POLÍTICAS PÚBLICAS PARA EFETIVAÇÃO DO DIREITO ... · numa garantia para a concretização do...

21
3789 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO * PAPEL DE LAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA LA EFECTUACIÓN DEL DERECHO FUNDAMENTAL A LA EDUCACIÓN Suzéte da Silva Reis Jorge Renato dos Reis RESUMO O objeto de estudo deste artigo é o papel das políticas públicas para a efetivação do direito fundamental à educação e construção da cidadania de crianças e adolescentes, a partir das disposições da Constituição Federal de 1988. Trata-se de uma reflexão sobre a educação como um Direito Fundamental para a efetivação da cidadania de crianças e adolescentes. Busca-se um novo paradigma que propicie o desenvolvimento integral do ser humano, sua preparação para o trabalho e exercício da cidadania, considerando que é através da educação que será possível a apreensão, a compreensão e a reconstrução de conhecimentos que possam transformar nossa realidade social. Uma das hipóteses que orientam esse trabalho é o fato de que a sociedade brasileira enfrenta um grande desafio, qual seja, criar um sistema de real eficácia e integração, capaz de garantir às crianças e adolescentes o pleno exercício da cidadania, por meio de políticas públicas que enfatizem a união entre família, escola e sociedade civil, implementadas a partir do poder local e do capital social. PALAVRAS-CHAVES: EDUCAÇÃO – CIDADANIA – POLÍTICAS PÚBLICAS RESUMEN El objecto del estudio de este artigo es el papel de las políticas públicas para la efectuación del derecho fundamental a la educación y construcción de la ciudadanía de los niños y adolescentes, a partir de las disposiciones de la Constitución Federal de 1988. Buscase un nuevo paradigma que propicie el desarrollo integral del ser humano, suya preparación para lo trabajo y ejercício de la ciudadanía, considerando que es a través de la educación que será posible la aprehensión, la comprensión y la reconstrucción de conocimientos que puedan transformar nuestra realidad social. Una de las hipótesis que orientan este trabajo es el facto que la sociedad brasileña afrenta un gran desafío, cual sea, crear um sistema de real eficacia y integración, capaz de garantizar a los niños y adolescentes el pleno ejercício de la ciudadanía, por medio de políticas públicas que enfaticen la unión entre la família, escuela y sociedad civil, implementada a partir del poder local y del capital social. PALAVRAS-CLAVE: EDUCACIÓN – CIUDADANIA – POLÍTICAS PÚBLICAS * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

Transcript of POLÍTICAS PÚBLICAS PARA EFETIVAÇÃO DO DIREITO ... · numa garantia para a concretização do...

3789

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO*

PAPEL DE LAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA LA EFECTUACIÓN DEL DERECHO FUNDAMENTAL A LA EDUCACIÓN

Suzéte da Silva Reis Jorge Renato dos Reis

RESUMO

O objeto de estudo deste artigo é o papel das políticas públicas para a efetivação do direito fundamental à educação e construção da cidadania de crianças e adolescentes, a partir das disposições da Constituição Federal de 1988. Trata-se de uma reflexão sobre a educação como um Direito Fundamental para a efetivação da cidadania de crianças e adolescentes. Busca-se um novo paradigma que propicie o desenvolvimento integral do ser humano, sua preparação para o trabalho e exercício da cidadania, considerando que é através da educação que será possível a apreensão, a compreensão e a reconstrução de conhecimentos que possam transformar nossa realidade social. Uma das hipóteses que orientam esse trabalho é o fato de que a sociedade brasileira enfrenta um grande desafio, qual seja, criar um sistema de real eficácia e integração, capaz de garantir às crianças e adolescentes o pleno exercício da cidadania, por meio de políticas públicas que enfatizem a união entre família, escola e sociedade civil, implementadas a partir do poder local e do capital social.

PALAVRAS-CHAVES: EDUCAÇÃO – CIDADANIA – POLÍTICAS PÚBLICAS

RESUMEN

El objecto del estudio de este artigo es el papel de las políticas públicas para la efectuación del derecho fundamental a la educación y construcción de la ciudadanía de los niños y adolescentes, a partir de las disposiciones de la Constitución Federal de 1988. Buscase un nuevo paradigma que propicie el desarrollo integral del ser humano, suya preparación para lo trabajo y ejercício de la ciudadanía, considerando que es a través de la educación que será posible la aprehensión, la comprensión y la reconstrucción de conocimientos que puedan transformar nuestra realidad social. Una de las hipótesis que orientan este trabajo es el facto que la sociedad brasileña afrenta un gran desafío, cual sea, crear um sistema de real eficacia y integración, capaz de garantizar a los niños y adolescentes el pleno ejercício de la ciudadanía, por medio de políticas públicas que enfaticen la unión entre la família, escuela y sociedad civil, implementada a partir del poder local y del capital social.

PALAVRAS-CLAVE: EDUCACIÓN – CIUDADANIA – POLÍTICAS PÚBLICAS

* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

3790

Considerações Iniciais

O direito fundamental à educação é assegurado a todos os homens, indistintamente, e se constitui como garantia para o exercício dos demais direitos fundamentais, mas a consagração da educação como um direito fundamental do homem é recente na história. Mesmo existindo desde os primórdios da humanidade, a educação nem sempre teve a característica que hoje possui: que é a de ser reconhecida como essencial à formação do homem e, como tal, ter alcançado o status de direito fundamental.

A Constituição Federal de 1988, no art. 205, prevê que a educação é um direito de todos, e que o Estado, a família e a sociedade tem o dever de oferecê-lao-lhe o ntigar o tema est. Cabe, portanto, ao Estado a responsabilidade pelo oferecimento da educação fundamental básica, que deve ser pública e gratuita. Ainda, não basta assegurar tão somente o acesso, mas também a permanência dos alunos na escola.

A efetivação deste direito dependerá dos mecanismos que assegurem sua concretização. Neste sentido, as políticas públicas educacionais representam a atuação do Estado, no sentido de efetivar o direito constitucionalmente garantido.

Dentre os objetivos da educação, elencados pela Carta Magna, estão o atendimento à formação integral do ser humano, sua preparação para o trabalho e exercício da cidadania. Da leitura deste dispositivo depreende-se que cabe à educação oferecer os instrumentos necessários ao indivíduo para que ele se desenvolva plenamente: acesso aos conhecimentos produzidos e acumulados pela humanidade no transcorrer da história, desenvolvimento do pensamento crítico e participação ativa na sociedade na qual está inserido.

