Políticas Públicas de Habitação e a Efetivação Do Direito a Moradia

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POLÍTICAS PÚBLICAS DE HABITAÇÃO E A EFETIVAÇÃO DO DIREITO SOCIAL E FUNDAMENTAL À MORADIA PUBLIC POLITICS OF HOUSING AND THE REALIZATION OF THIS HUMAN AND SOCIAL RIGHT Natalia Cardoso Marra Resumo O direito à moradia é um direito fundamental e social, porém ainda não é efetivado no Brasil. A efetivação desse direito está sempre ligada à propriedade, que também é protegida pela Constituição Federal e pela Declaração Universal dos Direitos do Homem. As políticas públicas no país não priorizam a posse ao estudar formas de implantar o direito à moradia e muitas normas urbanísticas inviabilizam o acesso das classes baixas da sociedade à moradia regular e própria. Alguns avanços devem ser reconhecidos, como a exigência do cumprimento da função social da propriedade e o Estatuto da Cidade que prevê modos de valorização da posse, mas ainda falta muito para o Brasil reduzir a taxas mínimas os índices do déficit habitacional, que são mais altos nas áreas urbanas, especialmente nas regiões metropolitanas. Palavras chave: moradia propriedade posse direitos humanos políticas públicas Abstract The right to housing is a fundamental and social right, but still not effective in Brazil. The realization of this right is always connected to the property, which is also protected by the Constitution and the Universal Declaration of Human Rights. Public policies in the country do not prioritize the possession when studying ways to deploy the right to housing and many others urban standards makes impracticable the access off the lower classes of society to regular and own housing. Some progress must be recognized, such as a requirement to fulfill the social function of property and the City Statute that provides ways to value the possession, but still missing a lot for Brazil to reduce the minimum rates the content of the housing deficit, which are higher in urban areas, especially in metropolitan regions Key words: housing property possession human rights public politics * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6352

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  • POLTICAS PBLICAS DE HABITAO E A EFETIVAO DO DIREITO

    SOCIAL E FUNDAMENTAL MORADIA

    PUBLIC POLITICS OF HOUSING AND THE REALIZATION OF THIS

    HUMAN AND SOCIAL RIGHT

    Natalia Cardoso Marra

    Resumo

    O direito moradia um direito fundamental e social, porm ainda no efetivado no

    Brasil. A efetivao desse direito est sempre ligada propriedade, que tambm

    protegida pela Constituio Federal e pela Declarao Universal dos Direitos do

    Homem. As polticas pblicas no pas no priorizam a posse ao estudar formas de

    implantar o direito moradia e muitas normas urbansticas inviabilizam o acesso das

    classes baixas da sociedade moradia regular e prpria. Alguns avanos devem ser

    reconhecidos, como a exigncia do cumprimento da funo social da propriedade e o

    Estatuto da Cidade que prev modos de valorizao da posse, mas ainda falta muito

    para o Brasil reduzir a taxas mnimas os ndices do dficit habitacional, que so mais

    altos nas reas urbanas, especialmente nas regies metropolitanas.

    Palavras chave: moradia propriedade posse direitos humanos polticas pblicas

    Abstract

    The right to housing is a fundamental and social right, but still not effective in Brazil.

    The realization of this right is always connected to the property, which is also protected

    by the Constitution and the Universal Declaration of Human Rights. Public policies in

    the country do not prioritize the possession when studying ways to deploy the right to

    housing and many others urban standards makes impracticable the access off the lower

    classes of society to regular and own housing. Some progress must be recognized, such

    as a requirement to fulfill the social function of property and the City Statute that

    provides ways to value the possession, but still missing a lot for Brazil to reduce the

    minimum rates the content of the housing deficit, which are higher in urban areas,

    especially in metropolitan regions

    Key words: housing property possession human rights public politics

    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6352

  • Sumrio: 1 Introduo; 2 A Posse e o Direito de Propriedade; 3 O Dficit Habitacional e

    a Pobreza Urbana; 4 Instrumentos que possibilitam o acesso moradia; 5 Polticas

    Pblicas de Habitao; Concluso

    1 Introduo

    O direito moradia vem ganhando cada vez mais espao nas discusses

    jurdicas e sociais, em face dos altos ndices de dficit habitacional nas cidades, da

    urbanizao acelerada e desordenada, da irregularidade fundiria e da dificuldade de

    acesso a uma moradia digna para as parcelas mais pobres da sociedade.

    A Comisso das Naes Unidas para Assentamentos Humanos estima que 1,1

    bilho de pessoas est agora vivendo em condies inadequadas de moradia, somente

    nas reas urbanas. O direito a uma moradia adequada est vinculado a outros direitos

    humanos. Sem um lugar adequado para se viver, difcil manter a educao e o

    emprego, a sade fica precria e a participao social fica impedida.

    Existem 4.410.385 famlias urbanas no Brasil com renda familiar menor que trs

    salrios mnimos e que se encontram em situao de dficit habitacional, sem condies

    de solucion-lo por meio dos instrumentos atuais do mercado imobilirio. Essas

    famlias vivem principalmente nas regies nordeste e sudeste (73,3% do total).

