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POLÍTICAS DE CURRÍCULO PARA A DOCÊNCIA: RESPONSABILIZAÇÃO, PROTAGONISMO E PROFISSIONALIZAÇÃO EM QUESTÃO As políticas de currículo vêm sendo produzidas nas últimas décadas, em diversas escalas: global/regional/local, intensificando o debate sobre a docência em suas diferentes dimensões: da formação (inicial e continuada) ao trabalho docente. Entendemos que a centralidade da docência nas políticas de currículo vem sendo produzida discursivamente buscando associar o desempenho do professor com o de seus alunos e da escola na tentativa de reconfigurar os processos de profissionalização docente. Na produção dessas políticas para a docência destacamos discursos ambivalentes sobre o protagonismo, a responsabilização e profissionalização docente. Neste painel, os trabalhos assumem a perspectiva pós-estrutural com a Teoria do Discurso de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe e ainda dialogam com estudos de Stephen Ball sobre a performatividade e com a abordagem das Redes de Políticas. Trabalhamos com análise documental de textos políticos de organismos internacionais, secretaria de Estado Federal, entidade associativa e periódicos acadêmico-científicos. No primeiro trabalho, analisamos nos discursos de textos políticos da OEI e OREALC-UNESCO os sentidos de responsabilização docente, destacando a correspondência entre a formação e o trabalho docente pelos resultados no desempenho dos alunos e da escola em um contexto de políticas educacionais voltadas para a performatividade (DIAS, Rosanne e SOARES, Ana Paula). Em seguida, analisamos a formação de professores no âmbito da política de inclusão na região da América Latina e Caribe promovida a partir dos anos 1990 na produção do que vem a ser significado como protagonismo docente na produção dos materiais destinados à formação de professores para a inclusão pela SECADI-MEC (TOMÉ, Claudia). Por fim, focalizamos as perspectivas de professor reflexivo e dos saberes docentes nos discursos para a formação docente em documentos da ANFOPE (2010-2012) e em artigos de periódicos da CAPES para analisar os processos de significação da profissionalização docente (BORGES, Veronica e LOPES, Alice). Palavras-chave: Políticas de Currículo, Formação de Professores, Trabalho Docente XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 3448 ISSN 2177-336X

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POLÍTICAS DE CURRÍCULO PARA A DOCÊNCIA:

RESPONSABILIZAÇÃO, PROTAGONISMO E PROFISSIONALIZAÇÃO EM

QUESTÃO

As políticas de currículo vêm sendo produzidas nas últimas décadas, em diversas

escalas: global/regional/local, intensificando o debate sobre a docência em suas

diferentes dimensões: da formação (inicial e continuada) ao trabalho docente.

Entendemos que a centralidade da docência nas políticas de currículo vem sendo

produzida discursivamente buscando associar o desempenho do professor com o de seus

alunos e da escola na tentativa de reconfigurar os processos de profissionalização

docente. Na produção dessas políticas para a docência destacamos discursos

ambivalentes sobre o protagonismo, a responsabilização e profissionalização docente.

Neste painel, os trabalhos assumem a perspectiva pós-estrutural com a Teoria do

Discurso de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe e ainda dialogam com estudos de Stephen

Ball sobre a performatividade e com a abordagem das Redes de Políticas. Trabalhamos

com análise documental de textos políticos de organismos internacionais, secretaria de

Estado Federal, entidade associativa e periódicos acadêmico-científicos. No primeiro

trabalho, analisamos nos discursos de textos políticos da OEI e OREALC-UNESCO os

sentidos de responsabilização docente, destacando a correspondência entre a formação e

o trabalho docente pelos resultados no desempenho dos alunos e da escola em um

contexto de políticas educacionais voltadas para a performatividade (DIAS, Rosanne e

SOARES, Ana Paula). Em seguida, analisamos a formação de professores no âmbito da

política de inclusão na região da América Latina e Caribe promovida a partir dos anos

1990 na produção do que vem a ser significado como protagonismo docente na

produção dos materiais destinados à formação de professores para a inclusão pela

SECADI-MEC (TOMÉ, Claudia). Por fim, focalizamos as perspectivas de professor

reflexivo e dos saberes docentes nos discursos para a formação docente em documentos

da ANFOPE (2010-2012) e em artigos de periódicos da CAPES para analisar os

processos de significação da profissionalização docente (BORGES, Veronica e LOPES,

Alice).

Palavras-chave: Políticas de Currículo, Formação de Professores, Trabalho Docente

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FORMAÇÃO E INCLUSÃO NO ÂMBITO DA SECADI: SUBSIDIANDO

O ENSINO PARA PROTAGONIZAR A DOCÊNCIA

Claudia Maria Felicio Ferreira Tomé

UERJ/UERN

Este trabalho situa a formação de professores a partir da reforma educacional

dos anos de 1990 no âmbito da política de inclusão na região da América Latina e

Caribe. Localiza a Secadi como agente de formação e inclusão da diferença no Brasil e

as relações que tornam possíveis essa secretaria produzir e/ou disponibilizar subsídios

na/para formação de professores (as) como agentes de inclusão. A argumentação está no

entendimento de que professor é uma categoria tradutória. Nesse sentido, o objetivo do

trabalho é discutir a formação subsidiada por guias para a produção da categoria

professor protagonista. A problemática se constitui na ambivalência que a produz, pois

se por um lado o professor é visto como agente de mudança no contexto da inclusão,

por outro, ele é o fracassado que precisa de formação para que não seja expulso do

sistema. A investigação recorre a discursos via subsídios disponibilizados pela Secadi e

a dispositivos legais referentes a projetos regionais (Prelac, PPE, dentre outros) e a

redes de políticas. Teoricamente, apoia-se na Teoria do Discurso de Ernesto Laclau

(2013) e nas Redes de Políticas de Stephen Ball (2014). As considerações que resultam

da discussão compreendem que o investimento na formação de um agente protagonista

produz o outro excluído (o fracassado), aquele que ameaça o sistema de ensino. Então,

dizer que o professor é protagonista não encerra a construção subjetiva em torno do

lugar por ele ocupado. Trata-se de uma identidade móvel que por ser movimento,

desloca-se desestabilizando o cenário social para o qual a ideia de um projeto regional

unificado e estável de formação e de professor está em decadência. Entretanto, torna

possível traduções e invenções no campo da formação, da didática e do currículo.

Palavras-chave: Formação de Professores, inclusão em redes, professor

protagonista

Palavras Iniciais: por uma compreensão da tessitura dos fios e desafios em

redes

Neste texto, oriento-me pela compreensão de currículo como política

cultural e, portanto, discursiva (LOPES e MACEDO, 2011) aliada às redes de políticas

(BALL, 2014) e a teoria do discurso (LACLAU, 2013). Assim, os subsídios

disponibilizados pela Secretaria de Educação Continuada Alfabetização, Diversidade e

Inclusão – Secadi são operados nesse texto como produções curriculares conjuntas que

borram as fronteiras local/global, até porque como diz Ball (2014), as redes de políticas

têm operado de forma global produzindo o que ele chama de uma nova forma de

governamentabilidade, criando novas formas de sociabilidade. Produzidos para/na

implementação de programas, projetos e cursos de formação de professores, os

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subsídios permitem, nessa discussão, compreender as relações de agentes públicos e

privados em articulação com redes de políticas no âmbito da Secadi. Nesse sentido, essa

secretaria é aqui compreendida como agente intermediário que se empenha em executar

uma agenda de políticas que aciona o que Ball (2001), chama de tecnologias de políticas

difundidas pela OCDE, quais sejam: mercado, gestão e performatividade. Os subsídios

aqui mencionadas entram em cena como uma espécie de sociabilidade de um

pensamento global que intenta se universalizar por um modus operandi e modus vivendi

dando, portanto, inteligibilidade a esse novo tipo social que se articula e se dissemina

em parcerias (BALL, 2014). Em considerando a teoria do discurso de Ernesto Laclau

(2013), tais relações são vistas, nesse texto, como que apontando para a constituição do

protagonismo docente em redes de políticas. Entretanto, os efeitos que irradiam de tais

relações são pensados na tessitura de um denso e difuso entrançado que apostam no

protagonismo docente como preenchimento do significante inclusão.

Situando a responsabilização conferida ao professor

As redes de políticas figuram desde quando se desenhava os blocos econômicos

na América Latina consubstanciados por um projeto de integração econômica regional,

cujo desdobramento se deu desde a assinatura do Tratado de Assunção em 1991. No

Brasil, essa política apareceu no crivo do Plano Trienal (1992-1994) para o setor da

educação no Mercosul (Mercado Comum do Sul). Entre os objetivos desse plano

podemos encontrar, segundo as intenções do Mercosul, a reforma curricular da

educação básica a educação profissional, a formação inicial e contínua dos professores e

a criação de estratégias para a equidade das políticas educacionais, preocupando-se com

a classe menos favorecida. Todavia, novos objetivos foram elaborados mediante a sua

avaliação, passando a contemplar novas ações para que fosse assegurada uma educação

de qualidade. Dessa política, surgem as demandas dos agentes privados que articulam o

discurso da eficácia empresarial com a justiça social.

Vale lembrar que essa política pode ser localizada no contexto de aprovação do

Projeto Regional de Educação para América Latina e o Caribe – PRELAC e seu Modelo

de Acompanhamento, com vigência para o período 2002-2017. Tal projeto atenta para a

qualidade educacional e volta-se para a desigualdade na distribuição das oportunidades

educacionais e seu impacto em grupos excluídos de pessoas com necessidades especiais,

povos nativos, zonas rurais isoladas, zonas urbanas marginais. Cabe esclarecer que o

PRELAC dá continuidade aos esforços anteriores a nível regional e mundial. Por um

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lado, considera o Projeto Principal de Educação – PPE, que conseguiu estabelecer

prioridades e enfoques comuns nas decisões de âmbito educativo da América Latina e

do Caribe; por outro, o Movimento Mundial da Educação Para Todos (EPT). Atrela-se a

esse, o movimento empresarial Compromisso Todos pela Educação do qual foi criado o

documento Todos pela Educação rumo a 2022.

Não é de admirar que as proposições desse movimento são ratificadas pelo

governo federal através do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), assumindo

todas as metas do movimento. Tal plano, configura, pois, um pacto social que chama a

responsabilidade “pais, sociedade, profissionais da mídia, intelectuais, empresários,

sindicalistas e estudantes [como] uma nova forma de exercer seu protagonismo”

(SHIROMA, GARCIA e CAMPOS, 2011, p. 225)). Entretanto, cabe aqui trazer à cena

a responsabilidade atribuída ao professor, que aponta para duas armadilhas já vistas por

Pinar (2014), no contexto de reforma educacional estadunidense. A primeira é a

armadilha intelectual que consiste no aluno depender do professor para aprender. A

segunda, é a armadilha política definida como aquela em que o professor se torna o

responsável pela responsabilidade do aluno. De tal modo, a relação conjuntiva entre o

currículo e o ensino, entre o currículo e a instrução, entre o currículo e a pedagogia,

sugere uma exagerada responsabilidade do professor, cuja formação está atrelada a

redes de políticas. Tal responsabilidade tem impelido o professor a ocupar um lugar de

protagonista.

