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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Ana Carolina Nilce Barreira Candia RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO IMATERIAL (OU AFETIVO) DIRETO E INVERSO Mestrado em Direito Civil São Paulo 2017

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Ana Carolina Nilce Barreira Candia

RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO IMATERIAL (OU AFETIVO)

DIRETO E INVERSO

Mestrado em Direito Civil

São Paulo

2017

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Ana Carolina Nilce Barreira Candia

RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO IMATERIAL (OU AFETIVO)

DIRETO E INVERSO

Mestrado em Direito Civil

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de

MESTRE em Direito Civil, sob a

orientação do Prof. Dr. Francisco José

Cahali.

São Paulo

2017

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Banca Examinadora

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Dedico este trabalho a Deus, a toda minha

família e a todos aqueles que de alguma

forma contribuíram na evolução desta

dissertação.

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Agradeço ao CNPQ pela concessão da bolsa.

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AGRADECIMENTOS

Quanta responsabilidade a mim cabe neste trecho do trabalho. Muitas são as

pessoas a quem devo agradecer.

Tive a sorte de trilhar a estrada até aqui encontrando seres humanos incríveis.

A começar pelo ilustre orientador Prof. Dr. Francisco José Cahali, cuja maestria e

domínio do conteúdo jurídico há muito admiro. Entretanto, o que realmente me

impressiona é a capacidade de aliar toda essa expertise com altas doses de cordialidade,

humildade, e acima de tudo: humanidade. Não tenho palavras suficientes para

agradecer: muitíssimo obrigada!

Agradeço também a querida Prof. Dra. Odete Novais Carneiro Queiroz que me

ensinou as primeiras lições de Direito Civil e me acompanhou ao longo dos cinco anos

da graduação, sempre com exímia dedicação e rigor para alcançar o melhor de cada

aluno! Foi a primeira a me incentivar e impulsionar para o início do curso de Mestrado:

Muito obrigada!!

Sou muito grata também ao Prof. Dr. Oswaldo Peregrina Rodrigues e ao Prof.

Dr. Adriano Ferriani pelas sábias orientações e apontamentos sobre o tema tratado, bem

como por apresentar questionamentos necessários. Busquei responde-los seguindo os

preceitos e as orientações bibliográficas passadas. Com certeza, os Drs. foram

fundamentais para se alcançar o resultado exposto no trabalho. Muito obrigada!!

Ao longo da jornada encontrei também a querida Prof. Dra. Fabiana Del Padre

Tomé, que, com as interessantes aulas sobre o complexo Constructivismo Lógico

Semântico, me incentivou a repensar toda a Teoria Geral do Direito. A dedicação da

professora transformava toda a complexidade em clareza sem igual! Muito obrigada!

Também tive a oportunidade de acompanhar de perto a expertise e incrível

clareza do Prof. Dr. Manoel de Arruda Alvim. É realmente impressionante a capacidade

de transitar com domínio e profundidade sobre os mais diversos aspectos materiais e

processuais do Direito Civil, sempre com muita humildade e grande cordialidade para

com os alunos! Muito obrigada!

Com as aulas do Prof. Dr. Arruda Alvim, conheci o Prof. Dr. Everaldo

Cambler, a quem devo agradecer pelos ensinamentos, pela atenção com os temas de

cada aluno e pela gentileza de sempre: muito obrigada!

Agradeço ainda pela maneira sempre muito gentil com que me trataram os

ilustres professores presentes em minha trajetória ao longo do curso de Mestrado: Prof.

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Dra. Rosa Nery, Prof. Dr. Maria Helena Diniz, Prof. Dr. Maria Celeste Cordeiro Leite

Santos e Prof. Dr. Rogério Donnini, muito obrigada!

Devo agradecer também ao ilustríssimo Dr. Theodureto de Almeida Camargo

Neto, que me apresentou o tema do Dano Afetivo e muito contribuiu para a minha

formação como profissional do Direito. Agradeço pela consideração que sempre

demonstrou, pela cordialidade com que sempre me tratou, pelos ensinamentos de cada

conversa, e por ter me concedido a oportunidade de contato com os mais variados

assuntos do Direito Civil! Muito obrigada! Há muito dos seus ensinamentos nessa

dissertação!

Não poderia, de forma alguma, deixar de mencionar as queridas Érika Menezes

e Tânia Magalhães, que contribuíram de maneira tão carinhosa com minha formação e

não mediram esforços para ensinar e elucidar os mais diversos assuntos processuais!

Tiveram grande participação em minha trajetória: muito obrigada!

Agradeço também ao Dr. Ricardo Negrão pela oportunidade e gentileza com

que sempre me recebeu! Sou grata por tantos esclarecimentos acerca do campo

empresarial do Direito Civil! Muito obrigada!

Merecem agradecimento também as queridas Fernanda Cosme, Sabrina Scafi,

Vanessa e Rogério Lopes por me receberem tão bem e me auxiliarem no aprendizado e

desenvolvimento dos assuntos propostos: muito obrigada!

Sempre muito gentil, carinhosa e esclarecida: Dr. Márcia Donini Dias Leite.

Foi quem me apresentou as primeiras lições sobre o direito processual. Com muita

paciência e atenção, dedicava-se a tentar esclarecer as minhas inúmeras dúvidas.

Agradeço pela oportunidade e por todo zelo! Muito obrigada!

Importante agradecer também ao Dr. Luis Fernando Nardelli – dotado de

cultura ímpar – que muito gentilmente contribuiu com as pesquisas e roteiro a ser

observado neste trabalho: muito obrigada pela cordial atenção de sempre!

Mister agradecer também ao querido Dr. Caesar Augustus e ao Dr. Nilton

Serson pela oportunidade, paciência e intenso ensino sobre a prática jurídica: muito

obrigada!

Não tenho como deixar de agradecer à Deus e à toda minha família.

Agradeço ao meu querido Tio Dr. Meliton Candia, que chegou até a ler sobre a

autopoiese do sistema jurídico comigo: não tenho palavras para agradecer todo o apoio,

amor e suporte! Agradeço ao meu pai Dr. Rodolfo Candia por buscar estar sempre a

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postos para me direcionar e proteger – inclusive dos insetos que por ventura aparecem

para me assustar no meio da madrugada! Agradeço à minha mãe Dra. Alice Candia

pelos diversos ensinamentos, apoio e exemplo de luta e trabalho! Aos meus irmãos,

Aline e Rafael, por compartilharem toda a minha existência. Às minhas queridas e

amadas primas Tamires e Aneliz e tia Edilaine por todo carinho. À Lindete Lago por

estar sempre presente. À Nalva e Gil por sempre me ajudarem. Ao meu

‘companheirinho’ Charlie que esteve comigo durante toda a elaboração deste trabalho.

Ao Arthur Suelotto pelo auxilio na execução do Curso. À Dr. Daniela Freitas pela

parceria. Ao Frederico Oliveira pela ajuda com as pesquisas de doutrina e

jurisprudência alienígena. À Dra. Isadora Urel, à Dra. Mirelle Lotufo e ao Dr. Adriano

Elias Oliveira, por compartilharem comigo dicas e experiências ao longo do nosso

curso. À amiga querida Bianca Pavam, minha parceira desde a minha primeira aula de

Direito. À tia Sônia pela preocupação e cuidado. A todos os meus familiares e a todos

que contribuíram direta ou indiretamente com este trabalho: MUITO OBRIGADA!

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RESUMO

Autora: Ana Carolina Nilce Barreira Candia

Título: Responsabilidade civil por abandono imaterial (ou afetivo) direto e inverso

Dedica-se o presente trabalho a observar que o fato de algum dos genitores não deter a

guarda da prole não é fator a permitir a total ausência, ainda que haja o custeio de

alimentos e outras questões materiais. Isto porque, o poder familiar imputa deveres

paternos que não podem ser cumpridos sem que haja presença. Desta forma, a ausência

implica, necessariamente, em inadimplemento, pelos pais, dos deveres de cuidado

inerentes ao poder familiar, ou seja, se constitui como ato antijurídico. Os danos

decorrentes deste devem, assim, ensejar a incidência da responsabilidade, a qual tem

como base o preceito de não lesar a outrem. Buscando obedecer a este princípio, é que o

genitor que vê o outro progenitor praticando alienação parental do(a) filho(a), deve

buscar tutela jurisdicional a fim cessar este ato e garantir o seu direito-dever de visitar e

conviver com o filho. Se o pai ou a mãe nada faz para cessar a alienação parental, não

poderá usá-la como pretexto para afastar a responsabilidade civil caso pratique o

abandono, vez que esse cenário configuraria o ato de se beneficiar da própria torpeza,

pois se utilizaria da omissão em não cessar a alienação para se furtar do adimplemento

do dever de cuidado. Por outro lado caso haja busca pelo não guardião em visitar o(a)

filho(a), mas este é que – por motivos próprios- pratique a rejeição, não se estará diante

de hipótese de abandono paterno a ensejar o dever de indenizar, vez que, nesta hipótese,

há a prática, pelo pai ou mãe, de atos comissivos para a convivência. Com relação ao

amor, verificou-se que a incidência da indenização não é por falta de afeto, e sim por

ausência de cuidado; cabendo notar que quem cuida não demostra rejeição, ainda que

não ame. Também se apontou que a paternidade biológica, adotiva ou socioafetiva são

equivalentes, portanto, os deveres inerentes também o são. Por sua vez, aquele que,

apesar de não efetivar averbação de paternidade no registro civil, cativa infante agindo

como se pai ou mãe fosse, também deverá responder pelos danos causados caso

posteriormente abandono o menor. Isto porque, estar-se-á diante de descumprimento

dos preceitos da boa-fé objetiva. Seguindo a mesma lógica de raciocínio, porém, de

maneira inversa, denotamos também o direito dos idosos à convivência familiar e o

dever dos filhos cuidarem daqueles. Assim, ainda que haja o custeio de questões

materiais, a falta de zelo e ausência da prole quando os pais são idosos se constitui

como ato antijurídico a enseja os decorrentes danos. Contudo, há exceção da

exigibilidade deste cuidado quando o filho que abandona, outrora foi vítima

abandonado na infância ou adolescência, ou seja, foi vítima de ato indigno que deve

afastar a exigibilidade tanto de alimentos como de cuidados imateriais.

Palavras-chave: Responsabilidade civil. Deveres paternos e maternos filiais. Poder

familiar. Paternidade socioafetiva. Adoção. Boa-fé objetiva. Obrigações dos filhos para

com os pais idosos. Abandono imaterial ou afetivo direto e inverso. Deveres de cuidado.

Presença e convivência como dever.

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ABSTRACT

Author: Ana Carolina Nilce Barreira Candia

Title: Liability for immaterial (or affective) abandonment forward and reverse

The work at hand intends show that, if one of the parents does not detain custody of the

offspring, that is not a factor to allow total absence, even when it already

involves support regarding cost of food and other material issues. This is because a

parent’s obligation to impute paternal duties cannot be fulfilled without presence. In this

way, absence necessarily implies the parent's failure to fulfil the duties of care inherent

to the parent’s obligation, that is, it constitutes an unlawful act. The damages resulting

from this must, therefore, give rise to the incidence of liability, which is based on the

precept of not harming others. Seeking to obey this principle, is that the parent who sees

the other parent practicing parental alienation of the child should seek judicial

protection in order to cease this act and ensure their right-duty to visit and live with the

child. If the father or mother does nothing to stop the parental alienation, he cannot use

it as a pretext to exclude civil liability if he practices abandonment, since this scenario

would be the act of benefiting from his own inaction, since it would use the omission in

not ceasing the alienation in order to avoid the duty of care. On the other hand, if

the non-custodian seeks to visit the child, but - for reasons of his own - is faced with

rejection by the child, there will be no possibility of parental abandonment to give rise

to the obligation to indemnify. Instead, in this hypothesis, there is the practice, by the

father or mother, of commissive acts for their convenience. With respect to love, it was

verified that the incidence of the indemnity is not for lack of affection, but for lack of

care; It should be noted that those who care do not show rejection, even if they do not

love. It was also pointed out that biological, adoptive or socio-affective parenthood are

equivalent, therefore, the inherent duties are also equivalent. In turn, the one who,

although not effecting paternity registration in the civil registry, captivates the infant

acting as if the father or mother were, must also respond for the damages caused in case

of later abandonment of the minor. This is because it will be faced with non-compliance

with the precepts of objective good faith. Following the same logic of reasoning,

however, in reverse, we also denote the right of the elderly to family life and the duty of

their sons to care for them. Thus, even if there is material costing, the lack of zeal and

absence of the offspring when the parents are old constitutes itself as an unlawful act

and causes the consequent damages. However, there is an exception to the

enforceability of this care, when the child who leaves was once a victim abandoned in

childhood or adolescence, that is, he was the victim of an unworthy act that should rule

out the enforceability of both food and immaterial care.

Keywords: Civil responsibility. Maternal duties branches. Socio-affective paternity.