Todavia, os dados estatísticos divulgados periodicamente demonstram que no Brasil, assim como em outros países em desenvolvimento, os investimentos em educação são mínimos, resultando em posições vergonhosas no ranking de países avaliados por organismos internacionais, especialmente ligados à ONU e à UNESCO. Tal situação demonstra que ainda há muito a trilhar, no sentido de garantir o acesso a uma educação de qualidade a todos os cidadãos e que é preciso agir de modo imediato.

As políticas públicas surgem como alternativa possível de superação destes problemas, pois representam a atuação do Estado, no sentido de garantir o direito fundamental à educação, para todos os cidadãos, respeitando os preceitos constitucionais que, por sua vez, estão em consonância com documentos internacionais de proteção a este direito fundamental.

Sendo um direito fundamental, tutelado pelo texto constitucional pátrio, a educação deve ser alvo de atenção por parte do Estado e da sociedade, pois se constitui em um dos requisitos para o exercício dos demais direitos assegurados pelos direitos fundamentais e pelo estatuto da cidadania. Sua concretização está, pois, na dependência da elaboração e da implementação de políticas públicas educacionais.

3791

1 Os direitos fundamentais

Os direitos fundamentais reconhecidos pelo texto constitucional de 1988 se configuram numa garantia para a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, a qual se encontra no ápice da Constituição e, em conseqüência, de todo o ordenamento jurídico. De acordo com Moraes[3], os direitos fundamentais estão em posição hermenêutica superior aos demais direitos previstos no ordenamento jurídico, por se referirem às garantias e prerrogativas asseguradas constitucionalmente ao cidadão.

Para Pérez Luño, os direitos fundamentais “representan una de las decisiones básicas del constituyente a través de la cual los principales valores éticos y políticos de una comunidad alcanzán expresión jurídica”[4], ao mesmo tempo em que estabelecem as relações jurídicas entre indivíduo e Estado e indivíduos entre si. Uma das funções precípuas dos direitos fundamentais é, portanto, garantir a unidade do ordenamento jurídico.

Os direitos fundamentais representam a garantia aos cidadãos de que o Estado atuará na promoção dos direitos da pessoa e na promoção dos direitos da vida coletiva e social. Eles se apresentam nos textos constitucionais, como “un conjunto de valores básicos y, al própio tiempo, como el marco de protección de las situaciones jurídicas subjetivas.”[5] Ao mesmo tempo, os direitos fundamentais, em sua dimensão subjetiva, tutelam as relações entre os particulares, obedecendo a concepção formal de igualdade de todos perante a lei.

Para Schulte, os direitos fundamentais “são originária e primacialmente direitos individuais de defesa contra ingerências na e ameaças à liberdade pessoal por parte do Estado ou de outros poderes.”[6] A função defensiva, com o passar do tempo, foi complementada pela função participativa e pela função prestacional.

Barreto entende que o termo direito fundamental tem um sentido filosófico quando é utilizado para falar de “certos direitos que reconhecem e garantem a qualidade de pessoa humana ao ser humano.”[7] Outra acepção é de que são fundamentais os direitos que, “apesar de serem aqueles que o homem deve gozar por ser pessoa, só aparecem como fundamentais depois que o direito legislado os tenha reconhecido em sua positividade.”[8] Assim, são direitos fundamentais aqueles reconhecidos pelo ordenamento jurídico e que estão inseridos em uma ordem jurídica específica, ao passo que os direitos humanos têm um caráter mais amplo, estando acima da organização estatal de determinada nação.

A ideia de direitos fundamentais está ligada à própria idéia de democracia e de Estado Democrático de Direito. No entender de Sarlet, os direitos fundamentais podem ser considerados como “pressuposto, garantia e instrumento do princípio democrático da autodeterminação do povo por intermédio de cada indivíduo”[9], além disso, os mesmos desempenham função decisiva para a garantia contra eventuais desvios de poder praticados por quem está no poder.

3792

Direitos fundamentais são direitos público-subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual[10].

Tamanha é a importância dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal que, conforme assevera Sarlet, os mesmos podem ser considerados como “cláusula pétrea”, o que lhes confere uma proteção ainda maior. Nas palavras do autor, eles se caracterizam por uma limitação jurídica do poder estatal e podem ser definidos do seguinte modo:

Os direitos fundamentais integram, portanto, ao lado da definição da forma de Estado, do sistema de governo e da organização do poder, a essência do Estado constitucional, constituindo, neste sentido, não apenas parte da Constituição formal, mas também elemento nuclear da Constituição material.[11]

Para conceituar o que são direitos fundamentais, Dimoulis destaca três elementos essenciais: o Estado, o indivíduo e o texto normativo regulador. Quando fala em Estado, o autor se refere ao Estado Moderno, que detém o controle de um aparelho de poder centralizado que controla determinado território e impõe suas decisões por meio das suas instituições.

A existência do indivíduo é o requisito dos direitos fundamentais. O reconhecimento dos direitos individuais à liberdade, igualdade e propriedade, que se configuram como uma das características das sociedades capitalistas, é o contraponto de uma concepção que considera o indivíduo como ser social. E por fim, o texto normativo regulador entre Estado e indivíduo é desempenhado pela Constituição em seu sentido formal, “que declara e garante determinados direitos fundamentais, permitindo ao indivíduo conhecer sua esfera de atuação livre de interferências estatais e, ao mesmo tempo, vincular o Estado a determinadas regras.”[12]

Dimoulis aponta para a fundamentalidade formal dos direitos fundamentais, dizendo que um direito só é fundamental se for garantido mediante normas que tenham força jurídica própria da supremacia constitucional. Diz ele que “todos os direitos garantidos na Constituição são considerados fundamentais, mesmo quando seu alcance e relevância social forem bastante limitados.”[13]

Ainda, em relação à fundamentalidade das cláusulas pétreas, o autor lembra que não há hierarquia entre os direitos fundamentais protegidos constitucionalmente, porque, segundo ele, todos os direitos que “em determinado momento são constitucionalmente garantidos têm, evidentemente, a mesma relevância e força jurídica, não cabendo distinção em sua aplicação.”[14]

Os direitos fundamentais representam o seu reconhecimento pelos ordenamentos jurídicos. Conforme Perez Luño, os direitos fundamentais “aparecen como derechos de participación em la vida política, social, econômica y cultural, para lo que se requiere

3793

um compromiso activo de los poderes públicos encaminado a garantizar o su ejercicio.”[15] A garantia do exercício dos direitos fundamentais é responsabilidade do Estado que, através dos seus órgãos, deve prestar adequadamente os serviços públicos, garantindo, deste modo, o exercício dos direitos fundamentais.