Protagonismo em redes. Essa é a lógica do Todos pela Educação que fundado

em 2006, faz parte da rede REEDUCA, definida como uma rede latino-americana de

organizações da sociedade civil para educação. Sua filosofia é a de que a educação

básica inclusiva e de qualidade para todos é um direito humano e também uma

estratégia mais eficaz para reduzir a pobreza e para construir sociedades mais justas.

Contado entre um contingente de 14 países, o Brasil faz parte dessa rede através do

Todos pela Educação. Nessa esteira de políticas nacional e internacional, embora o

Todos pela Educação se apresente como uma iniciativa da sociedade civil, na verdade,

constitui-se também como uma rede de política que agrega diferentes agentes,

instituições, empresas e conta com financiamento da iniciativa privada. As parcerias

público-privado no âmbito do Compromisso Todos pela Educação, ganha abertura aos

estados e municípios que assinaram o Compromisso, a partir da elaboração do Plano de

Ações Articuladas – PAR. Como planejamento multidimensional da política de

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educação, o PAR busca materializar as cinco metas do plano que em 2010 se desdobram

em cinco Bandeiras, entre as quais se encontram a formação e carreira do professor.

No entrançado das redes de política: os subsídios da/para formação de

professores

A formação de professores além de ser materializada pelo PAR, é subsidiada por

ferramentas e materiais de natureza pedagógica avaliados pelo MEC, mas elaborados

tanto por instituições ou empresas públicas quanto privadas que se encontram a

disposição no Guia Tecnologias Educacionais. Tal guia é composto pelas tecnologias

pré-qualificadas em conjunto com as tecnologias desenvolvidas pelo MEC. Organiza-se

em seis blocos de tecnologias, tendo na versão 2011/2012, o acréscimo de mais um:

Gestão da Educação; Ensino-Aprendizagem; Formação de Profissionais da Educação;

Educação Inclusiva; Portais Educacionais; Diversidade e Educação de Jovens e Adultos;

Educação Infantil. É possível encontrar nesse guia os materiais e portais de subsídios e

acesso para efetivação dos programas e cursos da Secadi, Tais como: Coleção Cadernos

EJA, Projeto Escola que Protege, Projeto Educar na Diversidade, Projovem Campo –

Saberes da Terra, Prolind, Brasil Alfabetizado, dentre outros. Vale destacar aqui alguns

desses materiais produzidos para subsidiar o ensino através da formação de professores.

Os Cadernos Secad produzidos com o intuito de cumprir a função de

documentar as suas políticas públicas, têm se apresentado como uma publicação de

conteúdo essencialmente informativo e formativo. O Caderno 05 de título Proteger

para Educar: a escola articulada com as redes de proteção da crianças e adolescentes,

declara o trabalho com redes no seu próprio título, posto que relata o Projeto Escola que

Protege, considerando-o instrumento de política pública educacional do Governo

Federal para o enfrentamento dessa questão. Esse projeto faz parte das Redes de

Proteção Integral que compreendem todas as políticas públicas, serviços, instituições,

órgãos e atores voltados para a garantia dos direitos da criança e do adolescente,

mantendo, pois, uma estrutura múltipla, constituída por redes locais ou micro redes

comunitárias. Nessa cadeia de redes o entrançado de fios conta com inter-redes, a saber,

redes espontâneas (voluntários: família, igreja, etc); Rede não-governamental (agentes

filantrópicos, entidades assistenciais, ONGs); Rede de serviços públicos (juizado,

ministério público, agentes comunitários, dentre outros); Redes de serviços privados

(empresas). E mais, para o funcionamento da rede de Proteção, outra rede é acionada

como ferramenta para seu funcionamento. Trata-se da Rede On-line que possibilita a

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padronização de procedimentos básicos no relacionamento entre os atores participantes,

na comunicação permanente com a sociedade que, por vezes, mantém também ligação

com a Rede de Serviços de Ação Continuada – Rede SAC – do Ministério do

Desenvolvimento Social. Esta, mantém abrigos não-governamentais em todas as regiões

brasileiras, financiados majoritariamente com recursos privados.

Na dinâmica de inter-redes, o terceiro volume da Coleção Educação para Todos

que leva o título: Construção coletiva: contribuições à educação de jovens e adultos,

advoga o processo de construção coletiva da EJA, destacado pelo seu próprio título.

Esse volume, não apenas indica o processo de organização dos textos que o compõem,

mas reflete também os caminhos de construção coletiva da política pública nacional de

educação de jovens e adultos, iniciada pela então Secad com seus diversos

interlocutores. Essa publicação é elaborada em parceria com a Rede de Apoio à Ação

Alfabetizadora do Brasil – RAAAB. Tal rede conta com educadores e coordenadores de

programas de educação de adultos, pesquisadores, administrações públicas, movimentos

sociais, sindicatos e outras entidades ligadas à área no Brasil. O texto registra que seus

membros abordam conceitos, informações e experiências que orientam educadores em

suas práticas, servindo para a ação reflexiva desses profissionais, e para análise crítica

das políticas no contexto nacional e local em que a EJA se insere. Além disso,

fundamenta e inspira a elaboração de propostas educativas e exercita o pensar sobre o

fazer pedagógico.

Os quatro volumes de livros paradidáticos sobre indígenas constituindo, pois, a

Série Via dos saberes da Coleção Educação para todos é mais um dos materiais

disponíveis que conta com a participação de agentes públicos e privados. Essa série é

desenvolvida pelo Projeto Trilhas de Conhecimentos: o Ensino Superior de Indígenas

no Brasil/LACED – Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e

Desenvolvimento/Museu Nacional – UFRJ. A produção advém de uma parceria entre a

Fundação Ford, a Secadi e a Unesco. A Fundação Ford como agente privado se

responsabiliza pelo seu financiamento, através do seu fundo de investimento: Pathways

to Higher Education Initiative – PHE, pelo qual financia projetos para estudantes

indígenas do Brasil, do Chile, do México e do Peru e tem por objetivo fortalecer

instituições educacionais na oferta de formação em nível de graduação a estudantes

selecionados para o International Fellowships Program – IFP (Programa Internacional

de Bolsas de Estudo – IFP), revendo suas estruturas, metas e rotinas de atuação na

América Latina. A Unesco norteia a agenda política e a Secadi implementa o projeto.

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O quarto volume da coleção Educação Para Todos, intitulado “Educação

Popular na América Latina: diálogos e perspectivas” abre o debate sobre a América

Latina quando publica reflexões sobre Educação Popular que vêm sendo produzidas no

âmbito do Conselho de Educação de Adultos da América Latina (CEAAL). Esse

conselho se constitui em uma rede latino-americana de cerca de 200 organizações não-

governamentais, situadas em 21 países. Sendo, pois, um espaço de articulação e

sistematização do movimento da Educação Popular na América Latina reúne grande

parte das instituições e educadores (as) que desenvolvem práticas de Educação Popular

num movimento cíclico que envolve CEAAL e diversos agentes.

Endereçados ao Programa Brasil Alfabetizado e contando com participação de

agentes públicos e privados, o vigésimo primeiro volume da coleção Educação para

Todos intitulado: “Brasil alfabetizado: como entrevistamos em 2006”, contou com o

envolvimento da equipe técnica do Departamento de Avaliação e Informações

Educacionais (DAIE) e da então Secad. Ademais, o processo de debates envolveu

outros setores do Ministério da Educação (MEC) – como o Departamento de Educação

de Jovens e Adultos (DEJA) – e as entidades parceiras responsáveis pela implementação

do Plano de Avaliação. São parceiros: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),

Instituto Paulo Montenegro (IPM) e sua mantenedora Ibope/Opinião, Sociedade

Científica da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Science), Associação Nacional

dos Centros de Pós-Graduação em Economia (Anpec), Centro de Alfabetização, Leitura

e Escrita (Ceale). Além disso, conta-se com representantes da sociedade civil, reunidos

em torno dos Fóruns de Educação de Jovens e Adultos, e das Coordenações de

Educação de Jovens e Adultos vinculadas às Secretarias Estaduais de Educação.

Do exposto, as redes de relações constituídas por agentes públicos e privados,

tornam visíveis, através da produção de tais subsídios, um processo constante de

negociação que mobiliza os duplos macropolítica/micropolítica, inclusão/exclusão.

Nesse processo, faz-se notar, ao modo laclauniano, uma sobredeterminação, cujo

sentido não é finalístico. Ocorre por uma espécie de procura e oferta sempre precária e

contingente, posto que ao se aliançarem em redes, os empresários partícipes do

Movimento Todos pela Educação, quando não são interlocutores diretos do Estado,

tornam-se clientes que abraçam a ideia ao mesmo tempo em que ofertam produtos para

efetivação das metas do PDE via PAR. Este se inscreve programas, projetos e cursos

sem completos fechamentos.

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Julgo, portanto, que é nessa dinâmica que as relações tornam possíveis a

produção/subjetivação do professor pelos quais e para os quais subsídios são

produzidos, o que expressa uma espécie de relação política, de sedimentações e

condensações entre diferentes agentes demarcando o ensino, o currículo e os

professores. Afinal, as redes políticas são “um tipo de “social” novo, envolvendo tipos

específicos de relações sociais de fluxos e de movimentos. Elas constituem

comunidades de políticas, geralmente baseadas em concepções compartilhadas de

problemas sociais e suas soluções” (BALL, 2014, p. 29). Na acepção de Ball, “por meio

delas, é dado espaço e novas vozes dentro do discurso da política. Novas narrativas

sobre o que conta como uma „boa‟ política são articuladas e validadas”.

Nesse sentido, sigo o entendimento de Laclau (2013), sobre hegemonia para

dizer que o protagonismo em redes é um investimento na constituição de uma ordem

hegemônica nomeada de inclusão. Vale lembrar que para o autor, tal ordem vai se

constituindo de um discurso particular que consegue ter representação discursiva de

identidades até então dispersas, até porque o Todos pela Educação agrega

distintos projetos e planos nacionais, regionais e internacionais – PPE, PRELAC, PTE.

Todavia, esses projetos são articulados considerando uma disputa discursiva em torno

de uma sociedade mais justa e igualitária, o que envolve governo, sociedade civil e

mercado. Nesse caso, os sentidos que se busca fixar se voltam para o significante

inclusão, uma vez que o Todos Pela Educação tem como filosofia a educação

básica inclusiva e de qualidade para todos. Esta, é defendida como um

direito humano e também uma estratégia mais eficaz para reduzir a pobreza e para

construir sociedades mais justas. Para Ball (2014), trata-se de um empreendorismo

social aliado a nova filantropia na prestação de serviços da educação, o que, ao modo

laclauniano, poderíamos dizer que aponta para condensação de diferentes sentidos no

que toca a inclusão. De outro modo de dizer, essas relações são, para Ball (ibidem),

investidas de antagonismo e interdependência. Ou seja, são as chamadas relações

complexas e mutáveis entre o mercado, o Estado e o setor público. Nesse modelo, é

imprimido ao currículo uma espécie de alinhamento, adequação advindas do mercado e

dos valores do setor privado, consistindo “em um conjunto de tecnologias morais que

trabalham em, dentro e por meio de instituições do setor público e de trabalhadores”

(BALL, 2014, p. 65).