Adoption. Objective good faith. Obligations of children to elderly parents. Intangible or

direct abuse. Moral damage. Duties of care. Presence and coexistence as duty.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 11

2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA CONFIGURAÇÃO DA FAMÍLIA

........................................................................................................................................ 14

2.1. O instituto da família sobre o prisma do Direito Romano até a Constituição

Brasileira de 1824 .................................................................................................................. 14

2.2. Visão jurídica da família a partir da Constituição Brasileira de 1824 até a Carta

Magna de 1988 ....................................................................................................................... 17

3. A TRANSFORMAÇÃO DO DIREITO CIVIL BRASILEIRO: DE UM VIÉS

PATRIMONIALISTA PARA UMA VISÃO HUMANISTA INSERIDA COM A

CARTA MAGNA DE 1988 .......................................................................................... 22

3.1. O Direito e a era pós-moderna ...................................................................................... 22

3.2. O Código Civil e a Pós-Modernidade: Constitucionalização do Direito Civil ......... 24

3.3. Constitucionalização do Direito de Família ................................................................. 26

4. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO IMATERIAL (OU

AFETIVO) ..................................................................................................................... 30

4.1. Breve consideração sobre o termo “Abandono Imaterial (ou Afetivo)” ................... 30

4.2. Aplicação dos princípios constitucionais ...................................................................... 31

4.3. Princípios constitucionais aplicáveis ao Direito de Família ........................................ 33

4.3.1. Princípio da cidadania ............................................................................................... 35

3.3.2. Princípio da dignidade da pessoa humana ................................................................. 37

4.3.3. Princípio da solidariedade ......................................................................................... 40

4.3.4. Princípio da afetividade ............................................................................................. 42

4.3.5. Princípio da convivência familiar.............................................................................. 45

4.3.6. Princípio da proteção integral a crianças, adolescentes, jovens e idosos .................. 48

4.3.7. Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente ....................................... 50

4.3.8. Princípio da paternidade responsável ........................................................................ 51

4.4 Aspectos relevantes da responsabilidade civil aplicados ao caso ................................ 52

4.4.1. Considerações iniciais ............................................................................................... 52

4.4.2. Requisitos para caracterização da responsabilidade civil subjetiva .......................... 57

4.4.2.1. Culpa ................................................................................................................................ 57

4.4.4.2. Dano ................................................................................................................................. 62

4.4.2.4.1. Dano moral ................................................................................................................ 65

4.2.3. Nexo causal ............................................................................................................... 73

4.5. Responsabilidade civil por abandono imaterial (ou afetivo) direto ........................... 75

4.5.1. Transformação do pater familias em poder familiar ................................................. 76

4.5.2. Conteúdo do poder familiar ....................................................................................... 79

4.5.3. Suspensão do Poder familiar ..................................................................................... 83

4.5.4. Extinção do Poder familiar ........................................................................................ 83

4.5.4.1. Reincidência das faltas previstas no artigo 1.637, CCB ................................................... 84

4.5.4.2. Castigo imoderado ............................................................................................................ 84

4.5.4.3. Prática de atos contrários à moral e aos bons costumes ................................................... 86

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4.5.4.4. Deixar o filho em abandono ............................................................................................. 88

4.5.5. Considerações sobre a expressão abandono afetivo (ou imaterial) ‘direto’ .............. 91

4.5.6. Presença como dever ................................................................................................. 92

4.5.6.1. Dever do não guardião supervisionar os interesses do filho ............................................. 93

4.5.6.2. Dever de dirigir a criação e a educação ............................................................................ 95

4.5.6.3. Dever de educação e cuidado: responsabilidade compartilhada entre os pais .................. 96

4.5.6.4. Dever de garantir a efetivação da saúde ........................................................................... 98

4.5.6.5. Dever de garantir a convivência familiar.......................................................................... 99

4.5.6.6. Dever do não guardião em visitar o filho ....................................................................... 100

4.5.7. Danos decorrente da culposa não convivência do pai ou da mãe com os filhos ..... 106

4.5.8. Dever de reparar os danos causados à prole com o abandono imaterial (ou afetivo)

........................................................................................................................................... 115

4.5.8.1. Presença de substituto não apaga a dolorosa realidade de ser um filho rejeitado ........... 119

4.5.8.2. Desamor e dever de cuidado ........................................................................................... 120

4.5.8.3. Dano material com tratamento psicológico .................................................................... 122

4.6. Abandono Afetivo Inverso: responsabilidade civil dos filhos pelos danos causados

aos pais idosos em decorrência da não convivência familiar ........................................... 123

4.6.1. O termo “abandono afetivo inverso” ....................................................................... 123

4.6.2. Abandono afetivo inverso: a difícil realidade de muitos idosos .............................. 125

4.6.3. Danos decorrentes do abandono afetivo inverso ..................................................... 128

4.6.4. Dever de indenizar os danos decorrentes do abandono afetivo inverso .................. 135

4.7. Jurisprudência e questões controvertidas referentes ao denominado ‘abandono

afetivo’ .................................................................................................................................. 138

4.7.1. Quanto ao abandono afetivo direto ......................................................................... 138

4.7.1.1. Prescrição e decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre “abandono afetivo”

publicada em 29 de novembro de 2017 ................................................................................... 147

4.7.1.2. Presença sem amor: quem cuida não demonstra que não ama ................................... 153

4.7.1.3. Há dever de a mãe ou o pai socioafetivo indenizar danos por abandono imaterial do(a)

filho(a) afetivo(a)? .................................................................................................................. 158

4.7.2. Quanto ao abandono afetivo inverso ....................................................................... 163

4.7.2.1. Pai que abandonou a prole que era criança ou adolescente, pode exigir que esta o cuide

quando estiver idoso? .............................................................................................................. 167

4.8. Projetos de Lei sobre o denominado “abandono afetivo” ........................................ 169

4.9. Função compensatória e sancionadora da responsabilidade civil: sanção como

elemento integrado à norma jurídica ................................................................................ 171

5. CONCLUSÃO ......................................................................................................... 178

6. BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 185

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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa a analisar a responsabilidade civil do progenitor que

não detém a guarda, arca com custeio material de pensão alimentícia, porém é ausente

imaterialmente e não convive, nem visita a prole.

Também se insere no escopo dessa dissertação a análise inversa da referida

situação. É o caso do(a) filha(a) que, independente de qualquer contribuição material,

abandona imaterialmente o pai ou a mãe quando estes se tornam idosos.

Pretende-se, dentro destes contextos, analisar o dever de reparar os danos

causados com a falta de presença e não convivência quando o descendente ou

ascendente se encontram em situação de vulnerabilidade, seja por estarem em fase de

desenvolvimento, seja por se tornarem dependentes em razão do avanço da idade.

O tema tratado é considerado novo e ainda controverso.

Só foi possível suscitar o assunto ora tratado nesta dissertação em razão das

diversas alterações sociais ocorridas nas concepções dos papéis a serem exercidos

dentro da família, com a valorização do indivíduo e a consolidação do entendimento

sobre a possibilidade de se arbitrar indenização em função de danos materiais e também

morais causados – dever este de indenizar que passou a incidir inclusive no direito de

família.

Foram as mudanças histórias nas configurações familiares, com o fim da

submissão da mulher em relação ao homem no seio da família propiciada pela igualdade

de gênero instituída pela Carta Magna de 1988, aliada à valorização do infante, o qual

passou a ser visto como sujeito de direito que merece especial e integral proteção

justamente por estar em fase de desenvolvimento bem como à valorização da dignidade

humana, da integridade física e psíquica de cada cidadão, do respeito ao idoso e da

responsabilidade dos pais para com os filhos durante a infância e adolescência e destes

em relação àqueles quando os progenitores estiverem idosos, que permitiram a

abordagem do tema ora exposto.

O escopo dentro deste contexto é verificar se a não presença (ou ausência

imaterial) tem o condão de gerar a incidência do dever de indenizar os danos causados.

A ausência material dos filhos infantes ou dos pais idosos pode ocasionar, inclusive,

responsabilidade penal. Já a ausência exclusivamente imaterial pode gerar danos? Estes

danos devem ser objeto de indenização? Pode-se exigir legalmente o amor? E a

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presença, pode ser legalmente exigida? Existe dever jurídico de convivência paterno ou

materno-filial? O dever de indenizar pecuniariamente o abandono material serve para

compensar a dor da ausência? Pode-se punir aquele que não quis ser presente? É

possível o caráter punitivo na responsabilidade civil?

São esses os questionamentos que se pretende responder com esta dissertação.

Para tanto, faz-se primordial breve contextualização história da configuração

familiar ao longo dos tempos, passando pelo Direito Romano e alcançando a atual

concepção abordada na Constituição Federal Brasileira datada de 1988. Isto porque, não

há como tratarmos do assunto família sem ao menos compreendermos o que de fato é

essa instituição e como ela tomou os contornos dos quais se reveste atualmente. É disto

que se trata no primeiro capítulo.

Já o capítulo consecutivo é dedicado à transformação do Direito Civil

Brasileiro. Passou-se de tempos de valorização patrimonial para uma era de

supervalorização do individuo e de seu bem estar social. Tal alteração foi configurada

com a promulgação em 1988 da atual Carta Constitucional. Ocorreu, entretanto, que

alguns dispositivos do Código Civil de 1916 se tornaram inaplicáveis por não estarem

de acordo com os novos preceitos trazidos pela Constituição vigente. Verificou-se,

assim, a chamada Constitucionalização do Direito Civil, pois era necessário que os

civilistas, por muitas vezes, buscassem as soluções diretamente nos artigos da

Constituição e não mais nos artigos do Código Beviláqua. O cenário alterou-se com a

edição do Código Civil que passou a vigorar em 2002. Neste codex foram assumidos os

preceitos preconizados pela Carta de 1988 e concretizados em forma de lei civil.

No terceiro e último capítulo serão consideradas as transformações referidas

anteriormente, que resultaram no contexto atualmente verificado, para se analisar a

responsabilidade civil por abandono imaterial ou afetivo. De início, irá se esclarecer o

uso da terminologia adotada e em seguida serão apresentados os princípios que

embasam o tema sustentado nesta dissertação.

Posteriormente, será realizado breve esclarecimento quanto ao instituto da

responsabilidade civil e dos elementos genéricos necessários para a sua configuração.

Tais elementos serão especificamente apontados nas hipóteses em concreto quando se

tratar do dever de reparar os danos causados com o abandono afetivo direto e também

na oportunidade de se referir ao dever de indenizar os danos decorrentes do abandono

afetivo inverso.

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A fim de se alcançar tais pontos será observada a transformação do pater

familias em poder familiar e o conteúdo deste, bem como analisado

pormenorizadamente cada um dos deveres paterno-filiais condizentes com o instituto.

Uma vez verificado se é exigível legalmente a presença, na vida do filho, pelo genitor

não guardião, passar-se-á à análise dos danos que a ausência paterna ou materna gera na

vida dos infantes que estão em fase de desenvolvimento. Neste item será percebida forte

presença da multidisciplinariedade com o campo da psicologia. Isto porque essa é a área

que se dedica aos estudos da influência dos sentimentos no desenvolvimento da psique

humana. Somente depois de tratados esses assuntos é que se poderá responder as

questões referentes ao dever de indenizar o abandono imaterial (ou afetivo) direto,

confrontando-se, ainda, o amor com o dever de cuidado.

No tópico subsequente, apresentar-se-á análise da situação inversa, ou seja,

sobre o abandono imaterial dos filhos em relação aos pais idosos. Será esclarecida a

terminologia abandono afetivo inverso e abordar-se-á pragmaticamente a respeito da

realidade de muitos idosos no Brasil. A partir desse cenário é que se poderá tratar a

respeito dos danos que o abandono imaterial pelos filhos causa aos idosos; e novamente

estará presente a multidisciplinariedade para se alcançar as conclusões a respeito do

dever de indenizar os danos decorrentes do abandono afetivo inverso.

No último tópico do trabalho, será apresentada análise jurisprudencial sobre o

tema, bem como algumas questões ainda mais controvertidas dentro do conteúdo já

controverso. Após, serão mencionados alguns projetos de lei sobre o assunto tratado, e

por fim, buscar-se-á responder as questões referentes á função da responsabilidade civil:

se apenas compensatória ou se também punitiva. Alcançar-se-á, em seguida, as

conclusões sobre o assunto exposto.

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2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA CONFIGURAÇÃO DA FAMÍLIA

2.1. O instituto da família sobre o prisma do Direito Romano até a

Constituição Brasileira de 1824

Para tratar sobre o estudo do Direito de Família, faz-se necessária uma breve

análise histórica para se compreender a maneira como as relações familiares se

apresentam e se modificam com o passar do tempo. Esta contextualização é

fundamental para se entender corretamente as normativas jurídicas de cada época, bem

como as alterações destas.

Afinal, não são as leis ou o Estado que criam o conceito de família e seus

institutos; ao contrário: é o sistema jurídico, por meio de seus legisladores e intérpretes,

que busca absorver e acompanhar as intensas e constantes modificações no arquétipo

familiar. Conforme ensina Batista Villela, “a família antecede o Estado, preexiste à

Igreja e é contemporânea ao Direito”1. É nesta toada que se faz prudente uma breve

análise do direito familiar praticado desde Roma.

O termo família, no período Romano, se referia, inicialmente, ao conjunto de

escravos pertencentes a um homem, enquanto que o termo fumulus seria destinado a

cada escravo doméstico desta ‘família’. Em razão de sua transmissibilidade por

testamento, a expressão família passou a abranger não apenas o conjunto de escravos,

mas também a mulher e os filhos pertencentes ao homem chefe daquela organização, o

qual detinha absoluta propriedade sobre os membros da família, podendo dispor

inclusive sobre o direito de vida ou morte destes integrantes. Era o denominado pater

família.

Neste sentido, relata Friederich Engels que o termo família:

a princípio entre os romanos não se aplicava nem ao par de cônjuges e aos

seus filhos, mas somente aos escravos. Famulus quer dizer escravo doméstico

e família é o conjunto de escravos pertencentes ao mesmo homem. Nos

tempos de Gaio, a família ‘id est patrimonium’ (isto é, herança) era

transmitida por testamento. A expressão foi inventada pelos romanos para

designar um novo organismo social, cujo chefe mantinha sob seu poder a

mulher, os filhos e certo numero de escravos, com o pátrio poder romano e o

direito de vida e morte sobre todos eles.