    O direito moradia contemplado por diversas normas. Conforme o art. 6o

    da

    Constituio Federal de 1988, esse um direito social. Como um direito social, compete

    ao Estado e sociedade implement-lo. De acordo com a Declarao Universal dos

    Direitos do Homem, art. XXV:

    1. Toda pessoa tem direito a um padro de vida capaz de assegurar a si e a

    sua famlia sade e bem estar, inclusive alimentao, vesturio, habitao,

    cuidados mdicos e os servios sociais indispensveis, e direito

    segurana em caso de desemprego, doena, invalidez, viuvez, velhice ou

    outros casos de perda dos meios de subsistncia fora de seu controle.

    O art. I da mesma declarao que afirma que todos os seres humanos nascem

    livres e iguais em dignidade e direitos, so dotados de razo e conscincia e devem agir

    em relao uns aos outros com esprito de fraternidade. Para o fiel cumprimento desse

    preceito necessria a efetivao do artigo mencionado acima e a relativizao do

    disposto a seguir:

    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6353

  • Artigo XVII

    1.Todo ser humano tem direito propriedade, s ou em sociedade com

    outros.

    2. Ningum ser arbitrariamente privado de sua propriedade.

    Mesmo tendo a Constituio Federal e a Declarao Universal dos Direitos

    Humanos tratado do tema da moradia como algo de suma relevncia para a preservao

    da dignidade da pessoa humana, ainda podemos observar no Brasil e no mundo inteiro

    altssimos ndices de dficit habitacional.

    A Comisso das Naes Unidas para Assentamentos Humanos estima que 1,1

    bilho de pessoas est agora vivendo em condies inadequadas de moradia, somente

    nas reas urbanas. Em 2006, de acordo com estudo realizado pela Fundao Joo

    Pinheiro, o dficit habitacional total no Brasil correspondia a 7.934.719, sendo que

    6.543.469 desse total corresponde ao dficit nas regies urbanas (as regies

    metropolitanas concentram 28,5% das carncias habitacionais). Dividindo-se a

    estatstica nacional entre as grandes regies, a maior deficincia em habitaes est

    concentra nas regies sudeste, 37%, e nordeste, 33,7% (Minas Gerais 721 mil, Cear

    414 mil).

    A grande dificuldade de se efetivar o direito fundamental e social moradia

    reside na grande valorizao despendida sobre o direito da propriedade.

    As polticas pblicas brasileiras cujas finalidades so a efetivao do direito

    moradia normalmente pecam pela constante busca da concretizao do direito da

    propriedade, considerando que a moradia existe quando se tem a propriedade de um

    imvel utilizado com o fim de nele residir. Porm a moradia no depende da

    propriedade, mas do exerccio da posse.

    2 A posse e o direito de propriedade

    A Constituio Federal aborda o tema da propriedade no captulo de Poltica

    Urbana (concentram-se no meio urbano os maiores ndices de dficit habitacional),

    devido ao intenso processo de urbanizao pelo qual passou o pas nas ltimas dcadas,

    agravando os problemas de uso e ocupao do solo nas cidades. De acordo com Milar

    (2009, p.539) as questes ligadas ao meio urbano so relacionada com o meio ambiente,

    mas esses dois assuntos encontram-se sob Ttulos diferentes na Constituio Federal,

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  • meio ambiente est inserido no Ttulo da Ordem Social, enquanto a poltica urbana est

    no Ttulo da Ordem Econmica, apesar de ser diretamente ligado com as deficincias

    sociais e a desigualdade. Essa representao se d dessa forma porque o legislador est

    mais preocupado com o vis econmico da propriedade do que com o vis social da

    mesma.

    A propriedade teve sua concepo construda a partir do mercantilismo.

    Conforme Mars (2003, p.18), com o desenvolvimento do mercado e da burguesia, as

    pessoas passaram a ser valorizadas no pela sua nobreza, mas pelo valor dos seus bens

    acumulados e sua capacidade de acumular cada vez mais.

    As terras so vistas como bem de produo e poder de troca, no como bem e

    poder de uso. Por um vis patrimonialista, no h o que se questionar quanto

    intensidade, o tamanho e o modo do exerccio do direito da propriedade, j que ser

    proprietrio implica em poder de compra. Se pago por alguma coisa, tenho tambm o

    direito de fazer com ela o que quiser. A dominao explcita nesse contexto, pois a

    grande maioria do povo pobre e por isso no pode comprar. No havendo a

    possibilidade de compra, no h o que se falar em propriedade. No existindo

    propriedade no h segurana. Segurana existe para o direito adquirido (pela compra)

    que se torna direito conservado.

