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http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 POLÍTICAS DE TURISMO PARA A AMAZÔNIA LEGAL: DE ESTRATÉGIA DE OCUPAÇÃO E EXPLORAÇÃO ECONÔMICA A UM “MODELO ALTERNATIVO” DE DESENVOLVIMENTO 1 Carolina Todesco Curso de Turismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) [email protected] INTRODUÇÃO A vasta literatura sobre a produção do espaço amazônico nos revela que os graves problemas socioambientais existentes na região não são exatamente frutos de uma ausência do Estado na Amazônia Legal, mas são em parte sequelas de sua ação planejada e arquitetada para a ocupação, exploração e domínio da maior porção do território nacional. O turismo, mesmo não tendo recebido o mesmo grau de atenção que outras atividades econômicas, como mineração, agropecuária e extrativismo, esteve sempre contemplado nas políticas públicas direcionadas à Amazônia Legal desde o regime militar até os dias atuais, fazendo parte das estratégias de desenvolvimento regional. No entanto, ao destacarmos duas das principais políticas de turismo para a região -o Primeiro Plano de Turismo da Amazônia (I PTA) de 1978 e o Proecotur de 1996-, elaboradas em momentos históricos distintos, vemos que essas políticas adotam as mesmas estratégias para atingir objetivos, aparentemente, divergentes, evidenciando as contradições referentes ao planejamento e ao desenvolvimento dessa atividade no território em questão. 1 Este trabalho é parte integrante de minha pesquisa de doutorado realizada no Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da USP, sob financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 4709

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POLÍTICAS DE TURISMO PARA A AMAZÔNIALEGAL: DE ESTRATÉGIA DE OCUPAÇÃO E

EXPLORAÇÃO ECONÔMICA A UM “MODELOALTERNATIVO” DE DESENVOLVIMENTO1

Carolina Todesco

Curso de Turismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

[email protected]

INTRODUÇÃO

A vasta literatura sobre a produção do espaço amazônico nos revela que os

graves problemas socioambientais existentes na região não são exatamente frutos de uma

ausência do Estado na Amazônia Legal, mas são em parte sequelas de sua ação planejada e

arquitetada para a ocupação, exploração e domínio da maior porção do território nacional.

O turismo, mesmo não tendo recebido o mesmo grau de atenção que outras

atividades econômicas, como mineração, agropecuária e extrativismo, esteve sempre

contemplado nas políticas públicas direcionadas à Amazônia Legal desde o regime militar

até os dias atuais, fazendo parte das estratégias de desenvolvimento regional.

No entanto, ao destacarmos duas das principais políticas de turismo para a

região -o Primeiro Plano de Turismo da Amazônia (I PTA) de 1978 e o Proecotur de 1996-,

elaboradas em momentos históricos distintos, vemos que essas políticas adotam as

mesmas estratégias para atingir objetivos, aparentemente, divergentes, evidenciando as

contradições referentes ao planejamento e ao desenvolvimento dessa atividade no território

em questão.

1 Este trabalho é parte integrante de minha pesquisa de doutorado realizada no Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da USP, sob financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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A AMAZÔNIA NA AGENDA DO ESTADO

A onda de intervenções do Estado na região apresenta seus primeiros sinais em

1942, com o Acordo de Washington firmado entre Brasil e Estados Unidos, no intuito de

reativar a produção da borracha em larga escala na Amazônia brasileira. Mas a intenção de

agir de forma mais efetiva na região surge com a Constituição de 1946, cujo artigo 199 torna

constitucional a necessidade de elaboração de um plano de valorização econômica da

Amazônia, para promover o desenvolvimento econômico e a integração da região sempre

vista como a mais opaca, rarefeita, lenta e periférica do Brasil.

O cumprimento do artigo constitucional ocorre em 1953, durante o governo de

Getúlio Vargas, com a criação da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da

Amazônia (SPVEA), momento em que se institucionaliza a região da Amazônia brasileira (a

partir de então, vulgarmente conhecida como Amazônia Legal2).