1 VILLELA, João Baptista. Repensando o direito de família. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.).

Anais do I Congresso Brasileiro de Família – Repensando o Direito de Família. Belo Horizonte:

IBDFAM: OAB-MG, 1999, p. 15-30.

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É possível visualizar, assim, que o Direito Romano foi constituído em uma

sociedade cuja base familiar era fortemente patriarcal, com total submissão da família

perante o poder do pai.

Nesse contexto de autoridade incontestável do pater família, nenhuma

importância era atribuída aos aspectos afetivos da convivência familiar. A este respeito

Fustel Coulanges constata:

O arcabouço da família não era tampouco o afeto natural, visto que o direito

grego e romano não tomavam na menor conta esse sentimento. Poderia este

existir no íntimo dos corações, mas para o direito não representava nada2.

Arnoldo Wald3 evidencia essa relação de poder e não de afeto, descrevendo

que o homem mais velho da família era quem a comandava e detinha o poder sobre os

integrantes da célula familiar (“pater familias”), comandando, assim, não apenas todo o

patrimônio e bens familiares, mas também ditando a religião, crença e costumes que

deveriam ser observados na unidade familiar.

Santiago Dantas4, por sua vez, explica a forma como se dava a constituição

inicial da família no período do antigo Direito Romano: segundo o escritor, o

matrimônio se constituía após um ano da união da mulher com o homem. Dado este

lapso temporal, a mulher era transferida de sua família de origem para seu marido,

restando submissa, assim, à autoridade do ‘pater’:

Ao cabo de um ano de usus, o matrimônio se consumava, produzia seu efeito

principal, que era transferir a mulher de sua família de origem para a família

do marido, ou aí deixá-la sob a autoridade do pater. Se o marido era Sui Júris,

a mulher ficava, pode-se dizer sob o poder marital, mas se o marido era alieni

iuris a mulher não caía sob o poder do marido, mas do pater do marido; e este

poder sobre a mulher e sobre as noras chamava-se manus, rompendo-se por

completo os laços de parentesco que prendiam a mulher à sua família de

origem.

O mesmo autor explica que com a Lei das XII Tábuas (Lex Duodecim

Tabularum; 449 a.C.) a configuração do instituto mudou: somente consumava o

matrimônio se a mulher permanece por um ano ininterrupto na casa do marido, podendo

2 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 45.

3 WALD, Arnoldo. Direito de Família.7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 22.

4 DANTAS, Santiago. Direito de Família e das Sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 30-31.

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dormir fora por apenas duas noites. Caso a mulher passasse três noites fora, configurava

o denominado “trinoctium” e o prazo para constituição do matrimônio recomeçava.

Na hipótese de ocorrência do “trinoctium”, configurava-se um matrimônio

especial denominado “matrimônio sine manu”. Neste, a mulher, apesar de assumir o

posto social de esposa, não figurava em posição submissa perante seu marido (pater),

pois continuava sobre o poder de seu pai. Por outro lado, contudo, a esposa no

‘casamento sine manu’ não tinha direito à sucessão marital, mas apenas na sucessão de

seu pai (pater originário).

Com o predomínio do cristianismo no Império Romano, a forma de

constituição inicial da família foi alterada: para a constituição do matrimônio não

bastava que a mulher passasse a morar com o homem por um ano ininterrupto; era

necessária a celebração de um sacramento que formalizaria o matrimônio e tornaria

indissolúvel o vínculo matrimonial.

Foi, assim, a partir do Direito Canônico, e de seu primeiro compilado de

normas por meio do Decreto de Graciano (denominado de Corpus Iuris Canonici),

redigido entre 1.140 e 1.142, que o matrimônio passou a ser visto como um sacramento

indissolúvel, que, para ser celebrado, exigia o consentimento das partes5. Neste sentido,

tem-se que:

Para os romanos, o casamento era um estado de fato, que produzia efeitos

jurídicos. Paralelo a ele, existia também a figura do concubinato, que

consistia em toda união livre entre homem e mulher na qual não ocorre a

affectio maritalis, efeito subjetivo do casamento, que representava o desejo

de viver com o parceiro sempre (...) Com a decadência do Império Romano e

o crescimento do Cristianismo, houve uma gradativa alteração do significado

de família. Se a família pagã romana era uma unidade com multiplicidade

funcional, a família cristã se consolidou na herança de um modelo patriarcal,

concebida como célula básica da Igreja (que se confundia com o Estado) e,

por consequência, na sociedade.6

Esta evidente influência do direito canônico na estruturação jurídica do grupo

familiar resvalou nas normativas brasileiras. No Brasil, o Direito Canônico teve forte

influência devido à colonização portuguesa, sendo as Ordenações Manuelinas

(normativa de Portugal com forte influência Canônica) o primeiro estatuto jurídico do

Brasil, ao lado de cartas régias, cartas de foral e de cartas de doação, que se constituíam

5 WALD, Arnoldo. Direito de Família.7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 26.

6 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: direito de

família. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 50.

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documentos jurídicos. Durante todo o período colonial e ainda durante o período

imperial, vigoravam no Brasil as Ordenações Filipinas (decretadas em 1603),

juntamente com decretos, alvarás e resoluções promulgadas por Portugal.

Após a Independência do país, a Constituição Brasileira de 1824 recepcionou

as Ordenações e demais normativas portuguesas, determinando a vigência destas até a

promulgação de um Código Civil, o que se deu apenas em 19167.

Antes da vigência do Codex de 1916, elaborado por Clóvis Beviláqua, há que

se destacar a Consolidação das Leis Civis, de 1858, e o esboço do Código Civil editado

entre 1860 e 1865 por Augusto Teixeira de Freitas.

Nesse esboço, ressalta-se o artigo 1.518, que, tratando sobre o pater famílias,

autorizava o pai a corrigir e castigar moderadamente seus filhos, podendo requerer ao

Juiz dos Órfãos autorização para detenção dos filhos por até quatro meses na casa

correcional, sem direito a recurso8. Este dispositivo deixa clara a prevalência da

autoridade do poder do pai sobre a família, como um senhor absoluto e chefe do lar.

2.2. Visão jurídica da família a partir da Constituição Brasileira de 1824 até

a Carta Magna de 1988

As Constituições brasileiras de 1824 e 1891, notabilizadas por um viés

marcadamente individualista e liberal, nada dispuseram sobre as relações familiares.

Silmara Amarilla9 aponta que a primeira Constituição (1824) apenas retratou

brevemente a família imperial, silenciando quanto aos institutos pertinentes ao tema

propriamente dito; e a segunda Carta Magna (1891) dedicou à família um único

dispositivo. Este resultava da separação ocorrida entre a Igreja e o Estado (por meio do

Decreto 119-A, de 07.01.1890, que, no regime republicano, aboliu o catolicismo como

religião oficial) e enunciava que a República apenas reconhecia o casamento civil, cuja

celebração deveria ser gratuita, como forma de constituição da família.

Vale observar que antes mesmo de ser promulgada a Constituição de 1891,

apenas o casamento civil era válido no Brasil, em razão do Decreto 181, de 24.01.1890,

7 SZANIAWSKI, Elimar, Direitos da Personalidade e sua Tutela, São Paulo: Revista dos Tribunais,

2005, p.130.

88 MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 676.

9 AMARILLIA, Silmara Domingues Araújo. O afeto como paradigma da parentalidade: os laços e os

nós na constituição dos vínculos parentais. Curitiba: Juruá, 2014, p. 44.

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de autoria de Rui Barbosa. Este mesmo Decreto acabou reproduzido no Código Civil de

1916, o qual apenas alterou o termo ‘Divórcio’ pela expressão ‘desquite’ a fim de

configurar a ruptura da sociedade conjugal com a manutenção do vínculo.

A subordinação da legitimidade da família ao casamento civil foi, portanto,

mantida no Codex de 1916. Sobre este aspecto, Euclides de Oliveira e Giselda Hironaka

narram que

o antigo Código Civil, que datava de 1916, regulava a família do início do

século passado, constituída unicamente pelo matrimônio. Em sua versão

original, trazia estreita e discriminatória visão da família, limitando-a ao

casamento. Impedia sua dissolução, fazia distinção entre seus membros e

trazia qualificações discriminatórias às pessoas unidas sem casamento e aos

filhos havidos dessas relações10

.

Nesse contexto, era adotado um forte sistema patriarcal e as divisões de tarefas

dentro do lar eram bem determinadas: ao homem cabia o sustento da família, e à mulher

velar pela direção da casa (com serviços domésticos, aquisição de vestuário e produtos

alimentícios) e educação dos filhos. Nenhuma atividade lucrativa poderia ser exercida

pela mulher sem o consentimento marital, podendo, ainda, esta anuência ser revogada a

qualquer tempo conforme ditames do marido, vez que a mulher era relativamente

incapaz por determinação do artigo 6º do Código Civil de 1916.

Este cenário patriarcal foi mantido durante a vigência das Cartas Magnas de

1934, de 1937 e de 1946. A Constituição de 1937 trouxe, contudo, relevante inovação

quanto à expressa demarcação de deveres parentais com relação à prole, pois configurou

como falta grave o abandono moral, intelectual ou físico de crianças e adolescentes por

aqueles que detêm a guarda; além de prever o dever do Estado de assegurar condições

físicas e morais de vida sã e de harmonioso desenvolvimento das faculdades dos

infantes e dos juvenis:

Art. 127 - A infância e a juventude devem ser objeto de cuidados e garantias

especiais por parte do Estado, que tomará todas as medidas destinadas a

assegurar-lhes condições físicas e morais de vida sã e de harmonioso

desenvolvimento das suas faculdades.

O abandono moral, intelectual ou físico da infância e da juventude importará

falta grave dos responsáveis por sua guarda e educação, e cria ao Estado o

dever de provê-las do conforto e dos cuidados indispensáveis à preservação

física e moral.

10

OLIVEIRA, Euclides de; HIRONAKA, Giselda. Do direito de família. In: Direito de família e o novo

Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey; 2002. p. 3.

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Aos pais miseráveis assiste o direito de invocar o auxílio e proteção do

Estado para a subsistência e educação da sua prole.

Ou seja, apesar da autoridade do homem com relação à sua prole, esse estava –

desde o ano de 1937 – expressamente subordinado, junto com a mulher, ao dever de

cuidado e zelo pela integridade física, psíquica e moral dos filhos.

Já com relação à emancipação da mulher dentro de seu próprio lar, isso só

ocorreu com o advento do Estatuto da Mulher Casada (Lei n. 4.121/1962) e com a Lei

do Divórcio (Lei n. 6.515/1977).

Em função do artigo 30 da Lei n. 4.121/1962 e do artigo 50, §5º da Lei n.

6.515/1977, a ideia de subordinação foi substituída pelo conceito de colaboração e a

mulher, após as núpcias, passou a assumir a condição de colaboradora e consorte do

esposo na chefia da sociedade conjugal, contribuindo, assim, tanto com a condição

moral quanto com a material da família, sem mais depender de outorga marital.

Junto com a perda de autoridade do marido, adveio também a possibilidade de

reconhecimento da filiação extrapatrimonial por um dos cônjuges, ainda na vigência do

casamento, por meio do testamento cerrado11

, além da possibilidade jurídica de

dissolução da sociedade conjugal12

.

A previsão legal de permitir a dissolução do casamento teve como

consequência a necessidade de disposição jurídica quanto à guarda da prole advinda da

sociedade conjugal desfeita. Assim, os artigos 325 a 329 do Código Civil de 1916 foram

alterados pelo Estatuto da Mulher Casada e pela Lei do Divórcio, a fim de determinar

diretrizes sobre a guarda dos filhos após a separação judicial ou divórcio. Sob um

prisma diferente do atual,

a questão da guarda dos filhos vinha relacionada ao comportamento dos

cônjuges no casamento, de sorte que, como regra, ao inocente se resguardava

esse direito, embora fosse permitido, diante das circunstancias, decidir-se de

forma diversa pelo interessa da prole13

.

11

Lei 6.515 de 26.12.1977, artigo 51, parágrafo único: “Ainda na vigência do casamento qualquer dos

cônjuges poderá reconhecer o filho havido fora do matrimônio, em testamento cerrado, aprovado antes ou

depois do nascimento do filho, e, nessa parte, irrevogável".

12 Lei 6.515 de 26.12.1977, artigo 2º, parágrafo único: “O casamento válido somente se dissolve pela

morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio”.

13 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Direito de Família, v. 6, 28

a ed. rev. e atual. por Francisco José

Cahali. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 245.

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Somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, homem e

mulher foram equiparados em direitos e obrigações, cabendo à esposa o exercício da

chefia da sociedade conjugal em igualdade de condições com o marido. Além disto, o

melhor interesse do menor passou a ser regra, e não exceção, para a resolução de

questões concernentes à guarda dos filhos havidos dentro ou fora do casamento (pois

estes passaram a ter os mesmos direitos):

a igualdade constitucional entre o marido e a mulher e a necessidade de

preservação, em primeiro lugar, do melhor interesse do menor fizeram com

que doutrina e jurisprudência deixassem de lado a literalidade do texto

normativo para desvincular a questão dos filhos da verificação de culpa de

um dos genitores pela separação14

.

A nova postura sociocultural passou a valorizar os aspectos afetivos da

convivência em família, valorizando cada um dos integrantes da célula familiar, com

enfoque na afetividade e solidariedade entre as pessoas envolvidas.

