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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social Kátia Teotônio de Castro Bruck RETÓRICA MIDIATIZADA: estratégias discursivas do âncora no jornalismo radiofônico all news Belo Horizonte 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

Kátia Teotônio de Castro Bruck

RETÓRICA MIDIATIZADA: estratégias discursivas do âncora no jornalismo radiofônico all news

Belo Horizonte 2013

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Kátia Teotônio de Castro Bruck

RETÓRICA MIDIATIZADA: estratégias discursivas do âncora no jornalismo radiofônico all news

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação.

Orientadora: Prof. Dra. Teresinha Maria de Carvalho Cruz Pires

Belo Horizonte 2013

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FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Bruck, Kátia Teotônio de Castro

B888r Retórica midiatizada: estratégias discursivas do âncora no jornalismo

radiofônico all news / Kátia Teotônio de Castro Bruck. Belo Horizonte, 2013.

131f.: il.

Orientadora: Teresinha Maria de Carvalho Cruz Pires

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social.

1. Radiojornalismo. 2. Radiojornalistas. 3. Análise do discurso. 4. Narração

(Retórica). 5. Mídia (Publicidade). I. Pires, Terezinha Maria de Carvalho Cruz.

II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-

Graduação em Comunicação Social. III. Título.

CDU: 654.195

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Kátia Teotônio de Castro Bruck

RETÓRICA MIDIATIZADA: estratégias discursivas do âncora no jornalismo radiofônico all news

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação.

______________________________________

Teresinha Maria de Carvalho Cruz Pires (Orientadora) – PUC Minas

______________________________________ Sonia Virginia Moreira – UERJ

______________________________________ Maria Ângela Mattos – PUC Minas

Belo Horizonte, 20 de março de 2013

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me dado força nos momentos em que fraquejei e pela paz de espírito que

impulsiona.

À professora e orientadora Teresinha Pires, por aceitar o desafio de desenvolver esta pesquisa

comigo. Agradeço pela disponibilidade, por seu rigor metodológico e, principalmente, pelo

acolhimento.

Às professoras Maria Ângela Mattos (Dedé) e Sonia Virgínia Moreira, pelas imprescindíveis

e generosas contribuições no período da qualificação.

Aos professores do mestrado, pelos ensinamentos ao longo do curso, fundamentais para a

elaboração deste trabalho.

Aos colegas de mestrado, pelo compartilhamento de conhecimentos, pelas alegrias e pela

convivência.

À Professora Ana Maria, os funcionários Fábio e Tião, do Laboratório de Rádio, e também à

Elah , Wemerson e Hilton pelo apoio na coleta do material para análise.

Aos funcionários do mestrado e da Faculdade de Comunicação, pela atenção e gentileza.

Ao Milton Jung, pela disponibilidade em conceder a entrevista que auxiliou na conclusão

deste trabalho.

Ao Dom Joaquim Giovani Mol, pelo apoio e consideração.

À Norida e ao Adiron, por me acolherem sempre.

Ao Mozahir, por sua paciência, seu companheirismo, seu apoio incondicional e por me ajudar

sempre e tanto... e ainda por ter me ensinado que é sempre possível recomeçar.

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"A fala não é somente aquilo que se fala realmente, mas também o que se transcreve ( ou antes, se transletra) da expressão oral, e que pode muito bem se imprimir (ou se policopiar); ligada ao corpo, à pessoa, ao querer captar, ela é a própria voz de toda a reivindicação, mas não forçosamente da revolução." (Roland Barthes, A escrita do acontecimento).

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RESUMO

Esta dissertação investiga os “lugares de fala” e estratégias discursivas dos âncoras do

radiojornalismo all news brasileiro Ricardo Boechat, da BandNews FM, e Milton Jung, da

CBN. Partiu-se do pressuposto que é no nível da enunciação, pelas modalidades de dizer, que

se efetiva o vínculo entre o âncora/emissora e seus ouvintes. Nesse sentido, a pesquisa

ancorou-se na seguinte questão: como e em que aspectos as estratégias retóricas acionadas

pelos âncoras se diferenciam no plano da enunciação? Com vistas a responder tal pergunta,

realizou-se um estudo comparativo do “Jornal da CBN” e “Jornal BandNews". A

metodologia proposta para a pesquisa foi a associação das análises retórica e de conteúdo.

Palavras-chave: Jornalismo radiofônico all news. Ancoragem. Estratégias discursivas.

Retórica midiatizada

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ABSTRACT

This work investigates the speech positions and the discourse strategies used by the Brazilian

all news radio journalism anchors, Ricardo Boechat, from BandNews FM, and Milton Jung

from CBN. It is presumed that the link between anchor/radio station and the listening public is

established based on some enunciation level, through speech modes. Thus, this research

proposed to answer the question: how and which traits the rhetorical strategies used by the

two anchors differentiate from one another on the enunciation plan? Aiming to answer this

question, a comparative study between CBN Journal and BandNews Journal was carried out.

Rhetorical content analysis was the procedure used to analyze the findings.

Keywords: All news radionewscast. Anchorpersonship. Discourse strategies. Mediatized rhetoric

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 Programas analisados ............................................................................................ 70 TABELA 2 Estrutura do Jornal da CBN .................................................................................. 75 TABELA 3 Estrutura do Jornal BandNews .............................................................................. 78

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 11 2 JORNALISMO:VERDADE, OPINIÃO E VISIBILIDADE ........................................... 14 2.1 Jornalismo e verdade........................................................................................................ 14 2.1.1 Jornalismo e afirmação da verdade ............................................................................... 17 2.2 Objetividade e subjetividade ........................................................................................... 19 2.2.1 Parcialidade, imparcialidade e opinião ......................................................................... 22 2.3 A construção do ethos discursivo jornalístico ................................................................ 25 2.4 Um novo enunciador jornalístico: o surgimento do âncora ......................................... 34 3 O ÂNCORA NO RADIONORNALISMO ALL NEWS ................................................... 39 3.1 Da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro à frequência modulada .................................. 39 3.2 Radiojornalismo entre a informação e a notícia ............................................................ 44 3.3 O radiojornalismo all news .............................................................................................. 49 3.4 O papel do âncora no radiojornalismo all news............................... ............................. 51 3.5 Retórica midiatizada ........................................................................................................ 53 3.5.1 Retórica midiatizada radiofônica ................................................................................... 61 3.6 Modos de enunciação do âncora no radiojornalismo .................................................... 62 3.7 Construção da linguagem radiofônica ............................................................................ 65 4 OS ÂNCORAS E A CONSTRUÇÃO DO ETHOS .......................................................... 68 4.1 Considerações metodológicas.......................................................................................68 4.2 Os âncoras, as emissoras e os programas.......................................................................70 4.2.1 Os âncoras e suas as emissoras.....................................................................................70 4.2.2 Os programas .................................................................................................................. 74 4.3 Estudo de caso ................................................................................................................... 80 4.3.1 Caso Cachoeira ............................................................................................................... 80 4.3.1.1 Breve contextualização ............................................................................................... 80 4.3.1.2 Caso Cachoeira: a voz dos âncoras ........................................................................... 82 4.3.1.3 Política e Humor ......................................................................................................... 93 4.3.2 Narrativas diversas, retóricas diversas ........................................................................ 98 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................108 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 113 APÊNDICE A – TEMAS RELACIONADOS PARA A REALIZAÇÃO DA ANÁLISE COMPARATIVA ................................................................................................................. 120 APÊNDICE B - ROTEIRO ENTREVISTA MILTON JUNG ......................................... 123 APÊNDICE C - ROTEIRO ENTREVISTA BOECHAT ................................................. 124 ANEXO A – ENTREVISTA MILTON JUNG .................................................................. 126

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho teve como objetivo analisar os modos e estratégias discursivas dos âncoras

do radiojornalismo brasileiro a partir da atuação de dois âncoras nacionais: Ricardo Boechat,

da BandNews, e Milton Jung, da CBN, buscando perceber os ‘lugares de fala’ e ‘papéis’ que

estes profissionais assumem na contratação comunicativa com os ouvintes. Fausto Neto

(1998) no texto “Em busca da cena primária” afirma que os âncoras muitas vezes assumem

uma postura oracular em termos retóricos: são preditivos, prescrevem e determinam o que é

certo ou errado na sociedade. Fazem juízos de valor, sentenciam e condenam.

Acreditamos que o tema proposto é relevante, não só por abordar o rádio – que se

mostra um rico objeto a ser investigado nos programas de pós-graduação - mas também por

abordar estratégias discursivas e esquemas retóricos de atuação jornalística, buscando

delimitar papéis enunciativos, inclusive por meio da apropriação de conceitos advindos dos

estudos de linguagem.

Para compreendermos o lugar de fala do âncora no radiojornalismo all news,

descrevemos e identificamos marcos da história do rádio e também marcos tecnológicos que

influenciaram alterações na linguagem radiofônica, os motivos pelos quais essas mudanças

ocorreram e como contribuíram para a construção da credibilidade no jornalismo e do

âncora, nosso objeto de estudo.

O corpus da pesquisa foi constituído de edições do Jornal BandNews e Jornal da

CBN. A metodologia de que a pesquisa se valeu foi a associação da análise retórica e análise

de conteúdo e foi dividida em dois momentos: por semana composta0F

1 e também por

acontecimento de repercussão nacional. O estudo também se propôs a realizar entrevistas em

profundidade com os dois âncoras com o intuito de checar a percepção que os jornalistas

fazem dos modos e estratégias discursivas dos radiojornais. O jornalista Milton Jung

respondeu às perguntas que lhe foram enviadas, já o jornalista Ricardo Boechat, apesar dos

insistentes contatos e solicitações, optou por não fazê-lo. Optamos, mesmo assim, por

considerar e utilizarmo-nos da entrevista do âncora da CBN.

Partindo-se do pressuposto de que os dois programas analisados apresentam formatos

semelhantes e são destinados ao mesmo perfil de público, classes A e B, com idade entre 35

e 40 anos1F

2, mas que estabelecem distintas proposições de contratação de leitura com seu

1 Ver Considerações Metodológicas (p. 68), onde estão explicados métodos e técnicas da análise empírica. 2 Informações coletadas nos sites das próprias emissoras www.CBN.globoradio.globo.com e www.BandNewsfm.com.br

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público é que se coloca o problema desta pesquisa: como e em que aspectos as estratégias

retóricas usadas pelos âncoras se diferenciam no plano da enunciação?

Em função do percurso teórico-metodológico aqui definido, o trabalho buscou subsídios

no campo dos estudos da retórica midiatizada, ao buscar entender a função da retórica na

sociedade midiatizada e quais são suas especificidades.

Nesse sentido, o trabalho abordou as estratégias e modos de apropriação da retórica

pelos âncoras. Esta análise privilegiou a perspectiva dos estudos sobre a retórica midiatizada,

no caso do rádio, que lança mão de suas tecnologias discursivas, virtualizando a presença

física e assumindo outras características. Ao ser incorporada pela mídia, a retórica perdeu

características como a argumentação, a dialogicidade, a necessidade da presença física e o

auditório. Na evolução do modelo clássico (aristotélico) para o midiatizado, a retórica

assumiu caráter monológico, demonstrativo – onde a demonstração supera a argumentação – e

busca atender a necessidade da audiência.

O trabalho foi estruturado em quatro capítulos. O segundo capítulo é dedicado à

discussão sobre como se configuraram em torno do jornalismo as percepções de objetividade

e imparcialidade, e também, como o jornalista busca se estabelecer como divulgador da

informação assinalada como verdadeira, credível, valendo-se da qualidade informativa e de

uma postura crítica e opinativa. Para essa reflexão, tomou-se como ponto de partida os

questionamentos: como avaliar a verdade transmitida por um âncora, profissional que faz a

mediação entre a notícia e ouvinte, seja na TV ou no rádio? Como o âncora confere

veracidade aos fatos e se torna mediador de acontecimentos?

No terceiro capítulo, apresentamos a discussão sobre o radiojornalismo (ORTRIWANO,

1990) all news no Brasil (MEDITSCH, 2001) e o modo como o jornalismo radiofônico

brasileiro se apropriou e tem se valido da figura do âncora como elemento fundamental em

sua programação na busca de credibilidade e fidelização da audiência. A análise valeu-se das

reflexões sobre a construção da imagem de si por meio do discurso (AMOSSY, 2008) e do

lugar de fala ( BRAGA, 2000). O capítulo abordou ainda os modos de enunciação do âncora

no radiojornalismo, valendo-se ainda de análises apresentadas por FECHINE (2008) e

MACHADO (2000).

Por fim, no quarto capítulo apresentamos as considerações metodológicas adotadas para

a realização desta pesquisa, o estudo de caso realizado, a caracterização dos âncoras e dos

programas e, finalmente, às análises retórica e de conteúdo dos dois radiojornais feitas à

luz das técnicas de pesquisa: análise de conteúdo (BAUER, 2002) e análise retórica – ethos,

logos e pathos (LEACH, 2002; AMOSSY, 2008) como instrumentos para tentar perceber

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no trabalho dos dois âncoras o uso da persuasão, da argumentação na condução de seus

programas, configurando assim a retórica midiatizada.

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2 JORNALISMO: VERDADE, OPINIÃO E VISIBILIDADE

Este capítulo apresenta discussão sobre como se estabeleceram e se estabelecem, em

torno do jornalismo, percepções e promessas em termos de um tratamento objetivo e

imparcial do real, e, também, como o jornalismo seria um campo promotor e divulgador da

informação assinalada como verdadeira, valendo-se, para tal, além da qualidade informativa,

da postura crítica e opinativa.

2.1 Jornalismo e verdade

A busca pela verdade é permanente em qualquer área do conhecimento. No jornalismo

não seria diferente. O jornalista busca a verdade em meio a uma realidade que se lhe apresenta

constituída por dados, informações e narrativas marcadas por traços que são determinados

objetiva e subjetivamente – em que exercem influência normatizações técnicas, orientações

éticas e estéticas, mas também ideologias, experiências pessoais, crenças diversas etc. Não se

pode também deixar de considerar que a notícia é resultado de tensionamentos em torno das

prescrições e determinações oriundas dos próprios veículos de comunicação que a divulgam.

Partindo-se do pressuposto que a busca pela verdade é o objetivo norteador do trabalho

do jornalista, cabe então considerar que práticas mais arrojadas e complexas do campo

jornalístico – como pode ser considerada a atuação do âncora (anchorman) – seja no rádio ou

na televisão, merecem uma análise mais cuidadosa em função de suas peculiaridades de

natureza técnica e de linguagem e contratações de leitura. Estas foram definidas por Verón

(1984) e mostram como os meios constroem vínculos ativos com o receptor. O autor define contrato de leitura como a relação entre o suporte e sua leitura, ou ainda, como os meios procuram construir um vínculo ativo com o receptor, distinguindo-se dois níveis de funcionamento do discurso: o do enunciado e o da enunciação, já que é por meio das modalidades que esta última assume que o discurso constrói uma certa imagem do enunciador, uma certa imagem do destinatário e uma relação entre ambos que vai além do conteúdo do enunciado. (VERÓN, 1984, p. 218).

Ao dispor-se a mediar a notícia, o âncora, em busca de credibilidade, procura,

enfaticamente, conferir veracidade aos fatos narrados. Etimologicamente a palavra

veracidade, de origem latina, é formada pela associação do adjetivo uerus (verdadeiro) e

uerbun (palavra). Significa qualidade de verdade, versatilidade, verossímil. É nesse trabalho

de construção do verossímil, que o âncora mobiliza competências discursivas próprias da

técnica e do jornalismo como campo de conhecimento para conferir veracidade aos fatos que

divulga e comenta.

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A concepção contemporânea de verdade é resultado de uma construção histórica. Pode-

se afirmar que tal noção se estabeleceu a partir de uma conjunção das concepções grega,

latina e hebraica. Em grego, a verdade (aletheia) significa o não escondido, manifestando-se

aos olhos e ao espírito. Em latim, a verdade (veritas) é aquilo que pode ser demonstrado com

exatidão2F

3. Em hebraico, a verdade (emunah) significa confiança, é a esperança de que aquilo

que será revelado irá aparecer por intervenção divina. Portanto, a ideia de verdade veio sendo

construída e apreendida, ao longo da experiência humana, de distintas maneiras. No período

mítico, o mundo se explicava pelo poder do sobrenatural já que a vontade dos deuses atribuía

sentido a todos os fenômenos. Oriunda do classicismo grego, a visão aristotélica sobre a

verdade merece também atenção deste estudo, pois parece ter estreita aproximação com o

campo do jornalismo. Para Aristóteles, a verdade estaria ligada ao ato de dizer. Assim, ela não

existiria sem estar circunstanciada por um enunciado. Na Idade Média, após a queda do

império romano, a Igreja se torna a instituição mais importante e a fé é o guia para todas as

dúvidas. Já na Modernidade, nos primeiros passos dos avanços da ciência, o desejo de

alcançar e revelar a verdade foi o principal estímulo de cientistas e de filósofos modernos.

René Descartes, considerado o fundador da filosofia moderna, iniciou, no século XVIII,

uma revolução no pensamento e na busca da verdade ao duvidar da existência do “eu” e de

Deus. Descartes tinha como única certeza a existência do sujeito e acreditava por esse

pensamento, poder atingir a noção do que é verdade. A revolução provocada por Descartes se

dá pela introdução da dúvida. O filósofo opta por não aceitar os conhecimentos dados como

verdadeiros a menos que se pudesse provar racionalmente que eram certos e dignos de

confiança. Estabelece-se, então, a dúvida metódica, um exame crítico baseado no raciocínio

lógico, utilizando a dedução e indução, como forma de demonstrar a existência de uma

verdade indubitável. Tal perspectiva acabou por se tornar característica da Modernidade, por

assim dizer, a possibilidade efetiva de se chegar à verdade das coisas do mundo. Para Michel

Foucault (1979), o próprio jornalismo teria sido uma invenção fundamental do século XIX,

manifestando, de certo modo, o caráter utópico de toda uma “política do olhar”.

Na segunda metade do século XX, numa releitura crítica de Descartes, Vilém Flusser

(2011) questionou o que considerou ser uma ‘posição de conforto’ representada pelo

raciocínio lógico, a partir da Idade Moderna. No entendimento de Flusser, por conforto,

convicção ideológica ou mesmo por impossibilidades da própria formulação filosófica,

Descartes teria falhado por não ter duvidado da dúvida que o levaria, enfim, a certezas. Para o

3 De acordo com o Novo Manual de Redação da Folha de S. Paulo (1992) a exatidão é uma qualidade essencial do jornalismo.

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filósofo tcheco, Descartes errou ao confundir a dúvida com a negação e não voltar a duvidar

de si mesmo. Para Flusser, é preciso duvidar, para começar, da própria dúvida cartesiana, pois

esta impõe um limite inaceitável, que esgota a possibilidade de conhecimento. Flusser (2011)

define a dúvida como um estado de espírito polivalente, podendo significar o fim de uma fé

ou o começo de outra.

Não se pode desconhecer, também, que, apesar da sua atualidade, os escritos do

filósofo3F

4 datam do fim dos anos 1950, início da década de 1960 do século passado. É

instigante, no entanto, perceber, que parecia já haver em Flusser um germe de

contemporaneidade, de questionamento à possibilidade efetiva de apreensão das verdades

desse mundo e das intrínsecas e insuperáveis limitações das possibilidades do homem de

conhecer a si próprio e ao mundo em que está inserido.

Ainda sobre as circunstâncias em que a verdade se institui e circula, não se pode

desconhecer aquilo para o que nos alerta todo o pensamento foucaultiano: a verdade é, antes,

um caminho expresso pelo exercício de poder. Para Foucault (1979), a produção e a

transmissão da verdade remetem às relações desta com o saber e o poder.

Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade: isto é: os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. (FOUCAULT, 1979, p.10).

Ao refletir sobre a “política geral” de verdade na sociedade, Foucault considera sua

manifestação nos diversos discursos que uma comunidade acolhe e faz funcionar como

válidos. Para o autor, essa ‘economia política’ da verdade tem cinco características

historicamente importantes: a ‘verdade’ é centrada na forma do discurso científico e nas instituições que o produzem; está submetida a uma constante incitação econômica e política (necessidade de verdade tanto para a produção econômica, quanto para o poder político); é objeto, de várias formas, de uma imensa difusão e de um imenso consumo (circula nos aparelhos de educação ou de informação, cuja extensão no corpo social é relativamente grande, não obstante algumas limitações rigorosas); é produzida e transmitida sob o controle – não exclusivo, mas dominante – de alguns grandes aparelhos políticos ou econômicos (universidade, exército, meios de comunicação); enfim, é objeto de debate político e de confronto social (as lutas ideológicas)”. (FOUCAULT, 1979, p.11).

4 Vilém Flusser, filósofo theco, naturalizado brasileiro. Mudou-se para o Brasil durante a Segunda Guerra Mundial onde permaneceu por cerca de 20 anos, atuando como filósofo, jornalista e escritor.

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Foucault pouco abordou o jornalismo e a mídia como tema de suas reflexões, mas

percebia nesses campos vetores impactantes das relações de saber e poder. Para o filósofo

francês, o jornalismo foi uma invenção fundamental do século XIX e acabou por manifestar o

caráter utópico de uma ‘política do olhar’ – a crença moderna de que o poder poderia ser

exercido em uma circunstância de visibilidade completa, numa sociedade transparente.

Foucault percebia a verdade como “o conjunto das regras segundo as quais se distingue o

verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro efeitos específicos de poder” (FOUCAULT,

1979, p.13). A verdade, para Foucault, não existe fora do poder ou sem poder, o que, sugere

que a tensão em relação a verdade não se daria “em favor” da verdade, mas em torno do

estatuto da verdade e das implicações sociais deste. Percebe-se, assim, que o ‘regime de

verdade’ de uma sociedade se apoia, sempre, num suporte institucional que o utiliza para

produzir e transmitir, através de seus discursos, as verdades necessárias à manutenção das

relações de poder.

2.1.1 Jornalismo e afirmação da verdade

No jornalismo dito objetivo – que ganhou força e expandiu-se a partir da segunda

metade do século XIX na Europa e Estados Unidos, chegando ao Brasil por volta dos anos

1950 – as operações discursivas mobilizadas na produção da notícia tentam inscrevê-la,

prioritariamente, na ordem da verdade. Nesse modelo industrial de produção noticiosa,

salientaram-se as diferenças entre o tratamento retórico e o tratamento jornalístico da

informação. As narrativas panfletárias e as críticas apaixonadas contra ou a favor de grupos

empodeirados começam a ser desqualificadas e tem início o tratamento jornalístico da

informação. Surge, assim, o jornalismo clássico, sob a influência do positivismo4F

5, e a crença

em uma verdade verificável, calculável. É quando, sob os efeitos da industrialização, o

jornalismo se transforma em mercadoria, se profissionaliza e, como área do conhecimento,

estabelece seus princípios de validade.

Traquina (2005a) destaca mudanças importantes na história do jornalismo no século

XIX : i) a industrialização e consequente expansão da imprensa e nascimento do mito do

“Quarto Poder” – um novo poder a que o comentarista britânico da época Henry Reeve

chamou “um poder do reino, mais poderoso que qualquer um dos outros poderes”

5 Corrente filosófica que surgiu na França no começo do século XIX. Defende a ideia de que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro. De acordo com o positivismo somente pode-se afirmar que uma teoria é correta se ela for comprovada por métodos científicos válidos.

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(O’BOYLE5 F

6 apud TRAQUINA, p. 125); ii) o surgimento de um novo paradigma no

jornalismo em que a imprensa passa a oferecer fatos e não opinião, isto é, informação e não

publicidade; iii) a emergência de um campo jornalístico da sombra de uma atividade

dependente do “polo político” para a conquista de uma “autonomia relativa” em que um

número crescente de pessoas ganham a sua vida a fazer um trabalho e desenvolvem técnicas

específicas, um saber especializado – o que é notícia, e uma identidade profissional; iv) a

definição de dois polos dominantes no campo jornalístico moderno: a) o polo “econômico” ou

“comercial” – com a comercialização da imprensa no século XIX, as notícias são a

mercadoria de um negócio lucrativo; b) o polo “ideológico” ou “intelectual” – com a

identificação da imprensa como elemento fundamental da teoria democrática.

Para o desenvolvimento desta pesquisa nos interessa, principalmente, a segunda

mudança apontada por Traquina: o surgimento do novo paradigma em que a imprensa passa a

oferecer fatos e não opinião e na sequência o movimento seguinte: a necessidade de

interpretação do mundo. Segundo Traquina, a primeira transformação é atribuída a fatores

econômicos: As receitas da publicidade e dos crescentes rendimentos das vendas dos jornais permitiram a despolitização da imprensa, passo fundamental para a instalação do novo paradigma do jornalismo: o jornalismo como informação e não como publicidade. (TRAQUINA, 2005, p.36).

No Brasil, de acordo com Bahia (1990), os fatores que permitiriam a mudança desse

paradigma começam nas duas primeiras décadas do século XX. Nessa fase, a grande

imprensa nacional deixou de ser uma estrutura individual improvisada e com raízes políticas

para passar ao controle de grupos familiares. As empresas deixam também de lado a

improvisação e se aproximam de uma organização empresarial em busca do lucro. No começo

do século XX, os jornais passam a investir em melhoria tecnológica e paulatinamente se

profissionalizam cristalizando essas mudanças, as empresas “passam a dar maior importância

aos fatos, e a opinião vai perdendo espaço nos jornais caminhando na direção da implantação

de estruturas empresariais”. (BAHIA, 1990, p. 31).

Mas ao se transformar de uma empresa individual em uma instituição empresarial mais

complexa, formada por uma equipe de assalariados e colaboradores, a imprensa incorporou

novos agentes – agora trabalhadores intelectuais – e, consequentemente, o quadro opinativo

dos jornais foi ampliado, mas ao mesmo tempo ocorreu um fracionamento, uma fragmentação

das perspectivas em termos da opinião, como aponta José Marques de Melo: 6 O’Boyle, L. (1968). “The Image of the Journalist in France, Germany and England, 1815-1848”. Comparative Studies and History, Vol. X, N.3.

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De qualquer maneira, a estrutura do jornalismo industrial comporta, até mesmo por razões mercadológicas, diferenças de perspectiva na apreensão e valoração da realidade. Talvez não se possa falar de pluralismo, porque toda instituição jornalística possui sua linha editorial que, através da seleção de informações (pauta, cobertura, copy-desk), entrelaça o fluxo noticioso e lhe dá um mesmo sentido. Mas existe uma abertura para que a valoração das notícias possa ensejar a circulação de diferentes pontos de vista. (MELO, 1985, p. 78).

Para o autor, a opinião é percebida nos editoriais, comentários, resenhas, colunas,

crônicas, caricaturas e artigos e pode ser percebida em quatro emissores: a empresa, o

jornalista, o colaborador e o leitor.

A opinião da empresa, ademais de se manifestar no conjunto da orientação editorial (seleção, destaque, titulação), aparece oficialmente no editorial. A opinião do jornalista, entendido como profissional regularmente assalariado e pertencente aos quadros da empresa apresenta-se sob a forma de comentário, resenha, coluna, crônica, caricatura e eventualmente artigo. A opinião do colaborador, geralmente personalidades representativas da sociedade civil que buscam os espaços jornalísticos para participar da vida política e cultural, expressa-se sob a forma de artigos. A opinião do leitor encontra expressão permanente através da carta. (MELO, 1985, p. 78).

Nesse cenário de realinhamento e, em algumas circunstâncias, mesmo de

hibridização dos chamados gêneros jornalísticos6F

7, cabe ressaltar que a mídia eletrônica

massiva, por suas peculiaridades e características intrínsecas, acrescentou à prática jornalística

novos modos e posturas enunciativas. Características como o imediatismo - a informação em

tempo real, e o exigido investimento da linguagem audiovisual, fizeram com que a narrativa

jornalística ganhasse, nos meios massivos eletrônicos, novos elementos – o sentido agora,

além do conteúdo em si, passara a ser expresso pelo ritmo da locução, o timbre da voz, a

edição das imagens. O jornalismo no rádio e na televisão faz surgir, também, um novo ator

com atribuições importantes e com grande poder decisivo seja em termos de incluir/rejeitar

temas, mas de definir os enquadramentos e valorações sobre os mesmos: o âncora, sobre o

qual discorreremos mais atentamente neste trabalho.

2.2 Objetividade e subjetividade

7 Neste estudo, optamos por não privilegiar o estudo dos gêneros jornalísticos, mas tomamos como referência a proposição de Luiz Beltrão (1976), que aponta a existência, no jornalismo, dos gêneros informativo, interpretativo e opinativo. Marques de Melo, outro autor brasileiro que se dedicou a pesquisa sobre o tema, retoma a discussão sobre gêneros e, em um primeiro momento, descarta a existência do interpretativo. Atualmente, o autor defende a existência de cinco gêneros autônomos: informativo, opinativo, interpretativo, diversional e utilitário.

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A mudança de paradigma do jornalismo panfletário para o jornalismo de informação7F

8

trouxe a adoção de técnicas e princípios que passaram a ser norteadores do exercício da

atividade como objetividade8 F

9, neutralidade e imparcialidade. O discurso de objetividade e de

“informação pura” assumido pelo dito jornalismo objetivo marcou a passagem do jornalismo

panfletário para o jornalismo profissional, que passou também a ser entendido como função e

responsabilidade social do jornalista.

O desenvolvimento industrial e a forte concentração dos meios de comunicação levaram

o Comitê para a Liberdade de Imprensa a criar nos anos 1950, nos Estados Unidos, a Teoria

de Responsabilidade Social. A partir dela foram instituídas diretrizes para orientar a atividade

jornalística e separar a produção noticiosa da necessidade de gerar lucros. Na prática, o mito

da objetividade respalda a responsabilidade social em um período em que o jornalismo

assumiu concepção romântica de “Quarto Poder”; uma imprensa comprometida com o

cidadão, com o interesse público. A ideia remonta a 1828, é atribuída ao inglês Thomas

Macauly, e encaixava-se no contexto das revoluções liberais, como a francesa. Na divisão de

poderes estabelecida por Montesquieu a imprensa seria o elemento capaz de fiscalizá-los para

defender a sociedade de eventuais abusos do Estado.

Dentro dessa perspectiva “objetivista”, surgiu a Teoria do Espelho que percebe o

jornalista como reflexo da realidade social. A voz ouvida pelo público não seria mais a voz do

repórter, mas a da realidade por ele espelhada. Essa linha teórica coloca a objetividade como

questão central no jornalismo, vinculando sua perda, à perda de credibilidade, qualidade que

permanece como essencial para a profissão como pode ser observado no Manual de Redação

publicado pelo jornal Folha de S. Paulo:

A credibilidade de um jornal depende da exatidão das informações que publica e da fiel transcrição de declarações. Para escrever reportagens exatas, não menospreze os dados. Seja obsessivamente rigoroso. O jornal tem obrigação de publicar apenas informações corretas e completas. (NOVO MANUAL DA REDAÇÃO, 1992, p.33).

O pesquisador Michael Schudson ao analisar a relação entre o jornalismo e o

desenvolvimento da sociedade americana destaca o princípio da objetividade, como a

separação entre fatos e valores. 8 Faz-se referência aqui ao modo como o jornalismo passou por transformações desde o surgimento da prensa de Gutenberg no século XV, até os dias de hoje, com a formação de conglomerados de mídia e como a passagem do jornalismo panfletário ao jornalismo informativo se deu com a transformação da notícia em mercadoria. 9 Neste trabalho privilegiaremos o tratamento de objetividade como ritual estratégico. Segundo Chaparro (1998) o termo objetividade foi introduzido por Samuel Buckley no jornal inglês Daily Courant, por volta de 1702. Buckley teria sido o primeiro jornalista a preocupar-se com o relato preciso dos fatos. Na diagramação do jornal também inovou ao separar notícias de artigos: news de um lado, comments de outro.

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(...) a crença na objetividade é apenas isto: a ideia de que se deve separar fatos de valores. Fatos, nesta perspectiva são declarações sobre o mundo abertas a uma validade independente. Eles se colocam além das influências distorcedoras de quaisquer preferências pessoais. E os valores, nesta perspectiva são as predisposições conscientes ou inconscientes de um indivíduo sobre o conceito do mundo; em última análise, eles são vistos como subjetivos e, portanto, sem sustentação legítima sobre outras pessoas. A crença na objetividade é uma confiança nos “fatos”, uma desconfiança dos “valores”, e um compromisso com a segregação de ambos. (SCHUDSON, 2010, p.16).

Schudson, citado por Traquina (2005a), atribui à objetividade um valor estratégico. Ele

afirma que os jornalistas passaram a acreditar na objetividade porque precisavam. A

objetividade se estabelece como valor profissional entre os anos 1920 e 1930 quando,

segundo o autor, dois fatos contribuíram para uma postura mais crítica em relação aos

acontecimentos: a experiência da propaganda, na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), e o

nascimento de uma nova profissão – relações públicas. Este novo profissional ameaçava a

ideia de notícia ao reproduzir fatos que pareciam atender a interesses especiais de

determinadas organizações.

O ideal da objetividade surge não tanto como uma extensão do empirismo ingênuo e da crença nos fatos, mas como uma reação contra o ceticismo; não se tratava de uma extrapolação linear, mas de uma resposta dialética à cultura da sociedade democrática de mercado. Não representava, enfim, a expressão final de uma crença nos fatos, mas a imposição de um método projetado para um mundo no qual nem mesmo os fatos poderiam ser confiáveis. (SCHUDSON, 2010, p. 144).

Por todas as análises e estudos sobre o conceito, percebe-se claramente que a

objetividade não é dada, mas construída. Tuchman (1993) aborda quatro aspectos estratégicos

que permitiriam se chegar à objetividade. O primeiro seria apresentar os dois lados de uma

questão, para não ser acusado de favorecimento. Para a autora essa perspectiva pode não ser

suficiente para garantir a objetividade, pois no decorrer dos dias outras pessoas, reconhecidas

como fontes, podem reclamar a opinião ou versão verdadeira, todas impossíveis de serem

verificadas. Outro procedimento utilizado é a citação, pelo próprio jornalista, de fatos

suplementares, aceitos como verdadeiros. Um terceiro recurso é a utilização de falas e de

outras pessoas, encaradas como provas suplementares. Para a autora, ao acrescentar mais

fontes o jornalista tira sua própria opinião da notícia. “Ao acrescentar mais nomes e citações,

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o repórter pode tirar suas opiniões da notícia, conseguindo que outros digam o que ele próprio

pensa”. (TUCHMAN, 1993, p.82).

A última estratégia, apontada pela autora, é o uso da pirâmide invertida, a estruturação

da informação em uma sequência apropriada, com a concentração de dados importantes no

início do texto. Neste caso são as noções de importância do repórter que aparecem na

hierarquização do lead. A escolha das informações decorreria unicamente do jornalista e de

sua avaliação de noticiabilidade. Objetividade e subjetividade estariam presentes em todas as

etapas tratadas e todas essas dimensões constroem estratégias para que o jornalista possa se

dizer objetivo. “Os procedimentos noticiosos exemplificados como atributos formais das

notícias e jornais são, efetivamente, estratégias através das quais os jornalistas se protegem

dos críticos e reivindicam, de forma profissional, a objetividade”. (TUCHMAN, 1993, p. 89).

Para Tuchman, a objetividade passou a ser encarada como um “ritual estratégico”, pois

ao utilizar procedimentos rituais os jornalistas passaram a neutralizar possíveis críticas. Mas

para a autora existe uma discrepância entre os objetivos procurados – no caso a objetividade –

e os meios utilizados, o que a levou também a questionar o uso desses rituais estratégicos

aumentaria a credibilidade dos artigos noticiosos.

O estudo da objetividade e das marcas da subjetividade revelam que o texto

jornalístico carrega consigo sempre as marcas de uma representação de um sujeito que

confere uma visão de mundo, formas de pensar que quase sempre estão submetidas a relações

de poder dentro e fora do espaço midiático. Para Lage (2001) a objetividade, em jornalismo, é

meta que se traduz numa série de técnicas de apuração, redação e edição; na busca de

enunciados intimamente adequados à realidade e em sua tradução para diferentes públicos e

veículos.

2.2.1 Parcialidade, imparcialidade e opinião

Ao tratar do conceito objetividade, Hackett (1993) se vale das noções de parcialidade e

imparcialidade. Para o autor parcialidade e objetividade são dois conceitos opostos e

associados pelo público em geral ao papel político e ideológico dos jornais. Parcialidade para

o autor é a “intrusão da opinião” subjetiva do repórter ou da organização jornalística no que é

pretensamente um relato “factual”. Nessa perspectiva a objetividade seria, então, a retirada da

opinião do repórter ou do veículo para o qual ele trabalha, o relato mais fiel ao fato que seja

possível obter livre de juízos de valor ou interpretações.

