de forma clara, à propriedade urbana.

Frise-se que a Emenda Constitucional (EC) no 26 acrescentou ao caput do Art. 6o o direito à moradia, tornando-o um direito social, destarte inserido no tí-tulo dos direitos e das garantias fundamentais. Com isso, no espaço das cidades, o legislador buscou assegurar a dignidade da pessoa humana e uma sociedade livre, justa e solidária – fundamento e objetivo, respectivamente, da CF/88, caput do Art. 1o e I, do Art. 3o.

Outrossim, a própria Constituição elenca vários mecanismos garantidores da função social da propriedade urbana, como o Art. 182, § 4o (parcelamento ou edificação compulsórios, Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU, progres-sivo e a desapropriação), e o caput do Art. 183 (a usucapião especial urbana) e o Art. 183, § 1o (a concessão de uso especial para fins de moradia).

Destaca-se que os referidos instrumentos jurídico-políticos possuíam eficá-cia relativa dependente de complementação legislativa, que só foi sanada em 10 de julho de 2001, quando entrou em vigor o Estatuto da Cidade (Lei Federal no 10.257), e em 4 de setembro de 2001, quando entrou em vigor a Medida Provi-sória (MP) no 2.220.

Cumpre salientar que, no início do projeto da comunidade do Engenho Velho, não era sabida ao certo a natureza jurídica do assentamento (pública ou

2. A Agenda Social da ONU debateu ao longo da década de 1990, entre diversos problemas contemporâneos, acerca dos assentamentos humanos. Esse debate ocorreu na Conferência Habitat II, em 1996, na cidade de Istambul. Nessa conferência, o direito à moradia foi incluído no rol dos direitos humanos, ratificando a posição da Declaração dos Direitos Humanos de 1948. Em vista disso, fica assegurada a possibilidade de ações judiciais com fulcro nesse direito, em caso de sua inobservância, perante os tribunais nacionais dos países participantes.

Page 193: Politica Publica Ppp38

191Redefinindo Papéis no Processo de Regularização Fundiária...

privada) em virtude das vicissitudes da ocupação e da dúvida acerca da titulari-dade da propriedade da gleba –particular, da Caixa Econômica Federal (CEF) ou da Prefeitura de Itaboraí. Somente em julho de 2009, foi possível confirmar que o terreno pertencia à prefeitura, sendo por conta disso aplicada ao caso a concessão de uso.

Nesse diapasão, como elemento jurídico limitador da atuação da equipe jurídica do NEPHU previsto na CF/88 e regulamentado pela medida provisó-ria supracitada, a eficácia sociojurídica da concessão de uso especial para fins de moradia aliada à eficácia do princípio da função social da propriedade foram utilizadas diuturnamente na delimitação dos direitos individuais e na ponderação entre estes interesses e o interesse coletivo, buscando a democratização do imóvel urbano e, consequentemente, a concretização do direito à moradia.

Assim, o projeto do assentamento do Engenho Velho visou combater a espe-culação imobiliária promovida por possuidores de lotes maiores e a má utilização ou não utilização da terra, já que, na sociedade atual, a função social representa regra basilar para se alcançar a dignidade da pessoa humana e uma sociedade justa e fraterna.

Nesse contexto, o direito passa a exercer função relevante no xadrez da re-gularização do espaço urbano e, por conseguinte, na busca de justiça social, atu-ando, sobretudo, na superação da crise dos direitos fundamentais – em especial, o direito à moradia.

À medida que os profissionais do direito entrecruzam o jurídico com a realidade social e com os demais “conhecimentos” – Arquitetura, Engenharia, Serviço Social, Comunicação, Ciências Políticas etc. –, maior será a operacio-nalidade do direito, a instrumentalidade dos instrumentos jurídicos (concessão, por exemplo) e a efetividade dos valores constitucionais (dignidade da pessoa humana e função social).

4 OS REFLEXOS DA POLÍTICA URBANA NO BRASIL NO ASSENTAMENTO DO ENGENHO VELHO

As políticas públicas abarcam aspectos operacionais da ação governamental – es-tatal vinculado a objetivos sociais – entre os quais se destaca a habitação –, repre-sentando, assim, recodificações das demandas e das práticas sociais pelo conjunto de instituições do Estado Democrático de Direito (ALVIM et al., 2006).

No cenário da globalização e da emergência do Estado neoliberal, os muni-cípios, com a ampliação da sua competência política no nível de governo local, assumiram novo papel, o qual pode ser bem observado a partir da edição da Lei Federal no 10.257, de julho de 2001 (Estatuto da Cidade), que se firmou como

Page 194: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012192

marco do novo quadro institucional da política urbana no Brasil, reconhecendo a importância da cidade na articulação dos processos de desenvolvimento econô-mico e social.

Por intermédio, portanto, desse novo quadro institucional, reconheceu-se a função social da cidade em um país essencialmente urbano, onde a cidade é o local da diversidade e da legitimidade social, representada pelos movimentos populares, força política essencial para garantir o desenvolvimento associado ao processo de inclusão. Trata-se, pois, de um contexto de valorização do processo de planejamento urbano na ação pública.

Em que pese essa valorização do planejamento urbano, a implementação deste ainda é frágil. Inovador e progressista, este tipo de planejamento brasileiro, instituído pelo Estatuto da Cidade, aponta para a superação das práticas patrimo-nialistas, as quais, revestidas de roupagem tecnocrática, reforçam a produção de condições urbanas de concentração social e espacial de serviços e benefícios, com-binada à generalização de assentamentos precários onde se abriga a população de baixa renda (ALVIM et al., 2006).

Os instrumentos do Estatuto da Cidade induzem a regularização fundiária bem como o financiamento das políticas urbanas e de democratização da gestão das cidades, transformando a ordem urbanística tradicional e a atuação na lógica econômica da cidade. Depara-se, pois, com a colocação de objetivos de justiça social e de qualidade de vida, por meio de estratégias de elaboração de políticas urbanas inclusivas e sustentáveis.

O assentamento do Engenho Velho, situado no município de Itaboraí, evi-dencia a importância de reorganização das cidades brasileiras em razão do seu abrupto crescimento desordenado.

As transformações internacionais da década de 1980, associadas ao con-texto de falência do crescimento econômico do período militar, o qual gerou uma situação de grave endividamento público e de visibilidade da extensão das desigualdades sociais, fortemente concentradas nas cidades, convergiram em um movimento social pela redemocratização do país.

De fato, as políticas de modernização econômica do período militar inci-dem sobre uma intensa urbanização da sociedade brasileira, que, conjugada ao fenômeno do êxodo rural, fez que as cidades se tornassem o pano de fundo para as desigualdades sociais reproduzidas e intensificadas pelos processos de segregação espacial e pelo crescimento de periferias carentes e desprovidas de infraestrutura.

O município de Itaboraí editou, em 2006, um plano diretor de desenvol-vimento integrado cujo objetivo é “redimensionar a cidade, permitindo que se alimente a esperança de um crescimento ordenado, sempre na busca da melhoria

Page 195: Politica Publica Ppp38

193Redefinindo Papéis no Processo de Regularização Fundiária...

da qualidade de vida dos habitantes, por intermédio de uma política racional de uso do solo e dos equipamentos urbanos, ajustada, periodicamente, com a evo-lução da Cidade”.3

É justamente com o fito de efetivar esses anseios de reestruturação das cidades, assegurando o bem-estar equânime de seus habitantes mediante, por exemplo, a instalação de infraestrutura adequada, a regularização fundiária e a urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda, que o NEPHU selecionou a comunidade do Engenho Velho para implantação do projeto de regularização fundiária, uma área extremamente carente de infraestrutura bem no seio da cidade de Itaboraí e do Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (COMPERJ).

5 O HISTÓRICO E A SITUAÇÃO JURÍDICA DA OCUPAÇÃO DO ASSENTAMENTO DO ENGENHO VELHO

A área atualmente denominada Engenho Velho pertenceu originalmente ao Senhor Dinor de Souza e à sua esposa, Senhora Paulicéia Lopes de Souza, até 1982, quando foi vendida por meio de contrato particular com força de escritu-ra pública ao Banco Nacional de Habitação (BNH), o qual, ao ser extinto, teve todo o seu acervo patrimonial incorporado pela CEF, empresa pública.

Nesse ínterim, iniciou-se a ocupação da área por famílias de baixa renda, vindas inicialmente do conjunto habitacional do BNH na Reta e decididas a estabelecer suas moradias no local.

Tendo em vista que tais famílias necessitavam gerar renda para a sua subsis-tência, fundaram a Associação Rural dos Trabalhadores do Engenho Velho (Atre-ve). Muitos dos assentamentos foram registrados junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), uma vez que alguns moradores preten-diam implantar na área produção agrícola e atividade pecuária. Mas tal pretensão ficou reduzida a uma quantidade ínfima de hortaliças e de animais de pequeno porte, tais como galinhas.

No decorrer dos anos, novos indivíduos passaram a residir no Engenho Ve-lho e a realizar vendas e doações da terra, parcelando-a desordenadamente, des-respeitando, por conseguinte, não apenas a geografia da área, mas também toda e qualquer legislação de regularização fundiária. Hodiernamente, encontram-se assentadas na área aproximadamente 400 famílias.

Considerando que o objetivo da CEF era construir novos conjuntos habi-tacionais no local para atender à população economicamente hipossuficiente e

3. Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado de Itaboraí. Disponível em: <http://camara.itaborai.rj.gov.br/legislacao/leis/leis_complementares>.

Page 196: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012194

que o município de Itaboraí, ao adquirir daquela tal imóvel, também almejava a mesma destinação, constata-se que o loteamento encontra-se em zona de especial interesse social.

A prefeitura municipal de Itaboraí celebrou, em 1996, com a CEF o con-trato de compra e venda da área do Engenho Velho, a ser quitado em 24 parcelas mensais, a fim de providenciar a regularização fundiária da região, cuja ocupação desenfreada e desordenada põe em risco as condições indispensáveis a uma mo-radia digna.

Efetivada a quitação no prazo legalmente estipulado, a terra passou a ter como titular o município de Itaboraí. Saliente-se que, embora a terra pertencesse anteriormente a uma empresa pública federal (seja o BNH, seja a CEF), isto é, a uma pessoa jurídica de direito privado, tal fato não enseja a conclusão de que o bem era antes privado, pois este se encontrava, desde a época na qual a sua titula-ridade pertencia ao BNH, afetado a uma função pública: proporcionar o direito fundamental à moradia.

Nesse contexto, o bem desde 1982 tem natureza pública, sendo, portanto, insuscetível de aquisição pelo instrumento jurídico da usucapião.

Destarte, o município só poder legalizar a posse por meio de concessão de uso especial para fins de moradia de modo a cumprir a função social da proprie-dade, tudo em respeito aos parâmetros legais definidos pela CF/88 e pela MP no 2.220/2001.

Nesse sentido, na medida em que o imóvel tem natureza pública e destina--se a conferir moradia digna a todos os seus habitantes, respeitando as regras constantes do Plano Diretor do Município de Itaboraí, verifica-se a necessidade de proceder à concessão de uso especial para fins de moradia.

6 A POPULAÇÃO ASSENTADA NO ENGENHO VELHO

Enquanto as equipes de engenharia e arquitetura avançavam no conhecimento das condições físicas de assentamento do terreno, a equipe jurídica enveredou-se na definição dos parâmetros legais que norteariam a demarcação do terreno e a subsequente entrega do título de posse aos moradores da região.

Elaborou-se, pois, um documento intitulado Requerimento administrativo de concessão de uso especial para fins de moradia, a partir do qual as famílias interessadas na regularização da sua posse forneceram informações a respeito do modo e data de aquisição do imóvel, a fim de se constatar o efetivo cumprimento dos requisitos legais estabelecidos na MP no 2.220/2001 e na CF/88 e, por conse-guinte, viabilizar o fornecimento de moradia adequada àquelas pessoas de pouco poder aquisitivo cuja única residência foi estabelecida de boa-fé no local.

Page 197: Politica Publica Ppp38

195Redefinindo Papéis no Processo de Regularização Fundiária...

O documento serviu também como demonstrativo do interesse dos mo-radores em regularizar a situação dos terrenos e ter suas moradias assegura-das face à expansão ocupacional das regiões do entorno após a instalação do COMPERJ, em especial a valorização imobiliária a ser conferida por este, visto que só assinava o documento aqueles que manifestassem concordância com os objetivos do projeto.

Assim, a comunidade assentada, composta por cerca de 400 famílias, deve-ria atender aos seguintes requisitos indispensáveis à configuração da posse enseja-dora da concessão de uso especial: i) posse mansa, pacífica e de boa fé do imóvel cedido há pelo menos cinco anos ininterruptos; e ii) declaração de que não é possuidor, concessionário e nem proprietário de quaisquer bens em qualquer mu-nicípio da Federação e que utiliza o imóvel ora ocupado para fins exclusivamente de moradia.

Também prestaram o compromisso de manterem todas as condições legais necessárias para a concessão e manifestaram concordância com as intervenções projetadas para os lotes, permitindo que, quando da execução do projeto, fossem corrigidos os problemas urbanísticos identificados pelo NEPHU/UFF em cada lote do terreno: desnivelamento e infiltração do solo, inundações, entre outros.

As informações reunidas sobre os moradores do Engenho Velho permitiram à equipe jurídica dividi-los em cinco segmentos: i) morador cadastrado e com documentação completa sobre o tempo de posse; ii) morador cadastrado,4 mas que não entregou nenhum documento comprobatório do tempo de posse; iii) lote registrado, mas com morador não cadastrado e/ou sem documentação; iv) lote não registrado; e v) morador cadastrado, mas cujo lote registrado se encontra em área de risco.

Importante frisar que o documento preenchido e assinado pelos moradores com auxílio da equipe jurídica do NEPHU permitiu aprofundar o conhecimento da área ocupada, verificando-se a necessidade de desmembrar determinado ter-reno em mais lotes a fim de assentar adequadamente determinadas famílias, em especial as que se situavam em área de risco e, portanto, não poderiam conservar as suas casas no exato local em que se encontravam.

O remanejamento dessas famílias ocorreria com o desiderato de retirá-las das zonas de risco, mas sempre com a preocupação de inseri-las em um lote no qual pudessem conservar os costumes que antes exerciam, procurando, pois, con-servar as vizinhanças anteriormente existentes.

4. As expressões morador cadastrado e lote registrado significam, respectivamente, que o morador se apresentou ao NEPHU – demonstrando interesse no projeto e preenchendo o seu perfil sociopsicográfico/profissiográfico – e que o lote foi reconhecido como existente pelas equipes de engenharia e arquitetura quando da elaboração da planta topográfica da região.

Page 198: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012196

Para as hipóteses de i) morador cadastrado e com documentação; ii) mo-rador cadastrado, mas que não entregou nenhum documento comprobatório do tempo de posse; e iii) lote registrado, mas com morador não cadastrado e/ou sem documentação, a posse seria garantida nos parâmetros estabelecidos por lei e adotados pelo grupo de arquitetura – entre 80m² e 250m² –, ainda que os possuidores estivessem no exercício da posse direta há menos de cinco anos, con-tados retroativos a 2001. Nessa situação de posse com período menor ou sem comprovante/documentação, o possuidor deveria apresentar ao NEPHU algum documento que provasse a transferência da posse.

Aqui sobressaem muitos casos de moradores que possuíam escrituras de pos-se sobre aquele terreno, significando que um possuidor, mediante pagamento pelo lote, cedia a sua posse a outrem e assim sucessivamente. Nessas hipóteses, não obstante o documento de transmissão estar destituído de eficácia jurídica, visto que a região do Engenho Velho pertence ao poder público e, como tal, não é passível de negociação sem a ingerência deste, ele serviu de fonte fática para determinar o tempo de ocupação do imóvel e a que título.

No caso dos lotes não registrados, situação em que o morador nem sequer se apresentou ao NEPHU/UFF, as exigências de tempo de posse seriam maiores, de modo que a sua área só ficaria protegida e regularizada mediante a comprovação do tempo de residência no imóvel, bem como da transferência feita, tudo com cinco anos retroativos a 2001 (1996-2001).

As exigências garantiram que o projeto desenvolvido pelo NEPHU aten-desse exclusivamente os moradores daquela região, impedindo a consolidação de eventuais interesses alheios à implementação de moradia digna, inclusive os de comercialização do terreno com vista à especulação imobiliária.

Mais de 80% da comunidade local – cerca de 350 famílias – aderiram ao projeto, principalmente após as visitações de campo, quando os moradores ti-veram oportunidade de se aproximarem dos membros do NEPHU, bem como quando este órgão possibilitou-lhes a visita às suas instalações físicas em Niterói para conhecerem de perto o planejamento dos trabalhos.

Enquanto preenchiam o requerimento de concessão, os moradores eram entrevistados pela equipe social do NEPHU, a qual preenchia o cadastro socioe-conômico dos moradores, traçando-se um perfil individualizado para que junto à melhoria física das condições de moradia, fossem também desenvolvidas ativida-des de inclusão social, a exemplo das atividades desportivas, artesanais e técnico--profissionais.

Desse modo, todas as famílias assentadas seriam beneficiadas não apenas com moradia adequada, mas também com programas de desenvolvimento e integração

Page 199: Politica Publica Ppp38

197Redefinindo Papéis no Processo de Regularização Fundiária...

social, haja vista mais da metade dos moradores estarem alijadas do mercado de trabalho, em razão da educação insuficiente ou da falta de capacitação.

Com a conclusão do projeto e com a maioria da comunidade local manifes-tando concordância, o NEPHU obteve aprovação do projeto junto ao Ministério das Cidades (MCidades), avançando agora nas negociações com o governo fede-ral para liberação da verba pública necessária ao empreendimento.

Verifica-se, pois, que a adesão ao projeto por parte da comunidade foi expres-siva, em especial após entenderem os objetivos daquele, que em nada se confun-diam com interesses eleitoreiros, conforme inicialmente acreditaram os moradores.

Dessarte, foi preciso, durante o processo de viabilização do projeto, tra-balhar junto à comunidade no sentido de integrá-la aos propósitos projetados, detectando os conflitos de interesse presentes na área, quais sejam: i) a presença de lotes com metragem superior aos 250m² permitidos por lei, cujos possuidores não queriam ceder parte deles para reduzi-los a esse patamar; ii) alguns moradores serviam de intermediadores para a negociação de lotes, procedendo a uma espécie de especulação imobiliária no local; iii) o interesse do COMPERJ em expandir a sua área de atuação, o que poderia afetar o terreno do Engenho Velho; e iv) a desconfiança da comunidade quanto às reais pretensões do projeto.

7 A EQUIPE JURÍDICA NO PROCESSO DE CONSCIENTIZAÇÃO E DE LEGITIMAÇÃO POLÍTICA

7.1 Conhecer para aceitar

O projeto de Regularização Fundiária e Urbanização do Engenho Velho está sen-do elaborado pelas equipes profissionais do NEPHU – equipe jurídica, social, técnica e da prefeitura de Itaboraí – de acordo com metodologia desenvolvida no próprio núcleo.5

À equipe jurídica6 competiu precipuamente assegurar a função social da propriedade, a cidadania participativa e a adequação técnica das moradias. A co-ordenação do projeto foi orientada pela equipe jurídica a adotar diversificados instrumentos jurídicos concretizadores dos valores constitucionais anteriormente mencionados, tais como: a diminuição dos lotes extensos de modo a possibilitar a alocação dos moradores removidos de áreas de riscos e a realização de vistorias nos lotes com mais de 250m2, entre outros mecanismos.

5. A metodologia utilizada é fruto da pesquisa realizada com suporte do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), coordenada por Regina Bienenstein, 1998-1999.6. Formada por um professor do Escritório Modelo da Faculdade de Direito da UFF, uma advogada e dois graduandos em direito da UFF.

Page 200: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012198

Além das orientações tradicionais que perpassam quaisquer projetos de re-gularização fundiária,7 a equipe jurídica teve de aprimorar o processo de comuni-cação, de modo a aproximar a linguagem do direito às dificuldades e necessidades técnicas das outras equipes do projeto. Também foi mister romper a linguagem jurídica para alcançar a compreensão dos moradores do Engenho Velho e superar as resistências ao projeto.

Cabe, a partir desse momento, tecer algumas considerações acerca do papel da equipe jurídica no processo comunicativo entre o corpo técnico do NEPHU e a população.

Imbuídas dos aspectos teóricos acerca do procedimento de regularização fundiária, as equipes dirigiram-se ao assentamento do Engenho Velho para di-vulgar as propostas elaboradas para aquela região, quando, então, depararam-se com uma enorme barreira: a desconfiança quanto às intenções do projeto. Esse receio inicial, logo transmudado em rejeição, pareceu em um primeiro momento injustificado, visto que as propostas veiculadas se destinavam a conferir moradia não apenas legalizada, mas também, e principalmente, digna, de modo a garantir à população local os benefícios básicos de uma cidade formal.

Diante desse cenário, foram as insistentes idas a Itaboraí que propiciaram, por parte das equipes, a melhor compreensão do fenômeno da não recepção do projeto, confundido inicialmente com programa eleitoreiro e promessa política. Os debates travados nas assembleias realizadas na região proporcionaram às equi-pes o acesso à experiência local, ou seja, conhecer as necessidades da comunidade e tentar estabelecer um canal comunicativo entre esses dois “mundos”.

7. Cumpre destacar, nesse ínterim, algumas atribuições da equipe jurídica:• Consultas informais por e-mail e/ou telefone. • Elaboração de pareceres escritos a partir da observação dos aspectos relevantes e controvertidos existentes no

projeto, bem como a partir das dúvidas suscitadas em reuniões, assembleias e grupos de discussão. Tais parece-res objetivaram apresentar as diversas correntes doutrinárias e jurisprudenciais, apontando os fundamentos que as embasam, por meio de um corte transversal – com análise doutrinária e jurisprudencial – acerca dos seguintes institutos: posse, propriedade (função social), benfeitorias, direito de retenção, indenização e instrumentos jurí-dicos previstos na MP nº 2.220/2001 e no Estatuto da Cidade.

• Análise constitucional dos institutos jurídicos, de modo a atender o objetivos do projeto, que é a realização do interesse social.

• Elaboração de uma historinha em quadrinho para explicitar os conceitos jurídicos determinantes no projeto. • Elaboração de relatório parcial da atuação da equipe jurídica.• Participação das reuniões semanais no NEPHU, na Prefeitura de Itaboraí e na comunidade. • Elaboração dos ofícios para a CEF. • Confecção de formulários (vistoria técnica), declarações (de pobreza e de lapso temporal), requerimentos etc.

