Poluição sonora - Vizinhança - Condomínio - STJ

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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.096.639 - DF (2008/0218651-2) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : COMERCIAL SÃO PATRÍCIO LTDA ADVOGADO : SÉRGIO PERES FARIAS E OUTRO(S) RECORRIDO : JONNALDO JOSÉ DE OLIVEIRA ADVOGADO : DEIVISON FREIRE E OUTRO(S) INTERES. : CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO AVENIDA SHOPPING EMENTA DIREITO CIVIL. VIZINHANÇA. CONDOMÍNIO COMERCIAL QUE ADMITE UTILIZAÇÃO MISTA DE SUAS UNIDADES AUTÔNOMAS. INSTALAÇÃO DE EQUIPAMENTO POR CONDÔMINO QUE CAUSA RUÍDO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. DANO MORAL FIXADO EM QUANTUM RAZOÁVEL. - O exercício de posições jurídicas encontra-se limitado pela boa-fé objetiva. Assim, o condômino não pode exercer suas pretensões de forma anormal ou exagerada com a finalidade de prejudicar seu vizinho. Mais especificamente não se pode impor ao vizinho uma convenção condominial que jamais foi observada na prática e que se encontra completamente desconexa da realidade vivenciada no condomínio. - A 'suppressio', regra que se desdobra do princípio da boa-fé objetiva, reconhece a perda da eficácia de um direito quando este longamente não é exercido ou observado. - Não age no exercício regular de direito a sociedade empresária que se estabelece em edifício cuja destinação mista é aceita, de fato, pela coletividade dos condôminos e pelo próprio Condomínio, pretendendo justificar o excesso de ruído por si causado com a imposição de regra constante da convenção condominial, que impõe o uso exclusivamente comercial, mas que é letra morta desde sua origem. - A modificação do quantum fixado a título de compensação por danos morais só deve ser feita em recurso especial quando aquele seja irrisório ou exagerado. Recurso especial não conhecido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda e Sidnei Beneti votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília (DF), 09 de dezembro de 2008(data do julgamento) MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora Documento: 847273 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 12/02/2009 Página 1 de 10

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.096.639 - DF (2008/0218651-2)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHIRECORRENTE : COMERCIAL SÃO PATRÍCIO LTDA ADVOGADO : SÉRGIO PERES FARIAS E OUTRO(S)RECORRIDO : JONNALDO JOSÉ DE OLIVEIRA ADVOGADO : DEIVISON FREIRE E OUTRO(S)INTERES. : CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO AVENIDA SHOPPING

EMENTA

DIREITO CIVIL. VIZINHANÇA. CONDOMÍNIO COMERCIAL QUE ADMITE UTILIZAÇÃO MISTA DE SUAS UNIDADES AUTÔNOMAS. INSTALAÇÃO DE EQUIPAMENTO POR CONDÔMINO QUE CAUSA RUÍDO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. DANO MORAL FIXADO EM QUANTUM RAZOÁVEL. - O exercício de posições jurídicas encontra-se limitado pela boa-fé objetiva. Assim, o condômino não pode exercer suas pretensões de forma anormal ou exagerada com a finalidade de prejudicar seu vizinho. Mais especificamente não se pode impor ao vizinho uma convenção condominial que jamais foi observada na prática e que se encontra completamente desconexa da realidade vivenciada no condomínio.- A 'suppressio', regra que se desdobra do princípio da boa-fé objetiva, reconhece a perda da eficácia de um direito quando este longamente não é exercido ou observado. - Não age no exercício regular de direito a sociedade empresária que se estabelece em edifício cuja destinação mista é aceita, de fato, pela coletividade dos condôminos e pelo próprio Condomínio, pretendendo justificar o excesso de ruído por si causado com a imposição de regra constante da convenção condominial, que impõe o uso exclusivamente comercial, mas que é letra morta desde sua origem.- A modificação do quantum fixado a título de compensação por danos morais só deve ser feita em recurso especial quando aquele seja irrisório ou exagerado.Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda e Sidnei Beneti votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 09 de dezembro de 2008(data do julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.096.639 - DF (2008/0218651-2)

RECORRENTE : COMERCIAL SÃO PATRÍCIO LTDA ADVOGADO : SÉRGIO PERES FARIAS E OUTRO(S)RECORRIDO : JONNALDO JOSÉ DE OLIVEIRA ADVOGADO : DEIVISON FREIRE E OUTRO(S)INTERES. : CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO AVENIDA SHOPPING

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por Comercial São Patrício Ltda.,

com fundamento no art. 105, inciso III, alínea “a” da Constituição Federal, contra

acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.