    O Cdigo Civil Brasileiro, em seu artigo 1228 descreve o direito de propriedade

    como a faculdade do proprietrio de usar, gozar, dispor da coisa, e de reav-la do poder

    de quem injustamente a detenha. A posse, para Pereira (2005, p.17) o exercer sobre

    uma coisa poderes ostensivos, conservando-a e defendendo-a como se sua fosse, mesmo

    no tendo propriedade sobre a coisa. Observando os conceitos acima podemos concluir

    que na prtica, existe uma linha muito tnue que separa a posse da propriedade. Todo

    proprietrio pode exercer a posse, mas nem todo possuidor pode exercer a propriedade,

    dispor da coisa.

    A propriedade j foi considerada como um direito absoluto, no susceptvel a

    qualquer interferncia. Atualmente, a Constituio Federal prev no art. 5o que todos so

    iguais perante a lei, garantindo-se a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no pas

    a inviolabilidade do direito propriedade, nos termos dos incisos do mesmo artigo. No

    inciso XXII assegurado o direito de propriedade e o XXIII afirma que a propriedade

    atender a sua funo social. Com a assuno da funo social o exerccio do direito de

    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6355

  • propriedade passou a ter limites determinados por lei (art. 1128 do Cdigo Civil, arts. 2o

    e 8o do Estatuto da Cidade) e pela prpria Constituio Federal (arts. 182 e 183).

    Obrigaes de no-fazer, restringindo as faculdades do proprietrio, so comuns

    no direito civil, especialmente nas leis de uso e ocupao do solo, delimitando a altura

    de prdios, o coeficiente de aproveitamento de terrenos, impondo como limite o direito

    dos vizinhos. Obrigaes de fazer so mais recentes no campo jurdico, derivam do

    Estatuto da Cidade e da funo social. Um dos objetivos das obrigaes de fazer a

    conteno da especulao imobiliria, responsvel por boa parte do problema da

    insuficincia de moradias populares e dos altos custos da habitao.

    A desigualdade social tem influenciado novas e mais solidrias concepes da

    posse e da propriedade. Fachin (2006, p.42) afirma que esse processo proporciona a

    socializao do direito, sendo que esse carrega em si a idia de funo social inerente

    estrutura das instituies jurdicas, em especial, a propriedade que funcionalizada ao

    interesse social.

    Para Mars (2003, p.121) a funo social se baseia no cumprimento de alguns

    requisitos: o aproveitamento racional da terra, a preservao do meio ambiente, a

    obedincia s obrigaes trabalhistas e uma explorao que favorea o bem estar de

    todos os envolvidos. A funo social impe ao direito de propriedade alguns deveres,

    cujo no cumprimento implica na perda da proteo da propriedade, impe limites ao

    poder absoluto do proprietrio, relevando a importncia do direito de igualdade e o

    princpio da dignidade da pessoa humana. O direito de propriedade remete ao dever do

    exerccio efetivo da posse sobre a coisa. O proprietrio deve fazer valer os seus poderes

    e faculdades no sentido do bem comum (Leal, 1998, p.127).

    Ocorre que a idia da funo social da propriedade no surgiu apenas para o

    alcance da realizao dos interesses coletivos, mas tambm porque uma terra ociosa no

    serve para o capitalismo e a concepo de propriedade surgiu exatamente, mediante

    desenvolvimento mercantil.

    Enfim, a funo social da propriedade um instituto que visa garantir o

    exerccio da posse sobre um imvel, de modo que esse no seja apenas objeto da

    especulao imobiliria. Uma forma de exercer a posse residir no imvel, esse

    inclusive um dos requisitos para a usucapio especial e para a concesso especial de

    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6356

  • uso, ambos previstos no Estatuto da Cidade. A funo social, como possvel observar,

    no visa a limitao da propriedade, mas a garantia do exerccio desse direito conforme

    o interesse coletivo da sociedade.

    A propriedade vista sob esse ngulo da funo social no deve ser entendida

    como a soluo dos problemas relacionados moradia ou como uma inimiga desses.

    A concesso especial de uso sobre imveis pblicos, no passveis de usucapio,

    uma forma de se efetivar o direito moradia viabilizando a segurana da posse. Os

    beneficiados pela concesso no se tornam proprietrios de imvel nenhum e requisito

    desse instituto que o requerente do mesmo no seja proprietrio de nenhum imvel

    urbano ou rural. Sendo assim, imprescindvel compreender que a moradia depende da

    posse, no da propriedade.

    3 O Dficit Habitacional e a Pobreza Urbana

    Conforme Gita Verna (Davis, 2006, p. 103) a causa bsica da favelizao urbana

    parece ser no a pobreza urbana, mas a riqueza urbana.

    Davis (2006, p.103) afirma que a desigualdade urbana do Terceiro Mundo

    visvel at mesmo do espao, pois ao ser realizado um monitoramento de Nairbi por

    meio de fotografias tiradas por satlite foi revelado que mais da metade da populao

    local morava em apenas 18% da rea da cidade. Em Daca estima-se que 70% da

    populao ocupa 20% da rea urbana. Na Amrica Latina, cerca de 76% da populao

    vive em cidades. Desses 76%, pode-se considerar que a cada 100, apenas 60 possuem

    moradia adequada, enquanto 22% vivem em casas que requerem melhoramentos e 18%

    precisam de novas casas1. Na regio metropolitana de Belo Horizonte o dficit

    habitacional de cerca de 152.623 domiclios e inversamente proporcional renda

    mensal dos habitantes.