Modernamente e para uma melhor compreensão didática, os direitos fundamentais podem ser divididos em gerações ou dimensões[16] de direitos.

Os direitos da primeira dimensão são os direitos civis e políticos. Para Barreto, são direitos de resistência e oposição perante o Estado, que tem a liberdade como valor inspirador. Os direitos de primeira dimensão têm cunho individualista e, conforme Sarlet[17], se afirmam como direitos do indivíduo frente ao Estado. São eles, o direito à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade, bem como os direitos de liberdade de expressão e os direitos de participação política. O autor acrescenta ainda ao rol, o direito de igualdade e as garantias processuais como o devido processo legal, habeas corpus e o direito de petição.

De acordo com Peces-Barba, os direitos de primeira dimensão têm inspiração liberal “através dos cuales se defiende una idea de libertad y de autonomia como rasgos caracterizadores de los seres humanos, siendo la principal función de estos instrumentos la de limitar al poder”[18] do Estado e proteger o indivíduo da sua atuação.

As reivindicações sociais são os fundamentos dos direitos de segunda dimensão, decorrentes das desigualdades nas condições de vida. Contrapondo-se ao Estado liberal, onde o Estado deveria ter uma postura neutra, de não intervenção na vida e na liberdade dos cidadãos, o Estado Social de Direito e, com ele os direitos de segunda dimensão, veio a exigir o contrário: que o Estado passasse a intervir positivamente para a garantia dos direitos fundamentais dos seus cidadãos.

Os direitos de segunda dimensão são “fruto del pensamiento democrático, que se corresponden con los políticos o de participación, y que se basan em la exigência de que los indivíduos participe em la composición del poder y en la determinación de sus decisiones.”[19] O Estado deixa sua posição de não atuação e passa a ser instigado a agir. Através da sua atividade prestacional, passa a ter o dever de garantir os direitos dos cidadãos.

Na segunda dimensão estão os direitos econômicos, sociais e culturais, que se caracterizam por “outorgarem ao indivíduo direitos a prestações sociais estatais, como assistência social, saúde, educação, trabalho, etc., revelando uma transição das liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas.”[20] Lembra Sarlet que esses direitos abrangem bem mais que os direitos de cunho prestacional.

Embora seja empregada a expressão social, esses direitos não se confundem com os direitos coletivos da terceira dimensão, pois a justificativa para utilização do termo social está “na circunstância de que os direitos da segunda dimensão podem ser considerados uma densificação do princípio da justiça social, além de corresponderem a reivindicação das classes menos favorecidas.”[21]

3794

Os direitos fundamentais sociais, entre eles a educação, são, no entendimento de Barreto, “aqueles que, em vez de serem direitos contra o Estado, se constituem em direitos através do Estado, exigindo do Poder Público certas prestações materiais, como a implementação das políticas sociais.”[22] Através destas políticas sociais o cidadão poderá gozar dos direitos constitucionalmente protegidos.

Em relação aos direitos sociais, Barreto destaca que eles “não são meios de reparar situações injustas, nem são subsidiários de outros direitos”[23], não se encontrando, deste modo, em situação hierarquicamente inferior aos direitos civis e políticos. Os direitos sociais adquirem, assim, “um caráter de exigência moral como condição da sua normatividade”[24], afastando–se do caráter assistencial e de caridade. Eles são, no entendimento do autor, imprescindíveis para a consecução dos objetivos almejados pelo texto constitucional.

Para Barreto, os direitos sociais possibilitam ao cidadão o acesso a uma dimensão maior de liberdade e cabe ao Estado o controle dos riscos do problema da pobreza, pois somente desse modo é possível garantir ao cidadão a satisfação das necessidades mínimas para sua sobrevivência digna. Não há cidadania sem inclusão social e superação das desigualdades sociais.

O surgimento dos direitos sociais representou uma alteração no conteúdo dos direitos fundamentais e na atuação do Estado, pois “principios originariamente dirigidos a poner limite a la actuación del Estado se han convertido en normas que exigen su gestión en el orden econômico y social.”[25] A atuação do Estado, portanto, passou por uma modificação a partir da positivação dos direitos sociais, que se configuraram como “un conjunto de las normas a través de las cuales el Estado lleva a cabo sua función equilibradora y moderadora de las desigualdades sociales.”[26]

Já os direitos de terceira dimensão tem “como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem-indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos.”[27] Assim, a titularidade deixa de ser do indivíduo e passa a ser coletiva. O direito à paz, ao meio ambiente, à qualidade de vida, à conservação do patrimônio histórico e a autodeterminação dos povos estão entre os direitos de terceira dimensão, que também são chamados de direitos de solidariedade ou de fraternidade em razão do seu caráter universal.

Os direitos de uma dimensão não substituem uns aos outros, ao contrário, se complementam. A educação, objeto de estudo deste artigo, como já referido, compõe o rol dos direitos de segunda dimensão.

2 A educação como direito fundamental

A educação, direito fundamental do homem, é imprescindível para a sua formação, preparação para o trabalho e exercício da cidadania. Essa constatação já foi feita quando da Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1948, ao prever que todo homem tem direito à instrução, sendo a instrução elementar gratuita e obrigatória. O art. 26,

3795

inciso 2, da referida Declaração, determina que a instrução seja orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais. Já no seu Preâmbulo, a Declaração prevê que a sua consecução se dará pelo ensino e pela educação.

De acordo com Peces-Barba[28], a educação é um dos principais instrumentos para conscientização acerca da importância dos direitos, do seu significado e do seu alcance, lembrando que a Declaração Universal dos Direitos Humanos aponta que entre as causas de desrespeito e ofensas aos direitos humanos, está o desconhecimento. Constituições de diversos países têm, em seus textos, a educação como um direito fundamental.