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Segundo o autor, os estudos críticos à parcialidade partem de alguns pressupostos: i) os

media podem e devem refletir com exatidão o mundo real, de uma maneira justa e

equilibrada; ii) os obstáculos que se colocam estão relacionados aos preconceitos políticos ou

atitudes sociais dos comunicadores; iii) as parcialidades no conteúdo podem ser detectadas

pelos métodos de leitura e decodificação e iv) a forma mais importante de parcialidade é o

favoritismo, propositado ou não. Ao analisar esses pressupostos, Hackett constata que os

suportes teóricos são frágeis. Para o autor não se pode limitar a pressupor a possibilidade da

comunicação imparcial, de notícias objetivas e independentes, nem confiar em métodos

inadequados e especulativos para interpretar o conteúdo ideológico das notícias.

Hackett (1993) propõe dois caminhos para investigação da objetividade. O primeiro

investigaria parcialidade e objetividade, enquanto dispositivos retóricos e normas sociais. A

linha de investigação trataria a política retórica da parcialidade, analisaria as raízes históricas

para desnaturalizar e desmitificar e examinaria as consequências práticas e sociais da

objetividade. O segundo caminho proposto pelo autor prevê a substituição do conceito de

parcialidade pelo de orientação estruturada. Para o autor ao abandonar a noção de

comunicação imparcial, pode-se evitar o afastamento dos propósitos de busca de padrões de

equilíbrio e imparcialidade. Hackett acredita que a expressão “orientação estruturada”, além

dos aspectos da parcialidade como distorção, favoritismo e desequilíbrio, incluiria os “vários

tipos de orientações e relações sistemáticas, que inevitavelmente, estruturam os relatos

noticiosos”. Pelo conceito proposto por Hackett três concepções de ideologia devem ser

observadas nos estudos dos media: os “enquadramentos”, ou conjuntos de pressuposições

sociais fomentadas na notícia, a “naturalização” das relações sociais e a interpretação do

público. (HACKETT, 1993).

Traquina (2005a) alerta para o caráter reducionista da discussão sobre objetividade

quando ela é reduzida a dicotomia objetividade/subjetividade. Para o autor ainda se comete

um grande erro neste debate, isto porque a objetividade é uma das sustentações da

credibilidade jornalística. Rodrigues (1993) também destaca essa visão simplista entre e

objetividade e subjetividade:

(....) é insustentável a dicotomia simplificadora e maniqueísta entre objectividade e subjectividade ou entre juízos factuais e juízos de valor. Cada relato objetivo e cada juízo factual comporta subjacente um ou mais juízos de valor e uma ou mais prescrições, comporta valores ditados pela relação dos interlocutores em função da relação respectiva aos fatos relatados, comporta prescrições ditadas à maneira como

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os factos devem ser constatados e à forma como devem ser expostos. (RODRIGUES, 1993, p.32).

Ainda em relação a essa perspectiva Traquina nos lembra que tal aspecto foi enfatizado

por Schudson em 1978 quando em sua tese de doutoramento defendeu que o conceito de

objetividade no jornalismo não surgiu como negação da subjetividade, mas como

reconhecimento da sua inevitabilidade.

Moretzsohn (2007) afirma que apenas relatando os fatos, o jornalista se torna o que a

autora denomina de mero “mensageiro”, isentando-se de responsabilidades, ou seja, uma

objetividade reducionista associada à naturalização do “quarto poder”. Para a autora ambos

amparam um processo de mediação que se legitima ao ocultar-se a si próprio resultando no

que poderia ser chamado de jornalismo de “mãos limpas”.

Arendt9 F

10 citada, por Moretzsohn (2007) defende que a imprensa precisa ser protegida

do poder governamental e da pressão social para o exercício da verdade e do chamado “quarto

poder”. O dizer a verdade dos fatos abrange muito mais do que a informação diária dos fatos suprida pelos jornalistas, posto que sem eles nunca poderíamos nos orientar em um mundo em contínua mudança e, no sentido mais literal possível, nunca saberíamos onde nos encontraríamos. É claro que isso é da mais imediata importância política; porém, se a imprensa tiver de se tornar algum dia realmente o “quarto poder”, ela precisará ser protegida do poder governamental e da pressão social com zelo ainda maior que o poder judiciário, pois a importantíssima função política de fornecer informações é exercida, em termos estritos, exteriormente ao domínio político; não envolve, ou não deveria envolver nenhuma ação ou decisão. (ARENDT apud MORETZSOHN, 1992, p.322).

Já na década de 1920, Walter Lippmann (2008) alertava para a importância da opinião.

Jornalista e comentarista político, autor do livro Opinião Pública, ao destacar o papel da

imprensa no enquadramento da atenção dos leitores, reviu sua posição sobre verdade e

notícia. O autor passou a considerá-las de forma diferenciada. Para Lippmann, a função da

notícia é sinalizar um evento, a função da verdade é trazer luz aos fatos escondidos, colocá-los

um em relação ao outro e fazer um quadro de realidade no qual os homens possam agir. O

autor defende o que chama de verdade narrável, uma verdade baseada em opiniões fundadas

que estimulem a sociedade a estabelecer instituições mais visíveis.

É possível e necessário que os jornalistas esclareçam às pessoas o caráter incerto da verdade na qual suas opiniões estão fundadas e estimulem, através da crítica e da agitação, a ciência social a criar formulações mais úteis dos fatos sociais e incitem os

10 ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1992.

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estadistas a estabelecer instituições mais visíveis. A imprensa em outras palavras pode lutar pela verdade narrável. (LIPPMANN, 2008, p.181).

Lippmann também lançou a essência do agenda setting que posteriormente seria

desenvolvida por McCombs e Shaw. Os autores apresentaram a hipótese de que o aumento da

ênfase dos meios de comunicação na cobertura de determinado tema, promoveria um

acréscimo de importância pela audiência a estes estudos. A premissa os leva a estudarem as

eleições presidenciais norte-americanas de 1968, na cidade de Chapel Hill, em Carolina do

Norte, e formularem o conceito de agenda setting. “(...) um tipo de efeito social da mídia. É a

hipótese segundo a qual a mídia, pela seleção, disposição e incidência de suas notícias, vem

determinar os temas sobre os quais o público falará e discutirá." (BARROS FILHO, 1995,

p.169).

A hipótese formalizada pelos pesquisadores levava em conta as relações entre os meios

de comunicação e a política, analisando os efeitos dos conteúdos divulgados sobre os eleitores

e candidatos. Pela hipótese o agendamento dá visibilidade aos fatos considerados relevantes e

divulgados pelos midia. O trabalho do âncora ao selecionar, dispor e analisar ou fornecer

informações complementares aos fatos também contribui para dar visibilidade a determinados

acontecimentos.

2.3 A construção do ethos discursivo jornalístico A noção de ethos com que se trabalha neste estudo leva em conta as proposições de

Ruth Amossy (2005), para quem o ethos diz respeito à imagem de si que se constrói no

discurso. Para a autora, o peso de uma fala, bem como seu poder de persuadir não decorrem

apenas do conteúdo nela expresso, mas, especialmente, da imagem de sua pessoa que o orador

oferece ao seu interlocutor/ouvinte. Como destaca Ekkehard Eggs, citado por Amossy (2005)

“é preciso se mostrar, apresentar-se e ser percebido como competente, razoável, equânime,

sincero e solidário.” (AMOSSY, 2005, p.39). A noção do ethos discursivo vai ao encontro

deste estudo de tentar compreender como os âncoras, no radiojornalismo, empreendem

estratégias de natureza discursiva para que à sua fala se associem percepções de credibilidade,

verossimilhança, autenticidade, entre outras qualidades. No nosso entendimento, uma

abordagem da figura do âncora radiojornalístico a partir do ethos pode nos ajudar a enxergar,

por dentro, essa máquina discursiva que o jornalista movimenta em seu trabalho de

ancoragem para instituir seu discurso e colocar-se em situação social distinta ao ponto de sua

fala ter valência e prevalência sobre tantas outras.

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Para explicar a construção do ethos, Eggs (2008) recorre a Aristóteles. Para o filósofo

grego, “três qualidades inspiram confiança em uma situação discursiva: a phronêsis (ter ar

ponderado), a areté (se apresentar como um homem simples e sincero) e a eunóia (dar uma

imagem agradável de si)”. (EGGS, In AMOSSY, 2008, p.32). Já no entendimento de

Maingueneau, o ethos não é dito explicitamente, mas mostrado:

O que o orador pretende ser, ele o dá a entender e mostra: não diz que é simples ou honesto, mostra-o por sua maneira de se exprimir. O ethos está, dessa maneira, vinculado ao exercício da palavra, ao papel que corresponde a seu discurso, e não ao indivíduo “real”, (apreendido) independentemente de seu desempenho oratório: é, portanto o seu jeito da enunciação uma vez que enuncia que está em jogo aqui. (MAINGUENEAU, 1993, p.138).

Outro aspecto importante é o poder de persuasão do “fiador”, termo adotado por

Maingueneau. Para o autor, “a qualidade do ethos, remete à figura desse “fiador” que

mediante sua fala, se dá com uma identidade compatível com o mundo que se supõe, que ele

faz surgir em seu enunciado”. (MAINGUENEAU apud Amossy, 2005, 69). Para a autora a

eficiência da palavra acontece em diferentes níveis, até mesmo antes de se realizar, através de

um ethos pré-discursivo10F

11 que faz parte da bagagem dos interlocutores e é acionado no

momento em que o enunciado é proferido.

Ao analisar o ethos e o modo como o jornalismo opera enunciativamente, não devemos

deixar de pensa-lo como espaço discursivo complexo, onde interagem várias enunciações: a

dos jornalistas e também as das fontes e dos públicos. Os discursos do político, do

economista, do advogado e do empresário, entre outros, interferem no discurso jornalístico

seja em relação à informação, ao modo de produção ou aos valores que lhe são atribuídos.

Pode-se pensar que a circulação dos discursos alimenta o discurso jornalístico.

Barros Filho (1995) nos lembra que a noção de ethos foi aplicada ao jornalismo por

Lopéz Pan que definiu da seguinte forma a expressão: “ethos é o entre, o ponto de confluência

e contato, o mundo comum de valores, ideias, atitudes diante da vida, a interação dos

universos pessoais do jornalista e do leitor”. (PAN11F

12, apud BARROS FILHO, 1995, p.104).

Ou seja, o ethos no jornalismo é construído entre as convicções do jornalista e do público no

processo de produção jornalística que promove a interação entre os dois agentes. O jornalista

transita em um espaço discursivo complexo onde interagem suas próprias enunciações e as

enunciações das fontes e do público a quem dirige sua mensagem.

11 Também definido por Amossy e Galit Haddad (2005) como ethos prévio. Corresponde à imagem antecipada que o interlocutor faz do locutor, ainda que ele desconheça previamente o seu caráter. 12 70 columnistas de la prensa española, estudo introdutório.

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Além desse ponto de confluência as características pessoais do âncora, ou seja, sua

forma de se expressar e sua representação social lhe conferem credibilidade e geram

confiança. Exemplos no jornalismo brasileiro de credibilidade e confiança são Heródoto

Barbeiro, na ancoragem do Jornal da CBN por 20 anos e de Wiliam Bonner e Fátima

Bernardes à frente do Jornal Nacional por 14 anos.

Traquina (2005a) utiliza depoimentos de vários jornalistas – diretores de veículos,

editores, subeditores e editorialistas – para tentar definir o ethos que deve orientar o trabalho

jornalístico. Dever constitucional de informar, revelar e demonstrar atos do governo, formar

opinião, espaço natural da própria liberdade, publicitação e verdade como ar e luz da

existência do jornalismo foram as expressões usadas para definir esse ethos.

Percebe-se nas definições apresentadas por Traquina, valores e práticas, que se

destacam em relação a outros na formação do ethos jornalístico. Muitos passam por processos

de mitificação como objetividade, liberdade e porta-vozes da verdade.

A formação intelectual do jornalista também contribui para a formação do ethos

jornalístico. Na faculdade o jornalista adquire a formação teórica associada a formação

técnica- como operar uma câmera , como montar uma página na web ou como editar em

uma ilha não linear . Formação que inclui conhecimentos diversos que podem levar a reflexão

sobre o peso e o papel dos meios de comunicação na sociedade e sobre a formação da cultura

de massa. Na escola de jornalismo brasileira prevalece o modelo americano onde o estudante

aprende a escrever de forma objetiva, seguindo padrões como o lead e a pirâmide invertida,

processo que cria o culto à “objetividade” o que para DEMENECK12F

13 (2010) pode levar ao

“tolhimento de sua criatividade”.

Em “A tribo jornalística – uma comunidade interpretativa transnacional” Traquina

(2005b) aprofunda o estudo da identidade profissional dos jornalistas. “Com base em análises

das maneiras específicas dos jornalistas falarem, agirem, verem o mundo e o quanto esses

valores características dessa tribo são um fator crucial na elaboração do produto jornalístico”.

(TRAQUINA, 2005b, p.106).

13 Em Objetividade e Jornalismo Literário: um conceito em construção, Ben-Hur Demeneck analisa o conceito da objetividade jornalística no jornalismo literário. O autor aborda o conceito aberto de objetividade. DEMENECK, Ben-Hur. Objetividade e Jornalismo Literário: um conceito em construção. In: X Congresso Alaic “Comunicación en tiempos de crisis - diálogos entre lo global y lo local”, 2010, Bogotá.

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Traquina defende que mais do que uma comunidade interpretativa, a tribo jornalística é

transnacional. Analisando a cobertura da AIDS feita por cinco jornais de quatro países, em

três continentes, constata que existe uma cultura noticiosa comum. Ao pesquisar valores

profissionais de jornalistas de cinco países comprova que, independentemente da comunidade

a qual pertençam, os profissionais têm referencias e valores comuns, sobre a profissão e de

como exercê-la.

(...) os jornalistas são uma comunidade interpretativa transnacional, com um sistema de valores e definição do ethos jornalístico como referência que delineia um esboço bem claro da identidade jornalística nas democracias contemporâneas. (TRAQUINA,2005 b, p.185).

As definições apresentadas auxiliam na definição do ethos jornalístico e apontam para

as formas como ele se revela na figura do âncora. As características mencionadas por Amossy

(2005), por exemplo, podem ser percebidas em Ricardo Boechat, do Jornal da BandNews ,um

dos âncoras analisados nesta pesquisa, em uma pré-observação na semana entre 08 e 12 de

agosto de 2011. Em alguns momentos o jornalista assume um tom pessoal, em outros,

confessional, pouco usado no jornalismo diário e mesmo por âncoras de outras emissoras

como CBN, o que contribuiria para reforçar a areté, conceito grego associado à simplicidade e

sinceridade.

O papel do âncora dentro da redação envolve o acompanhamento de pautas, edição de

matérias e, no ar, no rádio ou na TV, é responsável por direcionar editorialmente os

programas, ou seja, pela emissão de conteúdo opinativo. Ao exercer essas funções o âncora

age como o gatekepper13F

14 pois faz uma seleção de informações, em “portões” controlados por

“porteiros”. Ao fazer a seleção contribui para a formação de opinião, constituindo também o

caráter opinativo do âncora, como explica Squirra (1993):

[...] os âncoras... exercem de alguma forma, atuação opinativa no conteúdo desses programas. Dessa forma é possível concluir que eles direcionam editorialmente os telejornais. Que, de uma forma ou de outra, representa a sua visão de mundo, sua forma de encarar os grandes problemas nacionais e mundiais e de valorização de um fragmento da realidade social que eles julgam ser o mais valioso para os telespectadores. (SQUIRRA, 1993, p.180).

14 Teoria desenvolvida por David Manning White segundo a qual os acontecimentos só viram notícia após passarem por um portão. Segundo Traquina (1993), em 1947, White aplicou o conceito de filtro desenvolvido pelo psicólogo Kurt Lewin, ao analisar o trabalho de um jornalista, editor telegráfico de um matutino, na cidade norte-americana de Midwest. O objetivo da pesquisa era determinar porque um editor telegráfico selecionava ou rejeitava artigos fornecidos por três agências noticiosas e também obter noções acerca do papel genérico do gatekeeper nas áreas das comunicações de massas.

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O componente opinativo do conteúdo de programas conduzidos por âncoras remete aos

conceitos de público e opinião. Para Tarde (2005), público é uma configuração social

moderna. Até a modernidade existiam pequenas multidões. O público só começa a nascer

após o surgimento da imprensa, no século XVI, que passa a funcionar como dispositivo para

propagação do pensamento. Para o autor a ação dos públicos se efetiva a partir do século XIX

com o surgimento do telégrafo e da redução das distâncias. Nesse novo cenário, Tarde (2005)

afirma que a relação entre público e opinião são tão necessárias como as da alma com o

corpo. O que seria do público (corpo) sem a opinião (alma)? O sociólogo assim define

opinião:

A opinião, diremos, é um grupo momentâneo e mais ou menos lógico de juízos, os quais respondendo a problemas atualmente colocados, acham-se reproduzidos em numerosos exemplares, em pessoas do mesmo país, da mesma época, da mesma sociedade. (TARDE, 2005, p.63).

Na análise de Tarde (2005), o jornalismo contribui para uma internacionalização da

opinião:

O jornalismo é uma bomba aspirante-premente de informações que, recebidas de todos os pontos do globo, cada manhã, são, no mesmo dia, propagadas a todos os pontos do globo no que elas têm ou parecem ter de interessante ao jornalista, tendo em vista o objetivo que ele persegue e o partido do qual é a voz (...) Os jornais começaram por exprimir a opinião , inicialmente a opinião local de grupos privilegiados, uma corte, um parlamento, uma capital, dos quais reproduziam os mexericos, as discussões, os discursos; acabaram por dirigir e modelar a opinião quase a seu bel-prazer , impondo os discursos e às conversações a maior parte de seus temas cotidianos. (TARDE, 2005, p.69-70).

O sociólogo francês analisa também a conversa, que entende ser o “fator de opinião

mais contínuo e universal” (TARDE, 1991, p. 72). Uma pré-análise dos programas ancorados

por Ricardo Boechat, revela uma presença forte da opinião e um tom de conversação. Boechat

utiliza recursos, que estabelecem com o ouvinte uma conversa. Essa noção é importante, pois

para Tarde (1991) a conversa é o “agente mais poderoso da propagação dos sentimentos, das

ideias e dos modos de ação”. (TARDE, 1991, p. 73).

A opinião do âncora é emitida pelo comentário, gênero que para Martínez Albertos

(1974) é como um editorial assinado. Para Eugênio Castelli (1968) é um gênero intermediário

entre o editorial e a crônica porque utiliza o método expositivo do editorial, mas introduz a

ironia e o humor da crônica.

Para Melo (2003), o comentário tem especificidades enquanto estrutura narrativa do

cotidiano.

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Trata-se de um gênero que mantém a vinculação estreita com a atualidade, sendo produzido em cima dos fatos que estão ocorrendo. Vem junto com a própria notícia. Por isso é difícil de ser realizado, exigindo muita argúcia no sentido de evitar prognósticos não confirmáveis. (MELO, 2003, p.115).

O opinion-maker surge no jornalismo norte-americano. É o profissional que emite

opiniões e valores capazes de credibilidade. O comentarista diferencia-se dos demais

jornalistas por ser um “observador privilegiado que tem condições de descobrir certas tramas

que envolvem os acontecimentos e oferecê-los à compreensão do público”. (MELO, 2003,

p.112). O comentário, ao contrário do editorial, não representa a opinião da empresa, pois sua

vigência é uma função da projeção do comentarista:

Criando vínculos com os receptores, o comentarista torna-se um ponto de referência permanente. Suas avaliações da conjuntura são buscadas porque o cidadão quer saber como comportar-se diante dos acontecimentos, reforçando seus pontos de vista ou procurando conhecer novos prismas para entender a cena cotidiana. (MELO, 203, p.113).

Castelli (1974) identifica três tipos de comentários: i) o que faz análise de um

problema é similar ao editorial, maneja dados eruditos, imprimindo certa subjetividade, mas

agregando traços de humor e ironia; ii) aquele que utiliza o estilo de relatório (documentação

de um fato), valendo-se das informações da reportagem, sem excluir a formulação de juízos

pessoais, provenientes da observação direta; e iii) a crítica de uma situação (apreciação

pessoal, realçando a natureza da situação analisada, mas antecipando as possibilidades de

solução).

Segundo Melo (2003), o comentário ainda não teve seu diagnóstico feito com precisão

no jornalismo brasileiro. Historicamente, ele teria surgido na década de 1950 com a expansão

da televisão, mas em 1964 com o Golpe Militar sofre declínio. A censura e o fechamento das

fontes de informação contribuem para o cerceamento do trabalho dos jornalistas. Alguns

foram cassados e outros, acuados, tiveram o trabalho restringido pelas empresas de

comunicação. Sobreviveram a este período Carlos Castelo Branco (Diário Carioca e Revista

O Cruzeiro), Carlos Chagas (O Globo e o Estado de S. Paulo) e Newton Carlos (Jornal do

Brasil, TV Globo, TV Bandeirantes). Nesse período, o jornalismo também se abriu para os

comentários esportivos.

No final dos anos 1970, se abre novamente espaço para o comentário no jornalismo

diário e se destacam nomes como Alberto Dines, Ruy Lopes, Josué Guimarães e Samuel

Wainer, entre outros. A maioria atuava em jornais impressos. Nesse período, um destaque do

rádio foi Vicente Leporace que por 16 anos manteve na Rádio Bandeirantes o programa O

Trabuco onde comentava o noticiário publicado nos jornais da manhã. Uma vinheta com

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recursos sonoros que remetiam ao disparo de uma arma, referência ao trabuco, arma de fogo,

anunciava a proposta do programa: “Seu Leporace agora com o trabuco vai comentar as

notícias dos jornais. Seu Leporace agora com o trabuco vai dar um tiro nos assuntos

nacionais”. Na última edição do programa Leporace comenta de forma irônica, mas em tom

sério, o anúncio de novos governadores pelo governo Geisel, responsável por iniciar a política

de distensão.

Os jornais de São Paulo destacam (...) me parece que vamos ter a partir de segunda-feira a semana da agonia. Muita gente vai ficar enfartada, vai ter distúrbios cardíacos, porque acontece que na segunda-feira, de acordo com os noticiários, começam a ser conhecidos os nomes governadores de estado. (Programa O Trabuco, 15/04/1978).

Melo (2003) observa que o comentário radiofônico ainda mantém essa dependência

em relação ao jornal diário. Uma rápida observação dos radiojornais analisados nesta pesquisa

confirma essa relação com o impresso. Como ambos são jornais das primeiras horas do dia,

pode-se afirmar que os impressos funcionem como fontes de informações antes que as

respectivas produções tenham acesso direto aos entrevistados. Por exemplo, na edição de

09/04/2012 o âncora Ricardo Boechat lê e comenta uma notícia veiculada no Jornal O Globo,

referente a realização do Festival Musical Lollapalooza.

Hoje o Jornal O Globo traz uma reportagem da Cristina Tardáguila que é o seguinte: Quanto vale o show? Com a seguinte pergunta: porque os preços dos ingressos para ver apresentações no Rio de Janeiro, hoje são os mais caros do mundo? (...) Bob Dylan, 500 reais no Rio, 150 reais em São Paulo, 83 em Buenos Aires. (grifos nossos).

Outro exemplo que pode ser mencionado é do Jornal da CBN, de 09/04/2012, quando o

âncora Milton Jung também se vale do jornal impresso como fonte para um comentário sobre

a ineficiência do poder público na prevenção de um acidente ambiental que voltou a fazer

vítimas fatais em Teresópolis, no Rio de Janeiro.

Primeiro ponto a se chamar atenção em relação a este fato que aconteceu no RJ, que se repetiu no RJ, mas especialmente o não funcionamento do sistema de alarme, como se previa, é a curiosidade de se mostrar um sistema que foi instalado a tão pouco tempo de mostrar ineficiente, e, além disso, a necessidade de implantação de uma nova tecnologia e uma tecnologia que já existia na época que essa foi instalada, portanto porque já não se fez esse trabalho anteriormente? Segundo aspecto: hoje o Jornal O Globo chama a atenção para isso: mostrando que a nova tragédia que deixou cinco mortos na região serrana ocorreu sem que os problemas provocados pelo maior desastre natural da história do Brasil tenham sido solucionados. (grifos nossos).

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Ao tornar pública a ineficiência do Estado, Milton Jung, atua no sentido de dar

visibilidade social à questão, tentando reduzir o que Rodrigues apud Castro (1997) chama em

relação à política, de zonas de segredo. Castro (1997) explica que nem toda a obsessão de

transparência da prática política nas sociedades democráticas elimina as zonas de sigilo que

marcam este campo.

É como se o acesso mediatizado à realidade faça com que o segredo se desloque continuamente para os campos em que a realidade é apropriada, de forma direta, pela experiência, algo que é cada vez mais dificultado ao cidadão comum que não participa dos círculos de poder, nem dispõe de conhecimentos especializados que o habilitem a entrar em círculos tecnocráticos. (CASTRO, 1997, p. 205).

Para a autora, no campo da política os mecanismos de produção de visibilidade e de

verdade seriam a opinião pública e a mídia. A mídia divulgaria as informações sobre o poder,

produzindo a transparência e a visibilidade, eliminando o segredo e o sigilo existentes na

política.

No caso da opinião emitida pelo âncora podemos caracterizá-la como opinião

publicada. Freitas e Pires (2009) utilizam a definição de Tönnies para opinião publicada,

sendo entendida como aquela “publicamente expressa” e endereçada a recipientes em geral.

Ao analisar a categoria opinião publicada, Freitas e Pires (2009) alertam que “a ‘opinião

jornalística’ - que não se reduz aos termos ‘jornalismo de opinião’ ou ‘jornalismo opinativo’ -

está presente no jornalismo, qualquer que seja seu formato, ainda que em menor grau, de

forma mais ou menos explícita”. (FREITAS; PIRES, 2009, p.130).

Os autores defendem a impossibilidade de encaminhar uma reflexão sobre opinião

jornalística, levando-se em conta a distinção clássica entre jornalismo informativo e opinativo.

Segundo os autores as tipologias usuais – informativo, interpretativo e opinativo – pouco

ajudam na análise de produção jornalística contemporânea no Brasil. Para os autores ao

analisar a produção de opinião jornalística alguns consequências devem ser levadas em

consideração: i) a existência de uma complexa e intricada rede de formação de opiniões na

sociedade brasileira, que já não se deixe revelar por meio de categorias e instrumentos

analíticos tradicionais; ii) o papel da “opinião publicada” nessa complexa rede e a perda de

importância relativa ao conjunto das opiniões que se formam e se consolidam em hegemonias

provisórias; iii) a consequente radicalização opinativa dos espaços e autores das “opiniões

publicadas”, que passam a manter opiniões com aparência de jornalísticas , mesmo quando

não confirmadas por estas, e iv) a ausência da controvérsia nos espaços opinativos

“oficiais”. As opiniões são em quase totalidade expressões de UMA SÓ opinião (grifo dos

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autores) defendida por vozes diferentes, estabelecendo-se assim um simulacro de pluralidade

de vozes. Como exemplos que demonstram as mudanças citadas, Freitas e Pires (2009) citam

o plebiscito de 2005 sobre o desarmamento, derrotado nas urnas, enquanto era defendido por

produtores de opinião, e a reeleição de Lula, após um período de críticas e de denúncias do

mensalão, envolvendo o PT, partido do Presidente.

Ao emitir opinião, o âncora acaba por colocar em questão mitos profissionais do

jornalismo como objetividade, neutralidade e imparcialidade, pois evidencia, no discurso

jornalístico um caráter ideológico, uma subjetividade que não é percebida na reportagem por

seguir processos seletivos para chegar a verdade. Fausto Neto (1998) afirma que

a verdade para o jornalismo passa sempre por um processo de busca e de designação. O fazer jornalístico para o autor aponta para o campo da leitura de uma espécie de real. É dar sentido, produzir o real de acordo com um enquadramento mediante um processo técnico, mas que é, antes de mais nada, um processo ético. (FAUSTO NETO,1998, p.6).

Os componentes subjetivos também contribuem no processo de atribuição de sentido ao

real como explica Genro Filho (1987) “qualquer gênero de conhecimento é tanto revelação

como atribuição de sentido ao real; assim como a projeção subjetiva não pode ser separada da

atribuição subjetiva de um sentido à atividade”. (GENRO FILHO, 1987, p.66). Para o autor,

ética, ideologia, interpretação e opinião são pré-condições para formação do discurso

jornalístico.

O julgamento ético, a postura ideológica, a interpretação e a opinião não formam um discurso que agrega os fenômenos somente depois da percepção, mas são sua pré-condição, o pressuposto mesmo da sua existência como fato social. Não há um fato e várias opiniões e julgamentos, mas um mesmo fenômeno (manifestação indeterminada quanto ao seu significado) e uma pluralidade de fatos, conforme a opinião e o julgamento. Isso quer dizer que os fenômenos são objetivos, mas a essência só pode ser apreendida no relacionamento com a totalidade. E como estamos falando de fatos sociais, a totalidade é a história como autoprodução humana, totalidade que se abre em possibilidades cuja concretização depende dos sujeitos. (GENRO FILHO, 1987, p. 49).

Kovach e Rosenstiel (2004) 14F

15 acreditam que existem forças a enfraquecer a busca de

veracidade empreendida pelos jornalistas. Os autores alertam para a nova configuração da

realidade nas redações. As notícias se tornaram mais fragmentadas; as fontes exercem maior

15 Os dois autores integram o Comitê dos Jornalistas Preocupados, que realizou pesquisa abrangente junto a jornalistas e cidadãos norte-americanos (ao todo, 21 discussões públicas, com a presença de três mil pessoas e o testemunho de mais de 300 jornalistas). O livro Os elementos do jornalismo (2004) é resultado dessa iniciativa.

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poder sobre os jornalistas que as cobrem; diferentes padrões jornalísticos desmantelam a

função de guardiã da imprensa; argumentos baratos, polarizadores se transformam em

reportagens devastadoras e a imprensa mais e mais se concentra na busca da grande matéria,

em busca de uma audiência fragmentada.

A crítica à objetividade, neutralidade e imparcialidade, no âmbito da teoria do

conhecimento é positiva, mas não pode caminhar de forma a desencadear um processo de

desconstrução da atividade jornalística. O trabalho do jornalista/âncora exercido dentro dos

princípios éticos pode contribuir, como defendia Lippmann há nove décadas, para trazer luz

aos fatos escondidos, colocá-los um em relação ao outro e fazer um quadro de realidade no

qual os homens possam agir. Sem nos esquecermos de que a verdade universal é uma utopia.

2.4 Um novo enunciador jornalístico: o surgimento do âncora

O fazer jornalístico balizado pela verdade institui-se como um norte sinalizado pela

deontologia da profissão e que tem sobrevivido mesmo diante de alterações fundamentais em

alguns paradigmas do próprio campo comunicacional. Mudanças, aliás, perceptíveis no

campo do próprio jornalismo, como foi o surgimento, na década de 1950, nos Estados Unidos,

da figura do anchorman. O âncora assumiu a função de mediador social que, de modo

transparente, revelaria a realidade/verdade de forma objetiva. O jornalista e âncora Walter

Cronkite foi o precursor, o primeiro a incluir opinião ao jornalismo televisivo, até então

marcadamente informativo.

Conhecido como o “homem mais confiável da América” o jornalista construiu essa

reputação cobrindo eventos como o assassinato do presidente Kennedy, a morte de Martin

Luther King, a guerra do Vietnã e a crise dos reféns americanos no Irã. Suas transmissões

eram encerradas com o bordão “And that’s the way it is” (E é assim que as coisas são)”, uma

reiteração da concepção de verdade atribuída a Platão15F

16.

Ao longo de sua carreira Cronkite foi citado várias vezes como o homem de maior

credibilidade nos Estados Unidos. Para muitos no fim da década de 1960 teria contribuído

16 Essa atuação como mediador e revelador de uma verdade nos remeteria ao ‘mito da caverna’” de Platão, em que o âncora representaria o homem acorrentado que se liberta, sai da caverna e volta para contar aos companheiros sobre o mundo real que existe fora daquele ambiente. Mas contrariamente a fábula de Platão ele não é morto e alcança a confiança de sua audiência. Na prática, Platão projeta um mundo no qual os homens não devem acreditar nas primeiras certezas ou nas aparências, procurando acolher sempre quem mostra a verdade. Nessa analogia a caverna seria o estúdio. O jornalista sai do estúdio, experimenta a realidade e a transmite ao público.

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para virar a opinião pública contra a Guerra do Vietnã. A virada de opinião em relação a

Guerra do Vietnã é um episódio polêmico até hoje para os americanos. O conflito, entre 1959

e 1975, envolveu Vietnã do Sul (capitalista) e Vietnã do Norte (comunista). A partir de 1965

os Estados Unidos enviam tropas de apoio ao Vietnã do Sul, mas retiram as tropas em 1973.

Dois anos depois o Vietnã foi reunificado sob o sistema socialista. A guerra ocorre no período

chamado de Guerra Fria, quando americanos e soviéticos se envolveram em guerras

localizadas em outras partes do mundo como África, Ásia e América.

Ao voltar da cobertura, chocado com imagens de fuzileiros mortos, o âncora da CBS

passou a defender a opinião de que a guerra não poderia ser vencida pelos americanos,

embora eles a estivessem vencendo nos campos de batalha. Para muitos especialistas a guerra,

longa, cara e desgastante para o governo americano foi perdida para a mídia. Os

desdobramentos da cobertura da Guerra do Vietnã e a atuação de âncoras na atualidade levam

a uma reflexão sobre a credibilidade desse profissional. Como ela é construída? Como é

construída a opinião desse profissional? Por que ela passa a ter o valor de verdade?

Para entender a atuação do âncora no rádio é importante resgatar a origem da função,

que se dá na televisão na década de 1940. O termo anchorman, que teria sido criado pelo

diretor de jornalismo da CBS, Sig Mickelson, teria sido utilizado pela primeira vez no ano de

1948, na Philadelphia (EUA), durante a cobertura de uma convenção de dois partidos

políticos, na definição de seus delegados. Um apresentador-noticiarista passou a centralizar

todas as informações da cobertura jornalística eleitoral, realizada por aquele canal televisivo.

Squirra (1993) resgata a trajetória do âncora nos Estados Unidos e afirma que ele passou a

categoria de estrela, ganhando espaço dentro do grande apreço na cultura norte-americana

por ricos e famosos.

Como estrelas que movimentam as bilheterias dos cinemas por causa do artista principal, as redes passaram a ostentar os nomes dos âncoras nos telejornais para atender a essa demanda por personalização do espetáculo. (SQUIRRA, 1993, p.66).

Walter Cronkite, a partir da cobertura da convenção em 1948, passou a ser

considerado pela imprensa norte-americana o mais importante âncora da história da CBS e do

telejornalismo dos EUA. Ele é descrito como um homem que não era sofisticado ou

intelectual, evitava análises profundas, adorava notícias fortes, mas que tinha o dom da

palavra e o que dizia era geralmente claro e compreensível, além de um modo de locução que

impunha uma certa ‘autoridade’. Squirra explica como se forma o caráter opinativo do âncora

norte-americano:

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[...] os âncoras... exercem de alguma forma, atuação opinativa no conteúdo desses programas. Dessa forma é possível concluir que eles direcionam editorialmente os telejornais. Que, de uma forma ou de outra, representa a sua visão de mundo, sua forma de encarar os grandes problemas nacionais e mundiais e de valorização de um fragmento da realidade social que eles julgam ser o mais valioso para os telespectadores. (SQUIRRA, 1993, p.180).