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É nesse sentido que Ball (2014) ao discutir a tessitura das redes, aponta algumas

das que ele chama muitas amarras e relações que funcionam por meio da rede Atlas

Liberty Network, cuja pauta do empreendorismo intelectual está na ordem do dia, o que

se soma ao comprometimento com a liberdade e com um governo limitado. Entre as

muitas organizações que a Atlas apoia, encontra-se o Instituto Liberdade Brasil e o

Instituto de Estudos Empresarias Brasil. Em algumas das setas que a Atlas conecta na

rede, Ball (ibidem) vai trazendo elementos que fazem parte do interior da rede; ou seja,

alguns atores e organizações-chave vão sendo introduzidas e assinaladas. Uma dessas

setas apontam para o Brasil que tem cerca de sete membros brasileiros da Liberty

Network. Nesse entrançado de muitas linhas, são produzidas subjetividades e práticas

institucionais. Nos termos do autor, trata-se de uma performatividade, entendida

também como uma forma por excelência de govermentabilidade neoliberal que produz

efeitos de primeira e segunda ordem na educação.

O efeito de primeira ordem, reorienta as atividades pedagógicas com vistas a um

impacto positivo nos resultados de desempenho mensuráveis para o grupo, a instituição

e nação. Implica conceber o ensino em termos de aprendizagem, o que na expressão de

Pinar (2014), seria insensato, pois imprime ao professor assumir a responsabilidade pela

aprendizagem dos alunos. Vale assinalar que, nos termos dos efeitos de primeira ordem,

a política de inclusão anda pari passu com a ideia de responsabilização dos professores

para com a aprendizagem e consequente inclusão dos alunos. Assemelha-se aquilo que,

segundo Pinar (2014) é defendido, nos Estados Unidos como projeto de nome

“Nenhuma Criança deixada para trás” (No Child left Behind), cuja intenção é explorar a

preocupação com o futuro de filhos de pais negros e pobres, de modo que a escola

assuma a responsabilidade com a aprendizagem dos alunos por meio de exames

padronizados. Esse projeto estadunidense é sublinhado por Ball (2014) ao abordar os

empreendimentos sociais e edu-busineses na prestação de serviços educacionais

privadamente e em nome do Estado de modo a alcançar o seu Millennium Devellopment

Gools e proporcionar acesso em massa a educação básica. Daí resulta a reforma no

currículo que, contextualizando os Estados Unidos, Pinar (2014, p. 211) diz ter sido

substituída pelo que “denominou deforma educativa na qual a peça-chave – seu

currículo – representa um meio para alcançar um fim: os pontos dos alunos nos testes

estandardizados”. Em reverso, o autor entende que em lugar de objetivos para avaliar,

deveríamos pensar no momento histórico, incluindo como o presente se encarna em

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nossas subjetividades individuais e como poderíamos estudar os objetivos através do

conhecimento acadêmico e do diálogo com aqueles que nos rodeiam

O segundo efeito da performatividade apontada por Ball, pode ser visto em

relação a mudança da forma pela qual os professores experienciam o seu trabalho e as

satisfações que obtém a partir dele, o que para Ball (2014), distorce o seu sentido de

propósito moral e de responsabilidade para com seus alunos. Essa lógica aponta para

aquilo que Pinar (2014) chama de conduta docente regulamentada por um processo de

padronização que mina e impede o exercício de autoridade do professor. Entende,

inspirado Christopher Lasch (1978), que essa conduta carreia para “a cultura do

narcisismo”, o que lhe parece exagerada, mas bastante exata. Isto porque sem nenhum

lugar onde esconder-se, muitos se refugiam dentro de si mesmo, incapazes de distinguir

entre si mesmo e o outro e muito menos para participar significativamente da esfera

pública, configurando-se como um pesadelo do presente. Destarte, só é possível o

professor entender sua subjugação no presente se entender que é vítima de uma

misoginia e racismo deslocado e adiado. Com efeito, nos termos de Pinar (2014), a

agencialidade intelectual é preferível à iniciativa empresarial. À parte as preferências, a

discussão em torno do Todo pela Educação aclara que as demandas até então foco das

políticas de reforma dos anos de 1990, rearticulam-se e continuam presentes na agenda

empresarial no setor da educação por meio das redes de políticas no âmbito da América

Latina e Caribe.

Nessa perspectiva, o PRELAC como projeto que dá continuidade ao PPE, torna-

se um importante instrumento no acompanhamento e implementação das metas do

Todos Pela Educação. Em âmbito local, cria-se em 2008 a Rede de Educação para a

Diversidade (Rede), uma parceria da SECADI com a Universidade Aberta do Brasil –

UAB, a chamada rede UAB. Seu foco é fortalecer a educação inclusiva relacionada à

públicos específicos através da disseminação de temas relativos à diversidade. Trata-se,

portanto, de um grupo permanente de instituições públicas de ensino superior dedicado

à formação continuada de profissionais de educação. O seu objetivo é disseminar e

desenvolver metodologias educacionais para a inserção dos temas da diversidade no

cotidiano das salas de aula. Por meio da rede em tela, são ofertados cursos de formação

continuada para professores da rede pública da educação básica em oito áreas da

diversidade: relações étnico-raciais, gênero e diversidade, formação de tutores, jovens e

adultos, educação do campo, educação integral e integrada, ambiental e diversidade e

cidadania. Mais tarde, essa rede se articula também com a Rede Nacional de Formação

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Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica Pública

(RENAFORM). A sua finalidade é apoiar as ações de formação continuada de

profissionais do magistério da educação básica. Formada por Instituições de Educação

Superior (IES), públicas e comunitárias sem fins lucrativos, conta também com

Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia - IF que apresentarem seus

termos de adesão. Tem sido por meio da RENAFORM que a Secadi em parceria com as

instituições de ensino superior, oferta cursos em nível de extensão, aperfeiçoamento e

especialização nas modalidades presencial e a distância.

Para Ball (2014), as tecnologias – que são produzidas para tais cursos – são

estabelecidas para superar velhas tecnologias do profissionalismo e burocracia. Assim,

só podemos entender a disseminação do formato de mercado em relação ao papel do

Estado como criador do mercado, e o papel do mercado em relação às necessidades

políticas e econômicas do Estado. Assim, concorrendo para o formato de mercado, a

política educacional do Estado tem colocado a formação continuada como

preponderante em relação a inicial por garantir conhecimento por toda a vida, o que

justifica a ênfase da Secadi à formação continuada, achando-se figurada na sua própria

nomenclatura. No mais, a profissionalização dos professores é reconhecida como

urgente para os organismos internacionais, o que implica numa diversidade de ofertas e

estruturação curricular advinda de forma de organização em áreas ou eixos tecnológicos

que contemplem o setor econômico, industrial, agrícola e serviços tanto na rede pública

quanto privada. Torna-se, portanto, evidente que para a efetivação dos programas e

ações, conta-se com materiais e com a figura do professor adequadamente preparado,

assumindo, pois, o lugar de protagonista.

O protagonismo docente faz, pois, referência ao segundo foco estratégico do

PRELAC, a saber, os docentes e o fortalecimento de seu protagonismo na reforma

educativa para que respondam às necessidades de aprendizagem dos alunos. O

objetivo ligado a tal foco é tornar efetiva a proposta de Educação Para Todos (EPT) e

atender as demandas de desenvolvimento humano da região. Sendo um objetivo de

reforma, o protagonismo expressa uma política de reconversão docente, difundida na

América Latina e Caribe. Daí a corrida por um novo tipo de professor subjetivado como

intelectual que ocupa um lugar de protagonista, o que passa pela ideia aqui discutida no

que afeta a responsabilizar o professor pelos resultados da sua escola à medida que lhe é

requerido articular as políticas internacionais com as nacionais e locais. Trata-se de uma

co-responsabilização, uma vez que o PRELAC (2002), propõe que os professores

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3458ISSN 2177-336X

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trabalhem em redes e aprendam com o trabalho cooperativo entre pares. Para tanto,

incentiva a criação de redes internacionais, criação de redes de apoio na escola e

subsídios produzidos para/ na formação de professores.

Nessa perspectiva, os professores são objetos de reforma e, portanto, possíveis

de serem reconvertidos a um novo perfil. Assim, de professor obsoleto passa à professor

intelectual e de professor fracassado passa a professor protagonista. Trata-se de

reconverter o professor de empecilho a agente. Nesse contexto, a criação da

Secad/Secadi reitera discursos no que afeta a Reforma Educativa no âmbito da América

Latina e Caribe, fazendo, assim, jus ao protagonismo docente e a mudança educacional,

referente ao segundo foco do PRELAC. Um protagonismo que parece colocar o

professor num entre-lugar diante da ambivalência que se apresenta nesse contexto de

mudanças do século XX para o século XXI. Isto porque, se por um lado é patente a

desvalorização e passividade do professor sem a qualificação exigida; por outro,

reclama-se reconhecimento e valorização, desse mesmo professor, pela política de

reforma. Assim, ao mesmo tempo que o professor é visto como responsável pela má

qualidade da educação é o outro da inclusão, o desejado agente de transformação dos

sistemas educacionais.

Considerações finais: uma questão de tradução

O protagonismo só faz sentido se pensado no marco da reconversão docente via

formação de professores, o que requer co-responsabilidade política com a qualidade

exigida pelos organismos multilaterais. Significa, portanto, abrir mão de um trabalho

individual para um trabalho cooperativo, de uma postura de transmissor de informações

para uma postura reflexiva, autônoma, investigativa, criativa e comprometida com a

mudança educacional. Desse modo, ao passo que o professor é convidado a ocupar esse

lugar através da reconversão pela formação, ele também é o fracassado que precisa ter

acesso a inovação para que não seja expulso do sistema, posto que lhe é delegada a

responsabilidade quanto ao êxito ou fracasso da educação. Trata-se de uma lógica em

que o negado ou o empecilho é também o outro da inclusão – o professor –, o outro que

ameaça o sistema de ensino fazendo com que “com que toda a colonização seja

obrigatoriamente uma negociação com o Outro. O colonizador ao dominar o colonizado

necessita admitir a possibilidade de negociação de sentidos: não posso colonizar quem

eu destruo completamente” (LOPES, 2013, p. 15).