    O dficit habitacional composto pelos seguintes indicadores: habitaes

    precrias, coabitao familiar e nus excessivo com aluguel. Desses, o grande

    responsvel pelos altos ndices brasileiros de ausncia de moradia a coabitao

    familiar e esse fato observado em todas as regies do pas, principalmente em So

    Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Cear e Pernambuco. As habitaes precrias so

    1 Cities in a Globalizing World: global reporto n human settlements 2001. London: United Nations Centre for Human Settlements (Habitat), 2001, p.197.

    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6357

  • mais comuns na zona rural e o nus excessivo com aluguel caracterstico das reas de

    grande adensamento urbano, em destaque o estado de So Paulo. Esse ltimo indicador

    reflexo direto das dificuldades do mercado imobilirio em se adequar s necessidades

    da populao (Fundao Joo Pinheiro, 2008, p.36)

    Dados da Fundao Joo Pinheiro (2008, p.28) demonstram que mais de 90%

    das famlias que demandam por moradia detm uma renda mdia mensal de at trs

    salrios mnimos. Essas somadas s famlias na faixa de renda imediatamente superior,

    entre trs e cinco salrios mnimos, representam quase a totalidade do dficit

    habitacional no Brasil. Interessante dado que entre os anos 2000 e 2006 houve

    significativa reduo do dficit habitacional para as famlias de renda mensal de trs a

    cinco salrios mnimos (na Regio Metropolitana de Fortaleza essa diferena foi de

    quase 50%). Essas informaes demonstram que as polticas pblicas de financiamento

    de casas populares apoiaram principalmente as pessoas cuja renda de mais de trs

    salrios mnimos, permanecendo sem atingir as classes mais baixas da sociedade (entre

    essas os ndices de dficit habitacional aumentaram do ano 2000 ao ano de 2006).

    A favelizao um sintoma interessante que surge junto com a ausncia de

    moradia. Atua no Brasil uma ONG italiana conhecida como AVSI Associao

    Voluntria para o Servio Internacional. Essa ONG entende que as favelas so

    patrimnios da comunidade, devendo ser respeitadas. Para isso a AVSI atua em

    metrpoles, como Belo Horizonte no sentido de proporcionar moradia saudvel e

    urbanizao aos aglomerados urbanos, impedindo a remoo das favelas para locais

    cada vez mais distantes, remoo que realizada como forma de ignorar a presena da

    misria nas cidades2.

    O surgimento de cidades-dormitrio tambm um sintoma comum da

    desigualdade social, principalmente nas regies metropolitanas, circundadas por cordes

    de residncias de pessoas de baixa renda que se locomovem quilmetros at atingir a

    rea nobre da cidade capaz de absorver a mo de obra barata existente nesses cordes.

    Na Regio Metropolitana de Belo Horizonte, as cidades que mais crescem so as

    cidades-dormitrio como Ribeiro das Neves e Esmeraldas.

    2 Disponvel em: scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142003000200010 Acesso: 26/02/2008

    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6358

  • A desigualdade social reforada por normas jurdicas que favorecem a

    segregao. As legislaes urbanas tendem a expulsar as classes baixas da sociedade

    para as periferias, como forma de higienizar os grandes centros. Ocorre a segregao do

    acesso a terra urbanizada e bem localizada, o que proporciona o surgimento de zonas

    urbanisticamente irregulares.

    As normas jurdicas precisam avanar, mas tambm tem evoluir a forma de

    aplicao das leis e de sentenas. Os despejos forados, efetivados com o respaldo de

    uma sentena favorvel ao proprietrio cujo terreno fora invadido, realizados com o uso

    de fora policial so uma afronta aos direitos humanos. Alm dessa afronta, essas aes

    pontuais, que visam somente a remoo de pessoas que ocupam uma rea de modo

    irregular no solucionam o problema da irregularidade urbana ou da favelizao pois

    esses so efeitos de um ciclo no qual uma famlia que possui baixos rendimentos

    financeiros no consegue moradia prpria e regular e ento invade uma rea

    abandonada, nela passando a residir, mesmo que em condies precrias. Se essa

    famlia removida a nica sada para ela buscar outro terreno abandonado e ocup-lo.

    Caso haja algum interesse em resolver o problema da irregularidade urbana o problema

    dessa famlia tem que ser resolvido, o que no acontece com a simples remoo da

    mesma. Deve ser oferecida uma alternativa de moradia regular acessvel que favorea o

    fim do ciclo da favelizao.

    A valorizao do direito moradia de suma importncia para a resoluo do

    caos urbano. Deve ser alcanada a compreenso de que a reduo do dficit habitacional

    um dos caminhos para a efetivao da funo social da cidade, tornando-a um lugar

    saudvel para todos viverem.