Em sua pesquisa sobre o papel do âncora na televisão Squirra (1992) resgata uma

definição de Cronkite sobre o que ele considerava ser o papel deste profissional:

Basicamente, é um jornalista com a paciência e a curiosidade de ler, com a maior isenção possível, os jornais impressos do dia; esse jornalista deve ter uma visão de mundo, dispor de uma cultura humanística e histórica que lhe permita descobrir, mesmo em uma pequena anedota, a sua importância trágica ou uma terrível comicidade; alguém em condições de estar, permanentemente chocado pela realidade, mas com o poder de se apresentar diante dos telespectadores sem que olhos e músculos reflitam qualquer tipo de emoção indesejável; alguém que acompanhe, na redação, o nascimento e o desenvolvimento da notícia; uma pessoa capaz de sofrer, durante dez minutos, para escrever um bom texto de duas linhas e, ao mesmo tempo, improvisar com naturalidade e conhecimento de causa uma locução de dois minutos sobre algum acontecimento de última hora; alguém com ar de serenidade e respeito pelos outros; traços corretos, boa voz, um ritmo dialogal de leitura e – exigência suprema!- um ar inteligente. (SQUIRRA, 1992, p. 118).

Ao observarmos a atuação do âncora no telejornalismo brasileiro percebe-se que

aqui ele não assume as mesmas atribuições do profissional norte-americano. Se nos Estados

Unidos ele simboliza a expressão máxima de credibilidade e orientação editorial do veículo,

no modelo brasileiro, ele acaba por desempenhar a função de caráter mais administrativo, de

coordenação de programas jornalísticos especiais. Há divergências sobre quem primeiro teria

ocupado essa função na TV brasileira.

Squirra (1993), ao resgatar a história do âncora no jornalismo brasileiro, nos lembra que

Cláudio Mello e Souza, autor do livro, JN 15 anos de História no Brasil atribui a primeira

tentativa de emplacar esta função no Brasil teria ocorrido em 1976, pela Rede Globo

durante a cobertura das eleições municipais. O repórter Costa Manso teria recebido a

sugestão para atuar como uma espécie de anchorman, mas, na prática, o trabalho teria sido o

de centralizar as informações que chegavam de outros Estados, em uma experiência bem

distinta dos padrões norte- americanos. Ainda segundo Squirra, contradizendo essa versão, em

uma entrevista, o jornalista Alberico Souza Cruz afirmou que o primeiro âncora foi Carlos

Monforte.

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No telejornalismo brasileiro, a lista de profissionais que teriam ocupado a função inclui

nomes como Carlos Nascimento, Pedro Bial, Maria Lydia e Marília Gabriela, entre outros. A

falta de uma clara definição em relação às competências e atribuições do âncora e mesmo o

cenário sócio-político em que o País se encontrava até a primeira metade da década de 1980

contribuíram, certamente, para que, no telejornalismo, as distinções entre apresentador e

âncora não ficassem determinadas de modo tão claro.

Em 1988, o jornalista Boris Casoy assumiu a ancoragem do TJ Brasil, telejornal do SBT

e agregou nova característica à prática da ancoragem no País, ao emitir opiniões próprias,

veiculadas sob a forma de comentários. Tais comentários formulados por Casoy ficaram

marcados pelo fato de o âncora concluí-los usando bordões como “É uma vergonha” e “É

preciso passar o Brasil a limpo”. Pode-se dizer que essa postura abertamente mais crítica e

marcadamente esteticizada do jornalista inaugurou, no telejornalismo brasileiro em nível

nacional, um novo lugar de fala e de abordagem pelos condutores/apresentadores de um

noticioso jornalístico na televisão. O bordão, recurso linguageiro, usado por Boris assumiria

assim a função de postular um posicionamento em relação a determinado fato/situação, e de

buscar criar uma aproximação com o telespectador.

No Brasil, ao analisarmos historicamente a implantação e o modo de exercício do

âncora, tanto na televisão quanto no rádio, percebemos que os veículos têm procurado adaptar

correntes de duas escolas de jornalismo reconhecidamente distintas. Na escola norte-

americana, o âncora é combativo e direciona editorialmente o telejornal. Já no modelo

europeu, o âncora tenta dar aos ouvintes/espectadores uma visão ampla permitindo que cada

um tire sua conclusão a respeito do fato apresentado.

Segundo a jornalista Maria Lydia Flandoli, no modelo europeu, mesmo que tenha sido

inspirado nos Estados Unidos, o âncora não é visto como uma estrela, tornando-se, em alguns

momentos, mais importante do que a notícia. Na Europa, tal figura não tem espaço. “A

opinião dele ofende o discernimento do telespectador europeu”. (FLANDOLI, 2005). Uma

pré-análise do objeto de estudo sugere-nos que Ricardo Boechat se aproximaria mais do

modelo adotado por Boris Casoy, no final dos anos 1980, no SBT, enquanto Milton Jung se

aproximaria do modelo americano.

O âncora caracteriza-se pela autonomia que possui para exercer seu papel, como

liberdade de atitudes, e do modo de falar - estratégias que utiliza e transmitem confiabilidade.

A liberdade é condicionada, entretanto, pela linha editorial da empresa, sendo em grandes

grupos de comunicação definidas no manual de redação.

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Para Fausto Neto (1996), o papel do âncora na televisão representa o lugar de

condução, apresentação, pontuação, interpretação – produção do real, mediante a mobilização,

de vários códigos verbais que passam pela linguagem corporal e pela forma como a imagem

dele se apresenta para o público. Na transposição para o modelo adotado pelo rádio, o âncora

assume o mesmo papel de apresentar, pontuar e interpretar os acontecimentos de destaque no

mundo. Assim, como o profissional de TV o âncora no radiojornalismo também confere

veracidade e credibilidade ao que está sendo dito. O ethos jornalístico, os modos de

enunciação, a voz e a linguagem radiofônica, construída por trilhas e também pelo silêncio,

contribuem para conferir verdade ao discurso jornalístico produzido pelo âncora.

A retoricidade jornalística também contribui para esse resultado. Para Souza (2002) é a

partir do modo de olhar a prática jornalística e da sua compatibilidade com um modelo de

verdade progressivamente afirmado por renovados desenvolvimentos teóricos que se torna

possível detectar o caráter retórico do jornalismo. Para o autor a retoricidade se explica pela

necessidade de uma argumentação que justifique e aprove o acerto ou a preferência de uma

interpretação para comunicar um fato, já que é sempre a avaliação da realidade e nunca o fato

em si mesmo que é narrado.

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3 O ÂNCORA NO RADIOJORNALISMO ALL NEWS

Neste capítulo, apresenta-se discussão sobre a implantação do radiojornalismo all news

no Brasil e o modo como o jornalismo radiofônico brasileiro se apropriou e tem se valido da

figura do âncora como elemento fundamental em sua programação na busca de credibilidade e

fidelização da audiência. Aborda-se ainda os modos de enunciação do âncora no

radiojornalismo.

3.1 Da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro à Frequência Modulada

O rádio chegou ao Brasil nos anos 1920. Oficialmente, a primeira transmissão

radiofônica ocorreu em caráter experimental durante as comemorações do centenário da

Independência do Brasil. Oitenta receptores instalados pela Rádio Sociedade do Rio na Praia

Vermelha no Rio de Janeiro levaram aos moradores da cidade, além de Niterói, Petrópolis e à

cidade de São Paulo o discurso do presidente da República, Epitácio Pessoa.

Felice (1981) atribui caráter jornalístico à primeira transmissão, já que, segundo o

autor, a irradiação inaugural contou com a leitura de uma carta enviada pela Princesa

Leopoldina, um século antes, aconselhando Dom Pedro I a proclamar a independência

brasileira. Entretanto, as transmissões, possíveis graças a instalação de um transmissor no

Corcovado pela Westinghouse ficaram, inicialmente, nessa primeira experiência e como

apenas mais um ponto da programação das comemorações do centenário da independência

brasileira.

A falta de um sistema de transmissão e de captação regular de ondas fez com que a

implantação efetiva do rádio fosse adiada e retomada um ano depois pelo governo de Artur

Bernardes, que instalou na Praia Vermelha uma pequena estação que passou a transmitir

programas literários, musicais e informativos. Alguns autores afirmam, porém, que a Rádio

Clube de Pernambuco, fundada por Oscar Moreira Pinto, em Recife, foi a primeira emissora a

realizar uma transmissão radiofônica no país, no dia 6 de abril de 1919, com um transmissor

importado da França.

Ortriwano (1990) destaca o papel social e político que o rádio assume no país a partir

dos anos 20 do século passado:

(...) o rádio participou de todos os movimentos da vida brasileira. Ajudou a derrubar a República Velha, participou da Revolução de 32, fez extensos noticiosos sobre a Segunda Guerra Mundial. Desempenhou importante papel no Golpe Militar de 64,

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participou ativamente da redemocratização durante a Nova República e, pouco depois fez ecoar país afora o processo de impeachment de um presidente da República”. (ORTRIWANO, 1990, p.68).

Ao antropólogo Roquette-Pinto, um apaixonado pelo rádio, se deve a criação e

apresentação do primeiro jornal do rádio brasileiro - Jornal da Manhã - no início das

atividades da Rádio Sociedade, hoje denominada Rádio MEC. Ortriwano (1990) lembra que o

programa irradiado pela Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, levava aos ouvintes a leitura dos

jornais matutinos com novas informações sobre o país de origem, as personagens e os

antecedentes do fato.

A leitura das notícias dos jornais impressos é uma característica da primeira fase do

rádio no Brasil. Os programas jornalísticos recebiam literalmente o nome de jornais falados.

O procedimento de recortar as notícias e ordená-las para leitura passa a ser conhecido como

gillette-press. O improviso também era uma característica do meio radiofônico nesse período.

Nessa fase inicial, as emissoras se organizavam como clubes, vivendo do pagamento de

mensalidades por parte de associados. Nos anos 1930, as emissoras se multiplicam e o rádio

ganhou força política no país. Em 1931, são inauguradas as Rádios Record e América de São

Paulo; em 1935, a Rádio Jornal do Brasil; em 1936, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro; em

1937, a Rádio Bandeirantes e , em 1938, a Rádio Globo, que mais tarde passa a ser a emissora

AM mais popular do país. A década de 1930 marca, ainda, a estruturação do rádio como

negócio – a regulamentação legal para a publicidade radiofônica data de 1932 – e sua

consequente profissionalização.

A Rádio Nacional se tornou um marco na radiodifusão no País com seus programas de

auditório, comédias e radionovelas. Entre os anos 1930 e a primeira metade dos anos 1950 a

emissora era uma das líderes de audiência do rádio brasileiro. Principalmente a partir de

1940, quando foi encampada pelo governo Getúlio Vargas, a Rádio Nacional se torna modelo

e marca presença em todo território por meio de sua programação. O apoio financeiro do

governo e a publicidade comercial contribuem para que a emissora desempenhe este papel

pioneiro.

Entre as inovações apresentadas pela Rádio Nacional está o lançamento, em 1941, do

Repórter Esso, marco do radiojornalismo brasileiro. Idealizado pela McCann Erickson,

agência que detinha a conta da Esso, o programa estreou no Brasil em 28 de agosto de 1941.

Nessa fase, o rádio já se consolidara como meio de comunicação de massa. Por isso mesmo,

foi percebido como um recurso importante para as operações de caráter ideológico e cultural

desenhadas pelo governo norte-americano para ampliar sua influência nos países tidos como

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do Terceiro Mundo, entre eles o Brasil e os vizinhos latino-americanos. Um dos objetivos era

difundir os ideais dos Aliados contra o nazi-fascismo. O noticiário colocava valores adjetivos

para os feitos dos Aliados e depreciativos para os inimigos.

Inicialmente muito ligado na divulgação de notícias e informações associadas ao modo

de vida norte-americano e aos acontecimentos ligados às guerras travadas pelos Estados

Unidos, o Repórter Esso foi implantado também pela Record de São Paulo. Nos anos

seguintes formou-se a rede do Repórter Esso com a participação das Rádios Inconfidência

(Belo Horizonte), Farroupilha (Porto Alegre) e Clube de Pernambuco (Recife). O papel do

noticioso na difusão de informações sobre a guerra é indiscutível.

Em 1945, ao se aproximar o fim da guerra, Heron Domingues, que esteve à frente do

programa por 18 anos, reproduz um front de campanha na Rádio Nacional como relata

Klochner: (...) o locutor Heron Domingues montou um posto (com cama e outros materiais de campanha), reproduzindo, no estúdio da Rádio Nacional, um pequeno cenário do front de combate. Ali, solitário – espécie de soldado a guarnecer o território conquistado, empunhando o microfone como se fosse um fuzil, e, com os olhos de águia, sempre voltados para o teletipo - , aguardava a notícia do final da guerra, que poderia chegar a qualquer momento, via United Press Associations, UPA, uma das principais agências noticiosas do planeta.(KLOCKNER, 2008, p. 15)

O autor destaca a importância do Repórter Esso para o radiojornalismo:

Com o Esso foram implantados no País as técnicas da síntese noticiosa, transmitida com pontualidade, com o texto sucinto, direto, vibrante, aparentando imparcialidade, contrapondo-se aos longos jornais falados, característicos da época. Com um formato inovador, ele não teve influência somente no estilo do radiojornalismo brasileiro, mas também nas disputas políticas, ideológicas e culturais. (KLOCKNER, 2008, p.16).

O Grande Jornal Falado Tupi (1942) e o Matutino Tupi (1946) também foram marcos

na história do rádio. O Matutino, criado por Coripheu de Azevedo Marques, sobreviveu a

10.287 edições, sendo a última em 31 de janeiro de 1977. O modelo adotado pelo Matutino

Tupi era imitado por várias emissoras nacionais e ocupava quase todos os sessenta minutos de

duração para repetir as notícias dos jornais impressos.

O radiojornalismo avançou acompanhando as inovações tecnológicas, mas o

radiojornalismo esportivo foi mais rápido. Soares (1994) esclarece que o gênero esportivo

pode ser considerado pioneiro e desbravador, antecipando soluções e mostrando caminhos.

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O Departamento de Esportes, como setor estruturado em torno de um objetivo, antecipou a criação do Departamento de Jornalismo nas emissoras. O jornalismo radiofônico do Brasil começou a tomar forma em 41, com o lançamento do Repórter Esso, durante a Segunda Guerra Mundial, com texto fornecido pela United Press Internacional. Isso quando o noticiário esportivo já era feito normalmente nas emissoras de rádio. (SOARES, 1994, p.58).

O Departamento de Esportes foi implantado em 1947 pela Rádio Panamericana, uma

equipe formada por locutores, comentaristas e repórteres. Já o Departamento de Jornalismo

surge em 1948, na Rádio Nacional. Moreira (1991) conta que Heron Domingues na Rádio

Nacional foi o primeiro a organizar uma equipe com rotina e hierarquia. Em 1954, a Rádio

Bandeirantes adotou um novo modelo de programação jornalística. Sampaio citado por

Ortriwano (1990) explica que tratava-se de um sistema intensivo de noticiário em que as

notícias com um minuto de duração entravam a cada quinze minutos e, nas horas cheias, os

boletins a cada três minutos.

Se o cenário político e a Segunda Guerra Mundial contribuíram para dar popularidade

e agilidade ao rádio, os avanços tecnológicos também tiveram papel fundamental. Ortriwano

(1990) explica que o primeiro deles foi o surgimento do transistor, que pôs fim às válvulas

que exigiam que os equipamentos fossem de maior porte. Com isso, também, os aparelhos de

rádio passaram a ter pilhas como fonte de energia, o que levou à miniaturização dos

aparelhos, tornando-os portáteis. Essa nova característica de portabilidade levou a mudanças

de comportamento na recepção radiofônica, pois anteriormente as famílias se reuniam na sala

para ouvir o rádio. Nesse momento, o rádio, também, ganhou agilidade na transmissão da

informação. As estações móveis de transmissão e o gravador magnético deram-lhe mais

rapidez e imediatismo. Meditsch (2001) destaca a importância do desenvolvimento da

fonografia para o rádio ao introduzir a transmissão diferida, o som adiado, que oferece novas

possibilidades à programação e também à linguagem do radiojornalismo.

Com ele [som adiado] a possibilidade da emissão de um som independentemente do momento de sua produção, novas facilidades para o seu transporte, a viabilização de seu armazenamento por tempo ilimitado e renovadas maneiras de manipulá-lo, cortá-lo, montá-lo, emendá-lo, enfim, editá-lo conforme a intencionalidade definida pelo profissional ou pela programação. (MEDITSCH, 2001, p.117).

Nessa fase, tem destaque o papel desempenhado pelo Rádio Continental do Rio de

Janeiro, considerada por Felice (1981) Moreira (2000), a primeira emissora a colocar nas ruas

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uma equipe de repórteres, capitaneados por Carlos Palut16F

17. Segundo Felice (1981), a Rádio

Continental criou os chamados profissionais do microfone volante:

Deve-se a Carlos Palut a criação da reportagem externa em rádio. Ele formou uma escola que mais tarde seria seguida pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Integravam essa equipe Manoel Jorge, Paulo Caríngi, Dalwan Lima, Perez Júnior, Jorge Sampaio, Paulo César Ferreira, os quais eram chamados de “profissionais do microfone volante”. (FELICE, 1981, p. 69).

Ainda em relação à Continental, Felice relata que em 1966, por ocasião de uma

enchente que provocou o desmoronamento de um prédio na Praça General Glicério, no Rio de

Janeiro, a emissora se transformou em um “quartel-general”, de toda a operação de socorro e

também de porta-voz do governo, já que todas as informações oficiais eram transmitidas à

Continental. A emissora se destacou também na cobertura da explosão de paióis do Exército

em Deodoro, em 1959, no Edifício Astória, na Cinelândia, e no Circo Americano, em Niterói,

onde morreram mais de 300 pessoas. Percebe-se na cobertura desses eventos a utilização do

veículo como prestador de serviço, de utilidade pública, característica detectada por

Ortriwano (1990), em sua tese de doutoramento.

Os avanços tecnológicos trouxeram modificações tanto em relação ao modo de se

fazer o radiojornalismo quanto em relação a sua própria linguagem, valorizando

características como a transmissão da notícia em tempo real e diretamente do local em que o

fato está se dando. Fernández (2008) acredita que, ao aproveitar as possibilidades do vivo, o

rádio traz uma nova fronteira entre o mundo cotidiano e atualidade. O autor acredita que as

possibilidades de entradas ao vivo, as notícias de último minuto e outras formas de discurso

como os boletins informativos contribuíram para levar ao ouvinte uma visão quase

instantânea da realidade. (FERNANDEZ, 2008).

Outro caminho encontrado pelo rádio foi a transmissão em FM, que foi regulamentada

pelo governo federal, no Brasil, nos anos 1960. Por transmissão em AM (Amplitude

Modulada) entende-se a modulação da amplitude das ondas e, por FM (Frequência

Modulada), a modulação da frequência. Apesar da regulamentação nos anos 1960, o uso

comercial do rádio FM no Brasil se deu de forma mais efetiva a partir da década de 1970, com

o surgimento das primeiras emissoras de programação voltada para o público mais jovem e de

classe média.

17 Radialista da Emissora Continental do Rio de Janeiro. Apresentava o programa “Comandos Continental”.

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Ainda na perspectiva da segmentação, e mais de quatro décadas depois do surgimento

da TV no Brasil, e sob influência do jornalismo norte-americano, surgiu no Brasil a primeira

rádio com proposta de formato all news – a Central Brasileira de Notícias (1991), vinculada

ao Sistema Globo de Rádio.

As mudanças citadas se intensificaram a partir dos anos 1960 quando as empresas de

cultura e comunicações passaram por modificações que incluíram um processo de

racionalização e profissionalização crescentes. Para Ortiz (1988) essas mudanças se devem a

implantação de uma indústria cultural que modificou o padrão de relacionamento com a

cultura, uma vez que esta passou a ser concebida como um investimento cultural . Se nos

anos 1940 a mídia internacional projetava a identidade brasileira em Carmem Miranda, com a

consolidação de uma sociedade moderna no país, essa imagem é reorientada na medida que a

cultura brasileira passou a se integrar ao mercado ajustada aos padrões internacionais. Um

exemplo dessa transformação é a produção televisiva. Na década de 1950 essa produção era

feita de forma improvisada com auxílio de profissionais do rádio e do teatro. Sua evolução

dentro do contexto de produção cultural fez com que nas décadas de 1980 e 1990 a telenovela

se tornasse um produto nacional-popular exportado para vários países.

Ortiz (1998) afirma que no período anterior a consolidação da indústria cultural - entre

os anos 1940, 1950 - as empresas de comunicação viveram momentos caracterizados pela

precariedade. Depoimentos colhidos pelo pesquisador revelam que “a palavra é

recorrentemente utilizada em todos os relatos e pontua os testemunhos de atores, diretores,

publicitários, cineastas e técnicos. É como se toda uma época pudesse ser resumida a ela”

(Ortiz, 1998).

Para o autor a precariedade se vincula a incipiência das especializações e às

dificuldades tecnológicas e materiais de uma indústria cultural no Brasil. As empresas de

cultura e de comunicação cresciam no momento em que a sociedade vivia um grau

diferenciado de modernização e as dificuldades financeiras, tecnológicas e materiais

impunham uma resistência ao desenvolvimento.

3.2 Radiojornalismo: entre a informação e a notícia

Para abordarmos o conceito de all news é importante fazer referência ao estudo de

Medistsch (2001) sobre o jornalismo no rádio e a distinção entre radiojornalismo e rádio

informativo. Para o autor a transmissão de um fato ao vivo, por meio de uma reportagem

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simultânea vai ajudar a caracterizar um novo radiojornalismo: o conceito de rádio

informativo: O rádio informativo fala de coisas que, anteriormente, não eram notícia (a hora certa, por exemplo) e revoluciona a ideia da reportagem com as transmissões ao vivo. Aprofunda e contrapõe ideias e opiniões com facilidade e orienta as massas urbanas como o cão de um cego. Põe em contato os mais remotos pontos do interior e concede espaço para o receptor se manifestar como nenhum outro meio.( MEDISTSCH, 2001, p.31).

Ao defender a mudança de radiojornalismo para jornalismo informativo, Medistch

explica que o termo radiojornalismo originalmente remete ao jornalismo impresso, quando as

notícias lidas no rádio eram transcritas dos jornais, visão que pode obscurecer as novas

práticas que o jornalismo tem no rádio, já que o veículo possui características muito próprias e

nele a palavra não fica estática no tempo e no espaço.

O rádio informativo não é apenas um novo canal para a mesma mensagem do jornalismo, é também um jornalismo novo, qualitativamente diferente, e a designação diversa procura dar conta dessa transformação. (MEDITSCH, 2001, p. 30).

Para o autor, um dos fatores que leva a essa transformação é exatamente a transmissão

ao vivo, notadamente aquela que é simultânea ao desenrolar dos fatos, e que o autor denomina

vivo de quarto grau. É nessa transmissão que o ouvinte sente mais fortemente a sensação de

participar da ação. Meditsch (2001), o rádio informativo apareceu no final do século XX,

como uma criação da cultura ocidental, com importância imprescindível para a sociedade. A

especificidade do rádio informativo deve ser percebida no seu conjunto: construção, discurso

e objetivação. Para o autor, além da profundidade em relação à programação tradicional de

notícias, o rádio informativo é dirigido a um segmento seleto de público, realiza coberturas

especiais em determinados momentos17F

18 e se utiliza do processo de informação em fluxo

contínuo, seguindo as horas do relógio e, portanto, associadas às rotinas dos ouvintes. Desse

modo, estabelecem-se vínculos e hábitos como o de o ouvinte ligar o rádio em determinado

horário para saber a previsão do tempo, as condições do trânsito ou ouvir opinião sobre

determinado assunto.

O autor analisa vários aspectos do processo de construção do rádio informativo: i)

Mediação pessoal, ii) Mediação grupal e o fator profissional, iii) Mediação organizacional, iv)

18 O autor cita dois exemplos: a cobertura do incêndio do Chiado, em Lisboa, na década de 1980, e o incêndio do edifício Andrauss, em São Paulo, em 1977.

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Mediação do público, v) Inserção no espaço-tempo e rotina de produção, vi) Mediação técnica

e tecnológica, vii) Condicionamento econômico e político e viii) Variação histórica e cultural.

Esse novo jornalismo de rádio se torna mais interpretativo e analítico e nele se enquadram

produções caracterizas do pelo imediatismo e informação aprofundada. Betti (2009) acredita

que o ponto chave para definir uma programação all news é a diferença entre notícia e

informação.

A informação noticiosa é um formato específico dentro das possibilidades de se transmitir informação, e se analisarmos a tradução literal e os primeiros modelos de programação all-news é possível observar que é nela que está fundamentada a proposta da emissora, seja por meio de seu formato mais amplo, como a reportagem, ou mais condensado, como a nota. (BETTI, 2009, p.8).

O jornalismo informativo das emissoras all news apresentam um fluxo diferente do

praticado nas primeiras décadas do rádio quando o ordenamento e as convenções de

hierarquização de conteúdos foram importados do jornalismo impresso. Meditsch (2001)

afirma que a rotação e o fluxo do formato all news desestruturam o ordenamento linear que é

substituído pelo ordenamento circular em função do clock.

A hierarquização deixa de ser feita pelo critério do que vem antes ou depois para assumir um critério compatível com a fluidez, baseado na frequência, Em função dela, a duração do enunciado e a repetição de sua enunciação passam a ser os recursos predominantemente utilizados para enfatizar sua importância. (MEDITSCH, 2001, p. 202).

Dessa forma, percebe-se que as rádios all news poderiam ser classificadas como rádios

especializadas em formato fechado, as quais substituem a estrutura de grade por um relógio,

criando uma sequência estrutural de programação que se repetirá a cada período de tempo

pré-determinado. Martí i Martí, citado por Betti (2009), afirma que “o objetivo final é

conseguir uma fácil identificação por parte da audiência e uma clara diferenciação frente aos

formatos concorrentes em um mesmo mercado”. (BETTI, 2009, p. 124).

Observa-se nas programações das rádios all news que o clock, relógio, tem duração

temporal arbitrária: a CBN em seu jornal da manhã, Jornal da CBN, marca cada 30 minutos

com um resumo noticioso; as rádios 1010 Wins (americana) e BandNews adotaram 20

minutos; no caso da emissora brasileira a duração temporal é usada inclusive em seu lema: a

cada 20 minutos tudo pode mudar.

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Semprini18F

19 apud Meditsch (2001), explica que nas rádios all news a programação

procede linearmente, mas assume uma forma espiralada. Terminado o primeiro anel, nasce

outro imediatamente, reproduzindo o mesmo movimento, numa espiral que se alonga ao

infinito. Dessa forma rotação e repetição desestruturam as convenções de hierarquização

adotadas pelo rádio em suas primeiras décadas e que tentavam se organizar espacialmente

adotando a transposição de conteúdo do jornal impresso.

Importante também é analisar o trajeto percorrido pelo rádio a partir do surgimento da

TV que trouxe mudanças significativas para a produção e linguagem radiofônicas. Pode-se

dizer que o surgimento da TV no Brasil foi um marco para o radiojornalismo. A partir da

implantação do novo meio eletrônico a história da radiofonia assume novos contornos e

competir com o novo meio se torna um desafio, o primeiro grande desafio a ser vencido pelo

rádio. A chamada “fase vitrolão”, iniciada nos anos 1970 se estende pelos anos 1980 e por

quase duas décadas a maioria das rádios se limitou a tocar discos em praticamente toda a

programação. Neste momento os mais pessimistas chegaram a decretar a morte do rádio.

Mas foi exatamente durante a crise que as novas tecnologias surgiram e ajudaram o

rádio a superá-la e a implantar um novo jornalismo informativo. O transistor permitiu levar a

informação onde o ouvinte estivesse, o gravador magnético, a Frequência Modulada, as

unidades móveis de transmissão e a redução no tamanho dos equipamentos, contribuíram para

melhorar a qualidade das transmissões e reafirmar as principais características do rádio como

mobilidade, baixo custo, imediatismo e a instantaneidade, a sensorialidade, a autonomia e a

penetração. Outra contribuição que impulsionou o radiojornalismo foram as cadeias de rádio:

(...) tiveram um impulso em meados da década de 60 [as cadeias de rádio] com as melhorias nas telecomunicações brasileiras. Via Embratel, por linhas telefônicas e microondas, as emissoras entravam em rede e conseguiam, inclusive, fazer transmissões simultâneas ao vivo. (ZUCULOTO, 2004, p.37).

O conceito de rede, importante para implantação do formato all news, começou a ser

desenvolvido na passagem da década de 1970 para 1980 quando os donos das empresas viram

na integração uma possibilidade de fortalecer o meio, reduzir custos, além de padronizar

conteúdos em âmbito nacional. Antes disso, a ideia de rede era associada exclusivamente à

transmissão da Voz do Brasil. Segundo Ortriwano (1985), a primeira emissora a adotar a

programação integrada foi a L& C, atendendo a 80 emissoras (AM e FM). A L& C também

19 SEMPRINI, Andréa. Il flusso radiotelevisivo: France Info e CNN tra informazione e attualitá. Torino: Raí, Nuova Eri, 1994.

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foi responsável pelo lançamento do primeiro jornal de rádio em nível nacional, que era

transmitido por 60 emissoras, em 16 estados, via Embratel.

Além das características radiofônicas citadas, é importante abordar os diferentes níveis

de informação que, conforme Ortriwano (1985), abrangem diferentes categorias de

programas e formatos jornalísticos, levando-se em conta grau de profundidade, oportunidade

e divulgação, tempo de duração e também de apuração e produção das notícias. Para a autora,

o primeiro nível é o que ela denomina “fórmula mais pura de informação no rádio, ou seja, a

notícia emitida assim que se tenha conhecimento da ocorrência do fato”. Os profissionais do

rádio denominam esse produto de flash e ele pode ser inserido a qualquer momento da

programação, ou seja, é marcado pela urgência e rapidez da informação.

O segundo nível de informação também pode se valer dos flashes, mas em edições

extraordinárias e com mais tempo em coberturas de acontecimentos de grande impacto.

Podemos citar como exemplo o acidente com o avião da TAM, em Congonhas, em 17 de

julho de 2007, quando 187 pessoas morreram. Nesses acontecimentos, as emissoras

mobilizam equipes, autoridades, especialistas para a cobertura. O terceiro nível de informação

diz respeito aos boletins, categoria de produção jornalística menos eventual e mais previsível

na programação radiofônica. Os boletins informativos têm tempo de duração entre três e

cinco minutos com periodicidade horária definida por cada programação. O quarto nível de

informação, tratado por Ortriwano (1985), refere-se aos conjuntos de notícias. São os jornais

falados ou noticiários, com duração de tempo que pode variar de 15 minutos a meia hora, uma

hora, podendo reunir matérias, entrevistas, notas, flashes, reportagens, sonoras, comentários

e até quadros com participação de especialistas. Nos modelos adotados pelas rádios CBN e

BandNews os jornais da manhã ocupam maior tempo na grade. No caso da CBN, o Jornal da

CBN começa às 6 da manhã e termina às 09:30, com três horas e meia ; na BandNews, o

Jornal BandNews Primeira Edição tem início às 7 da manhã e termina às 09:15.

Além das transformações sofridas pelo rádio informativo, outras mudanças também são

percebidas a partir da internet que abre novas possibilidades para o veículo. Uma das grandes

possibilidades que se abriu ao veículo é a transmissão não só em esfera local, mas também

global. A chamada “glocalização”, fenômeno estudado por Castells (2003), chega ao rádio

com a internet. É quando o local se torna global, de ação localizada, mas de difusão mundial.

Um ouvinte brasileiro, em trânsito em outro país, consegue ouvir uma estação de rádio de sua

cidade e pode até mesmo interagir com essa programação enviando e-mails ou twetts.

A utilização de dispositivos digitais como MDs, CDs e computadores provocou

mudanças significativas para o modelo tradicional das rádios que saem do formato analógico

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e passam para o digitalizado. A digitalização leva o rádio para a rede e potencializa sua

difusão, na medida em que adere a recursos multimídia. Tavares (2011) afirma que a CBN,

um dos veículos analisados nesta pesquisa, se transformou em uma plataforma multimídia na

qual o ouvinte/internauta tem diferentes interfaces com o veículo:

O ouvinte/internauta pode ouvir rádio via streaming em tempo real (...) Também pode consumir quando quiser, on demand, o conteúdo arquivado no site CBN.com.br: comentários, entrevistas, reportagens, séries, talk shows. Ainda pode escolher baixar em podcast seus programas preferidos, além de ter um canal de interação permanentemente aberto, através do qual pode enviar conteúdo colaborativo: mensagens, textos, fotos e filmes para serem publicados no site ou compartilhados em blogs e no twitter. (TAVARES, 2011. p. 20).

Alguns autores como Barbeiro e Lima (2001) assinalam que é necessário entender o

novo rádio a partir da cultura do bit. Fazem um alerta: “o rádio tem que ser pensado daqui

para diante, como um meio de comunicação via internet. Insistir nos atuais meios é ficar para

trás e as rádios que não se conscientizarem disso perecerão”. (BARBEIRO; LIMA, 2001,

p.36).

As mutações do veículo ao longo desses noventa anos revelam uma multiplicidade de

utilizações e um jornalismo voltado para o conhecimento da realidade, o que pode ser

observado em diferentes formas de programação dirigidas a públicos diversos. O rádio passa a

falar de coisas como hora certa e trânsito, as transformações tecnológicas permitem

transmissões ao vivo, a programação chega a pontos remotos e permite a participação de

ouvintes.

3.3 O radiojornalismo all news

O radiojornalismo all news, em que se destaca o âncora, surge a partir da segmentação da

programação da televisão e do rádio. A expressão all news é de origem norte-americana e

pode ser traduzida literalmente como ‘tudo notícia’ ou ‘só notícias’. Seu significado é

geralmente utilizado para definir um tipo de programação radiofônica e televisiva com

conteúdo apenas jornalístico. Considerado referência na discussão do tema, Phillip Keirstead

publicou, em 1980, o livro All News Radio, resgatando historicamente o desenvolvimento do

modelo, e levando também em conta sua experiência de trabalho em rádios all news.

O all news não pode ser considerado novo, já que o rádio ‘só notícias’ surgiu nos Estados

Unidos há cerca de 50 anos. Ortriwano (1990) relata que a primeira emissora all news que se

tem conhecimento é a XTRA, no México, transmitida da Califórnia do Sul. Marangoni (1999)

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destaca que o empresário Gordon Mclendon decidiu a criar a XTRA devido ao grande volume

de informações que recebia na redação da emissora. Outra tentativa de Mclendon de investir

no all news foi a KFAX, de São Francisco. Mas em sete meses no ar, a emissora gerou um

prejuízo de 250 mil dólares.

Curiosamente, Gordon McLendon implantou o modelo all news depois de ter sido um dos

pioneiros no all music segmentado ao lançar uma emissora com programação de rock 24

horas por dia. Três anos mais tarde, McLendon adotava a programação all news na WNUS de

Chicago, outra emissora de sua propriedade. Ortriwano (1990) relata que, em abril de 1965, a

WINS, de Nova York, mudou repentinamente, de rádio especializada em rock para all news e

passou a contar com correspondentes em várias partes do mundo, ligados à rede de

comunicação Westinghouse. A emissora teria sido, assim, a primeira a estabelecer o

jornalismo sonoro em fluxo contínuo.

Apresentamos as manchetes a cada quinze minutos, a hora certa a cada cinco, o tempo a cada sete, etc, de forma que quando alguém sintoniza a emissora nunca estará muito distante dos boletins de notícias. Em meio a isso existem informativos especiais aprofundando os assuntos, dicas de compras, críticas teatrais e literárias; às vezes um assunto se estende por todo o dia- chamamos de blitz - , sobre temas tais como pobres de Nova York, as rotas aéreas saturadas ou a próxima temporada teatral na Broadway. (ORTRIWANO, 1990, p.88).

No Brasil, o formato foi testado inicialmente na Rádio Jornal do Brasil AM, no

início da década de 1980. Jung (2004) explica que o projeto não era totalmente all news pois

ainda intercalava músicas entre os programas jornalísticos. O modelo fracassou após seis anos

por falta de estrutura de pessoal e de investimentos. Outra emissora que tentou implantar o all

news foi a Rádio Gaúcha. Não havia a inserção de programação musical, como na Rádio JB,

e predominava o estilo talk show, com entrevistas e poucas reportagens. Na realidade, a

programação da Gaúcha se aproximava mais do modelo talk and news. Em 1991, tiveram

início as transmissões da Rádio CBN, Central Brasileira de Notícia, um projeto de transmissão

jornalística 24 horas por dia. Em 2005, a BandNews implantou o jornalismo all news.

Em uma referência a programação da CBN, Parada (2000) explica que o modelo all

news adotado no Brasil difere do modelo norte-americano. No Brasil, as emissoras

jornalísticas recheiam a programação com entrevistas mais longas, partidas de futebol e

transmissões de eventos ao vivo. A CBN, por exemplo, mescla períodos de notícia em ritmo

intenso com entrevistas, debates e programas temáticos.