Ação: Jonnaldo José de Oliveira, ora recorrido, ajuizou ação possessória

em face da recorrente e do Condomínio do Edifício Avenida Shopping, alegando, em

síntese, que é locatário do imóvel no qual reside e que, após o início da locação, sua

vizinha, a recorrente, fez instalar, sobre o teto do edifício e imediatamente acima de sua

residência, equipamento que funciona ininterruptamente, produzindo ruído e vibrações

que afetam sua qualidade de vida. Requereu que a recorrente seja proibida de utilizar o

equipamento e que lhe sejam ressarcidos os danos morais sofridos.

Sentença: Julgou improcedentes os pedidos, por considerar que a

convenção de condomínio estabelece a finalidade exclusivamente comercial do edifício e

que só há barulho acima do tolerável à noite.

Acórdão: O Tribunal de origem, por maioria de votos, deu parcial

provimento à apelação então interposta pelo recorrido, para condenar a recorrente e o

Condomínio do Edifício Avenida Shopping no pagamento de danos morais que fixou em

R$15.000,00. O pedido de abstenção de uso do equipamento foi julgado prejudicado,

porque, no curso do processo, o recorrido deixou o imóvel, pondo fim ao contrato de

locação. O acórdão trouxe a seguinte ementa:

“DIREITO CIVIL. RELAÇÕES DE VIZINHANÇA. PRINCÍPIOS DA

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RAZOABILIDADE E DA NORMALIDADE. RUÍDOS EXCESSIVOS E CONSTANTES. DANO MORAL CARACTERIZADO. I. As relações de vizinhança devem ser pautadas pelo respeito mútuo, pela lealdade e pela boa-fé. O exercício das prerrogativas dominiais e possessórias não pode extravasar os limites da razoabilidade e da normalidade de molde a prejudicar a segurança, o sossego e a saúde das pessoas que habitam os prédios vizinhos. II. O proprietário ou possuidor do imóvel deve eximir-se de atitudes nocivas à segurança, ao sossego e à saúde das pessoas que habitam o prédio ou a unidade vizinha, sob pena de incorrer em abuso de direito e, por conseguinte, de praticar ato ilícito. III. A previsão formal e isolada da convenção condominial quanto ao padrão comercial do prédio não desqualifica a destinação residencial que impera no campo dos fatos e do direito. Os direitos de vizinhança foram engenhados para a regulação das relações concretas e efetivas entre vizinhos, razão pela qual não podem ser desconsiderados simplesmente porque, em descompasso com a realidade, a convenção de condomínio estabelece a destinação unicamente comercial das unidades autônomas do edifício. IV. Se o equipamento destinado ao desempenho de atividades mercantis provoca ruídos constantes e comprovadamente acima dos padrões especificados pela legislação em vigor, não há como encobrir a exorbitância dos direitos do proprietário e a conseqüente vulneração dos direitos de vizinhança. V. Como direitos imanentes à pessoa humana, os direitos da personalidade contemplam sua integridade física, moral, psíquica, emocional e intelectual. No plano dos direitos da vizinhança, a lei ponderou os interesses envolvidos e priorizou a proteção ao sossego e à saúde sobretudo visando ao resguardo desses atributos da personalidade. VI. Afetados o sossego e a qualidade de vida pelo barulho e vibração incessantes provocados pelo maquinário indevidamente instalado, exsurge o dano moral pelo comprometimento da integridade física e psíquica do vizinho. VII. Recurso conhecido e parcialmente provido”.