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3459ISSN 2177-336X

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O professor. O que dizer? Se as redes de políticas têm produzido uma matriz de

inteligibilidade, vale dizer que o professor vem sendo produzido podendo ser em si

mesmo enquanto tal. Torna-se, pois, problemático pensa-lo a priori. Dizer que é o

protagonista ou o fracassado não encerra a construção subjetiva em torno do lugar por

ele ocupado, o que parece flutuar por entre as demandas da formação, do currículo e do

ensino. Trata-se de uma identidade móvel que por ser movimento, desloca-se

desestabilizando o cenário social para o qual a ideia de um sujeito unificado e estável

está em decadência. Isto posto, se a identidade é móvel, o professor é, pois, uma

categoria tradutória, o que escapa de qualquer determinismo quer seja em subsídios,

quer seja pelo formato que se intenta dar ao ensino, ao currículo e a formação. Trata-se,

por um lado, da impossibilidade de se chegar a um projeto político definitivo. Por outro,

possibilita, no processo de tradução, invenções no campo da formação, da didática e do

currículo.

Referências

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neoliberal. Ponta Grossa: Editora URPG, 2014.

BRASIL. Guia de Tecnologias Educacionais 2011/12/organização COGETEC.

Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2011. 196 p.

_____. Plano de ações articuladas – PAR‐ 2011‐2014. Guia prático de ações

para municípios. Brasília: Ministério da Educação. 2011.

LACLAU, Ernesto. A razão populista. São Paulo: Três Estrelas, 2013.

LOPES, Alice. C. Teorias pós-críticas, política e currículo. Educação,

Sociedade & Culturas, nº 39, 2013, 7-23.

LOPES, A. C e MACEDO, E. F. Teorias do currículo. São Paulo: Cortez,

2011

PINAR, William F. La teoria del Curriculum: estudo introdutório –José Mª Garcia

Gardüño. Narcea S. A. de Ediciones, Madrid, España, 2014.

PRELAC I. Primeira Reunião Intergovernamental do Projeto Regional de

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2002.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3460ISSN 2177-336X

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PUBLICAÇÕES SECADI. Ministério da Educação. Secretaria de Educação

Continuada Alfabetização Diversidade e inclusão - Secadi. Disponível em:

http://portal.mec.gov.br/secretaria-de-educacao-continuada-alfabetizacao-diversidade-e-

inclusao/publicacoes

SHIROMA, E. O; GARCIA, R. M. C; CAMPOS, R. F. Conversão das “almas” pela

liturgia da palavra: uma análise do discurso do movimento Todos pela Educação. In:

BALL, J. Stephen & MAINARDES, Jeferson (Org). Políticas Educacionais: questões e

dilemas. São Paulo: Cortez, 2011b.

UNESCO/OREALC. Proyecto Principal de Educacion em America Latina y El

Caribe: sus objetivos, caracteristicas y modalidades de acción. Unesco. Santiago de

Chile, (S/D).

_______. Declaração mundial sobre educação para todos. Plano de ação para

satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem. Conferência Mundial de Educação

para Todos. Jomtien, Tailândia, 1990. Disponível em:

http://app.crearj.org.br/portalcreav2midia/documentos/declaracaojomtien_tailandia.pdf.

Acesso em: 08 de julho de 2014.

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3461ISSN 2177-336X

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POLÍTICAS CURRICULARES PARA FP E A

PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE: SEDIMENTAÇÕES DISCURSIVAS EM

MARCHA

Veronica Borges (UERJ)

Alice Casimiro Lopes (UERJ)

Apresentamos aqui o resultado de uma pesquisa sobre os discursos nas políticas

curriculares para a formação de professores, com foco nas articulações discursivas sobre

a profissionalização docente nas referidas políticas. Para investigação desses discursos,

foram acessados atas finais das reuniões da ANFOPE, artigos sobre formação de

professores veiculados no site de periódicos da Capes, bem como textos dos livros mais

citados nos referidos artigos. A estratégia teórico-metodológica foi construída por meio

de uma concepção discursiva de política e de currículo, apoiada na teoria do discurso de

Laclau. Defendemos que, por intermédio dessa estratégia, se abrem possibilidades para

compreender como algumas sedimentações se tornam hegemônicas e tendem a

configurar um projeto de mundo. De forma mais específica, interpretamos as

perspectivas de professor reflexivo e dos saberes docentes, abordagens bastante

difundidas no campo das políticas curriculares para formação docente, defendendo que

elas contribuem para o fortalecimento do significante profissionalização docente.

Defendemos ainda que as práticas discursivas da profissionalização docente tendem a

ressoar sentidos em torno da ideia de controle (do) social. Tais sentidos têm importantes

implicações para as políticas curriculares da formação docente, na medida em que,

através delas, há reiteração de práticas amplamente criticadas no campo da Didática e da

Formação de Professores, tais como o tecnicismo e a secundarização do saber dos

professores. Concluímos que operar com categorias que se apoiam na ambivalência

constitutiva pode se constituir como uma estratégia fértil para colocar os sentidos em

marcha e ampliar as disputas de sentidos, sem perder de vista o caráter político dessas

práticas discursivas.

Palavras-chave: discurso, profissionalização docente, currículo.

Na pesquisa aqui apresentada, investigamos e interpelamos certos discursos no

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3462ISSN 2177-336X

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campo de Formação de Professores (FP), a fim de colocar em marcha a política

curricular nessa área. Em outras palavras, buscamos promover a disputa de sentidos já

consolidados e apontar outras possibilidades de ressignificar as práticas discursivas

curriculares para a formação docente. Investigamos certas sedimentações discursivas e

buscamos apresentar como estas favorecem a instituição provisória e precária de

determinados sentidos para o campo da formação de professores, com foco no discurso

da profissionalização docente. Defendemos que certas noções que compõem a tradição

do campo e tensionam as formações discursivas, quer sejam hegemônicas ou não, vêm

sendo reconfiguradas para bloquear ou possibilitar certos discursos nessa disputa. Vale

ressaltar que se trata da condição política dessas articulações, não havendo nenhum ato

de significação necessário (em si): toda significação é contingencial (LACLAU, 2000).

O aparato teórico-metodológico com o qual operamos “requer lidar ilusoriamente com

uma estagnação da(s) cadeia(s) discursiva(s), mesmo sabendo que uma estagnação não é

real ou jamais entra em curso” (CUNHA, 2015).

Em nossa concepção, construir políticas implica tentativas de instituição

originária do social. Esse movimento constitui bloqueios de várias opções razoáveis (ou

não) que circulam no contexto da tomada de decisão política. Nessa medida, cabe

promover des-sedimentacões visando buscar as contingências que pavimentaram as

condições de possibilidade para que um discurso (prática, imagem, texto, instituição) se

sedimentasse. Essas sedimentações são perspectivas, valores e/ou tradições que se

cristalizam a partir de parcialidades na significação de certos objetos e/ou realidades.

Para Marchart (2009), na sociedade ocidental, operamos com o apagamento da condição

não plena dos objetos/realidades e com a tentativa de fazê-los parecer completos. Nessa

concepção (metafísica) do mundo, o apagamento se dá por meio de uma hierarquia

naturalizadora que dificulta a percepção de que há privilégios nas escolhas políticas,

sempre envolvidas em disputas de poder. Outros princípios metafísicos se fazem

presentes, como a concepção de que a objetividade está dada pela presença (algo “real”

sustenta/justifica certa ideia ou prática) alimentando o realismo. Esse realismo promove

e é promovido pela suposição de transparência da linguagem, associado ao

determinismo que tende a estabelecer relações de causa e efeito biunívocas.

Interpelações do discurso pedagógico às políticas curriculares para FP

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O discurso pedagógico interpela e é interpelado pelas políticas, na medida em

que esse discurso constitui/subjetiva os diferentes atores sociais. É sempre importante

atentar que não se pode definir/estabelecer, ainda que resguardados todos os recortes

teórico-metodológicos, quais práticas discursivas têm força para reconfigurar um

cenário político-social. Ainda assim, consideramos potente esse exercício de

interpretação, no sentido de oferecer outras possibilidades de compreensão que

subvertam a lógica da causalidade e traga os conflitos desses momentos de decisão

política.

Para a investigação proposta, foram acessados atas finais das reuniões da

ANFOPE no período de 2000 a 2012, artigos sobre formação de professores

selecionados no site de periódicos da Capes a partir da palavra-chave profissionalização

docente, bem como textos dos dez livros mais citados nos referidos artigos. A

investigação, contudo, não se circunscreveu ao material empírico selecionado, ainda que

este tenha sido a principal fonte de pesquisa, por entendermos que há várias articulações

discursivas que tangenciam ou até sustentam os discursos acessados via textos

investigados. Operamos uma interpretação privilegiando as cadeias discursivas da

profissionalização docente, a fim de evidenciar as condições de possibilidade de certas

articulações que, muitas vezes, estão silenciadas pela tentativa de total apagamento da

contingencialidade. Por meio desse levantamento identificamos o destaque conferido

aos trabalhos de Schön e Tardif, e a eles nos dedicamos mais detalhadamente.

Investigamos e problematizamos certos discursos pedagógicos que ressoam

outras articulações, num intenso remetimento de significantes para significantes, como é

característico dos processos discursivos. Houve confronto de diferentes discursos que se

apresentam no campo, com pretensões de promover a profissionalização docente, quer

por negarem propostas conservadoras, quer por afirmarem as propostas ditas

progressistas ou por apresentarem possibilidades “concretas” de atuação. Entendemos

que há negociações de sentidos desses discursos e que conhecê-los talvez favoreça o

debate no sentido de produzir outras possibilidades de confronto/subversão do

significante de profissionalização docente.

Não sem razão, é exatamente nas décadas de 1980 e 1990 que as propostas de

formação de professores começam a se referir aos saberes docentes, aos

saberes da experiência, a insistir sobre o(a) professor(a) que reflete sobre a

própria prática e que pesquisa sobre ela (SHULLMAN, 1987; GAUTHIER et

al, 1998; TARDIF, 2003; TARDIF; LESSARD; LAHAYE, 1991;

ZEICHNER, 1995; PIMENTA; GHEDIN, 2000; PIMENTA;

ANASTASIOU, 2002; LÜDKE, 2005), bem como a ressaltar as

competências necessárias ao exercício da docência (PERRENOUD, 2000;

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BRASLAVISKY, 1999), as quais remetem também, de certa forma, aos

saberes circunstanciados. (...) O discurso do(a) professor(a) reflexivo(a), que

se dissemina amplamente no Brasil, presume que o(a) professor(a) deve

refletir e pesquisar sobre a própria prática (GATTI; BARRETO; ANDRÉ,

2011, p. 43)

Esse fragmento destaca alguns desses discursos que se reinscrevem, no campo

pedagógico e no campo de formação docente, evidenciando conceitos os quais também

identificamos ser destacado nos documentos curriculares investigados. Tal recorrência

nos serviu como mais um indício de que estas sedimentações circulam amplamente.

Alguns desses discursos são o foco deste trabalho: professor reflexivo e saberes

docentes. A seguir, apresentamos essas formações discursivas numa busca de

articular/evidenciar os tensionamentos que se empreendem a partir da relação intrínseca

entre discurso pedagógico e as políticas curriculares para a FP.