Para a concretização do direito fundamental à educação, o amparo constitucional é essencial, como destaca Moraes[29], o estabelecimento de constituições escritas está ligado aos direitos do homem, objetivando o estabelecimento de limites ao poder político e incorporando seus direitos subjetivos em normas formalmente básicas. Normas essas que orientarão todo o ordenamento jurídico de um país. Conforme Miranda, “qualquer Estado, seja qual for o tipo histórico a que se reconduza, requer ou envolve institucionalização jurídica do poder; em qualquer Estado podem recortar-se normas fundamentais em que assenta todo o seu ordenamento.”[30]

Em qualquer Estado, em qualquer época e lugar (repetimos), encontra-se sempre um conjunto de regras fundamentais, respeitantes à sua estrutura, à sua organização e à sua actividade – escritas ou não escritas, em maior ou menor número, mais ou menos simples ou complexas. Encontra-se sempre uma Constituição como expressão jurídica do enlace entre poder e comunidade política ou entre sujeitos e destinatários do poder. Todo Estado carece de uma Constituição como enquadramento da sua existência, base e sinal da sua unidade, esteio de legitimidade e de legalidade.[31]

Quando uma Constituição acolhe em seu texto a educação como um direito de todos e dever do Estado, como acontece com a atual Constituição brasileira, significa, conforme Silva[32], “elevar a educação à categoria de serviço público essencial que o Poder Público impende possibilitar a todos, daí a preferência constitucional pelo ensino público”, sendo a iniciativa privada secundária e condicionada ao atendimento das leis regulamentadoras e ao preenchimento dos requisitos exigidos pelo Poder Público.

No Brasil, o direito fundamental à educação está assegurado constitucionalmente no artigo 6º, juntamente com os demais direitos sociais, e em capítulo específico, nos artigos 205 a 214. A partir da leitura do artigo 205, que diz que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, é possível compreender a dimensão do mesmo e sua importância para a concretização do modelo de Estado democrático que se pretende.

3796

Para garantir que todos os cidadãos tenham uma educação de qualidade que possibilite o exercício da cidadania, indispensável para a construção de uma sociedade democrática, o próprio texto constitucional estabelece as condições, organização e estrutura do sistema educacional, as regras de participação dos entes federados e a elaboração de um plano nacional de educação, elencando os princípios que servirão de base para o ensino - art. 206; a forma através da qual o Estado efetivará o seu dever para com a educação - art. 208; a forma de elaboração dos sistemas de ensino da União, Estados, Distrito Federal e Municípios - art. 211; a destinação de recursos para o desenvolvimento do ensino – art. 212; e a exigência do Plano Nacional de Educação - art. 214.

No mesmo diploma legal, no capítulo dedicado à família, o art. 227 determina que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade de convivência familiar e comunitária.

A educação é uma das condições necessárias para se usufruir de outros direitos constitutivos do estatuto da cidadania. Oliveira diz que o ensino fundamental obrigatório constitui-se, ao mesmo tempo, num direito e numa dupla obrigatoriedade. Direito que o cidadão tem de acesso à educação e dupla obrigatoriedade porque é dever do Estado garantir a efetivação desse direito e dever dos pais ou responsáveis em provê-la, pois mandar os filhos à escola não é uma prerrogativa de que eles dispõem. Trata-se de um dever.[33]

A educação é um direito fundamental social e engloba, conforme Schulte, “o desenvolvimento cultural da personalidade, formação profissionalizante, bem como direitos de acesso a pessoas socialmente menos favorecidas a possibilidades de desenvolvimento social e cultural.”[34] Todavia, aponta o autor, a garantia desse direito tem sua eficácia apoiada na legislação infraconstitucional, sem a qual ele não se efetiva. Sendo um direito social, a atuação do Estado depende da implementação, pelos órgãos públicos, dos mecanismos de garantia do mesmo.

Em sendo um direito fundamental do homem, a educação é indisponível e está garantida desde seu nascimento, sendo que o dever de efetivá-lo é do Estado. As políticas públicas em educação visam atingir esse fim, qual seja, o de atender as demandas existentes e dar eficácia ao direito fundamental à educação. O Estado atuará a partir delas.

Sarlet[35] traz à tona a discussão sobre a fundamentalidade dos dispositivos constitucionais que regulam o tema da educação. Para o autor, nem todos os artigos que tratam do assunto podem ser caracterizados como fundamentais.

[...] não há como deixar de considerar que a problemática da eficácia do direito social à educação depende, em muito, da circunstância de se ter, ou não, certeza sobre a fundamentalidade dos diversos preceitos e, em conseqüência, do complexo de normas que constituem o núcleo essencial do direito à educação, aqui tido no seu sentido mais amplo[36].

3797

Segundo o autor os arts. 205 a 208 integram a essência do direito fundamental à educação, enquanto os arts. 209 a 211 tem cunho organizacional e procedimental e, portanto, tem o mesmo status constitucional das demais normas. Os arts. 212 e 213 tem caráter geral, estabelecendo a participação de cada ente federado no financiamento da educação e as diretrizes para a aplicação dos recursos públicos. O art. 214 determina a elaboração de um plano nacional de educação. Dessa forma, esses artigos – do 209 ao 214 – não tem a mesma fundamentalidade dos demais, pois como bem lembra Sarlet, não é “apenas pelo fato de guardarem relação direta com determinado direito fundamental social, que passam a compartilhar a fundamentalidade formal e material deste”[37].

De qualquer sorte, independentemente de quais dispositivos específicos integrem ou não o rol dos direitos fundamentais, o art. 205 confere à educação a condição de direito fundamental do homem, assegurando que a mesma seja tratada como tal, seja pelo Estado, seja pela sociedade.

Tamanha é a proteção do direito fundamental à educação que os cidadãos, ao verem seus direitos consagrados serem desrespeitados, dispõem de mecanismos para acionar o Estado e exigir dele a prestação, em muitos casos através do Poder Judiciário. Exemplos são fartos nesse sentido e decisões recentes dos Tribunais de Justiça[38], tem destacado a força do dispositivo constitucional que garante o oferecimento de ensino a todas as crianças e adolescentes, inclusive rechaçando a alegação de falta de dotação orçamentária como pretexto para o não oferecimento de vagas.