    Felizmente alguns tratados internacionais de direitos humanos j interpretam a

    moradia como um direito humano: Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econmicos

    e Culturais de 1966, Conveno Sobre os Direitos da Criana, 1989 e outros. O art. 21

    da Conveno Americana de Direitos Humanos, datada de 1969, dispe que todos tm o

    direito ao uso e gozo de seus bens e que a lei deve subordinar tal uso e gozo ao interesse

    social.

    O reconhecimento da moradia como um direito humano de suma importncia

    para a valorizao deste direito e para a criao de estratgias eficientes de segurana da

    posse.

    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6359

  • A habitao informal sofre com a ausncia de segurana da posse o que deixa o

    exerccio do direito moradia em risco permanente de despejo ou deslocamento

    forado. A legislao deve prever instrumentos jurdicos e urbansticos que reconheam

    o direito das pessoas de permanecer no local onde residem com segurana e proteo,

    independentemente da forma com que exercida a posse, conforme afirma Letcia

    Osrio Marques (ALFONSIN e FERNANDES, 2006, p.36).

    Dentro da informalidade ocorrem assentamentos de diversas maneiras e todos

    representam uma transgresso ordem jurdica e ordem urbanstica, pouco preparadas

    para lhe dar com situaes como essas. Devido informalidade no existem meios para

    se assegurar a posse sobre esses assentamentos, que normalmente so realizados por

    pessoas de baixa renda que no conseguem manter uma residncia formal, seja por no

    ter meios de pagar por um imvel regular ou devido aos altos impostos cobrados nos

    bairros, como o IPTU.

    As irregularidades podem ser classificadas em dois grupos: um relacionado

    falta de ttulo de propriedade ou de posse legalmente reconhecido, outro relacionado ao

    descumprimento de normas de construo na cidade.

    Os assentamentos informais podem ocorrer por ocupao direta (organizados

    por movimentos sociais, em terras pblicas ou privadas) ou por mercados informais

    (lotes clandestinos, vendas ilegais, negociaes no mercado informal) (ALFONSIN e

    FERNANDES, 2006, p.29).

    Tais assentamentos formam algumas relaes variadas de domnio, como

    proprietrios sem ttulos registrados, possuidores com comprovante de compra e venda

    legal, mas que somente se tornaro proprietrios aps a quitao da compra ou com

    comprovantes de venda ilegal de lote clandestino, ocupantes de terra com direito a

    usucapio, dentre outras (ALFONSIN e FERNANDES, 2006, p.30).

    Essas relaes de domnio informal, no so protegidas, podendo ser rompidas a

    qualquer momento por aes judiciais ou por outras formas desvinculadas de qualquer

    processo no judicirio. Desta forma, uma pessoa que compra um terreno clandestino e

    ali constri sua residncia, no possui a propriedade do imvel comprado e nem pode

    ter a certeza que sua posse est assegurada pela apresentao do comprovante de

    compra e venda.

    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6360

  • A moradia de cada um um local de privacidade que deve ser respeitado. A

    mera posse sobre uma rea onde se constri uma residncia deve ser respeitada e caso

    venha a se entender que a posse deve ser encerrada para ser exercida pelo proprietrio,

    os moradores e possuidores do terreno no podem ser simplesmente expulsos de suas

    casas, como se d normalmente, mas sim, encaminhados a novas casas, de modo a no

    terem seu direito moradia lesado, da mesma forma que no se lesou o direito

    propriedade do outro. O programa Bolsa Aluguel visa auxiliar famlias destitudas da

    posse de imveis ocupados at que essas encontrem algum lugar para morar. Por esse

    programa as pessoas so encaminhadas a casas alugadas e o Estado se compromete a

    arcar com os custos do aluguel por um perodo determinado. Acontece que esse

    programa somente garante moradia adequada por um tempo, no proporciona aos

    beneficiados uma maneira de se manterem em uma moradia adequada. Ao fim do

    perodo de aluguel pago pelo governo as pessoas do programa voltam situao

    anterior e tornam a ocupar irregularmente terrenos ou a viver em loteamentos

    clandestinos.

    O Estatuto da Cidade, a Constituio Federal e o Cdigo Civil oferecem aos

    governantes a base legal para a fundamentao de programas habitacionais efetivos,

    realmente comprometidos com a efetivao do direito fundamental e social moradia.

    4 Instrumentos que possibilitam o acesso moradia

    Alguns instrumentos foram criados pelo governo Federal para a segurana da

    posse, de modo a considerar, definitivamente, a moradia como um direito social. Podem

    ser citados como instrumentos a usucapio urbana, a concesso de uso especial, as ZEIS

    (Zonas Especiais de Interesse Social, que uma vez instituda garante a permanncia dos

    moradores da rea abrangida como ZEIS) e a Lei Federal 6.766/79, alterada pela Lei

    Federal n 9.788/99, que prev a possibilidade do poder pblico assumir os atos

    necessrios para a realizao de regularizao de loteamentos clandestinos, feitos sem a

    urbanizao ou demarcao dos terrenos e vendidos a compradores de boa-f.