Embargos Infringentes: O Tribunal de origem negou provimento aos

embargos infringentes em acórdão que trouxe a seguinte ementa:

“PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS INFRINGENTES – IMÓVEL – UTILIZAÇÃO RESIDENCIAL – OFENSA AO SOSSEGO E À TRANQUILIDADE – INDENIZAÇÃO – CABIMENTO. 1. Não merece prosperar o entendimento que se sustenta em simples reprodução literal da convenção condominial, quando provas contundentes dos autos demonstram que o imóvel utilizado pelo embargado, com fins residenciais, suportava excessiva produção de ruídos, em desacordo com as normas técnicas que regem a espécie. 2. A motivação comercial da empresa recorrente não tem o condão de revogar o direito ao sossego que o

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ordenamento protege com os melhores préstimos, na convivência entre vizinhos, o que torna devida a reparação de danos determinada nos doutos votos majoritários. 3. Embargos Infringentes conhecidos e não providos”.

Recurso Especial: Sustentou haver violação aos arts. 187, 1.228, §2o,

1.277, 1.332, III, CC. Afirmou que o recorrido reside irregularmente em imóvel

comercial, não tendo direito ao sossego e o silêncio típicos de área residencial. Os danos

morais, por outro lado, teriam sido fixados em valor exorbitante.

Juízo Prévio de Admissibilidade: O Tribunal de origem admitiu o recurso

especial, determinando a subida dos autos ao STJ.

É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.096.639 - DF (2008/0218651-2) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHIRECORRENTE : COMERCIAL SÃO PATRÍCIO LTDA ADVOGADO : SÉRGIO PERES FARIAS E OUTRO(S)RECORRIDO : JONNALDO JOSÉ DE OLIVEIRA ADVOGADO : DEIVISON FREIRE E OUTRO(S)INTERES. : CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO AVENIDA SHOPPING

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cinge-se a controvérsia a definir a responsabilidade do vizinho, em edifício

cuja convenção de condomínio estipula a utilização comercial, por danos morais em

razão de ruídos excessivos.

I. Violação aos arts. 187, 1.228, §2o, 1.332, III, e 1.277, CC/02.

O recorrido alugou imóvel localizado na área comercial do Setor Sudoeste,

em Brasília, para nele residir. A quitinete se encontra em edifício cuja convenção de

condomínio estipula a finalidade comercial dos imóveis. Após o início do contrato, um

de seus vizinhos, o recorrente, passou a explorar a atividade no ramo de supermercados

(Big Box), razão pela qual, com autorização do condomínio, fez instalar sobre o teto do

edifício equipamento que garante a refrigeração de suas câmaras frigoríficas.

Além de reconhecer tais fatos, o Tribunal de origem afirmou que o

equipamento realmente causa ruído excessivo e incômodo. Confira-se:

“Em dois 'autos de verificação', diligências realizadas por oficiais de justiça revelaram o incômodo, muitas vezes acentuado, do barulho oriundo do funcionamento da máquina de refrigeração (fls. 331/335).Não bastasse a veemência persuasiva dessas provas e circunstâncias, o laudo pericial constatou com invulgar precisão técnica que os ruídos e vibrações provocados pelo equipamento do primeiro apelado extravasam os limites máximos previstos nas normas técnicas de regência e comprometem a qualidade de vida do apelante. Principia a perita por esclarecer que 'o imóvel ocupado pelo Autor localiza-se logo abaixo do local em que foi instalado o motor de refrigeração das câmaras frigoríficas do supermercado da ré (sky rack), na cobertura do edifício, sobre a

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unidade 133. O motor funciona 24 horas por dia e o ruído produzido é percebido facilmente no corredor que dá acesso à kit studio, bem como em seu interior. O ruído é constante e varia de intensidade de acordo com a exigência dos refrigeradores do supermercado, bem como provoca vibrações no interior do imóvel'. (fl. 463).Note-se que foi utilizado como parâmetro 'área mista, com vocação comercial e administrativa' (fl. 464), cujo nível máximo de ruído tolerado é de 60dB no período diurno e 55dB no período noturno. Mesmo assim, as medições mostraram que 'os níveis de ruído verificados no local, tanto no período diurno quanto no período noturno, estão acima dos valores máximos determinados na norma técnica', conforme anotou a perita à fl. 467”. Em todas as suas manifestações a recorrente vem sustentando que sua

conduta é perfeitamente lícita, pois se encontra de acordo com as regras estipuladas na

convenção de condomínio, não havendo que se falar em abuso de direito.