Professor reflexivo e a epistemologia da prática

Tendo em vista a literatura especializada do campo de formação de professores,

o emprego da noção de reflexividade se sustenta nos trabalhos de Schön (2000)

desenvolvidos por Alarcão (1996, 2001), bem como por trabalhos de Zeichner (1993,

2008) e tantos outros autores que incorporam essa teorização. Este conceito tem sido

discutido amplamente, tanto no Brasil como em diversos países. Schön desenvolve a

noção de professor reflexivo a partir Dewey - ambos inscritos numa filosofia

pragmática.

[a ação reflexiva] implica uma consideração ativa, persistente e cuidadosa

daquilo em que acredita ou que pratica, à luz dos motivos que o justificam e

das consequências a que conduz. Não é, portanto, nenhum conjunto de

técnicas que possa ser empacotado e ensinado aos professores (ZEICHNER,

1993, p. 18).

Entendemos ser construída uma relação que coloca o tecnicismo de um lado e

professor reflexivo do outro. O discurso em defesa da ação reflexiva se fortalece frente

à crítica à ideia de que o professor seria um mero técnico que aplica

conhecimentos/conteúdos produzidos por outros atores sociais, os especialistas, por

exemplo. Os discursos que sustentam essa sedimentação - tanto de um discurso quanto

do outro - implicam binarismos do tipo ativo/passivo, especialista/generalista,

técnico/reflexivo, treinamento e formação docente, reduzindo e naturalizando relações

heterogêneas de maior complexidade. Ressaltamos esse aspecto por entender que a

crítica ao tecnicismo serve/funciona como um aglutinador de ideias, se considerarmos,

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por exemplo, o momento sócio-político da realidade brasileira no momento de

emergência desse discurso. É construído um corte antagônico, no qual o tecnicismo

funciona como aquele significante posto para fora da cadeia de sentidos (LACLAU,

2010), o outro excluído, favorecendo que outros discursos entrem em negociação e se

reconfigurem por oposição a essa prática discursiva.

Uma argumentação enunciada (ALARCÃO, 1996; SCHEIBE, 2002;) é a de que

as perspectivas aplicacionistas desativam a possibilidade de reflexão e tomam os

professores como meros tarefeiros. Alarcão (1996) ainda argumenta que, além disso,

frustram/inibem a condição sine qua non do humano - seu caráter racional.

Por outro lado, a argumentação em prol do professor reflexivo ativa sentidos

acerca da autonomia, associando a capacidade de reflexão docente ao desenvolvimento

da autonomia tanto no aluno como do professor. As ideias da reflexão/autonomia

(SCHON, 2000) focalizam-se no caráter humano e racional dos sujeitos. Ambos os

princípios - reflexão e autonomia - promovem deslizamentos de sentidos da matriz

histórico-cultural que servem bem às concepções pedagógicas que se contrapõem ao

tecnicismo. São elementos presentes-ausentes nos discursos que focalizam na prática

quando se apoiam no binômio reflexão–autonomia e se associam à ideia de que “quanto

maior reflexão maior a capacidade de autonomização” (ALARCÃO, 1996, p. 177).

Defendemos que há vários desdobramentos desse discurso sem que haja uma

superação de uma ideia por outras. De acordo com nossa perspectiva teórico

metodológica, esses processos se dão por deslocamentos e condensações dos

significantes-chave de cada cadeia discursiva. Por exemplo, Alarcão associa reflexão/

autonomização ao conceito freireano de práxis, defendendo ser esse o sentido que

atribui “conscientização como elemento base de uma atitude de questionamento”

(Idem). Para a autora, há uma dimensão formativa e pragmática sustentada na noção de

reflexão. O professor, ao refletir sobre os fundamentos que o levam a agir e ao agir de

determinada forma, estará no comando de sua formação (a autonomia estaria

contemplada). Isso subsidia sua prática em situações outras e tende a ser incorporado ao

seu fazer docente (reflexão sobre a ação).

Exercendo a estratégia de des-sedimentar, destacamos aqui como esse discurso

da reflexividade se apoia também no estabelecimento de relações de causa e efeito,

fixando certos aspectos – como os fundamentos que levarão o professor a agir. No caso

em questão, o fundamento primeiro seria a essência reflexiva do ser humano. Além

disso, argumentamos que a reflexidade apoia-se em universais que atribuem ao ser

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3466ISSN 2177-336X

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humano a condição primeira - “penso, logo existo”. Essa racionalidade cartesiana

parece estar subsumida no professor reflexivo e reafirmando a dissociação entre res

extensa e res cogitans. No que se refere à ideia de autonomia, esta carreia sentidos

como ser livre, agir por si, destacar-se do outro, por exemplo. Associados, estes

significantes tendem a reiterar posições causalistas, de que haja um fundamento, uma

ordem primeira, a reflexão/razão, da qual derivam outras características.

A nosso ver, a centralidade na ideia de um fundamento primeiro ganha relevo

expondo uma incompatibilidade com o discurso de professor reflexivo. Esse discurso se

enfraquece, perde sua potência, frente ao tecnicismo. Supor (ainda que remotamente)

não racionalidade (irracionalidade) como antagonismo deveria ser algo impensável na

lógica da reflexidade. No entanto, tal relação se apresenta como princípio universal.

Além disso, promove a hierarquização e a secundarização da ideia de práxis (sentido

freireano), um conceito caro à epistemologia da prática, quando subordina todos os

processos à condição de ser reflexivo. Na ideia de práxis, há indissociabilidade entre

teoria e prática com radicalização da dimensão relacional. Cabe indagar como essa

condição se manteria ao afirmar que há um princípio primeiro. A própria argumentação

de Alarcão acerca do conceito de meta-práxis (1996, p. 179) funciona como mais um

indício de que essa abordagem apoia-se em fundamentos fixos/universalizantes. Para

ela, a noção de meta-práxis reflete a indissociabilidade entre reflexão e conhecimento:

Quer para o professor como para o aluno, a reflexão serve ao objetivo de

atribuição de sentido com vistas a um melhor conhecimento e a uma melhor

atuação:

Professor: conhece a tua profissão e conhece-te a ti mesmo como professor

para te assumires como profissional de ensino.

Aluno: conhece a língua que aprendes e conhece-te a ti mesmo como aluno

para assumires como aluno de línguas. (ALARCÃO, 1996, p. 180).

Essas máximas remetem, mais uma vez, à ideia de origem, de busca de um

fundamento fixo, primeiro, essencial – o conhecimento de si – justificam/explicam o

uso da reflexão para conhecer mais e melhor, a partir do entendimento da lógica dos

processos de reflexão singulares de cada sujeito. Essa forte ênfase no indivíduo, em sua

capacidade de reflexão e de autonomia, numa relação consigo mesmo, reforça a crítica

de que essa teoria desconsidera aspectos sociais. Assim, reforçam que os processos de

formação implicam o sujeito num processo pessoal, de questionamento do saber e da

experiência numa atitude de compreensão de si próprio.

(...) Nenhuma estratégia formativa será produtiva se não for acompanhada de

um espírito de investigação no sentido de descoberta e envolvimento pessoal

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3467ISSN 2177-336X

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e é esta uma das ideias que deve estar na base do conceito de professor-

investigador (ALARCÃO, 1996, p. 181).

Outro sentido, principalmente a partir das incorporações que Alarcão faz de

Schön (2000), baseia-se na tomada de consciência da capacidade de

pensamento/reflexão, dando a ver que isso caracteriza o humano. Há uma

recusa/combate/rejeição, nessa conceptualização, quanto à ideia de que o ser humano

seja um mero reprodutor de ideias e que suas práticas lhe sejam exteriores. Há

reiteração da intencionalidade, de que é possível ter controle sobre as ações.

Zeichner (2008) ressalta a conexão entre a emergência da ideia de professor

reflexivo em oposição à psicologia comportamentalista, que dominava o campo de

formação de professores nos EUA à época.

(...) mudança de foco na formação docente: de uma visão de treinamento de

professores que desempenham certos tipos de comportamento para uma mais

ampla, em que os docentes deveriam entender as razões e racionalidades

associadas com as diferentes práticas e que desenvolvesse nos professores a

capacidade de tomar decisões sábias sobre o que fazer, baseados em objetivos

educacionais cuidadosamente estabelecidos por eles, dentro do contexto em

que trabalham e levando em consideração as necessidades de aprendizagem

de seus alunos (ZEICHNER, 2008, p. 536).

Para o autor, apesar da rejeição explícita à racionalidade técnica por Schön, essa

ideia se mantém forte, havendo muitos exemplos do modelo de racionalidade técnica na

prática reflexiva. Aponta para:

(...) limitação do processo reflexivo em considerar as estratégias e

habilidades do ensino (os meios para ensinar) e exclusão, da alçada dos

professores, da reflexão sobre os fins da educação, bem como aspectos

morais e éticos do ensino (ZEICHNER, 2008, p. 542).

(...) a ênfase clara do foco interiorizado das reflexões dos professores sobre

seu próprio ensino e sobre os estudantes, desconsiderando as condições

sociais de educação escolar (ZEICHNER, 2008, p.542).

(...) Muitos trabalhos sobre ensino reflexivo enfatizam a reflexão que os

professores fazem sobre si mesmos e seus trabalhos (ZEICHNER, 2008,

p.542).

Para ele, há pouca ênfase sobre a reflexão como prática social. Considera que

formação docente reflexiva, que realmente fomenta o desenvolvimento profissional,

somente deveria ser apoiada, se ela estivesse conectada a lutas mais amplas por justiça

social e contribuísse para a diminuição das lacunas na qualidade da educação: “assim

como reflexão docente, o desenvolvimento profissional e a transferência de poder para

os professores não devem ser vistos como fins em si mesmos” (ZEICHNER, 2008, p.

545).

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3468ISSN 2177-336X

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Entendemos que o antagonismo que estabiliza/estabilizou o discurso do

professor reflexivo envolve a rejeição (bloqueio) ao tecnicismo no campo de FP, no

mesmo movimento em que afirma a autonomia docente e o caráter racional/intencional

do trabalho docente. Esse é um discurso hegemônico, havendo expressiva defesa da

ideia de professor reflexivo no campo de formação de professores e que tem sido

utilizado também nos discursos da profissionalização docente (GATTI; BARRETO;

ANDRÉ, 2011; AMARAL; VEIGA, 2002). Outra vertente que se apresenta legitimada

no campo de FP é a exaltação/valorização do saber docente como veremos a seguir.

Saberes docentes: o protagonismo na produção de saberes

Um dos principais aspectos a ser ressaltado no que se refere aos saberes

docentes é que estes não se inserem na lógica da transmissão de conhecimento já

constituídos (TARDIF, 2002). Os saberes docentes focalizam saberes diferenciados com

os quais os professores vão se relacionar de modo também diferenciado. Estaria mais

próximo à ideia de um saber plural decorrente de saberes que se constituem em várias

outras dimensões, tais como saberes profissionais, saberes disciplinares, saberes da

experiência ou saberes curriculares.

Esse discurso advoga pela ideia de que os saberes são elementos constitutivos da

prática docente. Assim, professor ideal

é alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa, além

de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e à

pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência

quotidiana com os alunos (TARDIF, 2002, p. 39).