    A usucapio uma forma de se adquirir a propriedade de um imvel, sobre o

    qual foi exercida posse contnua pelo tempo mnimo determinado em lei mais as outras

    exigncias previstas para cada tipo de usucapio prescrito na legislao brasileira. A

    usucapio especial facilita o acesso propriedade urbana e tem sua base no art. 183 da

    Constituio Federal, cuja letra diz:

    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6361

  • Art. 183: Aquele que possuir como sua rea urbana de at duzentos e

    cinqenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem

    oposio, utilizando-a para sua moradia ou de sua famlia, adquirir-

    lhe- o domnio, desde que no seja proprietrio de outro imvel

    urbano ou rural.

    Esse instrumento, apesar de ter como objetivo transformar um possuidor em um

    proprietrio, valoriza a posse, pois somente atravs do exerccio dessa o possuidor pode

    adquirir o imvel daquele que era dono mas no exercia atividades sobre o terreno, ou

    seja, no cumpria com a funo social da propriedade. Outro aspecto relevante desse

    instrumento a possibilidade de recorrer ao mesmo de modo coletivo.

    A concesso de uso consiste em um ato administrativo que outorga, como um

    direito subjetivo, o uso de rea pblica urbana de at 250 m2, a um possuidor ou uma

    rea com mais de 250 m2 para um grupo de possuidores de baixa renda, desde que esses

    utilizem o local como moradia suas e de suas famlias, estejam exercendo a posse sobre

    o terreno por no mnimo cinco anos ininterruptos at o dia 30 de junho de 2001, sem

    oposio e no possuam outro terreno, urbano ou rural. A concesso de uso especial

    uma forma de se garantir o direito de moradia, sem adentrar na questo da propriedade,

    garantindo a posse e efetivando a sua funo social. A concesso pode ser realizada por

    mio coletivo.

    A usucapio e a concesso adquiridas de forma coletiva garantem a economia

    processual, tornando o processo menos dispendioso do que seria caso cada interessado

    ingressasse com uma ao particular.

    A cobrana do IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano) progressivo e a

    desapropriao sanso so instrumentos que visam impedir o uso de imveis somente

    para a especulao imobiliria. O art.182 da Constituio Federal, pargrafo 4o,

    determina que facultado ao Poder Pblico Municipal, mediante lei especfica, exigir

    do proprietrio de solo urbano no edificado, subutilizado ou no utilizado, que seja

    promovido o adequado aproveitamento do mesmo sob pena de parcelamento ou

    edificao compulsrios; cobrana de IPTU progressivo no tempo, por at cinco anos;

    desapropriao com pagamento mediante ttulos da dvida pblica com prazo de resgate

    de at dez anos.

    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6362

  • Importante destacar a relevncia que o Estatuto da Cidade oferece participao

    popular. O artigo 43 da lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) dispe sobre a gesto

    democrtica das cidades e estipula como instrumentos dessa gesto a formao de

    rgos colegiados de poltica urbana nos nveis nacional, estadual e municipal, a

    realizao de debates, audincias, consultas pblicas, conferncia em todos os nveis de

    entes federativos, a iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos

    de desenvolvimento urbano. Quanto s regies metropolitanas, reas de grande

    concentrao populacional e de altos ndices de dficit habitacional, o art. 45 dessa

    mesma lei dispe que os organismos gestores dessas regies e dos aglomerados urbanos

    devero incluir significativa participao da populao e de associaes representativas

    dos vrios segmentos da comunidade de modo a garantir o controle direto de suas

    atividades e o pleno exerccio da cidadania (DALLARI e FERRAZ, 2006, p.335).

    Todos esses instrumentos buscam efetivar o direito moradia, regularizar o

    espao urbano e democratizar o acesso terra.

    5 Polticas Pblicas de Habitatao

    Para Leal (1998, p.101) a concepo de cidadania advm da idia de se ter um

    direito a ter direitos e mais do que isto, o direito de ter assegurados e concretizados

    esses direitos. Continua o autor afirmando que uma funo do Estado Moderno,

    enquanto mediador e responsvel pelos efeitos sociais de uma legislao

    normativamente ineficaz, garantir a dignidade de vida a todos os cidados brasileiros, o

    que inclui efetivar o direito moradia (essencial dignidade de vida).

    Algumas polticas pblicas vm sendo implementadas no Brasil com o intuito de

    efetivar o alcance do direito moradia digna e a maioria das iniciativas do poder

    pblico no Brasil so baseadas na garantia da propriedade. A funo social da

    propriedade usada como fundamento na formulao das polticas pblicas que buscam

    promover o direito propriedade para proporcionar habitaes.

    Acontece que o problema do dficit habitacional mais grave nas regies

    urbanas e uma caracterstica importante dessas reas que boa parte do seu territrio

    ocupado de forma irregular e ilegal.