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No modelo norte-americano, os informativos têm tempo de duração definido. As

emissoras repetem em determinado período de tempo as notícias mais importantes e ao longo

do dia a cobertura dos fatos novos superam os acontecimentos mais frios. A emissora norte-

americana 1010 Wins, modelo que inspirou a programação jornalística da BandNews, adotou

o esquema de noticiários seguidos de 20 minutos nesse formato, apresentando, logo em

seguida, um resumo. “Em 20 minutos, tudo pode mudar”, reitera a vinheta auto-referencial da

emissora durante toda a programação da BandNews. O ouvinte sabe que em qualquer hora do

dia terá informação atualizada. Na CBN, os resumos das notícias mais importantes se dão a

cada meia hora.

Lopes (2011) destaca que atualmente, no Brasil, existem sete emissoras / redes de rádio

100% notícias: CBN, que transmite em AM e FM; Band News FM; Rádio Bandeirantes AM;

Rádio Jovem Pan AM; Rádio Gaúcha AM; Rádio Guaíba AM e Rádio Eldorado AM.

Segundo a autora, essas emissoras apresentam uma característica comum de programação: sua

base é nacional, com inserção de elementos e blocos locais, em cada emissora regional, no

decorrer do dia. Esse conteúdo local é inserido em blocos curtos, cuja duração varia entre três

e seis minutos de informação local por hora. Outra estratégia de inserção do conteúdo local

são os radiojornais, que variam entre 30 e 60 minutos e são transmitidos em média duas vezes

ao dia. A estrutura, entretanto, varia entre as emissoras.

3.4 O papel do âncora no radiojornalismo

No formato all news se destaca a figura do âncora que tem sua origem na televisão.

Heródoto Barbeiro, primeiro âncora do radiojornalismo all news, descreve a complexidade do

perfil deste profissional:

O jornalismo interpretativo desenvolvido pelos âncoras, amarra, explica e conduz o desenvolvimento do assunto. Raramente opinavam e opinam explicitamente. A função de opinar cabe aos comentaristas, que mantém colunas que vão da política ao esporte, da economia ao mercado musical. (...) Nesse sistema não há mais lugar para o locutor- apresentador de notícias apuradas pela redação, a sua função passa a ser divulgador de serviços, como hora, temperatura, notas, etc. No projeto ficou muito clara a função de um e de outro nos programas.( BARBEIRO apud TAVAREZ; FARIA, 2006, p.38).

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Barbeiro (2001) enumera as diversas funções do âncora: acompanhar e participar do

processo de confecção do jornal em todas as etapas, acompanhar a evolução das notícias,

estando ou não na redação; após o jornal, reunir-se com a equipe para avaliar conteúdo,

sugerir pautas e avaliar a necessidade de dar prosseguimento a determinados assuntos. Dessa

forma, afirma Barbeiro, o jornal “toma a cara” do âncora, sem que para isso seja necessário

transformá-lo no programa de “fulano de tal”.

Observa-se que no formato all news, em que predomina o conteúdo informativo, o

papel do âncora como condutor é importante. É necessário estabelecer conexões com o

cotidiano dentro do contexto em que os fatos acontecem. Mesmo não se tratando de um

debate onde há maior possibilidade de aprofundamento dos fatos, os programas all news

podem levar os ouvintes à reflexão, sem empobrecimento do conteúdo. O âncora não é um

mero apresentador da informação.

Sobre o papel do âncora Barbeiro (2001) é enfático:

O âncora não é ator. Não pode apresentar um jornal ou programa como se estivesse narrando uma partida de futebol ou movimentando um grupo imaginário de repórteres para “encher o rádio”. Não deve dramatizar acontecimentos nem alterar o sentido das frases com empostação desnecessária. (BARBEIRO, 2001, p.53)

Fausto Neto (1998) apresenta uma diferente reflexão acerca do papel do âncora:

A possibilidade de revelar em praça pública, sob a forma de transparência, o segredo do poder, pelo trabalho do mediador social, deu origem, modernamente, ao que chamaríamos atorização ou protagonização do processo pedagógico da informação. (FAUSTO NETO, 1998, p.15).

O âncora assume o papel de condensador de distintas percepções, análises e modos de

dizer de diferentes instâncias e lugares sociais. Passa a ser alguém que diz ao

espectador/ouvinte o que deve saber e se torna uma referência também em termos dos

enquadramentos e angulações acerca das informações e acontecimentos apresentados. Ou

seja, o âncora, em função das características e natureza do seu trabalho - intensa exposição e

poder retórico – pode, a despeito das sempre mencionadas objetividade e imparcialidade

jornalísticas, tornar-se vetor de opiniões e valorações acerca dos conteúdos noticiados.

O âncora Heródoto Barbeiro (2001) propõe como princípio para o jornalista que

desempenha essa função não se colocar acima da notícia para que o programa não passe a ser

o ‘seu’ jornal.

A partir dos anos 1990, observa-se que a performance dos âncoras passou a influenciar

a credibilidade da notícia junto ao público. A mudança começa a ocorrer logo após o

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surgimento do âncora na televisão – com Boris Casoy à frente do TJ Brasil a partir de 1988, e

com a implantação do all news pela CBN, em 1991. Estabelece-se uma nova retórica nos

telejornais, isto é, uma imagem construída pelo discurso. Os âncoras deixam de ser apenas

apresentadores de conteúdo e passam a ser parte constituinte da notícia. A performance

desempenha papel importante neste processo, já que é a atitude do sujeito de posicionar-se e

desempenhar uma atividade em presença do outro.

Segundo Fechine (2009), a partir dos anos 1990, observa-se na ancoragem uma

tendência geral à personalização, tendência percebida principalmente na televisão, mas que

também ocorre no rádio. Para a autora, percebe-se uma mudança na estratégia retórica,

passando-se a uma ênfase do ethos dos apresentadores/âncoras. Pode-se citar como exemplo

momentos dos programas em que o âncora faz brincadeiras com a equipe, levando a uma

aproximação entre o âncora e os ouvintes, fazendo com que ele seja percebido como uma

pessoa próxima e familiar. Outro exemplo é que o uso da auto-referencialidade, ao acrescentar

aspectos pessoais e experiências vividas passou a ser um recurso recorrente destes

profissionais.

Pode-se afirmar que o primeiro âncora do radiojornalismo brasileiro a ganhar destaque

foi Heródoto Barbeiro, a partir de seu trabalho na CBN, Central Brasileira de Notícias.

Grandes locutores fizeram a história do rádio ao longo dessas nove décadas, mas se

destacavam como apresentadores. Exemplos são Roquete Pinto, Heron Domingues, Vicente

Leporace, Sílvio Santos, Cid Moreira, Fernando Vieira de Melo, Marcelo Parada e José Paulo

de Carvalho. Este último a frente do Programa Pulo do Gato da Rádio Bandeirantes AM por

39 anos, ganhou em 2008 o prêmio APCA, Associação Paulista dos Críticos de Arte, de

Melhor âncora de 2003. O programa apresentado por José Paulo de 05h30 às 06:00 da

manhã, mescla informações sobre trânsito, tempo, estradas, aeroportos, hora certa, mercado

financeiro e reportagens da área esportiva e policial, em um formato comum aos programas

de rádios AM neste horário.

3.5 Retórica midiatizada

Para entender a presença da retórica nos meios de comunicação, mais especificamente a

retórica midiatizada radiofônica é importante resgatarmos origem da ideia de retórica. A

retórica nasceu da disputa em processos litigiosos acerca de propriedade de terras. Cerca de

485 a.C., dois tiranos sicilianos, Gelão e Hierão, que perderam direitos de propriedade,

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valeram-se da retórica, em júri popular, para convencer a população de Siracusa sobre seus

direitos. Barthes (1987) percebe na origem seu uso como instrumento de poder.

(...) como se a linguagem, na sua qualidade de objeto de uma transformação e condição de uma prática, se tivesse determinado, não a partir de uma sutil mediação ideológica, mas a partir da sociabilidade mais nua, afirmada na sua brutalidade fundamental, a da possessão de terras: começamos a refletir sobre a linguagem para defendermos os nossos bens. (BARTHES, 1987, p. 23).

Posteriormente, em Atenas, na Grécia clássica, a retórica se tornou uma técnica e

assumiu duas novas formas. Sob a influência de Górgias de Leontinos19F

20 se formaram duas

correntes uma que se dedicou ao discurso jurídico e outra, ao discurso político. Na Roma

clássica, a perda das liberdades cívicas, com a instauração da ditadura de César, levou a perda

de voz do Senado e a retórica se refugiou nas escolas.

Na Idade Média, a retórica assumiu um caráter fragmentário e pragmático. Já nos séculos

XVII e XVIII, adquiriu características dos estilos barroco e científico, respectivamente. Plebe

e Emanuele (1992) traçaram o contraste para o que chamam de retórica antiga e retórica

clássica. Para os autores, a primeira estava ligada à retórica grega e latina, sendo identificada

como a arte de persuadir. Já a retórica clássica, que na Idade Média, no Renascimento e no

Barroco, exerceu uma influência determinante sobre a poesia , sendo considerada a base da

arte poética.

(...) restituir à retórica a dignidade de uma disciplina essencial legitima seu caráter de novidade. Mas, como se trata de uma recuperação dividem-se novamente em duas as opiniões sobre a que passado se ligar. A corrente retórico-dialética ligada à retórica grega e latina, à que se chama “antiga” em contraposição à retórica “clássica” renascentista, e considera que o mundo Greco-latino identificava a retórica com a arte de persuadir. Já a corrente retórico-poética, liga-se à retórica “clássica”, que exerceu na Idade Média, no Renascimento e no Barroco, uma influência determinante sobre a poesia, pois até a metade do século XVIII, a retórica era considerada a base da arte poética. O advento do Romantismo, amante da linguística, levou, por sua vez, ao conhecido lema: “guerra à retórica, paz para a gramática!”, cujos efeitos ainda se fazem notar na linguagem comum. (PLEBE,EMANUELE, 1992, p.2)

Dessa forma, percebe-se claramente que a valorização e a concepção da retórica varia de

acordo com as circunstâncias de cada momento político. Ao sofrer transformações, seu

significado inicial se perdeu. Cervantes (2009) explica que, na França, considerada berço do

antirretoricismo, pensadores como Descartes creditavam desconfiança à retórica por ser

20 Górgias de Leontinos, filósofo grego, discípulo de Empédocles. Como outros sofistas estava continuamente mudando de cidade, praticando e dando demonstrações públicas de suas habilidades por onde passava. Um de seus principais legados foi ter levado a retórica desde a Sicília para a Ática.

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“baseada em opiniões prováveis, conjeturas ou memória, verossimilhanças20F

21 ou

probabilidades”.

No século XIX, a retórica passou a ser caracterizada pelo pragmatismo, abriu-se a

outras disciplinas propiciando tanto a produção quanto a incorporação de variadas áreas como

estética, filosofia, linguística, poética e história da literatura.

Na atualidade, a retórica está presente em diferentes tipos de discursos como o

político, o religioso e mesmo o científico. Incluem-se aí também, com ênfase, os campos

ligados à comunicação, como o jornalismo, a publicidade e a mídia em geral. Com os meios

de comunicação de massa, a retórica passou a empregar diferentes formas de linguagem como

verbal, visual, sonora e icônica. Referenciado em estudos de Martínez Albertos (1990) e Lévy

(2007), Albaladejo (2009) afirma que a evolução da comunicação – em relação aos meios de

comunicação e também em relação às inovações tecnológicas - nunca foi alheia à retórica,

que sempre esteve presente na comunicação, seja de forma explícita ou implícita. Assim, a

retórica contribui para a produção e para a análise dos discursos jornalístico, radiofônico,

televisivo e internet.

O desenvolvimento da retórica desde a oralidade, passando pela retórica da escrita e agora da internet implica em uma afirmação da retórica para além das novas classes de discursos retóricos e dos meios e instrumentos nos quais se apóia a comunicação retórica.(ALBALADEJO, 2009, p. 16).

Para o pensador espanhol, longe de as novas tecnologias significarem a morte da retórica,

elas permitiram a necessária adaptação às exigências comunicativas da sociedade, pois a

retórica não é senão a retórica em sociedade.21F

22 Souza (2009) ao contextualizar a retórica na

sociedade contemporânea afirma que a primeira batalha a ser vencida por ela é conquistar a

atenção do receptor, a segunda é mantê-lo atento e interessado ao que é dito, principalmente

em relação aos meios eletrônicos e digitais.

Mudaram, por isso, também as condições de exercício da retórica. Ela própria terá então de mudar.[...] A imprensa, a rádio, a televisão, o vídeo, o cinema e a internet, tomaram conta da comunicação e, por entre negadas juras, apropriaram-se também da retórica, ainda que nem sempre se tenham apercebido disso. Longe de a beliscar, porém, esta apropriação pelos media, aumenta-lhe exponencialmente a visibilidade e o alcance, para além de potenciar ao limite os seus efeitos persuasivos. (SOUZA, 2009, p.41)

21 A retórica latina traduz eikós por verossímil. Trata-se de um tipo de certeza humana não cientifica. É uma ideia geral fundada em julgamentos formados mediante experiências e induções imperfeitas. 22 Tomás Albaladejo, “Retórica, tecnologias, receptores”, Revista de Retórica y Teoria de la Comunicación, Ano I, n. 1, Janeiro 2001, pp-9-18.

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Cervantes (2009) também aponta para uma ampliação do significado que a retórica

assume nos dias atuais , assumindo uma perspectiva integradora e diversa.

(...) por um lado, se está levando em conta uma nova acepção da retórica que tem ampliado seu campo de atuação e, também, unida a um maior pragmatismo, e, por outro lado, se está considerando a retórica conjugada a outras disciplinas diretamente envolvidas com as ciências filológicas , de modo que, em diferentes perspectivas , está sendo ampliado o conceito de retórica a partir de ponto de vista integrador e diverso.(CERVANTES, 2009, p. 62).

O discurso retórico presente na imprensa em geral se ocupa de questões de interesse

público e se dirige a um público amplo, de caráter coletivo. Albaladejo apud RUIZ DE LA

CIERVA (2009) denomina este público de poliacroasis22F

23. Para o autor, esse público é

caracterizado por uma escuta plural, um conjunto de ouvintes diversos, que realizam

múltiplos atos de escuta/interpretação do discurso:

(...) a poliacroasis oratória não se refere somente às distintas funções do ouvinte do discurso retórico, segundo tenha que tomar ou não uma decisão, senão também às diferenças que evidentemente existem entre os ouvintes de um discurso relativas à sua ideologia, à condição social e nível cultural. O destinatário do discurso retórico de linguagem jornalística é, em geral, de caráter coletivo e sua competência para compreender o discurso não precisa ser homogênea nem simétrica à do emissor; o texto jornalístico pode conseguir um efeito ainda que o destinatário possua somente competência linguística comum.(RUIZ DE LA CIERVA, p.237, 2009).

A amplitude, complexidade e heterogeneidade do auditório leva a um difícil exercício

de construção comunicativa adequada. Para Ruiz de la Cierva, a compreensão do significado

de fato retórico é fundamental. A autora toma como base para esse entendimento as

reflexões de Albaladejo (1989). Segundo o autor espanhol, o texto retórico é apenas parte do

fato retórico. Este seria formado pelo orador ou produtor, pelo destinatário ou receptor, pelo

texto retórico, pelo referente deste e pelo contexto em que se situa.

Ao transpormos a definição de fato retórico para o objeto de estudo desta pesquisa

podemos perceber a relevância de considerarmos a produção dos programas, o redator, os

âncoras, o meio (no caso o rádio), o auditório(públicos dos radiojornais), o acontecimento e

contexto em que ele irrompe como elementos formadores do fato retórico. O fato retórico

necessita de coerência, sintática, semântica e pragmática. A primeira diz respeito a coerência

interna do texto, a segunda se dá entre o texto e o referente e a terceira afeta o público, o

23 O autor define poliacroasis como a recepção e interpretação múltipla e plural do discurso. Com a noção o autor tenta explicar a heterogeneidade dos auditórios e dos conjuntos de receptores em geral, sejam ouvintes, leitores ou espectadores) e suas consequências na comunicação. O termo foi construído a partir do adjetivo polýs, pollé, polý (muito) e do substantivo grego akroásis (audição, interpretação).

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contexto geral em relação com o discurso. Assim, deve-se observar a razão de ser do fato

retórico, a causa que o produz, o orador, o assunto e o público, o conteúdo e sua forma

textual, além dos elementos extratextuais onde a comunicação se dá.

Albaladejo apud Ruiz de la Cierva (2009) alerta para o fato que o orador/locutor, ao

transmitir seu discurso, deve estar atento para dois tipos de auditório o imediato e o mediato.

Este último, na concepção do autor é mais amplo, mais numeroso e menos controlável, no que

diz respeito às reações comunicativas como conjunto de receptores. Para o autor, a tecnologia

radiofônica permite a projeção para além dos limites naturais da situação retórica e da

microestrutura oral do discurso, resultado dos limites naturais da operação de elocução, assim

como da disposição e invenção23F

24. No entendimento do autor é preciso falar para o ouvinte

que “vê” e também para os que não “vê”, ou seja, para aquele público definido em pesquisas

de prospecção das emissoras e também para um público mais amplo. Ao estudar o discurso

retórico no rádio, é importante observar os pontos nos quais ele se diferencia da retórica

antiga. O orador/locutor deixa de estar constrangido ao espaço e tempo, em que o

pronunciamento ocorre pois não existe uma comunicação direta com o receptor e uma

avaliação da recepção para eventuais intervenções que permitam que o discurso possa ser

modificado.

O rádio e a televisão eliminam a interatividade comunicativa simultânea da comunicação, que, para ser parcialmente reconstruída, precisa de pesquisas entre os receptores, assim como sucede com a imprensa, dos comentários críticos que os discursos produzem e de diferentes meios para poder chegar a estabelecer a interatividade comunicativa posterior ao discurso. (RUIZ DE LA CIERVA, 2009, p. 242)

A eficácia da retórica utilizada pelo orador/locutor vai depender das estratégias adotadas

para persuadir ou convencer e de sua adequação às possibilidades do meio.

(...) a eficácia da comunicação do discurso jornalístico no que se refere ao seu desejo de persuadir ou convencer dependerá da capacidade do emissor para estabelecer modelos de boa retórica dentro da finalidade pragmática perseguida pelo jornalismo em sua intenção de influenciar a opinião pública e de sua adequação às possibilidades da técnica atual na emissão de sua mensagem, porque, se é importante

24 Ao citar disposição e invenção o autor refere-se a dois dos cânones retóricos tradicionais que constituem o processo de produção do discurso e que tem como centro a argumentação. Para Cicero os cânones da retórica são os seguintes: i) invenção: centrada na forma como os autores inventam argumentos em relação a determinados objetivos; ii) disposição: forma como as ideias se organizam; iii)elocução: corresponde ao estilo, ao aspecto intrínseco do discurso, é a dimensão complexa entre forma e conteúdo, relacionado ao contexto; iv) memória: relaciona-se a partilha de memórias culturais entre autores e públicos; v) apresentação: consiste na comunicação do discurso. Pelas operações anteriores, o discurso é construído e memorizado e é essa última etapa que constitui sua comunicação efetiva, a verdadeira transmissão do discurso aos receptores.

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ter algo a dizer, é fundamental sabe-lo dizer adequadamente.(RUIZ DE LA CIERVA,2009, p. 242)

Ao escolher suas estratégias discursivas, o orador/locutor deve levar em conta

também as peculiaridades do meio que privilegia a audição, um dos sentidos que mais

estimulam a imaginação humana. Segundo Bruck (2011) as mensagens sonoras ativam a

memória e o imaginário:

Tomando-se a noção de recepção como um processo de participação efetiva do destinatário e entendendo esse mesmo processo como uma disputa de sentidos entre receptor e emissor, pode-se dizer que, nas mensagens sonoras, há uma espetacular ativação das memórias e do imaginário. Lembranças daquilo que o receptor tenha vivido ou mesmo assimilado a partir das experiências de outrem. (BRUCK, 2011, p.7).

Bruck (2011) destaca também o caráter subjetivo do rádio:

O ouvir é um dos sentidos entre aqueles mais acionadores do afeto. E não é à toa que, no caso do rádio, as pessoas se sentem apaixonadas por essa mídia. O ouvinte de rádio é, constantemente, instigado a produzir imagens mentais que fazem dele um co-realizar, de modo intenso e profundo, os sentidos. Imaginário, representação, sensorialidade articulam-se em uma operação de marcação fortemente subjetiva. (BRUCK, 2011, p.8)

Ao analisar a retórica midiatizada radiofônica, deve-se levar em consideração a voz

do locutor/apresentador pois ela torna sensível o sentido da palavra. Além de refletir os

estados de tensão, ansiedade, insegurança, medo, excitação, entre outros, a voz também

reflete as normas culturais de um grupo social. A voz aproxima o ouvinte e o locutor/âncora,

pois evidencia que os fatos e ideias estão sendo expostos por outro ser humano. Silva (1999)

enfatiza a plasticidade da palavra oralizada e midiatizada.

(...) a intervenção da voz significa conferir-lhe existência, realidade sígnica, uma vez que ela dissolve tudo o que é material em voz descorporificada, o que constitui a sua essência e significa a sua possibilidade artística. A voz faz presente o cenário, os personagens e suas intenções ; a voz torna sensível o sentido da palavra, que é personalizada pela cor, ritmo, fraseado, emoção, atmosfera e gesto vocal. (SILVA, 1999, p.54).

Para Silva (1999), no processo de tradução24F

25, entendido como a recriação de um

novo texto, levando em consideração as peculiaridades do meio rádio, a voz acrescenta algo

de próprio, transmitido pelos elementos como ritmo, fraseado, emoção, atmosfera e gesto

vocal.

25 Esse processo denominado tradução, explicado por Silva (1999), influi também na tradução do verbal-escrito para o oral midiatizado, ainda que este seja elaborado em função do meio em questão e principalmente leve em consideração a voz e suas potencialidades de expressão.

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Para a autora, a linguagem radiofônica ao tentar demonstrar, aproximar-se do ouvinte,

leva à oralidade midiatizada, pois reelabora signos de uma oralidade cuja situação

comunicativa dava-se pela palavra oral, pela proximidade de corpos, remetendo a culturas

arcaicas baseadas na voz:

[o rádio] aproxima-se da lógica das produções das culturas baseadas na voz quando a palavra nele oralizada ultrapassa seu aspecto referencial , de signo simbólico, para ser ação-acontecimento, tal como ocorre, para a tradição oral. Portanto, é possível observar, na estruturação dos signos peculiares à oralidade e, consequentemente, à sua lógica, que coordena a organização dos textos orais a partir da justaposição de seus elementos. (SILVA, 1999, p.42)

Ong (1998) em Oralidade e cultura escrita trata das denominações oralidade

primária25F

26 e oralidade secundária. A primeira refere-se à oralidade das culturas intocadas pelo

letramento, que não têm conhecimento da escrita ou da imprensa. Já a “oralidade secundária”

refere-se à cultura de alta tecnologia, em que uma nova oralidade é sustentada por meios

como telefone e meios eletrônicos como rádio e televisão que, para existirem e funcionarem,

dependem da escrita e da imprensa. Embora não exista cultura de oralidade primária no

sentido estrito, percebemos na cultura escrita vestígios da oralidade primária. No caso do

radiojornalismo nota-se uma aparente oralidade, um improviso com marcas da oralidade

primária como a repetição, usados como recursos mnemônicos:

Numa cultura oral primária, para resolver efetivamente o problema da retenção e da recuperação do pensamento cuidadosamente articulado, é preciso exercê-lo segundo padrões mnemônicos, moldados para uma pronta repetição oral. O pensamento deve surgir em padrões fortemente rítmicos, equilibrados, em repetições ou antíteses, em aliterações e assonâncias, em expressões epitéticas ou outras expressões formulares, em conjuntos temáticos padronizados (...), em provérbios que são constantemente ouvidos por todos, de forma a vir prontamente ao espírito, e que são eles próprios modelados para a retenção e a rápida recordação – ou em outra forma mnemônica. (ONG, 1998, p.45).

Rádio e oralidade apresentam uma forte relação, sendo uma forte característica das

culturas latino-americanas26F

27. Portanto, ao estudar a oralidade midiatizada não se pode perder

de vista a relação desta com a cultura. Martín-Barbero (2000) lembra que é importante pensar

26 Na oralidade primária, a palavra não possui o estatuto da comunicação ou expressão do pensamento, pois atua basicamente como guardiã da memória social. Em uma sociedade oral primária a base cultural está fundada sobre as lembranças dos indivíduos. (ONG, 1998). 27 De acordo com Bruno Araújo Torres em O movimento de democratização do rádio no panorama latino-americano, por seu custo baixo o rádio foi o primeiro grande meio eletrônico de comunicação da América Latina. Destacaram-se no continente as primeiras experiências de rádios livres, há mais de sessenta anos, envolvendo povos indígenas, sindicatos, universidades, igrejas, setores privados e Estados. O rádio, na maior parte dos países da América Latina emerge como forma de comunicação de movimentos e organizações sociais em um conjuntura de profunda insatisfação por parte do povo e de profunda restrição às liberdade de expressão.

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a cumplicidade e a complexidade que se produz entre a oralidade primária, que perdura como

experiência cultural de muitos, e a visibilidade tecnológica - oralidade secundária - que está

presente e se organiza, no que ele chama de gramáticas tecnoperceptivas do rádio, cinema,

vídeo e televisão. (MARTÍN-BARBERO, 2000, p. 47)

Percebemos, na prática, a coexistência entre a oralidade e novos modos de se

perceber e realizar a comunicação, passando então por uma reconfiguração, em função do

midiático. Silva (1999) ao tratar da estratégia de demonstração/aproximação pela oralidade

midiatizada remete às reflexões de Sacramento (2009) que cunhou a expressão “força-

índice” do verossímil para tratar das reconfigurações da retórica antiga que tinha como

modelo o orador (ethos), a mensagem (logos) e o ouvinte (pathos). Para o autor, a retórica

midiática não é mais só vista, é também vivida. Nessa nova reconfiguração, o

ouvinte/telespectador passa não apenas a assistir ao espetáculo, mas deseja também participar

dele. Na edição do Jornal da BandNews FM de 09 de abril tal desejo de intervenção pôde ser

percebido na mensagem, via telefone celular, enviada por uma ouvinte ao âncora Ricardo

Boechat.

Olha só a nossa ouvinte Lilian está dizendo que numa determinada área aqui de São Paulo, chamada Ligação Leste-Oeste, que é o caminho pro bairro da Lapa, para uma avenida importante, 23 de maio, tem uma saída, uma alça, como eles chamam aqui em São Paulo, tem um elemento, com uma baita de uma pedra na mão, é, esperando que o trânsito engarrafe para quebrar vidros e assaltar, é, motoristas!!! (Jornal BandNews, 2012).

Segundo Sacramento (2009), ao tomar a midiatização como um novo modo de presença

do sujeito no mundo, observa-se a existência de um bios específico. Este bios midiático,

termo cunhado por Muniz Sodré, se sustenta nas três formas de vida, citadas por Aristóteles

em Ética a Nicômaco.

O bios midiático (ou virtual) acrescenta ao bios theoretikos (vida contemplativa), ao bios políticos (vida política) e ao bios apolaustikos (vida prazerosa) uma reordenação social, cujos conteúdos, formas e significados possuem fins mercadológicos e trabalham pela manutenção dos sistema capitalista global. Tal reordenação é criada pelas tecnologias que, simulando o tempo real e a interatividade, produzem o espaço virtual. (SACRAMENTO, 2009, p.17).

Para o autor, as mídias tornaram-se ambientes com capacidade para promover a

realização do real. Como as tecnologias de comunicação têm se apresentado como a própria

informação, ou seja, a própria realidade, a retórica midiatizada centrou-se em suas próprias

tecnologias para a “força índice” do verossímil, ou seja, uma força de representação que não

indica para uma verdade, porque se coloca como sendo a própria verdade. Enquanto a retórica

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“antiga” operava pela verossimilhança a retórica midiatizada opera pela demonstração. É o

que Sodré (2002) chama de “representação apresentativa”27F

28 - mais do que o indício do

real, é um real concorrendo para o real.

3.5.1 Retórica midiatizada radiofônica

A retórica midiatizada circunscrita a dispositivos teleinformacionais sofre

transformações, mas no rádio permanece predominantemente confinada ao domínio da

palavra e elementos que compõem a sonoridade, plasticidade do meio, daí a importância da

discussão sobre a oralidade midiatizada que permite que a palavra oralizada ultrapasse o seu

aspecto referencial para ser ação-acontecimento, tal como ocorre com a tradição oral.

Embora esta pesquisa tenha privilegiado a retórica dos âncoras, deve-se lembrar que

existe uma retoricidade própria do radiojornalismo que, apesar de se estabelecer com

características próprias em cada emissora, tem também, por assim dizer, aspectos universais

como a locução falada – próxima da coloquialidade – , acentuação da entonação em termos-

chave da notícia, a preocupação descritiva, entre outros. Esta retoricidade se define também

por meio de trilhas, slogans e vozes dos locutores e repórteres.

Nos meios eletrônicos, a vinheta tem várias funções e recebe denominação própria:

‘vinheta de abertura e de encerramento’, ‘vinheta de identidade’, ‘vinheta de chamada’,

‘vinhetas de passagem’, etc. Trata-se de uma peça de curta duração, constituída de algum tipo

de signo sonoro ou representação, composta de elementos imagéticos, sonoros e mensagem de

expressão verbal, usada com fim informativo, decorativo, ilustrativo, de remate, de chamada,

de passagem, de identificação institucional e de organização do espaço radiofônico ou

televisivo. As vinhetas aparecem nos espaços interprogramas e breaks, na abertura e no

encerramento de produção e das seções, muitas vezes fazendo parte da própria produção dos

programas.

A origem do termo vinheta, segundo Aznar (1997), está associada a iluminuras usadas

pela Igreja Católica para iluminar, ilustrar os escritos da Bíblia. A videira desempenhou este

papel alegórico ao representar o Antigo Testamento. A iluminura funcionava como uma

representação visual do texto e ajudava na interpretação da escrita, já que aqueles que não

entendiam, aprendiam por meio das figuras.

28 Para Muniz Sodré (2002) bios midiático, uma ambiência virtual, uma nova maneira de viver a realidade da mídia, que se entende por espectro, definindo existência humana na atualidade como uma relação de extensão da informação, onde o meio, o entorno sintoniza a mídia e o sujeito.

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Aznar (1997) define vinheta como um apelo decorativo imagético e sonoro, que além

de identificar a emissora de forma característica, ainda tem a função de auxiliá-la a vender os

seus produtos. Portanto, a vinheta identifica a emissora. No Repórter Esso da McCann,

tornou-se um índice que antecipava o anúncio de notícias importantes. A produção de uma

vinheta possui os conceitos de sonoplastia dos spots. A trilha musical é sensorial,

contribuindo para a emoção; os efeitos sonoros proporcionam ambientação; o silêncio tem

forte significado por produzir expectativa e destacar sons.

3.6 Modos de enunciação do âncora no radiojornalismo

Ao analisar a trajetória do radiojornalismo, podem ser observadas mudanças de postura

do locutor/apresentador de no trabalho de apresentação das notícias. Do profissional, que no

início do rádio no Brasil, lia notas/matérias ou apresentava os radiojornais de forma

pretensamente neutra até os âncoras que interpretam e opinam sobre os acontecimentos

narrados, este profissional do rádio teve seu modo de atuação bem alterado. É importante

destacar, porém, que em programas nas décadas de 1950 e 1960 já se observava uma busca de

proximidade do apresentador com o ouvinte. Apresentadores como Leporace comprovam essa

mudança. A partir das décadas de 1980 e 1990, com o surgimento do âncora, o perfil nas

rádios all news também mudou. Passa a atuar um profissional, com formação e atuação

experiente no jornalismo que tem importantes atribuições como a de atuar diretamente na

produção dos radiojornais desde a elaboração de pautas, matérias e apresentação, incluindo a

emissão de opinião.

Para prosseguir em nossa reflexão, tomamos aqui a discussão proposta por Fechine

(2008) para a ancoragem no telejornal. Assim como ocorre com o telejornal, o radiojornal, do

ponto de vista enunciativo, pode ser tratado como um enunciado englobante (o noticiário

como um todo) que resulta da articulação, por meio de um ou mais apresentadores, de um

conjunto de outros enunciados englobados que, embora autônomos, mantêm uma

interdependência. O programa, então, emerge da articulação das unidades que o englobam

como notas, matérias e entrevistas. A temporalidade na qual se dá a própria transmissão do

programa corresponde a uma duração continuamente no presente. É nesta duração que o

telejornal se faz no momento mesmo em que se exibe.

Mas o enunciado englobante define-se também a partir de uma pessoa (um “eu”) e de

um espaço de referência. Segundo Fechine (2008) devido a estrutura recursiva do jornal, o

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apresentador/âncora não se constitui na única pessoa desse macroenunciado. A organização

da delegação da voz ocorre por meio da delegação da voz de um ator da enunciação a outro:

É nesse processo de delegação de voz, orientado por uma intercambialidade de posições, que o apresentador define o seu papel enunciativo: funciona como uma instância de ancoragem actancial, articulando os distintos atores da enunciação do nível enunciativo englobado com o nível englobante. Ao fazer isso, assume o papel de um macronarrador (narrador principal) no enunciado englobante, ainda que existam vários outros narradores (secundários) no nível englobado.(FECHINE, 2008, p.5).

Em relação aos papéis enunciativos dos apresentadores, Fechine (2008) identifica dois

modelos de telejornais. No primeiro, o apresentador funciona como “operador de passagens”

entre os demais enunciadores como repórteres e entrevistados.

O apresentador é um delegado imediato do sujeito enunciador que se manifesta explicitamente no enunciado (sua figurativizacão), mas ao qual não se pode atribuir o ponto de vista do discurso. Ha aqui, portanto, uma clara distinção entre este comunicador em particular (um “eu” individual) e seu papel público, o de representante ou “porta-voz” de um broadcaster (o que o define, do ponto de vista discursivo, como um “nao-eu”). (FECHINE, 2008, p.6).

Para Machado (2000), esse tipo de apresentador é um condutor impessoal. O jornal

assume características como impessoalidade, objetividade e polifonia, ao representar as vozes

de toda a produção – brodcaster - e também da direção da empresa. Estabelece-se assim o

que Landowski (1999) denomina de oscilação entre o ‘eu’ singular, o ‘dono da voz’,

enunciador, ‘não-eu’, que se colocaria mais como um porta-voz no processo enunciativo. No

outro modelo, denominado centralizado ou opinativo, o apresentador é dotado de “voz

própria”, assumindo o enunciado como seu.

Na análise dos lugares enunciativos do âncora radiojornalístico, por exemplo, deve-se

levar em conta também a construção da chamada representação de si (AMOSSY, 2005), ou

seja, a construção do ethos do narrador. Assim, como observamos na conversação elementos

e circunstâncias como estilo, competências linguística, nível de informação e até as crenças

implícitas, a narrativa do âncora, embora parametrizada por pretensos valores de objetividade

e isenção, possuirá características peculiares, ao instituir-se como mediação e interconexão

entre distintos campos sociais:

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Nesse caso, todo um processo de tessitura da realidade é legitimado pelo desempenho de “novos oráculos” – o que comumente se chama de âncoras, a quem se conhece como condensador de múltiplos lugares, de diferentes instituições e de saberes – responsáveis pelas tarefas de análise, predição, organização, prescrição e regulação das ações dos indivíduos. (FAUSTO NETO,1998, p. 12).

A análise do ethos jornalístico, do ethos discursivo pode nos ajudar a enxergar, por

dentro, essa máquina discursiva que o jornalista movimenta em seu trabalho de ancoragem

para instituir seu discurso e colocar-se em situação social distinta ao ponto de sua fala

confirmar sua credibilidade. As condições em que se estabelecem as rotinas produtivas,

ideologias, além do perfil da empresa em que atua também ajudam na construção do lugar de

fala.

Importante também para o estudo dos modos de enunciação a análise da retórica,

presente nos meios de comunicação que a utilizam como forma de estabelecer um contrato

com o público, mantendo-o fiel aos conteúdos, sejam impressos ou eletrônicos. Ao longo

da história ela recebeu várias definições mas ainda permanece a máxima de ser uma técnica

de persuasão. Em O Tratado da Argumentação, Perelman e Tyteca (1996) a definem como o

estudo das técnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesão dos espíritos

às teses apresentadas ao seu assentimento. Para os autores "a linguagem não é somente meio

de comunicação, é também instrumento de ação sobre as mentes, meio de persuasão”.