Frisa-se também que os enfrentamentos jurídicos corriqueiros de qualquer projeto de regularização fundiária foram superados com muito debate entre todas as equipes. Citam-se os seguintes pontos: qual a natureza jurí-dica da propriedade e o instrumento jurídico-político para promover a regularização legal? Se a natureza jurídica do terreno (urbano ou rural) é influenciada por cadastros feitos perante o Incra? Os possuidores têm eventuais direitos a indenizações em virtude do tempo de ocupação ou pelas benfeitorias e plantações? O imposto – IPTU e Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) – pago pelo possuidor influencia a natureza do instituto jurídico-político a ser adotado para a regularização da posse?

Page 201: Politica Publica Ppp38

199Redefinindo Papéis no Processo de Regularização Fundiária...

É bem verdade que de uma população que até então desconhecia a atuação do poder estatal não se pode esperar uma aceitação homogênea e pacífica de algo que lhe é totalmente externo. Foi preciso, portanto, internalizar no seio comuni-tário os objetivos da regularização, reconstruir naquela comunidade as diretrizes do projeto que desenhado sob os ditames legais precisava se deslocar para “abaixo” da Nação (CANDAU, 2002, p. 13-29), isto é, considerar as vozes daquele grupo social, conforme figura 1 e 2 a seguir.

FIGURA 1Extrato do jornal

Fonte: Ilustração criada pela equipe NEPHU para informar os objetivos do projeto à comunidade do Engenho Velho.

FIGURA 2Extrato do jornal

Fonte: Ilustração criada pela equipe NEPHU para informar os objetivos do projeto à comunidade do Engenho Velho.

Page 202: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012200

Assim que questionadas a autenticidade das transações comerciais8 com os lotes e a legalidade das construções que desobedeciam a todo e qualquer parâme-tro urbanístico, os moradores se insurgiram contra essa postura limitadora que só agora lhes voltava a atenção. Foi exatamente nesse ponto que se vislumbrou a necessidade de, para além da apresentação do projeto, realizar-se um processo de construção do conhecimento junto aos moradores para conscientizá-los da importância do projeto e ouvi-los em suas demandas.

Para garantir a participação popular em todas as fases do programa, a coor-denação do projeto solicitou que a equipe jurídica estivesse presente em todas as reuniões e assembleias realizadas com a população, o que exigiu também dos pro-fissionais do Direito uma linguagem mais adequada à linguagem cotidiana dos moradores do Engenho Velho. Afinal, a comunicação só se faz presente quando o canal do discurso consegue interligar integralmente locutor-interlocutor.

Essa modificação no processo de comunicação foi concretizada em espe-cial por meio de histórias em quadrinhos. Em uma delas, desenharam-se mora-dores indagando a coordenadora do projeto sobre diversificadas questões susci-tadas durante as assembleias e que ainda não haviam sido bem compreendidas, tudo em uma linguagem capaz de efetivar o processo comunicativo (figuras 3 e 4). Da redação da história encarregou-se a equipe jurídica, enquanto a sua ilustração competiu às demais equipes, demonstrando assim a flexibilização da linguagem do mundo acadêmico, o qual deve se voltar também para a realidade à qual se destina.

8. A área do Engenho Velho, em virtude do COMPERJ e do projeto, vem sofrendo um processo de valorização imobili-ária, o que estimula, de certa forma, a especulação e a comercialização de terras públicas por possuidores. Com o fito de reduzir tal prática, as equipes do NEPHU propuseram a limitação espacial dos lotes – cada morador teria direito a um lote de 250 m2, podendo, em casos excepcionais apreciados pela equipe jurídica, permitir o desmembramento gratuito do lote entre familiares.

Page 203: Politica Publica Ppp38

201Redefinindo Papéis no Processo de Regularização Fundiária...

FIGURA 3Processo de comunicação

Fonte: Ilustração criada pela equipe NEPHU para informar os objetivos do projeto à comunidade do Engenho Velho.

FIGURA 4Processo de comunicação

Fonte: Ilustração criada pela equipe NEPHU para informar os objetivos do projeto à comunidade do Engenho Velho.

Como o sucesso do projeto só seria possível com a adesão irrestrita da maio-ria dos moradores e, para aceitar, é preciso conhecer, foi indispensável aliar os conceitos jurídicos e urbanísticos à linguagem simples da população local.

Page 204: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012202

Constatou-se que, a partir da modificação do processo de comunicação, a adesão ao projeto ampliou-se visto que a frequência dos moradores aos plantões de cadastro feito na sede do NEPHU aumentou consideravelmente.

Observar aquelas pessoas caminharem paulatinamente para a aceitação das propostas, dispondo-se a comparecerem ao NEPHU e se cadastrarem em consis-tiu ao avanço significativo com o qual se obteve a diminuição da distância entre os indivíduos e o Estado legal.

Conseguir com eles pensar os problemas de infraestrutura e de insegurança quanto à posse das terras devido à expansão do COMPERJ foi o primeiro passo para estudar as possibilidades de solução daqueles. E, o primeiro passo também para que concordassem com a adequação dos lotes à metragem e aos demais re-quisitos previstos em lei, a qual vem sendo encarada não mais como instrumento opressor, mas como garantia de proteção dos interesses de toda a comunidade (figura 4).

FIGURA 5Problemas – soluções

Fonte: Ilustração criada pela equipe NEPHU para informar os objetivos do projeto à comunidade do Engenho Velho.

Destarte, um fator de grande importância foi a preocupação das equipes em esmorecer a desconfiança com o “exterior” por meio da redefinição das reflexões teóricas em um espaço de deliberação coletiva, a fim de que as normas se adequas-sem tanto à vida comum quanto à existência pessoal e para que estas também se amoldassem àquelas regras em uma relação recíproca.

Page 205: Politica Publica Ppp38

203Redefinindo Papéis no Processo de Regularização Fundiária...

Essa opção pelo encaminhamento do projeto sob os moldes da democracia participativa, com o tratamento dos conflitos de forma coletiva, requer que todos os indivíduos se desvencilhem da “menoridade” e passem a pensar: tomar cons-ciência do que são e do que têm, até mesmo para poderem cobrar a atuação mais efetiva do poder público. Essa condução, além de funcionar como mecanismo de agilização da concessão, também se configura como meio de afirmação dos direitos de cidadania.

Esclarecimento – Aufklãrung – é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu enten-dimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclareci-mento (KANT, 1974, p. 100).

De fato, todo o receio existente consiste na falta do “esclarecimento”. Tal ausência faz que o indivíduo se deixe persuadir por boatos, ficando impedido de pensar, de construir o seu próprio conhecimento sobre os fatos.

Não se pretende aqui que as pessoas pensem da mesma maneira. Antes, é preciso ter em mente que o ato de raciocinar é peculiar a cada uma e, portan-to, exige diferentes estratégias para alcançá-lo. É exatamente nesse aspecto que a equipe jurídica se concentra.

Resumir-se à afirmação de que o projeto obedece aos parâmetros legais não resolve o problema da não recepção do programa. Pelo contrário, propicia mais boatos e mais conflitos, desencadeados principalmente pela minoria que não de-seja o projeto:

A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens, depois que a natureza de há muito os libertou de uma direção estranha (naturaliter maiorennes), continuem, no entanto de bom grado menores durante toda a vida. São também as causas que explicam por que é tão fácil que os outros se constitu-am em tutores deles. É tão cômodo ser menor. Se tenho um livro que faz as vezes de meu entendimento, um diretor espiritual que por mim tem consciência, um médico que por mim decide a respeito de minha dieta, etc., então não preciso me esforçar. Não tenho necessidade de pensar, quando posso simplesmente pagar; ou-tros se encarregarão em meu lugar dos negócios desagradáveis. A imensa maioria da humanidade (inclusive todo o belo sexo) considera a passagem à maioridade difícil e além do mais perigosa, porque aqueles tutores de bom grado tomaram a seu cargo a supervisão dela. Depois de terem primeiramente embrutecido seu gado doméstico e preservado cuidadosamente estas tranqüilas criaturas a fim de não ousarem dar um passo fora do carrinho para aprender a andar, no qual as encerraram, mostram-lhes, em seguida, o perigo que as ameaça se tentarem andar sozinhas. Ora, este perigo na verdade não é tão grande, pois aprenderiam muito bem a andar finalmente, depois

Page 206: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012204

de algumas quedas. Basta um exemplo deste tipo para tornar tímido o indivíduo e atemorizá-lo em geral para não fazer outras tentativas no futuro (KANT, 1974, p. 100-101).

É difícil, portanto, para um indivíduo desvencilhar-se da “menoridade” que para ele se tornou quase uma natureza. Chegou mesmo a ser realmente incapaz de utilizar seu próprio entendimento, porque nunca o deixaram fazer a tentativa de assim proceder. Esse foi e continua sendo um constante desafio para a atuação da equipe jurídica no assentamento do Engenho Velho, construir “com” e não “para” os moradores o conhecimento sobre os rumos do projeto, pois, quando eles assimilam a ideia contida neste, independentemente da linguagem que usam para explicá-la, o diálogo se torna efetivo e o sucesso do trabalho também.

Uma das vantagens da abordagem coletiva é angariar a adesão voluntária, isto é, consciente, que permite às equipes avançar na identificação segura dos pro-blemas urbanísticos, ambientais e sociais que assolam a região do Engenho Velho.

Ocorre que esse avanço necessita ser mais significativo, o que seria viabili-zado via sistemas de vistorias: adentrar nos lotes para fazer medições e detectar as suas peculiaridades. No entanto, ainda se encontram resistências por parte de alguns moradores, principalmente daqueles que possuem lotes com dimensões muito superiores aos definidos na MP no 2.220/2001 e não querem vê-las dimi-nuídas em prol de um bem maior: o direito à moradia da coletividade.9

E nesse cenário, faz-se necessário ser cauteloso no debate com a comunidade a fim de conferir voz a todos e não apenas àqueles que possuem lotes grandes e conseguem, por conta dessa situação, oprimir os demais.

A intermediação entre os moradores de Itaboraí e a lei que rege a regulari-zação fundiária ficou incumbida à equipe jurídica, a qual, após o levantamento das informações históricas sobre o assentamento do Engenho Velho e o estudo do conteúdo do projeto urbanístico previsto pelas demais equipes do NEPHU, procedeu à análise da situação fática de cada posseiro.

Para tanto, foi preciso inicialmente promover assembleias com os morado-res para que estes se identificassem, comprovando a condição de possuidores do lote e o tempo de posse. Bem verdade que essa aproximação com a comunidade demanda o estabelecimento de uma relação de confiança entre aquela e as equipes envolvidas no projeto, o que só é possível com a construção do conhecimento sobre a importância da regularização fundiária para a região do Engenho Velho.

9. É mister destacar que a resistência ao projeto surgiu da parte minoritária dos moradores, possuidores inclusive dos lotes que extrapolam 1.000m2. Essa minoria, por ser organizada e articulada politicamente, dissemina informações deturpadas sobre o projeto, influenciando e desmobilizando a maioria da população, que vive em condições precárias.

Page 207: Politica Publica Ppp38

205Redefinindo Papéis no Processo de Regularização Fundiária...

Nos encontros foram mapeados entraves, que precisariam ser previamente resolvidos, tais como: áreas de risco de desabamento ou alagamento – devido ao não escoamento das águas pluviais –, pavimentação das ruas, instalação de siste-ma de saneamento e a promoção de um centro de capacitação profissional, de for-mação escolar e de áreas de lazer para crianças e adolescentes. Afinal, urbanidade guarda íntima relação com cidadania, que, por sua vez, está atrelada à educação.

Uma população educada é capaz de lutar pelos seus direitos e cumprir com os seus deveres. Uma população que pensa não sucumbe à opressão daqueles que utilizam um discurso terrorista para atemorizar os moradores e escamotear verda-des. É nesse ponto inclusive que já se afirmou residir o maior empecilho para o desenvolvimento do projeto, pois para as pessoas se cadastrarem é preciso que elas o façam de maneira espontânea e o medo acaba por lhes retirar tal espontaneidade.

De fato, o cadastramento é fundamental para o controle da demanda e o congelamento da área a ser regularizada, a partir da clara identificação dos mora-dores que serão os beneficiários da regularização, evitando-se a especulação imo-biliária e o contínuo retalhamento desplanejado da área.

Desse modo, verificou-se a necessidade de ampliação do debate, com di-ferentes formas de comunicação: distribuição de jornais contendo informações sobre o projeto e agendamento de plantões para dirimir dúvida ou fazer cadastra-mentos, além da possibilidade de visita ao local de trabalho das equipes, a fim de demonstrar a credibilidade do projeto e receber informações específicas sobre a situação de cada morador e seu respectivo lote.

7.2 Da conscientização ao comprometimento do poder público

Aliado a esse processo constante e intenso de conscientização da comunidade, deve-se buscar apoio junto ao poder público legal no intuito de conferir legitimidade política ao projeto, ou seja, garantir que os parâmetros nele estabelecidos sejam respeitados não apenas pelos moradores, mas também e principalmente pelo governo. O com-prometimento governamental garante a respeitabilidade política do projeto para além da gestão atual, evitando que este se torne mera promessa eleitoral e que a população volte àquela descrença nos instrumentos legais garantidores dos seus direitos.

A imprescindibilidade da participação do poder público resulta do fato de o Programa de Regularização Fundiária demandar recursos da administração mu-nicipal, bem como repasses do governo federal, por meio do MCidades, eviden-ciando a necessidade de unir esforços de maneira concatenada para a efetivação do direito à moradia. O fim último do projeto é garantir aos moradores o título de concessão de uso especial para fins de moradia, o que lhes garantirá o direito de permanecerem no local com as suas famílias, atrelados à realização de obras de melhorias habitacionais.

Page 208: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012206

É cediço que a Constituição Republicana vigente positivou a dignidade da pessoa humana enquanto direito fundamental, sendo um dos seus reflexos a pre-visão constitucional, regulamentada pela MP no 2.220/2001, do direito social à moradia cuja eficácia exige prestações positivas por parte do Estado.10 Em outras palavras, por um lado, para concretizá-lo, o poder público terá de despender re-cursos, situação que constantemente enfrenta a barreira da reserva do possível, ou seja, a alegação de ausência de verba pública suficiente para cobrir todas as despesas estatais. Por outro, é inegável que se o direito vindicado pertencer ao núcleo do mínimo existencial, como o é a moradia, ele deve ser considerado prio-ritariamente quando da elaboração da lei orçamentária, de modo que não faltem recursos ao seu implemento.11

Uma vez formalizado o requerimento de concessão de uso especial nos mol-des da previsão legislativa regulamentada na MP no 2.220/2001, compete ao po-der público, mais especificamente ao município local quando se tratar de imóvel urbano de sua titularidade, proceder à regularização dos posseiros ajustados ao conteúdo da espécie normativa supracitada mediante a entrega do título de con-cessão, de modo que se tornem possuidores legítimos dos lotes.

Essa exigência de participação do poder público municipal não é despicien-da. Ao contrário, vem ao encontro de toda a legislação constitucional, que define competências e direitos fundamentais.

A Constituição estabelece ser da competência comum da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios a promoção da melhoria das condições habi-tacionais e de programas de construção de moradias (Art. 23, inciso IX, CF/88), bem como serem da competência legislativa concorrente às disposições concernen-tes ao direito urbanístico, cabendo à União fixar as normas gerais, concretizadas no Estatuto da Cidade (Lei no 10.257/2001), que dispõe como diretriz geral da política urbana a regularização fundiária e a urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda (Art. 2o, inciso XIV), cabendo ao município a execução dessa política de desenvolvimento urbano, da qual um dos instrumentos é a con-cessão de uso especial para fins de moradia.12

10. A positivação da exigibilidade plena dos direitos fundamentais está presente no preâmbulo da CF/88.11. “O direito à moradia já era reconhecido como uma expressão dos direitos sociais por força mesmo do disposto no art. 23, IX, da CRFB, segundo o qual é da competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento”. Aí já se traduzia um poder-dever do poder público que implicava contrapartida do direito correspondente a tantos quantos necessitem de uma habitação. Essa contrapartida é o direito à moradia que a EC no 26, de 14 de fevereiro de 2000, explicitou no Art. 6º (SILVA, 2003, p. 313).12. “(...) o instituto da concessão especial de uso para fins de moradia atende a evidente interesse social, na medida em que se insere como instrumento de regularização da posse de milhares de pessoas das classes mais pobres, em regra faveladas, contribuindo para ampliar a função social inerente à propriedade pública” (DI PIETRO, 2002, p. 149-170).

Page 209: Politica Publica Ppp38

207Redefinindo Papéis no Processo de Regularização Fundiária...

Um dos grandes desafios que devem ser enfrentados pelo ente municipal é garantir que a terra pública urbanizada permaneça vinculada à função social de moradia para atendimento da comunidade de baixa renda, sob pena da incidência do Art. 8o da MP no 2.220/2001, que determina a extinção da concessão e, por conseguinte, a retomada do bem pelo poder público, nos casos de destinação diversa ou de o possuidor vir a titularizar outro imóvel.

Assim, após direcionar parte do orçamento público para a urbanização e a regularização das áreas concedidas, combatendo o processo de produção informal de assentamentos, o qual gera a segregação espacial, a falta de condições de habi-tabilidade, a insegurança na posse, além é claro de não servir à necessidade vital de moradia digna, o poder público municipal não deve se olvidar de garantir a segurança da posse legalizada. Isso significa conferir à comunidade direitos sobre o imóvel com amparo legal e com o estabelecimento de regras que impeçam de-salojamentos forçados.

Ademais, mister ter em mente que reservar os imóveis públicos urbanizados e regularizados não impede a livre negociação do título, pois a mobilidade existe e não pode ser impedida. Nada obstante o título ser transferível, a mobilidade deve atender não apenas aos interesses dos concessionários originais, mas também de qualquer outra família de baixa renda que não tenha acesso ao mercado imobiliário tradicional, garantindo que a concessão se atenha ao âmbito dos indivíduos hipos-suficientes e, por conseguinte, continue a servir ao interesse público. Desse modo, imprescindível que a prefeitura estabeleça regras específicas de transmissão, mesmo porque a concessão não retira a titularidade do imóvel por parte do poder público.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verificamos que um dos efeitos gerados pela globalização foi a consolidação do Estado mínimo, o qual preconiza a intervenção estatal restrita às suas atividades essenciais enquanto ente soberano e autônomo. No mais deve prevalecer a nor-matividade universal, em que as regras se aplicam do mesmo modo nas sociedades cujos sistemas político-econômicos coincidam.

Se o processo de globalização desfez fronteiras reduzindo a atuação estatal para pensar o mundo como um todo comunicável por regras e práticas co-muns, que devem ser adotadas por todos, indistintamente, não menos certo é afirmar que tal uniformidade tão desejada não ocorreu de forma absoluta. Isso porque o Estado – compreendido como representação das esferas político-ad-ministrativas União, Estados e municípios – deveria ser uma figura catalisadora dos anseios sociais, com atuação “máxima” no que concerne ao bem-estar dos seus habitantes. Inclusive essa mesma ideia se faz presente nos fundamentos da edição do Estatuto da Cidade e das políticas públicas urbanas voltadas ao setor

Page 210: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012208

da habitação. Ocorre que, com a atuação reduzida do Estado, os administrados não lhe reconhecem a legitimidade e, por conseguinte, ignoram o dever de obediência às suas normas.

É bem verdade que essa limitação das áreas de ingerência do Estado poderia ter servido como “abertura” para novas formas de conhecer e interpretar o mun-do. Porém, acabou por atuar inversamente, gerando a supressão das condições básicas do ser humano, do seu “mínimo existencial”: moradia, alimentação e edu-cação adequadas.

Tais carências provocam efeito devastador no exercício da cidadania, pois tolhe o indivíduo da capacidade de se educar para aprender a pensar, raciocinar por si próprio e agir com consciência quando da decisão sobre o que é bom para ele e para a comunidade na qual se insere.

No presente artigo, enfrentaram-se as questões pertinentes ao assentamento do Engenho Velho situado em Itaboraí/RJ e a sua relação com o Programa de Regularização Fundiária desenvolvido pelo NEPHU/UFF.

Observou-se que a comunidade local se depara com uma enorme distân-cia entre as garantias legais de bem-estar devidas a toda e qualquer pessoa, sem distinção, e as condições de vida daqueles moradores. Evidencia-se, portanto, o paradoxo entre o Estado brasileiro que se intitula democrático e parte do seu povo completamente alijado das políticas públicas.

Diante desse cenário antidemocrático encontrado no Engenho Velho, as moradias se encontram em situação de risco sob o aspecto tanto urbanístico quanto jurídico. É preciso regularizar a posse dos moradores para que no futuro, talvez muito próximo, não venham a perder as suas casas em razão do poderio econômico de empresas que vêm espraiando os seus polos para aquela região, como é o caso do COMPERJ.

Superadas as dificuldades quanto ao mapeamento do terreno e dos lotes, ao cadastramento dos moradores, à compreensão das reais necessidades básicas destes (que vão para além da moradia, incluindo a educação e a formação profis-sional) e ao convencimento dos gestores municipais da importância de apoiarem o projeto, o NEPHU caminha agora para as negociações junto ao governo federal no intuito de obter o financiamento do projeto, bem como estuda mecanismos de viabilizar junto à procuradoria do município de Itaboraí os documentos que validarão juridicamente a posse fática exercida pelos moradores.

É cediço que os avanços foram consideráveis, porém, o momento atual é de reunir mais esforços, em especial com a participação dos governos federal e municipal, para que a reorganização da cidade saia do papel.

Page 211: Politica Publica Ppp38

209Redefinindo Papéis no Processo de Regularização Fundiária...

Destarte, a equipe jurídica, com as demais equipes do NEPHU, buscou e ain-da continua na busca da regularização da área para que aquela propriedade pública exerça a sua função social, atendendo ao direito à moradia digna daquelas famílias.

Verificou-se que tal regularização demanda procedimentos para além da mera redação jurídica do termo de concessão de uso, precisando realizar o proces-so de conscientização tanto do poder público quanto dos próprios possuidores, uma vez que alguns destes ainda conflitam em interesses – possuidores de grandes lotes versus possuidores de lotes pequenos – ou não conseguem entender os obje-tivos do projeto. E é nesse ponto que entra a questão do diálogo democrático para juntos produzirem conhecimento e, consequentemente, ganharem confiança nas diretrizes do programa, inclusive contribuindo para o sucesso deste, visto que a urbanização da área beneficiará a todos, inclusive àqueles que se sentiram em princípio lesados com a redução dos seus lotes por força de lei.

Ainda existe um trabalho árduo a ser feito na região. Os debates precisarão continuar. Mas com os instrumentos e mecanismos adequados, o objetivo de conferir moradia digna àquela população será devidamente alcançado.