Mas é sob o governo da ditadura militar que, conforme Becker (2001), a

Amazônia Legal entra de fato para a agenda política como questão prioritária, sendo

compreendida tanto como território estratégico para reforçar a soberania nacional e a

posição do Brasil na América Latina, como solução para as tensões sociais internas,

decorrentes da expulsão de pequenos produtores do campo, no Nordeste e no Sudeste,

devido à modernização da agricultura.

É neste contexto que tem início a “Operação Amazônia” incumbida de criar e

modernizar importantes instituições para executar as estratégias militares e implantar as

próteses no espaço amazônico necessárias à produção e circulação do capital: a SPVEA é

substituída pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), em 1966,

tendo como finalidade planejar, executar e controlar a ação federal na Amazônia Legal; o

Banco de Crédito da Borracha é transformado em Banco da Amazônia S.A. (BASA),

assumindo o papel de agente financeiro da política do governo federal; e, a

Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA) é instituída como o grande marco

dos incentivos fiscais para atrair o interesse de agentes hegemônicos da economia (BECKER,

2001).

Entretanto, em 1974, especialmente devido à crise do petróleo, o governo corta

investimentos na região e adota, no âmbito do planejamento regional, o Programa de Polos

Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (POLAMAZÔNIA), “com a finalidade de promover

2 Atualmente composta pelos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e Maranhão na sua porção a oeste do meridiano 44º.

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o aproveitamento integrado das potencialidades agropecuárias, agroindustriais, florestais e

minerais, em áreas prioritárias da Amazônia”3. Essa foi uma estratégia espacialmente

seletiva que pretendia canalizar os investimentos para quinze polos, cada qual especializado

em determinadas atividades de produção.

Assim como os programas para a região Nordeste (POLONORDESTE) e para a

região do Cerrado (POLOCENTRO), o POLAMAZÔNIA é fruto de um paradigma que orienta o

planejamento regional e nacional, segundo o qual “a ideia de desenvolvimento polarizado,

formulada por Perroux, a partir dos anos 1950, e que já se acreditava estar ‘aposentada por

invalidez’ foi recuperada – vestida com nova roupagem – e adaptada a um novo contexto”

(BURSZTYN, 1985, p. 110).

Nas décadas de 50 a 70, conforme Uderman (2008, p. 233), em diversas regiões

do mundo, formuladores de políticas públicas dedicados à busca de ferramentas para

solucionar problemas de crescimento e desenvolvimento desigual propuseram políticas de

desenvolvimento regional fundamentadas no conceito de polos de crescimento,

supostamente dotados de grande potencial de irradiação, e na dinâmica de atração de

investimentos apoiando-se numa visão intervencionista do Estado.

No mesmo período do POLOAMAZÔNIA, sob o mesmo modelo de planejamento,

por delimitação de polos de crescimento, a SUDAM e a Empresa Brasileira de Turismo

(EMBRATUR)4 lançam o Primeiro Plano de Turismo da Amazônia (I PTA), em 1978.

I PTA – UMA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

Como parte das estratégias de desenvolvimento econômico da Amazônia Legal,

o I PTA tem como objetivos: a - contribuir para uma ocupação territorial ordenada da

Amazônia; b – participar no desenvolvimento econômico e social da região; c – defender e

valorizar os recursos naturais e o seu patrimônio histórico-cultural (SUDAM, 1978a, p. 29).

O início dos trabalhos para a elaboração do I PTA data de 1974, quando SUDAM

e EMBRATUR definem o Termo de Referência para a contratação da empresa de consultoria

a ser encarregada da elaboração do Plano. Nesse documento se estabelece que a empresa

contratada deveria elaborar o I PTA em duas etapas: 1. “planejamento do turismo interno e

de vizinhança” e 2. “planejamento do grande turismo internacional”.

3 Conforme Decreto nº 74.607, de 25 de setembro de 1974.

4 Criada pelo Decreto-Lei nº 55, de 18 de novembro de 1966, com a competência de “fomentar e financiar diretamenteas iniciativas, planos, programas e projetos que visem o desenvolvimento da indústria de turismo, na forma que forestabelecida nas resoluções do Conselho Nacional de Turismo”.