(PERELMAN; TYTECA , 1996, p.150).

Além de persuadir, a retórica tem como objetivos agradar, seduzir ou manipular; fazer

passar o verossímil; sugerir o implícito pelo explícito; instituir um sentido figurado; fazer

uso de uma linguagem figurada e estilizada e descobrir as intenções de quem fala ou escreve.

Aristóteles percebeu uma relação retórica entre os sujeitos, que supõe um locutor e um

interlocutor (ou auditório). Nessa relação, o orador é simbolizado pelo ethos, o auditório

representa o pathos e o discurso, o logos. Para Charaudeau (2006) se o ethos é voltado para

o orador, enquanto tekné ele é o que permite ao orador parecer digno de fé, mostrar-se

fidedigno.

a exemplo da legitimidade, a credibilidade não é uma qualidade ligada à identidade social do sujeito. Ela é, ao contrário, o resultado da construção de uma identidade discursiva pelo sujeito falante, realizada de tal modo que os outros sejam conduzidos a julgá-lo digno de crédito. (CHARAUDEAU, 2006, p. 119).

A retórica da mídia assume outras circunstâncias e características, marcadas pelas

mediações e interações fundadas em dispositivos interacionais que virtualizam a relação

enunciador - ouvinte/telespectador/leitor. Para a reflexão sobre o ethos no jornalismo,

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podemos nos valer da concepção de Ducrot (1987), para quem o ethos faz parte de uma

conceituação enunciativa. Para o autor, o locutor é alguém responsável pelo enunciado. Ele

afirma que a representação que se dá na enunciação “faz surgir vozes que não são as do

locutor. São enunciadores considerados como se expressando através da enunciação. Se eles

falam, é somente no sentido em que a enunciação é vista como expressando seu ponto de

vista, sua posição, sua atitude, suas palavras”. (DUCROT, 1987, p. 188).

3.7 Construção da linguagem radiofônica

No radiojornalismo, a voz é um dos elementos que ajuda na construção da

credibilidade. “Uma voz firme e, geralmente, em tom mais grave, tende a ampliar o grau de

confiabilidade entre o ouvinte e o jornalista. A narração de uma notícia torna a experiência

mais pessoal, cria um diálogo mental entre o emissor e o ouvinte”. (ORTRIWANO, 1985,

p.80). A voz também é indicial, pois, de imediato, identifica para o ouvinte a emissora

sintonizada. Quanto ao relato jornalístico, evidencia também que o locutor/repórter assume a

veracidade da informação. No capítulo anterior, na recuperação histórica acerca da linguagem

radiofônica, ficaram evidentes quatro momentos: as décadas de 1920 e 1930 , início do rádio

no Brasil, marcado pela leitura de textos presentes em jornais impressos; as décadas de 1940

e 1950, início do radiojornalismo e construção de uma linguagem própria; as décadas de

1970 e 1980 , fase em que a programação radiofônica sofre transformações em decorrência

da televisão e os anos 90 até os dias atuais marcados pelo surgimento de emissoras voltadas

para a transmissão exclusivamente de notícias:as redes all news.

Segundo Balsebre (1994), quatro sistemas expressivos compõem a linguagem

radiofônica: palavra, música, efeitos sonoros e silêncio. Combinados, estes elementos

permitem o entendimento final da mensagem. Na visão de Ferrareto (2000), música, efeitos

sonoros e silêncio operam no nível do inconsciente enquanto a palavra visa o consciente.

Para Meditsch (1997), o uso da voz no rádio cria o subtexto. Segundo o autor, “a curva

melódica, o ritmo, as ênfases tônicas utilizadas repetidamente constituem códigos que

permitem aos ouvintes situar imediatamente o texto da fala”. (MEDITSCH, 1997, p.7). No

radiojornalismo, a voz assume papel importante na construção da enunciação jornalística, na

construção da credibilidade, assim como características como a instantaneidade e integração.

Nos estudos da produção radiofônica, deve-se também observar elementos que podem

construir , acrescentar, modificar ou ampliar o sentido de um texto radiofônico. McLeish

(2001) destacou como importantes a postura, projeção, ritmo, volume, pausa, pronúncia e

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personalidade. Nesta pesquisa, no capítulo final não será analisado apenas o elemento postura,

já que os arquivos são de áudio. O elemento personalidade ganha relevância neste estudo

auxiliar no entendimento da construção da credibilidade do âncora.

A utilização desses elementos, ao longo de mais de sete décadas, sofreram alterações

caminhando para a busca de uma locução que se aproximasse mais de uma postura dialógica –

sugerindo uma conversa natural com o ouvinte. A voz neutra tornou-se menos eficiente para

envolver o ouvinte. Ao se tornar um veículo de massa o rádio perdeu o tom elitista inicial. As

novas tecnologias, a presença do repórter no local do acontecimento, a adoção da prestação de

serviços também contribuíram para aproximar o locutor do ouvinte, adotando uma linguagem

mais próxima da oralidade, mesmo que ensaiada. Por fim, o all news vem confirmar a

personalidade, elemento destacado por McLeish (2001) como construtor do sentido na

linguagem radiofônica, como um dos mais importantes neste novo segmento.

Ainda sobre a fala do âncora é importante observar que algumas características do rádio

percebidas, muitas vezes, como verdadeiras como oralidade e espontaneidade, são artificiais.

A observação é feita por Meditsch (1997) que utiliza a análise da conversação, de Erving

Goffman, para alertar para o que considera uma oralidade ‘falsa’ do rádio e explicar que ela

é construída e apoiada em três bases: da recitação de um texto memorizado, da leitura de

um texto ou números não memorizados e da fala de improviso ou instantânea.

Meditsch (1997) procura ainda desmitificar o que seria a espontaneidade da fala no

ambiente radiofônico. Para o autor a espontaneidade no rádio é construída. O âncora e toda

sua equipe trabalham para que ela seja percebida como espontânea.

Além do planejamento da fala, do subtexto socializado, expresso na modulação da voz

do locutor, outro elemento que contribui para a artificialidade é a presença do espectador para

quem é direcionada a fala. Uma fala pautada pela audiência e, portanto, direcionada.

A proposição de Meditsch (1997) pode contribuir para melhor compreender que

algumas das características da fala radiofônica, mesmo que deem ao ouvinte a impressão de

uma coloquialidade espontânea, são, na verdade, arquitetadas, pode-se dizer mesmo

artificiais. Ainda em relação ao período mencionado em que se observou o Jornal BandNews

(8 a 12 de agosto de 2011), percebe-se que a plasticidade, acústica vinhetas, trilhas e mesmo

locuções de outros ‘participantes’ do programa contribuem para construir um ambiente de

objetividade informativa e que a subjetividade é tecida pelas representações que o narrador

faz de si. Embora parametrizada por pretensos valores de objetividade e isenção, a narração

do âncora, possui inequívocas características peculiares, ao instituir-se como mediação e

interconexão entre distintos campos sociais.

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Sobre o papel do âncora, não se deve esquecer de que existe, sim, uma atuação

marcada pela postura, modulações da voz e tons adotados. Na prática, o jornalista representa

o âncora. O profissional que ouvimos por duas horas, todos os dias, no mesmo dial, é ao

mesmo tempo ator e jornalista. Após o término do jornal ele se despe da entonação, do

carisma e de todos os recursos utilizados durante apresentação e retorna à outra rotina. A

rotina de participar do processo de confecção do jornal, acompanhar a evolução das notícias,

avaliar conteúdo, sugerir pautas e avaliar a necessidade de dar prosseguimento a

determinados assuntos.

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4. OS ÂNCORAS E A CONSTRUÇÃO DO ETHOS

Este estudo se propõe a investigar os modos e estratégias discursivas dos âncoras do

jornalismo radiofônico brasileiro all news, a partir da atuação de dois âncoras nacionais:

Ricardo Boechat, da BandNews, e Milton Jung, da CBN, profissionais dos dois veículos que,

no Brasil, implantaram o modelo all news. A pesquisa busca perceber comparativamente os

‘lugares de fala’ e ‘papéis’ que esses profissionais assumem na contratação comunicativa

com os ouvintes, sendo que a comparação evidencia e possibilita a identificação por oposição

dos elementos analisados.

4.1 Considerações metodológicas

Para Bardin (2002) a intenção da análise de conteúdo é a inferência (dedução de

maneira lógica) de conhecimentos relativos às condições de produção (ou eventualmente de

recepção), inferência esta que recorre a indicadores (quantitativos ou não). Moscovici apud

Bardin (2002) reforça que o método visa não o estudo da língua, mas sim a determinação

mais ou menos parcial das condições de produção dos textos, já que o conjunto das

condições de produção constitui o campo das determinações dos textos.

Ao recorrer a análise de conteúdo, os autores alertam para a necessidade de atenção

especial ao contexto da produção do texto. Nesse sentido, Braga (2000) reforça as orientações

dos métodos a serem adotados ao afirmar que procurar o lugar de fala corresponde a buscar

as estruturas significativas imediatas de uma fala. Para o autor o uso do “lugar de fala” como

conceito metodológico requer algumas atividades tais como: i) observar a construção do lugar

de fala; ii) verificar inserções polêmicas da fala analisada; iii) procurar o espaço de sentido;

iv) compreender a lógica produzida pela fala; v) observar especificidades do lugar de fala em

termos históricos; vi) na perspectiva da crítica, observar que estruturas de linguagem são

elaboradas para trabalhar o lugar de fala; vii) buscar similaridades, diferenciações e

tipificações; viii) estudar a gênese do lugar de fala e ix) estudar linhas de aporte de dupla

direção: solicitando /direcionando falas.

Para Oléron (1986) as posições de quem interroga e quem responde – no caso –

âncora/entrevistador e entrevistado – são determinadas por seus sistemas de valores, papel –

ethos – adesão a dogmas ou teses filosóficas, religiosas, morais ou políticas, também devem

ser observadas quando estes se encontram em posição de desacordo ou conflito. O autor

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alerta que os espaços temporais – silêncios – entre entrevistador e entrevistado devem ser

observados, pois em situações de contradição eles são mais curtos.

O estudo se propôs também a realizar entrevistas em profundidade com os dois âncoras

com o intuito de checar a percepção que os jornalistas fazem dos modos e estratégias

discursivas utilizadas nos respectivos programas. O jornalista Milton Jung respondeu as

questões que lhe foram enviadas, já o jornalista Ricardo Boechat, apesar dos insistentes

contatos e solicitações, optou por não fazê-lo. Assim, utilizou-se apenas a entrevista com o

âncora da CBN.

A proposta da pesquisa é usar a análise retórica associada a análise de conteúdo,

conforme sugere Bauer (1997). Leach (2002) explica que as etapas da análise retórica

compreendem: i) estabelecer a situação retórica (contexto) do discurso a ser analisado; ii)

identificar os tipos de discurso persuasivo empregando a teoria da estase (levando em conta os

tipo de discurso: judicial/jurídico ou forense, deliberativo e epidêitico/epidíctico; iii) aplicar

os cinco cânones retóricos de Cícero (invenção: ethos, pathos e logos; disposição; estilo:

metáfora e analogia; metonímia e analogia/metonímia e sinédoque; memória e apresentação) e

iv) revisar e aprimorar a análise, empregando as orientações reflexivas. Os argumentos usados

pelos âncoras foram observados em relação à totalidade do discurso. Como o poder da

análise retórica é a habilidade de falar sobre o particular e o possível, não sobre o universal,

e o provável, a observação do discurso em sua totalidade é fundamental.

Para a consecução dos objetivos dessa pesquisa qualitativa foi constituído o corpus a

partir de critérios e dimensionamentos pré-definidos. Os dois programas foram gravados no

período de um mês, adotando-se a técnica da semana composta, ou seja, estabeleceu-se uma

sequência de semanas seguidas de acompanhamento da programação, sendo que, na evolução

das semanas, avançou-se também na sequência dos dias da semana. Assim, o

acompanhamento teve início em uma segunda-feira (09 de abril), o segundo dia foi uma terça-

feira (17 de abril) e, assim, sucessivamente, até o dia 11 de maio (sexta-feira), formando-se,

de modo composto, uma semana de segunda a sexta-feira. O sábado, por não ter a

apresentação do âncora Ricardo Boechat, foi excluído, tanto para uma emissora quanto para a

outra. Com isso, obtivemos cinco edições de cada radiojornal, num total de dez edições,

somando-se 17 horas e 30 minutos do Jornal a CBN e 11 horas e 40 minutos do BandNews

Primeira Edição.

A tabela abaixo apresenta como ficou estabelecida a amostra dos programas

radiofônicos analisados:

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Tabela I – Programas analisados Dia/Mês 09 Abril 17 Abril 25 Abril 03 Maio 11 Maio

Dia/Semana Segunda-feira Terça-feira Quarta-feira

Quinta-feira Sexta-feira

A opção pela semana composta foi utilizada na intenção de tentar apreender as

regularidades em termos de formato de apresentação, dos lugares de fala dos dois âncoras

bem como do posicionamento com relação a determinados acontecimentos como foi o Caso

Cachoeira, recorrendo em todo o período analisado e tratado com destaque pela mídia.

Após a gravação, o trabalho foi de transcrever os programas e analisar seus conteúdos.

Nessa etapa, entre outros aspectos, Bauer (2002) recomenda observar o uso e a frequência das

palavras, bem como sua ordenação. O vocabulário e as características gramaticais e

estilísticas também foram analisados uma vez que contribuem para traçar um perfil da

audiência e, assim, ajudam a inferir para qual público a mensagem foi endereçada. Essa

análise auxiliou-nos no estudo da retórica dos dois âncoras.

4.2 Os âncoras, as emissoras, os programas

4.2.1 Os âncoras e suas emissoras

Em 1991, tiveram início no País as transmissões da Rádio CBN, Central Brasileira de

Notícia, um projeto de transmissão de conteúdo jornalístico 24 horas por dia. As emissoras da

CBN foram sendo instaladas nas principais capitais e cidades brasileiras e hoje conta com

quatro emissoras próprias (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte e Recife) e

com 25 afiliadas. Tendo como público alvo os segmentos A e B da população, conforme site

da emissora – www.CBN.com.br- a programação inicial evoluiu, abandonou a rigidez do

formato jornalístico que embora seja ainda o carro-chefe, transmite também, programas talk e

esportivos. O âncora Milton Jung começou sua trajetória profissional no rádio. Formado pela

PUC do Rio Grande do Sul, iniciou-se na carreira jornalística na Rádio Guaíba e no jornal

Correio do Povo. Ainda em Porto Alegre, foi repórter da Rádio Gaúcha e do SBT. Em 1991, o

jornalista se muda para São Paulo onde atuou como repórter na Rede Globo de Televisão. No

fim de 1992 é contratado pela TV Cultura, onde apresentou os telejornais 60 Minutos e Jornal

da Cultura. Em 1999, mudou-se para a recém-inaugurada RedeTV!, na qual apresentou o

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Leitura Dinâmica e narrou jogos de futebol e tênis, até sair da emissora, em 2001. Apresentou

o Jornal Terra, do Portal Terra, nos anos de 2004 e 2005. Em maio de 2011, deixou a

apresentação do CBN São Paulo, programa do qual estava a frente desde 2000 para ancorar

o Jornal da CBN, no lugar de Heródoto Barbeiro. O jornalista mantém o blog

http://colunas.CBN.globoradio.globo.com/miltonjung/. A experiência em radiojornalismo

contribuiu para a publicação de dois livros: Conte sua história de São Paulo (Editora Globo,

2006), baseado num quadro do CBN São Paulo, e um manual dedicado a interessados pelo

radiojornalismo: Jornalismo de Rádio (Contexto, 2005), adotado por vários cursos

universitários.

Em seu trabalho como âncora de rede, Jung (2012) explica que acorda às quatro e meia

da manhã, acessa jornais online para identificar as informações mais relevantes e assiste ao

noticiário na televisão. Às cinco e meia, inicia o trabalho na redação, discutindo com o

produtor do Jornal da CBN as entrevistas, reportagens e temas que devem ser priorizados no

programa. Após o programa é uma feita a primeira reunião de pauta do programa do dia

seguinte. Às oito da noite o âncora recebe um relatório das entrevistas que foram marcadas

para o dia seguinte. Jung ressalta que as entrevistas podem ser revistas antes ou mesmo

durante a apresentação do programa, pois um jornal não tem “espelho fechado”. Pode mudar

a qualquer minuto. Em relação aos comentários, o âncora da CBN esclarece que são feitos por

sua conta e risco, mas também com sugestões da produção, tendo liberdade para tratar de

todo e qualquer assunto, desde que leve em consideração o respeito aos fatos e às pessoas.

Jung afirma que também são levados em consideração as opiniões e pensamentos dos

ouvintes. Em relação à forma de participação o âncora destaca uma mudança de

comportamento do ouvinte: “Em 1998, ao chegar na rádio CBN a emissora estava trocando o

telefone disponibilizado pelo emissora para os ouvintes pelo e-mail do âncora. Por telefone,

uma pessoa fala com outra, por e-mail um sem número de pessoas consegue emitir opinião ou

pensamento diretamente ao âncora”.

Em relação à voz, componente fundamental no rádio, Jung afirma que os cuidados

começaram logo que chegou a São Paulo em 1991 e que desde então tem recebido orientação

profissional nesta área.

Já a BandNews FM foi implantada em 2005, tendo como público alvo, segundo

informações do site da emissora , ouvintes de 25 a 40 anos, das classes A e B. A rede está no

ar em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Brasília,

Campinas e Ribeirão Preto. Com o slogan “em vinte minutos, tudo pode mudar” os

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noticiários vão ao ar a cada 20 minutos, com espaços padronizados para notícias, prestação de

serviço e opinião.

No site da BandNews, Ricardo Boechat é apresentado como um dos jornalistas “mais

bem informados do país”, informação que procura acrescentar credibilidade ao trabalho do

profissional. O âncora comanda a programação da BandNews FM das 7 às 9h de segunda a

sexta-feira. Ganhador de três prêmios Esso, Boechat começou a carreira no início da década

de 1970 e passou pelos jornais O Globo, Estado de São Paulo, Jornal do Brasil. Atualmente,

apresenta na tevê o Jornal da Band.

Boechat iniciou a carreira na década de 1970, como repórter no jornal Diário de

Notícias e também como colunista, colaborando com a equipe de Ibraim Sued. Em 1983,

começou a trabalhar no Jornal O Globo. Em 1987 chegou a ocupar por seis meses a Secretaria

de Comunicação no governo Moreira Franco. Retornou ao Jornal O Globo e nessa mesma

época começou a trabalhar como professor na Faculdade da Cidade do Rio de Janeiro.

Em 2001, Ricardo Boechat foi demitido do jornal O Globo, após a Revista Veja

publicar trecho de um grampo telefônico em que ele estaria revelando ao jornalista Paulo

Marinho o conteúdo de matérias que seriam publicadas no jornal sobre a guerra pelo controle

das companhias telefônicas no país. Marinho trabalhava para Nelson Tanure, principal

acionista do Jornal do Brasil e aliado da empresa canadense TIW, que disputava o controle

acionário da Telemig Celular e Tele Norte Celular, em confronto com o banqueiro Daniel

Dantas.

A carreira de Boechat foi marcada por furos jornalísticos28F

29. Em 2000, Boechat foi o

primeiro a dar informações sobre o que viria a se tornar o primeiro escândalo da quebra do

sigilo do painel do Senado Federal, ao revelar que o painel não era seguro. Em seguida

denunciou que a senadora Heloisa Helena teria traído o PT, Partido dos Trabalhadores, na

votação que cassou o mandato do também senador Luís Estevão(PMDB- DF). O jornalista

chegou a revelar que tinha uma cópia da lista de votação mas não foi ouvido pelo conselho de

Ética do Senado, por não ser um membro da Casa.

Em entrevista a Danilo Gentile do Programa Agora é Tarde29F

30, da TV Bandeirantes,

concedida em 28 de setembro de 2009, o âncora Ricardo Boechat comenta seu trabalho no

rádio: “ no rádio diferentemente da TV, eu ancoro, falo, critico, esculhambo, dô opinião.”

Sobre a ancoragem na TV brasileira, Boechat afirma que o único âncora foi Boris Casoy.

Em sua percepção, no Brasil, os telejornais não são ancorados; são mais lidos do que

29 Dar um furo, na gíria profissional jornalística, significa dar uma notícia em primeira mão. 30Entrevista disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=NGtaF3jpyQk

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comentados pela bancada. A afirmação revela a visão de que a ancoragem pressupõe o

comentário, ou seja, um posicionamento. Ainda com relação as características dos telejornais

brasileiros o âncora tece o seguinte comentário:

Você tem outra intervenção, cada segundo é uma preciosidade, se você se sentir mais tocado e quiser expressar um pouco sua indignação ou alegria, o cara fica:”estamos estourados”. Isso funciona rigorosamente em todos os jornais. Não está na natureza dos telejornais, aqui no Brasil.30F

31.

Sobre o papel do âncora Boechat afirma que, em sua opinião, este interage e opina

mais, e tem a capacidade de mudar o curso do jornal durante a apresentação – neste caso cita

como exemplo a possibilidade de determinar que uma matéria volte a ser exibida. Como

exemplo de intervenção sobre o que chama de apresentação “careta” e “engessada” Boechat

relembra que em uma edição do Jornal da Band31F

32 chegou a usar um guarda-chuva, no

encerramento do programa, após ler uma notícia sobre a possibilidade de lixo espacial atingir

a terra. Essa postura do âncora confirma os traços de irreverência e ironia presentes em seu

trabalho, como veremos mais a frente, e também, de liberdade editorial. Na mesma entrevista

o jornalista afirma que “a Band não estabelece restrição no terreno da opinião”.

Ainda nesta entrevista, o âncora comentou os escândalos políticos – um dos assuntos

que constituem o corpus desta pesquisa. Ricardo Boechat afirma que vivemos ”uma cachoeira

de escândalos”. Para o jornalista, a classe política brasileira é blindada, por características

culturais, características legais e circunstâncias políticas. O âncora da BandNews afirma ainda

que o estado brasileiro é muito corrupto, muito venal. Uma pesquisa realizada pela autora

sobre a atuação do âncora revela coerência entre seu pensamento e também sobre a citada

liberdade editorial. Na edição do 31 de agosto de 2009 do Jornal da BandNews FM32F

33 , o

jornalista comentou o fato de sua chefia ter recebido ligações de um senador para reclamar

do tom e adjetivos utilizados por ele. Ao comentar as reclamações, Boechat preserva o nome

do senador, afirma que o fez por “cumprir meu sagrado dever profissional e acima de tudo

meu dever de consciência” e encerra dizendo que as atitudes dos políticos “nos ofendem por

seus atos, seus desvios (...) suas condutas que afrontam a moral e, por vezes, o erário” e

finalmente que “podem ligar para o patrão, para minha mulher, minha mãe(...) que vai

continuar sendo olho por olho, dente por dente”.

31 Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=NGtaF3jpyQk 32 Entrevista disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=DgL4WNa938Q 33 Áudio disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=PokXMWshla4

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4.2.2 Os programas

O Jornal da CBN, ancorado por Milton Jung, possui um formato que inclui de duas a

três matérias em cada bloco de 30 minutos, uma entrevista diária abordando o assunto em

destaque do dia e quadro fixos. São 3 horas e meia de produção divididas em 6 blocos de 30

minutos, sendo o último bloco de 20 minutos. No período analisado o jornal contava com 14

quadros fixos (Ver Tabela II) abordando temas variados como política, economia,

internacional, cultura, esporte, mundo digital e mundo corporativo. Nas horas cheias e a cada

meia hora (06:30, 07:00, 07:30, 08:00, 08:30 e 09:00) é transmitido um boletim de dois

minutos, com as principais manchetes do momento, o Repórter CBN. Além das manchetes, o

Repórter CBN informa os números da Bovespa, a variação do dólar, os índices Dow Jones e

as Bolsas Europeias. A locução do Repórter CBN fica a cargo de um locutor auxiliar.

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Tabela II Estrutura do Jornal da CBN

Fonte: Elaboração da autora

Na programação da emissora e também no Jornal da CBN percebe-se que vinhetas e

trilhas têm função de identificação e também de dar ritmo e agilidade ao programa. Observa-

se um padrão de abertura conforme o da edição de 09 de abril de 2012 transcrita a seguir. A

vinheta de abertura identifica o âncora: “Jornal da CBN, apresentação Milton Jung”. O âncora

se identifica, dá a hora certa e chama o primeiro destaque do dia ainda com a trilha de

abertura ao fundo. O operador corta o áudio da trilha segundos antes da entrada da repórter

Gabriela Rangel de São Paulo que informa o desfecho de um caso de um policial que manteve

a família como refém. Nos destaques seguintes é usado o mesmo padrão: a trilha permanece

ao fundo enquanto o âncora chama os destaques e é cortada pelo operador quando entram as

sonoras dos entrevistados, o que demonstra a preocupação de não provocar ruído ou desviar a

Horário Programa Participação 06h00 Abertura Milton Jung 06h25 Boletim Fórmula Um 06h30 Repórter CBN Locutor auxiliar 06h55 Momento do Esporte Juca Kfouri 07h58 Mundo Digital Ethevaldo Siqueira 07h00 Repórter CBN 07h25 Linha Aberta Carlos Alberto Sardenberg 07h30 Repórter CBN 07h32 Boletim BBC Brasil Locutor auxiliar 07h55 Mundo Corporativo Max Gehringer 07h57 Por dentro da política Lúcia Hipólito 08h00 Repórter CBN Locutor auxiliar 08h02 Seu dinheiro Mauro Halfeld

08h05 Comentário de

Arnaldo Jabor Arnaldo Jabor

08h25 Dia a Dia da

Economia Miriam Leitão 08h35 Capital Humano Gilberto Dimenstein

08h45 Liberdade de

expressão Carlos Heitor Cony e Arthur

Xexéo 09h00 Repórter CBN Locutor auxiliar 09h07 Local Mais São Paulo Gilberto Dimenstein

09h18 Boletim Meio e Mensagem Regina Augusto

09h25 CBN Ecopolítica Sérgio Abranches 09h30 Repórter CBN Locutor auxiliar

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atenção do ouvinte para a fala do entrevistado. Todos os quadros do jornal têm vinhetas

criadas a partir da matriz musical da trilha de assinatura da emissora. A trilha original foi

criada em 1991 pela empresa americana Who did that music? e modernizada em 2001 pela

produtora paulista Play it again.

(...) optou por manter a matriz musical original. No entanto, a trilha mãe foi modernizada e, a partir dela, vêm sendo criadas subtrilhas e vinhetas diferentes para os programas e boletins, todas fruto da variação de timbres e arranjos baseados na trilha sonora de assinatura. (TAVARES, 2011, p.80).

Dessa forma, a emissora manteve uma unidade musical, mas conseguiu atribuir a cada

produto uma identidade própria. Além dos recursos de vinhetas e trilhas a entonação é outro

recurso utilizado pelos locutores para estabelecer uma retoricidade própria do

radiojornalismo. A entonação cumpre o papel de enfatizar, de chamar a atenção, para

determinado aspecto da notícia.

Na edição do dia 09 de abril de 2012 ao repercutir a situação das assembleias

estaduais onde os deputados recebem décimo quarto e décimo quinto salários Milton Jung

enfatiza palavras-chave reveladoras do que os parlamentares pensam sobre o assunto para

demonstrar ironia. Exemplos: “em alguns [estados] os deputados não querem nem ouvir

falar no assunto”; “no Maranhão, um dos estados mais pobres do Brasil, os deputados

ganham dezoito salários de vinte mil reais por ano”; “a deputada Graça Melo alega que o

parlamentar tem que tirar do próprio bolso para ajudar o povo”.

No mesmo trecho analisado observa-se que o âncora tem boa projeção vocal, adequada

ao tipo de programa e de público; apresenta um ritmo com pausas curtas e velocidade; tem

boa pronúncia e a personalidade é demonstrada na segurança com que conduz o programa,

na entonação que enfatiza aspectos considerados importantes pelo apresentador.

O Jornal BandNews tem a ancoragem de Ricardo Boechat, mas a apresentação do

programa jornalístico é dividida com os também jornalistas Eduardo Barão e Tatiana

Vasconcellos. Importante frisar que no site da BandNews (www.BandNews.band.com.br), os

três jornalistas são apresentados como âncoras do Jornal. Os dois últimos se revezam na

leitura das manchetes, sendo que os destaques do dia são comentados por Ricardo Boechat.

Outro diferencial entre os radiojornais é que enquanto o Jornal da CBN apresenta um grande

número de matérias, destacando-se principalmente a participação dos repórteres de Brasília, o

Jornal da BandNews utiliza em número menor matérias e sonoras, privilegiando as notícias

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em destaque, lidas de forma alternada por Eduardo Barão e Tatiana Vasconcellos. A leitura de

manchetes e notas é a principal característica do jornalismo da emissora. A abertura de cada

bloco de vinte minutos, mesmo na programação, é feita com a leitura de destaques.

O Jornal da BandNews tem dois correspondentes internacionais com participações

diárias. Luiz Megale, em Nova York, e Milton Blay, correspondente na França. A colunista

Mônica Bérgamo também participa diariamente com assuntos diversos, assim como Milton

Neves (Futebol com Milton Neves). O escritor Ruy Castro (Radiografias), sempre às terças-

feiras, trata de temas do cotidiano e comportamento, o cientista político Antônio Lavareda

(Muda Brasil), às quartas-feiras, também abordando temas que vão de política a saúde. (Ver

Tabela III).

Na BandNews, os períodos corridos de notícias nacionais duram, geralmente, 20

minutos em toda a programação. A análise do período compreendido ente 09 de abril a 11 de

maio de 2012, demonstra que dentro do jornal esse tempo não é rigoroso, com variações para

menos ou mais de 20 minutos. Dentro do Jornal BandNews, no primeiro ciclo, o comentário

inicial do âncora Boechat é o de maior importância, durando, em média, três minutos e no

qual são abordados assuntos de grande repercussão pela mídia naquele dia. A estrutura do

comentário é composta por três elementos: o resgate dos acontecimentos, a introdução de

novas informações e a opinião do âncora. Nos demais ciclos, Boechat também faz

comentários, mas geralmente mais rápidos e sobre assuntos de menor repercussão. O maior

espaço ocupado pela âncora é na conversa com os colunistas. As vinhetas iniciam (“Em 20

minutos, você vai ouvir as notícias mais importantes até agora.”) e encerram cada ciclo (“Em

vinte minutos, você ouviu as notícias mais importantes até agora.”).

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Tabela III

Estrutura Jornal BandNews

Blocos Horário Programa/Quadro Participação

07:00 às 07:13 Destaques/Comentários Âncoras

01 07:13 às 07:16 BandNews Tempo + Destaques Laura Ferreira

07:16 às 07:21 Bl. Local+ Comerciais Locução local 07:21 às 7:23 Destaques/ Comentários Âncoras 07:23 às 7:26 Futebol com Sérgio

Xavier Sérgio Xavier

02 7:30 às 07:31 Mercado Financeiro Tatiana/Barão 07:32 às 07:34 Boletim Speedo Redação

07:34 às 07:39 Bl. Local+ comerciais Locução local 07:40 às 07:44 Direto de Paris Milton Blay

03 07:44 às 07:51 Boletim Economia Redação 07:53 às 07:59 Bl. Local + Comerciais Locução local

08:00 às 08:11 Direto de Nova York Luiz Megali

04 08:11 às 08:15 Destaques/ Comentários Âncoras 08:15 às 08:20 Bl. Local + Comerciais Locução local

08:20 às 08:27 Mônica Bérgamo na

BandNews Mônica Bérgamo

05 08:27 às 08:32 Destaques/ Comentários Âncoras 08:32 às 08:33 Minuto Sebrae Redação

08:34 às 08:39 Bl. Local + Comerciais Locução local

08:43 às 08:46

Destaques/ Comentários Âncoras

06 08:46 às 08:59 BuembaBuemba José Simão

08:59 às 09:04

Bl. Local + Comerciais

09:04 às 09:15 Futebol - Milton Neves Milton Neves Fonte: Elaboração da autora

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Com relação a estrutura padrão do jornal cabe informar que os horários de entrada

de cada quadro e a duração de cada bloco não são rígidos. Na observação utilizada como

exemplo – dia 09 de abril de 2012 – como pode ser visualizado na tabela anterior – apenas o

quarto bloco cumpre os 20 minutos contratados no slogan da emissora: “ em vinte minutos

tudo pode mudar”. O quadro” Radiografias” com o escritor Ruy Castro vai ao ar às terças-

feiras – no caso, dia 17 de abril de 08:36 ás 08:45 -, e o “Imprensa Brasil – Opinião

Pública” – com o cientista político Antônio Lavareda, às quartas-feiras – no caso, dia 25 de

abril – de 08:40 às 08:50.

Já em relação a retoricidade própria do radiojornalismo, o Jornal BandNews também

adota vinhetas e trilhas mas com uma plasticidade diferente. A trilha de assinatura do jornal

é mantida durante a abertura quando o âncora comenta os dois temas de destaque do dia. E

nem todos os quadros tem vinheta como a Previsão do Tempo, por exemplo. A especialista

informa as mudanças climáticas em meio a um bate-papo com Boechat, Tatiana e Eduardo

Barão. As vinhetas de passagem, saída do bloco nacional para o bloco local e retorno do

bloco local para o bloco nacional são mantidas. De acordo com informações do site a

plástica da emissora foi desenvolvida por Zuza Homem de Mello e a trilha gravada no

estúdio Jam, em Dallas, nos Estados Unidos.

A entonação na fala dos âncoras e apresentadores possui papel fundamental na

BandNews. Talvez proporcionalmente maior do que no Jornal da CBN já que o jornal da

BandNews mantém, em muitos momentos, o tom de conversa. Em alguns casos esse tom é

dado já na abertura. Na edição do dia 09 de abril de 2012, Ricardo Boechat abre a edição

cumprimentando o ouvinte de forma efusiva, descrevendo a posição no estúdio dos dois

colegas apresentadores – Tatiana Vasconcelos e Eduardo Barão – e ironizando a

pontualidade deste último. “Bom dia, bom dia, bom dia! Vamos juntos até às nove horas

da matina com as principais notícias nacionais e internacionais. “À minha direita, Eduardo

Barão, mais conhecido como Big Ben, grande e pontualíssimo.

Já ao comentar a redução de juros determinada pela Presidente Dilma Rousseff –

também no dia 09 de abril – Boechat enfatiza os juros mais baixos de outros países e a

imposição da medida: “Um amigo meu pegou empréstimo em banco no exterior , tá pagando

um vírgula oito por cento de juros ao ano” e “Mandou baixar a taxa de juros na marra,

lembrando ao Banco do Brasil que o nome dele é “Banco do Brasil, não banco dos

acionistas”.

Em relação aos elementos projeção, ritmo, pausa, pronúncia e personalidade,

observou-se nos trechos citados anteriormente que o âncora tem boa projeção vocal,

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adequada ao tipo de programa e de público; apresenta um ritmo médio de variações de

velocidade e pausas – enquanto seus companheiros de estúdio, Eduardo Barão e Tatiana

Vasconcelos apresentam mais velocidade e menos pausas, na leitura de destaques e notas do

dia. Boechat tem boa pronúncia e a personalidade é demonstrada na segurança com que

conduz o programa; na entonação que enfatiza aspectos considerados importantes e nas

estratégias discursivas adotadas como ironia, por exemplo, ao brincar com a altura e a

pontualidade de Eduardo Barão – e o tom de conversa ao descrever o cenário do estúdio,

convidando assim o ouvinte a imaginar a cena, o ambiente de trabalho dos três jornalistas.

4.3 Estudo de caso

Conforme informado nas considerações metodológicas para análise do objeto, optou-

se por recortar temas comuns abordados nos dois radiojornais. Nesse sentido, o destaque na

cobertura da imprensa do período analisado foi a cobertura da CPI envolvendo o

contraventor Carlinhos Cachoeira. Como o tema foi tratado com destaque no Jornal da CBN

e não recebeu a mesma relevância na BandNews foram também escolhidos outros temas

recorrentes. (Ver Apêndice A).

4.3.1 Caso Cachoeira

De início para melhor entendimento do tratamento dado pelos âncoras às denúncias

envolvendo o contraventor Carlos Cachoeira e sua relevância em termos políticos,

apresenta-se uma contextualização. Considerou-se o detalhamento importante pois trata-

se de tema com desdobramento até o final desta pesquisa.