Mais ainda, o entendimento do Poder Judiciário é de que o direito à educação não pode estar sujeito à discricionaridade do administrador, visto que é um direito assegurado constitucionalmente e não compete ao administrador, seja na esfera que for, decidir sobre a sua efetivação ou não.

Também o Supremo Tribunal de Justiça – STJ –tem decisões nesse sentido e que reforçam a obrigatoriedade do Poder Público em oferecer o ensino. Inclusive, tem se posicionado a favor da legitimidade do Ministério Público para ingressar com a ação em nome da coletividade, defendendo assim os interesses da coletividade, quando isso se fizer necessário.[39]

Para Fux[40], o direito à educação, insculpido na Constituição Federal, é direito indisponível, em função do bem comum maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria. Para ele, a Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso que cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a um segundo plano. Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, não pode relegar o direito à educação das crianças a um plano diverso daquele que o coloca, como uma das mais belas e justas garantias constitucionais.

3798

No mesmo sentido, a posição do Supremo Tribunal Federal – STF – é de garantir o direito fundamental à educação. O órgão entende, também, que o Ministério Público tem legitimidade para exigir o cumprimento desse dever por parte do Estado, visto que o mesmo age em nome da coletividade.[41]

Por se tratar de um direito fundamental, o direito à educação é indisponível. Basta o seu não atendimento para que o Estado seja acionado e impelido a garanti-lo. Neste sentido, a sociedade, em geral, é legítima para exigir seu cumprimento.

3 A implementação das Políticas Públicas para efetivação do direito fundamental à educação

As políticas públicas representam a forma de atuação do Estado no sentido de efetivar os direitos dos seus cidadãos. A garantia da educação a todas as pessoas, independente de idade ou de condições econômicas ou sociais deve, portanto, ser alvo das políticas públicas estatais.

A participação da sociedade é imprescindível neste processo, que vai desde a constatação da necessidade de implementar determinada política, passando pela sua elaboração, efetivação e avaliação. A partir da participação se pode determinar, de modo pontual, as necessidades prementes que devem ser sanadas. A atuação da sociedade dependerá do estoque de capital social de que dispõe e do comprometimento que tiver em relação à formação plena das crianças e adolescentes.

Ademais, a participação está condicionada aos mecanismos de participação abertos pelo Estado. É preciso, portanto, que o Estado adote mecanismos que permitam a participação, em todos os níveis. Do contrário, em uma gestão centralizadora, pouco será o espaço de participação decisiva do qual a sociedade poderá fazer uso.

Mesmo estando consagrado que a educação é um dos principais instrumentos de construção da cidadania e essencial para a concretização dos direitos que permitem a inserção do indivíduo na sociedade, Martins[42] destaca que o princípio constitucional de escola para todos ainda não foi integralmente cumprido. No seu entender, a educação é o “instrumento social básico que possibilita ao indivíduo a transposição da marginalidade para a materialidade da cidadania.”[43]

A política educacional é um exemplo de como o Estado procura produzir uma aparência de igualdade de oportunidades e neutralidade, quando elas estão ligadas no movimento de uma economia regulada pelo lucro. O Estado surge de uma relação de iguais, como se emanasse da vontade e dos interesses individuais e não de classe, como poder materializado no direito e nas instituições, constituído por todos os sujeitos sociais, indistintamente. Apresentando-se como elemento neutro, benfeitor/protetor das classes sociais, passa a ser a garantia do trabalhador assalariado e não apenas da burguesia[44].

3799

A atuação do Estado no sentido de assegurar a efetivação dos direitos fundamentais se dá através das políticas públicas. A responsabilidade primeira é do Estado, mas nem por isso a sociedade pode ser omissa. Todos, sociedade e governo, tem uma parcela importante de responsabilidade no sentido de elaborar e desenvolver políticas públicas.

O processo de formulação de uma política envolve a identificação dos diversos atores e dos diferentes interesses que permeiam a luta por inclusão de determinada questão na agenda pública e, posteriormente, a sua regulamentação como política pública. Assim, pode-se perceber a mobilização de grupos de representantes da sociedade civil e do Estado que discutem e fundamentam suas argumentações, no sentido de regulamentar direitos sociais e formular uma política pública que expresse os interesses e as necessidades de todos os envolvidos[45].

Deste modo, a participação da sociedade na elaboração e implementação das políticas públicas é fundamental. O Estado, para Correa, enquanto representação idealizada do espaço público assume forma jurídica e é delimitada pelo direito. Para alcançar seus fins, o Estado necessita de mecanismos materiais, sem os quais não consegue materializar suas ações. Assim, o espaço público simbólico somente tem sentido enquanto “se materializar em medidas concretas, em políticas públicas estabelecidas não meramente de cima para baixo, mas resultantes da relação de forças dos diversos poderes em conflito.”[46] Daí a necessidade da participação de todos os cidadãos, representando os diversos segmentos sociais e os mais variados interesses e necessidades.

A participação pode se concretizar, segundo Dagnino, a partir da implementação de conselhos, fóruns, câmaras setoriais, orçamentos participativos. Todavia, “a referência ao Estado permanece presente, há uma dimensão adicional que enfatiza a organização e o fortalecimento dos próprios atores da sociedade civil e da sua articulação”[47], o que exige o aprendizado de uma nova cultura de direitos.

E aqui, ao se falar em Estado, não está se falando de determinado ente federado, mas sim de uma “relação de cooperação e complementaridade entre União, Estados e Municípios no desenvolvimento de ações compartilhadas com a sociedade civil”[48], que se traduz nas parcerias entre governo e sociedade civil e que objetivam assegurar a qualidade dos serviços prestados e o atendimento das necessidades que se buscam sanar.

A garantia da implementação das políticas públicas se dá, a partir de um novo ordenamento da gestão das políticas, com os fundos especiais, que são, na verdade, os instrumentos de gestão financeira e que permitem tornar transparente e democrática a utilização dos recursos disponibilizados para determinada política pública.

A participação da sociedade, portanto, é imprescindível. Todavia, o papel da comunidade “não é substituir o Estado, liberá-lo de suas atribuições constitucionais, postar-se sob sua tutela, mas se organizar de maneira competente para fazê-lo

3800

funcionar.”[49] Há, desse modo, uma relação de reciprocidade e solidariedade. Estado e sociedade tem o dever de assegurar a educação a todos.