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Para a primeira etapa, ou seja, visando a demanda de turismo nacional e de

países vizinhos, os órgãos previam “investimentos financeiros moderados”, concentrados na

criação de estrutura de apoio ao longo das rodovias recentemente abertas ou em

construção (Belém-Brasília, Transamazônica, Cuiabá-Santarém, Belém- São Luís, Manaus -

Fronteira com a Venezuela e Guiana, Manaus-Humaitá-Porto Velho, Humaitá-Lábrea-Rio

Branco, Rio Branco-Fronteira com o Peru, Macapá-Oiapoque e Perimetral Norte) e no

aumento da infraestrutura de recepção e de serviços complementares.

Para a segunda etapa, tendo em vista o público internacional, o objetivo

consistia na “captação de parcela do turismo norte-americano orientado para o Caribe” e de

europeus5, todavia, esse público não seria “atraído pelos polos urbanos do ecúmeno

amazônico”, ele deveria ser orientado para os “grandes rios da área, por sua beleza e

características naturais” (SUDAM; EMBRATUR, 1974, p. 5), para isso:

É obvio que tal tipo de programa deve ser pensado em termos de alguns

milhares de acomodações e muitos milhares de turistas afim de que se possa

viabilizar a infraestrutura de apoio necessária. É óbvio, igualmente, que o

empreendimento ficará a cargo do Governo Federal que deverá levá-lo adiante

em associação, ou acordos firmes, com grupos hoteleiros internacionais, agentes

de viagem americanos e empresas transportadoras. (SUDAM; EMBRATUR, 1974,

p. 5)

Evidencia-se, portanto, a priorização da demanda internacional de turistas, o

governo federal como ente financiador do programa e o interesse na atração de

investimentos externos dos setores privados, especialmente do setor hoteleiro.

Mas o desafio do I PTA não era apenas elevar o número de viagens para a

Amazônia Legal, mas também aumentar a porcentagem de viagens realizadas a lazer, que

não atingiam, em 1976, 20%, como revela pesquisa realizada junto aos meios de

hospedagem das capitais dos estados da região (SUDAM, 1978a, p. 117). Para isso, a imagem

da Amazônia, segundo o Plano, deveria “continuar a ser centrada sobre o exotismo – o rio e a

floresta” (SUDAM, 1978b, p. 62). A SUDAM, no entanto, tinha conhecimento das dificuldades

para atingir seus objetivos:

Ora, a região Amazônica, na sua extensão e dispersão de recursos, com

dificuldades infraestruturais de várias ordens setoriais, apresenta um problema

na relação oferta-demanda, quanto à forma de levar a demanda até a oferta e

5 Conforme o I PTA (SUDAM, 1978b, p. 75), a previsão da demanda potencial era de 99.450 turistas internacionais em 1985, oriundos 45% dos EUA, 35% da Europa, 10% da América Latina e 10% de outros lugares.

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concentrar racionalmente o “produto turístico” em locais de consumo com o

mínimo de dificuldades, quanto à acessibilidade, conforto, segurança, custos e

tempo. (SUDAM, 1978a, p. 107)

Sendo assim, o I PTA pretendia direcionar os investimentos “em áreas que mais

rapidamente respondam à demanda e permitam uma racional redistribuição de efeitos em

outras áreas pré-selecionadas” (SUDAM, 1978a, p. 107). Desta forma, como as atividades

agropecuárias e agrominerais, a atividade do turismo na Amazônia Legal também foi

planejada por delimitação de polos, denominados polos turísticos, na tentativa de induzir

uma atividade econômica nos espaços selecionados e promover, por meio de investimentos,

“o desenvolvimento onde não se produz espontaneamente” (PERROUX, 1967).