REFERÊNCIAS

ALFONSIN, J. T. O acesso à terra como conteúdo de direitos humanos fundamentais à alimentação e à moradia. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003.

ALVIM, A. A. T. B. et al. Desafios das políticas urbanas no Brasil: a importância dos instrumentos de avaliação e controle social. Cadernos de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, Fundação Mackenzie, v. 6, n. 1, 2006.

ANGHER, A. J. (Org.). Vade Mecum acadêmico de direito. 9. ed. São Paulo: Rideel, 2009.

BARROSO, L. R. (Org.). O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003a.

______. A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamen-tais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003b.

BIENENSTEIN, R. PUR não aborda habitação popular. Jornal Niterói Vai Parar!, Niterói, abr./maio 2002. Edição especial.

CANDAU, V. M. Nas teias da globalização: cultura e educação. In: ______. Sociedade, educação e cultura(s): questões e propostas. Petropólis: Vozes, 2002.

Page 212: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012210

COSTA, C. S. A interpretação constitucional e os direitos e garantias funda-mentais na Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Líber Juris, 1992.

DI PIETRO, M. S. Z. Concessão de uso especial para fins de moradia (Medida Provisória 2.220, de 4.9.2001) – Estatuto da Cidade: comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002.

FARIA, J. E. Justiça e conflito. In: LEAL, R. G. Perspectivas hermenêuticas dos direitos humanos e fundamentais no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

KANT, I. Resposta à pergunta: Que é esclarecimento? In: CARNEIRO LEÃO, E. (Org.). Textos seletos. Tradução de Floriano de S. Fernandes. Petrópolis: Vozes, 1974.

PASSOS, J. J. C. Direito, poder, justiça e processo: julgando os que nos julgam. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

SAMPAIO, J. A. L. (Coord.). Crise e desafios da Constituição: perspectivas e críticas da teoria e das práticas constitucionais brasileiras. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

SARLET, I. W. (Org.). Direitos fundamentais sociais: estudos de direito constitu-cional, internacional e comparado. Rio de Janeiro; São Paulo: Renovar, 2003.

SAULE JUNIOR, N. A proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004.

SILVA, J. A. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

VIANNA, L. W. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. São Paulo: Revam, 2002.

Originais submetidos em novembro de 2009. Última versão recebida em setem-bro 2011. Aprovado em outubro de 2011.

Page 213: Politica Publica Ppp38

CONSIDERAÇÕES SOBRE A DINÂMICA DO SETOR DE SERVIÇOS CEARENSE: UMA ANÁLISE SOB A ÓTICA DO MERCADO DE TRABALHOChristiane Luci Bezerra Alves*

Soraia Araújo Madeira**

Júnior Macambira***

No fim do século XX, o setor de serviços destaca-se na economia mundial e nacional, quando a globalização e a reestruturação produtiva colocam esse setor como importante “colchão absorvedor” do emprego, liderado principalmente pela indústria. No Brasil, isso se torna mais evidente frente às reformas institucionais adotadas nos anos 1990. O Ceará destaca-se a partir de nova estratégia de desenvolvimento que envolve ajuste fiscal e atração de investimentos. Este trabalho procura entender como se deu a dinamização do setor no estado, considerando suas repercussões para o emprego, utilizando os dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). São estabelecidas, ainda, breves considerações sobre a perspectiva sistêmica que a atividade pode estabelecer em sua contribuição para o desenvolvimento local.

Palavras-chave: Mercado de Trabalho; Serviços; Estado do Ceará. 

CONSIDERATIONS ON THE DYNAMICS OF THE SERVICE SECTOR IN CEARÁ: AN ANALYSIS FROM THE PERSPECTIVE OF THE LABOR MARKET

At the end of the twentieth century, the services sector is highlighted by the national and international economy, in a moment which globalization and productive restructuring put this sector as an important “absorbing cushion” of employment mainly by the industry. In Brazil, this become more evident due to institutional reforms in the 90’s. Ceará stands out for a new development strategy which involves tax adjustment and attraction of investments. This research searches for understanding how the dynamics of this sector happened in the state, considering its rebound to employment, based on Rais/MTE data. Brief discussions are still established on the systemic perspective that the activity may set in its contribution to the local development.

Key-words: Labor Market; Services; State of Ceara.

CONSIDERACIONES SOBRE LA DINÁMICA DEL SECTOR DE SERVICIOS EN CEARÁ: UN ANÁLISIS DESDE LA PERSPECTIVA DEL MERCADO DE TRABAJO

A finales del siglo XX, el sector de servicios se destaca en la economía mundial y nacional cuando la globalización y la reestructuración productiva ponen este sector como importante “colchón

* Mestre em Economia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), professora adjunta do Departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri (Urca). E-mail: [email protected]** Mestranda em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará (UFC). E-mail: [email protected]*** Analista de Mercado de Trabalho do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT), mestre em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadul do Ceará (UECE). E-mail: [email protected]

Page 214: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012212

de absorción” del empleo liberado principalmente por la industria. En Brasil, esto se hace más evidente delante las reformas institucionales adoptadas en la década de 1990. El Ceará se destaca desde nueva estrategia de desarrollo que incluye el ajuste fiscal y la atracción de inversiones. En este trabajo se intenta comprender cómo fue la dinamización del sector en el estado, considerando sus repercusiones para el empleo, con datos de la Rais/MTE. Se establecen, además, breves consideraciones sobre el enfoque sistémico que la actividad puede establecer en su contribución al desarrollo local.

Palabras-clave: Mercado de Trabajo; Servicios; Estado de Ceará.

CONSIDÉRATIONS SUR LA DYNAMIQUE DU SECTEUR DES SERVICES DANS LE CEARÁ: UNE ANALYSE DU POINT DE VUE DU MARCHÉ DU TRAVAIL

À la fin du XXe siècle, le secteur des services est mis en évidence par l’économie nationale et internationale, dans un moment où la mondialisation et la restructuration productive mis ce secteur comme un important «phonique» de l’emploi, principalement par l’industrie. Au Brésil, cela devient plusévident en raison de réformes institutionnelles dans les années 90. Ceará se distingue par une nouvelle stratégie de développement qui implique un ajustement d’impôt et l’attraction des investissements. Cette requête de recherche pour comprendre comment la dynamique de ce secteur qui s’est passé en l’état, compte tenu de son rebond à l’emploi, sur la base Rais/MTE. De brèves discussions sont encore établis sur le point de vue systémiqueque l’activité peut mettre en œuvre sa contribution au développement local.

Mots-clés: Marché du Travail; Services; État du Ceara.

1 INTRODUÇÃO

O cenário das economias capitalistas do fim do século XX, particularmente nas décadas de 1970, 1980 e 1990, é marcado por significativas transformações nos regimes de acumulação e regulação mundiais, que envolvem fortes mudanças nas regras do jogo competitivo, transformações das forças produtivas e tecnológicas e ruptura dos paradigmas ideológicos e institucionais, as quais se refletem em novas acomodações na divisão internacional do trabalho (ALVES; LIMA, 2009).

No campo produtivo, o modelo keynesiano-fordista, que liderara o padrão de acumulação do pós-guerra, começa a dar sinais de esgotamento, em fins dos anos 1960. A recuperação das economias da Europa Ocidental e japonesa e o aumento da concorrência dos países recém-industrializados, com a consequente compressão da demanda efetiva por produtos americanos, influenciam na queda de lucratividade e competitividade da economia dos Estados Unidos. A economia americana é afetada, ainda, pelo binômio desequilíbrio fiscal – financiamento inflacionário, o qual torna a moeda instável, forçando a desvalorização do dólar, e culminando, em 1973, com o “colapso do sistema de Bretton Woods”.

No âmbito mundial, a desaceleração das economias centrais, diante de um quadro de “estaginflação”, soma-se à crise do Estado de bem-estar social, dada a incapacidade dos estados nacionais manterem os elevados gastos sociais, frente

Page 215: Politica Publica Ppp38

213Considerações sobre a Dinâmica do Setor de Serviços Cearense...

à crise fiscal dessas economias. Os anos 1970 foram marcados, ainda, por um quadro de choques externos, que envolveram crises financeiras internacionais, primeiro e segundo choques do petróleo, evidenciando a crise do padrão ener-gético do período. Esse conjunto de fatores impõe políticas de ajustes, marcadas pela orientação neoliberal – a partir dos governos de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, e Margaret Tatcher, na Inglaterra.

O quadro de flutuações e crise na economia capitalista mundial evidencia a incapacidade do fordismo de responder aos desafios impostos por um ciclo eco-nômico com demanda desaquecida. Diante do novo cenário mundial de oscila-ções e incertezas, uma série de novas experiências, em se tratando de organização industrial e social, começou a vir à tona, associadas à desregulamentação do Esta-do e da economia em face à nova orientação neoliberal, reestruturação produtiva, além de um novo modelo de acumulação flexível.

Assim, a rigidez fordista da produção e do consumo em massa, que envolve sistemas de racionalização da produção, desqualificação dos operários, padroni-zação de peças e integração vertical, dá lugar a novos princípios de flexibilidade produtiva, com sistema produtivo mais ágil e capaz de atender às exigências de um mercado em crise, dominado por novos padrões de consumo1 (HARVEY, 1992; ANTUNES, 2000).

Nessas condições, as economias de escala da produção fordista dão lugar, no regime de acumulação flexível, à competitividade via economias de escopo, com produção de bens variados, a preços baixos e em pequenos lotes. O uso de novas tecnologias e de novas formas de gestão da produção é acompanhado, como destacam Harvey (1992) e Antunes (2000), por novas formas de gestão de mão de obra (maior envolvimento dos trabalhadores com o processo produtivo, verticalização substituída pela horizontalização), precarização do trabalho (com a expansão do desemprego estrutural, presente em países desenvolvidos ou não),

1. Em meio à crise do regime fordista de produção nos países centrais, em resposta ao cenário de redução das taxas de lucro e crise no modo de acumulação daqueles países, os anos 1970, como enfatizado, são marcados pelas trans-formações impostas pela emergência do novo regime de acumulação flexível. Como resposta à crise, para fazer frente ao esgotamento do modelo vigente, intensificam-se as conexões globais, com significativa expansão dos investimentos diretos, os quais, segundo Cidade, Vargas e Jatobá (2008, p. 24), “(...) estabeleceram-se em países como a Coréia do Sul, o México e o Brasil, considerados em condições de alavancar o processo de desenvolvimento e constituir-se em novos mercados”. Porém, para Lipietz (apud CIDADE; VARGAS; JATOBÁ, 2008, p. 25) o panorama de desigualdade dos países receptores favoreceu o estabelecimento de um “fordismo periférico”, a partir de um regime de acumulação com “traços híbridos”. Assim, caracterizadas pelas desigual dades e pela existência de “grande número de empresas tradicionais ao lado de ramos avançados, muitas dessas economias enfren tam dificuldades para promover as atualiza-ções preconizadas. Nesse quadro, tendem a se reproduzir as desigualdades econômicas, sociais e espaciais” (op. cit.). Para autores como Pochmann, teria ocorrido, na década de 1970, uma “periferização da indústria”, por meio do “deslocamento de partes menos complexas das atividades manufatureiras, que constituem cada vez mais bens que podem ser considerados quase commodities, com base na alta escala de produção, baixo preço unitário, simplificação tecnológica e rotinização das tarefas realizadas pelos trabalhadores”, constituída a partir de uma nova divisão inter-nacional do trabalho, marcada pela “polarização entre a produção de manufatura, em parte nos países periféricos, e a produção de bens industriais de informação e comunicação sofisticados e de serviços de apoio à produção no centro do capitalismo” (POCHMANN, 2004, p. 15).

Page 216: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012214

aumento da subcontratação, em face da diminuição do emprego por tempo com-pleto, além da queda dos salários reais e da perda da força dos sindicatos (alicerce do modelo fordista de produção).

A ruptura no paradigma de acumulação passa a ditar, portanto, fortes pro-cessos de reestruturação produtiva que atingem largamente o setor industrial, o qual se submete a ajustes estruturais com reflexos consideráveis no mercado de trabalho e níveis de produtividade. Como consequência, pode-se observar, para-lela à adoção do modelo de produção flexível e dos altos níveis de desemprego industrial, a elevação do emprego no setor de serviços, resultado do deslocamento da mão de obra dos setores primário e secundário para este setor.

A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões de desenvolvimento desigual, tanto entre os setores como entre regiões geográficas, criando, por exem-plo, um vasto movimento no emprego no chamado “setor de serviços” (HARVEY, 1992, p. 140).

Em consonância com as alterações estruturais do sistema capitalista global, também se observa o crescimento da participação do emprego no setor de serviços na economia brasileira dos anos 1990. As alterações estruturais mais significantes ocorridas na estrutura produtiva brasileira ocorreram nesse período, principal-mente pós-política de estabilização do Plano Real e pós-aprofundamento das re-formas institucionais iniciadas no começo da década. Nesse cenário, destacam-se as reformas de cunho neoliberal, envolvendo desregulamentação da economia, abertura e valorização cambial, reinserção do Brasil no fluxo internacional de capitais, com o aumento do fluxo de investimento direto estrangeiro (IDE), além das privatizações. Os resultados são sentidos no comércio exterior, na estrutura produtiva, no padrão de investimentos e, principalmente, no mercado de traba-lho, onde se observa maior processo de terceirização, precarização do trabalho, aumento da rotatividade, maior jornada de trabalho, além do grande aumento do nível de desemprego, que passa a ter características estruturais (ANTUNES, 1999; POCHMANN, 2001).

No processo de ajuste do mercado de trabalho no início da década, ocorre significativa redução do emprego no setor industrial. Porém, este fator é acompa-nhado do crescimento do emprego no setor de comércio e serviços, que funciona como “acomodador” do desemprego, absorvendo parte da força de trabalho libe-rada pela indústria. Nesse sentido, a maior capacidade de geração de empregos, diferentemente do que acontecera na década de 1970, desloca-se do setor indus-trial para o setor de serviços, durante as décadas de 1980 e 1990.

De acordo com os dados da Rais (1996-2006), verifica-se que o setor de ser-viços, em nível nacional, é o que mais contribui para o total de emprego formal, tendo aumentado sua participação entre 1996 e 2006 e sendo ainda o setor que

Page 217: Politica Publica Ppp38

215Considerações sobre a Dinâmica do Setor de Serviços Cearense...

apresenta a maior taxa de crescimento anual, 3,92%, contra 2,56% da indústria e 3,11% da agricultura.

Em nível estadual, o estado do Ceará, na década de 1990, apresentou resul-tados positivos no mercado de trabalho, no que diz respeito ao número de postos de trabalho gerados, referentes às políticas adotadas a partir de meados dos anos 1980 – pós-primeira gestão do governo Tasso Jereissati –, em que uma nova es-tratégia de crescimento econômico começou a ser posta em prática, envolvendo medidas de saneamento da máquina estatal, enxugamento do quadro de pessoal, além de políticas de incentivos fiscais e de atração de investimentos em infraes-trutura que resultaram em um desempenho financeiro e econômico superior ao esperado (VALOIS; ALVES, 2006). Nos anos 2000, estudos revelam, ainda, uma performance positiva no mercado de trabalho, em que “o emprego formal cea-rense registrou um crescimento médio superior ao observado para o país e para a região Nordeste” (CAVALCANTE; PAIVA; TROMPIERI NETO, 2010, p. 54).

Diante do cenário de alterações institucionais, ocorrido tanto em nível na-cional como estadual, este trabalho pretende traçar um painel do comportamento do setor de serviços cearense em 1996 e 2006, com destaque para a caracterização do mercado de trabalho e a especificação dos padrões de qualidade do emprego no setor.

Há de se destacar que os estudos sobre serviços, apesar de terem ganhado importância, dado o peso que o setor tem sobre a geração de riqueza e emprego, carregam, em grande parte, limitações intrínsecas às atividades terciárias, princi-palmente devido às dificuldades metodológicas de classificação de suas atividades. As limitações também envolvem a complexidade e a heterogeneidade estrutural apresentadas pelo setor, sobretudo quando consideradas economias periféricas (SILVA, 2009).

Apesar de a literatura reconhecer as dificuldades associadas ao padrão seto-rial dos serviços, estudos recentes começam a apontar para a perspectiva sistêmica aplicada a esse setor, à medida que novas tecnologias de informação e conheci-mento, sistemas locais de inovação, são incorporados como fonte endógena de desenvolvimento. Sem ignorar essas contribuições, são feitas breves considerações sobre as relações entre setor de serviços e desenvolvimento regional, a partir da análise estadual.

Em que pesem as limitações dessa análise, já que o setor de serviços cearense é tomado como estudo a partir dos dados da Rais, registro administrativo do MTE que leva em consideração o mercado formal de trabalho, o presente tra-balho deve contribuir para o melhor entendimento da participação do setor na economia cearense.

Page 218: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012216

2 BREVE CARACTERIZAÇÃO DA ESTRUTURA PRODUTIVA CEARENSE ENTRE 1996 E 2006

A mudança no modo de regulação que caracteriza as administrações públicas no Ceará, inauguradas nos chamados “governos das mudanças”, a partir de 1987, inicia um modelo de gestão compartilhada, com uma administração mais ativa, cooperativa e com metas rigorosas para o ajuste fiscal. Desta forma, são incorpo-rados novos princípios e, com a inflexão na implementação da política econômi-ca, o processo de reestruturação produtiva chegou ao Ceará antes de a maioria dos estados do país.

Como resultado, de 1991 a 1996, verificou-se um adequado controle das contas públicas do Ceará, caracterizando uma situação incomum em relação aos demais estados do Brasil. Isso ocorreu porque “(...) o Ceará iniciou o seu ajuste fiscal bem antes que as condições objetivas de aprofundamento da crise fiscal bra-sileira impusessem graus de dificuldade crescentes no desempenho das atividades inerentes ao setor público” (ALMEIDA; SILVA, 1998).

Atrelado ao ajuste fiscal, ou ao êxito dele, o governo estadual apresentou um Programa de Atração de Investimentos, baseado em perspectivas de cresci-mento, estabilidade administrativa, novas condições de credibilidade do estado e eficiência da gerência das finanças públicas (op. cit.). Esse programa consistia ba-sicamente em uma política de incentivos fiscais, combinados com investimentos em infraestrutura. Destacam-se aqui investimentos como: a conclusão do Açude Castanhão, que beneficiaria a economia rural por meio da agricultura irrigada e da agroindústria; a construção do Complexo Industrial e Portuário do Pecém, que incluiria a implantação de uma siderúrgica e de um polo metal mecânico; e a construção do Metrofor.2

A tabela 1 mostra a evolução dos produtos internos brutos (PIBs) estadual e nacional, bem como a participação do PIB cearense no PIB brasileiro. O novo dinamismo da economia cearense do fim dos anos de 1980 e do início dos anos 1990 vai se refletir no aumento da participação do PIB estadual no total do país nos próximos anos, ao qual passa de um percentual de 1,62% em 1990 para 1,95% em 2006 – tendo atingido 2,01 em 1996.

2. Há de se ressaltar um novo conjunto de investimentos estruturantes programados para o Ceará, que passam a fazer parte dos projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, envolvendo a implantação de uma refinaria e um terminal de gaseificação, ambos no Complexo Industrial e Portuário do Pecém, que devem contribuir para consolidar a competitividade neste porto, e uma usina de biodiesel, na região de Quixadá. Destaca-se a criação do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia (Proinfa), que já prevê a expansão e a implantação de novos parques eólicos no estado e a instalação de três usinas térmicas. Completa, ainda, o programa de investimentos, a cons-trução da Ferrovia Transnordestina, que deverá beneficiar os estados do Piauí, de Pernambuco e do Ceará. Considera-se que as novas inversões, ao privilegiar áreas estratégicas como energética, logística e de transporte, além do alcance social e urbano, têm potencial de estimular o setor de serviços estadual em segmentos mais dinâmicos e competitivos.

Page 219: Politica Publica Ppp38

217Considerações sobre a Dinâmica do Setor de Serviços Cearense...

TABELA 1PIB a preços constantes de mercado – Ceará e Brasil, 1990, 1996, 2000 e 2006(Em R$ de 2000)

Anos Ceará (A) Brasil (B) A/B (%)

1990 14.936.643,90 922.362.377,78 1,62

1996 20.213.992,29 1.006.603.239,40 2,01

2000 20.799.548,01 1.101.254.907,19 1,88

2006 27.492.347,04 1.406.854.513,60 1,95

Fonte: <http://www.ipeadata.gov.br>.

Porém, no período em estudo, a economia cearense já não apresenta a mes-ma dinâmica relativa às taxas de crescimento apresentadas na década de 1990. En-tre 1996 e 2006, enquanto Nordeste e Brasil crescem a uma taxa anual de 3,38% e 3,4%, respectivamente, o Ceará cresce a uma taxa de 3,12% a.a. (BRANDÃO; ALVES, 2010).

Na economia regional como um todo, considerando-se o setor de serviços, objeto de estudo desta análise, verifica-se que este se apresentou bastante atrelado ao desenvolvimento local da indústria, no que diz respeito tanto ao modelo de base econômica com políticas de incentivos ficais e de atração de investimentos, como também no tocante às economias de aglomeração ou clusters e que foram primordiais para o desenvolvimento local (PONTES; ALMEIDA, 1998).

Cabe destacar que mais recentemente, particularmente a partir de 2002, a concessão de incentivos no estado do Ceará passou a ser orientada pela visão de cadeias produtivas, com o objetivo de que os investimentos possam integrar e aumentar a competitividade de polos produtivos, diminuindo a necessidade de novos incentivos. Assim, as políticas de desenvolvimento local implementadas no estado, como os Fundos de Desenvolvimento Industrial (FDIs), no tocante às economias de aglomeração, estão diretamente associadas ao conjunto de facilida-des proporcionadas por determinada localização em termos de infraestrutura, re-dução de custos e de transporte, localização, entre outros elementos responsáveis por grande dinamismo do setor de serviços. É nesse contexto que o setor terciário passa a atuar por meio de geração de empregos em educação, saúde, saneamento básico, serviços públicos, além dos serviços especializados (consultoria, informá-tica, assistência técnica, entre outros).

Como na economia nacional, o setor de serviços mantém-se como o que mais contribui na formação do PIB cearense, mesmo diante da realidade esta-dual, que tem, desde os anos 1990, priorizado programas de desenvolvimento industrial. Entre 2002 e 2006, a participação do PIB do setor de serviços oscila em torno de 70% (tabela 2).