Como consequência, verificou-se ainda, o alargamento do conceito de família,

a qual passou a ser vista como um “núcleo existencial integrado por pessoas unidas por

vínculo socioafetivo, teleologicamente vocacionada a permitir a realização de seus

integrantes, segundo o princípio constitucional da dignidade humana”15

.

Segundo Gustavo Tepedino, o panorama inaugurado com a Carta Magna de

1988 fez com que o conceito de unidade familiar – que era visto como uma aglutinação

formal de pais e filhos legítimos baseada no casamento – se ampliasse e se tornasse

flexível, pois tal conceito está, na atualidade, inteiramente voltado para a realização

espiritual e o desenvolvimento da personalidade de seus membros16

.

Diante dos novos valores trazidos com a Constituição Federal de 1988 (como

igualdade entre homem e mulher; igualdade entre filhos; proteção à família

monoparental assim como à família constituída pelo casamento, bem como pela união

estável), o Código Civil que datava de 1916 perdeu, como destaca Luiz Edson Fachin17

,

o papel de lei fundamental do direito de família. Esta função passou a ser exercida

14

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Direito de Família, v. 6, 28a ed. rev. e atual. por Francisco José

Cahali. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 245.

15 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: direito de

família. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 43.

16 TEPEDINO. Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 350.

17 FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade, relação biológica e afetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p.

83.

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diretamente pela Constituição Federal, ocorrendo, assim, a Constitucionalização do

Direito de Família no bojo da chamada Constitucionalização do Direito Civil.

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3. A TRANSFORMAÇÃO DO DIREITO CIVIL BRASILEIRO: DE UM VIÉS

PATRIMONIALISTA PARA UMA VISÃO HUMANISTA INSERIDA COM A

CARTA MAGNA DE 1988

3.1. O Direito e a era pós-moderna

A expressão pós-modernismo foi inicialmente empregada por Frederico Onís

com a intenção de “descrever um refluxo conservador dentro do próprio modernismo”18

.

Contudo, tal vocábulo sofreu uma mudança de sentido e passou a ser utilizado na

década de 1950 para representar uma contraposição à Era Modernista.

A Era Modernista se inicia no final do século XVII e finda no século XIX.

Trata-se de época marcada pela predominância da classe burguesa na sociedade e pelo

crescente valor atribuído à razão em detrimento à dogmática marcante da Era Antiga e

da Era Medieval19

.

Diversamente da Era Moderna, a sociedade pós-modernista, com início no

século XX, é caracterizada pela ascensão da classe industrial operária, difusão da

democracia e valorização de culturas não ocidentais20

. As consequências destes

acontecimentos se configuram com o intenso desenvolvimento tecnológico; com a

ciência e o conhecimento como a principal força econômica de produção a garantir

eficiência; com a massificação das estruturas de produção e consumo; com a

flexibilização das relações sociais; com o alcance de um novo estágio do capitalismo

caracterizado por uma nova lógica de mercado21

; e com a mudança do conceito de

espaço e tempo.

Esse novo contexto econômico-social contribui para se repensar a ciência

jurídica. As aplicações jurídicas do período liberal e o método da “mera e exclusiva”

subsunção da norma abstrata ao caso concreto se tornaram ineficientes para suprir as

necessidades sociais.

18

ANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar, 1999, p. 9-10.

19 LUKACS, John. O fim de uma era. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, p. 13.

Título Original: At the end of na age.

20 Ibidem., p. 19.

21 ANDERSON, op. cit., p. 13-18.

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23

Diante da hipercomplexidade do mundo pós-moderno marcado pela

coexistência de vários grupos sociais “sem valores compartilhados (share values), e

cada um, querendo uma norma ou lei especial para si – com um sem-número de leis,

decretos, resoluções, códigos deontológicos, etc.”22

, tem-se a ruptura da tendência à

unidade do Direito. Esta passa a ser substituída pela multiplicidade das fontes do

Direito.

Destaca-se, nesta toada, o aumento da positivação de princípios na ordem

jurídica, a admissão de cláusulas gerais e termos jurídicos indeterminados, e a “negação

da obrigatoriedade do pensamento sistemático”23

.

Neste contexto, os princípios, marcados por grande dimensão axiológica,

adquirem função prática e passam a ser fundamento decisório direto para o aplicador do

Direito. Mais do que ‘valores’, a Ciência do Direito passa a reconhecer nos princípios

“espécies precisas de comportamentos”24

.

A existência de normas jurídicas compostas de elementos com maior vagueza

semântica passa a ser considerada pela Ciência do Direito desde meados do século XX

e, consequentemente, do intérprete vem a ser exigido mais do que a efetivação da

subsunção da norma: requer-se uma verdadeira construção de fatos jurídicos.

Nesta toada, os princípios jurídicos, valorizando a vida e a dignidade da pessoa

humana, assumem maior proporção dentro do ordenamento, conferindo sentido e

conteúdo ao sistema jurídico. Ocorre, assim, um deslocamento de valor: o patrimônio,

que era o centro, é substituído pela valoração da pessoa humana25

.

Essa alteração valorativa é claramente notada com a promulgação da

Constituição Federal de 1988, a qual traz expressamente em seu bojo a dignidade

humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (artigo 1º, III), a

solidariedade como um dos objetivos fundamentais da República (artigo 2º, I),

igualdade entre homens e mulheres (artigo 5º, I), igualdade entre os filhos (artigo 227,

§6º), o direito à reparação não só por dano material, mas também por dano moral e à

22

AZEVEDO, Antonio Junqueira de. O direito pós-moderno e a codificação, Revista de Direito do

Consumidor, n. 33, p. 125-127, jan/mar 2000.

23 BRITO, Alexis Augusto Couto de. Princípios e topoi: a abordagem do sistema e da tópica na ciência do

direito. In: LOTUFO, Renan (Coord.). Sistema e tópica na interpretação do ordenamento. Barueri:

Manole, 2006, p. 192-193.

24 ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11ª ed.

ver. São Paulo: Malheiros. 2010, p. 25.

25 AMARAL, Francisco. O dano à pessoa no direito civil brasileiro, Revista Brasileira de Direito

Comparado. Rio de Janeiro, n. 1, p. 13-46, jul. 1982, p. 14-15.

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24

imagem (artigo 5º, V), e o princípio neminem laedere26

(artigo 5º, XXXV), dentre

outros dispositivos que sobrepõem o humanismo ante ao patrimonialismo.

3.2. O Código Civil e a Pós-Modernidade: Constitucionalização do Direito

Civil

O Código Civil de 1916 continha em seu bojo, como marcantes características,

o patrimonialismo, a submissão da mulher em relação ao homem, o individualismo e o

valor liberal. Tais elementos eram oriundos dos reflexos históricos e políticos que

contribuíram para a codificação da aludida proposição jurídica. Além da sociedade

agrária e conservadora, o Código de Napoleão (França 1804) e o Código Alemão BGB

(1896) também tiveram forte influência no conteúdo do aludido códex.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que sobrepunha o valor

humanista sobre o viés patrimonialista (o qual ainda era exposto no Código Civil de

1916), houve um redimensionamento dos princípios orientadores do Direito Privado,

incluindo o Direito de Família. Estes foram realocados na Carta Magna, configurando

um cenário civil-constitucional.

Conforme Guilherme Calmon Nogueira da Gama27

, o direito civil

constitucionalizou-se, afastando-se da concepção individualista, tradicional e

conservadora-elitista da época das codificações do século passado.

Diante desta constitucionalização do Direito Civil, o aplicador do Direito pode

ampliar o alcance da interpretação para se embasar nos princípios, valores e cláusulas

gerais dispostas na Lei Maior.

26

Conforme ensina Rogério Donnini: “O dispositivo constitucional que completa o princípio neminem

laedere é o artigo 5º, XXXV, que estabelece: “a lei não excluirá de apreciação do Poder Judiciário lesão

ou ameaça a direito”. Ao estabelecer o direito de ação, destina-se esse dispositivo, também, à reparação e

prevenção de danos, com a determinação de que caberá ao Poder Judiciário apreciar a lesão e a ameaça a

direito”. O autor continua e expõe: “A dignidade da pessoa humana (CF, artigo 1º, III), como um

princípio que não autoriza a ofensa física ou moral e protege a vida digna, ou seja, ultrapassa a proteção

prevista no artigo 5º, caput, da Constituição Federal (inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à

igualdade, à segurança e à propriedade), com o escopo de dar-lhe dignidade, respaldada no artigo

subsequente (artigo 6º, caput), para propiciar uma vida com educação, saúde, trabalho, moradia, lazer,

segurança, previdência social, proteção à maternidade, à infância e aos desamparados. E isso significa a

antiga e, ao mesmo tempo, atual exigência do princípio neminem laedere”. (DONNINI, Rogério.

Responsabilidade civil pós-contratual no direito civil, no direito do consumidor, no direito do trabalho,

no direito ambiental e no direito administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 46-47).

27 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Das relações de parentesco. In: PEREIRA, Tânia da Silva;

PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.). Direito de família e o novo Código Civil. 3ª ed. Belo Horizonte:

Del Rey, 2003, p. 101-132, p. 106.

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25

Segundo Paulo Bonavides28

, os princípios constitucionais foram convertidos

em alicerce normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico do sistema

constitucional. As consequências resvalaram diretamente na maneira de se interpretar a

lei, pois a identificação dos direitos humanos ensejou a direta ampliação dos direitos

merecedores de tutela.

Houve, assim, a necessidade de se atualizar o Código Civil para que este se

adequasse aos preceitos da nova Carta Magna de 1988. Dois anos após a promulgação

desta, Humberto Theodoro Júnior, referindo-se a Carlos Alberto Bittar, expôs o que se

segue:

Há na Constituição Federal de 1988 muitas inovações que, de forma direta,

atingiram disposições do Direito Privado, especialmente no Direito Civil.

Mas, além disso, há um outro fator inovativo importantíssimo a ser

considerado: o novo texto Constitucional, no dizer de Carlos Alberto Bittar,

[...] “sacramenta, para a regência das relações privadas, noções éticas, sociais,

políticas e econômicas que as sociedades modernas têm firmado nos países

de inspiração romano-cristã mais desenvolvidos, como, dentre outros, a

França, a Itália, a Alemanha, a Espanha e Portugal”. Tudo isso gera a

necessidade de reformas legislativas profundas, como a que se ensaia, no

momento, em matéria de defesa do consumidor, e, mesmo sem textos

normativos novos, impõe uma conduta doutrinária e jurisprudencial de

reexame e reinterpretação do Direito Positivo em vigor.29

Sob este espírito eivado de noções éticas e sociais é que foi editado o Código

Civil de 2002, o qual, no âmbito do direito de família serviu para, conforme ensina

Francisco José Cahali30

, reproduzir legislações precedentes (que, por serem disformes,

haviam revogado dispositivos do Código Beviláqua) e confirmar as novas regras

vigentes após a Constituição de 1988, embora escritas em outros termos.

O viés humanista na codificação de 2002, com valores sociais e liberais, é

notado por meio da inclusão de capítulo sobre “os direitos da personalidade” prevendo

perdas e danos em casos de ameaças ou lesões a esses direitos, bem como por meio de

institutos como o da função social do contrato, função social da propriedade, fim da

distinção entre filhos legítimos e ilegítimos, possibilidade de resolução de contrato

quando este se tornar extremamente oneroso a uma das partes por motivos

extraordinários ou imprevisíveis, relativização de contratos de adesão, possibilidade de

anulação de contratos celebrados “em decorrência de lesão ou estado de perigo” etc.

28

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 237.

29 THEODORO JÚNIOR. Humberto. Alguns Impactos da Nova Ordem Constitucional sobre o Direito

Civil, Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 79, n. 662, dez. 1990, p. 7.

30 CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência de união estável. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 279.

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26

Verificou-se, assim, maior valorização da visão humanista em detrimento da

visão patrimonialista intervindo nas relações sociais analisadas no âmbito jurídico. E

neste novo viés que família passou a ser vista em sua dimensão instrumental e os danos

extrapatrimoniais passaram a ser, expressamente, considerados pelo Direito.

3.3. Constitucionalização do Direito de Família

Com as modificações sociais que influenciaram na promulgação da

Constituição Federal de 1988, verificou-se uma mudança de paradigma na

regulamentação do Direito de Família não acompanhada pelo Código Civil de 1916.

Este cenário culminou com uma verdadeira constitucionalização do direito de família.

Nas palavras de Maria Berenice Dias, “em face da nova tábua de valores da

Constituição Federal, ocorreu a universalização e a humanização do direito das famílias,

que provocou um câmbio de paradigmas”31

.

Conforme assevera Paulo Lôbo: “a Constituição de 1988 expande a proteção

do Estado à família, promovendo a mais profunda transformação de que se tem notícia

entre as constituições mais recentes de outros países”32

.

No mesmo sentido, Gustavo Tepedino anota que nunca antes uma Constituição

brasileira havia disciplinado com tamanha ênfase as relações familiares, cabendo

destacar o arrojo no reconhecimento das entidades familiares concebidas e conformadas

sem respaldo no matrimônio ou na conjugalidade, bem como a consagração da

igualdade da filiação, independente de sua origem33

.

Além da igualdade de direitos dos filhos tidos fora do casamento, antes

marginalizados em relação aos havidos na constância do casamento, e do

reconhecimento também como família da célula formada a partir da união estável entre

duas pessoas (afastada a formalização do casamento como pressuposto para a

configuração da família), verificou-se também o reconhecimento da família

monoparental, bem como a substituição do caráter patriarcal (com o comando sob as

31

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2015, p. 36.