4.3.1.1 Breve contextualização

O contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, foi preso em

fevereiro de 2012 como resultado das Operações Monte Carlo e Vegas da Polícia Federal,

acusado de comandar um suposto esquema de exploração ilegal de jogos em Goiás.

Antes da divulgação das investigações das Operações Vegas e Monte Carlo,

Carlinhos Cachoeira já era conhecido nacionalmente. Ele foi um dos protagonistas do

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primeiro grande escândalo do governo do PT, em 2004. Naquele ano, a Revista Época33F

34

divulgou matéria revelando que em 2002 Cachoeira teria negociado com Waldomiro

Diniz, assessor do então deputado José Dirceu (chefe da Casa Civil do governo Lula),

contribuições para campanhas políticas de candidatos do PT nas eleições em 2002, como

Benedita da Silva, no Rio de Janeiro, e Geraldo Magela, no Distrito Federal.

Também foi acusado de fazer gravações em vídeo das negociações. Com a chegada

do PT ao Palácio do Planalto, Cachoeira teria passado a cobrar uma retribuição na forma

de um contrato na área de loterias com a Caixa Econômica Federal. Como não foi

atendido resolveu dar o troco: forneceu as informações sobre o caixa dois petista ao

Ministério Público Federal. As denúncias deram início a CPI dos Bingos.

As investigações resultantes da Operação Monte Carlo apontaram, também, o

envolvimento de uma rede criminosa envolvendo autoridades, políticos e empresários.

Entre as autoridades, o senador Demóstenes Romano, DEM - GO, que até as denúncias de

envolvimento com Carlinhos Cachoeira era um político acima de qualquer suspeita. Em

consequência das denúncias, o senador perdeu o mandado, retornando ao Ministério

Público de Goiás, onde era procurador da República. Em outubro de 2012, foi afastado do

cargo, em função da abertura de um processo administrativo disciplinar.

Outros políticos que tiveram o nome associado a Carlos Cachoeira foram os

governadores Marconi Perillo (GO), Agnelo Queiroz (DF), Sérgio Cabral (RJ); cinco

deputados federais (Sandes Júnior - PP, Carlos Alberto Lereia - PSDB, Stepan Nercessian

– PPS, Leonardo Vilela – PSDB e Protógenes Queiroz - PC do B) e a chefe de gabinete

do governador de Goiás, Eliane Pinheiro. Entre as empresas, a Delta Construções,

começou a ser investigada por suas conexões com empresas laranja ligadas ao esquema do

contraventor. Ligações telefônicas divulgadas durante a Comissão Parlamentar Mista de

Inquérito (CPMI), revelaram que a Delta, uma das maiores construtoras do país, teria

pagado propina, para receber pagamento por serviços prestados ao governo do Distrito

Federal.

A CPMI para investigar Carlinhos Cachoeira foi aprovada em 19 de abril e os

trabalhos tiveram início dia 25. Foram 330 assinaturas de deputados e de 67 senadores

favoráveis à criação da comissão. Após oito meses de trabalho, em 18 de dezembro de

2012 o relatório final da CPMI do Cachoeira foi rejeitado. O relatório propunha o

indiciamento do governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB); do prefeito de Palmas,

34 http://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2012/03/o-bicheiro-que-assusta-os-politicos.html

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Raul Filho (PT); do deputado federal Carlos Leréia (PSDB-GO) e do senador cassado

Demóstenes Torres (sem-partido-GO) e não propunha o indiciamento dos petistas

envolvidos o que gerou insatisfação e levou a rejeição por dois votos. Ao final foi

substituído pelo relatório do deputado Luiz Pitiman (PMDB-DF). As 5 mil páginas

foram substituídas por uma página e meia com a sugestão de envio dos dados da CPMI

ao Ministério Público Federal.

Preso desde fevereiro 2012 Cachoeira foi libertado dia 21 de novembro do mesmo

ano. Em 7 de dezembro, o contraventor foi condenado a 39 anos e oito meses de prisão e

voltou a ser preso cumprindo mandado expedido pela 11ª Vara Federal responsável pelas

investigações da Operação Monte Carlo, que apurou esquema de corrupção e exploração

ilegal de jogos no Centro-Oeste. Em 11 de dezembro, voltou a ser solto por meio de um

novo habeas corpus no processo da Operação Monte Carlo da Polícia Federal.

4.3.1.2 Caso Cachoeira : a voz dos âncoras

Para melhor compreensão da análise da cobertura do Caso Cachoeira vamos situá-lo

em dois momentos distintos: o anterior à instalação da CPMI, que se deu em 19 de abril -

dias 09 e 17 de abril - e, o momento posterior, edições dos dias 25 de abril e 03 e 11 de

maio. O primeiro, que antecede a instalação da CPMI, reflete o clima de formação de

opinião sobre as denúncias e eventuais ações da base governista no sentido de impedir a

instalação da Comissão, e o segundo momento, as polêmicas geradas após a instalação da

Comissão e seus desdobramentos.

Lima (2006) explica que em eventos políticos midiáticos percebe-se a instalação da

“presunção de culpa”. O autor observa que o enquadramento usado, com omissões e

saliências de fatos importantes, pode levar a essa leitura, apesar da presunção da inocência

ser uma das mais importantes garantias constitucionais. Lima (2006) resgata a definição de

enquadramento e suas consequências.

Do ponto de vista operacional, a noção de enquadramento envolve basicamente a seleção e a saliência: esta última consiste em tornar uma informação mais “noticiável, significativa ou memorável para a audiência”. Desta forma, “enquadrar é selecionar certos aspectos da realidade percebida e torná-los mais salientes no texto da comunicação de tal forma a promover a definição particular de um problema, de uma interpretação causal, de uma avaliação moral, e/ou recomendação de tratamento para o tema descrito. Enquadramentos, tipicamente diagnosticam, avaliam e prescrevem”. Além disso, o “enquadramento determina se a maioria das pessoas percebe e como elas compreendem e lembram de algum problema, da

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mesma forma que determina a maneira que avalia e escolhem a forma de agir sobre ele”.(ENTMAN APUD LIMA, 2006, p.14).

Interessante observar, nesse sentido, como Jung esclarece como o enquadramento e as as saliências podem ser transmitidos pelo rádio.

O âncora, assim como os repórteres e comentaristas, deve transmitir segurança e responsabilidade na fala, dar ênfase nos fatos mais significativos e marcar, com a entonação, os aspectos que precisam ser levados em consideração pelo ouvinte. (Jung, 2012).

Na edição do dia 09 de abril de 201 o Jornal da CBN apresentou quatro sonoras34F

35 na

primeira meia hora sobre o Caso Cachoeira: Deputado Fernando Francischine (PEN) sobre

protocolo para convocação do bicheiro; Senador Randolfe Rodrigues (PSOL) sobre

possível abertura de processo contra Demóstenes Torres, sonora Deputado Federal, Major

Araújo (PRB/GO) denunciando envolvimento do ex-comandante da PM de Goiás, Cel.

Carlos Antônio Elias, com Carlinhos Cachoeira e sonora do ex-comandante da PM de Goiás,

convidando o denunciante a se manifestar sobre o assunto na Corregedoria. Na sequência

do jornal entram mais três matérias sobre o assunto: uma sobre a tentativa de iniciar a CPI;

sobre a Polícia Militar de Goiás e a investigação do envolvimento do ex-comandante com

Carlinhos Cachoeira e uma última sobre parlamentar goiano flagrado em ligações com o

contraventor Carlinhos Cachoeira.

A cabeça35F

36 da matéria sobre o requerimento de convocação do bicheiro Carlinhos

Cachoeira à Comissão de Segurança Pública, evidencia as dificuldades para a abertura de

uma CPI:

Deputados tentam iniciar uma CPI para apurar denúncias contra o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Mesmo antes da abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito o contraventor pode ser convocado a dar explicações na Comissão de Segurança Pública. No Senado, a expectativa é sobre a instalação de processo contra Demóstenes Torres na Comissão de Ética. (grifo nosso).

Uma nota comentário sobre o silêncio do senador sugere-nos de forma explícita a

intenção do âncora em buscar formar opinião. Na nota, Jung comenta a informação de que o

senador permanece em silêncio e que teria se manifestado por meio de seu blog.

35 Denominamos aqui sonoras a trechos de entrevistas gravadas e editadas. 36 Denomina-se aqui ‘cabeça’ o texto de apresentação de uma reportagem ou matéria gravada ou entrevista ao vivo ou gravada.

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Ainda a propósito do Senador Demóstenes Torres. Nós temos ainda a propósito do Senador Demóstenes Torres que tem ficado em silêncio, não tem concedido nenhuma entrevista desde o surgimento dessas denúncias, quando passa algum recado passa através de seu advogado de defesa. De vez quando envia um twitter e no blog que ele mantém e que estava parado há algum tempo, pelo menos não havia postagem de nenhuma mensagem própria dele, apenas de colaboradores, ele resolveu voltar à ativa neste fim de semana. Mas o que chamou a atenção é que em lugar de falar sobre as acusações, de se defender, preferiu fazer um comentário e um post sobre a economia brasileira e o pacote apresentado semana passada pelo governo Dilma Rousseff, com críticas a este pacote. A propósito duas curiosidades: uma delas é que no blog do Demóstenes tem um selo na parte de cima que diz: CPI da Corrupção eu assinei. Claro que se referindo a outra CPI, nada a ver com a CPI do Carlinhos Cachoeira. E a outra curiosidade: é que o post que foi publicado hoje ou ontem por um colaborador tem como imagem a cena do filme de Walt Disney , um Mickey e o nome é Fantasia.(Grifos nossos).

O âncora inicia a nota na terceira pessoa do plural – “nós temos ainda” - confirmando

as regras da narrativa jornalística estruturada para apagar as marcas de quem narra, como se

o texto emergisse diretamente dos fatos e não das mãos do narrador. Como no relato

histórico e científico, o relato em terceira pessoa confere impessoalidade e universalidade.

Ao mesmo tempo lança mão de recursos discursivos que contribuem para formação de

opinião. Isso é feito utilizando-se de outras fontes de informação como os blogs. Percebe-se

aí a presença do ethos jornalístico em uma demonstração de responsabilidade em trazer à

tona a verdade.

Nessa nota, Jung descreve o conteúdo do blog de Demóstenes evidenciando que

enquanto o senador - “em lugar de falar sobre as acusações, de se defender”- sobre

denúncias envolvendo seu nome, faz crítica ao plano econômico de Dilma Rousseff .

Ainda, como pode ser observado, Milton Jung acrescenta duas outras informações

para as quais chama a atenção: o selo “CPI da Corrupção eu assinei” e o post de um

colaborador com uma imagem de Mickey, uma referência ao filme Fantasia. Ao informar

sobre o selo o âncora tenta evidenciar a contradição de uma pessoa envolvida em um

escândalo se manifestar contra a corrupção, ou seja, dessa forma contribui para a

construção de uma imagem negativa, que busca desautorizar, desacreditar o senador diante

da opinião pública e, assim enquadra a notícia. A referência, entretanto, ao filme dos

estúdios Disney é sutil. O âncora não explica quem é Mickey no Filme Fantasia. Em um

dos episódios do filme Mickey Mouse é o aprendiz do mago Merlin. O episódio é uma

adaptação do texto ‘Der Zauberlehrling’ escrito por Johann Wolfgang Von Goethe em

1797. Na história, o aprendiz, após ser deixado sozinho pelo feiticeiro, decide experimentar

sua própria magia. Em meio a confusões, tudo dá errado e ele só é salvo com o retorno do

velho feiticeiro. A ausência de explicação sobre o filme, por exemplo, poderia evidenciar

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um conteúdo voltado para um público A, B com informação o suficiente para inferir que o

senador Demóstenes Torres representaria o aprendiz de feiticeiro.

Ainda sobre a tentativa de construção da imagem negativa do senador Demóstenes

Torres observamos que a nota realça a posição “quem cala, consente”.36F

37 A nota evidencia

a postura assumida pelo político após as denúncias: “tem ficado em silêncio, não tem

concedido entrevista desde o surgimento das denúncias, quando passa algum recado o faz

pelo advogado de defesa, em vez de se defender preferiu fazer comentário”.

A cobertura de eventos políticos midiáticos37F

38 como a CPI do Cachoeira reforça a

apresentação de uma auto-valorização do jornalista, conforme salienta Lima (2006):

A auto-imagem dominante dos jornalistas – no Brasil e nos demais países de democracia liberal – é a de profissionais que se consideram mandatários da missão de fiscalizar os governos e denunciar publicamente seus desvios. A revelação de segredos ocultos do poder é vista como uma forma de exercer sua missão de guardiões do interesse público. A publicação de escândalos tornou -se uma prática que reforça e realimenta a imagem os jornalistas têm de si mesmos [...] Registre-se que essa vocação de cruzado do jornalista não exime os empresários – proprietários e concessionários – da responsabilidade maior sobre aquilo que é divulgado na mídia. Na maioria das vezes é a linha editorial do jornal, da revista ou das emissoras de rádio e televisão o determinante principal do tipo de jornalismo que é praticado por seus jornalistas. (LIMA, 2006, p. 12).

Esta análise de Lima é corroborada por Jung (2012) ao mencionar o trabalho da

CBN em coberturas políticas a partir do impeachment do Presidente Collor.

A cobertura da CPI que levou ao processo de impeachment de Fernando Collor marcou a história da rádio CBN, nos anos de 1990. Foi a primeira emissora a ter coragem de transmitir, ao vivo e na íntegra, os debates na comissão, os interrogatórios e sessões no Congresso. Digo coragem, porque não era comum as emissoras dedicarem toda sua programação para fatos como esses que eram tratados apenas dentro dos espaços jornalísticos através de reportagens ou flashes ao vivo. Naquela época, ainda estava fora da rádio, mas participei da cobertura pela TV Cultura.

Enquanto a nota/comentário de Milton Jung tenta construir a imagem negativa do

senador Demóstenes Torres com base em investigações feitas pela redação da CBN, ao

abordar o caso Cachoeira, na edição do 09 de abril do Jornal da BandNews, o âncora

Ricardo Boechat opta pela ironia ao tratar das denúncias envolvendo o contraventor. À

37 A máxima “quem cala consente” foi cunhada pelo Papa Bonifácio VII no século 13 em uma de suas decretais. As decretais eram cartas dos papas medievais em resposta a consultas populares e àquela época serviam para o direito canônico combater as leis orais, baseadas em tradições e superstições. 38 Para Lima (2006) o escândalo político midiático envolve indivíduos ou ações que estão situados dentro de um campo político. Este é o campo de ação e interação que está ligado à aquisição e ao exercício do poder político , pelo uso entre outros, do poder simbólico. Segundo o autor o poder simbólico refere-se à capacidade de intervir no curso dos acontecimentos, de influenciar as ações e crenças dos outros e também de criar acontecimentos mediante a produção e a transmissão de formas simbólicas.

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justificativa de que o encontro entre Eliane Pinheiro, Chefe de Gabinete de Marconi Perillo,

Governador de Goiás, com Carlinhos Cachoeira teria ocorrido para discutir incentivos

fiscais, o âncora faz um pequeno comentário: “É um grande barato, né! Por que o senhor

recebeu o Fernandinho Beira-Mar na sua casa? Não, fui discutir o equilíbrio ambiental do

planeta. Ora, por favor...”

Na cobertura do dia 09 de abril observa-se que a CBN tratou o assunto Cachoeira com

amplo destaque desde a abertura do programa utilizando sonoras como teasers na primeira

meia hora, com nota explicativa atualizando o assunto, além do comentário de Milton Jung

sobre o blog do Senador Demóstenes Torres. Já na BandNews o âncora tratou o assunto

com um comentário irônico após a leitura de nota sobre o suposto envolvimento de

Cachoeira com o Governador de Goiás, Marconi Perillo.

No dia 17 de abril, o destaque na cobertura dos dois veículos foi a divulgação da

conversa entre o diretor da Delta Construtora Fernando Cavendish com sócios e executivos

da empresa trazendo indícios de como a empresa agiria para obter obras públicas. Enquanto

o Jornal da CBN traz a informação e divulga o áudio de Cavendish o âncora Ricardo

Boechat comenta de forma enfática:

A sensação de impunidade, a convicção de impunidade é tão grande que o dono de uma empreiteira que tem mais de... bi,milhares de contratos e bilhões de reais em contratos é uma das sete maiores construtoras do país, se permite dizer numa gravação que dá dinheiro pra político mesmo e que ganha obra pra Pi que é o palavrão que ele falou, começa com c e termina com o né e não é coração e fica por isso mesmo. E tem o displante, na seqüência, de soltar uma nota oficial, da empresa dele, dizendo que as falas são mesmo de Fernando Cavendish, mas eram parte de uma longa discussão. Adoraria ouvir a íntegra da discussão, ele deve falar quanto que dá pra juiz, quanto que dá pra jornalista, quanto que dá pra policial, porque se ele falou de político é só uma das categorias que ele deve subornar, então eu adoraria ouvir a íntegra dessa conversa (...) O que tem feito a justiça no Brasil é também a troco, troco de dinheiro, a troca de dinheiro, anular provas obtidas pela polícia, por protelar, é, julgamentos, jogar na prescrição etc e tal. A roubalheira que envolve metrô de São Paulo, obras públicas no Rio de Janeiro, represas, hidrelétricas, estradas, túneis, pontes, viadutos, estádios, essa roubalheira está no Brasil inteiro e envolve há décadas as mesmas empreiteiras, os mesmo empresários e até hoje não se viu um desses canalhas na cadeia. E mais hein, se bobear, ainda vai me processar porque eu o chamei de canalha, então deixa eu chamar novamente: ca-na-lha.(Grifos nossos).

Neste comentário, Ricardo Boechat se coloca no lugar do ouvinte, um lugar de

indignação. Para isso, em determinado ponto, usa a primeira pessoa (adoraria), questiona a

justiça no país, e vai mais além, afirma que há roubo e chega ao ponto de chamar Cavendish

de canalha, assumindo o risco de ser processado. Além de questionar a conduta do

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empresário, o âncora questiona a estrutura do sistema judiciário e político do país que

contribuiria para a manutenção da impunidade.

No Jornal da CBN, Milton Jung não faz comentários sobre as gravações, mas é

interessante observar que ao chamar matéria sobre um possível recuo da base governista na

abertura da CPI do Cachoeira usa a entonação para enfatizar a posição do governo. A

colocação “Agora o outro lado” denota a preocupação em evidenciar o seu cuidado em

ouvir os dois lados: a oposição e a base governista:

Agora o outro lado: o líder do PT na Câmara Jilmar Tatto diz que o partido não está arrependido de apoiar a convocação da CPI, que o governo não está interferindo no assunto. (Grifo nosso).

Nos programas analisados, o âncora da BandNews não fez entrevistas, uma

característica do trabalho de Milton Jung, do Jornal da CBN, que sempre entrevista,

geralmente ao vivo, políticos, economistas e especialistas sobre temas variados. Dessa forma

imprime ao jornal uma impressão de pluralidade.

Arfuch (2010) ao tratar da entrevista midiática explica que ela surge na segunda

metade do século XIX como maneira de resguardar e autenticar palavras ditas na imprensa.

Para a autora, em sua origem, este gênero legitima o espaço público.

A entrevista está, assim, indissoluvelmente ligada à consolidação do capitalismo, da lógica de mercado e da legitimação do espaço público, por meio de suas palavras autorizadas, em sua dupla vertente do social e do político. É peça-chave da visibilidade democrática assim como da uniformidade, essa tendência constante à modelização das condutas, um dos fundamentos da ordem social. Mas esse desdobramento do público, que abarca toda uma gama de posições sociais, é também, como não poderia deixar de ser, do privado, nas múltiplas tonalidades que a interlocução pode oferecer. (ARFUCH, 2010, p.153).

Consideramos importante transcrever os principais trechos da entrevista do Senador

Walter Pinheiro concedida a Milton Jung, pois ela reforça a tentativa de Jung de fazer crer

que existiria uma tentativa por parte do governo de não abrir uma CPI, ou seja, a ideia de

que existiria uma tentativa por parte do governo de não abrir a CPI.

MJ - Nosso convidado do Jornal da CBN é o senador Walter Pinheiro, líder do PT no Senado. Senador, bom dia pro senhor!WP - Bom dia! MJ - Senador Walter Pinheiro há uma tentativa de esfriar a ainda não iniciada CPI do Cachoeira? WP - Não, eu não sei por parte de quem. Pela parte dos parlamentares nós estamos coletando assinaturas que são processos naturais. Aí as pessoas é vão ficando agonizadas porque querem que conclua. Querem saber notícias. Então,

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portanto o trabalho nosso continua, de coletar assinaturas e atingir o número necessário para entregar na mesa. MJ - Ontem, ao menos dois colegas seus de Senado, Senador Randolfo e senador Simon falaram sobre esse assunto e expuseram esse tipo de preocupação de que poderia haver interesse também do governo federal para que essa CPI não fosse a frente. WP - Eu volto a dizer o Senador Randolfo e senador Pedro Simon devem ter falado depois de um veículo ... volto a dizer o que está sendo feito hoje é coletar assinatura para atingir o número pra apresentar na mesa para instalação da CPI. MJ - Por parte do governo federal existe alguma preocupação? WP - Essa é uma pergunta que você tem que fazer ao governo. A nós, nós estamos tocando no Congresso Nacional, não é um problema de preocupação desse ou daquele. Nós temos que dar continuidade a um processo que nos permitirá inclusive ter acesso as informações que até agora só são conhecidas através de vazamento através da imprensa. Portanto, oficialmente, nós não recebemos nenhum tipo de informação. Então, se o próprio Supremo diz que só envia para o Congresso Nacional através de uma CPI que é o que é previsão constitucional, então vamos instalar a CPI para gente receber essas informações. MJ - A citação de nomes de dois governadores de partidos importantes, os mais importantes partidos do país neste momento, PT e PSDB, Agnelo Queiroz e Marconi Perillo, respectivamente, isso não pode fazer com que esses dois partidos acabem negociando antes de se levar esse processo a frente? Isso não pode diminuir o ímpeto por uma investigação mais profunda? WJ - Volto a insistir a CPI agora tem que ir a fundo, por exemplo, quando se decidiu pela história da CPI exatamente para obter as informações e não para discutir sobre quem, com quem e a partir de quem ia se investigar. Portanto, o correto é que a gente insista no processo de apuração de toda essa rede de negócio que foi montada a partir da detectação, da ação da Operação Monte Carlo38F

39 que detectou toda essa estrutura de negócio , de informação montada. E aí não dá pra gente escolher, se é com fulano, com beltrano, com sicrano, então portanto é a gente trabalhar pra promover a apuração completa. Ao Congresso Nacional compete julgar quebra de decoro , à justiça compete julgar a questão dos crimes. MJ - A CPI já tem assinaturas suficiente para sua instalação? WP - Este é balanço que nós vamos fazer no dia de hoje porque na realidade o texto só ficou pronto na última quinta-feira. Os partidos coletaram isso aí na quinta até o dia de hoje e no dia de hoje nós vamos fazer o balanço das assinaturas. MJ - Para a gente concluir: o senhor tem alguma previsão de quando a CPI realmente estará trabalhando? Existe essa agenda já na cabeça dos senadores? WP - A partir dessa semana a partir da reunião do colégio de líderes, pelo menos da base, nós vamos avaliar a coleta de assinaturas e aí entregar a mesa para que os servidores do senado e da câmara fazer a conferência das assinaturas e, consequentemente feito isso (...) e a aí instalar. MJ - Senador Walter Pinheiro muito obrigado pela gentileza, um bom dia para o senhor. WP - Um bom dia, um abraço.

Por realizar-se no espaço público, a entrevista midiática contribui para formação

de opinião. Ao perguntar para o entrevistado “Isso não pode diminuir o ímpeto por uma

39 Operação montada pela Polícia Federal para desarticular uma organização que explorava máquinas caça-níqueis e jogos de azar em Goiás. Entre as apreensões feitas, constam uma frota de vinte e dois veículos, uma grande quantia de dinheiro, além de armas e joias. Ainda, foram detidos dois policiais federais em um total de vinte e oito prisões. Entre os meios utilizados pela Polícia Federal, estão grampos telefônicos utilizados em conversas de Idalberto Matias Araújo, o Dadá, sargento aposentado da aeronáutica e do bicheiro Carlinhos Cachoeira.Ambos foram presos em fevereiro de 2012, acusados de integrar esquema de exploração de jogo ilegal.

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investigação mais profunda?” Milton Jung vale-se de uma especulação e hipótese conforme

alerta Freitas e Pires (2009).

[...] sugere-nos alguns aspectos a serem destacados: emissão de opinião com base em suposição, expediente dos jornais de buscarem declarações de pessoas que reforcem a posição defendida, e a possibilidade de constrangimento de opiniões na esfera de visibilidade midiática. (FREITAS,PIRES, 2009, p. 138).

Por se tratar de um líder do governo vindo a público prestar esclarecimentos a

expectativa é de reiteração da opinião de que a CPI mesmo sofrendo o suposto movimento

“abafa” seria aberta. Ao ser exposto em uma entrevista midiática não caberia outra

alternativa ao entrevistado que afirmar: “(...) é a gente trabalhar pra promover a apuração

completa”. Já em relação a postura do âncora fica claro na condução da entrevista,

conforme assinalado pela autora que existe a preocupação de explicitar uma possível

tentativa da base governista de esfriar a CPI.

Ao acompanhar o tratamento dado na ocasião ao tema por outros veículos e também

por blogs especializados em política, observamos que a cobertura da imprensa revelava a

preocupação da base governista de que as investigações sobre o Caso Cachoeira

respingasse em membros do partido ou do Palácio do Planalto. Naquela fase os petistas

trabalhavam para restringir as investigações ao período 2009-2011 para evitar que o

escândalo do mensalão, que veio a tona em 2005, voltasse a ser tratado em uma CPI. Jung

(2012) esclarece que o Caso Cachoeira perdeu relevância em função do Mensalão, deixando

claro que houve pouco interesse tanto de governistas ou oposicionistas de leva-lo à frente.

O caso Cachoeira teve pouca relevância porque se misturou a cobertura do processo do Mensalão e perdeu força dentro do próprio Congresso com governistas e oposicionistas pouco interessados em levar as investigações à frente. A cobertura do Mensalão está sendo relevante pela importância das pessoas que estão sendo condenadas pelo STF. Mas não devemos esquecer que em anos e governos anteriores já tivemos outros escândalos de destaque que exigiram apuração precisa e análise cuidadosa. Apenas como no Brasil temos uma sucessão de escândalos, governo após governo, muitas vezes nossa memória nos trai e impede que lembremos de fatos anteriores.

No dia 17 de abril de 2012 Ricardo Noblat39F

40 posta em seu Blog matéria do Estadão:

Risco da CPI faz base aliada negociar “ operação abafa” para poupar político e matéria

da Folha de S. Paulo: Antes da CPI, governo acerta as contas com a base aliada. Assim,

40 http://oglobo.globo.com/pais/noblat/Default.asp?a=111&cod_blog=129&ch=n&palavra=&pagAtual=18 &periodo=201204

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percebe-se que em grandes veículos como Folha de S. Paulo, O Globo e blogs

especializados em política como o de Ricardo Noblat, a opinião publicada é praticamente

unânime.

Outra preocupação que fica clara em matéria40F

41 publicada pela Folha de S. Paulo em

17 de abril de 2012 é a de não convocar o ex-ministro José Dirceu, pois em 2004 foi

divulgado um vídeo em que Waldomiro Diniz, então assessor de Dirceu, cobrava propina de

Cachoeira.

No dia 25 de abril, período posterior à instalação da CPI do Cachoeira, o Jornal da

CBN foi apresentado pelo jornalista Roberto Nonato. Observa-se que o apresentador segue o

mesmo padrão de apresentação de Milton Jung. Este último segue o de seu antecessor,

Heródoto Barbeiro, âncora do programa por cerca de vinte anos. Os três buscam aparentar

segurança no que dizem e demonstrar imparcialidade ao relatar a notícia, que é sempre

atualizada e contextualizada ao serem inseridas nas colunas e comentadas por especialistas.

Na edição do dia 25 de abril Roberto Nonato entrevista o relator da CPMI do Cachoeira,

deputado Odair Cunha do PT de Minas.

(...)

Roberto Nonato: Há uma avaliação de analistas políticos em torno do assunto e eles entendem que esse trabalho essa CPI terá um caráter até certo ponto explosivo por aquilo que tem sido divulgado até agora, pelas relações que têm sido apresentadas, ou pelos indícios de relações que têm sido apresentados até agora de Carlinhos Cachoeira com empresas, com políticos. O senhor também entende que é um trabalho que terá um caráter mais explosivo mesmo deputado, ou não? Odair Cunha: Primeiro eu creio que é importante nós termos clareza que não se trata no caso dessa CPMI de uma disputa entre oposição e situação. O que nós queremos é conduzir uma investigação que tenha como base os fatos determinados que originou a CPMI e vamos fazer as investigações que forem necessárias. Roberto Nonato: Agora, há algum tempo a gente acompanhou uma relação até certo ponto estremecida entre governo e base aliada, o senhor melhor do que ninguém sabe que isso ocorreu aí no Congresso Nacional. Esse tipo de relação pode fazer com que a gente tenha uma investigação mais profunda e venha a atingir o governo, ou não? Odair Cunha: Veja, o objetivo da CPMI é investigar as relações de Carlinhos Cachoeira com políticos seja aonde estiverem e com empresários. Esse será o foco da nossa investigação. E não há limite. É claro que eu diria que nós temos, com base em provas, produzir a investigação que for necessária. Roberto Nonato: Outra informação que surgiu logo após o anúncio da criação da CPI foi que o tesoureiro de Carlinhos Cachoeira, o senhor Geovane Pereira da Silva estaria pronto para colaborar com essa CPI para investigar o caso. Seria um caso para uma delação premiada talvez? E para que ele pudesse contar aquilo que ele efetivamente sabe, o senhor já trabalha com essa hipótese ou não?

41 http://www1.folha.uol.com.br/poder/1077062-pt-agora-tenta-adiar-cpi-do-caso-cachoeira.shtml

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Odair Cunha: Toda a colaboração e todos os depoentes que puderem falar na CPMI será muito importante para o nosso trabalho. Roberto Nonato: Outra questão é a relação com o presidente da comissão, o senador Vital do Rego , é uma relação tranquila essa CPI mista ou não? Odair Cunha: Sem dúvida, nós já tivemos ontem a primeira reunião. Estabelecemos um cronograma mínimo de trabalho a ser realizado a partir de hoje e nós temos certeza que faremos o trabalho de maneira sintonizada.[...] (grifos nossos).

Na condução da entrevista, percebe-se a preocupação do âncora em embasar suas

perguntas – citando avaliação de analistas políticos e observações - para demonstrar que

poderia existir a possibilidade de que governo e oposição pudessem ser atingidas pelas

revelações divulgadas pelas investigações da CPI.

No Jornal da BandNews, do dia 25 de abril, em relação ao Caso Cachoeira, Ricardo

Boechat, comenta a possibilidade da Delta abandonar as obras do Complexo Petroquímico

do Rio de Janeiro.

Eduardo Barão - A construtora Delta vai abandonar as obras que está fazendo para a Petrobras no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro. Segundo a Petrobras a baixa performance da empreiteira vem provocando atraso no cronograma. A empresa nega que queira romper com a Delta por causa das suspeitas de envolvimento com esquemas de jogos ilegais, do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Ricardo Boechat - Sejam lá quais foram os motivos, é a segunda obra grande que a Delta perde em poucos dias. Primeiro o Maracanã, saiu do consórcio que está construindo o Maracanã, obra de um bilhão de reais e agora sai do Comperj- Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, na região de Itaboraí, no município de Itaboraí, que é o maior complexo petroquímico em construção no mundo. Se não é o maior, é o segundo maior, é uma coisa dessas, enormes, e que aliás, onde aliás, os operários estão em greve desde o último dia nove por um aumento salarial de 12%, os empresários querem dar 9% e por melhoria no valor também do tíquete refeição. Desde o dia 9 são 14 mil operários de braços cruzados. (Grifos nossos).

A nota lida por Eduardo Barão traz informações divulgadas pelo jornal Folha de S.

Paulo e destacadas por outros veículos, inclusive os oficiais como o site do senado41F

42. No

texto fica claro que a informação foi antecipada pela Folha: “Segundo a Folha antecipou

ontem, a empresa vai abandonar as obras no Comperj, Complexo Petroquímico do Rio de

Janeiro, e na Reduc, todas atrasadas”.

Observa-se que o âncora enfatiza a possibilidade de perda de mais uma grande obra,

mas não se preocupa em estabelecer uma associação direta com as denúncias envolvendo

Carlinhos Cachoeira. Deixa claro em sua fala que, para ele, os motivos não são seriam

importantes: “seja lá quais forem os motivos”. Assim, produz um comentário com um viés

42 www.senado.gov.br/noticiais/opiniaopublica/senamidia/jornal2012/20220426jo.pdf

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econômico e social ao trazer números e ao acrescentar a informação da greve dos operários

do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro.

No entanto, de acordo com matéria publicada no site42F

43 do Estadão, no dia 27 de abril

de 2012, assinada pelo repórter Alfredo Junqueira, é feita a ligação entre as perdas de

contrato da Construtora Delta com a CPI do Cachoeira, pois a construção se tornou alvo de

investigações.

Parece-nos que o destaque dado ao Comperj poderia ser atribuído ao fato de se tratar de

uma obra do governo federal e a associação da Construtora às obras do PAC, Programa de

Aceleração do Crescimento e também ao fato do jornalista Ricardo Boechat ser carioca e com

base em sua experiência profissional em veículos cariocas como O Globo ter mais

informações sobre os fatos ligados ao Rio de Janeiro.

Na edição do dia 03 de maio de 2012 o Jornal da CBN traz três matérias sobre o Caso

Cachoeira (quebra de sigilos bancário e telefônico, definição de data para depoimento de

Carlos Cachoeira e uma matéria destacando que o dono da Delta, Fernando Cavendish, não

foi convocado pela CPI). Como o âncora não emitiu comentários sobre o tema se limitando a

chamar as matérias elaboradas pelos repórteres, optou-se por não analisar o conteúdo deste

material. Na edição do dia 03 de maio Jornal da BandNews o âncora Ricardo Boechat aborda

o Caso Cachoeira apenas no quadro Buemba!Buemba!, com o humorista José Simão.

No dia 11 de maio, no Jornal da CBN, a CPI do Cachoeira é abordada em duas

matérias: uma sobre a Construtora Delta e outra sobre a tentativa dos ministros do STF de

blindar o Procurador Roberto Gurgel , que teve atuação questionada por não ter divulgado

informações sobre Carlinhos Cachoeira, obtidas em 2009. Como na edição do 03 de maio o

âncora não emitiu comentários e se limitou a chamar as matérias dos repórteres optou-se por

não analisar o conteúdo deste material. Já o Jornal BandNews destacou, em notas, a tentativa

de blindagem de Roberto Gurgel e o fato do Governador Marconi Perillo negar

irregularidades na venda de uma casa que teria sido adquirida pelo contraventor. Ricardo

Boechat não comentou as duas notas. O âncora só comentou a participação do BNDES na

venda da Delta para a holding J&F.

Eduardo Barão - A Procuradoria da República do Rio de Janeiro vai investigar a venda da Construtora Delta para a Holding J&F que controla a JBS. O objetivo é apurar possíveis irregularidades nos negócios... no alvo denúncias de fraudes, corrupção e superfaturamento. Enquanto a Delta tem 100% dos contratos firmados com a União o BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento, tem 30% de

43 http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,delta-deixa-mais-uma-grande--obra-no-rio-,865931,0.htm

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participação sobre a JBS. O BNDES foi criado para financiar grandes empreendimentos industriais e de infraestrutura. Ricardo Boechat - É o que o que a procuradoria está questionando, o procurador Nívio de Freitas está questionando, ele chega a chamar de ilegal e imoral a venda da Delta pra esse grupo J&S é porque como o BNDES tem 30% do controle desse grupo, e ele alega que isso tá fazendo com que o BNDES se torne, é, é, sócio de uma empresa que é a Delta sobre a qual recaem notícias da prática de graves ilicitudes, graves crimes, graves crimes e e e que pode ser declarada inidônea para contratar com o poder público. Ora, se ela está inidônea para contratar com o poder público como é que pode ter o próprio BNDES com 30% do seu controle. O que que alega o BNDES? O BNDES diz o seguinte ó: não foi consultado na negociação. Como ele é minoritário na J&S, a J&S fez negócio como majoritária, não consultou BNDES, mas é é diz que mesmo que a venda se concretize, ou seja, ainda não tá confirmando que a venda se concretizará, o BNDES diz que não será sócio da Delta como não seja que ele é sócio da, da J&S, mas J&S &F, perdão é J&F. E esse é o pano de fundo. O BNDES torna-se sócio da Delta através da J&F e o procurador tá achando que isso é imoral e ilegal. (Grifos nossos).