Page 220: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012218

Apesar da forte presença do setor de serviços na economia estadual, há de se considerar o fato ressaltado por Melo et al. (1998, p. 6) de que

(...) a presença de um setor serviços quantitativamente relevante, no que se refere à geração da renda e do emprego, pode estar associada tanto a uma economia de serviços moderna, própria a economias em estágios avançados de desenvolvimento, como pode ser resultante da presença de um setor de serviços composto, em sua maior parte, de atividades tradicionais, portadoras de baixos níveis de produtivida-de e refúgio para mão-de-obra de baixa qualificação.

Essa realidade relativa à disparidade na evolução dos subsetores que com-põem o setor serviços está presente na economia brasileira e é reproduzida em nível estadual, que tem, como será visto a seguir, uma estrutura marcada pela forte presença de segmentos “patentemente arcaicos” (op. cit.), como o comércio varejista, que demandam mão de obra de baixa qualificação, com baixa remuneração.

A agricultura apresenta resultados modestos, tendo atingido 8,39% em 2003, fechando esse período com uma participação de 7,26%. Apesar da tentati-va de atuação de programas modestos de promoção do desenvolvimento do meio rural, implementados no governo de Lúcio Alcântara (2003-2007), com ênfase na consolidação de agropolos e agronegócios, como forma de propiciar aumento de renda, produtividade e competitividade no meio rural e fomento de atividades agropecuárias viáveis para a consolidação da economia cearense (ALCÂNTARA, 2004), os resultados não se mostram significativos (tabela 2).

O setor industrial, que a partir da implantação dos FDIs passou a rece-ber significativos incentivos, já não apresenta a mesma dinâmica dos primei-ros governos da “era das mudanças”. Atinge a menor participação em 2003 (21,76%) e a maior no ano seguinte, com 25,13%, terminando o período com 23,53% em 2006.

TABELA 2Evolução e participação do PIB do valor adicionado a preços básicos das grandes atividades econômicas – Ceará, 2002 a 2006(Em R$ de 2000)

Anos Agricultura % Indústria % Serviços % Total

2002 1.506.220,88 7,15 4.778.144,49 22,67 14.792.756,24 70,18 21.077.121,61

2003 1.754.900,60 8,39 4.553.073,37 21,76 14.616.802,83 69,85 20.924.776,8

2004 1.550.048,53 7,07 5.503.313,58 25,13 14.846.264,88 67,79 21.899.626,99

2005 1.373.157,84 6,01 5.266.894,78 23,065 16.194.580,44 70,92 22.834.633,06

2006 1.749.455,22 7,26 5.671.946,81 23,53 16.679.315,44 69,20 24.100.717,47

Fonte: <http://www.ipeadata.gov.br>.

Page 221: Politica Publica Ppp38

219Considerações sobre a Dinâmica do Setor de Serviços Cearense...

3 ESTRUTURA E DINÂMICA DO SETOR DE SERVIÇOS: UMA ANÁLISE DO MER-CADO DE TRABALHO CEARENSE

O mercado de trabalho cearense vem se destacando, como referido, pela grande quantidade de postos de trabalho gerados nas últimas décadas. Dada a importân-cia do setor de serviços na geração de renda e emprego, este passa a ser analisado sob a perspectiva de seu mercado de trabalho.

Em se tratando da participação dos diferentes ramos de atividade na composição do emprego formal do estado, o setor de serviços é responsável pela grande maioria dos postos de trabalho, apesar de ser notada leve redu-ção de sua participação entre 1996 e 2006, o qual apresentava 60,64% dos empregos estaduais, atingindo 59,16% no fim do período. Indústria e agro-pecuária apresentam ganhos de participação. No caso da indústria, o setor participa com 19,66% do total de empregos em 1996 e 20,81% em 2006 e a agropecuária totaliza 1,58% em 1996, aumentando sua participação para 2,26% em 2006 (tabela 3).

TABELA 3Desempenho do emprego formal, segundo o ramo de atividade – Ceará, 1996 e 2006

Ramo de atividade 1996 % 2006 %

Indústria 120.915 19,66 205.879 20,81

Construção civil 32.466 5,28 34.666 3,50

Comércio 74.770 12,16 141.237 14,27

Serviços 372.961 60,64 585.333 59,16

Agropecuária, extração vegetal, caça e pesca 9.693 1,58 22.375 2,26

Outros/ignorado 4.234 0,69 – –

Total 615.039 100,00 989.490 100,00

Fonte: Rais 1996 e 2006.

Em termos de taxa de crescimento, considerando o emprego formal do setor de serviços, para os casos de Ceará, Nordeste e Brasil de 1996 a 2006, podemos identificar melhor performance do estado cearense, com taxa de 4,61% a.a. ao longo da década, contra 4,59% a.a. para o Nordeste e 3,93% a.a, para o Brasil (tabela 4).

Page 222: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012220

TABELA 4Taxa de crescimento do emprego formal no setor de serviços – Ceará, Nordeste e Brasil, 1996 e 2006

Anos Ceará Nordeste Brasil

1996 372.961 2.408.755 1.2889.559

2006 585.333 3.772.189 18.951.696

Taxa de crescimento (%) 4,61 4,59 3,93

Fonte: Rais 1996 e 2006.Elaboração dos autores.

Além do crescimento do número de empregos no setor de serviços cearense, que passa de 372.961 para 585.333 no período analisado (tabela 4), também se pode notar o crescimento considerável do número de estabelecimentos classificados no setor terciário, o qual passa de 12.285, em 1996, para 20.299, em 2006, represen-tando crescimento de 5,15% a.a. para o período (tabela 5). Porém, o crescimento no número de empregos e de estabelecimentos não é acompanhado pela remuneração média do setor, que passa de 3,83 salários mínimos (SMs) para 2,86 SMs entre os anos estudados – isso significa taxa negativa de crescimento de 2,88% a.a. Quanto ao tamanho médio do estabelecimento, podemos observar tendência natural de re-dução de número de empregados por unidade que correspondia a 30,36 em 1996 atingiu 28,84 em 2006, resultando em uma taxa negativa de crescimento de 0,51 % a.a. (tabela 5). Essa tendência é consequência dos processos de enxugamento do número de trabalhadores, muitos dos quais passam, no setor, a ser terceirizados.

TABELA 5Estabelecimentos, empregos, remuneração média e tamanho do estabelecimento no setor de serviços – Ceará, 1996 e 2006

Especificação 1996 2006 Taxa de crescimento (%)

Número de estabelecimentos 12.285 20.299 5,15

Número de empregos 372.961 585.333 4,61

Remuneração média 3,83 2,86 -2,88

Tamanho médio do estabelecimento 30,36 28,84 -0,51

Fonte: Rais 1996 e 2006.Elaboração dos autores.Obs.: Remuneração média em salários mínimos e tamanho médio em número de empregados por estabelecimento.

Para análise mais desagregada do emprego formal do setor de serviços, tomou-se como base os dados da Rais de 1996 e 2006, com destaque para os principais subsetores da atividade terciária: comércio varejista (COM VAREJ), comércio ataca-dista (COM ATAC), instituições de crédito, seguros e capitalização (INST FINANC), comércio e administração de imóveis, valores mobiliários, serviços técnico-profissionais (ADM TEC PROF), transportes e comunicações (TRAN E COM), serviços de

Page 223: Politica Publica Ppp38

221Considerações sobre a Dinâmica do Setor de Serviços Cearense...

alojamento, alimentação, reparação, manutenção e redação (ALOJ E ALIM), serviços médicos, odontológicos e veterinários (MED ODONT VET), ensino (ENSINO) e administração pública direta e autárquica (ADM PUBLIC) (tabela 6).

TABELA 6Distribuição do emprego formal por atividades terciárias – Ceará, 1996 e 2006

Atividades econômicas1996

Número de empregos%

2006Número de empregos

%

COM VAREJ 59.927 13,38 120.815 16,63

COM ATAC 14.843 3,32 20.422 2,80

INST FINANC 12.326 2,75 13.015 1,79

ADM TEC PROF 30.165 6,74 89.927 12,38

TRAN E COM 26.787 5,98 33.553 4,62

ALOJ E ALIM 43.013 9,61 80.710 11,11

MED ODON VET 37.730 8,43 25.958 3,57

ENSINO 68.747 15,35 34.695 4,78

ADM PUBLIC 154.193 34,44 307.475 42,32

Total 447.731 100,00 726.570 100,00

Fonte: Rais 1996 e 2006.Elaboração dos autores.

Pode-se notar que o subsetor de serviços que apresenta maior representativi-dade na formação do emprego é a ADM PUBLIC, gerando 34,44% do número de empregos formais em 1996 e 42,32% em 2006, o que representa um signifi-cativo crescimento. Isto reflete o peso que o Estado historicamente assumiu na dinâmica econômica nacional, fato que também se reflete em parte das esferas estaduais.3 O segundo subsetor de maior representatividade para o início da série é o setor de ENSINO, com 15,35% dos empregos gerados, perdendo o posto em 2006 para o COM VAREJ, tida como atividade que geralmente demanda menor qualificação profissional. Em 2006, essa última gera 16,63% dos empregos e o setor de ENSINO, apenas 4,78%. Outro grupo com participação significativa é o de ALOJ E ALIM, formado por atividades que também exigem menor qualifica-ção, como setores de alimentação, reparação, manutenção, entre outros, que pas-sam de 43.013 números de empregos em 1996 para 80.710 em 2006 (tabela 6). Esse setor tem destaque devido à importância da cadeia de turismo para o estado do Ceará – envolvendo bares, restaurantes, hotéis etc. –, mas também se caracte-riza por picos de ocupação, dada a sazonalidade de grande parte das atividades.

3. Para Cavalcante, Paiva e Trompieri Neto (2010, p. 21), “(...) é notório, tanto no país quanto no estado, a forte dinâmi-ca da geração de novos postos de trabalho voltadas para o setor de serviços e administração pública”. O significativo peso assumido pela administração pública na geração de empregos formais no Ceará deve ser visto com cautela, já que, em via geral, a intensidade desse setor no total de emprego pode ser considerada inversamente proporcional ao nível de atividade econômica, sendo elevada quando essa é escassa.

Page 224: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012222

Merecem destaque, ainda, no tocante a números de empregos gerados para a década: ADM TEC, que apresenta a maior taxa de crescimento anual, com 11,54 % a.a. para o decênio; ALOJ E ALIM, com 7,26 % a.a.; e ADM PUB, com 7,15 % a.a. Cabe ressaltar os subsetores que apresentaram redução no tocante à taxa de crescimento, como: ENSINO e MED ODON VET com - 6,61% a.a. e, -3,67 % a.a., respectiva-mente, entre 1996 e 2006.

Ao analisar a escolaridade média segundo os subsetores, podemos observar a ele-vação ininterrupta dos anos de estudos da mão de obra empregada, que passa de 8,5 anos de qualificação em 1996, para 10,41 anos de estudo em 2006, refletindo uma melhoria na qualificação profissional dos empregados cearenses (tabela 7). Ressalta-se que a elevação nos anos de estudo repete tendência observada em nível nacional, não sendo, portanto, exclusividade ou vantagem comparativa da economia cearense.

TABELA 7Escolaridade média em 31 de dezembro, segundo os subsetores ocupacionais de ser-viços – Ceará, 1996-2006

Anos Escolaridade média

1996 8,5

1997 8,89

1998 9,00

1999 9,26

2000 9,31

2001 9,47

2002 9,69

2003 9,90

2004 –

2005 10,20

2006 10,41

Fonte: Rais 1996-2006.Elaboração dos autores.

Quanto ao grau de escolaridade da mão de obra empregada, podemos ob-servar, pela da tabela 8,4 a melhoria na formação no mercado de trabalho da ati-vidade terciária, com relevante redução em termos percentuais de trabalhadores

4. A partir de 1996, o Ministério da Educação (MEC) regulamenta, por meio de Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), as etapas de ensino que passam a compor a educação básica no Brasil: ensino fundamental e ensino médio. O ensino fundamental engloba o que antes era caracterizado como 1o grau, acrescido da antiga classe de alfabetiza-ção, compondo-se de dois ciclos, correspondente a nove anos de estudos: Ciclo 1 – classe de alfabetização (CA) = 1o ano; 1a a 4a série = 2o ao 5o ano; Ciclo 2 – 5a a 8a série = 6o ao 9o ano. O ensino médio compreende o antigo 2o grau (1a, 2a e 3a série). A Rais, para os anos deste estudo, ainda utiliza a caracterização e a distribuição de faixas de esco-laridade anterior. Em etapa posterior da pesquisa, em que são incluídos novos anos em análise, é feita a atualização conforme as novas determinações do MEC.

Page 225: Politica Publica Ppp38

223Considerações sobre a Dinâmica do Setor de Serviços Cearense...

com níveis de formação inferior ao 1o grau completo. Em contrapartida, nota-se o aumento do número de empregados nas faixas de escolaridade do 2o grau in-completo e completo, principalmente, superior incompleto e superior completo.

Em todas aquelas faixas de escolaridade, diminui a concentração de traba-lhadores, enquanto aumenta o número de trabalhadores com o 2o grau incom-pleto, com 4,31% em 1996 e 5,62% em 2006; com o 2o grau completo, que era de 30,19% em 1996, passa para 37,03% em 2006; com o superior incompleto, que apresentava 2,64 % em 1996, passa para 22,40 em 2006; e com o superior completo, que respondia por 13,12% dos empregos em 1996, foi responsável por 22,55% da mão de obra empregada em 2006.

A tendência da concentração de trabalhadores nas faixas de escolaridade destacadas anteriormente fica evidenciada, portanto, por meio da taxa de varia-ção para o decênio: 2o grau incompleto apresenta variação de 104,52%; 2o grau completo, 92,51%; superior incompleto e completo com variações de 177,07% e 169,75%, respectivamente, para a década (tabela 8).

TABELA 8Nível de escolaridade do pessoal ocupado no setor de serviços – Ceará, 1996 e 2006

Escolaridade 1996 % 2006 % Taxa de variação

Analfabeto 14.525 3,89 5.832 1,00 -59,85

4a série incompleta 34.653 9,29 30.816 5,26 -11,07

4a série completa 38.417 10,30 23.440 4,00 -38,99

8a série incompleta 38.290 10,27 40.050 6,84 4,59

8a série completa 55.151 14,79 76.329 13,04 38,40

2o grau incompleto 16.093 4,31 32.914 5,62 104,52

2o grau completo 112.581 30,19 216.731 37,03 92,51

Superior incom-pleto

9.839 2,64 27.261 22,40 177,07

Superior completo 48.920 13,12 131.960 22,55 169,75

Ignorado 4.492 1,20 – – –

Total 372.961 100,00 585.333 100,00 56,94

Fonte: Rais 1996 e 2006.Elaboração dos autores.

No que concerne a níveis de remuneração obtidos pelo pessoal ocupado no grande setor de serviços, nota-se que, apesar de melhorias na qualificação de profissionais em anos de estudos, os salários não acompanham os níveis de esco-laridade. Demonstra-se, assim, a carência e a falta de oportunidades de empregos com melhores remunerações no Ceará. Os índices de remuneração mais signifi-cativos em termos percentuais estão entre 1 SM e 2 SMs, faixa que concentrava

Page 226: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012224

23,12% dos empregos em 1996, número que se eleva consideravelmente para 48,06% em 2006, mostrando a intensa precarização do mercado de trabalho no setor terciário cearense.

Nota-se, ainda, uma queda do número da mão de obra em faixas de maiores remunerações, com destaque para a expressiva redução do número de trabalha-dores que auferiam mais de 5 SMs; 80.673 trabalhadores em 1996, o que cor-responde a 21,63% da mão de obra ocupada, e 75.079 trabalhadores em 2006, resultando em um percentual de 12,82%, como pode ser observado na tabela 9.

TABELA 9Empregos segundo o nível de remuneração em 31 de dezembro, no setor de serviços – Ceará, 1996 e 2006

Faixas 1996 % 2006 %

Até 1 SM 72.528 19,44 98.085 16,76

Entre 1 e 2 SMs 86.335 23,12 28.1295 48,06

Entre 2 e 3 SMs 47.704 12,79 63.042 10,77

Entre 3 e 5 SMs 46.469 12,46 62.451 10,67

Acima de 5 SMs 80.673 21,63 75.079 12,82

Ignorado 39.352 10,55 5.381 0,92

Total 372.961 100 585.333 100

Fonte: Rais 1996 e 2006.Elaboração dos autores.

Outro atributo a ser analisado, e que permite inferir sobre padrões de qua-lidade do emprego no setor terciário, é a distribuição da mão de obra por tempo de serviço e suas tendências de rotatividade. No Ceará, é expressivo o número de trabalhadores empregados por cinco anos ou mais, 57,79%, em 1996. Pórem, essa faixa que expressa maior estabilidade no trabalho perde em concentração de trabalhadores, já que o percentual se reduz para 45,54% em 2006.

A faixa geralmente considerada para caracterizar a rotatividade da mão de obra empregada, menos de dois anos de tempo de serviço, apresenta número ex-pressivo de trabalhadores em 1996, 26,37%, situação que se precariza na década em análise, quando 35,45 % da mão de obra passam a se concentrar nessa faixa (tabela 10).

Page 227: Politica Publica Ppp38

225Considerações sobre a Dinâmica do Setor de Serviços Cearense...

TABELA 10Total de empregados por tempo de serviço nos estabelecimentos terciários – Ceará, 1996 e 2006

Anos de serviço 1996 % 2006 %

Menos de 2 98.344 26,37 207.503 35,45

2 a 3 25.968 6,96 40.833 6,98

3 a 5 32.480 8,71 70.237 12,00

5 ou mais 215.563 57,79 266.559 45,54

Ignorado 606 0,16 201 0,03

Total de empregados 372.961 100,00 585.333 100,00

Fonte: Rais 1996 e 2006.

No que diz respeito à distribuição da ocupação no grande setor de serviços cearense, em 1996 podemos observar maior representatividade dos empregados nos segmentos de serviços turísticos, hospedagem, serventes, higiene e beleza, segurança e auxiliares da saúde, com 115.684 empregos e 31,02%. Muitos desses serviços exigem menor grau de escolaridade e remuneração e também são marca-dos por alta rotatividade e sazonalidade. O segundo segmento no setor que mais emprega em 1996 são os trabalhadores de serviços administrativos e trabalhado-res assemelhados, com 106.408 postos de trabalho e 23,53%, e o terceiro gru-po que merece destaque são os trabalhadores das profissões científicas, técnicas, artísticas e trabalhadores assemelhados com 88.253 empregos e que representam 23,66% (tabela 11).

Para 2006, podemos mencionar como principal destaque para as ocupa-ções os profissionais das ciências e das artes,5 com 164.798 postos de trabalho e 28,15%. Já os trabalhadores dos serviços, vendedores do comércio em lojas e mercados totalizam 148.764 números de empregos e 25,42%; o terceiro grupo de ocupação são os trabalhadores de serviços administrativos, com 105.055 postos de trabalho e representando 17,95% (tabela 11).

5. Há que se considerar o crescimento expressivo na rede federal de educação profissional e tecnológica, ocorrido particularmente nos anos 2000, que também tem reflexos na economia cearense, com aumento no número de cursos de curta e longa duração (CONIF, 2011). No estado, a expansão da rede tem sido promovida por diversas instituições vinculadas às instâncias administrativas do Estado, da União e mantenedores privadas, com destaque para a rede de unidades do Instituto Centro de Ensino Tecnológico (CENTEC), envolvendo ainda as faculdades tecnológicas e os centros vocacionais tecnológicos, caminhando em largos passos para a interiorização e beneficiando municípios como: Limoeiro do Norte, Sobral, Quixadá, Acaraú, Crateús, Canindé, Juazeiro do Norte, Crato, Iguatu, Cedro, Maracanaú, entre outros, abrangendo todas as regiões administrativas do estado.

Page 228: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012226

TABELA 11Distribuição da ocupação no setor de serviços – Ceará, 1996 e 2006

Atividades econômicas 1996 %

Trabalhadores das profissões científicas, técnicas, artísticas e trabalhadores assemelhados 21.935 5,88

Trabalhadores das profissões científicas, técnicas, artísticas e trabalhadores assemelhados 88.253 23,66

Membros dos Poderes Legislativo, Executivo, Judiciário, funcionário público sup., diret. empr. e trabalhadores assemelhados

6.484 1,74

Trabalhadores de serviços administrativos e trabalhadores assemelhados 106.408 28,53

Trabalhadores de comércio e trabalhadores assemelhados 2.608 0,70

Trabalhadores de serviços de turismo, hospedagem, servente, higiene e embele., segurança e auxiliar saúde

115.684 31,02

Trabalhadores agropecuários, florestais, da pesca e trabalhadores assemelhados 1.159 0,31

Trabalhadores prod. indust., oper. maq., condut. veic. e trabalhadores assemelhados – grande gr 1.188 0,32

Trab. prod. indust., oper maq, condut. veic. e trabalhadores assemelhados – grande gr 4.057 1,09

Trab. prod. indust., oper. maq., condut. veic. e trabalhadores assemelhados – grande gr 22.631 6,07

Ignorado 2.554 0,68

Total 372.961 100,00

Atividades econômicas 2006 %

Membros superiores do poder público, dirigentes de organizações 26.075 4,45

Profissionais das ciências e das artes 164.798 28,15

Técnico de nível médio 77.109 3,17

Trabalhadores de serviços administrativos 105.055 17,95

Trabalhadores dos serviços, vendedores do comércio em lojas e mercados 148.764 25,42

Trabalhadores agropecuários, florestais e da pesca 1.930 0,33

Trabalhadores da produção de bens e serviços industriais 31.483 5,38

Trabalhadores da produção de bens e serviços industriais 2.723 0,47

Trabalhadores em serviços de reparação e manutenção 25.637 4,38

Ignorado 1.759 0,30

Total 585.333 100,00

Fonte: Rais 1996 e 2006.Elaboração dos autores.

Ao desagregar as ocupações do setor cearense por meio dos dados da Rais (1996-2006), no tocante à distribuição dos empregos dos grandes subsetores de serviços, podemos notar grande destaque para os professores, que representam 18,82% do total do número de empregos em 1996, com leve redução em 2006, 18,75%. Já os trabalhadores de serviços, de limpeza de edifícios, logradouros públicos e trabalhadores assemelhados representam 12,57%, além dos trabalha-dores de serviços administrativos e trabalhadores assemelhados e agentes admi-nistrativos, com 11,09% e 10,05%, respectivamente, em 1996. Outro grande

Page 229: Politica Publica Ppp38

227Considerações sobre a Dinâmica do Setor de Serviços Cearense...

destaque para 2006 são os trabalhadores dos serviços (21,19%), além dos escri-turários (14,30%) (MADEIRA; ALVES, 2009).