    Um modelo de poltica pblica adotada a regularizao fundiria de terrenos

    ocupados, atravs da desapropriao do imvel particular para posteriormente do-lo

    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6363

  • quele que exerce a posse sobre o mesmo, o que torna essa poltica muito cara,

    dispendiosa (esse mtodo foi muito utilizado em Belo Horizonte). A usucapio

    ordinria, prevista no cdigo civil e a especial, prevista no Estatuto da Cidade tambm

    so formas legais de se efetivar a moradia atravs da garantia direta do exerccio do

    direito de propriedade, mas uma ao de usucapio pode demorar anos, principalmente

    a ordinria. Conforme Edsio Fernandes (VALENA, 2008, p.40) a ideologia sobre a

    importncia dada propriedade ao se discutir a efetivao direito moradia ainda

    muito forte e a base da incapacidade dos operadores do direito e dos administradores

    de entender que existem outras estratgias jurdicas, menos elitistas e mais

    progressistas, que podem ser utilizadas.

    O Dec. 2220/01 dispe sobre a concesso especial de uso para fins de moradia.

    Esse instrumento possui um diferencial na efetivao do direito em questo pois no

    trata da propriedade, mas da posse, ou seja, proporciona segurana da posse sobre

    imvel usado como moradia. A partir da regulamentao da concesso especial de uso

    so esperados novos avanos na legislao brasileira quanto proteo da posse.

    A reduo do dficit habitacional est diretamente ligada ao desenvolvimento de

    polticas pblicas. O ordenamento jurdico tem evoludo muito na matria dos direitos

    humanos, direito urbanstico, direitos reais (posse e propriedade) e no acesso moradia

    adequada. Infelizmente as campanhas polticas no tm evoludo na mesma proporo

    nem se adaptado s novas condies legais. Para a implementao dos instrumentos de

    reforma urbana necessrio o comprometimento dos gestores pblicos.

    Segundo Zaluar (2000, p.64), a idia central, tanto dos estudos acadmicos

    quanto das polticas pblicas destinadas populao de baixa renda, era a de que o

    crescimento urbano deu-se no Brasil por um aumento constante do processo de

    urbanizao sem que o crescimento industrial pudesse acompanh-lo. O foco desses

    estudos seria a habitao marginalizada, as favelas. Desse pensamento surgiu a

    concepo de que a remoo dos favelados para casas populares resultaria na

    incorporao desses sociedade.

    A resoluo do problema da moradia no Brasil sempre esteve muito ligada

    formao de favelas. As polticas habitacionais variam entre remoo de favelados para

    conjuntos de casas populares e a revitalizao ou regularizao de favelas, sendo essas

    influenciadas pelo momento poltico, pelas grandes empresas de engenharia civil

    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6364

  • (tradicionais financiadoras de campanhas eleitorais) (ZALUAR, 2000, p.65) e pelo

    mercado imobilirio (interessado nas reas ocupadas irregularmente que possuem alto

    valor comercial).

    Diante do exposto acima e observando algumas legislaes que fundaram planos

    habitacionais podemos concluir que de fato, as polticas pblicas brasileiras que visam

    efetivao do direito moradia fundamentam-se na concretizao e garantia do direito

    de propriedade, a partir de intervenes em favelas, construo ou financiamento da

    compra de casas populares.

    Entre os anos de 1964 e 1978, durante a ditadura militar, foram construdas

    cerca de 708.554 casas populares para atender demanda de trabalhadores urbanos. As

    maiores beneficiadas por esse programa de construo de casas foram as grandes

    empresas da construo civil, que exerceram forte presso sobre o governo para manter

    essa atuao clientelstica de efetivao do direito moradia, tanto pelo lucro que

    recebiam com a execuo das obras quanto pela liberao de terrenos valiosos das

    cidades (ZALUAR, 2000, p.65).

    Np perodo ditatorial (e em outros) havia um ciclo na formulao dos programas

    habitacionais. Caso fosse relevante a aceitao popular o governo efetuava a

    urbanizao de favelas, caso fosse relevante a aceitao da classe mdia, eram feitas as

    remoes de favelados para casas populares que se localizavam distante do centro das

    cidades.

    O PRODECOM (Programa de Desenvolvimento de Comunidades) foi um

    programa adotado pelo Governo que atuava na aproximao das comunidades e o

    sistema financeiro, facilitando o acesso de populaes carentes ao mercado. Incentivava

    tambm a auto-construo e mutires. Ocorre que 15.000 (quinze mil) casas foram

    construdas, valor equivalente metade do proposto, devido m administrao do

    programa, ao desvio de verbas nas comunidades e a falta de financiamento.

    Em 1983 foi criado o Pr-Favela, que tinha como proposta demonstrar a

    necessidade do Poder Pblico reconhecer o direito do favelado de adquirir a propriedade

    de sua moradia. O objetivo deste programa, era a regularizao, urbanizao e

    legalizao das favelas, mas teve resultados escassos, at 1989, somente 2% das

    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6365

  • famlias que deveriam ser beneficiadas haviam recebido os ttulos de propriedade.

    Ainda hoje existem famlias aguardando o recebimento das escrituras3.