Tardif afirma que o professor ocupa uma posição desvalorizada, mas estratégica

no campo dos saberes e isso repercute positivamente no campo de FP. Discursos da

profissionalização docente apoiam-se em aspectos distintos: a desvalorização docente, a

desprofissionalização, a emancipação, o déficit da formação docente, a condição de

semi-profissão (FREITAS, 2002; SCHEIBE, 2002; OLIVEIRA, 2010; BRZEZINSKI,

2008). Do ponto de vista dos saberes docentes, o professor ganha uma posição destaque.

Somente o professor (e não o especialista, ou o governo, ou a política curricular),

levando em conta todos os outros saberes em disputa, vai ser capaz de, exercer sua

condição de profissional da interação humana e construir/produzir os saberes de sua

prática (TARDIF, 2002).

Por outro lado, Tardif pondera que os professores, muitas vezes, incorporam os

saberes da formação profissional, os disciplinares e os curriculares, mas sem a devida

legitimidade de sua prática docente. Nesse caso assumem a condição de transmissores

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3469ISSN 2177-336X

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de saber. Isso retira do professor a condição de produtores de saberes, bem como retira a

condição de ser um profissional com papel legitimado pela sociedade.

Para o autor, muitas vezes, os professores exercem uma relação de exterioridade

com os saberes curriculares, disciplinares, o que recoloca no cenário discursos que

concebem os professores como técnicos/executores/tarefeiros. Afirma ainda que essa

exterioridade também ocorre em relação aos saberes profissionais. Tais saberes

estabelecem uma relação de subordinação às universidades e/ou dos formadores

universitários (atores legitimados para produção desses saberes). Tardif enfatiza que a

legitimidade dos saberes docentes está dada pela ênfase da prática com foco nas

vivências, mas também na concepção de currículo suposto como real (objetivo,

determinado, transparente).

Assim, o professor teria seu saber da experiência reconhecido. Um dos efeitos

disso é a dissociação entre prática e política, e a presunção de que a prática seja um

espaço de implementação de saberes produzidos em outras esferas: a da Universidade,

da política, das disciplinas, dos setores governamentais, etc. Esses efeitos repercutem

negativando sua condição de profissional, por um lado, se consideramos que

enfraquecem sua autoridade e legimidade frente aos outros campos de saber. Por outro

lado, pode operar sua valorização, via exacerbação da prática como locus privilegiado

do fazer docente (alcançável apenas pelo professor de sala de aula).

Destacamos que esse discurso do professor que produz saberes comparece ao

debate da profissionalização docente ao fortalecer a ideia da especificidade do professor

como protagonista de seu fazer e capaz de afrontar a lógica do especialista que retira

dele a possibilidade de exercer esse lugar de destaque. Além disso, consideramos que,

com tal discurso, o professor, com foco em sua condição docente, ganha centralidade,

ampliando-se as práticas discursivas de valorização do seu pensar/agir, de suas crenças,

tradições e valores como aspectos importantes para compreender esse fazer.

Com a compreensão de que há vários elementos educativos que também

informam o fazer docente, um discurso dominante na ANFOPE, por ex., passa por

compreender o exercício da docência não apenas na prática da sala de aula, mas também

na produção dos saberes docentes inseridos num contexto mais amplo:

Na perspectiva da formação de profissionais da educação que sejam capazes

de uma atitude crítica e transformadora diante dos desafios dessa realidade

tem-se construído e defendido a necessidade de uma concepção sócio-

histórica de educador onde a docência seja base de sua identidade

profissional. Historicamente, a ANFOPE defende a formação de um

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3470ISSN 2177-336X

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profissional da educação que tenha uma referência ampliada do fenômeno

educativo. Que seja capaz de compreender criticamente os determinantes e

as contradições do contexto em que está inserido, assim como, de atuar na

transformação desse contexto e na criação das condições para que se

efetivem os processos de ensino-aprendizagem. [grifo meu] (ANFOPE,

2002, p. 12).

Nessa passagem, no que concerne à profissionalização docente, a ideia de

“docência como base da identidade profissional” tensiona o que se entende por

profissionalização. Traz outro elemento que não se refere apenas à dimensão

epistemológica (natureza dos saberes), mas (tende a) agrega(r) sentidos das dimensões

sociais e políticas. Opera-se um reinscrição, reiteração, remarca desses sentidos

(DERRIDA, 1994) e isso pode contribuir para a construção da identidade profissional

dos professores, baseada na docência, uma prática discursiva que se afirma no campo

como indispensável para o estatuto do profissional docente.

Considerações finais: tentativas de controle no debate da

profissionalização docente

A fim de construir maior amplitude do debate da profissionalização docente,

outras facetas dessa cadeia discursiva foram investigadas, além das que foram discutidas

neste trabalho: o discurso das competências e o de professor como agente de mudança

(cfr BORGES, 2015). Compreendemos que se forjaram convergências de sentidos nas

quais perpassam, em diferentes nuances, a possibilidade do exercício do controle, de

certo poder sobre o outro. Em alguma medida cada discurso, guardadas as

especificidades, propõe/prevê, antecipa um projeto de sociedade. Trata-se de um projeto

que estabelece um fim e, a partir disso, definem-se as possibilidades de atuação. O

discurso da profissionalização docente emerge em campos discursivos advindos de

setores profissionais, como o de médicos e advogados. Nesses casos, há uma estreita

relação entre profissionalismo e controle: manter no cenário um fim a ser alcançado.

Um bom profissional seria aquele que “sabe/conhece/controla” seu ofício.

No caso da docência, outros contextos (contingências) se apresentam para

afastar o professor de um contexto de doação/sacerdócio/boa vontade (Idem) e

aproximá-lo a sentidos de profissionalização. Assim, entram em cena essas cadeias de

sentidos como as de professor reflexivo e saberes docentes, peças-chave na sustentação

do discurso da profissionalização docente no Brasil. De certo modo, rejeitou-se a ideia

de doação/entrega/amadorismo para assumir seus saberes via profissionalização. Ambas

as cadeias carreiam sentidos de controle. No entanto, a profissionalização tende a uma

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3471ISSN 2177-336X

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relação de subordinação aos saberes científicos, de um outro que pode ser a

Razão/reflexão, bem como pode ser representado por saberes legitimados por essa

Razão/reflexão como os saberes especialistas e/ou governamentais. Tanto a ideia de

professor que reflete sobre seu fazer (epistemologia da prática) como os saberes

docentes compõem o campo discursivo da profissionalização docente num movimento

de aproximações sucessivas, mas nunca as mesmas, do sentido de que é possível

antecipar, prever, controlar os processos formativos a fim de chegar num professor

ideal. Biesta (2014), Lopes (2015), Macedo (2014), de modos bem diversos, abordam a

problemática de que há que estar alerta para qualquer tentativa de controle da formação.

Neste caso, isso emerge via formação docente, na tentativa de controlar o que o outro

pode/deve conhecer. Consideramos que se trata de uma luta perdida – os sentidos são

fluidos, deslocam-se incessantemente, no mesmo movimento em que instituem já se

tornam outros – são contingentes, provisórios e precários. Por isso, operamos com a

ideia de “impossibilidade” da formação docente, da sociedade ou de qualquer projeto a

ser definido previamente à luta política (Lopes e Borges, 2015). Todavia, isso não quer

dizer que nada há a fazer. Ao contrário, fortalecer processos de formação que envolvam

disputa de sentidos, sabendo que estes serão fixados contingencialmente, pode ser um

caminho profícuo para as políticas curriculares para FP. Nesse sentido, acompanhar os

movimentos das ideias de reflexidade do fazer docente ou as de valorização dos saberes

docentes, buscando quais as articulações foram forjadas de acordo com seu contexto,

pode contribuir para ampliar o debate no campo da formação docente e de suas

políticas.

Neste trabalho buscamos conexões entre as práticas discursivas que circulam nas

políticas curriculares para FP e a de profissionalização docente. Empreendemos

interpelações aos sentidos eleitos no discurso pedagógico acessados via material

empírico (professor reflexivo e saberes docentes) para recolocá-los em marcha, numa

discussão edificada sob outro ponto de vista. De acordo com nossa investigação,

identificamos um imaginário de controle do outro que perpassa as cadeias discursivas e

ativa sentidos que são/foram bastante rechaçados pelo discurso pedagógico. Um dos

propósitos desta discussão passa por contribuir com o debate compreendendo que a

cada deslocamento/condensação de sentidos outras possibilidades emergem – e a

disputa permanece no horizonte sem possibilidades de alcance de uma redenção final.

Referências Bibliográficas

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3472ISSN 2177-336X

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DISCURSOS DE RESPONSABILIZAÇÃO DOCENTE NAS POLÍTICAS

DE CURRÍCULO IBEROAMERICANAS

Rosanne Evangelista Dias (UERJ/UFRJ)

[email protected]

Ana Paula Peixoto Soares (UFRJ)

[email protected]

Resumo

Em textos políticos curriculares, o trabalho docente vem sendo ressignificado diante das

demandas contemporâneas. Em um cenário de intensa produção de políticas para a

educação básica e a formação profissional, em diferentes níveis e modalidades,

discursos sobre a defesa da qualidade da educação e do controle social, têm acentuado

os processos de avaliação externa na educação básica. Entendemos que os discursos que

vêm sendo produzidos e propagados em diferentes escalas, produzem sentidos sobre a

profissão docente tendo como foco o conteúdo de sua formação e atuação. Nesses

discursos, registramos a centralidade da responsabilização do professor pelos resultados

no desempenho dos alunos e da escola. Essa correspondência, entre formação e atuação

docente e o resultado das escolas, assim como dos seus alunos não é um fenômeno

recente, mas já verificado desde os anos 1960 nos Estados Unidos. Neste trabalho,

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3474ISSN 2177-336X

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analisamos textos políticos Ibero-americanos destacando os sentidos de

responsabilização docente presentes nas políticas de currículo para a região. A produção

analisada foi publicada entre 2008 e 2015, destacando os textos políticos da

Organização dos Estados Iberoamericanos - OEI e da OREALC-UNESCO, em seu

escritório regional para a América Latina e o Caribe. Trabalhamos com a Teoria do

Discurso de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe como abordagem privilegiada para a

análise dos processos de articulação e produção dos sentidos sobre responsabilização

nos textos políticos e com Stephen Ball para orientar a discussão sobre a cultura da

performatividade, na qual a educação contemporânea vem submetendo os professores

em busca de desempenhos futuros. Os discursos produzidos nesse contexto defendem

não apenas os resultados dos alunos nas avaliações externas, como também pretendem

avaliar o trabalho docente e o currículo da sua formação.

Palavras-chave: Políticas de currículo; Docência; Responsabilização

Introdução

A produção de políticas de currículo nas últimas décadas tem destacado o papel

protagonista do professor como sujeito responsável pelo alcance do resultado da

qualidade para a educação. Em discursos de governos, organizações não-

governamentais, organismos internacionais, representações mais diversas da sociedade

civil e de movimentos sociais, o protagonismo é central, em especial devido ao papel do

professor frente às necessidades educativas da escola básica contemporânea e as

expectativas de índices de desempenho elevados. Se todos os atores concordam na

figura protagônica do docente, os sentidos sobre esse protagonismo não são os mesmos.