32 LÔBO, Paulo. Direito Civil. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 6.

33 TEPEDINO, Gustavo; MORAES, Maria Celina Bodin de; BARBOZA, Heloisa Helena. Código Civil

interpretado conforme a Constitucionalização da República. v. I. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 13.

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27

mãos do Homem – pater familis) pela igualdade entre homem e mulher – o que permitiu

que essa passasse a contribuir diretamente nas ordenações da família.

Essas modificações demostram a intervenção do Estado nas relações de direito

privado, o que permite o revigoramento das instituições de direito civil e, diante do

novo texto constitucional, força o intérprete a redesenhar o tecido do direito civil à luz

da nova Constituição.34

Resta claro, assim, a migração de um Estado Liberal para um

Estado Social, o qual intervém em setores da vida privada como forma de proteger o

cidadão.

Neste aspecto, Paulo Lôbo destaca que as Constituições brasileiras, no terreno

das relações familiares, refletiram fielmente a fase histórica vivenciada por cada época,

trazendo elementos de identificação do processo de transição do Estado Liberal para o

Estado social35

.

As inovações normativas deixam claro o pendor humanista arraigado na

Constituição de 1988, o qual tem por consequência o direcionamento à família dos

influxos do princípio da dignidade humana.

Nesta seara de valorização do indivíduo, da dignidade humana, a família passa

ser vista como

formação social, lugar-comunidade tendente à formação e ao

desenvolvimento da personalidade de seus participantes; de maneira que

exprime uma função instrumental para a melhor realização dos interesses

afetivos e existenciais de seus componentes36

.

Com esse espírito de tutela do bem-estar dos entes da entidade familiar, foi

editado o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) em consonância

com o princípio da proteção integral a crianças e adolescentes previsto no artigo 227 da

Constituição Federal de 1988, o qual comtempla seu caput com a seguinte redação:

Artigo 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,

ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,

à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,

além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,

exploração, violência, crueldade e opressão.

34

TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 21.

35 LÔBO, Paulo. Direito Civil. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 6.

36 TEPEDINO, op. cit., p. 421.

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28

Entrou em vigor também Código Civil de 2002, o qual procurou atualizar os

aspectos essenciais do direito de família, excluindo expressões e conceitos que

causavam grande mal-estar e não mais podiam conviver com a nova estrutura jurídica e

a moderna conformação da sociedade37

com valores humanistas retratados na

Constituição de 88.

Além destas normativas, passou a vigorar o Estatuto do Idoso (Lei n.

10.741/2003), que dispõe sobre a proteção exigida pelo artigo 230 da Constituição

Federal de 1988, o qual contempla em seu caput o seguinte comando:

Artigo 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as

pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua

dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

Nesta seara de valorização individual de cada membro da família como forma

de garantir a dignidade humana, destaca-se a proteção que a Constituição determina aos

menores, jovens e idosos, por meio dos dispositivos insertos no Capítulo VII do Título

VIII denominado "Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso".

É evidente a preocupação Constitucional com o cuidado relacionado aos

interesses da família, da juventude e também do idoso, sendo previsto expressamente na

Constituição o dever de assistência dos pais em relação aos filhos e o dos filhos em

relação aos pais na velhice, enfermidade ou carência, por meio do artigo 229:

Artigo 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores,

e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,

carência ou enfermidade.

Em consonância com este mandamento constitucional, verifica-se na

Codificação Civil de 2002, bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente,

diversos deveres atribuídos aos pais em função do chamado poder familiar, como se

retrata adiante. No mesmo sentido, são determinados diversos deveres aos familiares

dos idosos por meio do Estatuto do Idoso.

Neste ambiente e com a edição das novas normativas, passou a haver uma

desaprovação ao abandono imaterial ou afetivo. Isto porque aspectos humanistas vieram

a se sobrepor a questões patrimonialistas.

37

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2015, p. 33.

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29

Assim, ignorar a existência da prole menor de idade ou dos pais idosos, apenas

com presença financeira ou material, custeando a manutenção pecuniária, sem nenhuma

presença além do que ‘custeio’, passou a não mais se coadunar com os preceitos

jurídicos advindos com as modificações trazidas com o espírito humanista.

Conforme se verificará com os atuais princípios e regras do ordenamento

jurídico apontados neste trabalho, há uma desaprovação jurídica ao abandono imaterial

(ou afetivo), ou seja, a prática deste abandono não é ação que converge com os deveres

impostos aos pais e aos filhos pelas normas atuais, justamente em razão da nova era do

direito inaugurada com a Carta de 1988, também chamada de Constituição Humanista38

.

Desta forma, ainda que haja custeio de questões materiais, há ilicitude na total

ausência tanto dos pais na vida dos filhos menores, quanto dos filhos adultos na vida

dos pais idosos. Esta ilicitude gera danos, os quais dão ensejo à obrigação de indenizar,

como se demonstra nos demais capítulos do presente trabalho.

38

Passou a se verificar um Estado constitucional e humanista de direito a partir da promulgação da

Constituição Federal de 1988 ou, nas palavras de Luiz Flávio Gomes, a partir da última evolução do

sistema jurídico. GOMES, Luiz Flávio. Primeiras linhas do Estado Constitucional e humanista de

Direito. Artigo disponível em <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI103486,31047-

Primeiras+linhas+do+Estado+constitucional+e+humanista+de+direito> acesso em 10. out. 2017.

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30

4. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO IMATERIAL (OU

AFETIVO)

4.1. Breve consideração sobre o termo “Abandono Imaterial (ou Afetivo)”

Antes de expor os princípios aplicáveis ao tema do presente trabalho, faz-se

mister esclarecer a expressão ‘abandono imaterial’ ou ‘abandono afetivo’. Tal

elucidação é necessária para que se possa compreender a razão da aplicação dos

apresentados preceitos constitucionais ao caso concreto.

A expressão ‘abandono afetivo’ é comumente usada pela doutrina e

jurisprudência para se referir à omissão do pai ou da mãe que não detém a guarda dos

filhos menores e, a despeito de adimplirem com o custeio financeiro da prole, são

totalmente ausentes em relação aos menores. Por outro lado, quando esta espécie de

omissão é praticada pela prole em relação aos genitores idosos é utilizada, em geral, a

expressão ‘abandono afetivo inverso’.

Apesar da utilização do termo ‘afetivo’, não se trata da ausência de afeto ou

amor como o termo pode sugerir; trata-se do inadimplemento de deveres de cuidado

impostos por princípios e regras do ordenamento jurídico pátrio que serão apontados ao

longo deste trabalho.

Por esta razão é que nesta dissertação se aponta a expressão ‘abandono

imaterial’ para se referir ao que, em geral, é chamado de ‘abandono afetivo’ a despeito

de em nada se relacionar com afeto.

Ao contrário do ‘abandono afetivo’, o abandono material é definido pelo

ordenamento jurídico pátrio, no art. 244 do Código Penal, como sendo o ato de “deixar,

sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito)

anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta)

anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de

pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada”39

.

Estaria, assim, o abandono material atrelado ao ato de prover a subsistência, ou

seja, refere-se ao custeio de recursos materiais, como a pensão alimentícia. Quando há

este custeio pecuniário, mas falta convivência e presença dos pais na vida dos filhos 39

Bem como “deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo”.

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31

menores ou da prole adulta na velhice dos pais idosos é que se verifica o abandono que

se quer tratar no presente trabalho, dai porque o uso da expressão ‘abandono imaterial’.

Importante, destacar, entretanto, que em razão da praticamente unânime

utilização do termo ‘abandono afetivo’ pelos juristas pátrios é que aponta essa expressão

ao longo da dissertação, ainda que não se queira tratar de afeto.

Demostrar-se-á a seguir que, apesar de ordenamento jurídico brasileiro não

exigir afeto, nem impor o dever de amar; a falta de convivência e presença dos pais na

vida dos filhos menores, ou dos filhos adultos em relação aos pais idosos, é omissão que

não se coaduna com os deveres impostos pela Codificação Civil, Estatuto da Criança e

do Adolescente e Estatuto do Idoso, e nem é compatível com os princípios da

Constituição Federal promulgada em 1988.

4.2. Aplicação dos princípios constitucionais

Com a promulgação da Constituição Federal datada de 1988, foi inserida no

ordenamento jurídico uma carta de princípios com força normativa direta sobre todos os

ramos do sistema jurídico, alterando-se assim a lógica anterior, em que os princípios

constitucionais eram direcionados ao legislador infraconstitucional.

Conforme leciona Paulo Bonavides, os princípios constitucionais foram

convertidos em alicerce normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico do

sistema constitucional40

, de forma a não serem mais dirigidos exclusivamente ao

legislador infraconstitucional, mas inclusive aos magistrados na promulgação das

normas individuais concretas.

Nesse contexto, Maria Berenice Dias explica que os princípios constitucionais

deixaram de servir apenas de orientação ao sistema jurídico infraconstitucional,

desprovidos de força normativa, para serem considerados leis das leis, não dispondo

apenas de força supletiva. Adquiriram eficácia imediata e aderiram ao sistema positivo,

compondo nova base axiológica e abandonando o estado de virtualidade a que sempre

foram relegados41

.

40

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 237.

41 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2015, p. 39.

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32

Desta forma, a operação hermenêutica inverteu-se em relação ao que era, pois

antes a Constituição era tida apenas como uma moldura, cujo conteúdo era preenchido

pelas leis e pelos códigos42

.

O destinatário dos preceitos constitucionais era o legislador ordinário, e o

civilista refém, conforme dispõe Gustavo Tepedino43

, da legislação infraconstitucional,

sem se sentir vinculado aos preceitos constitucionais, não podendo reinterpretar e

revisitar os institutos de direito privado, mesmo quando expressamente mencionados,

tutelados e redimensionados pela Constituição. Contudo, com a constitucionalização do

direito civil e a consagração da dignidade humana como fundamento do Estado

Democrático de Direito (artigo 1º, III, CF), o positivismo tornou-se ineficiente44

e as

regras jurídicas passaram a se mostrar limitadas e acanhadas para atender ao comando

constitucional45

.

Eis que surge o princípio da interpretação conforme a Constituição, uma das

grandes inovações da Carta de 88, que teve o condão de propagar ao intérprete da norma

que a aplicasse sempre em consonância com a Constituição, tornando o interprete

infraconstitucional um aplicador direto da Constituição, a qual deixou de se destinar

apenas aos legisladores. Os princípios constitucionais passaram, assim, a informar todo

o sistema legal de modo a viabilizar o alcance da dignidade humana em todas as

relações jurídicas46

.

A respeito da irradiação constitucional sobre o direito civil, Luiz Edson Fachin

afirma: “sustentamos o direito para além do novo Código Civil. Os princípios

constitucionais desbordam das regras codificadas e neles a hermenêutica familiar do

século XXI poderá encontrar abrigo e luz”47

.

Vale destacar por fim, que entrada em vigor da Constituição Federal de 1988

fez com que a codificação civil de 1916 se tornasse obsoleta e inadequada em muitos

aspectos. A necessidade de edição de um novo código restava mais do que evidente.

42

LÔBO, Paulo. Do poder familiar. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.)

Direito de família e o novo Código Civil. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 181.

43 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 18.

44 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais e norteadores e norteadores para a

organização jurídica da família. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 20.

45 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ªed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2015, p. 39.

46 Ibidem., p. 39.

47 FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro. Rio

de Janeiro: Renovar, 2003, p, 39.

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33

Neste contexto é que entrou em vigor o código de 2002, que trouxe em seu

bojo o reflexo das modificações constitucionais. Desta forma, verificou-se a permuta do

termo ‘homem’ pelo emprego da palavra ‘pessoa’, a fim de refletir o objetivo de

igualdade entre homens e mulheres; substituição da expressão “pátrio poder” para

“poder familiar”, a fim de denotar a igualdade de poderes do pai e da mãe na unidade

familiar; possibilidade de o marido adotar o sobrenome da mulher; fim da distinção

entre filhos ‘legítimos’ e ‘ilegítimos’; fim do direito do homem mover ação para anular

o casamento se descobrir que a mulher não era virgem; revogação do dispositivo que

permitia aos pais utilizarem a ‘desonestidade da filha que vive na casa paterna’ como

motivo para deserdá-la etc.

4.3. Princípios constitucionais aplicáveis ao Direito de Família

Diversos são os princípios constitucionais que incidem diretamente sobre o

direito de família. Guilherme Calmon Nogueira da Gama48

, em livro específico sobre

esse tema, elenca os seguintes princípios de status constitucionais aplicáveis no viés

familiar: princípio da dignidade humana; princípio da tutela especial à família; princípio

do pluralismo democrático; princípio da igualdade material de todos os integrantes da

família; princípio da liberdade, da justiça e da solidariedade; princípio da beneficência;

princípio da paternidade (parentalidade) responsável; princípio da liberdade restrita e da

beneficência à prole em matéria de planejamento familiar; princípio do melhor interesse

da criança e adolescente; princípio da afetividade; princípio do pluralismo das entidades

familiares; princípio da convivência familiar; princípio da isonomia entre os sexos nas

relações conjugais e de companheirismo; e princípio da isonomia entre os filhos.

Diante desta gama de princípios, buscar-se-á tratar apenas sobre aqueles que

convergem ao tema do presente trabalho, ou seja, a respeito daqueles que de alguma

forma se relacionam com o dever de indenizar o abandono afetivo tanto dos pais em

relação aos seus filhos criança ou adolescente, quanto da prole em relação aos pais

idosos.