A seleção dos “polos e centros turísticos prioritários” foi realizada por meio de

uma hierarquização da potencialidade do uso turístico dos recursos naturais e culturais,

infraestrutura urbana e turística6. Destarte, foram selecionados como polos de turismo:

Manaus, Belém, Santarém e São Luís - dispostos em linha horizontal e localizados à margem

do rio Amazonas, com exceção de São Luís. E como centros turísticos: as capitais dos

estados do Acre e de Mato Grosso, e, à época, as capitais dos territórios federais de

Rondônia, Roraima e Amapá, todas localizadas em região de fronteira (Figura 1).

6 No I PTA foram avaliados no item recursos naturais: acessibilidade, equipamentos e serviços de apoio no local doatrativo natural. No item recursos culturais: folclore, festas populares e religiosas, artesanato e gastronomia. No iteminfraestrutura urbana: esgoto sanitário, abastecimento de água, saúde pública, comunicação, energia elétrica eiluminação pública, infraestrutura de acesso e transporte. E no item equipamentos e serviços turísticos: meios dehospedagem, restaurantes, atividades noturnas, equipamentos de lazer e informação turística.

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Figura 1. Polos e Centros Turísticos definidos pelo I PTA.

Fonte: SUDAM, 1978a, p. 47.

Os polos, nesse caso, foram considerados áreas prioritárias para os

investimentos turísticos e os centros turísticos como secundários na captação dos

investimentos, principalmente em meios de hospedagem.

Para os polos de turismo (Manaus, Santarém, Belém e São Luís), além de

intervenções nas áreas urbanas, o I PTA propõe outras áreas, a uma distância entre 20 km e

50 km de seus centros urbanos, para a implantação de “complexos turísticos”, definido no

Plano como um conjunto de equipamentos turísticos agrupados, para atender a uma

população flutuante, em um contexto geográfico com ou sem limites territoriais precisos

(SUDAM, 1978b, p. 96).

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Quadro 1. Áreas Potenciais para Complexos Turísticos definidos pelo I PTA.

Fonte: SUDAM, 1978b, p. 95.

Visando a preservação de áreas naturais para a exploração econômica do

turismo, o I PTA também propõe a delimitação de “Áreas Especiais de Interesse Turístico” em

alguns estados da Amazônia Legal estimulado pela então recente Lei nº 6.513, de 20 de

dezembro de 1977, que dispunha sobre a criação de “Áreas Especiais e Locais de Interesse

Turístico”7.

Por fim, o IPTA, formulado para ser executado no período de 1980 a 1985,

estabelece direcionar maciçamente os investimentos em equipamentos turísticos8, meios de

hospedagem e infraestrutura urbana (Tabela 1).

Tabela 1. Previsão de Investimentos do I PTA.

Fonte: SUDAM, 1978a, p. 33.

Ao término do período de execução do Plano, a SUDAM realiza uma avaliação de

desempenho da implantação do I PTA e revela que poucas ações de fato foram executadas,

as quais ocorreram “de forma aleatória através de convênios com órgãos estaduais e/ou

federais ligados ao setor Turismo ou da concessão de incentivos fiscais para o setor privado,

ou ainda através de ações isoladas de entidades públicas e privadas” (SUDAM, 1985, p. 5).

7 Segundo o artigo 3º da Lei nº 6.513/77, “Áreas Especiais de Interesse Turístico são trechos contínuos do territórionacional, inclusive suas águas territoriais, a serem preservados e valorizados no sentido cultural e natural, edestinados à realização de planos e projetos de desenvolvimento turístico”.

8 No caso, equipamentos turísticos referem-se a centros de convenções, pavilhões de exposição de artesanato, postosde informações turísticas e implantação de complexos turísticos.