A compreensão e defesa do que vem a ser o protagonismo docente propõe na

centralidade da atuação do professor discussões que envolvem também o currículo de

sua formação e do seu trabalho.

Consideramos as tensões presentes nos discursos que apontam na perspectiva

de políticas de responsabilização docente em diferentes escalas e os possíveis nexos

entre global e local. Defendemos a importância de analisar os textos políticos

produzidos pelos organismos internacionais, considerando o papel catalizador de

políticas que tais organismos exercem em diferentes países da região (DIAS & LÓPEZ,

2006). Na região, destacamos a produção da Organização dos Estados Iberoamericanos

- OEI e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura –

UNESCO, em especial sua Oficina Regional para a América Latina e o Caribe –

OREALC. Neste trabalho, analisamos em textos políticos dos organismos internacionais

para a região Iberoamericana os sentidos produzidos em torno da responsabilização

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3475ISSN 2177-336X

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docente. Os textos selecionados para a análise: “Miradas sobre la Educación en

Iberoamérica. Desarrollo profesional docente y mejora de la educación” (OEI, 2013) e

“Antecedentes y Criterios para la Elaboración de Políticas Docentes en América Latina

y el Caribe” (UNESCO, 2012).

Não pretendemos representar na análise dos textos dos organismos

internacionais selecionados a totalidade do pensamento sobre a responsabilização

docente. Nem seria possível tal finalidade por entendermos que os discursos são

produzidos por diferentes sujeitos e envolvem diferentes processos de articulação na

luta pela constituição de uma proposta que venha a se constituir como hegemônica. Os

textos que fazem parte da análise difundem discursos na sua contingência e

parcialidade. Apoiadas pela Teoria do Discurso de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe

(2015) para a análise da produção discursiva disseminadas pelos textos políticos,

focalizamos os diferentes sentidos que o significante responsabilização docente assume

nos textos políticos como também nas políticas de currículo do presente,

particularmente associadas ao trabalho docente e o desempenho escolar dos alunos.

Iniciamos o trabalho com uma seção na qual apresentamos os diferentes

sentidos que o termo responsabilização assume em análises de políticas de currículo e

suas relações com a cultura da performatividade desenvolvidas por Ball (1994, 2010) e

Lyotard (2002). Na segunda seção nos dedicamos à análise dos discursos presentes nos

textos analisados, destacando os sentidos que envolvem o significante

“responsabilização” e sua vinculação com as propostas curriculares contemporâneas

para a região Iberoamericana.

Sentidos da responsabilização docente e os vínculos com a avaliação externa

Observamos que os discursos de responsabilização têm interferido

profundamente no cotidiano escolar, no trabalho do professor e na sua formação, à

medida que este profissional passa a ser considerado como o grande responsável, mas

também como principal meio para se reverter o jogo, superar o fracasso escolar e

melhorar a qualidade da educação (BARRETO, 2012).

Para compreender os processos de responsabilização, segundo Ball (2010), é

preciso olhar para as mudanças que ocorreram na própria natureza do Estado, ao passo

que este deixa de ser um Estado provedor para assumir a posição de um Estado

regulador, redistribuindo responsabilidades e introduzindo novas formas de controle.

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3476ISSN 2177-336X

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Esse discurso pautado na descentralização e na ideia de responsabilidade partilhada

lança-se como alternativa para o até então controle coercitivo, uma vez que as restrições

são substituídas por incentivos e a prescrição dá lugar para a autonomia,

responsabilizável a posteriori (BALL, 1994). Indo ao encontro do argumentado por Ball

(1994), acreditamos que há um discurso polivalente no âmbito do Estado, pois, ao

mesmo tempo em que este liberta, emancipa e empodera os sujeitos, também restringe,

aprisiona e subordina os mesmos.

Entre as novas formas de controle que emergem dessa nova configuração do

Estado, destacamos aquela relacionada à prestação de contas, também conhecida como

accountability. A accountability é um termo comum na esfera econômico-

administrativa, que passou a ganhar espaço no cenário educacional, assim como sua

lógica e seus valores pautados em um modelo de gestão com foco nos resultados

(SCHNEIDER & NARDI, 2015).

Nas últimas décadas, a accountability tem se feito presente nas políticas

educacionais, associada principalmente às avaliações de amplo espectro (dos estudantes,

das escolas e dos professores). A avaliação é uma das suas principais ferramentas e,

portanto, figurando como elemento crucial em seus processos de reforma educacional,

principalmente quando se compreende que o progresso das metas quantitativas

representa a melhoria em termos de qualidade da educação.

A principal evidência da accountability nas políticas educacionais está ainda

restrita ao sistema de avaliação de larga escala. E será pela via da discussão dos testes e

exames estandardizados, que o debate acerca da responsabilização ganha espaço no

cenário educacional da região ibero-americana e em diferentes escalas de produção das

políticas.

As análises de Diane Ravitch (2011) sobre a experiência da política de

accountability norte-americana tem contribuído de modo destacado para esse debate no

campo. Ravitch destaca o quanto essas políticas não só foram como ainda são

questionadas nos Estados Unidos, sobretudo, as suas consequências, que vão desde a

responsabilização e exposição dos professores, com base nos resultados dos testes

estandardizados, até a demissão dos mesmos e o fechamento de escolas com rendimento

considerado “insatisfatório”.

Ainda que autores do campo como Brooke (2006) e Schneider e Nardi (2015)

argumentem que a existência de uma accountability “fraca”, seus desdobramentos nas

escolas, no currículo escolar, no trabalho e na formação docente dão indícios de que há

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sim consequências implícitas nessas políticas que nos fazem compreender, inclusive, a

grande resistência da categoria e do movimento sindical dos professores.

Segundo Bonamino e Sousa (2012) podemos mencionar como uma das

consequências supracitadas a interferência das avaliações no campo do currículo. Ao

estipular o que será avaliado, os testes e exames estandardizados, em alguma medida,

pretendem regular o currículo escolar, assim como fomentam discursos em torno da

elaboração de parâmetros e referenciais curriculares e a entrada de materiais

estruturados nas escolas, adotados como política curricular (BONAMINO & SOUSA,

2012).

Consideramos que a responsabilização está estreitamente vinculada ao trabalho

docente, principalmente quando atribui correspondência entre a atuação do professor e o

desempenho dos estudantes, via testes e exames estandardizados (DIAS, 2013). Esses

resultados têm indicado como professores serão responsabilizados, indicando

mecanismos de gratificação e/ou sanção. É ainda por meio desses dados que as políticas

obtêm “respaldo” para elaborarem programas e projetos de formação, que visam

promover a cultura do desempenho e, sobretudo, envolver os docentes na busca por

melhores resultados.

O desempenho, a excelência e/ou a eficiência da prática docente é tomada

subjetivamente, como se fosse de responsabilidade de cada profissional exercer certa

autovigilância para se alcançar uma performance considerada “desejável” (DIAS, 2009;

OLIVEIRA, 2012). Ou seja, o professor é levado a buscar o desenvolvimento

profissional mais por iniciativa própria do que por ações diretas do Estado. Como

argumentado anteriormente (DIAS,2009), a responsabilização está centralmente ligada

aos discursos contemporâneos da profissionalização docente.

De acordo com Ball (2010), tais mecanismos considerados de responsabilização

“forte” podem ser compreendidos ainda, no âmbito da cultura da performatividade. A

cultura da performatividade será a principal responsável pela busca incansável por

desempenho, excelência e eficácia. A presença da cultura da performatividade

(LYOTARD, 2002) nos discursos educacionais enfatiza os processos marcados por

métodos de mensuração e de controle e a responsabilidade. No discurso curricular, a

cultura da performatividade enfatiza a ideia de conhecimento e aprendizagem de caráter

instrumental e operacional, na qual a finalidade da educação passa a ser mais a utilidade

do saber (LYOTARD, 2002).

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Nesse contexto, no qual os professores têm atuado, não só há mudanças nas

condições de trabalho, com a sua intensificação, mas também na própria relação destes

com a sua prática profissional. Emergem, assim, novas subjetividades, novos papéis

sociais, novas identidades profissionais, que vão definir o que é ser um bom professor

(BALL, 2010).

Como docentes, somos cotidianamente interpelados pela performatividade e suas

ideias um tanto quanto sedutoras, que dizem respeito à conquista de um bom

desempenho, a melhoria da qualidade profissional e o alcance da excelência. Tais

efeitos agem direta e profundamente no nosso “eu”, nos nossos valores e princípios.

Seus desdobramentos são responsáveis tanto por inflar sentimentos de satisfação e

orgulho, como os de culpa e vergonha. Pode-se dizer, então, que

(...) operamos dentro de uma desconcertante imensidão de dados,

indicadores de performance, comparações e competições de tal modo

que a satisfação da estabilidade é cada vez mais fugidia, os propósitos

são contraditórios, as motivações são borradas e a autoestima é

escorregadia (BALL, 2010, p. 40).

Em contextos nos quais há processos de responsabilização docente, ainda que

tenha sido observado que o professor é o principal sujeito responsabilizável pelo

“fracasso escolar” e o quanto isso tem sido fortemente atrelado à sua formação, não

podemos negar também que este é considerado uma figura central para se obter sucesso

nas reformas e alcançar a melhoria da qualidade da educação. Como defendido

anteriormente (Dias,2013) não há consenso em torno da temática da responsabilização

docente. Se por um lado a expectativa em torno do professor com relação ao

desempenho dos seus estudantes é vista de forma negativa, por outro, ainda há que se

considerar que essa “responsabilidade” tem dado ao professor um papel de destaque, de

protagonismo no cenário educacional, a fim de que este possa assumir cada vez mais,

autonomamente, a tarefa de curriculista (DIAS, 2013).

Discursos da responsabilização docente na região Iberoamericana

A região ibero-americana tem investido, nas últimas décadas, na tentativa de

produção de consensos sobre as políticas de currículo para a região, tendo em vista a

superação dos índices de desenvolvimento educacional que ainda revelam um

contingente de estudantes com problemas no acesso e permanência na escola básica. Ao

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3479ISSN 2177-336X

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longo das primeiras décadas do terceiro milênio, conferências foram realizadas com o

intuito de pactuar com os ministros de estado da educação as metas que devem orientar

o que vem a ser denominado, a Geração dos Bicentenários. A perspectiva posta nessas

conferências e definidas nos textos políticos da OEI é o de vir a alcançar melhores

resultados até o ano de 2021, quando se comemora o bicentenário da independência de

vários países da região. No caso da UNESCO que envolve Estados-nação que também

fazem parte da região Iberoamericana, agendas políticas também são constituídas

buscando apoiar e fomentar políticas que, na avaliação dos organismos internacionais,

atendam às expectativas de atingir patamares mais elevados de escolarização da

população em idade escolar.