A participação da sociedade tem âmbitos diferentes de atuação: ora atuando de forma voluntária, quando da elaboração das políticas; ora atuando como fiscal das mesmas, exercendo o seu poder de controle social. As políticas públicas são ações do Poder Público para atender aos seus cidadãos, através de um conjunto de estratégias de implementação de determinadas decisões. Quanto maior a participação da sociedade, seja na elaboração ou na implementação e fiscalização, maior será a eficácia das mesmas, porque elas representam o que verdadeiramente determinada parcela da sociedade quer.

A participação é fundamental para “institucionalizar relações mais diretas, flexíveis e transparentes que reconheçam os direitos dos cidadãos”[50] permitindo o exercício da cidadania ativa, a partir da qual o cidadão se instrumentalize para questionar a ordem estabelecida e participe na gestão da coisa pública. Desta forma, a sociedade civil poderá se engajar na formulação de políticas públicas e no controle das ações governamentais.

Mas não é qualquer forma de participação que se quer e sim uma participação consolidada “na medida em que viabiliza a capacidade dos grupos de interesse para influenciar, direta ou indiretamente, a formulação e a gestão de políticas públicas.”[51]

Através da participação da sociedade civil como um todo é possível a superação das desigualdades econômicas, políticas e culturais que caracterizam a realidade atual e que se constituem em uma ameaça ao desenvolvimento humano e comprometem o pleno exercício da cidadania. Para que ocorra a participação, é preciso, contudo, que os espaços para tanto sejam abertos, e que a participação não seja meramente no campo formal, mas sim que seja efetiva, no sentido de buscar alternativas de solução para os problemas que surgem.

Nesse sentido, Jabobi destaca que o desafio maior é romper com a lógica clientelista que permeia a relação entre o Estado e a sociedade. Cabe ao primeiro a criação dos espaços democráticos e plurais de articulação e participação “dando acesso ao processo decisório e garantindo uma interação entre esses grupos e o poder público, embora isso possa colidir com a dinâmica que frequentemente preside a gestão e sua pretensa racionalidade.”[52] Mas a participação não representa tão somente o espaço para a resolução de problemas dos excluídos e sem acesso aos serviços públicos.

A alternativa de participação representa a possibilidade concreta não apenas de garantir equanimidade na distribuição dos recursos públicos, mas também de estabelecer as regras de reciprocidade e de transformação sociocultural na dinâmica assimétrica que caracteriza as relações entre Estado e sociedade, reforçando assim o papel de sujeitos-cidadãos que reclamam um processamento político de suas demandas globais e que influenciam diretamente na definição de diretrizes e na formulação de políticas públicas[53].

3801

O acesso à formulação das políticas públicas implica numa outra concepção de projeto político, diferente daquele existente e que demonstrou que não tem condições de solucionar os problemas atuais que se apresentam. O novo projeto político pressupõe a participação da sociedade civil no espaço público. Entretanto, para que se concretize esse modelo, Dagnino destaca a necessidade de resgatar o caráter público que devem ter as políticas públicas e de reconhecer que os conflitos são inerentes a esse processo. Assim, não é possível pensar em hegemonia, porque não há como afastar os conflitos. Os espaços de formulação de políticas também “representam um avanço democrático precisamente na medida em que publicizam o conflito e oferecem procedimentos e espaço para que ele seja tratado legitimamente.”[54] Do contrário, a ausência desses espaços públicos “facilita a tomada de decisões e a formulação de políticas através de um exercício autoritário do poder, onde o Estado ignora e deslegitima o conflito ou o trata nos espaços privados dos gabinetes, com os que a eles têm acesso.”[55]

Considerações finais

A educação, classificada como um direito fundamental de segunda dimensão, é essencial para o exercício dos demais direitos fundamentais. Esta é uma ideia que vem se consolidando, especialmente no último século. Tanto o Estado quanto a sociedade tem entendido que a questão da educação perpassa todos as dimensões de direito, irradiando reflexos no campo social e econômico.

O status de direito fundamental conferido à educação, tanto por documentos internacionais quanto pelos ordenamentos jurídicos nacionais, ratifica que é a partir da educação que o homem se desenvolve e se qualifica para o trabalho e, deste modo, tem a possibilidade de exercer plenamente os seus direitos e a sua cidadania.

A discussão sobre a importância das políticas públicas para a efetivação do direito fundamental à educação e construção da cidadania demonstra que a educação é a política pública mais eficaz para o desenvolvimento da cidadania. Mas não basta apenas essa constatação: é preciso que as mesmas sejam implementadas pelos governos, com o apoio e a participação da sociedade.

A proteção à educação sempre esteve presente nos textos constitucionais brasileiros, o que demonstra a importância da mesma para o desenvolvimento do País. Porém, a mesma, nunca teve a proteção como a que recebeu na atual Constituição. As Constituições anteriores a 1988, especialmente a de 1824 e de 1891, determinavam, de modo geral, a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino público. Essas determinações, em razão da sua importância, mantiveram-se em todos os textos constitucionais que vieram a seguir. O texto de 1934 dispõe que o Poder Público é responsável pelo oferecimento do ensino a todos. Em 1946, pela primeira vez, foram elencados os princípios que deveriam embasar o ensino brasileiro e que serviriam de norte para toda a legislação educacional que veio posteriormente, mantendo seus reflexos ainda nos dias atuais. A Constituição de 1967 não trouxe novidades no tocante ao tema, praticamente repetindo os dispositivos do texto anterior.

3802

É o texto constitucional de 1988 que dispensa uma atenção especial à educação. Primeiro, elenca-a junto com os direitos sociais no art. 6º e depois, em capítulo específico, define os objetivos e princípios que servirão de norte para o desenvolvimento da mesma. E mais, é nessa carta constitucional que a educação torna-se dever não apenas do Estado, mas também da família e da sociedade. Ao Estado compete a elaboração e a implementação das políticas públicas educacionais, a serem desenvolvidas em cooperação com as famílias e a comunidade.

Estado, família e sociedade têm o dever de atuar conjuntamente no sentido de buscar a concretização do direito fundamental à educação que possibilitará a construção e o exercício da cidadania, conforme previsão do art. 205 da Carta Magna. A participação da sociedade civil, por si só, configura-se como uma forma de efetivo exercício da cidadania porque, ao participar, o cidadão está exercendo, de um lado, o direito a exigir do Estado a educação fundamental pública e gratuita e, de outro, está cumprindo com o seu dever como membro pertencente à coletividade e, como tal, responsável pela proteção dos direitos de todos.