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Programas Cr$ 1.000 % do Total

Equipamentos turísticos e hotelaria 1.632.000 48,0%Desenvolvimento urbano 766.491 22,5%Transporte fluvial 300.000 8,8%Preservação da ecologia e desenvolvimento turísticos 217.500 6,4%Proteção do patrimônio histórico-artístico 229.535 6,7%Recursos humanos 115.700 3,4%Promoção turística 68.790 2,0%Estudos e projetos 43.500 1,3%Implantação e administração do Plano 30.000 0,9%

Total 3.403.516 100%

P o l o s T u r í s t i c o s Á r e a s p o t e n c i a i s p a r a c o m p l e x o s t u r í s t i c o s

B e l é m I l h a d o M o s q u e i r o e S a l i n ó p o l i s

M a n a u s P o n t a N e g r a e i g a r a p é s

S ã o L u í s I l h a d e C u r u p u

S a n t a r é m A l t e r d o C h ã o

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O crescente fluxo de pessoas para a região, registrado no movimento de

passageiros aéreos durante o início da década de 80, devia-se à inserção das capitais na

divisão territorial do trabalho, promovida pelos grandes projetos agropecuários, de

exploração de recursos minerais e de polos industriais, e muito pouco pelo desenvolvimento

do turismo na Amazônia, fato corroborado pelas baixas taxas de ocupação dos hotéis,

inferior a 50% no período de 1979 a 1985 (SUDAM, 1985).

Após 1985, com a crise do petróleo, elevação da dívida externa, desaceleração

da taxa de crescimento da economia brasileira e o consequente esgotamento do nacional

desenvolvimentismo inaugurado por Getúlio Vargas, há redução de investimentos públicos

em todos os setores da economia. A partir desse momento, eventos como

redemocratização, descentralização política, liberalização financeira, abertura comercial,

privatizações, crescimento e expansão de movimentos sociais e ambientalistas tornam-se o

pano de fundo do desenrolar da história do território brasileiro no fim do século XX e início

do XXI.

O paradigma ambientalista foi um dos que desempenhou maior influência no

processo de produção de políticas públicas para a Amazônia Legal, no final dos anos 1980 e

na década de 1990, consequentemente, constituindo-se em importante vetor do

reordenamento do território regional (BECKER, 1999; MELLO, 2006).

O grande desafio posto era (e ainda é) a produção e execução de modelos de

desenvolvimento para a Amazônia Legal que fossem capazes de conciliar desenvolvimento

econômico e social sem produzir os impactos ambientais e sociais similares aos produzidos

com o modelo anterior de desenvolvimento regional.

É nesse contexto que se inicia, em 1996, a preparação do Programa de

Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia Legal (Proecotur) pelo Ministério do Meio

Ambiente (MMA), elegendo o ecoturismo como uma forma de propiciar proteção e

preservação dos recursos naturais, enfatizando a inserção social e a melhoria da qualidade

de vida dada população amazônida. população amazônida.

PROECOTUR – UMA POLÍTICA AMBIENTAL

Diferentemente do I PTA, o Proecotur, apesar de ser um programa na área do

turismo, foi concebido como parte de uma política ambiental para a Amazônia Legal, em um

momento em que o MMA estava preocupado em encontrar alternativas políticas para

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auxiliar na contenção do ritmo de destruição do bioma Amazônico. O caráter ambientalista

do Proecotur é perceptível em seus objetivos (MMA, 1998, p. 7):

• Proteger e desenvolver os atrativos turísticos da região, por meio de medidas

como a criação de parques e reservas com manejo específico para ecoturismo;

• Criar um ambiente de estabilidade para investimentos em empreendimentos de

ecoturismo, mediante definição de políticas e normas e do fortalecimento dos

órgãos de gestão ambiental e desenvolvimento turístico estaduais, regionais e

nacional;

• Viabilizar operacionalmente empreendimentos de ecoturismo por meio da

realização de estudos de mercado, da identificação, desenvolvimento e

adaptação à região de tecnologias para geração de energia, tratamento de

efluentes etc., e da sua disponibilização dos resultados para investidores

privados;

• Viabilizar financeiramente empreendimentos de ecoturismo mediante a

ampliação de linhas de crédito específicas para o segmento; e

• Melhorar, ampliar ou implantar a infraestrutura básica necessária para viabilizar

o aumento do fluxo turístico para a Amazônia Legal.