Ao analisar o comentário percebe-se que o âncora enfatiza a preocupação do

Ministério Público sobre a possível venda da Delta para a J & F. O motivo do

questionamento da transação é a participação do BNDES, já que se trata de uma empresa

pública federal, ligada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. O

comentário é construído a partir da preocupação de imoralidade e legalidade da venda A

argumentação foi construída com base na posição do Ministério Público e na justificativa do

BNDES de não ter sido consultado sobre a transação, por ser sócio minoritário.

Percebe-se que nas duas últimas edições, dias 03 e 11 de maio, a cobertura da Caso

Cachoeira traz como principais acontecimentos os desdobramentos do possível

envolvimento do contraventor com a Delta Construções. Nas edições dos dias 09, 17 e 25 a

cobertura privilegiou a possível abertura da CPI e, no momento seguinte, a abertura.

Observa-se que mesmo seguindo o conjunto de normas e procedimentos profissionais

balizados na objetividade os âncoras contribuem para a formação de opinião, como

demonstrado pelas análises apresentadas.

4.3.1.3 Política e Humor

A abordagem de temas políticos com entrada pelo humor no Jornal da CBN e

BandNews também merece ser analisada. O humor pode ser a busca de uma linha editorial

menos conservadora e uma forma de cativar o público para que acompanhe de forma bem

humorada temas áridos e, no caso da Charge Eletrônica, do Jornal da CBN, encerra com

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leveza o programa de três horas e meia de duração. Assim como nos jornais impressos a

charge43F

44 é usada como instrumento de opinião ao traduzir e interpretar os fatos em

imagens sintéticas . O recurso não se limita a uma piada gráfica que utiliza a linguagem

visual. Nos últimos anos a charge ganhou novas possibilidades. O Sistema Globo adaptou a

charge para a televisão ao levar o humor de Chico Caruso para o Jornal da Globo, onde

ganhou animação, eleitos sonoros, seleção de vozes, mixagem e montagem. Outro expoente

dessa linguagem é o site charges.com.br criado pelo cartunista Maurício Ricardo Quirino.

Na CBN, a Charge Eletrônica, exibida de segunda a quinta-feira, às 9h28, remete a

uma radionovela. A produção se vale de sonoras de políticos e autoridades que se

destacaram na edição do radiojornal para contar uma história de forma bem humorada.

Além das falas, que expõem a contradição e o ridículo de autoridades e políticos, são usados

recursos de sonoplastia e trilhas de filmes como forma de compensar a ausência das

imagens e reforçar a clareza do texto: “Contar apenas com audição significa que o som

deverá suprir a falta da imagem. Isto demanda uma linguagem nítida, para que o ouvinte

‘veja’ através das palavras” (PORCHAT, 1993, p. 97).

Segundo Henri Bergson um dos recursos para se chegar ao texto humorístico é a

inversão. Para o teórico francês, “será obtida uma cena cômica se a situação se inverter e os

papéis forem trocados” (BERGSON, 2004, p. 69-71). O recurso fica claro, por exemplo, na

Charge Eletrônica do dia 03 de maio. O senador Fernando Collor se coloca como

responsável pelo sigilo das provas da CPI de Carlinhos Cachoeira realizando a inversão –

do político destituído do poder por denúncias de corrupção ao guardião de segredos de uma

CPI que apura denúncias de corrupção.

Trilha solene de fundo Color: Que Vossa Excelência, bem como sua excelência o senhor relator, são responsáveis primeiros por qualquer vazamento que haja e estarão passíveis de receberem uma punição pelo rigor da lei. Entra paródia hino super-heróis - Nós somos os super-heróis, defendemos nossa nação, vivemos nos chips, nas telas dos cines, dos filmes de televisão. Levamos bandidos cruéis e malvados, ladrões pra dormir na prisão. Nós somos os super-heróis...

Pires (2009) explica que a produção da paródia pode representar uma estratégia de

desconstrução de imagem, produzindo uma inversão irônica. O efeito é produzido segundo

Hutcheon (1985) porque “a obra parodiada é uma obra risível, pretensiosa, à espera que a

44 Charge é um estilo de ilustração que tem por finalidade satirizar por meio de uma caricatura, algum acontecimento atual com um ou mais personagens envolvidos.

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esvaziem; mas, as mais das vezes são obras com muito êxito que inspiram paródias”.

(HUTCHEON apud PIRES, 2009, p. 97).

Em 2006, quando a CBN completou 15 anos o então âncora, Heródoto Barbeiro,

apresentou uma série especial sobre a programação da emissora e fez referência ao quadro

A Charge Eletrônica sempre marcado por relatos curiosos , bastidores de grandes

coberturas. Barbeiro44F

45 atribui a criação da charge eletrônica a Tony Black, técnico de áudio

do Programa Balancê, um mix de futebol e entretenimento apresentado por Osmar Santos

nos anos 1970 na Rádio Excelsior.

Às sextas-feiras, a Charge Eletrônica cede espaço para a Rádio Sucupira. O quadro

também aborda com humor relatos curiosos de grandes coberturas e no período analisado foi

ao ar dia 11 de maio de 2012 também explorando o Caso Cachoeira. Às falas originais do

prefeito da fictícia Sucupira, Odorico Paraguassu, foram acrescentadas sonoras/depoimentos

de políticos e autoridades de alguma forma envolvidos no Caso Cachoeira. A edição utiliza a

trilha sonora original da novela O Bem Amado45F

46 de Dias Gomes bem como as falas originais

de Paulo Gracindo, ator que viveu o personagem.

Ao comentar a presença do humor em um programa jornalístico, Jung afirma que ele é

bem-vindo no radiojornalismo desde que seja feito com responsabilidade. Para o âncora, o

humor é uma linha tênue que exige sensibilidade por parte de seus produtores, mas que o

deboche46F

47 deve ser evitado.

Por muitos anos se confundiu mau humor com credibilidade, sisudez com seriedade. O bom humor é bem-vindo no radiojornalismo desde que feito com responsabilidade. É uma linha muito tênue que exige sensibilidade por parte de seus produtores. O deboche deve ser evitado. (JUNG, 2012).

Já a BandNews utiliza o humor de forma diferenciada em relação ao concorrente.

Apresentado por José Simão47F

48, em conjunto com Boechat, de segunda a sexta de 8h45 às

45http://CBN.globoradio.globo.com/colunas/CBN-ano-15/2006/10/31/CHARGES-ELETRONICAS-NO-JORNAL-DA-CBN.htm 46Adaptação de Dias Gomes de sua peça Odorico, O Bem-Amado e Os Mistérios do Amor e da Morte (1962), a novela criticava o Brasil do regime militar, satirizando o cotidiano de uma cidade fictícia no litoral da Bahia e a figura dos coronéis que sem escrúpulos e, usando a demagogia, tentavam se manter no poder. Odorico Paraguassu, personagem principal da novela de Dias Gomes, passou a representar o estereótipo do político corrupto e cheio de artimanhas. O principal objetivo do político era inaugurar o cemitério da cidade. Para isso não mede esforços e chega a contratar um pistoleiro, Zeca Diabo. 47 No caso, o termo deboche pode ser uma alusão a linha humorística adotada pela BandNews. 48 José Simão, colunista de humor do Jornal Folha de S. Paulo, do portal Universo Online (Monkey News) e da rádio BandNews FM (Buemba! Buemba!)

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8h55, o quadro Buemba!Buemba! tem como ferramenta a sátira48F

49 carregada de adjetivos e

sempre relacionada aos principais assuntos do dia. Em cada edição são abordados os temas

em destaque no dia. Partindo da análise de Ferraz (2001) sobre o humor percebe-se que

Simão utiliza o recurso “beffa” que tem o objetivo de apontar e fazer notar o que seja de

ridículo em uma situação. O termo é definido pelo autor como uma brincadeira de mau

gosto, uma provocação que pode chegar ao ponto de ser ostensiva.

Em quatro edições do Jornal BandNews analisadas - o humorista não participa apenas

de uma, a do dia 11 de maio pois estava de férias – Simão satiriza vários assuntos e a

política sempre está presente, seja por meio do Caso Cachoeira ou a doença de José Sarney.

Na edição do dia 03 de maio boa, parte do tempo é destinado à CPI do Cachoeira.

Boechat: Agora ô Simão, você tá acompanhando a CPI do Cachoeira? Simão: Sim. Vinheta Buemba Buemba! Simão: Deputado usou o cargo... Boechat: Hum... Simão: ...para agilizar vistos... Boechat: hum Simão: ...pro grupo do Cachoeira Boechat: Visitar os Estados Unidos? Simão: É. Vistos americanos pro grupo do Cachoeira. Agora é engraçado o Grupo do Cachoeira mudou de nome. Agora é grupo, né? Boechat : (Risos) Simão: Grupo. Você já imaginou a farra dos vistos? Boechat: É, como é que é hein Simão? Simão: Os caras chegavam lá: qual é a família que quer ir pra Disney Boechat: Hum Simão: A minha, a minha! Boechat: Eu, eu! Simão: Quem vai pra Las Vegas? Boechat: Eu, eu! Simão: Eu aqui ó! Boechat rindo: Eu aqui ó! Simão: Diz que um....deputado chegou pra mulher e falou o seguinte: o visto pra sua mãe fica pra próxima. Boechat: (Risos) Simão: Sogra sempre vai por último, né? Boechat: Coitadinha, né? Simão: Sogra eles mandam pra um Cruzeiro na Costa da Somália. Boechat e Tatiana riem Boechat: Aquele que tem piriri coletivo a bordo, né? Simão: É. Aquele que tem pirata. (Risos) Boechat: (Risos) Camarão estragado... Simão: É... Boechat: ... banheiro entupido (...)

49 “Na literatura latina, obra de caráter livre (no gênero, na forma, na métrica), e que censurava os costumes, as instituições e as ideias contemporâneas em estilo irônico ou mordaz. Composição poética que visa a censurar ou ridicularizar defeitos ou vícios. Qualquer escrito ou discurso picante ou maldizente, crítico. Troça, zombaria, ironia”. (FERREIRA, 1986, p.1555).

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Simão: Tá aqui seu visto! (Boechat ri) Simão: O visto da sua mãe tá aqui. O Cachoeira tirou! Boechat: (Risos) O lugar dela, né Simão? Simão: Agora que eu entendi, Boechat... Boechat: Hum... Simão: Por que que a Hillary falou que as filas iam diminuir Boechat: é hehe. Cachoeira tomou tudo, né Simão: É. Ela já conhecia o nosso Cachoeira: o Waterfall.

Ao afirmar que Hillary Clinton, Secretária de Estado Norte-Americano, já

conhecia Carlos Cachoeira, o Waterfall, Simão se referia à repercussão internacional49F

50 do

caso. O contraventor recebeu dos veículos internacionais o apelido de Charlie Waterfall,

uma tradução livre de Carlos Cachoeira. O bicheiro ganhou também da Agência Bloomberg

o apelido de Michael Corleone brasileiro, uma referência ao famoso personagem mafioso

do romance O Poderoso Chefão. A referência ao mafioso italiano levou a CBN a criar uma

série dentro de A Charge Eletrônica. No período analisado, O Poderoso Cachoeira, foi ao

ar nos dias 17 e 25 de abril de 2012. A montagem utilizava a trilha original do filme de

autoria de Nino Rota, trechos também originais de diálogos de Marlon Brando e de

entrevistas feitas com autoridades e políticos envolvidos no Caso Cachoeira.

Já na sátira de Simão, o humorista faz referência às denúncias de que o deputado

Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO) usou o prestígio do cargo de presidente da Comissão de

Relações Exteriores da Câmara para agilizar a emissão de vistos internacionais a pedido do

grupo do empresário Carlinhos Cachoeira. Leréia conseguiu um visto para sua sogra Meire

Alves Mendonça e uma babá viajar para os EUA em 2011. O humorista traz para o quadro a

piada sobre sogras e o escatológico, temas recorrentes ao humor, para colocar em evidência

as denúncias contra o bicheiro. O humor de Simão é construído por meio da ironia e de

críticas escrachadas a acontecimentos atuais. Percebemos que dessa forma José Simão

constrói um ethos próprio. Ele se define como o esculhambador geral. E é nessa auto-

denominada esculhambação que Simão se posiciona de uma forma crítica e opinativa.

Chama a atenção, provoca o riso e faz com que o humor funcione como um recurso

argumentativo que denuncia e revela a realidade, permitindo ao ouvinte apenas rir ou rir e

refletir sobre os acontecimentos. Boechat também se autodefine como um

“esculhambador”. Em entrevista a Danilo Gentile afirma que em seu trabalho como âncora

na BandNews FM critica, esculhamba e opina.

50 http://guilhermebarros.istoedinheiro.com.br/2012/05/04/carlinhos-cachoeira-e-chamado-de-charlie-waterfall-na-imprensa-internacional-e-comparao-a-michal-corleone/

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4.4 Narrativas diversas, retóricas diversas

Neste tópico foram analisados outros temas abordados pelos dois âncoras nos

radiojornais. Assim, no dia 09 de abril, foram analisados também a chuva que fez cinco

vítimas fatais em Teresópolis, RJ, e a visita da Presidente Dilma Rousseff aos Estados

Unidos. No dia 03 de maio, as comemorações do Dia Mundial da Imprensa e o lançamento

do livro do ex-delegado do Dops, Cláudio Guerra, com relatos sobre tortura no período da

ditadura militar. E, finalmente, no dia 11 de maio, a criação da Comissão da Verdade.

Na edição do dia 09 de abril de 2012 do Jornal da CBN ao abordar o acidente

ambiental ocorrido em Teresópolis a matéria do repórter traz informações de como

funcionará o sistema de alerta e a novidade: passará a usar fibra ótica. Na sequência o

âncora Milton Jung retoma o assunto e refere-se a uma matéria publicada no Jornal O

Globo questionando a demora na instalação de uma tecnologia já existente. O jornalista

utiliza a matéria do jornal O Globo para chamar a atenção para a falta de atenção do poder

público estadual e as irregularidades na utilização de recursos destinados ao socorro das

vítimas do acidente ambiental ocorrido há mais de um ano. Observa-se que o objetivo é

acrescentar informação à matéria que se limitou a tratar do novo sistema de alarme e das

mortes. A argumentação de Jung é construída para denunciar o problema, o que fica claro

nos trechos assinalados.

Milton Jung: O Globo chama a atenção para isso: mostrando que a nova tragédia que deixou cinco mortos na região serrana ocorreu sem que os problemas provocados pelo maior desastre natural da história do Brasil tenham sido solucionados. Um ano e três meses depois da morte de mais de 900 pessoas em sete municípios, as casas populares prometidas para moradores de áreas de risco não forem entregues. Além disso, irregularidades foram descobertas no pagamento do aluguel social . As compras que contam com o subsídio do estado seguem em ritmo lento devido a oferta escassa e ao custo dos imóveis. A ocupação desordenada é tão grande que, segundo levantamento de 2010 apenas em Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, pelo menos 42 mil pessoas viviam em áreas de risco, incluindo favelas e bairros de classe média. (Grifos nossos).

Já a abordagem do âncora do Jornal BandNews afirma que houve roubalheira.

Enquanto Jung menciona irregularidades no pagamento do aluguel social e nas obras de

prevenção, Boechat assume o tom de denúncia ao afirmar “tão enganando a população” e

chega a assumir um tom irônico ao imitar o som de uma pessoa produzindo o som de uma

sirene, avisando sobre o risco meteorológico:

Boechat: Muita roubalheira, isso aconteceu muito, especialmente em Teresópolis, onde o prefeito chegou a ser afastado do cargo por desvio do

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dinheiro, destinado, exatamente, às obras de prevenção. (...) A sirene, enfim, é uma lampadazinha, um troço, você liga lá na tomada, vincula o centro de acionamento qualquer, ela dispara. Aliás, nem precisa. Se você botar um cara ali fazendo um plantão de 24 horas com um bom pulmão, começou a fechar o tempo, ele grita uôôôôôô, é uma sirene. Sirene qualquer ambulância, ferro velho tem. Claro que é um sistema, mas eles optaram por fazer a velha e boa propaganda do tô trabalhando, quando na verdade, tão enganando a população. (grifo nosso).

Boechat faz também um apelo emocional ao falar do anonimato das vítimas e seus

parentes: Boechat: Quem consola, sabe o nome? E o nome da criança, e o nome do marido, e o nome da irmã, e o nome do irmão? Sabe o nome dos 1500 que sumiram lá há um ano atrás? Não. Agora, sabe o nome do prefeito, governador, da presidente da república, do ministro não sei lá das quantas?50F

51 São governantes pródigos em condolências e omissos em providências. Essa é a realidade.

Neste exemplo, percebe-se recursos diferentes utilizados pelos âncoras na

construção de imagem como fiscalizadores do poder público. Enquanto Milton Jung o faz

com a prevalência do logos, em uma argumentação baseada nos fatos relatados pelo repórter

e em informações divulgadas por um jornal de repercussão nacional, Ricardo Boechat o faz

com forte apelo emocional – pathos – passando para o ouvinte o sofrimento do corpo e da

alma das vítimas das chuvas. Mostra ainda que o uso do jornal impresso pelos radiojornais

da manhã é frequente em radiojornais. Milton Jung utiliza O Globo como fonte de

informações para o comentário sobre a falha no sistema de alarme em Teresópolis como

vimos anteriormente. Melo (2003) afirma que o comentário radiofônico ainda mantém essa

dependência em relação ao jornal diário. Como ambos são jornais das primeiras horas do

dia, pode-se afirmar que os impressos funcionem como fontes de informações antes que as

respectivas produções tenham acesso direto ao entrevistado.

Ao tratar do drama das famílias de Teresópolis, Boechat faz uma série de perguntas

classificadas pelos linguistas como perguntas retóricas. Indagações feitas para que o

interlocutor, no caso o ouvinte, faça uma reflexão sobre o tema. A pergunta retórica é usada

para afirmar ou insinuar uma situação e, eventualmente, pode ajudar na argumentação a ser

desenvolvida. Ao fazer uso deste recurso Boechat quer levar o ouvinte a pensar sobre a

omissão dos governantes diante da tragédia que atingiu o município.

Ainda no dia 09 de abril, a viagem da Presidente Dilma Rousseff aos Estados Unidos

é abordada, no Jornal da CBN, em entrevista com especialista em Relações Internacionais,

professor Virgílio Arraes da UnB; no quadro Em dia com a política, com o colunista

Carlos Alberto Sardenberg, e também no quadro Dia a dia da economia com a jornalista

51 O âncora utiliza de perguntas retóricas.

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Miriam Leitão.Enquanto Milton Jung no Jornal da CBN procura tratar com cada

especialista/colunista o tema dentro da perspectiva de cada quadro, no Jornal da BandNews,

as participações do correspondente Luiz Megale e da colunista Mônica Bergamo se dão de

forma mais informal. Enquanto a de Megale é descritiva a de Mônica Bergamo que aborda

a entrega de uma garrafa de cachaça cravejada de brilhantes ao presidente americano se dá

em tom de conversa. Boechat chega a falar de suas preferências pessoais ao explicar que a

cachaça é hoje um produto de exportação. Percebe-se na participação dos colunistas o tom

de conversa, de coloquialidade, uma das características do rádio. O tom do programa torna-

se natural como se os participantes estivessem em uma sala de estar. (...) mas eu gostava de tomar whisky. Eu tomava uma marca específica de whisky que era exatamente a mesma que Ibrahim Sued tomava e por quê? Porque foi com ele que eu tomei a primeira dose de whisky ali e tal, assim, mas bom, enfim. Depois que eu descobri o vinho e champanhe, parei de tomar destilados. Hoje, quando tomo destilado, assim em situação muito muito muito, mas numa dessas, eu estava é, é no Espírito Santo com a minha doce Veruska que é capixaba e fomos a uma fazenda de um produtor que só fazia cachaças ali pra um consumo muito direcionado, e tal, e olha eu vou te contar. É uma coisa impressionante, uma uma cachaça feita com um bom controle de qualidade, com “safra muito específica”, e tal, envelhecimento “num” sei aonde, são técnicas ultra-elaboradas hoje em dia, é uma bebida que pode ser muito competitiva no mercado internacional, sem sombra de dúvidas, até porque circulam neste mercado, aos borbotões, bebidas de péssima qualidade, inclusive vinhos, inclusive vinhos.(grifos nossos).

Nas edições de ambos os jornais no dia 25 de abril é notícia a localização e resgate

dos corpos de cinco jovens que morreram em acidente de carro quando viajavam do Espírito

Santo para a Bahia. Enquanto tal notícia é tratada de forma imparcial no Jornal da CBN

percebe-se que no Jornal da BandNews é abordada duas vezes(e, na segunda, em tom

emocional). Primeiro, após leitura de uma nota, no primeiro bloco, e, posteriormente, no

terceiro bloco, após a nota sobre a possibilidade de terem localizado o corpo da garota

inglesa Madeleine McCan e a leitura da manchete da morte dos cinco jovens brasileiros.

Observa-se que âncora adota um tom emocional ao tratar as mortes e desaparecimento de

jovens.

Ricardo Boechat - Agora há pouco quando o Barão releu pra nós a manchete sobre a localização dos cincos corpos desses estudantes, jovens, que saíram do Espírito Santo pra passar um fim de semana na Bahia e sofreram um acidente de carro, ficaram desaparecidos aí esses dias todos, cinco dias porque o carro caiu no rio, afundou, todos morreram e a polícia ficou batendo cabeça atrás deles as famílias e tal. Eu disse fora do ar papagaio que tragédia violenta, que brutalidade, né...

Eduardo Barão: Cinco jovens Ricardo Boechat -... porque um filho morrer antes dos pais é aquela é o castigo pior que o destino pode reservar a alguém, mas digamos que o pai tenha 90 e o

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filho tenha 75 pode sim consolar o pai, ele viveu. Agora quando você tá jovem na flor da idade, criança e tal aí essa esse esse paradoxo fica ainda mais absurdo, mas imediatamente o Bruno Venditi trouxe aqui essa notícia da pequena Madaleine McCan (...) Ricardo Boechat – (...) agora mais uma vez se especula que ela estaria viva. Eu fico me perguntando como é que fica o coração da mãe dessa menina, como é que fica o coração do pai. E não só não sabe o que aconteceu, como de lá pra cá já enfrentou vários momentos em que a possibilidade dela ter sido localizada viva voltou às manchetes, vamos ver se desta vez é verdade. (grifos nossos).

Ao comentar os dois casos, o âncora demonstra ter se comovido com a tragédia que

atingiu cinco famílias e enfatiza o sofrimento dos pais. Já havia comentado o acidente no

início do programa e volta ao assunto. Usa a expressão papagaio, tom coloquial, para

demonstrar a perplexidade diante do fato e descreve o paradoxo da morte na juventude.

Chega a referir-se ao coração do pai.

Ainda na edição de 25 de abril de 2012 o âncora Ricardo Boechat faz uma

interessante reflexão sobre seu trabalho como âncora. Ao fazer a reflexão Boechat lembra

que Demóstenes Torres (ex-DEM) era uma fonte credível para emitir opinião sobre o

governo de Dilma Rousseff. Dentro das rotinas produtivas das redações, na editoria de

política, era uma fonte acessível e uma das primeiras a ser procurada para manifestar uma

posição crítica em relação ao governo. Isso porque Demóstenes foi considerado em 2009

um dos 100 brasileiros mais influentes do país51F

52 e em 2011 o Diap, Departamento

Intersindical de Assessoria Política, classificou-o como o oitavo parlamentar mais influente

do Brasil.52F

53

Procura umas aspas com o Demóstenes lá e tal e pronto, procura um conteúdo pras aspas. Bom, eu fiquei depois pensando porque a crítica era muito ele dizia o que as pessoas queriam ouvir e fiquei me perguntando se é isso que de fato determina o erro de um analista, de um comentarista, de um intelectual e me dei conta de que não. Você comete um grande erro dizendo o que as pessoas querem ouvir se a sua única preocupação for essa e se esta preocupação ou isto que você diz contraria tuas próprias convicções ou são fruto apenas do jogo de conveniência de imagem. Então desde que não contrarie as tuas convicções é você pode e não há problema nenhum em você ser coerente com o que você fala e se o que você fala é o que as pessoas querem ouvir, melhor. Significa que você encontra identidades em maior número de pessoas com aquilo que você pensa e diz. Eu tô fazendo esse nariz de cera, pra dizer que eu fiquei aqui me me patrulhando depois que eu li esse troço,[artigo que criticava Demóstenes Torres e a imprensa que dava espaço a ele] eu disse meu Deus do céu, será que às vezes eu tô falando coisas porque as pessoas querem ouvir? (grifos nossos).

52 Edição especial da Revista Época de dezembro de 2009. 53 Informação extraída do site http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed689_o_senador_so_nao_enganou_a_policia em artigo de Mauro Merlin, publicado em 10 de abril de 2012.

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Ao fazer a auto-reflexão sobre o trabalho como âncora, Boechat assume uma

perspectiva crítica, sendo que a crítica aos governantes, ao poder público em geral, é uma

forte marca de seu trabalho como âncora. Percebe-se nesta reflexão que o autor assume a

possibilidade de errar ao assumir uma posição predominante em determinado momento,

político ou econômico, ou seja, de falar o que as pessoas querem ouvir ou esperam ouvir, no

calor da polêmica.

Na edição do dia 03 de maio de 2012, a abordagem das comemorações do Dia

Mundial da Liberdade de Imprensa nos dois jornais revela um discurso marcado pela

autorreferencialidade.53F

54 No Jornal da CBN o âncora enfoca a divulgação da Declaração

de Santiago54F

55 para chamar atenção para o número de jornalistas assassinados na América

Latina, a possibilidade ou não de controle das mídias digitais no quadro Liberdade de

Expressão e ainda uma entrevista o especialista Carlos Alberto de Franco, diretor do

departamento de jornalismo do Instituto Internacional de Ciências Sociais, sobre o assunto. Ao final

da edição do jornal volta ao assunto destacando e incluindo um trecho editado da entrevista com o

especialista.

Quatro jornalistas foram mortos no Brasil só neste ano, hoje é celebrado o dia mundial de liberdade de imprensa . O Brasil que era considerado uma referência na liberdade de expressão superou o México no número de profissionais assassinados. Professor do Instituto Internacional de Ciências Sociais , Carlos Alberto de Franco, acusou os governantes de leniência e afirmou que violência ameaça liberdade de expressão. Sonora Professor Carlos Alberto: Quando um jornalista está submetido à violência, ao risco inclusive de ações que podem levar à morte, não se pode falar de liberdade de imprensa. Eu vejo com enorme preocupação uma tendência no nosso continente, quer por parte de governos, quer por parte de leniência dos governos em relação a ações violentas contra jornalistas que podem criar um entrave para liberdade de imprensa muito forte.

O âncora Boechat no Jornal BandNews também aborda a violência contra a categoria

destacando o número de jornalistas mortos entre 2009-2011 e encerramento com um tom

irônico: “décimo primeiro colocado no ranking de carnifi...abre o olho, hein Barão!”.

Ainda na edição do dia 03 de maio percebe-se claramente a diferença de estratégias

adotadas pelos dois âncoras. Ricardo Boechat ao ler a nota sobre o lançamento do livro

Memórias de uma guerra suja, do ex-delegado Cláudio Guerra, assume um tom passional. 54 Para Fausto Neto (2006) a autorreferencialidade nas mídias é a competência discursiva que os dispositivos midiáticos possuem de poder falar de si mesmo e dos outros campos sociais. 55 O documento, denominado Declaração de Santiago, assinado por representantes de associações de editores do Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Equador e Peru denuncia 29 assassinatos de pessoas ligadas à imprensa na região em 2011, número que representa um terço do total mundial. O Brasil foi representado pela Associação Nacional de Jornais (ANJ).

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Ricardo Boechat: [...] Segundo este cara que participou da operação, que atuou como linha de frente da operação elas [as vítimas] foram incineradas no forno dessa usina, é, de cana de açúcar no Norte do Estado do Rio. O o delegado que estaria virando pastor agora, disse o seguinte para justificar sua confissão: “Isso me atormentou por muito tempo, porque eu sei que as famílias devem, ainda até hoje, é ter esperança de saber o destino de seus entes queridos. Se eu tive coragem de fazer, eu tenho que ter coragem de assumir os meus erros. [...] O dono da usina já morreu. Um oficial da Marinha e um oficial do Exército pra ser mais específico, o oficial é do Exército, Coronel da Cavalaria do Exército, Fred Perdigão Pereira, trabalhava no SNI o Serviço Nacional de Informações e o Comandante da Marinha, Antônio Vieira, inspecionaram as instalações da usina antes que o processo de eliminação de corpos fosse iniciado. Ambos já morreram, um em 96, o Coronel, e o outro em 2006, o Comandante. Devem esta ajustando conta com o diabo até hoje . O dono da usina era Deputado Federal, tinha sido Deputado Federal pelo PTB, PTB – Partido Trabalhista Brasileiro, imaginem só Partido de Getúlio, partido de Brizola. Getúlio torturou muita gente também, mas enfim, é Eli Gomes, deputado do PTB, filiado à Arena e depois ao PFL. PFL que hoje é o DEM. Morreu em 1992, espero que lentamente.(grifos nossos).

Além do tom pessoal – “devem estar ajustando conta com o diabo até hoje” e

“morreu, em 1992, espero que lentamente” – Boechat acrescenta informações – “que estaria

virando pastor” – situa pessoas, cargos, partidos, revelando pesquisa ou uma bagagem

informacional adquirida pelo tempo de profissão.. Observa-se aqui o que Braga (2000)

denomina especificidades do lugar de fala em termos históricos. Boechat situa pessoas,

cargos, partidos, governos, revelando pesquisa ou bagagem informacional adquirida pelo

tempo de profissão.

Já Jung apresenta as informações sobre o lançamento do livro, mas sem o resgate

histórico feito por Boechat:

Milton Jung: Queria chamar a atenção de você para um livro que deve ocorrer nesse final de semana que tem como título Memórias de uma Guerra Suja”, assinado pelo delegado do Dops, Cláudio Antonio Guerra, a partir de depoimentos que ele concedeu aos jornalistas Marcelo Neto e Rogério Medeiros. O livro de memórias deste que é um ex-agente da repressão aos opositores da ditadura militar traz novas revelações sobre o desaparecimento e a morte de militantes de esquerda nos anos 70 e 80 no Brasil. Cláudio Antonio Guerra diz que pelo menos dez corpos de militantes executados teriam sido incinerados em uma usina de açúcar no norte do estado do Rio em 1973. Afirma também que o delegado Sérgio Paranhos Fleury teria sido assassinado por ordem dos próprios militares assim como o jornalista Alexandre Van Baugarten , dono da Revista O Cruzeiro. É um depoimento que ele gravou e está publicado no site de lançamento do livro editado pela Top Books. O ex-delegado diz o seguinte: isso me atormentou durante muito tempo porque sei que as famílias devem ter ainda a esperança de saber o destino de seus entes queridos. Se eu tive coragem de fazer eu tenho que ter coragem de assumir meus erros. O MPF já investiga quatro das dez mortes citadas por Cláudio Guerra no livro Memórias de uma Guerra Suja.

Na edição do dia 11 de maio de 2012 ao tratar da criação da Comissão da Verdade

o Jornal da CBN traz uma matéria redonda e uma entrevista com um dos integrantes da

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Comissão, o ex-ministro da Justiça, José Carlos Dias. Na entrevista Milton Jung tenta

detalhar o trabalho da Comissão e também destaca a ampliação do período de investigação –

de 1946 a 1998, período que extrapola o período da ditadura militar no país.

Milton Jung: Desde o anúncio da criação da Comissão da Verdade tem se ouvido algumas críticas que a comissão teria uma visão parcial dos fatos, olharia apenas a partir de um ponto de vista. Isto pode acontecer realmente? LCD: Olha, se você Milton olhar a composição, você vai ver que pelos nomes você não encontra isso não. Eu comprometeria toda minha história como advogado criminal tornando uma pessoa escolhida para fazer perseguições, retaliações(...) Nós vamos procurar revelar a verdade. Todas as pessoas que integram a comissão são pessoas que têm um perfil de comprometimento com a verdade. Milton Jung: Parte dessa verdade pode estar perdida em função do que se passou, de documentos que possam ter desaparecido? LCD: É possível que sim, que não se vai conseguir hoje tudo aquilo que se conseguiria se nós pudéssemos ter tido acesso a esses fatos, mas a verdade é que a história caminha e isso é um desejo não só da presidente Dilma mas também dos presidentes que a precederam. (...) Milton Jung: A ampliação do tempo de investigação- de 1946 a 1988- isto não pode prejudicar o trabalho ou haver uma perda de foco no trabalho da comissão?

Boechat também o faz, mas como comentário:

Então é a partir de 40, de 46, a partir de 46 o regime autoritário que tivemos, a ditadura que tivemos foi exatamente a que se instaurou em 64 e já tá difícil conseguir alguma coisa pra provar os crimes, ou pra desmascarar os criminosos da Ditadura Militar que aconteceu a de 64 pra cá, que que vão fazer lá em 46, 47,48. É só esse adereço aí, porque também me surpreendeu ontem, no jornal da Band.

Nos exemplos apontados percebem-se claramente o que Braga (2000) chama de

similaridades e diferenças nos “lugares de fala” dos dois âncoras. Jung procura fundamentar

o conteúdo opinativo com recursos como “O Globo chama a atenção para” e” queria

chamar a atenção de você” . Nas entrevistas a inserção de informações vêm sempre

respaldadas como em “desde a criação da Comissão da Verdade tem se ouvido”. Já

Boechat ao abordar os mesmos temas sempre acrescenta uma opinião pessoal: “ devem

estar ajustando contas com o diabo”, “morreu em 1992”, “espero que lentamente”,” já tá

difícil conseguir alguma coisa para provar os crimes”.

Na edição do dia 03 de maio do Jornal da CBN fica clara a linha editorial de dar

espaço às vozes de especialistas. Um dos destaques do dia – as mudanças nas regras da

caderneta de poupança – é abordado sob diferentes aspectos. Um especialista é entrevistado

sobre as mudanças, a colunista Miriam Leitão ( Dia a Dia com a Economia) e Kennedy de

Alencar (A política como ela é) também abordaram o tema dentro das respectivas

perspectivas. Na mesma edição o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa teve ampla

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repercussão. Primeiro em uma matéria com o número de jornalistas assassinados, no Giro

pelo Mundo em uma matéria abordando a violência contra blogueiros, em uma entrevista

com um especialista ao tratar de um seminário sobre liberdade de expressão, na Coluna

Liberdade de Expressão os comentaristas tratam do assunto e no encerramento do programa

o âncora Milton Jung chama mais um trecho da entrevista com especialista acusando os

governantes de leniência em relação aos assassinatos de jornalistas, conforme salientado no

trecho acima.

Já Boechat se enquadraria no segundo modelo pensado por Machado (2000),

denominado centralizado ou opinativo, onde o apresentador é dotado de “voz própria”,

assumindo o enunciado como seu. O ethos construído por Milton Jung está preso aos

princípios norteadores do jornalismo como objetividade, imparcialidade, exatidão, pilares da

credibilidade. Boechat estabelece com o ouvinte um diálogo informal, uma conversa em

que transparece seus valores e suas crenças. Na construção do que Amossy chama de

“apresentação de si” o jornalista se coloca como um contestador e acrescenta aos seus

comentários pequenas contendas domésticas e questões pessoais, com biográficos, ao se

situar como pai, marido, cidadão, que como outro qualquer, é submetido a regra de não

assinar documentos com caneta vermelha.