Nesta seara e tendo em vista a irradiação direta dos princípios em todo o

ordenamento jurídico e não apenas direcionados ao legislador infraconstitucional para a

48

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios Constitucionais de direito de família. São Paulo:

Atlas, 2008, p. 69-100.

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formatação dos enunciados prescritivos, verifica-se a necessidade de os magistrados

percorrerem os preceitos trazidos no bojo dos princípios para a construção da norma

individual concreta relativa à responsabilização civil daquele que pratica o abandono

afetivo com a prole ou genitores idosos.

Em outras palavras, ainda que não exista lei (por ora, apenas projetos de lei49

)

que expressamente preveja o dever de indenizar o abandono afetivo, a análise dos

dispositivos jurídicos bem como dos princípios que regem o ordenamento leva à

conclusão de que descuido afetivo é conduta ilícita. E a conduta ilícita que gera dano faz

incidir o dever de indenizar, de acordo com os preceitos da responsabilidade civil.

Conforme se verificará ao logo do trabalho, o descaso afetivo com a prole ou

com os genitores idosos gera danos psicológicos (atestado em interdisciplinaridade com

os estudos da psicologia) que não se coadunam com os princípios expostos a seguir.

Desta forma, faz-se necessária a construção de norma individual e concreta

pelos magistrados, com embasamento nas normas gerais e abstratas do ordenamento

jurídico brasileiro, responsabilizando aquele que comete abandono afetivo para com o

filho em fase de desenvolvimento ou para com o pai idoso.

Os elementos jurídicos que justificam a construção da aludida norma individual

concreta serão expostos ao logo do trabalho, iniciando com os princípios que são,

segundo Paulo de Barros Carvalho, “normas jurídicas carregadas de forte conotação

axiológica”50

, pois estão insertos no direito positivo, o qual é formado por um conjunto

de normas jurídicas51

.

Antes de tratar individualmente a respeito desses princípios, vale destacar que

além dos princípios constitucionais, o ordenamento jurídico abarca em seu bojo os

princípios gerais do direito. Esses não devem se confundir com aqueles, pois

49

O Projeto de Lei 4.294/2008, de autoria do deputado Carlos Bezerra, prevê o dever de os pais

indenizarem os filhos por abandono afetivo e também a responsabilização civil da prole que abandona

afetivamente os genitores idosos.

50 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 6ª ed., São Paulo: Noeses,

2015, p. 252.

51 O autor ressalta, entretanto, que a expressão ‘norma jurídica’, quando referida a princípios, deve ser

entendida em seu sentido amplo, pois há ‘princípio’ como norma jurídica (forma), que expressa um valor

ou um limite objetivo e há princípio como valor e como limite objetivo presente nas regras (conteúdo).

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35

confundi-los seria relegar os princípios constitucionais para uma posição

subalterna à lei juntamente com as demais fontes do direito – que são

invocadas na omissão do legislador52

.

Enquanto os princípios constitucionais pairam sobre toda a organização

jurídica e advêm diretamente da norma constitucional, que está no vértice do sistema, os

princípios gerais do direito são invocados quando são observadas lacunas na lei e se

configuram, conforme Gustavo Tepedino, como preceitos extraídos implicitamente da

legislação pelo método indutivo.

4.3.1. Princípio da cidadania

A expressão cidadania advém da palavra cidadão, que possui origem latina

“civitas”. Na Roma antiga, o conjunto de cidadãos que constituía uma cidade era

chamado de “civitate”. Neste período a noção de cidadania estava ligada à ideia de

privilégio, pois os direitos de cidadania eram explicitamente restritos a determinadas

classes e grupos53

.

Tal restrição foi se alterando com o passar do tempo e com o advento das

chamadas revoluções burguesas (francesa e americana). Por meio dessas, entraram em

voga os direitos individuais – ligados ao conceito de pessoa humana e personalidade – e

os direitos políticos – que dizem respeito ao conjunto de regras que disciplinam as

formas de atuação da soberania popular, com direitos subjetivos que investem o

indivíduo no status activae civitatis e lhe confere os atributos da cidadania54

.

Nesta seara, por muito tempo a cidadania foi entendida como a faculdade de

participar ativamente da vida e do governo de seu povo55

, ou seja, era atrelada ao

exercício dos direitos políticos.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, contudo, verificou-se uma

ampliação no conceito da palavra cidadania. Esta passou a não se referir apenas a

52

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2015, p. 42.

53 Instituto Jurídico Roberto Parentoni – IDECRIM. Cidadania.

<http://www.idecrim.com.br/index.php/direito/10-cidadania> acesso em 20. set. 2017.

54 CAFFARO, Leonardo de Mello. Os Direitos Humanos Fundamentais e a Cidadania. O Juiz Cidadão e o

Cidadão como Juiz. Considerações sobre o disposto nos §§ 1º, 2º, 3º do art. 5º da CRFB/88, Revista

Virtual da AGU No 71.

<file:///C:/Users/Ana%20Carolina%20Candia/Downloads/revista_virtual_da_agu_-_071.pdf> acesso em

20. set. 2017.

55 DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e Cidadania. 1ª ed. São Paulo: Moderna, 1998, p. 14.

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direitos políticos, mas a constar como um dos fundamentos do Estado Democrático de

Direito, ou seja, passou a justificar o direito dos cidadãos (artigo 1º, inciso II da CF).

A diferenciação dos conceitos de cidadania e de direitos políticos é notada

quando a Carta Magna, por meio do artigo 68, §1º, inciso II, expressamente elenca:

“nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais”. Ora, se

cidadania fosse sinônimo de direito político, não haveria sentido em se elencar as

expressões “cidadania” e “direito político” ao mesmo tempo.

Tal diferenciação também é notada no atual Dicionário Aurélio, o qual define a

palavra cidadania como sendo a “qualidade de cidadão”56

. Este termo, por sua vez, é

conceituado como “1 - indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um estado

livre, 2- habitante de cidade”57

.

A atual conotação da expressão cidadania é atrelada ao direito do cidadão de

ter direitos (tanto políticos quanto civis). É exatamente por ser cidadão que se tem

direitos, ou seja, que se tem cidadania.

Oswaldo Peregrina Rodrigues, ao ensinar que cidadania é o primeiro direito

humano, pois é o direito a ter direito, assim escreve:

É fundamento republicano brasileiro garantir a todo e qualquer cidadão

brasileiro, e também a todo e qualquer cidadão estrangeiro residente no

Brasil, o direito a ter e exercer os seus direitos, o que há de valer como

critério norteador e interpretativo de todos os textos legais, em âmbito infra

ou constitucional, pois a cidadania há de ser o direito primeiro, elementar,

básico de toda pessoa humana, pela só condição de ser humano58

.

O autor continua e afirma que “sendo o idoso uma pessoa humana como

qualquer outra, é-lhes assegurada a cidadania”59

. Da mesma forma, às crianças, aos

adolescentes, aos jovens e aos adultos são assegurados os direitos previstos no

ordenamento jurídico, justamente pelo fato de esses serem pessoas humanas, ou seja,

serem cidadãos.

É, portanto, em razão do princípio da cidadania que os cidadãos têm direito a

ter direitos.

56

<https://dicionariodoaurelio.com/cidadania> acesso em 20. set. 2017.

57 Ibidem.

58 RODRIGUES, Oswaldo Peregrina. Direitos da Pessoa Idosa. 1ª ed. São Paulo: Verbatim, 2016, p. 26.

59 Ibidem., p. 26.

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37

3.3.2. Princípio da dignidade da pessoa humana

A dignidade humana é declarada pela Constituição Federal, por meio do inciso

III de seu artigo 1º, como sendo um dos princípios fundamentais da República. Desta

forma, assim como o princípio da cidadania, o princípio da dignidade humana pode ser

considerado como um dos mais importantes a nortear a aplicação do Direito.

Muitos doutrinadores elencam este princípio como sendo um macroprincípio

ou superprincípio a irradiar por toda a ordem jurídica. Nesta seara, destaca-se a seguinte

disposição de Flavia Piovesan:

É no valor da dignidade da pessoa humana que a ordem jurídica encontra seu

próprio sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada, na tarefa

de interpretação normativa. Consagra-se, assim, dignidade da pessoa humana

como verdadeiro superprincípio a orientar o Direito60

.

Daniel Sarmeto61

, por sua vez, ressalta que o princípio da dignidade humana é

o epicentro axiológico da ordem constitucional, de modo a irradiar efeitos sobre todo o

ordenamento jurídico e balizar não apenas os atos estatais, mas toda a miríade de

relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade.

Seguindo esta mesma linha, Roxana Cardoso Brasileiro Borges afirma:

Uma vez que a dignidade humana é inserida no ordenamento por meio do

artigo 1º, III, da Constituição, o valor da dignidade da pessoa humana, torna-

se, explicitamente, uma norma de dever-ser, com caráter jurídico e

vinculante, não podendo mais ser considerado apenas um valor cujo caráter

seria somente axiológico62

.

Com relação ao preceito trazido pelo aludido princípio, não há dúvidas de que

este é dotado de forte conteúdo axiológico, o que dificulta uma definição precisa de seu

conteúdo. Nesse sentido, Ingo Wofgang Sarlet, destaca ser, no mínimo, tormentosa, essa

conceituação, em razão da fluidez e vagueza do valor enredado, além da porosidade

trazida pelo conteúdo e pela natureza polissêmica63

.

60

PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 92.

61 SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. 3ª ed. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2003, p. 60.

62 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos da Personalidade e autonomia privada. São Paulo:

Saraiva, 2007, p. 15.

63 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição

Federal de 1988. 9ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 50.

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Desta forma, na busca pela significação do princípio, faz-se pertinente revisitar

a conceituação de dignidade a partir da visão Kantiana.

Para Kant, dignidade se traduz na concepção de que o homem, justamente em

razão da sua condição humana, se situa em posição hierarquicamente superior à das

coisas e não pode ser precificado. Por isso, jamais deve ser reduzido a mero instrumento

da ação ou vontade de outrem – isso seria a função das coisas. As coisas podem ser

meio para se alcançar um determinado fim, mas o homem jamais. O homem deve ser o

fim de si mesmo, e nunca exclusivamente meio para se alcançar algum fim. Essa

diferenciação entre as coisas e o homem dotado de consciência racional e moral, que o

qualifica e o impede que seja precificado ou instrumentalizado, é justamente o que lhe

confere dignidade64

.

Tal conceito é resumido por Giselda Hironaka da seguinte forma: “não se deve

fazer do outro meio para os nossos fins, mas, ao contrário, deve-se antes fazer dele fim

em si mesmo”65

.

Apesar do caráter polissêmico da palavra, Silmara Amarillia66

identifica duas

acepções complementares para o termo dignidade da acepção da parentalidade:

i) a primeira, endógena ao organismo familiar, concernente à tutela dos mais

frágeis, mediante a garantia de condições necessárias ao desenvolvimento

físico, moral, emocional e psíquico dos infantes (CF/1988, artigo 227) ou no

amparo aos idosos (CF/ 1988, artigo 230); e ii) a segunda, exógena ao dito

organismo, concernente ao dever do Estado e da sociedade de reconhecer o

valor inato dos seres humanos no âmbito da família, repudiando qualquer

espécie de tratamento discriminatório e garantindo, solidariamente, as

necessidades daqueles que se mostram mais vulneráveis, de modo a

possibilitar-lhes uma vida digna e plena.”

A autora continua e dispõe:

O que se verifica, desse modo, é que o prestígio constitucional à dignidade

humana repercute no campo da parentalidade de duas maneiras distintas,

traduzindo tanto um compromisso familiar, quanto um compromisso social e

estatal, mas, sobretudo, realça a preponderância da vocação social da família

(funcionalização do instituto) sobre qualquer moldura que poderia lhe servir

de referência, sobrevalorizando cada integrante do núcleo familiar como

64

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela. Lisboa:

Ed. 70, 2007, p. 77.

65 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte: Del

Rey, 2005, p. 212.

66 AMARILLA, Silmara Domingues Araújo. O afeto como paradigma da parentalidade: os laços e os

nós na constituição dos vínculos parentais. Curitiba: Juruá, 2014, p. 81-82.

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protagonista de sua própria história e todos, em conjunto, como partícipes da

história da família contemporânea.

Assim, em apertada síntese, pode-se dizer que o preceito constitucional da

dignidade visa à supervalorização do ser humano, o qual deve ser sempre priorizado

ante a qualquer valor pecuniário. A aplicação deste preceito no direito de família se dá

justamente por meio da valorização de cada integrante da família, que deve ser o

amparo, a base a possibilitar o pleno desenvolvimento do ser humano e de todas as suas

capacidades: tanto moral, quanto física, quanto psicológica – da a importância da

convivência.

Conforme lição de Ruy Rosado de Aguiar Júnior:

Na medida em que se alcança a exata compreensão do conceito ‘dignidade da

pessoa humana’ e se lhe dá o devido desdobramento na definição dos

correspondentes ‘direitos da personalidade’, logo se percebe o aumento das

hipóteses de ofensa a tais direitos, e se ampliam as oportunidades para a

existência do dano. E essa constatação é importante no direito que trata da

família, a menor célula social em que a pessoa convive, porque no seu seio

sempre se deu prevalência à instituição da família, ainda que com sacrifício

eventual do interesse da pessoa67

.