Para atingir os objetivos supracitados, o MMA tinha como meta executar o

Proecotur em 6 anos, dividido em duas fases, sendo a Fase I denominada de

pré-investimentos e a Fase II de investimentos. Para a Fase I, coordenada pelo MMA, estava

previsto um prazo de execução de 3 anos e recursos da ordem de 13,8 milhões de dólares a

serem aplicados em estudos, planos e estratégias para o desenvolvimento do ecoturismo,

planos de manejo de UCs, fortalecimento institucional dos governos estaduais na área do

turismo e capacitação. Para a Fase II, coordenada pelo Ministério do Turismo (MTur), foi

estimado um orçamento de 200 milhões de dólares a serem aplicados em 3 anos,

destinados às ações de infraestrutura, marketing, proteção de atrativos, capacitação e

financiamento de empreendimentos identificados como necessários para gerar e/ou

aumentar o fluxo de visitantes para a região (MMA, 2009a).

O Proecotur partiu, também, da estratégia espacial de delimitar “polos de

ecoturismo”, abarcando principalmente as unidades de conservação da Amazônia Legal,

compreendidos como zonas prioritárias dos investimentos, nas quais o poder público

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implantaria projetos de infraestrutura e normas visando à atração de empreendimentos

privados do segmento de ecoturismo.

A delimitação dos polos, cuja responsabilidade foi dos governos dos nove

estados da Amazônia Legal, tinha por objetivo “maximizar a competitividade da região como

destino de ecoturismo internacional; minimizar a concorrência entre estados, mediante a

identificação de nichos de mercado diferenciados para cada estado; maximizar a viabilidade

econômica e minimizar os riscos financeiros dos empreendimentos de ecoturismo a serem

implantados em cada polo” (MMA, 2004).

Em 1997, os governos dos estados da Amazônia Legal iniciaram a seleção dos

polos e ao fim do processo, em 2000, a área de atuação do Proecotur ficou definida em 15

Polos de Ecoturismo, abarcando 153 municípios, totalizando uma área de 1.625.222 km²

(Figura 2), o que representava o interesse em estimular a atividade turística em 32,5% do

território da Amazônia Legal, uma área maior que o território da Espanha, Itália, França,

Inglaterra e Portugal juntos.

A seleção dos polos do Proecotur sofreu forte influência de autoridades políticas

dos municípios e dos governos dos estados que, à época, visando o recurso estimado em

200 milhões de dólares para infraestrutura urbana e turística, ampliaram ao máximo a área

de abrangência do Programa.

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Figura 2. Polos de Ecoturismo do Proecotur em 2000.

Além disso, como os programas públicos na área do ecoturismo fazem uma

associação quase que automática entre áreas naturais e atrativos turísticos naturais, a

seleção indiscriminada dos espaços considerados potenciais para o uso ecoturístico, no

âmbito do Proecotur, deve-se em grande parte ao fato dos municípios da Amazônia Legal

conterem áreas naturais em bom estado de conservação e/ou estarem abarcados por

Unidades de Conservação.

Após o seu lançamento no ano de 2000, a fase de planejamento dos polos (Fase

I) que deveria ser finalizada em 3 anos, encerrou apenas em 2010, tendo como marco a

conclusão dos “Estudos Estratégicos para o Desenvolvimento do Turismo Sustentável na

Amazônia Legal Brasileira” (estudo contratado pelo MMA à Fundação Getúlio Vargas - FGV).

Esse estudo, no entanto, trouxe uma nova seleção dos destinos prioritários para

os investimentos, reduzindo de 153 para 57 os municípios-alvo dos investimentos da Fase II

do Proecotur.

Partindo de uma análise dos estágios de desenvolvimento do turismo nos

municípios, a empresa de consultoria FGV define como: (I) estágio avançado 4 municípios; (II)

estágio intermediário 12 municípios; e (III) estágio inicial 41 municípios (Figura 3).