Boechat: Não sei, eu sei lá, o fato é que o Brasil cria três milhões de normas burocráticas legais e administrativas por dia. Não só as autoridades, governos, congresso, parlamentares, mas também as empresas. Todo dia tem um cara, inventando uma regra, um nhem nhem nhem, uma vírgula, uma coisa e aí dá nisso aqui. Você não pode assinar um contrato com caneta vermelha. Se você escrever um poema, um clássico da literatura em caneta vermelha está arriscado a esses burocratas mandarem jogar no lixo. Olha aqui, eu quero também aproveitar aqui e pedir licença aos ouvintes pra pra falar aqui com as minhas pequenas Catarina e Valentina que acabaram de entrar no carro pra ir pra escola aqui em São Paulo e há um clima de relativa tensão no ambiente porque elas não queriam botar laço na cabeça pra ir pra escola e não queriam botar laço e a a mãe delas disse olha hoje é dia de fazer a foto anual da escola, vocês têm que botar laço. Não quero, quero, não quero. E aí a minha doce Veruska resolveu esse assunto com a Catarina e Valentina bem ao seu estilo: aqui quem manda sou eu.

Ao compartilhar a intimidade,55F

56 Boechat estabelece uma cumplicidade com o

ouvinte, construindo o que Fechine (2009) afirma começar a existir na ancoragem a partir

56 “... as esferas pública, privada e íntima constituem três campos de campos distintos de atribuição de sentidos às ações sociais. (...) Diferentemente dos fenômenos que caracteriza a vida pública e também a vida privada, a qualidade das experiências íntimas não decorre, necessariamente, da aprendizagem e dos aperfeiçoamento crescente; a intimidade não é uma sequência de processos cumulativos, mas uma colagem de instantes. É a intensidade do compartilhamento restrito de sentidos e emoções que define precisamente a cumplicidade singularizadora, a possibilidade de participar de uma relação social única e exclusiva”.(LEIS;COSTA, 2000, p. 116).

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dos anos 1990 - uma tendência geral à personalização – tendência percebida principalmente

na televisão, mas que também ocorre no rádio. Para a autora, percebe-se uma mudança na

estratégia retórica, passando-se a uma ênfase do ethos dos apresentadores/âncoras.

O tom de ironia, irreverência e brincadeiras também é uma forma de aproximar-se do

ouvinte. Ricardo Boechat utiliza este recurso frequentemente e sempre em conversa que

estabelece com os outros apresentadores.

Boechat – (...) Estados também, regiões que acompanham aqui a Band News FM, nosso noticiário o dia inteiro, a noite inteira. Também outros países, continentes e planetas, obrigado pelo carinho, obrigado pela companhia diária. [email protected] [email protected] é o endereço eletrônico pelo qual a gente pode conversar. Você manda sua mensagem pra cá, sua crítica, seu comentário, sua sugestão, sua notícia. Também seu agradinho. Barão - Opa!

Boechat - Se fizer um agradinho a gente gosta, um cafuné, não tem problema. Tudo é muito bem-vindo. Nós vamos juntos até as 9 da matina. Tá certo?

Ao dizer ‘”também seu agradinho”, Boechat faz uma referência a uma prática

eticamente reprovada no jornalismo, o jabá56F

57 e tem a interferência rápida de Eduardo Barão

por meio de uma interjeição de espanto. Boechat é irônico também em outros momentos

como na edição do dia 11 de maio ao questionar a ampliação do período de investigação

dos crimes cometidos por torturadores. Ao afirmar “já tá difícil conseguir alguma coisa pra

provar os crimes, ou pra desmascarar os criminosos da Ditadura Militar que aconteceu a de

64 pra cá, que que vão fazer lá em 46, 47,48?” Boechat utiliza a ironia como estratégia

discursivo para demonstrar uma possível iniciativa para dificultar o trabalho. Este recurso,

segundo Benetti( 2007) é um poderoso recurso de formação de opinião, pois contribui para

definir uma agenda pública e critérios de relevância do conhecimento. Minois citado por

Benetti( 2007) afirma que o autor da ironia se movimenta sobre um eixo de moralidade.

O ironista não é imoral: ao contrário, ele obriga a imoralidade a sair do esconderi-jo, imitando seus defeitos, provocando-os, parodiando sua hipocrisia, de forma que

57Jabaculê:1 substantivo masculino: suborno, dinheiro com que se compra um jogador adversário. 2 gíria: dinheiro que o apresentador de um programa de TV ou rádio recebe de um empresário, para que o artista por este representado possa apresentar-se no referido programa, ou tenha sua música executada. Sinônimo: jabá. Disponível em: http://www.dicio.com.br/jabacule/

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ninguém mais possa acreditar nela. O riso do ironista é sempre calculado, intelectualizado, refletido (MINOIS apud BENETTI, 2007, p.42).

Segundo Benetti (2007) a ironia é compreendida no contexto da incongruência e para

sua compreensão precisa de um conhecimentos do interlocutor, ou seja, o enunciador e o

destinatário devem ter as mesmas referências de mundo. Essa necessidade poderia

explicar a forma como Boechat se apresenta: pai, marido, cidadão comum, que como outro

qualquer, enfrenta burocracias como não poder usar uma caneta vermelha para assinar um

documento.

Ao tratar do Caso Cachoeira ou de assuntos diversos as estratégias narrativas que

exploram acontecimentos se revelam semelhantes consoante cada veículo, cada trabalho dos

âncoras se revela retórico porque é feito a partir de opções e porque ao final se trata de um

conhecimento que emerge de uma comunicação persuasiva, onde o propósito de atrair,

convencer a audiência, convive com técnicas estabelecidas para garantir o efeito da

objetividade.

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5 Considerações finais

Este trabalho tomou como seu problema principal procurar compreender de modo

mais aprofundado as características da ancoragem radiojornalismo all news no Brasil. Nesse

sentido, a pesquisa ancorou-se na seguinte questão: como e em que aspectos as estratégias

retóricas acionadas pelos âncoras se diferenciam no plano da enunciação? Ao estudarmos a

programação all news, a partir das emissoras CBN e BandNews, consideramos que, mesmo

tendo se inspirado no modelo norte-americano de programação jornalística no rádio, as

propostas brasileiras de ancoragem assumem características muito peculiares.

Especificamente em relação ao segmento all news, pudemos observar que a

emissora BandNews adota uma solução mais próxima do modelo norte-americano ao

escolher o modelo relógio com o tempo de 20 minutos, mas ainda assim traz características

próprias assumidas pelo âncora como a ênfase, em muitos momentos, de uma postura

opinativa. Já na CBN, além da condução pelos âncoras, a programação optou por incluir

partidas de futebol, transmissões de eventos ao vivo, debates e programas temáticos.

O modelo all-news brasileiro, que pode ser caracterizado pela valorização da busca da

objetivação da informação, incorporou , assim, uma vertente opinativa em função do modo

de atuação dos âncoras – no caso, uma adaptação da televisão norte-americana - mas o fez,

claro, com alterações significativas. Tal aspecto apresenta muitas distinções quando a

comparação se dá entre as emissoras estudadas. A CBN busca contribuir para a formação

de opinião do ouvinte oferecendo informações apuradas pelos seus jornalistas, repassadas

por entrevistados em matérias e por especialistas e comentaristas de quadros fixos no jornal.

Na BandNews, onde tais iniciativas também se fazem presentes, deve-se destacar que a

opinião se constrói com fortes componentes de subjetivação. Na BandNews, opta-se,

editorialmente, por mais espaço para que a ancoragem – em especial o jornalista Ricardo

Boechat – emita opiniões.

Como analisado nesta dissertação, mesmo que, no mencionado Caso Cachoeira, o

espaço destinado pela emissora tenha sido menor, praticamente sem utilização de matérias,

apenas com notas e comentários, na edição do dia 17 de abril de 2012 ao referir-se à

gravação do empresário Fernando Cavendish (que teria admitido suborno para obter obras

para a Delta Construtora), Ricardo Boechat o chamou de “canalha” no ar. Ao fazê-lo, fica

sugerida certa liberdade editorial por parte da emissora, permitindo que o âncora posicione-

se perante o ouvinte, expressando indignação com a impunidade, agudizando seu papel de

formador de opinião. Em outros momentos. Boechat parece buscar se aproximar do ouvinte

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ao fazer referências familiares – falando de suas filhas e esposa – numa auto-referência

como pai e marido. Esses recursos, que não são utilizados pelo âncora da CBN,

demonstram que o discurso de Boechat apesar de seguir uma estratégia racional em alguns

momentos potencializa o pathos – o sentimento, a paixão – ao apresentar sua vida privada,

por vezes íntima, na produção de opinião.

Percebe-se na atuação dos dois âncoras, portanto, o recurso da argumentação e da

persuasão na condução de seus programas. Embora os dois modos de ancoragem sejam

balizados pelos princípios norteadores do jornalismo norte-americano tais como busca de

objetividade, imparcialidade e credibilidade, na apresentação do Jornal BandNews a

prevalência do pathos tornaria Boechat em alguns momentos mais próximo da definição que

Fausto Neto (2009) apresenta do âncora como oráculo. O autor adota o termo ao referir-se

ao âncora televisivo, mas ao estudarmos a atuação do âncora no rádio, percebemos também

a presença do que poderíamos chamar de um fenômeno de ‘oracularização midiática’, em

que o âncora, como um oráculo, coloca em questão a ordem das coisas, questiona atos de

outros poderes e até aconselha os desesperados – aqueles que precisam ou desejam ouvir

uma palavra de consolo.

Em um dos trechos analisados da BandNews, ao referir-se a torturadores do período

da ditadura militar no Brasil, Boechat dispara: “Ambos já morreram, um em 96, o Coronel,

e o outro em 2006, o Comandante. Devem estar ajustando conta com o diabo até hoje”.

Já a narrativa de Milton Jung adota o pretérito imperfeito e omite o ‘eu’ ao convocar

o ouvinte para prestar atenção em um fato do dia: “queria chamar a atenção de você”. O

jornalista prefere fornecer informações que auxiliem o ouvinte a formar sua própria opinião

sobre a notícia divulgada.

Machado (2000) analisou a estrutura e modos de apresentação de telejornais

brasileiros. Muitas das observações desse autor nos ajudam a melhor perceber as

ancoragens radiofônicas analisadas. Machado observou dois modelos de apresentação: no

primeiro, o apresentador funciona como “operador de passagens” entre os demais

enunciadores como repórteres e entrevistados. No caso da nossa análise, pelas características

observadas em Milton Jung, ele estaria mais próximo deste modelo. Ele representaria o

apresentador/ condutor impessoal. O jornal poderia ser visto buscando assumir

características como impessoalidade, objetividade e polifonia, ao representar as vozes de

toda a produção – broadcaster - e também da direção da empresa.

Já o outro modelo descrito por Machado estaria mais próximo de Boechat.

Denominado de centralizado ou opinativo, o apresentador é dotado de “voz própria”,

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assumindo o enunciado como seu e formulando suas percepções próprias dos

acontecimentos por meio de observações e comentários como citado nos exemplos. A

adoção de modos diferentes de apropriação da retórica, para convencimento do ouvinte, de

certa forma, delinearia o modo de relacionamento proposto pela emissora a seus ouvintes, o

seu contrato de leitura. No caso da CBN, tal contrato se destina a um público que é definido

pelo jornalista Heródoto Barbeiro como um público gerente, que ele entende serem pessoas

de liderança, executivos, ou seja, integrantes das classes A e B com faixa etária por volta dos

30 anos, homem e mulher que lutam pela ascensão social. (BARBEIRO, 2006, p. 33).

No caso do Jornal da BandNews, a emissora também afirma que pretende alcançar a

classe A e B, priorizando a faixa etária entre 25 e 55 anos. Em seu site

(BandNewsfm.band.com.br), a emissora informa ter foco no público feminino e afirma que

a inclusão na programação de colunistas como a psicóloga e consultora educacional

Rosely Sayão corrobora este direcionamento. Da mesma forma, o quadro Buemba, Buemba!

de José Simão, que tem inserção ao vivo no Jornal BandNews, e em versão editada e exibida

na programação, parecem contribuir para tal, mas o conteúdo do jornal é variado, focado

no hardnews, o que não contemplaria essa definição de público da emissora, entre 07:00 e

09:15 da manhã.

Embora em termos de alvo de audiência e meta comercial, os públicos definidos pelas

emissoras sejam semelhantes, as estratégias discursivas adotadas pelos dois âncoras nos

radiojornais são diferentes. Observamos que são estabelecidos diferentes contratos de

leitura. Em relação a essa contratação, Bruck (2006) afirma que são complexos, ativos e

profundos os vínculos que ligam o ouvinte a uma programação. Ao escolher ouvir

determinada emissora o ouvinte o faz por identificação, porque ali encontra a informação

que traz de uma certa forma o seu próprio olhar.

Nesta pesquisa, percebeu-se ainda que a busca pela construção da credibilidade passa

também pela entonação e pelo ritmo da voz, elementos que ao longo de mais de 90 anos do

rádio brasileiro vêm experimentando transformações. O resgate histórico desde a sobriedade

da locução nas primeiras transmissões, nos anos 1930, a voz emotiva do Repórter Esso e do

rádio-espetáculo dos anos 1940 e 1950 – com narrativas marcadas pela emoção como nas

radionovelas, radioteatros, programas de auditório e música, - o estilo descontraído dos

disc-jóqueis a partir dos anos 1980 até as transmissões ao vivo e a convivência do tripé

música-esporte-notícia – tudo isso contribuiu e gestou os modos e características da

linguagem radiofônica atual.

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Quando surgiu a figura do âncora no rádio brasileiro, no início dos anos 1990, tanto

repórteres quanto apresentadores já haviam assimilado a “aparente neutralidade” do veículo

com linguagem e locução próximas da oralidade espontânea, do discurso falado, não lido. A

figura do âncora presente no jornalismo all news requer deste profissional mais do que uma

bela voz. O âncora deve ter desenvoltura para falar ao vivo, agilidade e clareza na exposição

de suas ideias, saber improvisar, saber conduzir entrevistas, mediar debates, saber

contextualizar as informações e ter conhecimento sobre várias áreas. Habilidades e

competências imprescindíveis para o exercício de sua função. Para McLeish (2001)

associada à postura, projeção, ritmo, volume, pausa e pronúncia, a personalidade é elemento

de destaque como construtor de sentido na linguagem radiofônica, dentro do segmento all

news. A personalidade contribui para a construção da credibilidade jornalística, conquistada

pela personalidade que contextualiza a notícia, domina o assunto e não se limita a apenas

reproduzir a notícia. Ao microfone o âncora transmite marcas pessoais que revelam o

indivíduo e suas opiniões.

Embora esta pesquisa tenha privilegiado a retórica dos âncoras, deve-se lembrar que

existe uma retoricidade própria do radiojornalismo que, apesar de se estabelecer com

características próprias em cada emissora, tem também, por assim dizer, aspectos universais,

como a “locução falada”, a acentuação da entonação em termos-chave da notícia, a

preocupação descritiva, entre outros Esta retoricidade se define também por meio de

vinhetas, trilhas, slogans, vozes dos locutores e repórteres. Todos esses elementos – no caso

das emissoras all news – contribuem para o estabelecimento de um contrato de leitura em

que a audiência espera ouvir informação e informação atualizada – conforme os lemas

contratam: “ a rádio que toca notícia” e “em vinte minutos tudo pode mudar”.

Aos elementos citados são agregadas as vozes de apresentadores/âncoras e

repórteres, o que corresponde ao ethos, pathos e logos nos cânones retóricos.

O ethos representando a imagem construída pelo âncora; o logos, o raciocínio, a

argumentação e o pathos, os argumentos que buscam persuadir pela emoção. Por sua

sensorialidade, capacidade de estimular sentidos e emoções o rádio remete à teoria do

sensível de Muniz Sodré que aborda a aisthesis (sensibilidade, estesia) , referência à

faculdade de sentir do ser humano, abrangendo tanto as sensações quanto a percepção

sensível. Em meio a tantas possibilidades os discursos dos âncoras da CBN e da

BandNews seguem uma estratégia racional, pautada em argumentos, onde ethos,

pathos e logos são complementares.

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Os aspectos observados nessa dissertação merecem certamente um estudo mais

aprofundado, o que nos deixa com uma sensação de que há ainda um longo caminho a ser

percorrido no estudo do radiojornalismo. A expectativa é de que o desafio que acolhemos

nesta dissertação, de tentar melhor compreender as estratégias discursivas adotadas pelos

âncoras no radiojornalismo possa permitir , no futuro, a continuidade e aprofundamento

desta pesquisa.

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APÊNDICE A - TEMAS RELACIONADOS PARA REALIZAÇÃO DA

ANÁLISE COMPARATIVA

Jornal BandNews – Ricardo Boechat - 09 de abril Caso Cachoeira - Nota e Comentário de Ricardo Boechat sobre envolvimento da

Chefe de Gabinete de Marconi Perillo com Carlinhos Cachoeira.

Chuva em Teresópolis: Nota, entrada ao vivo de repórter do RJ e comentário de

Boechat

Viagem Presidencial aos Estados Unidos – Ricardo Boechat comenta o assunto em

conversa com o correspondente da BandNews em Nova York e também com a Colunista de

Política Mônica Bérgamo. Com a última dá ênfase ao presente de Dilma Rousseff para

Barack Obama: uma garrafa de cachaça cravejada de brilhantes.

Jornal da CBN – Milton Jung 09 de abril

Caso Cachoeira - Três sonoras na primeira meia hora: Deputado Fernando

Francischine (PEN) sobre protocolo para convocação do bicheiro Carlinhos Cachoeira,

Senador Randolfe Rodrigues (PSOL) sobre possível abertura de processo contra

Demóstenes Torres, sonora Deputado Federal, Major Araújo (PRB/GO) denunciando

envolvimento do ex-comandante da PM de Goiás, Cel. Carlos Antônio Elias, com Carlinhos

Cachoeira e sonora do ex-comandante da PM de Goiás, convidando o deputado a se

manifestar na Corregedoria sobre o assunto. Três matérias sobre o assunto: uma sobre a

tentativa de iniciar a CPI; sobre a Polícia Militar de Goiás e a investigação do ex-

comandante com Carlinhos Cachoeira e uma sobre parlamentar goiano flagrado em ligações

com o contraventor Carlinhos Cachoeira.

Chuva em Teresópolis - Matéria sobre a chuva e nota comentário sobre o

sistema de alarme que não funcionou, sendo que a nota é fundamentada em matéria do

jornal O Globo.

Viagem Presidencial aos Estados Unidos – A viagem de Dilma Rousseff aos Estados

Unidos é abordada em entrevista com especialista em Relações Internacionais, professor

Virgílio Arraes da UnB; no quadro Em dia com a política, colunista Carlos Alberto

Sardenberg, e também no quadro Dia a dia da economia com a jornalista Miriam Leitão .

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Jornal BandNews – Ricardo Boechat - 17 de abril

Caso Cachoeira - Sonora do diretor da Delta, Fernando Cavendish e comentário de

Ricardo Boechat.

Jornal da CBN – Milton Jung - 17 de abril

Caso Cachoeira - Matéria transferência de Carlinhos Cachoeira para Presídio da Papuda; sonora grampo do ex-vereador tucano, Wladimir Garcez, confirmando nomeações feitas por Marconi Perillo, governador de GO; sonora Marconi Perillo – sobre as denúncias de Wladimir Garcez, sonora Fernando Cavendish postada no blog do jornalista Mino Pedrosa, que foi assessor do bicheiro, afirmando que daria 30 milhões de reais a políticos para obter obras públicas; sonora Cláudio Abreu, diretor da Delta sobre possível encontro entre Abreu, Cachoeira e Cavendish; sonora Deputado Bruno Araújo, PSDB, sobre possível depoimento de Cavendish na CPI; sonora senador Randolfe Rodrigues do PSOL sobre posição do PT sobre a CPI; sonora deputado Gilmar Tatto, líder do PT, afirmando que o PT não se arrependeu de pedir a convocação da CPI; entrevista ao vivo com o Senador Walter Pinheiro, líder do PT no Senado, sobre a convocação da CPI, matéria redonda com sonoras dos grampos; colunista Kennedy Alencar ( A política como ela é) comenta a CPI e A charge do jornal - O Poderoso Cachoeira.

Jornal BandNews – Ricardo Boechat - 25 de abril

Caso Cachoeira - Nota Delta vai interromper obras no Complexo Petroquímico do

Rio de Janeiro com comentário de Ricardo Boechat. Não enfoca especificamente a CPI mas

tem relação em função das denúncias envolvendo a construtora.

Jornal da CBN – Roberto Nonato - 25 de abril

Caso Cachoeira - Matéria redonda sobre a instalação da CPI; entrevista com o relator da CPI, Odair Cunha do PT; matéria sobre Operação Monte Carlo.( A CPI encaminha pedido de informações ao Supremo Tribunal Federal (STF) e à Procuradoria Geral da República (PGR), requerendo acesso aos inquéritos das operações da Polícia Federal); nota sobre instalação da CPI para introduzir a A charge eletrônica com mais um episódio de O poderoso Cachoeira.

Jornal BandNews - Ricardo Boechat - 03 de maio

Livro Cláudio Guerra- O âncora comenta o lançamento do livro Memórias de uma guerra suja do ex-delegado do Dops, Cláudio Guerra.

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Dia Mundial da Liberdade de Imprensa - Ricardo Boechat comenta o número de jornalistas assassinados no país.

Jornal da CBN - Milton Jung - 03 de maio Caso Cachoeira - Matéria quebra de sigilos bancário e telefônico, depoimento

Cachoeira e decisão da CPI de não convocar o dono da Delta; matéria sobre depoimento de Cachoeira dia 15 de maio (em substituição ao quadro Por Dentro da Política e A charge do jornal abordando o sigilo dos CDs da CPI.

Livro Cláudio Guerra - Milton Jung faz uma nota comentário sobre o lançamento do livro.

Dia Mundial da Liberdade de Imprensa - Matéria sobre o dia mundial da liberdade de imprensa; matéria sobre violência contra blogueiros; entrevista com especialista que participa de um seminário sobre o tema. O assunto é tema também do quadro Liberdade de Expressão e no final do jornal entra mais uma sonora sobre o assunto, enfatizando os assassinatos de jornalistas.

Jornal BandNews - Ricardo Boechat - 11 de maio Caso Cachoeira – Nota Governador de GO, Marconi Perillo, nega irregularidades na

venda de casa adquirida pelo sobrinho de Carlos Cachoeira; nota - Procuradoria da República vai investigar a Delta Construtora e uma terceira nota sobre tentativa do STF de blindar o Procurador da República, Roberto Gurgel, que em 2009, recebeu documentos incriminando Carlos Cachoeira. O âncora Ricardo Boechat comenta apenas a nota sobre a Delta.

Comissão da Verdade - Nota e comentário de Ricardo Boechat sobre ampliação do período a ser investigado pela Comissão da Verdade, criada pela Presidente Dilma Rousseff para investigar os crimes do período da ditadura.

Jornal da CBN – Milton Jung - 11 de maio Caso Cachoeira- Matéria Delta e Matéria ministros tentam blindar Roberto Gurgel. Comissão da Verdade – Matéria Comissão da Verdade e entrevista com o advogado

José Carlos Dias, integrante da comissão.

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APÊNDICE B - ROTEIRO ENTREVISTA MILTON JUNG

1 - No seu entendimento, qual é o papel do âncora no radiojornalismo all news?

2 - Quais devem ser as características para que um jornalista atue como âncora?

3 - Qual a sua rotina na redação? Qual seu horário de trabalho? De que forma você participa

da elaboração do material que vai ao ar no jornal?

4 - Quando é feito algum comentário é você quem seleciona o assunto ou o editor do jornal?

5 - Até onde vai a sua liberdade como âncora?

6 - De todos os escândalos, grandes escândalos, que a imprensa brasileira vem cobrindo nos

últimos anos, qual marcou mais?(em relação a cobertura do veículo)

7 - O que confere credibilidade ao jornalismo de uma emissora all news?

8 - E no caso da Rádio CBN?

9 - O que confere credibilidade ao âncora Milton Jung?

10 - A voz é um componente fundamental no rádio. Como você observa este aspecto em

relação ao âncora? Como foi feita a sua preparação vocal?

11 - Como é a sua relação com o ouvinte? Quando ele escreve e-mails, msn ou telefona você

responde no ar ou depois?? É você quem faz a triagem?

12 - O que você acha que diferencia o trabalho do jornalismo all news da CBN do jornalismo

all news da BandNews ?

13 - A interação com o ouvinte feita antes apenas pelo telefone hoje ocorre pelo twitter, msn

e facebook. Como essas possibilidades de interação mudam o radiojornalismo? Ele

realmente se torna mais interativo?

14 - Como é feita a produção da Charge do Jornal? Você participa?

15 - Você acha que a Charge do Jornal e a Rádio Sucupira podem ser consideradas um

resgate do teatro ou da dramatização no rádio?

16 - Você acha que o humor no radiojornalismo pode levar a perda de credibilidade?

17 - Você utiliza o jornal impresso como fonte de informação? Isso é frequente na edição do

programa? Por que você acha que isso acontece?

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APÊNDICE C - ROTEIRO ENTREVISTA BOECHAT

1 - No seu entendimento, qual é o papel do âncora no radiojornalismo all news?

2 - Quais devem ser as características para que um jornalista atue como âncora?

3 - Qual a sua rotina na redação e do fechamento do jornal? De que forma você participa da elaboração do material que vai ao ar no jornal?

4 - Como é feita a seleção de assuntos a serem comentados? É você quem seleciona? O editor do jornal? Ou é um trabalho coletivo?

5 - Até onde vai a sua liberdade como âncora? Já teve algum comentário vetado ou foi censurado depois de emitir alguma opinião?

6 -No seu trabalho você faz duas críticas aos corruptos e à inoperância do poder público. Você já enfrentou algum processo? De quem ou de que empresa ou figura política?

7 - De todos os escândalos, grandes escândalos, que a imprensa brasileira vem cobrindo nos últimos anos, qual marcou mais?(em relação a cobertura do veículo)

O caso Cachoeira tem peculiaridades que o diferencia dos demais? (ele está no recorte analisado)

8 -O que confere credibilidade ao jornalismo da BandNews?

9 - O que confere credibilidade ao âncora Ricardo Boechat?

10 - Você começou sua vida profissional no jornal impresso e está há relativamente pouco tempo no rádio. Como foi começar a trabalhar no rádio? Foi um desafio? Se foi, quais desafios você precisou vencer para realizar este trabalho?

11 - Qual a diferença entre ancorar um radiojornal e um jornal de TV? Em qual você se sente mais a vontade e porquê?

12 - Li em uma entrevista que você teria um perfil semelhante ao de Leporace. Na sua opinião isso procede? Porquê?

13 - Outros veículos optam por uma linha mais imparcial, sem emitir opinião, seguindo os princípios da imparcialidade e da objetividade e deixando que a informação e a condução da entrevista contribuam para a formação de opinião. No seu caso você emite opinião, assumindo em algumas situações um tom passional. Você acha que isso compromete a credibilidade?

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14 - Como é a sua relação com o ouvinte? Quando ele escreve e-mails, msn ou telefona você responde no ar ou depois? É você quem faz a triagem?

15 - O que você acha que diferencia o trabalho do jornalismo all news da BandNews do jornalismo all news da CBN?

16 -A interação com o ouvinte feita antes apenas pelo telefone hoje ocorre pelo twitter, msn e facebook. Como essas possibilidades de interação mudam o radiojornalismo? Ele realmente se torna mais interativo?

17- Como é feito o Buemba,Buemba! O José Simão é pautado? Até onde existe improviso da parte dele e da sua?

18- Você acha que o humor no radiojornalismo leva a perda de credibilidade?

19- Você utiliza o jornal impresso como fonte de informação? Isso é frequente na edição do programa? Por que você acha que isso acontece?

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ANEXO A – ENTREVISTA MILTON JUNG

1 - No seu entendimento, qual é o papel do âncora no radiojornalismo all news?

Selecionar as notícias que considerar mais relevantes, contextualizar os fatos divulgados e

mediar as discussões com entrevistados, comentaristas e ouvintes.

2 - Quais devem ser as características para que um jornalista atue como âncora?

Domínio das informações, equilíbrio nas análises, respeito aos fatos e às pessoas, agilidade na

apresentação.

3 - Qual a sua rotina na redação? Qual seu horário de trabalho? De que forma você

participa da elaboração do material que vai ao ar no jornal?

Às quatro e meia da manhã, acesso jornais online para identificar as informações mais

relevantes e assisto ao noticiário na televisão. Quando possível, a caminho da redação, ouço

outras emissoras de rádio.

Às cinco e meia, começo a discutir com o produtor do Jornal da CBN as entrevistas,

reportagens e temas que devem ser priorizadas no programa.

O Jornal da CBN vai ao ar das seis às nove e meia da manhã.

Logo em seguida, participo da primeira reunião de pauta do programa do dia seguinte, quando

avaliamos o que fizemos e verificamos quais os assuntos que devem ter desdobramento.

Ouvimos sugestões de colegas e ouvintes-internautas e decidimos quais os entrevistados que

devem ser agendados. Do meio dia em diante, as discussões são feitas com um segundo

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produtor, quando as decisões da manhã são ratificadas ou não, conforme o desenrolar das

notícias.

Às oito da noite, recebo um relatório das entrevistas que foram marcadas para o dia seguinte.

Importante ressaltar que estas entrevistas podem ser revistas antes ou mesmo durante a

apresentação do programa de acordo com uma série de critérios. Pautas podem envelhecer

rapidamente, por isso precisam ser revistas, mesmo durante a apresentação do jornal. O

surgimento de novos fatos e notícias de destaque podem nos levar a mudar o entrevistado ou

mesmo o tema. Portanto, o critério principal na avaliação é a atualidade da pauta, seu

ineditismo.

Um jornal de rádio não tem deadline nem “espelho fechado”. Pode mudar a qualquer minuto.

4 - Quando é feito algum comentário é você quem seleciona o assunto ou o editor do

jornal?

Os comentários geralmente são feitos por minha conta e risco, mas sugestões são bem-vindas,

seja do produtor, seja de qualquer outro integrante da equipe. O Jornal da CBN tem dois

produtores (um que põe o Jornal no ar e outro que marca as entrevistas à tarde), um auxiliar

de produção, um locutor e um técnico de som. Todos têm voz na produção e execução do

trabalho.

5 - Até onde vai a sua liberdade como âncora?

Tenho liberdade para tratar de todo e qualquer assunto, desde que leve em consideração o

respeito aos fatos e às pessoas.

6 - De todos os escândalos, grandes escândalos, que a imprensa brasileira vem cobrindo

nos últimos anos, qual marcou mais? (em relação a cobertura do veículo)

O caso Cachoeira tem alguma peculiaridade que o diferencie dos demais? (ele é recorrente no

período que analisei).

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A cobertura da CPI que levou ao processo de impeachment de Fernando Collor marcou a

história da rádio CBN, nos anos de 1990. Foi a primeira emissora a ter coragem de transmitir,

ao vivo e na íntegra, os debates na comissão, os interrogatórios e sessões no Congresso. Digo

coragem, porque não era comum as emissoras dedicarem toda sua programação para fatos

como esses que eram tratados apenas dentro dos espaços jornalísticos através de reportagens

ou flashes ao vivo. Naquela época, ainda estava fora da rádio, mas participei da cobertura pela

TV Cultura.

O caso Cachoeira teve pouca relevância porque se misturou a cobertura do processo do

Mensalão e perdeu força dentro do próprio Congresso com governistas e oposicionistas pouco

interessados em levar as investigações à frente.

A cobertura do Mensalão está sendo relevante pela importância das pessoas que estão sendo

condenadas pelo STF. Mas não devemos esquecer que em anos e governos anteriores já

tivemos outros escândalos de destaque que exigiram apuração precisa e análise cuidadosa.

Apenas como no Brasil temos uma sucessão de escândalos, governo após governo, muitas

vezes nossa memória nos trai e impede que lembremos de fatos anteriores.

7 - O que confere credibilidade ao jornalismo de uma emissora all news?

Busca constante da verdade, equilíbrio nas análises, responsabilidade na transmissão dos

fatos, respeito às pessoas, pluralidade na programação e espaço para o contraditório.

8 - E no caso da Rádio CBN?

A reputação construída pela rádio CBN, desde 1991, ano de sua inauguração, é sua principal

força. Reputação construída com base nos parâmetros relacionados anteriormente: busca

constante da verdade, equilíbrio nas análises, responsabilidade na transmissão dos fatos,

respeito às pessoas, pluralidade na programação e espaço para o contraditório.

9 - O que confere credibilidade ao âncora Milton Jung?

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Desculpe-me se serei repetitivo: busca constante da verdade, equilíbrio nas análises,

responsabilidade na transmissão dos fatos, respeito às pessoas, pluralidade na programação e

espaço para o contraditório.

10 - A voz é um componente fundamental no rádio. Como você observa este aspecto em

relação ao âncora? Como foi feita a sua preparação vocal?

O âncora, assim como repórteres e comentaristas, deve transmitir segurança e

responsabilidade na fala, dar ênfase nos fatos mais significativos e marcar, com a entonação,

os aspectos que precisam ser levados em consideração pelo ouvinte. Boa articulação e clareza

são importantes.

Meus cuidados com a voz se iniciaram logo que cheguei a São Paulo, em 1991, no primeiro

contato que tive com uma profissional de fonoaudiologia, na Tv Globo. Desde então, tenho

recebido orientação constante de profissionais ligadas a esta área. Boa a

11 - Como é a sua relação com o ouvinte? Quando ele escreve e-mails, msn ou telefona

você responde no ar ou depois?? É você quem faz a triagem?

Minha meta é sempre responder todas as mensagens que recebo, principalmente se

encaminhadas por e-mail. As mensagens enviadas por ouvintes seja por qual meio for são de

extrema importância para a realização de nosso trabalho pois são fontes de informação. E

jornalista que se preza não abre mão de uma boa fonte. Quanto a triagem, sou eu mesmo

quem recebo e respondo.

12 - O que você acha que diferencia o trabalho do jornalismo all news da CBN do

jornalismo all news da BandNews ?

A equipe de reportagem da rádio CBN a diferencia das demais emissoras all news.

13 - A interação com o ouvinte feita antes apenas pelo telefone hoje ocorre pelo twitter,

msn e facebook. Como essas possibilidades de interação mudam o radiojornalismo? Ele

realmente se torna mais interativo?

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Em 1998, ao chegar na rádio CBN, a emissora estava trocando o telefone do ouvinte pelo e-

mail do âncora. Esta mudança democratizou o contato com os ouvintes, pois ofereceu mais

canais e possibilidades para que este se expresse. Por telefone, uma pessoa fala com outra

pessoa (e não necessariamente com quem gostaria de falar). Por e-mail, um sem-número de

pessoas consegue emitir sua opinião ou pensamento diretamente ao âncora. A interatividade

se consolida.

14 - Como é feita a produção da Charge do Jornal? Você participa?

Apenas para esclarecer, a Charge do Jornal foi criada para substituir os comentários do

Arnaldo Jabor, em férias. Está fora do ar agora. O que temos, e talvez você chame de Charge

do Jornal, é o encerramento que pode ser chamado de Charge Eletrônica. Esta charge é

resultado de trabalho de equipe e sugestões de ouvintes com base nos fatos que fazem parte

do noticiário. A preferência é que tenha como inspiração alguma sonora do dia.

15 - Você acha que a Charge do Jornal e a Rádio Sucupira podem ser consideradas um

resgate do teatro ou da dramatização no rádio?

São produtos diferentes. O radioteatro ou a radionovela tinham roteiro previamente elaborado,

usavam atores e trabalhavam com base na ficção. A charge eletrônica e a Rádio Sucupira

usam fatos reais. No caso da Sucupira, estes fatos são pontuados por falas da novela O Bem

Amado, de Dias Gomes. Traçando um paralelo e guardando as devidas proporções, as falas de

Odorico Paraguaçu têm a mesma função da música que usamos na charge. Serve para ilustrar

e brincar com os fatos reais.

16 - Você acha que o humor no radiojornalismo pode levar a perda de credibilidade?

Por muitos anos se confundiu mau humor com credibilidade, sisudez com seriedade. O bom

humor é bem-vindo no radiojornalismo desde que feito com responsabilidade. É uma linha

muito tênue que exige sensibilidade por parte de seus produtores. O deboche deve ser evitado.

17 - Você utiliza o jornal impresso como fonte de informação? Isso é frequente na edição

do programa? Por que você acha que isso acontece?

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Uso o jornal impresso, tanto quanto a programação da televisão, as informações que circulam

na internet, os fatos divulgados em outras emissoras de rádio e as mensagens escritas pelos

ouvintes-internautas. Toda fonte de informação deve ser usada pelo jornalista no intuito de

levar o noticiário mais relevante aos seus ouvintes.