4 SETOR DE SERVIÇOS E DESENVOLVIMENTO REGIONAL: BREVES CONSIDE-RAÇÕES SOBRE A PERSPECTIVA ESTADUAL

Nas últimas décadas, o estudo do setor de serviços ganha destaque na literatura econômica, conforme mencionado, dada sua importância para ampliação e ma-nutenção da renda, bem como para a determinação e a composição do emprego das diferentes economias.

Para Dedecca (1990), após períodos em que a agricultura e depois a indús-tria representaram o centro dinâmico da economia brasileira – processo de com-plexificação da estrutura produtiva e da infraestrutura –, estas perderiam partici-pação relativa e sua função de motor de desenvolvimento da economia passaria a ser vinculada e exercida pelo setor terciário.

No Brasil, a expansão do emprego no setor de serviços acompanha o avanço do sistema de industrialização por meio do Processo de Substituição de Impor-tações, nos anos 1970. Para Almeida e Silva (1973), a industrialização e a urba-nização teriam provocado aumento da força de trabalho nas atividades terciárias, principalmente em ramos que exigiam menor qualificação e que apresentavam menores remunerações.

A importância do setor de serviços no Brasil nesta década é explicada por dois movimentos distintos: no processo de desenvolvimento, a expansão da produção industrial e da agropecuária exigiu um aumento das atividades de distribuição de mercadorias e dos serviços financeiros, ramos de atividades estritamente relaciona-das com produção de bens. Neste caso, a expansão destes serviços seria uma resposta às necessidades de construção de segmentos modernos; a urbanização nos países periféricos foi acompanhada, de modo mais geral, por um aumento da força de trabalho nos serviços e na construção civil (...) com mão-de-obra de baixo grau de qualificação que buscaram a cidade por atividades mais tradicionais do comércio e da prestação de serviços pessoais (MELO et al., 1998, p. 19-20).

Para Pochmann (2001), o setor de serviços apresentou-se como importante absorvedor de mão de obra desde sua origem, resultante em grande parte do mo-vimento do êxodo rural pela insuficiência de postos de trabalho nos setores pri-mário e secundário para o número de empregados disponíveis no mercado. Kon (2004) destaca ainda o papel da complementaridade das atividades de serviços em relação à evolução das atividades industriais brasileiras.

Os anos 1980 são considerados um período de fortes desequilíbrios macroeconômicos, associados ao esgotamento do modelo de substituição de importações, aos impactos das crises externas (primeiro e segundo choques

Page 230: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012228

do petróleo) sobre a economia nacional e ao processo de ajuste ortodoxo implementado na primeira metade da década. Os principais desequilíbrios estão intrinsecamente ligados à crise fiscal do Estado brasileiro ao proces-so inflacionário crônico; este último será alvo de sucessivos programas de estabilização heterodoxa, na segunda metade da década de 1980, que não apresentam sucesso no combate à inflação.

Os anos de 1990 marcam um período de grandes transformações político--econômicas no país, ainda impactado pela recessão da década anterior. O pe-ríodo é caracterizado pela diminuição da participação do Estado na economia, associada às mudanças significativas que envolvem as relações de trabalho, desre-gulamentação dos mercados, processos de abertura comercial e financeira, priva-tizações, valorização cambial, além de graves consequências de políticas de juros sobre o crédito (ALVES, 2003).

A partir de 1994, dada a estabilização monetária promovida pelo Plano Real, privatizações e alterações no ambiente macroeconômico, com o aprofundamento da abertura comercial, as empresas brasileiras viram-se obrigadas a intensificar o processo de reestruturação produtiva e empresarial. Diante da adaptação a um novo ambiente competitivo, empresas procuraram se adequar à nova ideologia no mercado de trabalho, por meio de políticas de menores custos, maior qualidade e melhor escala de produção com produtos mais competitivos, a fim de organizar a produção e o trabalho de forma a permitir que uma grande diversidade de pro-dutos e serviços fosse oferecida no mercado. Os resultados dessa reestruturação empresarial são: redução da mão de obra, terceirização das atividades – limpeza, segurança, vendas etc. –, aumento de importações, entre outros.

Nesse cenário, segundo Proni et al. (2005), um dos fatores que impulsiona-ram a modernização e o aumento da participação no setor de serviços na década de 1990 foi a entrada de capital estrangeiro no país, sendo o ramo financeiro, de telecomunicações, transportes e comércio varejista e atacadista que alavancaram esse processo. Nos bancos, por exemplo, a introdução de novas tecnologias foi decisiva para o melhor atendimento dos clientes, por meio da automação dos ser-viços (autosserviços); as telecomunicações, após privatizações e entrada de novos agentes, puderam aumentar a oferta do serviço e atender maior número de pesso-as; no comércio varejista, as mudanças mais relevantes se deram nos segmentos de super e hipermercados, com a diversificação dos serviços, como: informatização, leitura óptica de códigos de barras, relação com o fornecedor etc.

É importante entender, nessa dinâmica, que o setor de serviços começa a ganhar destaque, principalmente nas duas últimas do século XX e início do século XXI, não apenas na complementariedade das atividades industriais, mas também, considerando que os novos ciclos de desenvolvimento da economia capitalista e as

Page 231: Politica Publica Ppp38

229Considerações sobre a Dinâmica do Setor de Serviços Cearense...

tecnologias da informação e comunicação passam a ocupar espaço central nesse padrão de desenvolvimento, o setor de serviços passa a ser considerado peça--chave, à medida que se qualifica como importante segmento absorvedor dessas tecnologias (BARRAS, 1986 apud VARGAS, 2009).

Nesse sentido, passa-se a identificar, no fim da década de 1980, novas abordagens que dão perspectiva sistêmica aplicada aos serviços, ao vincularem, portanto, a relação de sistemas de inovação ao setor em consideração. Nessas abordagens, os determinantes do processo de inovação não se encontram necessa-riamente atrelados à indústria manufatureira.

Considerando os estudos sobre desenvolvimento regional ou local, as ideias de economias de aglomeração ganham destaque, na medida em que

(...) estão associadas com o conjunto de facilidades proporcionadas por uma de-terminada localização em termos de infra-estrutura, atuando, sobretudo, na redu-ção de custos de transporte e de comunicação, nos benefícios da proximidade com universidades e centros de pesquisa, no clima propício aos negócios, dentre outros elementos (VARGAS, 2009).

Porém, como enfatiza Vargas (2009), tanto a noção de economias de aglo-meração como de urbanização, analisadas estritamente, conferem ao setor de ser-viços “um papel acessório à indústria”. Nesse sentido, Moulaert e Gallouj (1993 apud VARGAS, 2009, p. 18) chamam atenção para a necessidade de ampliação da noção de economias de aglomeração.

O caráter local deve incorporar também, na visão dos autores, os efeitos da intera-ção da aglomeração com outras aglomerações locais. Desta forma, seria possível a superação teórica do fato que a tecnologia impõe: mesmo quando a aglomeração é importante, a tecnologia impõe integração e interação que vão além do limite local.

Sob essa perspectiva, é importante o entendimento, do ponto de vista da oferta, de “como determinada região pode oferecer recursos para a inovação, por exemplo, por intermédio da relação de serviço” e, do lado da demanda, no “uso que atores locais podem fazer dos resultados advindo desta interação”. Elementos dessa abordagem sistêmica podem ser encontrados em Djellal e Gallout (2006 apud VARGAS, 2009).

No caso do estado do Ceará, a estratégia de crescimento econômico que nor-teia a mudança no modo de regulação estadual pós-1987, inaugurada na primeira gestão do governo Tasso Jereissati, destaca-se pelo uso intensivo de incentivos fis-cais e financeiros para atração de investimentos externos. A política de atração de novas empresas adota critérios diferenciados na concessão de incentivos, visando ao crescimento econômico descentralizado espacialmente e apontando para a inte-riorização dos investimentos, e passa a privilegiar principalmente os setores courei-ro-calçadista, metal mecânico, alimentício, têxtil e de confecções. Isto é observado

Page 232: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012230

quando da implementação dos chamados Fundos de Desenvolvimento Industrial (FDIs) (FDI-Provin, pós-1989), que possibilitaram ao estado o estabelecimento de incentivos, sob a forma de empréstimos, utilizando como base o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) (VASCONCELOS; ALMEIDA; SILVA, 1999), revertidos como capital de giro, destinado principalmente às em-presas que se instalassem ou que resolvessem se modernizar, ampliar e relocalizar suas plantas industriais no Ceará.

Assim, nesse cenário, o Ceará consegue consolidar o ajuste fiscal, mesmo no ambiente de crise fiscal da economia brasileira verificado no período, mostrando--se preparado para receber inversões, por meio de políticas de atração de investi-mentos pelos incentivos fiscais, além de promover, dessa forma, o desenvolvimen-to da região via industrialização.

Mais recentemente, particularmente a partir de 2002, conforme enfatizado an-teriormente, a concessão de incentivos passou a ser orientada pela visão de cadeias produtivas. No chamado FDI-II, a intenção da alteração seria, portanto, o estímulo à formação de clusters e cadeias produtivas no Estado. Nesse sentido, foi adotado um sistema de incentivos que tinha por prioridade a formação de aglomerados indus-triais em regiões mais produtivas, tendo por centros determinados municípios do Ceará, que já possuíam um começo de aglomeração de empresas. Cabe salientar que as empresas localizadas nesse aglomerado continuariam recebendo os investimentos; porém, estes seriam menores do que os incentivos concedidos às empresas que se instalassem nos municípios-sede (PONTES; VIANNA; HOLANDA, 2006).

Quanto ao resultado dessas aglomerações das respectivas economias locais, veem-se como consequências: otimização das escalas de produção, redução de custos de transação, constituição de um mercado de trabalho especializado e maiores possibilidades de inovação e geração de novos projetos e negócios (ESTADO DO CEARÁ, 2002).

Ainda de acordo com Pontes, Vianna e Holanda (2006), o Decreto no 27.040, de 9 de maio de 2003, provoca grande reestruturação no que concerne aos conceitos operacionais de desenvolvimento da política de incentivo à industrialização no Ceará. Essas modificações na lógica econômica resultariam em externalidades positivas; trata-se do FDI-III, que valoriza desde o número de empregos gerados até o volume de investimentos das empresas. O valor da pontuação se modificava entre as variáveis. A pontuação máxima do critério era: volume de investimentos (13 pontos), geração de empregos (12 pontos), setores e cadeias produtivas (8 pontos), aquisição de matéria-prima e insumos no Ceará (7 pontos), localização geográfica (6 pontos) e responsabilidade social (4 pontos), sendo estabelecido ainda que o valor mínimo do investimento seria de 25% para pontos menores e 75% para 50 pontos.

Page 233: Politica Publica Ppp38

231Considerações sobre a Dinâmica do Setor de Serviços Cearense...

Observa-se, portanto, que na política recente de desenvolvimento estadu-al, apesar de a questão local determinar um peso importante na aglomeração de serviços, o segmento ainda encontra-se largamente vinculado às noções de economias de aglomeração ou clusters, como enfatizam os últimos FDIs, atrela-do, portanto, ao aspecto de setor “acessório” à atividade industrial, limitando a perspectiva sistêmica que a atividade pode estabelecer em sua contribuição para o desenvolvimento local.6

Nesse sentido, é primordial que a formulação de políticas públicas passe a contemplar políticas específicas para o desenvolvimento local baseado em servi-ços, como forma de ampliar o potencial desse desenvolvimento, como enfatiza Gallouj (2006 apud VARGAS, 2009).

Reconhece-se, neste artigo, que a estrutura do setor de serviços cearense é limitada na geração de externalidades positivas, na medida em que predominam setores pouco integrados, com alta taxa de rotatividade e baixos níveis de remu-neração, ou atividades que exigem baixa qualificação.

Assim, o apoio do estado a atividades que gerem externalidades positivas e que reforcem a competitividade sistêmica, integrando os agentes produtivos locais, passa a ser fundamental na construção de uma proposta de desenvolvi-mento sustentável e integrado. Para isso, atividades de ensino e aprendizagem, com prioridade em centros de inclusão digital, núcleos de informação tecnoló-gica, fortalecimento da educação básica e superior, com a ampliação e interiori-zação de polos de educação, contribuindo para a redução da desigual densidade técnico-científica dos espaços regionais brasileiros, devem fazer parte da agenda de políticas públicas, seja no nível federal, estadual, seja municipal. Para isso, é fundamental que a educação seja considerada como um fator que “transcende os espaços formais onde ela é tratada e que o conhecimento é também produzido e disseminado em outras esferas, gerando um sistema complexo de interações” (CORDEIRO NETO; ALVES, 2008).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No Brasil, processos de reestruturação produtiva ganham força tardiamente, a partir dos anos 1990, alavancados pelos processos de liberalização econômica, abertura comercial, privatizações, entre outros, culminando da mesma forma no aumento considerável de postos de trabalho no setor de serviços.

6. O impulso industrializante do estado ampliou a demanda dos serviços de transportes e de distribuição e observa-se, ainda, a ampliação da produção urbana de serviços de apoio – novas instituições financeiras, armazenagem, venda de insumos, engenharia etc. Porém, verifica-se significativo peso de atividades de mais baixa produtividade como serviços pessoais, de reparação, emprego doméstico, funções de vigilância e limpeza e o comércio varejista.

Page 234: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012232

O Ceará sofre reflexos não apenas das mudanças estruturais ocorridas na economia brasileira desse período, mas também de novo modelo de desenvolvi-mento implementado pós-1987, que, apesar de focalizar seus esforços em promo-ver o crescimento do estado via industrialização, por meio de incentivos fiscais e creditícios, além de adoção de políticas de atração de investimentos e inversões em infraestrutura, consegue promover resultados positivos para a indústria local no decorrer das décadas posteriores. Porém, é o setor de serviços o grande res-ponsável pelo dinamismo do PIB estadual (69,20% em 2006, contra 56,47% em 1996) e em geração de empregos para o decênio em análise (585.333 em 2006, contra 372.961 em 1996).

Nesse contexto, o mercado de trabalho cearense nos anos de 1996 e 2006 apresenta taxas de crescimento do setor terciário maiores que as do Nordeste e do Brasil (4,61% a.a., 4,59% a.a. e 3,93%, a.a., respectivamente). Grande desta-que para sua participação na geração de empregos, nos quais o setor apresentava 60,64% em 1996, atingindo 59,16% no fim do período. Também se pode notar o crescimento considerável do número de estabelecimentos classificados no setor de terciário, o qual passa de 12.285 em 1996 para 20.299 em 2006, o que repre-senta um crescimento de 5,15% a.a. para o período.

Porém, apesar de o setor de serviços cearense se mostrar dinâmico em per-centuais de geração de emprego e crescimento no número estabelecimentos, tal dinamismo não é acompanhado por grandes transformações nos padrões de qua-lidade desse mercado de trabalho. Predominam, nesse setor, apesar da melhoria em termos de escolaridade, indicador que não é exclusividade desse segmento, trabalhos com baixos níveis de remuneração e altas taxas de rotatividade, eviden-ciando a carência e a falta de oportunidades de empregos com melhores remune-rações no Ceará.

Esses fatores reforçam a urgência de se pensar programas ou políticas de desenvolvimento que incorporem o setor de serviços em perspectiva sistêmica, reconhecendo a importância deste setor como absorvedor de novas tecnologias e potencializador de externalidades, elementos tão fundamentais para a construção de proposta de desenvolvimento sustentável e integrado.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, W. J. M.; SILVA, M. C. Dinâmica do setor serviços no Brasil: emprego e produto. Rio de Janeiro: Ipea, 1973 (Relatório de Pesquisa, 18).

ALMEIDA, M. B.; SILVA, A. B. Estado do Ceará: uma análise do desempenho econômico-financeiro recente 1990-1996. Fortaleza: Caen, 1998 (Texto para Discussão, n. 176).

Page 235: Politica Publica Ppp38

233Considerações sobre a Dinâmica do Setor de Serviços Cearense...

ALCÂNTARA, L. As ações do governo do estado com ênfase para os relacio-nados com o desenvolvimento regional. Palestra para os estagiários do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia da Escola Superior de Guerra. Auditório do Banco do Nordeste. Fortaleza/Ceará, 2004.

ALVES, C. L. B. Considerações sobre a abertura comercial e seus rebatimen-tos na indústria brasileira nos anos 90. 2003. Dissertação (Mestrado) – Univer-sidade Federal da Paraíba, PPGE, João Pessoa, 2003.

ALVES, C. L. B.; LIMA, C. C. S. Dinâmica do investimento direto estrangeiro (IDE) no Brasil: evidências recentes de um fenômeno econômico consolidado. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA POLÍTICA, 14., 2009, São Paulo. Anais. São Paulo: SEP/PUC-SP, 2009.

ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negocia-ção do trabalho. São Paulo: Boi Tempo Editorial, 1999.

______. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 2000.

BRANDÃO, D. D.; ALVES, C. L. B. Dinâmica e padrões de qualidade do emprego formal em metrópoles do Nordeste: o caso das indústrias de Fortaleza, Recife e Salvador. Relatório técnico-científico do Projeto de Iniciação Científica Urca/CNPq. Crato: Urca, 2010.

CAVALCANTE, A. L.; PAIVA, W. L.; TROMPIERI NETO, N. Dinâmica re-gional do emprego formal no ceará: uma análise espacial por grande setores de atividade econômica do IBGE nos anos de 2003 e 2009. Fortaleza: Ipece, 2010 (Texto para Discussão, n. 91).

ESTADO DO CEARÁ. Mensagem à Assembléia Legislativa, n. 2., Fortaleza/Ceará, 2002.

CIDADE, L. C. F.; VARGAS, G. M.; JATOBÁ, S. U. S. Regime de acumulação e configuração do território no Brasil. Cadernos Metrópole, São Paulo, PUC/SP, n. 20, p. 13-35, 2008.

CONSELHO NACIONAL DAS INSTITUIÇÕES DA REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA (CONIF). O maior mérito do crescimento da educação profissional e tecnológica é a democratização. Disponível em: <http://www.conif.org.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=93: qo-maior-merito-do-crescimento-da-educacao-profissional-e-tecnologica-e-a-democratizacaoq&catid=14:ultimas-noticias&Itemid=5>. Acesso em: 20 maio de 2011.

CORDEIRO NETO, J. R.; ALVES, C. L. B. A relação entre escola e território na promoção do desenvolvimento local: implicações para as políticas educacionais.

Page 236: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012234

In: CONGRESSO BRASILEIRO DE SISTEMAS, 4., 2008, Franca, SP. Anais. Franca, SP: UNI-Face, 2008.

DEDECCA, C. S. Dinâmica econômica e mercado de trabalho urbano: uma abordagem da Região Metropolitana de São Paulo. 1990. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia, Campinas, 1990.

HARVEY, D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mu-dança cultural. 13. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1992.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Contas Regionais do Brasil. Rio de Janeiro, 2008 (Série Relatórios Metodoló-gicos, 37).

IPEA. PIB estadual a preços constantes R$ de 2000. Disponível em: <http://ipeadata.gov.br>. Acesso em: 4 jul. 2009.

KON, A. Economia de serviços: teoria e evolução no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

MADEIRA, S. A.; ALVES C. L. B. Estrutura e dinâmica do setor de serviços no Ceará nos anos de 1996 e 2006. Relatório Técnico-Científico do Projeto Voluntário/Economia/ Crato: Urca, 2009.

MELO, H. P. et al. O setor de serviços no Brasil: uma visão global – 1985/2005. Rio de Janeiro: Ipea, 1998 (Texto para Discussão, n. 549).

BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Relação Anual de Informa-ções Sociais (Rais) de 1996 a 2006. Base de dados estatísticos. Brasília: CD-ROM.

POCHMANN, M. A década dos mitos. São Paulo: Contexto, 2001.

______. Economia global e a nova divisão internacional do trabalho. 2004. Disponível em: <http://decon.edu.uy/network/panama/POCHMANN.PDF>. Acesso em: 20 maio 2011.

PONTES, P. A.; VIANNA, J. R.; HOLANDA, M. C. A política de atração de investimentos industriais do estado do Ceará: uma análise do período 1995-2005. Fortaleza: Ipece, dez. 2006.

PONTES, P. A.; ALMEIDA, M. B. A. Política de atração de investimentos indus-triais no estado do Ceará no período 1995-2001. Fortaleza: Caen/UFC, 1998.

PRONI, M. W. et al. A modernização econômica no setor terciário no Brasil. In: DIESSE (Org.). O trabalho no setor terciário: emprego e desenvolvimento tecnológico. São Paulo: Diesse; Campinas: CESIT, 2005.

SILVA, R. A. Papel dos serviços no desenvolvimento regional brasileiro após 1990. In: MACAMBIRA JÚNIOR, L. J. B.; CARLEIAL, L. M. F. (Org.).

Page 237: Politica Publica Ppp38

235Considerações sobre a Dinâmica do Setor de Serviços Cearense...

Emprego, trabalho e políticas públicas. Fortaleza: IDT/Banco do Nordeste do Brasil, 2009.

VALOIS, I. S.; ALVES, C. L. B. Caracterização do mercado de trabalho formal na indústria cearense durante a década de 90. In: MACAMBIRA JÚNIOR, L. J. B. (Org.). O mercado de trabalho formal no Brasil. Fortaleza: Editora da Imprensa Universitária da UFC, 2006.

VARGAS, E. R. Serviços, inovação e desenvolvimento local. Revista de Econo-mía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación, v. 6, n.1, enero-abril, Eptic/ULEPICC, 2009.

VASCONCELOS, J. R.; ALMEIDA, M. B.; SILVA, A. B. Ceará: economia, finanças públicas e investimentos nos anos de 1986-1996. Brasília: Ipea, 1999 (Texto para Discussão, n. 627).

Originais submetidos em setembro 2010, última versão recebida em maio 2011, aprovado janeiro 2012.

Page 238: Politica Publica Ppp38
Page 239: Politica Publica Ppp38

REFORMA AGRÁRIA E PLANEJAMENTO REGIONAL: UMA PROPOSIÇÃO ESTADO – MERCADOSaulo S. Souza*

Elisabete A. Silva**

São exploradas neste artigo possibilidades de utilização de princípios de planejamento regional e do equilíbrio entre graus variados de ação estatal e forças de mercado com o fito de aumentar o impacto socioeconômico de políticas de reforma agrária. O estudo de caso se detém na análise de indicadores socioeconômicos e sua relação com os assentamentos do Nordeste brasileiro, onde duas diferentes modalidades de reforma agrária coexistem no período 1997-2002: a tradicional de Estado e a de mercado. O estudo identifica problemas derivados da ausência de planejamento regional, mais especificamente na identificação de áreas sustentáveis na região e elaboração de planos de intervenção apropriados para essas áreas. Com base em evidências empíricas e na literatura de planejamento regional, o trabalho propõe que aspectos de ambas as modalidades de reforma agrária sejam combinados em uma estratégia baseada na ação conjunta dos setores público e privado tanto para a aquisição dos lotes quanto para a provisão de infraestrutura produtiva. Ademais, a estratégia envolve, desde os estágios iniciais de formulação até sua final implementação, várias instâncias de coordenação intergorvenamental e intersetorial, além de consulta pública aos grupos afetados. Propõe-se, por fim, que a definição das estratégias regionais seja aliada à implementação de intervenções específicas em unidades geográficas de planejamento. As intervenções, por seu turno, baseiam-se na identificação de áreas estrategicamente localizadas e prioridades de investimentos para a subsequente implantação dos assentamentos e garantia de sua sustentabilidade em uma perspectiva regional.