A atuação do Estado, no sentido de efetivar o direito fundamental à educação dar-se-á a partir das políticas públicas. Contudo, a participação da sociedade é imprescindível. E a concretização desta participação depende dos espaços abertos pelo poder público, o que configura uma nova concepção de administração, onde a participação não tem apenas o caráter de legitimadora das decisões que são tomadas exclusivamente por aqueles ligados diretamente aos centros de decisão.

Essa participação é resultado de um processo que envolve o sentimento de pertencimento e, em decorrência disso, do sentimento de responsabilidade pelo desenvolvimento econômico e social da comunidade. Quanto maior for o nível de participação, mais sólidos esses sentimentos se tornarão e, quanto mais fortes os sentimentos, maior o nível de envolvimento e de participação e maiores as chances das políticas públicas alcançarem os seus objetivos.

As políticas públicas representam, portanto, a alternativa possível para efetivação do direito fundamental à educação.

Referências

BARRETO, Vicente de Paulo. Reflexões sobre os direitos sociais. In: SARLET, Ingo (Org.) Direitos fundamentais sociais: estudos de direito constitucional, internacional, comparado. Rio de Janeiro; Renovar, 2003.

CARVALHO, Alysson; SALLES, Fátima; GUIMARÃES, Marília e UDE, Walter (org.). Políticas Públicas. Belo Horizonte: UFMG, Proex, 2002.

3803

CORREA, Darcísio. A construção da cidadania – reflexões histórico-políticas. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2000.

CUNHA, Edite da Penha e CUNHA, Eleonora Schettini M. Políticas Públicas sociais. In: CARVALHO, Alysson; SALLES, Fátima; GUIMARÃES, Marília e UDE, Walter (org.). Políticas Públicas. Belo Horizonte: UFMG, Proex, 2002.

DAGNINO, Evelina (org.). Sociedade Civil e Espaços Públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

JACOBI, Pedro. Poli.ticas sociais e ampliação da cidadania. Rio de Janeiro: FGV, 2000.

MARTINS, Rosilda Baron. Educação para a cidadania: o projeto político-pedagógico como elemento articulador. In: VEIGA, Ilma P. A.; RESENDE, Lúcia Maria G.de (orgs.) Escola: espaço do projeto político-pedagógico. Campinas, SP: Papirus 1998.

MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Tradução da Edição Portuguesa. Rio de Janeiro, Forense: 2002.

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2005.

OLIVEIRA, Romualdo Portela de. O direito à educação. In: OLIVEIRA, Romualdo P. de; ADRIÃO, Theresa (orgs.) Gestão, financiamento e Direito à educação – análise da LDB e da Constituição Federal. São Paulo: Xamã, 2001.

PECES-BARBA, Gregório. Educación para la ciudadanía y derechos humanos. Madrid: Editorial Espasa Calpe, 2007.

3804

PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución. Madrid: Editorial Tecnos, 2005.

PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Los derechos fundamentales. Madrid: Editorial Tecnos 2005.

SARLET, Ingo (Org.) Direitos fundamentais sociais: estudos de direito constitucional, internacional, comparado. Rio de Janeiro; Renovar, 2003.

SCHULTE, Bernd. Direitos Fundamentais, segurança social e proibição de retrocesso. In: SARLET, 2003.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.

VEIGA, Ilma P. A.; RESENDE, Lúcia Maria G.de (orgs.) Escola: espaço do projeto político-pedagógico. Campinas, SP: Papirus 1998.

[1] Professor do Programa de Pós-Graduação – Mestrado e Doutorado – em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC.

[2] Mestranda em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Bolsista da CAPES.

[3] MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2005.

[4] PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Los derechos fundamentales. Madrid: Editorial Tecnos 2005, p. 316.

[5] Ibidem, p. 20.

[6] SCHULTE, Bernd. Direitos Fundamentais, segurança social e proibição de retrocesso. In: SARLET, 2003, p. 301.

3805

[7] BARRETO, Vicente de Paulo. Reflexões sobre os direitos sociais. In: SARLET, 2003, p. 123.

[8] Ibidem, p. 123.

[9] SARLET, Ingo. A eficácia dos Direitos Fundamentais.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 66.

[10] DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 54.

[11] SARLET, 2003, p. 64.

[12] DIMOULIS, 2007, p. 26.

[13] Ibidem, p. 54.

[14] Ibidem, p. 56.

[15] PÉREZ LUÑO, 2006, p. 265.

[16] O termo geração pode conduzir ao entendimento equivocado de que os direitos fundamentais se sucedem no tempo, ou seja, uma geração substituindo a outra. O que ocorre é um processo de complementariedade ou acumulação de direitos, onde os direitos de uma dimensão vão se agregando aos da anterior, e assim sucessivamente, o que justifica a opção pelo termo dimensão.

[17] SARLET, 2003.

[18] PECES-BARBA, Gregório. Educación para la ciudadanía y derechos humanos. Madrid: Editorial Espasa Calpe, 2007 2007, p. 171.

[19] Ibidem, p. 172.

[20] SARLET, 2003, p. 52

[21] Ibidem, p. 53.

[22] BARRETO, 2003, p. 124.

[23] Ibidem, p. 110.

[24] Ibidem, p. 110.

[25] PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución. Madrid: Editorial Tecnos, 2005, p. 85.

[26] Ibidem, p. 86.

[27] SARLET, 2003, p. 53.

3806

[28] PECES-BARBA, 2006, p. 181.

[29] MORAES, 2005.

[30] MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Tradução da Edição Portuguesa. Rio de Janeiro, Forense: 2002, p. 319.

[31] MIRANDA, 2002, p. 323.

[32] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.

[33] OLIVEIRA, Romualdo Portela de. O direito à educação. In: OLIVEIRA, Romualdo P. de; ADRIÃO, Theresa (orgs.) Gestão, financiamento e Direito à educação – análise da LDB e da Constituição Federal. São Paulo: Xamã, 2001.

[34] SCHULTE, 2003, p. 303.

[35] SARLET, 2003.

[36] SARLET, 2003, p. 317.

[37] SARLET, 2003, p. 318.