Na produção dos consensos também se fazem presentes, via organismos

internacionais a atuação de lideranças da comunidade acadêmica, muitas vezes ligada a

determinada agenda de governos. Parte dessa comunidade de conhecimento é convidada

a produzir textos que vêm a compor números especiais de publicações no formato de

revistas com o propósito de divulgação de diferentes ideias para a promoção das

políticas para o currículo e à docência na coleção Metas Educativas 2021, da OEIi.

Caracterizamos esse contexto marcado por múltiplas possibilidades de influências que

se fazem presentes nessas políticas, atribuindo a elas também a ação de lideranças locais

na disputa de projetos que são forjados para as diferentes políticas curriculares (DIAS,

2009). Concordamos com Lopes (2004) que os processos discursivos de produção da

política de currículo devem ser analisados nos processos de articulação que envolve a

significação, sempre complexa de ideias, valores e concepções daquilo que constitui o

currículo.

Nos textos políticos analisados, podemos identificar entre as metas e as

estratégias formuladas para o alcance da qualidade da educação o papel central do

professor e da avaliação em um cenário de ênfase no processo de ensino mais do que da

educação, como abordado por Macedo (2012). A docência, é defendida como

protagônica no desenvolvimento do ensino-aprendizagem a partir de um discurso que,

ambivalentemente, busca valorizar o trabalho docente como autoral como também

marcado por formas de controle na atuação, em especial, aquelas voltadas aos resultados

do desempenho dos alunos. Na produção de políticas que estão focadas para os

resultados do desempenho, surge com destaque o conceito de responsabilização nos

textos políticos para a região Iberoamericana.

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3480ISSN 2177-336X

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Nossa compreensão sobre discurso para a análise dos textos políticos envolve

todas as ações e relações que possuem significado social (LACLAU, 2005). Desse

modo, discurso deve ser entendido como prática social articulatória que constitui e

organiza as relações sociais. Analisar discursos implica a compreensão de que neles

estão presentes significados, sentidos e acordos produzidos em torno de determinada

questão e que na sua dinâmica social produz efeitos no contexto social, entre os quais o

de reconhecimento e legitimação, assim como o oposto.

Ao tratar mais especificamente os discursos sobre a responsabilização devemos

destacar como estão envoltos em tensões sobre os diferentes sentidos que advogam para

o trabalho docente no quadro de ambivalência presente nos textos políticos analisados.

A construção de consensos entre diferentes grupos (MOUFFE, 1996), uma importante

finalidade da política, para além de desafiadora, não pode desconsiderar os sentidos

forjados pelos grupos e sujeitos que articulam suas propostas curriculares em busca de

legitimidade.

A responsabilização vem sendo expressa nos textos políticos analisados na

tentativa de definir novos papeis para a docência diante das novas exigências e metas

que vem sendo definidas nas políticas curriculares para a educação básica. Tais políticas

têm no professor a figura central para que alcancem êxito e estão marcadamente

definindo-se em torno de sentidos de controle de desempenho. O sentido da

responsabilização via correspondência entre desempenho docente e discente podemos

verificar em texto da UNESCO (2012) afirmando que “La evidencia disponible apunta a

que los maestros son la clave para el buen desempeño de alumnos, escuelas y sistemas”

(PISA, 2009; OCDE, 2009; MOURSHED, CHIJIOKE Y BARBER, 2010 apud

UNESCO, 2012, p. 59). Associando o desempenho do professor via trabalho docente e

o resultado dos alunos, especialmente em processos de avaliação externa a

correspondência produzida discursivamente indica uma postura por parte do docente

colocando-o no lugar de quem é o responsável pelo fracasso ou sucesso dos alunos.

Hay consenso en que el trabajo de los maestros es crucial para la

calidad de los aprendizajes que alcancen los estudiantes, pero

identificar a los maestros eficaces, distinguiéndo-los de manera

confiable de los que no lo son, sigue siendo uma tarea no resuelta

(OEI, 2013, p.225).

No trecho destacado anteriormente, podemos verificar como ainda está

presente a ideia de um perfil profissional projetado para a docência, a despeito dos

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próprios textos políticos defenderem a singularidade da profissão e a necessidade de os

professores atenderem às diferentes demandas sociais presentes na escola básica

contemporânea (OEI, 2013, UNESCO, 2012). Como nos anos 1960 algumas pesquisas

buscavam identificar o que seriam os bons professores, baseado nos resultados de seus

alunos conhecendo o que eles eram e o que eles faziam, os textos políticos analisados

voltam a defender a necessidade de desenvolvimento de estudos do que vem a ser um

“bom professor” ou “professor eficaz”. Para além das recontextualizações com os

cenários atuais das políticas de currículo para a formação docente, verificamos nessas

proposições vínculo com as teorias de currículo influenciadas pela eficiência social que

marcou muito o trabalho docente e o currículo da sua formação. Nesse discurso o foco

está fixado no desempenho e comportamento do professor buscando a construção de

modelos de avaliação do trabalho docente, envolvendo seus conhecimentos e suas

práticas (OEI, 2013).

Punto de partida indispensable para uma buena evaluación de

docentes es uma definición precisa de lo que es un buen docente; solo

después habrá que buscar las mejores formas de obtener información

sobre el grado en que el trabajo de ciertos maestros reúne o no los

rasgos identificados (OEI, 2013, p.234).

Nos marcos de uma cultura de performatividade, como desenvolvido por Ball

(1994, 2010), os sentidos da responsabilização nos textos analisados, estão marcados

também pelo o que vem a ser a necessidade de definição de “una identidad professional

basada en lo que debe saber y poder hacer un docente, en general y de acuerdo a su

respectiva área de especialización (UNESCO, 2012, p.112). Fortalecem discursos pela

autoregulação dos docentes voltados não apenas aos aspectos de sua carreira e estatuto

profissional como também do seu desempenho “que orienten y regulen su quehacer,

cuestión sobre la cual no se han encontrado mayores evidencias en la Región y que

debiera ser un norte de su quehacer y desarrollo futuros (UNESCO, 2012, p.113). Tal

perspectiva vem corroborar com a centralidade da prática como conteúdo de formação

privilegiado vindo por vezes a antagonizar com aspectos teóricos da formação docente.

Los resultados insatisfactorios y, muchas veces, decrecientes de la

calidad de la educación publica, dramatizados por los resultados de las

evaluaciones comparativas internacionales, han llevado em muchos

países a la creación de sistemas externos que buscan influenciar y

conducir las atividades docentes desde afuera (UNESCO, 2012,

p.110).

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Entre as proposições defendidas para a docência comprometida e responsável

com o desenvolvimento das metas educacionais encontramos o investimento em

mecanismos de avaliação do trabalho docente. Embora o documento da OEI (2013)

aponte para uma diversidade de experiências que dão conta de uma variedade de

situações em que o trabalho docente pode ser avaliado, notamos uma tendência na busca

de um consenso em torno de um processo de caráter externo, a exemplo dos exames de

avaliação praticados nas escolas básicas, tendendo a um modelo denominado de valor

agregado que combine resultado da avaliação do trabalho docente (como aplicação de

provas e instrumentos de observação) e dos alunos dos respectivos professores em

avaliações externas. No texto da UNESCO (2012) a avaliação do magistério constitui-se

um paradigma para a responsabilização docente articulado discursivamente com a

concepção de que tais ações acarretam “la mejora de la calidad de la enseñanza” (p.88).

Um aspecto discursivo que merece debate no âmbito da produção das políticas

de currículo para a formação docente é destacado no texto da UNESCO (2012) ao

apontar que na Finlândia o sucesso escolar não é resultado de processos de avaliação

externa de docentes ou dos nentros de formação, mas “se basa en la confianza sobre el

docente y su profesionalidad” (p.88). Diante de tal posição afirmamos que a falta de

confiança no professor, intensificada com as políticas que pretendem controlar o

trabalho docente via currículo da escola básica e desempenho de alunos e professores

produzem discursivamente sentidos que, ao invés de valorizar aspectos autorais e

autônomos do magistério, acabam por desqualificar seu trabalho naquilo que tem de

mais singular.

Conclusões

A articulação de discursos de responsabilização nos textos políticos

Iberoamericanos tende a fortalecer a correspondência entre o desempenho docente e

discente, fixado muito mais nos resultados de avaliações externas do que propriamente

nos mecanismos de valorização do profissional docente nos projetos educativos

envolvendo as comunidades nas quais atua, embora os textos políticos apontem na

necessidade dessa valorização. Contudo, nas metas apresentadas o foco predomina no

desempenho da prática docente que valoriza resultados do desempenho escolar dos

alunos expressos nos exames externos de diferentes escalas.

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Podemos concluir que os discursos produzidos e difundidos pelos organismos

internacionais que atuam em países da região Iberoamericana reconhecem as diferenças

existentes entre os Estados-nação, mas tendem a buscar uma medida que padronize

condutas como a avaliação dos professores de modo a projetar papeis para a profissão

docente. Na busca de um consenso possível, como defendido por Mouffe (1996) as

tensões estão colocadas nos diferentes cenários do trabalho docente que pretende

afirmar-se nas ações que envolvem processos de responsabilização.

A necessária responsabilidade pela atuação docente no desenvolvimento do

trabalho nas escolas nos diferentes níveis e modalidades de ensino é algo indiscutível.

Defendemos o compromisso social dos professores com seu trabalho que envolve a

formação cultural de seus alunos. O que criticamos nos discursos analisados é o modo

como os sentidos do que constitui ser docente vem atribuindo à profissão cada vez mais

uma responsabilidade que acarreta individualismo, competitividade e autoregulação em

detrimento de princípios mais coletivos e solidários que envolvem a finalidade da

educação. Tais processos de formação e atuação docente que vêm sendo difundidos de

diferentes modos, via políticas de currículo e avaliação merecem nossa reflexão para

que possamos pensar o quanto estamos nos submetendo às regras performativas e

atuamos como produtores na cultura da performatividade, como analisado por Ball

(1994, 2010) e Lyotard (2002).

Em nossa análise partindo da Teoria do Discurso é possível articular novas

análises da responsabilização docente que, de forma ambivalente, tenta mobilizar a

docência para sentidos do compromisso social com o êxito dos estudantes na educação

como também os sentidos de controle de resultados dos desempenhos acompanhados

por processos de mensuração da avaliação externa. Uma disputa de sentidos que merece

uma incessante discussão dos diferentes setores envolvidos com a responsabilidade

social da educação para além dos seus agentes mais diretos.

Este trabalho pretende contribuir nesse debate considerando a contingência e

parcialidade da discussão aqui proposta e a impossibilidade de uma representação de

todos os sentidos possíveis nos textos analisados. Defendemos que na luta política o

embate sobre as definições sobre a responsabilização docente que vem sendo

significadas nas políticas possam vir a ser desconstruídas e significada em novos

processos de articulação discursiva por todos os envolvidos na lutam pela educação.

i Esse e outros textos políticos citados ou utilizados neste trabalho encontram-se disponíveis no

site da OEI: http://www.oei.es/metas2021/index.php

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