Palavras-chave: Reforma Agrária; Planejamento Regional; Impacto Socioeconômico; Crescimento Sustentável; Desenvolvimento Regional.

AGRARIAN REFORM AND REGIONAL PLANNING: A STATE-MARKET PROPOSAL

In this article, we explore possibilities of using regional planning principles and the proper balance between different degrees of state action and market forces in order to improve the socio-economic impact of agrarian reform policy. Our case study focuses on analyzing socio-economic indicators of agrarian reform settlements in the Brazilian Northeast, where two distinct approaches to land reallocation have coexisted, particularly over the time frame 1997-2002: the traditional state-led approach and the market-based approach. The study identifies problems deriving from a lack of a regional planning strategy, more specifically in terms of identifying sustainable areas and designing appropriate plan-led interventions for those areas. Based on empirical evidence and the regional planning literature, it is proposed in this work that different aspects of both approaches to agrarian reform be combined into a single strategy which counts on action by both public and private sector agents aiming to acquire plots and provide productive infrastructure to those

* Pesquisador assistente no Núcleo de Opinião e Políticas Públicas (NEPPU), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). E-mails: [email protected], [email protected]** University lecturer in the Department of Land Economy and Fellow of Robinson College, University of Cambridge, 19 Silver Street, Cambridge CB3 9EP, United Kingdom. E-mail: [email protected]

Page 240: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012238

plots. Moreover, from the early stages of formulation until final implementation, such strategy consists of varying degrees of intergovernmental and intersectoral coordination, in addition to public consultation of stakeholders. Finally, it is proposed that the definition of regional strategies is linked to the implementation of specific interventions across geographic units of planning. Those interventions, in turn, involve targeting strategically located areas and defining investment priorities to subsequently create settlements there are sustainable from a regional perspective.

Key-words: Land Reform; Regional Planning; Socio-Economic Impact; Sustainable Growth; Regional Development.

REFORMA AGRARIA Y PLANIFICACIÓN REGIONAL: UNA PROPUESTA DE ESTADO-MERCADO

Son exploradas en este artículo las posibilidades de la utilización de los principios de planificación regional y del equilibrio entre varios grados de acción estatal y fuerzas de mercado, con el objetivo de aumentar el impacto socioeconómico de políticas de reforma agraria. El estudio de caso se detiene en el análisis de indicadores socioeconómicos y su relación con los asentamientos del Nordeste brasileño, donde dos diferentes modalidades de reforma agraria coexisten en el período 1997-2002: la tradicional del estado y la de mercado. El estudio identifica problemas derivados de la ausencia de planificación regional, más específicamente en la identificación de áreas sustentables dentro de la región, y elaboración de planos de intervención apropiados para esas áreas. Con base en evidencias ernpiricas y en la literatura de planificación regional, el trabajo propone que aspectos de ambas modalidades de reforma agraria sean combinados en una estrategia basada em la acción conjunta de los sectores público y privado, tanto para la adquisición de los lotes, como para proveer la infraestructura productiva. Además, la estrategia envuelve, desde las etapas iniciales de la formulación hasta su implantación final, varias instancias de coordinación intergubernamental e intersectorial, además de la consulta pública a los grupos afectados. Se propone, por fin, que la definición de las estrategias regionales sea aliada a la implantación de intervenciones específicas en unidades geográficas de planificación. Las intervenciones, a su vez, se basan en la identificación de áreas estratégicamente localizadas y prioridades de inversiones para la posterior implantación de los asentamientos y la garantía de su sustentabilidad en una perspectiva regional.

Palabras-clave: Reforma Agraria; Planificación Regional; Impacto Socioeconómico; Crecimiento Sustentable; Desarrollo Regional.

REFORME AGRAIRE ET PLANIFICATION REGIONALE: UNE PROPOSITION ÉTAT-MARCHE

Cet article explore les possibilités d’utilisation des principes de la planification régionale et de l’équilibre parmi différents degrés d’action de l´Etat et des forces du marché visant à augmenter l’impact socio-économique des politiques de réforme agraire. L’étude de cas se concentre sur l’analyse des indicateurs socio-économiques et leur relation avec les établissements ruraux dans le nord-est du Brésil, où coexistaient deux différentes modalités de réforme agraire durant la période de 1997 à 2002 : la traditionnelle de l’Etat et celle du marché. L’étude identifie des problèmes dus à l’absence de planification régionale et, plus spécifiquement, dans l’identification des terres durables dans la région et l’élaboration de plans d’intervention adéquats. Basé sur des données empiriques et sur la littérature du plan régional, cet article propose la combinaison d’éléments des deux modalités de reforme agraire dans une stratégie basée sur l’action conjointe du secteur public et du secteur privé, soit pour l’acquisition des lots, soit pour mettre en place l’infrastructure

Page 241: Politica Publica Ppp38

239Reforma Agrária e Planejamento Regional: uma proposição estado – mercado

de production nécessaire. En plus, la stratégie englobe toutes les étapes entre sa formulation et sa mise en œuvre, différentes instances de coordination intergouvernementale et intersectoriale, ainsi qu’une consultation publique aux groupes affectés. L’article propose, enfin, que la définition des stratégies régionales soit liée à la mise en œuvre d’interventions spécifiques dans les unités géographiques du plan. Les interventions, à leurs tours, sont basées sur l’identification des espaces stratégiquement localisés et sur les priorités d’investissements pour la subséquente fixation des établissements humains et garantie de sa subsistance dans la perspective régionale.

Mots-clés: Réforme Agraire; Planification Régionale; Impact Socio-Economique; Croissance Durable; Développement Régional.

1 INTRODUÇÃO, ESCOPO E PROPÓSITOS

Políticas de reforma agrária baseadas na ação direta do Estado têm sido conside-radas pela literatura especializada como instrumentais na redistribuição de ter-ras e diminuição da pobreza rural (NAVARRO, 1998; HEREDIA et al., 2006). Dado possuir por fundamento regras unilaterais de desapropriação, uma corrente oposta da literatura acredita ser essa abordagem nociva à garantia dos direitos de propriedade (DEININGER et al., 2003; NETO, 2004). Uma abordagem alter-nativa baseada em transações no mercado de terras para transferência de direitos de propriedade tem sido recentemente adotada por países em desenvolvimento, como o Brasil (DEININGER, 1999), Colômbia (FAJARDO, 2002), África do Sul (BRINK et al., 2005) e Filipinas (BORRAS, 2003), consistente na provisão de crédito a famílias sem-terra com o intuito de estimular a livre negociação entre elas e os proprietários rurais. Todavia, a efetividade de ambas as modalidades em garantir desenvolvimento socioeconômico sustentável vem sendo disputada por diversas correntes da literatura (por exemplo, DEININGER, 1999, de um lado, e BORRAS, 2003, de outro), restando-se provar se as reformas orientadas pelo mercado são ferramentas mais eficientes do que os instrumentos tradicionais de redistribuição de terras no propósito de impactar de forma positiva e duradoura a economia regional (SOUZA; SILVA, 2010).

No meio rural do Brasil, cerca de 12 milhões de famílias (44,8% da po-pulação rural) encontram-se em estado de pobreza, das quais aproximadamente metade se localiza na região Nordeste, ao longo de uma imensa concentração de assentamentos de reforma agrária (42% do total no Brasil, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA). A literatura a respeito desse tema pontua que “o Incra tem desapropriado terras inférteis” (BUAINAIN et al., 2000, p. 9), o que se alia ao fato de que “essas áreas não possuem infra-estrutura básica e ficam distante de mercados consumidores importantes” (SABOURIN, 2008, p. 6). Ademais, em vez de promover crescimento sustentável, a política de desapropriação de terras “tem gerado corrupção, insegurança quanto ao direito de propriedade e burocracia” (DEININGER, 1999, p. 263), além de “provocar conflitos sociais e debilitar o desenvolvimento agrícola” (NETO, 2004, p. 53).

Page 242: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012240

Por fim, apesar de verem mudanças positivas no padrão de vida das famílias, Heredia et al. (2006, p. 285) admitem que “a criação de assentamentos não tem alterado o cenário de distribuição de terras em larga escala”.

Por outro lado, políticas de reforma agrária e iniciativas de planejamento regional parecem estar precariamente inter-relacionadas (FAJARDO, 2002; DEI-NINGER et al., 2003; BRINK et al. 2005), o que posiciona os assentamentos à parte dos fatores de desenvolvimento regional. Isto porque os vários programas de reforma agrária implementados ao longo dos anos têm sido ou aleatórios ou de-sassociados entre si. Regularmente, projetos mais amplos – por exemplo, o plano nacional de reforma agrária de 1985 – são postos em prática na forma de “pacotes de desapropriação” não planejados e assistemáticos, principalmente em áreas re-sultantes de ocupações massivas de terra por grupos rurais organizados. Ao fim e ao cabo, pouca mudança na estrutura fundiária tem sido observada. Na verda-de, o Censo Agropecuário 2006, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra o agravamento da concentração de terras no país, com um Índice de Gini de 0,872, superior aos índices de 1985 (0,857) e 1995 (0,856). Buainain et al. (2000) chamam atenção para a característica isolada e incompleta da realocação de terras no país, enfatizando que, em vez de tomarem parte em uma estratégia de desenvolvimento geral do campo, a política de reforma agrária tem sido mais uma reação do Estado à pressão de grupos sociais organizados. Similarmente, Sabourin (2008) observa que o Brasil tem falhado na implementação de grandes planos de reforma agrária. O autor afirma que isso tem levado na maioria das vezes à criação de assentamentos em condições precárias e sem suporte à produção.

Essas breves considerações parecem apontar para uma necessidade crescente de políticas de reforma agrária associadas a estratégias de planejamento regio-nal. Tomando por base os resultados de pesquisa realizada no Nordeste brasileiro e a literatura internacional especializada, argumentamos que a insuficiência de planejamento regional nos programas de reforma agrária dificulta o desenvolvi-mento socioeconômico sustentável das áreas beneficiadas e, simultaneamente, o saneamento de problemas de alcance regional. Para o teste do argumento, uma análise é realizada dos efeitos socioeconômicos de duas modalidades distintas de redistribuição de terras em áreas selecionadas da região Nordeste: a tradicional de Estado, levada a cabo por via das desapropriações do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e outra baseada na concessão de créditos para a negociação e aquisição de lotes, no caso o Projeto Cédula da Terra (PCT). Avaliamos empiricamente se, e em que medida, cada uma das abordagens con-tribuiu para o desenvolvimento sustentável dos assentamentos e dos territórios rurais que os contêm. Além disso, o trabalho destaca o papel do planejamento regional na reforma agrária e o equilíbrio entre graus variados de ação estatal e forças de mercado nos programas de redistribuição de terras.

Page 243: Politica Publica Ppp38

241Reforma Agrária e Planejamento Regional: uma proposição estado – mercado

Como implicações de políticas públicas, o estudo conclui que: i) políticas de reforma agrária associadas a estratégias de planejamento regional são mais efi-cientes na garantia de desenvolvimento econômico e social; e ii) modalidades distintas de reforma agrária, no caso o incentivo a aquisições subsidiadas de terras ou, alternativamente, realocações de terras desapropriadas pelo Estado, não são mutuamente excludentes e podem ser combinadas em uma política pública de amplitude regional. Este artigo pretende, portanto, transpor as discussões aca-dêmicas sobre os efeitos socioeconômicos de diferentes modalidades de reforma agrária, visto enfatizar questões de destaque na literatura de planejamento regio-nal e suas contribuições para o desenvolvimento regional associado a programas de redistribuição de terras.

O restante do artigo é organizado conforme segue. A seção 2 analisa o im-pacto das duas modalidades de reforma agrária na economia regional das áreas selecionadas. A seção 3 aborda possíveis estruturas de governança baseadas em mecanismos intergovernamentais e intersetoriais de coordenação. A seção 4 avalia o componente espacial da reforma agrária com o objetivo de estabelecer parâ-metros para definição de áreas prioritárias. O foco da seção 5 é a priorização de investimentos em setores estratégicos como requisito para a otimização de recur-sos produtivos. A seção 6 enfatiza as possibilidades de financiamento público e privado como meio de contornar limitações orçamentárias. A seção 7 sumariza o papel do planejamento regional na reforma agrária e traz as considerações finais.

2 O IMPACTO SÓCIO-ECONÔMICO DA REFORMA AGRÁRIA NO NORDESTE BRASILEIRO

A reforma agrária nos moldes tradicionais, isto é, a organização de assentamentos para plantio agrícola por meio da expropriação e da redistribuição de terras a fa-mílias rurais pobres, é prevista no Estatuto da Terra (Lei no 4.504, de 1964) e está a cargo do Incra. Todavia, um estudo feito pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário em 2000 indica que muitas das famílias que recebem o título do Incra, embora estejam vinculadas a associações e movimentos sociais rurais, não fazem necessariamente uso produtivo das áreas formalmente redistribuídas (BRASIL, 2000). O estudo também aponta que a maior parte das terras expropriadas per-manece improdutiva devido a fatores diversos, como condições econômicas des-favoráveis, baixa fertilidade da terra, infraestrutura deficiente e inacessibilidade a mercados consumidores. Em que pese a priorização de áreas sustentáveis para as desapropriações ser um dos objetivos previstos no Estatuto da Terra, isto efetiva-mente jamais foi tentado.

Em 1997, um programa de reforma agrária baseada em transações de mer-cado, conhecido como Projeto Cédula da Terra, foi lançado em decorrência de

Page 244: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012242

um acordo entre o governo federal e o Banco Mundial.1 O propósito foi promo-ver redistribuição de terras de acordo com as forças de oferta e procura, por meio das quais famílias previamente registradas receberiam empréstimos para a compra de lotes por meio de associações rurais. O PCT deveria assegurar não apenas a aquisição de terra cultivável, mas também uma série de serviços de suporte à produção e, sobretudo, à melhoria do padrão de vida dos participantes. Antes de eventual implementação em outras regiões, a política foi direcionada a áreas rurais de maior índice de pobreza nos estados da Bahia, do Ceará, do Maranhão, de Pernambuco e do norte de Minas Gerais, mas não necessariamente em áreas onde iniciativas anteriores do Incra eram tidas como malsucedidas. Como será discutido adiante, a falta de planejamento regional na implementação do Cédula da Terra foi também causa do baixo impacto dos assentamentos no crescimento da economia regional.

Para breve análise de impacto de ambas as políticas em escala regional, a premissa básica é que a taxa de crescimento do produto interno bruto (PIB) agro-pecuário deve refletir em alguma medida o crescimento da atividade econômica nas áreas beneficiadas com os assentamentos do Incra e do Projeto Cédula da Terra. A amostra é formada por 49 territórios rurais do Nordeste, entre os quais 22 apresentam assentamentos da reforma agrária de mercado simultaneamente com assentamentos da modalidade tradicional. As variáveis utilizadas nas esti-mações da tabela 1 a seguir são extraídas da literatura internacional sobre desen-volvimento rural e regional (por exemplo, HAGGBLADE; HAZELL; BROWN, 1989; FERREIRA, 2001; GARDNER, 2003; SAHU; MADHESWARAN; RA-JASEKHAR, 2004).

TABELA 1Y = crescimento do PIB agropecuário – territórios rurais

Taxa de crescimento anual (1995-2005) (1) Efeitos fixos (2) Efeitos aleatórios

Área cultivada – área total (%)0,954***

(0,208)0,505**(0,159)

Gado bovino – cabeça-0,401(0,339)

0,930***(0,227)

Crédito rural para comercialização-0,035*(0,020)

-0,067**(0,021)

Crédito rural para investimentos0,047***

(0,014)0,058***

(0,012)

Gasto público em energia e recursos minerais-0,035**

(0,013)-0,025*(0,013)

Gasto público em agricultura0,015

(0,019)0,002

(0,016)

1. Land Reform and Poverty Alleviation Pilot Project 4147-BR.

(Continua)

Page 245: Politica Publica Ppp38

243Reforma Agrária e Planejamento Regional: uma proposição estado – mercado

Taxa de crescimento anual (1995-2005) (1) Efeitos fixos (2) Efeitos aleatórios

População rural-0,043(0,688)

1.192***(0,309)

Área expropriada pelo Incra-0,002(0,002)

-0,007**(0,002)

Área/período com assentamentos do PCT (dummy)0,220

(0,215)0,216

(0,175)

Constante29.799**

(9.506)-4.149(3.929)

N 539 539

MSE 1.190 1.465

R2 0,832 0,178

Fontes: Ipeadata, IBGE e MDA.Elaboração dos autores.Notas: * p < 0,1.

** p < 0,05. *** p < 0,01.

Obs.: Erro-padrão entre parênteses. (1) = os modelos com efeitos fixos consideram que as diferenças das observações captam-se na parte constante

(intercepto). (2) = os modelos com efeitos aleatórios consideram que estas diferenças captam-se no termo de erro. N = número de observações. MSR = erro quadrático médio.R2 = coeficiente de determinação.

Não há indicação estatística de que a economia rural dos territórios da amostra tenha sido positivamente afetada pela presença de assentamentos de reforma agrária de qualquer dos tipos. Como a tabela 1 sugere, os resultados de diferentes equações são estatisticamente não significativos para o PCT, indican-do que a reforma agrária de mercado não é fator de crescimento econômico no período. O coeficiente do Incra, por seu turno, é sempre negativo e precariamen-te correlacionado com o crescimento do PIB, apesar de significativo a 10% na equação de efeitos fixos. Isto não quer necessariamente dizer que as desapropria-ções foram fatores de desaceleração do crescimento, mas que o crescimento pro-vavelmente se concentrou fora das áreas alcançadas pelo Incra. Por outro lado, a alta significância da variável de crédito nas regressões (p < 0,01 nas equações de efeitos fixos e aleatórios) indica que o desenvolvimento da economia rural se beneficia da disponibilidade de crédito para investimentos em larga escala e da habilidade do governo em reduzir deficiências infraestruturais que limitam o acesso a mercados dinâmicos.

Quanto a diferenças na qualidade de vida dos assentados, os indicadores utilizados são a renda familiar na zona rural e o Índice de Desenvolvimento Hu-mano (IDH). Uma vez que é mais difícil a mensuração dos impactos sociais no nível regional, as regressões apresentadas na tabela 2 a seguir são feitas a partir de dados da zona rural de amostra de 416 municípios da região Nordeste.

(Continuação)

Page 246: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012244

TABELA 2Y = crescimento da qualidade de vida – zona rural dos municípios

Taxa de crescimento (1990-2000) Renda rural IDH

Emprego0,398***

(0,113)0,001

(0,010)

Renda de programas sociais0,024

(0,066)0,016**(0,006)

Gasto público em agricultura (per capita)0,001

(0,018)-0,001(0,001)

Escolaridade-0,275*(0,139)

0,131*** (0,012)

Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF)0,010

(0,009)-0,001

(0,001)

Área expropriada pelo Incra1.659**(0,143)

0,025*(0,013)

Área/período com assentamentos do PCT (dummy)0,041

(0,060) -0,010*(0,005)

Constante-0,217 (0,307)

0,907***(0,027)

N 416 416

MSE (raiz) 0,505 0,044

R2 0,327 0,433

Fontes: Ipeadata, IBGE e MDA.Elaboração dos autores.Notas: * p < 0,1.

** p < 0,05. *** p < 0,01.

Obs.: Erro-padrão entre parênteses.

Há correlação significativa entre a abordagem tradicional de Estado e a taxa de crescimento de indicadores sociais na série temporal indicada, com destaque para a renda familiar, ao passo que o PCT permanece sem contribuir para a me-lhoria da renda rural ou do IDH. Tais resultados contrariam a suposição de que políticas de reforma movidas pelas forças do mercado conduzem a um crescimen-to mais acelerado do que intervenções diretas do Estado. Por outro lado, isso em grande medida confirma os achados de estudos anteriores realizados em assenta-mentos do Incra (HEREDIA et al., 2006; SABOURIN, 2008 etc.).

Os resultados dos testes econométricos são confrontados com a evidência apresentada na tabela 3 a seguir, elaborada a partir de um estudo da qualidade de vida em 13 assentamentos participantes do Cédula da Terra2 realizado entre dezembro de 2008 e maio de 2009.3

2. Os assentamentos da amostra são os seguintes: CE – Barra Bom Tempo, Lagoa e Santo Amaro; PE – Dois Braços, Engenho Cana Verde e Nossa Senhora de Fátima; BA – Novo Horizonte e Fazenda São Geraldo; MA – Vale do Barbosa e Vila Castro Gomes; norte de MG – Amaralina e Duas Barras.3. A pesquisa consistiu em questionários (30-40 questões) apresentados a uma amostra randômica de 260 responden-tes que aderiram ao Cédula da Terra no período 1997-2002. As questões versaram sobre situação socioeconômica das famílias antes e depois da entrada nos assentamentos e qualidade dos lotes, infraestrutura e acesso a serviços básicos. Para detalhes sobre a pesquisa, ver Souza e Silva (2010).

Page 247: Politica Publica Ppp38

245Reforma Agrária e Planejamento Regional: uma proposição estado – mercado

As entrevistas mostraram que o crédito disponibilizado pelo PCT foi essen-cial para o acesso à terra (70% dos entrevistados afirmaram ter adquirido lotes a um preço baixo ou justo). Por outro lado, a grande maioria dos entrevistados la-mentou que os assentamentos foram criados em áreas distantes ou remotas. Ade-mais, a agricultura de subsistência era predominante na maioria dos assentamen-tos, como indicação de que a qualidade de vida dos beneficiários não melhorara significativamente. De fato, os rendimentos da produção no assentamento foram considerados insuficientes (60% dos entrevistados), de maneira que as famílias tiveram de procurar renda complementar. Muitas delas admitiram depender de programas governamentais como o Bolsa Família para a sobrevivência (66%). Diante disso, parcela muito pequena dos rendimentos podia ser destinada à me-lhoria da produção.