O Tribunal de origem, em sensível análise da questão, superou as regras

condominiais, dando ênfase à realidade dos fatos a impor o reconhecimento de que,

naquele edifício, há uma área de uso misto. O acórdão bem indicou que, desde a

construção do edifício, o imóvel ocupado pelo recorrido era anunciado como uma

quitinete. A tarifa de luz e o IPTU cobrado também levam em conta o caráter residencial

do imóvel. Assim, a convenção do condomínio não teria como mudar essa realidade.

Confira-se:

“Portanto, a previsão formal e isolada da convenção condominial quanto ao padrão comercial do edifício não desqualifica a destinação residencial que impera no campo dos fatos e do direito. E por isso essa previsão meramente formal não pode ser colhida como fundamento nuclear para a negativa da tutela jurisdicional invocada pelo apelante. Os direitos de vizinhança foram engenhados para a regulação das relações concretas e efetivas entre vizinhos, de sorte que não podem ser desconsiderados simplesmente porque, em descompasso com a realidade, a convenção de condomínio estabelece a destinação unicamente comercial das unidades autônomas do edifício”.

É nesse contexto que se insere a violação aos arts. 187, 1.228, §2o, 1.332,

III, e 1.277, CC/02, sobre os quais se assenta o recurso especial.

A solução da controvérsia passa por uma constatação que, antes de tudo,

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deve estar bem clara. O Condomínio do Edifício Avenida Shopping manteve uma postura

ambígua diante dos diversos interesses de proprietários e locatários que ali residem ou

exercem sua atividade. Isso porque tolerou, abertamente, a utilização do edifício para fins

diversos daqueles estipulados em sua convenção e, por outro lado, também não

promoveu a alteração de seus regulamentos para que estes se adaptassem à realidade.

Assim, não há dúvidas acerca da responsabilidade do Condomínio e este ponto sequer é

objeto de recurso.

O mesmo pode-se dizer em relação à recorrente. Ao instalar sua atividade

comercial em área que, de fato, revela utilização mista, a recorrente deve zelar para que

sua conduta se enquadre nos padrões adequados à realidade que, diariamente, presencia

ao seu redor. Se os próprios construtores do prédio anunciavam que certas unidades ali

comercializadas poderiam destinar-se à habitação, tal como reconhecido pelo acórdão

recorrido, todos, condomínio, adquirentes e locatários, não poderiam ignorar essa

realidade.

O art. 187, CC, ao tratar da definição de ato ilícito, reconhece que a

violação da boa-fé objetiva pode corresponder ao exercício inadmissível ou abusivo de

posições jurídicas. Isto é, a figura do abuso de direito é associada à violação do princípio

da boa-fé objetiva e, nessa função, ao invés de criar deveres laterais, a boa-fé restringe o

exercício de direitos, para que não se configure a abusividade.

O exercício de posições jurídicas encontra-se limitado pela boa-fé objetiva.

Assim, o condômino não pode exercer suas pretensões de forma anormal ou exagerada

com a finalidade de prejudicar seu vizinho. Mais especificamente não se pode impor ao

recorrido uma convenção condominial que jamais foi observada na prática e que se

encontra completamente desconexa da realidade vivenciada naquele condomínio.

Se colocarmos a questão em termos teóricos, constata-se aqui a figura da

suppressio , regra que se desdobra do princípio maior da boa-fé objetiva e segundo a qual

o não-exercício de direito por certo prazo pode retirar-lhe a eficácia. Confira-se, mutatis

mutandis , o que já estabeleceu esta Corte a este respeito:

“CONDOMÍNIO. Área comum. Prescrição. Boa-fé. Área destinada a Documento: 847273 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 12/02/2009 Página 7 de 10

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corredor, que perdeu sua finalidade com a alteração do projeto e veio a ser ocupada com exclusividade por alguns condôminos, com a concordância dos demais. Consolidada a situação há mais de vinte anos sobre área não indispensável à existência do condomínio, é de ser mantido o statu quo. Aplicação do princípio da boa-fé (suppressio). Recurso conhecido e provido” (REsp 214.680/SP, 4a Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 16/11/1999).