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Entre os destinos classificados no estágio I estão as capitais Manaus, Belém, São

Luís e Cuiabá, que, conforme as diretrizes finais do Programa deveriam ter prioridade

quanto aos investimentos em infraestrutura básica e turística, já que são os principais

centros de atração e de recepção macrorregional.

Figura 3. Estágio de Desenvolvimento Turístico dos Destinos da Amazônia Legal (2009).

Como destinos classificados no estágio II estão as demais capitais, além de

Presidente Figueiredo e Parintins, no estado do Amazonas, Santarém, Soure e Salinópolis,

no estado do Pará, e Alta Floresta e Cáceres, no estado do Mato Grosso que, conforme os

estudos da FGV, devem ser destinos secundários na captação dos investimentos (MMA

2009b, p. 108).

Além de ter reduzido significativamente a área de abrangência do Programa, em

2010, o governo federal, que no início se colocava como o responsável pelo empréstimo de

US$200 milhões para a fase de investimentos, posicionou-se contrário à liberação dos

recursos ao considerar que a implementação do Programa deveria ser de responsabilidade

dos governos dos estados e municípios, a depender da capacidade de endividamento de

cada um e da prioridade que atribuem ao setor.

Desta forma, o Proecotur, após 10 anos de fase de planejamento com a

produção de uma série de planos e estudos realizada sob o comando do Ministério do Meio

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Ambiente, teve sua fase de investimentos praticamente suprimida, posto como um

programa encerrado pelo Ministério do Turismo9, em 2010.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisarmos o I PTA e o Proecotur, duas das principais políticas de turismo já

produzidas para a Amazônia Legal, podemos notar claramente que ambas representam o

paradigma político do momento histórico em que foram produzidas.

Enquanto o I PTA considera a atividade do turismo mais uma estratégia para

“acelerar o crescimento regional com base na vantagem comparativa, integrar a região na

economia do país, promover o maior conhecimento da área pela população brasileira,

estimular a urbanização e realizar a ocupação territorial da Amazônia Legal” (SUDAM, 1978a,

p. 37); o Proecotur anuncia que “o turismo surge como valioso aliado na promoção do

desenvolvimento sustentável” (MMA, 2009b, p.7).

Mas, se num primeiro momento, essas políticas parecem conter discursos

diferentes (vantagem comparativa x vantagem competitiva; estímulo à urbanização x

estímulo à criação de UCs; aceleração do crescimento regional x refreamento das atividades

econômicas de alto impacto ambiental), por outro lado, as estratégias assumidas por ambas

em muito se assemelham:

• Primeiro, é interessante observar que a condição da infraestrutura urbana acaba

por ser preponderante na definição dos espaços a serem promovidos como

destinos turísticos e/ou polos (eco)turísticos. O I PTA, levando em conta a situação

dos equipamentos e serviços de turismo e da infraestrutura urbana e serviços em

geral das cidades, à época, selecionou Manaus, Belém, Santarém e São Luís como

área prioritária do Plano; o Proecotur, apesar de inicialmente ter priorizado as

Unidades de Conservação para definir os polos de ecoturismo, acabou por

determinar que a área prioritária do Programa deveria ser Manaus, Belém, São Luís e

Cuiabá, também por apresentarem as melhores condições urbanas e de acesso. Ou

seja, a seleção das áreas prioritárias de desenvolvimento turístico da Amazônia de

uma política produzida na década de 70 e de outra na década de 2000 é

9 O MTur, que deveria ser a instituição responsável pela fase II do Proecotur, tem como programa vigente o ProgramaNacional de Desenvolvimento do Turismo (Prodetur Nacional), no qual os governos municipais e estaduaisinteressados em realizar projetos de desenvolvimento turístico se responsabilizam pelos empréstimos junto ao BID eà Cooperação Andina de Fomento (CAF), ficando a cargo do MTur apenas o suporte técnico e operacional doprograma.