TABELA 3Situação socioeconômica nos assentamentos – frequências das respostas(Em %)

Qua

lidad

e do

lote

Localização Preço de aquisição

Próximo a mercados/cidades 30 Barato 18

Distante 41 Justo 52

Áreas remotas 29 Caro 28

Extensão/área Adequação à agricultura

Grande/suficiente 2 Adequado 64

Razoável 62 Razoável 32

Pequeno/insuficiente 36 Inadequado 10

Infra

estru

tura

Estradas de acesso Postos de saúde

Pavimentadas 0 Bom/razoável 27

Parcialmente pavimentadas 38 Ruim 12

Não pavimentadas 61 Inexistente 61

Escolas públicas Água, eletricidade, esgoto etc.

Bom/razoável 13 Bom/razoável 31

Ruim 14 Ruim 69

Inexistente 73 Inexistente 0

Rend

a fa

mili

ar

Principais fontes Suficiência da renda no assentamento

Agricultura de subsistência 41 1. Para sobrevivência

Outras atividades no assentamento 7 Suficiente 39

Atividades fora do assentamento 52 Insuficiente 60

Renda de programas assistenciais 2. Para investir/quitar financiamento

Bolsa Família e outras 66 Suficiente 22

Nenhuma 34 Insuficiente 78

Fonte: Pesquisa de campo em assentamentos do PCT (2008-2009).Elaboração dos autores.

Page 248: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012246

Entretanto, a difícil situação dos assentados do PCT se deveu a uma série de fatores, sendo o baixo nível de investimentos produtivos apenas um deles. A escassez de recursos naturais em diversas áreas também impôs restrições à pro-dução agrícola, fato este que dificultou a melhoria socioeconômica das famílias assentadas. Além disso, o programa careceu de estrutura de governança capaz de selecionar áreas sustentáveis, combinada à provisão de infraestrutura adequada ao estímulo da produção a níveis maiores do que a agricultura de subsistência. Tal estrutura de governança fundava-se exclusivamente na aquisição de lotes que se enquadravam no limite de aproximadamente US$ 11.200,00 por família, su-jeita a aprovação por uma unidade técnica estadual subordinada ao MDA.

Portanto, a disponibilidade de crédito do PCT não foi, por si só, solução sustentável para a pobreza nos territórios rurais investigados por pelo menos três razões principais: i) o volume de recursos associados ao PCT não foi suficiente para consolidar empreendimentos agropecuários em larga escala; ii) a renda fa-miliar média esteve abaixo do mínimo necessário ao pagamento mensal dos lotes adquiridos e, simultaneamente, à realização de investimentos produtivos; iii) isso foi particularmente válido para assentamentos localizados em áreas que deman-davam investimentos substanciais tendo em vista suprirem a insuficiência de re-cursos naturais e a infraestrutura ausente ou inadequada. Mais significativamente, esses problemas decorreram da falta de coordenação estratégica para inserção do programa nas políticas mais abrangentes de desenvolvimento regional.

Em suma, a reforma agrária de mercado facilitou o acesso à terra, mas não eliminou as barreiras ao crescimento sustentável, especialmente nas áreas menos privilegiadas do Nordeste. A modalidade tradicional, por sua vez, parece ter sido mais eficiente na melhoria dos índices de qualidade de vida, embora não tenha reduzido significativamente a pobreza rural. Ademais, não houve suficiente pla-nejamento de ambas as modalidades do ponto de vista regional, o que, como será discutido em detalhe, poderia ter conduzido as áreas beneficiadas a taxas mais altas de crescimento socioeconômico.

3 MECANISMOS DE PLANEJAMENTO E INTERAÇÃO INTERGOVERNAMENTAL

Embora as estruturas de governança do PCT e dos projetos do Incra previssem setores responsáveis para coordenar e monitorar a implantação de assentamentos, além de supervisionar seus resultados, tais estruturas não dispuseram de estra-tégias definidas de planejamento regional, de modo que deficiências de coorde-nação foram observadas entre as agências federais responsáveis pelos programas e os governos subnacionais. De maneira geral, houve pouca ou nenhuma ação conjunta entre os três níveis de governo na mobilização de recursos para a im-plantação de assentamentos em áreas sustentáveis da região devido, em grande

Page 249: Politica Publica Ppp38

247Reforma Agrária e Planejamento Regional: uma proposição estado – mercado

parte, à falta de coordenação a nível regional. Nesse ínterim, houve queda de 2,92% nos gastos governamentais com agricultura nas localidades rurais de nossa amostra entre 2001 e 2005, como indicativo de que as prioridades de gastos sub-nacionais estiveram desassociadas do propósito do governo federal em aumentar a atividade econômica gerada pela agricultura familiar decorrente da criação de assentamentos.

Quanto a isso, a literatura aponta para a necessidade de um “nexo regulató-rio” entre diversas camadas de governo com o objetivo de facilitar níveis satisfa-tórios de investimento, a fim de se obter crescimento sustentável associado a re-distribuição mais equitativa de riquezas (CLARK, 1994). Semelhantemente, para Razin e Hazan (1995), a disposição intergovernamental de cooperar representa importante passo em direção à justa distribuição da riqueza regional.

Na prática, um dos objetivos propostos é o estabelecimento de cronogramas compartilhados de ações e dispêndio em políticas de reforma agrária, asseguran-do o direcionamento de recursos dos níveis de governo participantes para um conjunto de áreas criteriosamente selecionadas. As implicações para o orçamento público são assim especificadas a curto, médio e longo prazos, de forma a viabi-lizar uma agenda de reforma agrária conjunta e compatível com ações de abran-gência regional, nomeadamente medidas visando estabelecer áreas estratégicas em cada região e os investimentos necessários à provisão nessas áreas de infraestru-tura produtiva e serviços públicos de qualidade. Trata-se de um plano de ação multissetorial acordado entre diferentes localidades e esferas de governo, em um horizonte de tempo suficiente para promover a sustentabilidade socioeconômica dos assentamentos.

Uma estratégia de tais dimensões requer comprometimento político dos entes governamentais na produção do mencionado nexo regulatório para, com isso, assegurar a justa alocação de responsabilidades com a questão fundiária. Da agência nacional – no Brasil, o MDA –, à guisa de exemplo, requer-se que trace as diretrizes gerais da política para as entidades regionais de planejamento agrário, a fim de assegurar coesão e cooperação na interpretação da política, bem como con-sistência na elaboração de estratégias regionais. Aos governos subnacionais cabe, por esse veio, a identificação de áreas prioritárias para a implementação de planos de intervenção específicos no âmbito das unidades geográficas de planejamento, além da definição de prioridades de gastos e investimentos. A figura 1 ilustra a estrutura de governança de acordo com os princípios de planejamento regional abordados nesta seção.

A estrutura implica a instituição de conselhos regionais de planejamento agrário (CRP), ou colegiados formados por representantes dos estados da região, com a função de elaborar as estratégias regionais de acordo com as diretrizes da

Page 250: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012248

política nacional de reforma agrária. Tal lógica requer necessariamente a parti-cipação direta dos estados, o que subentende a utilização de sua estrutura des-centralizada de planejamento – agências estaduais de planejamento (AEP) – ou mecanismos similares de coordenação destinados à definição de intervenções es-pecíficas para os territórios rurais sob sua jurisdição. Ou seja, conquanto os níveis superiores de planejamento não exijam obrigatoriamente estruturas físicas a se-rem constituídas, requerem, todavia, estruturas organizacionais hábeis à articula-ção intergovernamental e intersetorial, de modo a facilitar processos de decisão e assegurar a boa governança da estratégia.

FIGURA 1Estrutura ilustrativa de governança e planejamento regional

Política

Anra

AEP 1 AEP 2 AEP n

CRP 1 CRP 2 CRP n

Intervenção

Estratégia

UGP 1

A 1 A 2 A n

Anra: Agência Nacional de Reforma AgráriaCRPn: Conselhos regionais de planejamento

AEPn: Agências estaduais de planejamento

UGPn: Unidades geográficas de planejamento

An: Assentamentos

Elaboração dos autores.

A figura 1 sugere, por fim, que as menores extensões territoriais a serem consideradas como UGPs correspondem aos territórios rurais (áreas sub-regionais instituídas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário para fins específicos de políticas fundiárias e desenvolvimento rural), de modo a afirmar o cunho regional das intervenções.

Page 251: Politica Publica Ppp38

249Reforma Agrária e Planejamento Regional: uma proposição estado – mercado

4 A DIMENSÃO ESPACIAL DA REFORMA: UM PORTFÓLIO DE ÁREAS ESTRA-TÉGICAS

Na lógica da reforma agrária de mercado, são os próprios beneficiários que es-colhem as áreas para negociação e aquisição de terras. Nosso estudo do Cédula da Terra, entretanto, a par de revelar o precário perfil socioeconômico dos assen-tados, demonstrou também que uma das consequências dessa reforma foi que grande parte dos assentamentos se estabeleceu em áreas que não favoreciam a agricultura familiar por uma série de fatores. Ademais, foi detectada dependência espacial no desempenho econômico dos lotes adquiridos, ou seja, assentamentos localizados a maiores distâncias de mercados consumidores apresentaram maiores dificuldades em comercializar a produção (70% das famílias entrevistadas). Por outro lado, a prevalência de agricultura de subsistência resultou que muitas fa-mílias buscaram atividades fora dos assentamentos como parte de uma estratégia de sobrevivência (52%). Assim, esta seção propõe estratégias de reforma agrária que levem em conta não apenas indicadores da situação socioeconômica dos be-neficiários, mas também aspectos espaciais vis-à-vis o status da economia regional.

A literatura sobre desenvolvimento sustentável corrobora a capacidade do Estado de induzir mudanças na economia das regiões a médio ou longo prazo, tornando-as mais propícias à confluência de pequenos produtores rurais (MA-SON, 1985; CHAN; CLARK; 1994; GARDNER, 2003). Por esse prisma, as es-tratégias de reforma agrária devem necessariamente envolver a adoção de aborda-gens de zoneamento (ALLMENDINGER, 2006) ou de centros de crescimento induzido para o desenvolvimento regional (HANSEN, 1975). Para tanto, Huby et al. (2009) sugerem a seleção de áreas estratégicas com base em considerações conceituais e estatísticas. De forma complementar, Craglia, Haining e Signoretta (2003) advogam a utilização de indicadores por via dos quais as áreas são pontu-adas segundo diferentes variáveis, sendo a pontuação combinada em único indi-cador para a classificação final das áreas.

A questão crucial é saber até que ponto estratégias viáveis de reforma agrária podem ser planejadas de acordo com os exemplos extraídos da literatura mencio-nada. O principal parâmetro dessa literatura é o espacial. Assim, as áreas devem em primeiro lugar ser selecionadas de acordo com sua localização. Por exemplo, áreas onde a malha rodoviária existente – ou planejada no âmbito da estratégia regional – seja adequada, ou onde curtas distâncias entre os assentamentos e os mercados consumidores predominem, de forma que os custos de transporte e comercialização da produção sejam minimizados. Tem-se com isso que a locali-zação dos assentamentos na região está diretamente relacionada a sua viabilidade econômica. Espera-se também que as famílias sejam assentadas em locais com infraestrutura necessária ao desenvolvimento da agricultura familiar, da pecuária e de outras atividades produtivas suplementares – ou onde essas infraestruturas

Page 252: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012250

venham a ser criadas em articulação com a intervenção. Os indicadores de áreas sustentáveis segundo os critérios espacial e econômico podem incluir os seguintes:

• Proximidade a mercados dinâmicos.

• Taxa de crescimento do PIB agropecuário.

• Infraestrutura agrícola e plataforma logística.

Viu-se em nosso estudo de caso que aproximadamente metade da renda familiar advém do trabalho fora do assentamento como forma de complemento dos ganhos da produção devido à falta de infraestrutura básica e recursos para investir. A situação dos assentados é agravada com o acesso deficiente a serviços públicos básicos, tudo refletindo em baixa qualidade de vida. Considerando-se, portanto, o status socioeconômico das famílias beneficiárias, a prioridade recai em áreas onde a evidência demonstra que o maior número de indivíduos será favore-cido econômica e socialmente. Áreas definidas com maiores necessidades sociais urgentes ou dificuldades econômicas estruturais podem ser reconhecidas como prioritárias com base em fatores tais quais:

• Taxa de emprego rural ou renda per capita.

• IDH ou outro indicador de qualidade de vida.

• Acesso a serviços básicos, tais como saúde e educação.

Por outro lado, é esperado que diferentes áreas rurais reajam de diferentes maneiras a uma estratégia de amplitude regional, devido a diferentes configurações socioeconômicas, características geográficas e condições agroclimáticas, de forma que algumas áreas na região apresentarão maiores perspectivas para a sustentabili-dade dos assentamentos do que outras. Uma consequência é que intervenções que levem em conta esses elementos se sobrepõem a estratégias mais generalistas.

Do ponto de vista do planejamento espacial, a estratégia assim concebi-da promove disposição policêntrica de crescimento. Tal disposição consiste em “agrupamentos de centros interativos relativamente próximos entre si, mas se-parados por extensas áreas não-urbanas ou rurais” (PARR, 2008, p. 3018). Isto significa que a distribuição espacial dos assentamentos deve seguir padrões de interdependência econômica, com a busca do equilíbrio entre diversas ativida-des comerciais e industriais em benefício de um conjunto de localidades. Áreas de maior proximidade em relação a polos comerciais da região serão, por esse critério, definidas como preferenciais, exceto quando outros indicadores de sus-tentabilidade recomendem o contrário – por exemplo, áreas de maior potencial irrigatório. Entretanto, o critério preponderante será sempre o da localização, por ser o de impacto mais abrangente, definido como aquele que mais favoreça o desenvolvimento integrado da unidade geográfica de planejamento.

Page 253: Politica Publica Ppp38

251Reforma Agrária e Planejamento Regional: uma proposição estado – mercado

Um aspecto correlato diz respeito à realocação sequencial de terras a partir de portfólio de áreas prioritárias. Ou seja, a sequência de implementação dos assentamentos deve ocorrer por ordem de prioridade, obedecendo à classificação das áreas preliminarmente selecionadas e catalogadas com base nos indicadores de sustentabilidade. A utilização de métodos sequenciais no planejamento de po-líticas públicas tem sido amplamente discutida na literatura, embora na prática não tenham sido empregados no âmbito de programas de reforma agrária. Coyne e Gero (1985), por exemplo, consideram que os processos de elaboração e imple-mentação de uma política devem seguir um plano sequencial, ou seja, uma busca por meio do espaço das situações em que as novas regras causarão efeito mais rapidamente, e em que seus efeitos multiplicadores poderão gerar mais desenvol-vimento associado a ações e políticas subsequentes.

Em suma, os indicadores de sustentabilidade das áreas onde os assentamen-tos serão inseridos refletem sua proeminência econômica e geográfica nas uni-dades geográficas de planejamento, como áreas estratégicas que oferecem menor razão custo – benefício para os assentados, por um lado, e maior capacidade de impactar positivamente o crescimento econômico regional, por outro. Os crité-rios de seleção dessas áreas serão estabelecidos em termos de suas especificidades socioeconômicas e geográficas.

5 UM SEGUNDO PORTFÓLIO: INVESTIMENTOS EM SETORES ESTRATÉGICOS

Um dado importante de nosso estudo de caso é que, salvo exceções, a produ-ção dos assentamentos não implica economias de escala – aproximadamente três quartos das atividades agrícolas são exercidas individualmente ou em família, sen-do na maioria das vezes restritas ao cultivo de subsistência. A falta de condições oferecidas pelo Estado aos assentados para consolidarem a produção em larga escala foi um fator negativo na contribuição dos assentamentos para o desenvolvi-mento regional. Outra conclusão do estudo foi que as políticas de reforma agrária para a região não foram acompanhadas dos meios suficientes à geração de exce-dentes de produção, o que inibiu uma melhoria substancial no padrão de vida das famílias. Pouca atenção foi dada à infraestrutura de larga escala associada à criação de assentamentos. Consequentemente, conforme impressão dos próprios entrevistados, o simples fato de receberem um lote de terra não foi suficiente para a garantia de uma vida melhor.

De modo semelhante, a essencialidade do acesso ao crédito para o cresci-mento do PIB rural na análise quantitativa sugere que investimentos produtivos são também fatores positivos no suprimento das necessidades básicas da popula-ção beneficiária, por contribuírem significativamente para a sustentabilidade dos assentamentos. Um passo primordial em direção à mudança substancial do status

Page 254: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012252

socioeconômico dos assentados é, então, a adoção de política fundiária voltada para o aprimoramento da competitividade de sua produção no mercado agrope-cuário. Nesse desiderato, o papel crucial do Estado é incitar a competitividade da agricultura familiar. Um método sugerido por Chan e Clark (1994) é munir os pequenos produtores dos meios de negociação adequados, canalizando investi-mentos produtivos para atividades lucrativas e competitivas.

Outro fator considerado vital no estudo foi a acessibilidade à rede de ser-viços públicos que alcança a maioria dos assentamentos na região, visto que a condição de vida das famílias assentadas é ostensivamente precária. A inexistência ou baixa qualidade da estrutura de serviços nos – ou próximo aos – assentamentos (por exemplo, postos de saúde ruins ou inexistentes para 73% dos respondentes; escolas ruins ou inexistentes para 87%) dá indicação da carência de investimentos associados às estratégias de reforma. Por um lado, respostas a essas necessidades exigem investimentos de capital multissetoriais, de forma a causarem impactos na variedade de deficiências identificadas nas áreas. Por outro, estratégias isola-das – ou separadas entre si – com vista à provisão de serviços públicos básicos às comunidades rurais tendem a consumir volumes mais expressivos de recursos orçamentários. Isso porque um conjunto complexo de arranjos institucionais se-ria necessário à coordenação dos setores governamentais envolvidos na provisão desses serviços em localidades geograficamente distintas (IKEYA, 2003).

Disso decorre que eventual maximização de investimentos de capital nas estratégias de reforma agrária exige serem tomados em conta os indicadores de sustentabilidade das áreas definidas como prioritárias. Ou seja, as possíveis opções de política devem ser confrontadas com base nos impactos positivos esperados na-quelas áreas, incluindo seus riscos potenciais e externalidades negativas. Diversos modelos têm sido desenvolvidos na literatura com vista à otimização de recursos na provisão regional de serviços públicos, por exemplo, o desenvolvido por Ro-berts (2003) para a identificação de prioridades no meio rural. O autor utiliza técnicas de quantificação da relevância comparativa de diversos elementos, entre os quais as características demográficas da região e a extensão dos serviços públicos à disposição da população rural. Para Felderer (1975), a alocação ótima de recursos depende não apenas do equilíbrio entre oferta e demanda de serviços, mas princi-palmente da criação de uma estrutura de tomadas de decisão de âmbito regional.

Em outras palavras, o critério de otimização de recursos sugere a adoção de um portfólio de prioridades para o gasto público associado às políticas de refor-ma agrária, por meio do qual se destinem investimentos a setores mais críticos, tais como o financiamento de projetos infraestruturais. A coerência deste segundo portfólio com o de áreas prioritárias exige a ação de mecanismos de articulação em níveis superiores de planejamento, como os conselhos regionais sugeridos na figura 1, dado que um único território rural poderá conter múltiplas áreas prioritárias.

Page 255: Politica Publica Ppp38

253Reforma Agrária e Planejamento Regional: uma proposição estado – mercado

Projetos de construção de novas escolas na extensão de determinado território ru-ral, por exemplo, contemplarão obrigatoriamente localidades acessíveis às famílias assentadas. Desta forma, as ações conjuntas na definição da intervenção para aque-le território reconhecerão não somente os benefícios, mas também os custos que incidirão sobre os estados e os municípios envolvidos. Espera-se, portanto, que as áreas prioritárias se beneficiem de recursos da União, dos estados e dos municípios, o que envolve o planejamento intra e intergovernamental, de maneira a evitar a aplicação ineficiente de recursos públicos.

Em suma, estratégias abrangentes de reforma agrária devem conter progra-mas de gastos multissetoriais compreendendo: i) a concentração de investimentos em larga escala em áreas estratégicas, assim definidas de acordo com os indicado-res de sustentabilidade explorados na seção anterior; ii) a provisão de infraestru-tura produtiva nas unidades geográficas de planejamento – por exemplo, estradas e sistemas de irrigação –, ou aperfeiçoamento da estrutura existente, a fim de intensificar a competitividade da produção dos assentamentos e possibilitar aos assentados que se beneficiem das oportunidades econômicas inerentes ao meio rural; e iii) a provisão de serviços públicos de qualidade como meio de acelerar a inclusão social das famílias assentadas.

Por fim, além de render dividendos econômicos por meio da região, os por-tfólios estratégicos objetivam abordar os problemas sociais crônicos e a insufici-ência aguda de infraestrutura dentro e fora dos assentamentos, na medida em que direciona recursos a setores e áreas geográficas cuja probabilidade de contribuir positivamente para o desenvolvimento socioeconômico regional seja maior.

6 O FINANCIAMENTO DA REFORMA AGRÁRIA: UMA TAREFA DO ESTADO E DO MERCADO

Nossos testes estatísticos associaram o crédito para investimentos a taxas mais ele-vadas de crescimento da produção rural. Em contraste, o PCT estabeleceu limite de crédito para o financiamento de atividades produtivas – o equivalente a cerca de U$ 11.200,00 por família, inclusive para aquisição do lote (BRASIL, 2000). Os investimentos produtivos foram, portanto, insuficientes, dado dependerem quase que exclusivamente da renda familiar – conforme resposta de 78% dos entrevistados. Ficou igualmente evidente que a estrutura de governança nas duas modalidades de reforma não garantiu, por si só, a aquisição de terras em áreas sustentáveis. No caso específico do Incra, um desafio adicional parece ser como redistribuir terras sem recorrer a dispendiosos métodos expropriatórios, além do que persistentes restrições orçamentárias impõem limites à capacidade do Estado de canalizar recursos para as necessidades mais urgentes das comunidades rurais sem-terra. Outro fator observado nos testes foi uma combinação ineficiente ou insuficiente de gastos governamentais nas áreas da amostra – a correlação do gasto

Page 256: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012254

público com as variáveis dependentes foi sempre negativa ou insignificante – e, consequentemente, uma infraestrutura produtiva inadequada.