Uma vez que a carência da presença dos pais suportada pelos filhos durante o

desenvolvimento ou carência da presença dos filhos experimentada pelos pais na

velhice acarreta danos à higidez psicológica, deve-se incidir o dever de indenizar sob

pena de se instrumentalizar a prole em desenvolvimento ou os genitores idosos, que

passariam a suportar os danos sem nenhuma reparação em detrimento do causador do

dano que descumpriu com seus deveres legais.

Em outras palavras: não admitir a aludida reparação por dano afetivo é

desvalorizar o ser humano em sua essência, em sua constituição psicológica, é abalar

diretamente a dignidade humana. Não é à toa que é reprovável ética e socialmente o

comportamento daquele que abandona afetivamente os pais quando idosos ou os filhos

que estão em desenvolvimento. Essa reprovação social generalizada advém exatamente

da sensação de que este comportamento causa real sofrimento psíquico àquele que é

abandonado, ou seja, que tal descuido afeta a dignidade daquele que é descuidado.

67

AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Responsabilidade civil no Direito de Família. In: WELTER,

Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf Hanssen (coords.). Direitos Fundamentais do Direito de Família.

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 361-362.

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Tutelar o comportamento daquele que abandona em detrimento do dano que

sofre o abandonado é ação que denota claro e expresso descumprimento ao preceito de

respeito e preservação da dignidade humana.

Aquele filho ou pai idoso, que foi abandonado afetivamente e tem negado seu

pleito por responsabilidade civil contra o genitor ou prole que deu causa ao descuido,

sofre duas vezes: a primeira, quando suporta os danos decorrentes da falta de cuidado; e

a segunda vez, quando sente que todo seu sofrimento é ignorado e a ação daquele que

deu causa ao dano é prestigiada pelo Judiciário. Não se pode mais admitir que o Estado

venha a ser cumplice (e subsidiariamente causador por tutelar o comportamento de

ausência afetiva) de danos psicológicos que maculam diretamente a dignidade dos

cidadãos.

4.3.3. Princípio da solidariedade

O Preambulo da Constituição Federal de 1988 assim dispõe:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional

Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o

exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-

estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de

uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia

social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução

pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Tal disposição, que visa a uma sociedade fraterna, é o que assegura ao

princípio da solidariedade seu assento constitucional, conforme ensina Maria Berenice

Dias68

, afinal não é possível se falar em harmonia social, em bem-estar, em sociedade

fraterna sem que haja solidariedade entre os seus integrantes. A aludida autora ressalta

também que tal princípio possuiu origem nos vínculos afetivos, uma vez que

solidariedade seria o que cada um deve ao outro.

Além do preâmbulo, o princípio da solidariedade também se veste de caráter

constitucional em razão do artigo 3º, I, da CF que dispõe expressamente ser um dos

objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade

livre, justa e solidária.

68

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2015, p. 48.

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Não se deve confundir o instituto jurídico da solidariedade, comtemplado pelo

direito das obrigações, com o princípio da solidariedade incluído no ordenamento

jurídico brasileiro por meio de inovação da Constituição de 1988:

Vindo do Corpus Juris Civilis, havia apenas, no direito privado, o conceito de

solidariedade subsumido à espécie de obrigação, quando um dos credores

pode receber do devedor a totalidade da dívida (solidariedade ativa), ou

quando um dos devedores pode ser obrigado a pagar a dívida integralmente

(solidariedade passiva), o que significa individualização do crédito ou do

débito plurais. Desde os antigos, se utiliza a locução latina in solidum, com o

significado de soma do todo. Mas, tem sido afirmado que o termo

“solidariedade” apenas aparece na linguagem jurídica no início do século

XVII, daí passando para a linguagem comum. Esse sentido estrito não é o

mesmo do princípio fundamental da solidariedade no mundo contemporâneo,

que se consolidou nas Constituições sociais do século XX, e cuja elaboração

doutrinária (jurídica) é relativamente recente.69

O conteúdo real do princípio constitucional da solidariedade reveste-se de forte

preceito ético, contemplando em seu bojo a ideia de reciprocidade e fraternidade.

A partir da compreensão de que o princípio da solidariedade seria a ideia de

correlação entre os membros de uma sociedade em busca de bem-estar social, é possível

compreender que no Direito de Família tal princípio seria a mutualidade entre os

componentes da família para possibilitar o bem-estar de cada um destes membros.

Estaria, assim, o princípio da solidariedade intimamente ligado ao princípio da

dignidade humana, e no direito de família o preceito advindo da união destes dois

princípios poderia se resumir no conceito de a entidade familiar ser recíproca e solidária

entre seus integrantes para possibilitar o pleno desenvolvimento de cada um destes.

Seguindo esta linha, Flávio Tartuce completa:

A solidariedade não é somente patrimonial, mas também moral, sexual,

social, afetiva, espiritual e psicológica. O princípio da solidariedade familiar

implica respeito e consideração mútuos nos relacionamentos entre os

membros da família. Como decorrência lógica desse espírito de

solidariedade, surge o afeto, apontado atualmente como o principal

fundamento das relações familiares70

.

69

LÔBO, Paulo. Princípio da Solidariedade Familiar. Jus Navegandi. Teresina, a. 18, n. 3759, 2013.

Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/25364/princípio-da-solidariedade-familiar> . Acesso em 22.

maio. 2017.

70 TARTUCE, Flávio; Manual de direito civil: volume único. 4ª ed. São Paulo: Método, 2014, p. 1230-

1231.

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A concretização de tal princípio é verificada por meio do dever constitucional

de os pais assistirem aos filhos, bem como do dever de amparo ao idoso. Ambos

decorrem diretamente do princípio da solidariedade e se relacionam umbilicalmente

com os princípios da dignidade humana, da afetividade, do melhor interesse da criança e

do adolescente e da convivência familiar:

O macroprincípio da solidariedade perpassa transversalmente os princípios

gerais do direito de família, sem o qual não teriam o colorido que os

destacam, a saber, o princípio da convivência familiar, o princípio da

afetividade e especialmente o princípio do melhor interesse da criança. Por

esta razão, o princípio da solidariedade é observado quando o direito de

convivência das crianças com seus parentes próximos não é obstado, ainda

que contrarie os interesses de seus pais71

.

É evidente, portanto, que o descaso afetivo de pais para com os filhos em

desenvolvimento ou da prole para com os genitores idosos configura claro

descumprimento ao preceito trazido no bojo do princípio da solidariedade, sobretudo no

que se refere à solidariedade familiar.

4.3.4. Princípio da afetividade

Apesar de não expresso no texto constitucional, o princípio da afetividade

possui roupagem constitucional em razão da busca, pela Carta Magna, da efetivação da

dignidade humana e dos direitos fundamentais. Conforme dispõe Paulo Lôbo72

, a partir

de uma leitura sistêmica dos preceitos e dos valores da Constituição, é perfeitamente

possível extrair a consagração da afetividade como princípio constitucional e elemento

legitimador da família contemporânea.

Dentro da lógica humanista e social instituída com a Constituição de 1988,

verifica-se a afetividade como forte valor jurídico, sobretudo no direito de família. A

consagração desse elemento dentro do ordenamento jurídico pode ser notada, por

exemplo, no reconhecimento da entidade familiar formada pela união estável como se

ela constituísse o selo do casamento, ou seja, o valor da afetividade une e enlaça duas

71

LÔBO, Paulo. Princípio da Solidariedade Familiar. Jus Navegandi. Teresina, a. 18, n. 3759, 2013.

Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/25364/principio-da-solidariedade-familiar> . Acesso em 22.

maio. 2017.

72 LÔBO, Paulo. Socioafetividade no direito de família: a persistente trajetória de um conceito

fundamental. In: DIAS, Maria Berenice; BASTOS, Eliene Ferreira; MORAES, Naime Márcio Martins

(coords). Afeto e estruturas familiares. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 453.

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pessoas em moldes semelhantes à formalização do casamento. Outra exemplificação se

verifica no reconhecimento judicial da paternidade socioafetiva, que demostra o

reconhecimento do Judiciário com relação ao valor jurídico da afetividade capaz de

caracterizar a paternidade.

Neste cenário, resta cristalino que o direito das famílias instalou uma nova

ordem jurídica para a família, atribuindo forte valor jurídico ao afeto. Tal valorização é

claramente notada na afirmação de Maria Berenice Dias73

que classifica o princípio da

afetividade como sendo o norteador do direito das famílias.

Arnaldo Rizzardo, também destacando a importância da afetividade, assim

dispõe:

a afetividade constitui um valor inerente à vida humana. A sua essencialidade

é dimensionada pelas repercussões negativas na personalidade se não

satisfatoriamente realizada essa necessidade. A própria realização e a

felicidade dependem desse elemento.

(...)

Nessa concepção, impedir a plena realização da afetividade, ou não

oportunizar sua expansão, ou violentar ferindo, desprezando, menosprezando

sentimentos que fazem parte da natureza humana, importa em amputar a

pessoa na sua esfera espiritual e moral, cerceando a sua plena realização74

.

Seguindo esse mesmo raciocínio de valorização da afetividade, Romualdo

Baptista dos Santos afirma:

O princípio da afetividade que tem assento na dignidade da pessoa humana e

é correlato ao princípio da solidariedade, desdobra-se em novos institutos

jurídicos, como o patrimônio afetivo e a integridade psíquica, com a

consequente indenizabilidade dos danos por quebra de laços afetivos, à

estrutura psíquica, por assedio moral, por abandono afetivo, etc.75

.

O conteúdo do princípio da afetividade se relaciona, portanto, com as funções

que devem ser exercidas pelos membros da família a fim de propiciar o pleno

desenvolvimento de cada ente familiar.

O preceito preconiza o dever da família (e não apenas do Estado) de garantir

dignidade humana para cada um de seus membros, por meio da solidariedade; seria o

73

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2015, p. 52.

74 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 682.

75 SANTOS, Romualdo Baptista dos. A tutela jurídica da afetividade – os laços humanos como valor

jurídico na pós-modernidade. Curitiba: Juruá, 2011, p. 150.

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princípio da afetividade, portanto, a “base do respeito à dignidade humana, norteador

das relações familiares e da solidariedade familiar”76

.

Um forte exemplo da aplicação jurídica do princípio da afetividade é verificado

na decisão da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que mesmo

após dissolução de sociedade conjugal, atribuiu à madrasta o direito de visitas ao filho

do ex-cônjuge, em razão do reconhecimento do vínculo afetivo entre esta e o menor:

Agravo de instrumento. Reconhecimento de vínculo afetivo c/c

regulamentação de visitas. Tendo em vista a não apresentação de motivo

idôneo que se restrinja a convivência com a ex madrasta, defere-se a

visitação atendendo aos interesses emocionais da criança. O interesse do

infante deve ser preservado. Recurso provido. Agravo regimental

prejudicado77

Mister se faz destacar, entretanto: apesar da importância que o afeto tem

adquirido dentro do ordenamento jurídico, sendo, inclusive, elemento para justificar a

parentalidade (como nos casos da paternidade socioafetiva), não é possível obrigar

alguém a amar o outro. O princípio da afetividade, ainda que seja norteador do direito

de família, não tem o condão coercitivo de impor o dever de amar.

Neste mesmo sentido é que dispõe Ana Carolina Brochado Teixeira:

o princípio da afetividade funciona como um vetor que reestrutura a tutela

jurídica do direito de família, que passa a se ocupar mais da qualidade dos

laços travados nos núcleos familiares do que com a forma através da qual as

entidades familiares se apresentam em sociedade, superando o formalismo

das codificações liberais e o patrimonialismo que delas herdamos. Portanto, o

princípio da afetividade não comanda o dever de afeto, porquanto se trata de

conduta de foro íntimo, incoercitível pelo Direito.78

Não se deve, desta forma, confundir o princípio da afetividade, que demostra a

importância do afeto no direito de família, com a coerção em amar ou indenização por

desamor. A responsabilidade civil por abandono imaterial (ou afetivo) sustentada neste

trabalho não se relaciona com indenização por desamor ou falta de afeto (daí porque se

prefere o termo abandono imaterial ao termo abandono afetivo).

76

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. Vol. 5. 30ª ed. São Paulo:

Saraiva, 2015, p. 42.

77 TJRJ, Agravo de instrumento nº 2007.002.32991, 5ª Câmara Cível, Des. Cherubin Helcias Shwartz, j.

27.05.2008

78 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. A multiparentalidade como nova estrutura de parentesco na

contemporaneidade, Revista brasileira de direito civil, vol. 4, ab./jun. 2015, p. 17-18.

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Conforme apresentado em capítulo vindouro, não é a falta de amor ou de afeto

que causa o dano. Este é consequência da falta de cuidado, o qual é expressamente

exigido por diversos dispositivos brasileiros.

Importante destacar que a ausência de afeto ou de amor não afasta, por outro

lado, a obrigação de os pais conviverem com os filhos em desenvolvimento ou de a

prole adulta conviver com os genitores idosos conforme o preceito trazido no bojo do

princípio da convivência familiar.

4.3.5. Princípio da convivência familiar

É por meio da convivência que a afetividade entre os membros da família

encontra campo para se expressar e permitir a manutenção do desenvolvimento

psicológico saudável de cada um dos membros. A convivência possibilita o afeto.

Assim, ainda que este não seja exigível, aquela é obrigação expressamente mencionada

na Carta Magna.

O caráter constitucional do princípio da convivência familiar advém da

expressa menção no caput do artigo 227 da Carta Magna sobre o dever da família, da

sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta

prioridade, o direito à convivência familiar. A Convenção dos Direitos da Criança

também dispõe em seu artigo 9.3 sobre o direito de a criança “manter regularmente

relações pessoais e contato direto com ambos genitores, a menos que isso seja contrário

ao interesse maior da criança”.