    Outros programas, como o Banco Nacional de Habitao, foram criados com a

    finalidade de financiar a compra de casas por famlias de baixa renda, porm os altos

    juros cobrados e a documentao exigida (comprovante de renda e de no restrio ao

    crdito) impediram o sucesso dos financiamentos.

    Atualmente as propostas de lei de programas habitacionais no so muito

    diferentes. O PAC Plano de Acelerao do Crescimento prev benefcios para a

    produo e aquisio de moradias, urbanizao de assentamentos precrios, aquisio

    de material de construo, reforma e ampliao de unidades habitacionais, produo de

    lotes urbanizados e requalificao de imveis para uso habitacional.

    O SNHIS - O Sistema Nacional de Habitao de Interesse Social - foi institudo

    pela Lei Federal n 11.124 de 16 de junho de 2005 e tem como objetivo principal

    implementar polticas e programas que promovam o acesso moradia digna para a

    populao de baixa renda, que compe a quase totalidade do dficit habitacional do

    Pas. A Lei n 11.124 tambm instituiu o Fundo Nacional de Habitao de Interesse

    Social FNHIS, que em 2006 centralizou os recursos oramentrios dos programas de

    Urbanizao de Assentamentos Subnormais e de Habitao de Interesse Social,

    inseridos no SNHIS.

    O Plano de Acelerao de Crescimento (PAC) do governo federal criou um

    programa chamado Minha Casa, Minha Vida, que em um ano de existncia no cumpriu

    nem metade das metas previstas para esse perodo. A meta era de financiar 1 milho de

    moradias at o fim desse ano, sendo que os recursos destinados a esse programa eram de

    34 bilhes de reais. Apesar de tamanho insucesso j existe a verso dois desse programa

    (PAC 2). Em Belo Horizonte, conforme reportagem publicada no dia 31 de maro de

    2010 no caderno de Economia do Jornal Estado de Minas (p.12), a fila de espera das

    famlias com renda de at trs salrios mnimos est parada e so essas as que mais

    dependem do subsdio do governo para concretizar o desejo da casa prpria e adequada.

    A prefeitura deste municpio est sancionando leis para flexibilizar e viabilizar a

    construo das casas populares, pois muitos projetos encontram-se parados na Caixa

    Econmica Federal. Mesmo diante da morosidade do Minha Casa, Minha Vida o PAC

    3 Disponvel em: wandersoncvc.vilabol.uol.com.br/regiaoBH.htm Acesso em: 20/02/2008

    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6366

  • 2 prev a sua prorrogao at o ano de 2014 e a construo de 2 milhes de moradias,

    com recursos na base de 71,7 bilhes de reais.

    Mesmo um programa atualssimo como o descrito acima se mantm embasado

    no direito de propriedade, na remoo de pessoas para outras reas onde foram

    construdos as casas ou os apartamentos, no financiamento de imveis. Todos esses

    modelos de reduo do dficit habitacional j foram utilizados mas no alcanaram

    resultados satisfatrios, alm de necessitarem de altssimos investimentos do governo.

    Concluso

    No Brasil as polticas pblicas precisam acompanhar os avanos jurdicos que

    esto ocorrendo quanto efetivao do direito moradia. As leis ainda precisam

    avanar mais e se tornarem mais inclusivas, existe uma relao direta entre a ilegalidade

    urbana e a ordem jurdica em vigor. O dficit habitacional deve ser tratado desde sua

    origem, interdisciplinarmente, para que o Estado no tenha sempre que remediar o

    problema da moradia e outros tantos dele derivados. Os programas habitacionais no

    devem produzir muitos encargos para as famlias beneficiadas ou restar fadado ao

    insucesso e na no reduo da pobreza, geradora do problema da moradia (VALENA,

    2008, p.57). A posse precisa ganhar espao nos debates para que sejam criados mais

    instrumentos de segurana da mesma.

    Um princpio estruturante da nova ordem jurdico-urbanstica o da

    indissociabilidade do direito e da gesto urbana. Conforme Edsio Fernandes

    (VALENA, 2008, p.69) so os eixos de mudanas necessrias para uma reforma

    integrada entre poltica e direito:

    (...) a renovao da democracia, atravs da afirmao do direito

    coletivo a uma ampla participao popular na gesto das cidades; a

    descentralizao dos processos decisrios, no sentido no apenas do

    fortalecimento dos governos locais, mas tambm do enfrentamento da

    questo metropolitana e da necessidade de articulao

    intergovernamental para superao de problemas urbanos, sociais e

    ambientais; e a criao de um novo quadro de referncias jurdico-

    administrativas para fornecer uma maior clareza de princpios s

    novas relaes que esto se dando entre Estado e sociedade, sobretudo

    atravs das parcerias pblico-privadas e outras formas de relaes

    entre o Estado e os setores privado, comunitrio e voluntrio.

    * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 6367

  • A partir da reforma acima descrita e das mudanas que j vem se passando no

    sistema jurdico brasileiro quanto ao direito moradia, podemos esperar significantes

    alteraes no quadro das desigualdades sociais e da garantia da efetivao do direito

    fundamental e social da moradia.

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