A principal premissa que se extrai do exposto anteriormente é que a contri-buição da reforma agrária ao desenvolvimento regional depende em grande parte da eliminação das barreiras a seu financiamento. Em primeiro lugar, a exequibi-lidade de portfólios estratégicos pode exigir o aperfeiçoamento dos métodos de aquisição de terras. A partir do exame de literatura pertinente (BUAINAIN et al., 2000; BORRAS, 2003; DEININGER et al., 2003; NETO, 2004 e outros), tem--se que a aquisição pode se dar essencialmente de duas maneiras distintas:

1. Com base nas regras do mercado: por meio de crédito fundiário e tran-sações para aquisição de terras.

2. Por intervenção direta do Estado: por meio de sistemas de propriedade coletiva ou expropriações de terras.

Com base nas conclusões da seção 2, argumentamos que a combinação de ambas as modalidades em única estratégia de reforma é mais eficiente nos aspec-tos de acesso à terra e melhoria da qualidade de vida. Assim, de acordo com o modelo Estado – mercado, a provisão de crédito pode ser direcionada a aquisições de terras nas situações em que os beneficiários – individualmente ou por meio de associações – se achem em condições de negociar a compra de propriedades em áreas constantes nos portfólios estratégicos. Embora esse estímulo a transações no mercado tenha sido a base do Cédula da Terra, ocorre que os proprietários rurais não tiveram incentivos – por exemplo, deduções fiscais – para vender terras de melhor qualidade a preços acessíveis a famílias de baixa renda. Por outro lado, a experiência do PCT sugere que as transações sejam subsidiadas pelo Estado, com métodos que podem incluir deduções fiscais ou utilização de fundos públicos para complementar o preço da terra, de forma a: i) assegurar a boa qualidade das propriedades adquiridas; ii) compensar o volume limitado de crédito disponível por família; iii) facilitar o reembolso mensal dos valores financiados; e, simulta-neamente, iv) permitir a realização de investimentos produtivos.

Alternativamente, ou seja, nas situações em que os beneficiários não obtive-rem êxito na tentativa de adquirir as terras indicadas nos portfólios, outros mé-todos podem ser considerados. Por exemplo, o arrendamento das terras a longo prazo, podendo ser de terras públicas ou estatizadas (adquiridas pelo Estado) e subsequentemente arrendadas às famílias, ou terras arrendadas de particulares pelo período que as famílias se dispuserem ao seu cultivo;4 sistemas de uso coletivo de

4. No Reino Unido, por exemplo, o prazo pode chegar a 100 anos, havendo a possibilidade de sua prorrogação, caso requerida 20 anos antes do fim do arrendamento, ou da reversão definitiva da propriedade às famílias inicialmente detentoras das terras.

Page 257: Politica Publica Ppp38

255Reforma Agrária e Planejamento Regional: uma proposição estado – mercado

terras públicas nas áreas de interesse, como em regiões da China, da África e da Itália, onde o direito de propriedade é coletivo e as famílias trabalham lotes indivi-dualizados, cabendo ao Estado controlar o acesso e monitorar a distribuição e uso dos lotes; ou o tradicional método da desapropriação, com o reembolso parcelado dos valores ao Estado. A título de exemplo, um estudo de Alexander (2001) sobre estratégias de planejamento e desenvolvimento do uso da terra em Israel sugere um modelo de aquisição de terras por meio de transações comerciais precedidas de pla-nejamento e acordos formais. Similarmente, Correia e Madden (1985) usam mo-delos sofisticados de otimização que identificam a localização de lotes disponíveis em Portugal e sua potencial destinação de uso para posterior aquisição.5 Qualquer que seja o método de aquisição, os lotes devem se concentrar onde se cumpram os objetivos socioeconômicos mais amplos da reforma.

A questão passa a ser como o Estado (ou o mercado) contribuirá efetivamen-te para o desenvolvimento dessas áreas. A literatura apoia a ideia de se selecionar áreas para o estímulo ao desenvolvimento regional. Dietrichs (1989), por exemplo, advoga em favor de um planejamento espacial que atente para as potencialidades econômicas de áreas distintas da região. Nessa linha, Gwosdz et al. (2008) conside-ram como eficazes instrumentos de crescimento as zonas de comércio introduzidas nas regiões da Polônia mais afetadas pelo desemprego em meados dos anos 1990. As zonas surgiram como resultado da isenção total ou parcial de impostos com a finalidade de atrair empresas e investidores. Fan, Gulati e Thorat (2007), apoiados em evidências da agricultura indiana, também sugerem isenção de impostos e sub-sídios do governo para impulsionar a produção agrícola, especialmente as atividades de pequenos produtores rurais. Esses simples exemplos demonstram como o Estado pode atrair investimentos ou expandir mercados consumidores para as áreas rurais.

Disposições semelhantes são necessárias à provisão de infraestrutura nas áreas prioritárias, uma vez que, conforme visto no estudo de caso, nenhuma das modali-dades de reforma assegurou nível suficiente de investimentos em benefício dos as-sentamentos da região, tampouco houve qualquer planejamento relacionado à distri-buição espacial desses assentamentos. Viu-se também que, embora em certa medida previsto no Estatuto da Terra e nos Planos Nacionais de Reforma Agrária (PNRA I e II), houve na prática pouca ou quase nenhuma coordenação intersetorial para a provisão de serviços públicos básicos em uma estrutura conjunta de planejamento re-gional. Em contraste, intervenções planejadas a partir de portfólios de investimentos podem assegurar a alocação de recursos orçamentários em programas governamen-tais que beneficiem os assentamentos simultaneamente a diversas áreas na região.

Outras possibilidades incluem acordos intergovernamentais, reconhecidos por darem efetivas respostas de políticas às necessidades de coordenação na administração

5. Para mais detalhes, ver Alexander (2001) e Correia e Madden (1985).

Page 258: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012256

pública (MASON, 2007). Repasses intergovernamentais vinculados a programas de reforma agrária teriam essa finalidade. Por outro lado, parcerias público-privadas têm sido consideradas soluções alternativas de financiamento na implementação de di-versa gama de políticas públicas, inclusive do próprio Cédula da Terra. A despeito de o programa ter encorajado a participação de instituições do setor privado na provisão de serviços básicos e infraestrutura, tais parcerias jamais ocorreram, ou ocorreram de forma esporádica e desassociada de projetos integrados de desenvolvimento regio-nal. Na prática, nenhuma estratégia colaborativa Estado – mercado coexistiu com o programa para assegurar a provisão de serviços de melhor qualidade, indispensáveis à sustentabilidade dos assentamentos, como o abastecimento de água, telecomuni-cações, eletricidade ou habitação popular. Mais atenção, portanto, deve ser dada aos investimentos oriundos do setor privado como meio de obtenção de resultados de política mais efetivos e menos onerosos ao Estado.

Decorre dessa discussão que os recursos públicos indispensáveis à imple-mentação dos portfólios de áreas e investimentos estratégicos devem constituir parte integrante do orçamento público nas três esferas de governo, sem descon-siderar a potencial participação de empreendedores do setor privado no financia-mento da intervenção Estado – mercado na questão fundiária.

7 RECAPITULAÇÃO SINTÉTICA E ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES

Com amparo na literatura de planejamento regional, o presente artigo identifi-ca princípios norteadores de estratégias de reforma agrária de amplitude regional. Ao mesmo tempo, o trabalho conecta visões aparentemente opostas de reforma agrária, ao propor a combinação de métodos tradicionais de desapropriação de ter-ras com transações subsidiadas no mercado, contanto que tanto uma visão quanto outra contribuam para a equidade e a eficiência na redistribuição de terras. Ênfase é dada a planos de intervenção para áreas específicas, levando-se em conta indicadores de sustentabilidade, tais como o acesso a recursos naturais e a existência de inter-conexões entre os assentamentos e os potenciais mercados de consumo, a fim de se identificar áreas sustentáveis no âmbito das unidades geográficas de planejamento. Isso implica que a estratégia privilegie a interdependência entre assentamentos e polos de desenvolvimento em cada região, levando ao acesso das famílias assentadas bens e serviços públicos de melhor qualidade.

Ademais, a proposição adota disposição policêntrica de crescimento, segun-do a qual a identificação de áreas estratégicas na região passa a ser o parâmetro para a canalização de gastos e investimentos. O principal propulsor de desenvol-vimento regional é, por este prisma, o esforço conjunto de facto dos setores pú-blico e privado na obtenção de terras, provisão de recursos produtivos, criação ou expansão da infraestrutura existente nos assentamentos e, ato contínuo, a garantia

Page 259: Politica Publica Ppp38

257Reforma Agrária e Planejamento Regional: uma proposição estado – mercado

de sua sustentabilidade. Outro aspecto de relevância é a necessidade de um sis-tema de coordenação intergovernamental tendente à maior interação e aplicação mais eficiente do gasto público na questão fundiária.

Em vista do que se elaborou até aqui, um ponto ressurge, posto que essencial nos debates da reforma agrária: qualquer estratégia para o setor fundiário requer ser planejada de maneira inclusiva, isto é, com o envolvimento dos grupos afetados, de forma a minimizar os fatores de indecisão na proposta de intervenção (SILVA, 2002). Para se granjear o apoio de associações de sem-terra, proprietários rurais, agentes políticos e econômicos e sociedade civil em geral, um mecanismo democrá-tico de inclusão social no planejamento das intervenções é, portanto, condição sine qua non para o sucesso da estratégia. Na prática, isso significa o exame público dos portfólios estratégicos e das decisões a eles relacionadas, o que poderá resultar não apenas na adaptação da política nacional às necessidades específicas das comunida-des rurais, mas principalmente na extensão dos benefícios socioeconômicos a áreas mais abrangentes em cada unidade geográfica de planejamento.

O quadro 1 faz sinopse dos aspectos de maior relevância na interação suge-rida entre reforma agrária e planejamento regional, a saber, os princípios gerais e os mecanismos necessários a sua efetiva utilização.

QUADRO 1Planejamento regional em reforma agrária – sinopse de princípios

Mecanismo Princípios

Planejamento espacial 1. Interdependência de assentamentos e mercados consumidores2. Padrão policêntrico de desenvolvimento3. Método sequencial de implementação

Ação conjunta1. Articulação intersetorial2. Coordenação intergovernamental3. Consulta pública

Intervenção específica1. Portfólio de áreas estratégicas2. Portfólio de investimentos prioritários

Abordagem Estado – mercado1. Obtenção de terras por negociação ou expropriação2. Interação entre produção assentada e mercados consumidores3. Incentivos para parcerias com o setor privado

Elaboração dos autores.

Por outro lado, a presença de uma variedade de determinantes de cresci-mento – ou elementos obstrutivos – nos territórios e nas localidades rurais torna aguda a necessidade de monitoramento sistemático da estratégia. Os objetivos são pelo menos três: i) avaliar se as intervenções ocorrem em conformidade com a estratégia regional; ii) identificar seus resultados socioeconômicos; e iii) sugerir meios de intensificação dos resultados positivos – ou minimização dos negativos. A figura 2 esquematiza as principais fases do processo de planejamento regional da política de reforma agrária.

Page 260: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012258

FIGURA 2Diagrama ilustrativo do ciclo de planejamento regional

Estratégia regional

Portfólio de áreas estratégicas

Portfólio de investimentos

Consulta pública

Monitoramento e avaliação

Plano de intervenção

Elaboração dos autores.

Por fim, ainda que se reconheçam os diferentes papéis do Estado e do merca-do no desenvolvimento socioeconômico, a presente proposição destaca o esforço conjunto do setor público e de agentes econômicos não apenas na viabilização de estratégias mais eficientes e equitativas de redistribuição de terras, como também na consolidação de políticas fundiárias que melhorem substancialmente a qualida-de de vida dos assentados, ao mesmo tempo em que contribuam para o desenvol-vimento sustentável das regiões do país.

Page 261: Politica Publica Ppp38

259Reforma Agrária e Planejamento Regional: uma proposição estado – mercado

REFERÊNCIAS

ALEXANDER,  E. Governance and transaction costs in planning systems: a conceptual framework for institutional analysis of land-use planning and development control – the case of Israel. Environment and Planning B: Planning and Design, v. 28, ano 5, p. 755-776, 2001.

ALLMENDINGER, P. Zoning by stealth? The diminution of discretionary planning. International Planning Studies, v. 11, n. 2, p. 137-143, 2006.

BERKE,  P. et al. Do cooperative environmental planning mandates produce good plans? Empirical results from the New Zealand experience. Environment and Planning B: Planning and Design, v. 26, n. 5, p. 643-664, 1999.

BORRAS, S. Questioning market-led agrarian reform: experiences from Brazil, Colombia and South Africa. Journal of Agrarian Change, v. 3, n. 3, p. 367-394, 2003.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD). Community-based land reform in Brazil: assessing the selection process. Brasília, 2000.

BRINK, R. et al. Consensus, confusion, and controversy: selected land reform issues in Sub-Saharan Africa, 2005 (World Bank Working Paper, n. 71).

BUAINAIN, A. et al. Community-based land reform implementation in Brazil: a new way of reaching out the marginalized? Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, Ministério do Desenvolvimento Agrário. Brasília, 2000.

CHAN, S.; CLARK, C. Economic development in Taiwan: escaping the state-market dichotomy. Environment and Planning C: Government and Policy, v. 12, n. 2, p. 127-143, 1994.

CLARK,  T. The state – local regulatory nexus in US growth management: claims of property and participation in the localist resistance. Environment and Planning C: Government and Policy, v. 12, n. 4, p. 425-447, 1994.

CORREIA P.; MADDEN, M. Optimisation of land purchasing and management using mixed integer programming: a case study in a Portuguese municipal authority. Environment and Planning B: Planning and Design, v. 12, n. 3, p. 335-349, 1985.

COYNE, R.; GERO, S. Design knowledge and sequential plans. Environment and Planning B: Planning and Design, v. 12, n. 4, p. 401-418, 1985.

CRAGLIA, M.; HAINING, R.;  SIGNORETTA, P. Identifying areas of multiple social need: a case study in the preparation of Children Services Plans. Environment and Planning C: Government and Policy, v. 21, n. 2, p. 259-276, 2003.

Page 262: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012260

DEININGER, K. Making negotiated land reform work: initial experience from Colombia, Brazil and South Africa, Jan. 1999 (World Bank Policy Research Working Paper, n. 2040).

DEININGER, K. et. al. Market and nonmarket transfers of land in Ethiopia: implications for efficiency, equity and nonfarm development, 2003 (World Bank Policy Research Working Paper, n. 2992).

DIETRICHS,  B. Regional planning. Environment and Planning C: Government and Policy, v. 7, n. 4, p. 395-402, 1989.

FAJARDO, D. Land and political power: agrarian and rural reform in Colombia. FAO Bulletin: Land Reform, Land Resettlement and Cooperatives, 2002/1, p. 4-20, 2002.

FAN, S.; GULATI, A.; THORAT, S. Investment, Subsidies and Pro-Poor Growth in Rural India, 2007 (IFPRI Discussion Paper, n. 716).

FELDERER, B. Optimal allocation of resources to the educational sector in a system of regions. Environment and Planning A, v. 7, n. 1, p. 59-70, 1975.

FERREIRA, F. Rural nonfarm activities and poverty in the Brazilian Northeast. World Development, v. 29, n. 3, p. 509-528, 2001.

GARDNER, B. Causes of Rural Economic Development. The University of Maryland, Department of Agricultural and Resource Economics, 2003 (Working Paper, n. 03-09).

GWOSDZ,  K. et al. Polish special economic zones: idea versus practise. Environment and Planning C: Government and Policy, v. 26, n. 4, p. 824-840, 2008.

HAGGBLADE, S.; HAZELL, P.; BROWN, J. Farm-nonfarm linkages in rural sub-Saharan Africa. World Development, v. 17, n. 8, p. 1173-1201, 1989.

HANSEN, N. An evaluation of growth-center theory and practise. Environment and Planning A, v. 7, n. 7, p. 821-832, 1975.

HEREDIA, B. et al. Regional Impacts of Land Reform in Brazil. In: ROSSET, P.; Patel R.; COURVILLE, M. (Ed.). Promised land: competing visions of agrarian reform. Oakland: Food First Books, 2006. p. 277-300.

HUBY, M. et al. Measuring inequality in rural England: the effects of changing spatial resolution. Environment and Planning A, v. 41, n. 12, p. 3023-3037, 2009.

IKEYA, N. Practical management of mobility: the case of the emergency medical system. Environment and Planning A, v. 35, n. 9, p. 1547-1564, 2003.

Page 263: Politica Publica Ppp38

261Reforma Agrária e Planejamento Regional: uma proposição estado – mercado

JUSTINIANO, J. Land policy: the case of Bolivia. Regional World Bank Workshop on Land Issues in Latin America and the Caribbean. Pachuca, Mexico: May 19-22th 2002.

MASON, C. The geography of “successful” small firms in the United Kingdom. Environment and Planning A, v. 17, n. 11, p. 1499-1513, 1985.

MASON,  M. Collaborative partnerships for urban development: a study of the Vancouver Agreement. Environment and Planning A, v. 39, n. 10, p. 2366-2382, 2007.

NAVARRO, Z. The “Cédula da Terra” guiding project: comments on the social and political-institutional conditions of its recent development. World Bank, Washington, DC,1998.

NETO, F. Innovative approaches to rural development: Moving from state-controlled towards market-based land reform. Natural Resources Forum, v. 28, n. 1, p. 50-60, 2004.

PARR, J.  Cities and regions: problems and potentials. Environment and Planning A, v. 40, n. 12, p. 3009-3026, 2008.

PEREIRA, J. The World Bank’s market-assisted land reform as a political issue: evidence from Brazil (1997-2006). European Review of Latin American and Caribbean Studies, v. 82, p. 21-49, 2007.

RAZIN, E.; HAZAN, A. Industrial development and municipal reorganization: conflict, cooperation, and regional effects. Environment and Planning C: Government and Policy, v. 13, n. 3, p. 297-314, 1995.

ROBERTS, D. The economic base of rural areas: a SAM-based analysis of the Western Isles, 1997. Environment and Planning A, v. 35, n. 1, p. 95-111, 2003.

SABOURIN, E. Agrarian Reform in Brazil: a series of missed appointments between social movements and state policies. Estudos Sociedade e Agricultura, v. 16, n. 2, p. 151-184, 2008.

SAHU, B.; MADHESWARAN, S.; RAJASEKHAR, D. Credit constraints and distress sales in rural India: evidence from Kalahandi District, Orissa. Journal of Peasant Studies, v. 31, n. 2, p. 210-241, 2004.

SILVA, E. Indecision factors when planning for land use change. European Planning Studies, v. 10, n. 3, p. 335-358, 2002.

SOUZA, S.; SILVA, E. Regional planning in the land reform literature: a gap to be bridged. Regional Studies, Mar. 9th 2010.

Page 264: Politica Publica Ppp38

planejamento e políticas públicas | ppp | n. 38 | jan./jun. 2012262

______. Land reform beyond the reformed land: a baseline study of the Land Bill Programme in Brazil. Cambridge, UK, 2010. Mimeografado.

Originais submetidos em agosto de 2010. Última versão recebida em julho 2011. Aprovado em agosto de 2011.

Page 265: Politica Publica Ppp38
Page 266: Politica Publica Ppp38

Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

Editorial

CoordenaçãoCláudio Passos de Oliveira

Njobs Comunicação

SupervisãoCida Taboza Inara VieiraThayse Lamera

RevisãoÂngela de OliveiraCristiana de Sousa da SilvaLizandra Deusdará FelipeRegina Marta de Aguiar

EditoraçãoDaniela Rodrigues Moreira

CapaJoe RodriguesDaniel Dresch

LivrariaSBS – Quadra 1 − Bloco J − Ed. BNDES, Térreo 70076-900 − Brasília – DFTel.: (61) 3315 5336Correio eletrônico: [email protected]

Page 267: Politica Publica Ppp38

NORMAS AOS COLABORADORES DE PLANEJAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

1. Os artigos enviados para seleção devem ser inéditos. A remessa do artigo à revista implica autorização para a

sua publicação pelo autor.

2. Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês ou espanhol. Aceitam-se, eventualmente,

artigos traduzidos já publicados em outro idioma que, pela sua relevância, mereçam divulgação em português.

3. A revista reserva-se o direito de recusar trabalhos submetidos para publicação conforme a avaliação de seus

pareceristas. Todos os trabalhos submetidos serão julgados por dois pareceristas ad hoc, no processo de

avaliação double-blind. Caso haja divergência entre os dois primeiros pareceristas, o artigo será encaminhado

para um terceiro parecerista.

4. No caso dos artigos selecionados para publicação, os autores deverão enviar uma versão deles editada em

Word – 2003 ou posterior. Os artigos podem ser enviados por e-mail <[email protected]> ou pelo site da revista

<www.ipea.gov.br>.

5. Cada artigo deverá conter um resumo de cerca de 150 (cento e cinquenta) palavras, o qual propicie uma visão

global e antecipada do assunto tratado. O resumo, bem como o título do artigo, deve ser enviado em 4 (quatro)

idiomas: português, inglês,espanhol e francês. Cada resumo deve conter até 5 (cinco) palavras-chave.

6. As fórmulas matemáticas devem ser claras e insertas no próprio texto: jamais podem dar margem à dupla

interpretação. Se as deduções de fórmulas forem abreviadas, o autor deverá apresentar a derivação completa

em um anexo, o qual não será publicado.

7. Diretrizes gerais para formatação dos artigos:

7.1 Antes do título, devem constar as informações sobre o autor: nome completo, instituição na qual está vinculado, endereço

eletrônico e endereço para correspondência. O autor deverá informar até 5 (cinco) códigos no sistema de classificação do

Journal of Economic Literature (JEL) – disponível no site <http://www.aeaweb.org/journal/jel_class_system.php>.

7.2 Os artigos não devem exceder 30 (trinta) páginas, em texto digitado em formato A4 (29,7 x 21 cm), espaço simples,

letras Times New Roman, corpo 12, margens superior e esquerda com 3 cm e inferior e direita com 2 cm, justificado.

7.3 Gráficos de dados devem ser editados em Microsoft Excel, versão 7.0 ou anterior. No caso de gráficos, pode-se fazer a

edição também em Corel Draw. Mapas e gravuras deverão vir em arquivo separado, com extensão CDR, BMP,

TIF, JPG e EPS, para possibilitar leitura magnética – obs.: não utilizar cores.

7.4 As notas devem aparecer no fim da página, numeradas sequencialmente.

7.5 O artigo deve seguir as normas estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), NBR-6023.

7.6 As indicações bibliográficas no texto devem obedecer, por exemplo, à forma (BARAT, 1978) e, se for o caso,

acrescidas de referência ao número da página citada: (BARAT, 1978, p. 15). A referência completa deverá ser

apresentada no fim do artigo, em ordem alfabética, com: no caso de livros – autor(es), título completo do livro,

nome e número da série ou coleção (se houver), edição, local, editora e ano de publicação; e no caso de artigos

de periódicos – autor(es), título completo do artigo, título completo do periódico, local, número e volume,

número de páginas, mês e ano de publicação.

Page 268: Politica Publica Ppp38

Missão do IpeaProduzir, articular e disseminar conhecimento para aperfeiçoar as políticas públicas e contribuir para o planejamento do desenvolvimento brasileiro.