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praticamente a mesma, com a diferença que uma inclui Santarém/PA e a outra

Cuiabá/MT. Cabe destacar, portanto, que Manaus, Belém e São Luís sempre foram os

expoentes da rede urbana da Amazônia Legal desde sua formação, o que parece

previsível terem sido contempladas nas políticas que reforçam a concentração dos

investimentos nas cidades que já contam com uma infraestrutura urbana melhor

que as demais cidades da região;

• Segundo, tanto o I PTA como o Proecotur, apesar de selecionarem as áreas urbanas

como polos turísticos, vinculam a imagem da Amazônia ao apelo do exotismo

baseado no trinômio rio-floresta-fauna como fórmula de atração turística;

• Terceiro, nota-se em ambas as políticas a valorização da demanda de turistas

internacionais em preterimento ao fomento do turismo regional e nacional. O alvo

principal é o mercado de turistas norte-americano e europeu, e no caso do Proecotur

além desses, o mercado asiático (devido ao aumento nos últimos anos de turistas

chineses, além do já consolidado mercado de turistas japoneses); e

• Quarto, a posição do Estado como responsável por atrair o capital privado para

os espaços selecionados, proporcionando baixos riscos aos investimentos externos,

por meio de: isenção fiscal aos empreendimentos turísticos hoteleiros, qualificação

de profissionais; promoção e marketing dos destinos; fortalecimento das instituições

públicas de turismo; e provimento de infraestrutura urbana, em especial, de acesso.

Por último, e não menos relevante, podemos ressaltar o baixo grau de

implementação de ambas as políticas. O que nos leva a concluir que o turismo, apesar de

estar sempre presente nas políticas para a região, nunca foi de fato uma área prioritária de

investimentos do governo federal.

REFERÊNCIAS

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POLÍTICAS DE TURISMO PARA A AMAZÔNIA LEGAL: DE ESTRATÉGIA DE OCUPAÇÃO E EXPLORAÇÃO ECONÔMICA A UM “MODELO ALTERNATIVO” DE DESENVOLVIMENTO

Eixo 5 – Meio Ambiente, Recursos e Ordenamento do Território

RESUMO

O interesse em analisar de forma criteriosa as ações do Estado referentes ao desenvolvimento do

turismo na Amazônia Legal se deve ao fato de esta ser uma região alvo de políticas de fomento

para o setor desde a década de 1970 até os dias atuais. Primeiramente, o turismo esteve presente

nas políticas dos governos do período do regime militar, por ser considerado uma atividade capaz

de auxiliar o crescimento e a expansão da economia brasileira e a ocupação territorial de uma

região estratégica para a soberania nacional. Desta forma, o I Plano de Turismo da Amazônia (I

PTA) data de 1978, organizado pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia Legal

(SUDAM) com apoio técnico, à época, da Empresa Brasileira de Turismo (EMBRATUR). Após

eventos como a redemocratização, descentralização política, liberalização financeira,

privatizações, crescimento e expansão de movimentos sociais e ambientalistas, novos paradigmas

se estabelecem na gestão do território brasileiro no fim do século XX e início do XXI. O

movimento ambientalista está entre os que desempenharam maior influência no processo de

produção de políticas públicas para a Amazônia Legal, a partir do final dos anos 1980,

consequentemente, constituindo-se em importante vetor do reordenamento do território regional.

A partir deste momento, o turismo passa a ser contemplado nas políticas públicas para a

Amazônia Legal como uma atividade promotora do desenvolvimento social e da preservação dos

recursos naturais e, até mesmo, posto como capaz de mitigar os impactos socioambientais

causados pelas políticas do período militar. Neste contexto é lançado, em 1996, o Programa de

Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia Legal (Proecotur), pelo Ministério do Meio

Ambiente. Entretanto, apesar de terem sido concebidas em momentos históricos diferentes, com

objetivos díspares, o conteúdo e o resultado dessas políticas (I PTA e Proecotur) em muito se

assemelham, evidenciando as contradições referentes ao planejamento e ao desenvolvimento

dessa atividade.

Palavras-chave: Planejamento Territorial; Políticas Públicas de Turismo; Amazônia Legal.

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