[38]AGRAVO DE INSTRUMENTO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. MUNICÍPIO DE MONTENEGRO. MEDIDA PROTETIVA. EDUCAÇÃO INFANTIL. VAGA EM CRECHE OU PRÉ-ESCOLA. DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL. GARANTIA CONSTITUCIONAL DE ACESSO À EDUCAÇÃO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INOCORRÊNCIA. PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA. DESNECESSIDADE. MULTA. CABIMENTO PARA O CASO DE DESCUMPRIMENTO DA LIMINAR. REDUÇÃO DO QUANTUM. 1) Correta se ostenta a decisão que deferiu a antecipação de tutela, porque preenchidos os requisitos de prova inequívoca do direito alegado e da irreparabilidade de dano, já que compete ao Poder Público garantir o direito à educação básica a toda e qualquer criança. É dever do poder público municipal assegurar atendimento em creche ou pré-escola, nos termos do inciso IV do art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente e do inciso IV do art. 208 da Constituição Federal, porquanto se trata de direito fundamental social. 2) Tratando-se o direito à educação de obrigação estatal, despiciendas as alegações de ausência de verbas ou de falta de previsão orçamentária, dado que o direito invocado não pode se sujeitar à discricionariedade do administrador. Tampouco há falar em violação ao princípio da separação dos poderes, porquanto ao Judiciário compete fazer cumprir as leis. Agravo de instrumento desprovido. (Agravo de Instrumento Nº 70018866178, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 09/04/2007).

[39] PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITO CONSTITUCIONAL À CRECHE, AOS MENORES DE ZERO A SEIS ANOS. OBRIGAÇÃO DE FAZER. EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO COLENDO STF.

3807

1. O acórdão embargado reconheceu, ex officio, a ilegitimidade do Ministério Público para, via ação civil pública, defender interesse individual de menor, visto que, na referida ação, atua o Parquet como substituto processual da sociedade e, como tal, pode defender o interesse de todas as crianças do Município para terem assistência educacional, configurando a ilegitimidade quando a escolha se dá na proteção de um único menor. 2. “Sendo a educação um direito fundamental assegurado em várias normas constitucionais e ordinárias, a sua não-observância pela administração pública enseja sua proteção pelo Poder Judiciário” (AgReg no RE nº 463210/SP, 2ª Turma, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ de 03/02/2006).

[40] REsp nº. 736524/SP/2005/0044941-4, de 21/03/2006, publicado no DOU em 03/04/2006, p. 256.

[41] Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos, está o Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal." (RE 163.231, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 26-2-97, DJ de 29-06-2001).

[42] MARTINS, Rosilda Baron. Educação para a cidadania: o projeto político-pedagógico como elemento articulador. In: VEIGA, 1998.

[43] Ibidem, p. 50.

[44] Ibidem, p. 51.

[45] CUNHA, Edite da Penha e CUNHA, Eleonora Schettini M. Políticas Públicas sociais. In: CARVALHO, Alysson; SALLES, Fátima; GUIMARÃES, Marília e UDE, Walter (org.). Políticas Públicas. Belo Horizonte: UFMG, Proex, 2002, p. 15.

[46] CORREA, Darcísio. A construção da cidadania – reflexões histórico-políticas. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2000 2000, p. 224.

[47] DAGNINO, 2002.

[48] CUNHA, 2002, p. 18.

[49] MARTINS, 1998, p. 53.

[50] JACOBI, Pedro. Politicas sociais e ampliação da cidadania. Rio de Janeiro: FGV, 2000, p. 30.

[51] Ibidem, p. 32.

[52] JACOBI, 2000, p. 33.

[53] Ibidem, p. 34.

3808

[54] DAGNINO, 2002, p. 300.

[55] Ibidem, p. 300.

3809

A EMERGÊNCIA DO CONCEITO DE STAKEHOLDERS NA EDUCAÇÃO E SUAS IMPLICAÇÕES NO ENSINO JURÍDICO*

THE EMERGENCE OF THE STAKEHOLDER’S CONCEPT IN EDUCATION AND ITS INPLICATION IN THE JURIDICAL TAUGHT

Vivian Bacaro Nunes Soares Raquel Cristina Ferraroni Sanches

RESUMO

O atual estágio de desenvolvimento econômico confirma a insuficiência dos modelos tradicionais do ensino jurídico, os paradigmas tradicionais são questionados, a necessidade de novos padrões de referência é evidente. À medida que o conhecimento foi se tornando um fator central de produção, os setores econômicos passaram a exercer uma pressão considerável sobre as instituições de ensino superior no que diz respeito à produção e transferência de conhecimento, à formação de recursos humanos, em suma, a tudo o que diz respeito à sua relevância econômica. Desta forma, busca-se evidenciar a necessidade de que as instituições de ensino jurídico se voltem à formação acadêmica, com forte incentivo à pesquisa, ao pensamento crítico, enfim, à verdadeira construção do conhecimento, abrindo mão de metodologias de ensino tradicionais em que o discente se limita a reproduções constantes em manuais. O objetivo central do presente trabalho é possibilitar uma melhor compreensão do ensino jurídico no contexto de transformações econômicas, sociais, políticas e tecnológicas, de forma a demonstrar a necessidade de reflexão sobre a metodologia do ensino do Direito, bem como a análise da emergência do conceito de STAKEHOLDER no ensino jurídico, uma vez que, fora da realidade social, o direito perde sua essência. O desenvolvimento de instrumentos adequados para capacitar professores na formação de alunos capazes de manipular as teorias apreendidas de maneira a maximizar a sua eficiência diante dos problemas práticos, só será possível com a ruptura de velhos paradigmas e experimentação de novos métodos no ensino jurídico e, através da possibilidade de participação de terceiros interessados na estrutura das instituições de ensino jurídico, o que se denomina stakeholders.

PALAVRAS-CHAVES: EDUCAÇÃO; ENSINO JURÍDICO; STAKEHOLDERS; TRANSFORMAÇÕES ECONÔMICAS.

ABSTRACT

The present stage of economical development confirms the inadequacy of the traditional models of the juridical teaching, the traditional paradigms are questioned and the need for new models of reference is evident. As the knowledge was turning into a central factor of production, the economical areas started to pressure considerable the higher education institutions in what says respect to the knowledge production transfer, to the

* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.