Com isso, a recorrente não age no exercício regular de direito quando se

estabelece em edifício cuja destinação mista é aceita, de fato, pela coletividade dos

condôminos e pelo próprio Condomínio, pretendendo justificar o excesso de ruído por si

causado com a imposição de regra constante da convenção condominial, que, desde sua

origem, é letra morta.

II. Valor dos Danos Morais.

Quanto ao argumento de que os danos morais foram fixados em valor

exorbitante, o recurso especial não demonstra qual o artigo da lei federal teria sido

violado. Não aponta, ademais, qualquer dissídio a justificar a admissão do recurso.

Deve-se concluir que, nesse ponto, o recurso encontra-se deficientemente fundamentado

e que seu conhecimento encontra óbice na Súmula 284, STF.

Ainda que assim não fosse, vale destacar que o STJ tem afastado o óbice da

Súmula nº 7 somente naquelas hipóteses em que o valor fixado como compensação dos

danos morais revela-se irrisório ou exagerado, de forma a não atender os critérios que

balizam o seu arbitramento, a saber, assegurar ao lesado a justa reparação pelos danos

sofridos, sem, no entanto, incorrer em seu enriquecimento sem causa.

Conforme afirmado pelo i. Min. Ruy Rosado de Aguiar em Voto-vogal no

Resp nº 269.407/RJ, "(...) a intervenção do Superior Tribunal de Justiça há de se dar

quando há o abuso, o absurdo: indenizações de um milhão, de dois milhões, de cinco

milhões, como temos visto; não é o caso. Aqui, ficaríamos entre quinhentos, trezentos e

cinqüenta, duzentos, duzentos e cinqüenta, cem reais a mais, cem salários a menos. Não

é, portanto, um caso de abuso na fixação, é uma discrepância na avaliação. Temos que

ponderar até que ponto o Superior Tribunal de Justiça deve interferir na fixação de um

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valor de dano moral, que é matéria de fato, para fazer uma composição mais ou menos

adequada. Não sendo abusiva ou iníqua a opção do tribunal local, não se justificaria a

intervenção deste Tribunal" .

Assim, se o arbitramento do valor da compensação por danos morais foi

realizado com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível sócio-econômico

do recorrente e, ainda, ao porte econômico do recorrido, orientando-se o juiz pelos

critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, fazendo uso de

sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada

caso, o STJ tem por coerente a prestação jurisdicional fornecida (RESP 259.816/RJ, Rel.

Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 27/11/2000).

Este é justamente a presente hipótese. Ao que consta dos autos, o recorrido

teve, durante meses a fio, sua tranqüilidade perturbada por conduta atribuída a recorrente.

Assim, a condenação solidária imposta a recorrente e ao Condomínio do Edifício

Avenida Shopping, no valor de R$15.000,00, não se mostra exagerada. Neste ponto o

Especial não deve ser conhecido.

Forte em tais razões, NÃO CONHEÇO do recurso especial.

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ERTIDÃO DE JULGAMENTOTERCEIRA TURMA

Número Registro: 2008/0218651-2 REsp 1096639 / DF

Número Origem: 20040110628637

PAUTA: 09/12/2008 JULGADO: 09/12/2008

RelatoraExma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. JUAREZ ESTEVAM XAVIER TAVARES

SecretáriaBela. SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : COMERCIAL SÃO PATRÍCIO LTDAADVOGADO : SÉRGIO PERES FARIAS E OUTRO(S)RECORRIDO : JONNALDO JOSÉ DE OLIVEIRAADVOGADO : DEIVISON FREIRE E OUTRO(S)INTERES. : CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO AVENIDA SHOPPING

ASSUNTO: Civil - Direito das Coisas - Posse - Interdito - Proibitório

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda e Sidnei Beneti votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília, 09 de dezembro de 2008

SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSOSecretária

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