No mesmo sentido, o caput do artigo 3º do Estatuto do Idoso (Lei n.

10.741/2003) prevê ser obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder

Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à

convivência familiar. Tal norma está em consonância com o caput e § 1º do artigo 230

da Constituição Federal que assim dispõe:

Artigo 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as

pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua

dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

§ 1º Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente

em seus lares.

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Tarcísio José Martins Costa, versando sobre a importância do convívio

familiar, destaca que o direito à convivência familiar, antes de ser um direito, é uma

necessidade vital, que se encontra no mesmo patamar de importância do direito

fundamental à vida79

.

Tratando do direito da prole e também classificando o direito à convivência

familiar como um direito vital, Cenise Monte Vicente assim dispõe:

O vínculo é um aspecto tão fundamental na condição humana, e

particularmente essencial ao desenvolvimento, que os direitos das crianças o

levam em consideração na categoria convivência – viver junto. O que está em

jogo não é uma questão religiosa, moral ou cultural, mas sim uma questão

vital. Na discussão das situações de risco para a criança a questão da

mortalidade infantil ou da desnutrição é imediata. Sobreviver é condição

básica, óbvia, para o direito à vida. Deve-se acrescentar a dimensão afetiva na

defesa da vida. Em outras palavras, sobreviver é pouco. A criança tem direito

a viver, a desfrutar de uma rede afetiva, na qual possa crescer plenamente,

brincar, contar com a paciência, a tolerância e a compreensão dos adultos

sempre que estiver em dificuldade80

.

Neste aspecto, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel81

destaca que a

convivência familiar é, sem dúvida, um porto seguro para a integridade física e

emocional de toda criança e todo adolescente, uma vez que ser criado e educado junto

aos pais biológicos ou adotivos representa para o menor de 18 anos estar integrado a um

núcleo de amor, respeito e proteção.

A privação do filho da convivência de um dos progenitores ocasionaria, assim,

uma grande carga de carências e frustrações de ordem emotiva, sentimental e afetiva,

segundo Arnaldo Rizzardo, que dispõe:

é direito dos filhos, e impõe-se por reclamo da natureza humana, a

convivência com o pai e a mãe. Não interessa a separação destes últimos, ou

a completa incompatibilidade de um em relação ao outro. O pai ou a mãe que

não forma a entidade familiar com os filhos está obrigado a buscar a

convivência regular em datas previamente combinadas, de modo a manter

alguma participação na vida dos mesmos, acompanhando seu

desenvolvimento, participando das atividades que lhe são inerentes, e

79

COSTA, Tarcísio José Martins. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado. Belo Horizonte: Del

Rey, 2004, p. 38.

80 VICENTE, Cenise Monte. O direito à convivência familiar e comunitária: uma política de manutenção

do vínculo. In: KALOUSTIAN, Sílvio Manoug (org.). Família brasileira: a base de tudo. 9ª ed. São

Paulo: Cortez, 2010, p. 50-51.

81 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos

teóricos e práticos. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 129.

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dispensando a afetividade, o carinho, o desvelo a amizade e a autoridade que

tanto necessitam para o sadio e normal crescimento82

.

Com relação aos idosos, não é diferente. A fragilidade advinda com o avanço

da idade insere a pessoa, novamente, em uma situação de vulnerabilidade, tanto física

quanto psíquica. Da mesma forma que a criança e o adolescente necessitam de proteção

e amparo físico e afetivo, o idoso também precisa desse cuidado.

O direito do idoso em ter seus filhos em sua companhia vai muito além de ser

um dever legal imposto pelo já referido Estatuto do Idoso; relaciona-se ao direito à

dignidade humana, pois não há como se falar em dignidade de alguém frustrado da

companhia e afeto da própria família.

Conforme afirma Renata Diniz, médica diretora de empresa especializada em

cuidados domiciliares para pessoas idosas:

A ligação entre o idoso e seus familiares é forte. Há maior valorização dos

filhos e dos netos por parte dele, que se sente realizado ao vê-los em

harmonia e ao saber que se trata ‘da sua família’. (...)

Percebemos, em nossa experiência prática, que os idosos carregam a

expectativa de receberem atenção e cuidados dos filhos e netos no momento

em que perderem ou tiverem suas capacidades diminuídas. Este é um

fantasma constante que preocupa os idosos83

.

Não basta a manutenção financeira do idoso, é preciso mantê-lo com

afetividade, participação e integração no seio da família, que outrora foi constituído pela

pessoa que agora é idosa. É por meio da convivência afetiva com os filhos que o idoso

se sente valorizado, digno e integrado.

A convivência sadia é uma das formas de praticar a afetividade, pois é o

contato, o convívio, o ato de se relacionar, que possibilita o desenvolvimento do

sentimento de afeto.

Ainda que o afeto em si não seja exigível legalmente, a convivência familiar é

sim dever legal, conforme demonstrado. O afeto é a consequência natural dessa

convivência. Não conviver ou não manter nenhum contato e ignorar os filhos em

desenvolvimento ou os pais idosos configura explícito descumprimento ao preceito

trazido no bojo do princípio da convivência familiar. Mais uma razão para não se tutelar

82

RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 688.

83<https://direito-legal.jusbrasil.com.br/noticias/231637743/quando-foi-a-ultima-vez-que-voce-visitou-

seus-pais-e-avos> acesso em 26. maio. 2017.

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o comportamento e responsabilizar aquele que abandona afetivamente e causa dano à

prole ou aos genitores.

O abandono imaterial macula a higidez psicológica do jovem, idoso ou criança

abandonada, ou seja, influi diretamente no desenvolvimento no bem-estar destes

membros da família, de forma a configurar desrespeito direto aos preceitos trazidos nos

princípios da dignidade humana e da solidariedade.

4.3.6. Princípio da proteção integral a crianças, adolescentes, jovens e

idosos

O princípio da proteção integral a crianças, adolescentes, jovens e idosos é

instituído pela Constituição Federal por meio dos artigos 227, 228 e 229, e repetido no

Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 4º) e no Estatuto do Idoso (artigo 3º).

Por meio de tais dispositivos jurídicos é assegurado a crianças, adolescentes,

jovens e idosos: o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência

familiar e comunitária, bem como o direito de serem colocados a salvo de toda forma de

negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Oswaldo Peregrina Rodrigues, quando trata do princípio em tela assim anota:

O princípio da prioridade absoluta na proteção integral aos direitos da pessoa

idosa significa a garantia legal à atenção aos seus interesses em prejuízo de

qualquer outra pessoa, salvo, caso essa outra pessoa seja criança ou

adolescente, os quais possuem também essa prioritária e absoluta proteção

(artigo 4º, caput, ECA), todavia, assegurada essa proteção absoluta em

âmbito constitucional (artigo 227, caput)”84

.

O conteúdo do princípio em tela estaria, assim, atrelado ao cuidado, à proteção,

ao respeito, ao direito a uma convivência familiar sadia, ao apoio material e moral, à

defesa dos interesses dos idosos e das pessoas em desenvolvimento de maneira geral.

Seria como um “guarda-chuva” para garantir a dignidade humana das crianças,

adolescentes e idosos, bem como dar efetividade ao princípio constitucional da

igualdade, já que a proteção aludida no princípio se refere a pessoas em situação de

vulnerabilidade.

84

RODRIGUES, Oswaldo Peregrina. Direitos da Pessoa Idosa. 1ª ed. São Paulo: Verbatim, 2016, p. 23.

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Ou seja, toda esta proteção à criança, ao adolescente e ao idoso se constitui

justamente em razão do fator comum entre esses: a vulnerabilidade. Tal característica os

diferencia dos demais e os faz merecer tratamento diferenciado em função do princípio

da isonomia, afinal não haveria razoabilidade em se tratar igualmente os desiguais, pois

esse cenário seria completamente contrário aos preceitos constitucionais humanistas

elencados pela Constituição de 1988, que tem como um dos valores máximos a

dignidade humana.

Sobre a vulnerabilidade da criança e do adolescente, Rolf Madaleno assim

escreve:

A vulnerabilidade dos infantes é decorrência natural da dependência que eles

têm dos adultos, pois podem ser pacientes das mais variadas formas de

agressão, assim como vítimas de uma violência corporal ou sexual, ou de

abandono físico, psicológico, afetivo, ou material. Qualquer ofensa à

integridade física ou psíquica do infante converte a sua vida em um

emaranhado de consequências devastadoras. Por isso que ao menor abalo à

sua integridade física, psicológica ou financeira, a ameaça precisa ser pronta

e prioritariamente neutralizada, e essa proteção depende da atividade dos

adultos e de seus responsáveis diretos, pais, tutores e representantes, para que

os menores cresçam sem temores, sem percalços e conquistem no devido

tempo seus próprios mecanismos de defesa e de sobrevivência, e desse modo

possam gerar sua independência, desenvolver sua personalidade, adquirir

confiança, autoestima, e se colocar a salvo das sequelas causadas pela

insensibilidade dos adultos85

.

Já sobre a vulnerabilidade dos idosos, tem-se que:

O processo do envelhecimento é um fenômeno ligado de modo íntimo a todo

ser humano e nesta fase da vida é que se desenvolvem modificações

biopsicossociais, surgindo as fragilidades próprias da idade. O próprio

sistema vital se modifica, havendo a diminuição da capacidade funcional de

órgãos e tecidos e por consequência desacelera-se o metabolismo, expondo a

pessoa idosa a riscos86

.

Evidente que a situação de vulnerabilidade diferencia as crianças, adolescentes

e idosos dos demais; justamente esta diferenciação é que justifica a necessidade da

proteção integral.

Não há como se coadunar o respeito ao princípio constitucional da proteção

integral a crianças, adolescentes, jovens e idosos com o abandono afetivo desses no

85

MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 55-56.

86 SANTIN, Janaina Rigo; BOROWSKI, Marina Zancanaro. O idoso e o princípio constitucional da

dignidade humana, Revista Brasileira de Ciências do Envelhecimento Humano - RBCEH, Passo Fundo,

v. 5, n. 1, p. 141-153, jan./jun. 2008.

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momento em que mais precisam. O dano psicológico que ausência da participação dos

pais no desenvolvimento dos filhos ou destes na velhice daqueles causa é absolutamente

contrário à ideia de proteção integral.

Por óbvio que a ideia de proteção integral contempla a preservação da saúde

psíquica. Assim, uma vez que a ausência no desenvolvimento do filho ou na velhice dos

pais causa abalo psicológico, há falta de observação ao que preconizado no princípio em

tela, ou seja, há descumprimento normativo que causa dano – e, portanto, como se

verifica com os demais elementos do presente trabalho, há o dever de indenizar.

4.3.7. Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente

Os últimos dois princípios tratados nesse capítulo referem-se apenas aos

direitos da prole.

O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente é inovação trazida

pela Constituição de 1988 que transfere o foco das famílias, que era o de atender ao

interesse primordial do pai, tido como o chefe de família (patter), para o objetivo de ser

a família uma célula de cuidado e pleno desenvolvimento de todos os seus membros,

sobretudo dos mais vulneráveis, como as crianças e adolescentes. Assim, o pátrio poder

passa a ser substituído pelo poder familiar, e o melhor interesse das crianças e dos

adolescentes passa a ser prioridade.

Conforme relata Rodrigo da Cunha Pereira: “No patriarcado, em Roma, o pai,

além de encarnar a lei, a autoridade, era instituído de um poder quase divino”87

.

Contudo, como esclarece Paulo Lôbo,

ocorreu uma completa inversão de prioridades, nas relações entre pais e

filhos, seja na convivência familiar, seja nos casos de situações de conflitos,

como nas separações de casais. O pátrio poder exista em função do pai; já o

poder familiar existe em função do interesse do filho88

.

Neste cenário, quando ocorria separações entre os pais, era priorizado o

interesse daquele que era tido como ‘cônjuge inocente’, restando secundário ou

irrelevante o interesse do filho. Hoje, de forma diferente, todas as decisões que se

87

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Pai, por que me abandonaste? In: PEREIRA, Tânia da Silva. O melhor

interesse da criança: um debate interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 577.

88 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 75.

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relacionem à prole devem ser tomadas visando ao melhor interesse da criança e do

adolescente, justamente em razão da consagração do princípio em tela.

Este princípio, ainda conforme Paulo Lôbo89

, seria “um reflexo do caráter

integral da doutrina dos direitos da criança”, que é expresso no artigo 227 da Carta

Magna, e guardaria “estreita relação com a doutrina dos direitos humanos em geral”,

consagrada pela valorização da dignidade humana, conforme artigo 1º, III da

Constituição.

O conteúdo deste princípio, conforme Rolf Madaleno, está atrelado à

imposição de dever sempre prevalecer os interesses “em favor do infante quando em

confronto com outros valores, pois sempre será necessário assegurar o pleno e integral

desenvolvimento físico e mental desse adulto do futuro, sujeito de direitos”90

.

Por meio deste princípio, é possível notar que o interesse do filho em

desenvolvimento deve ser sempre preconizado. Portanto, a convivência com a prole,

uma vez que é interesse do menor contribuir com o desenvolvimento psicológico deste,

deve ser praticada pelos pais.

A contrario sensu, a falta de convivência dos genitores com a prole em

desenvolvimento é contrária aos interesses desta e, portanto, contrária ao preceito do

melhor interesse da criança e do adolescente, não devendo, por esta razão – dentre

outras –, ser admita pelo Judiciário.

4.3.8. Princípio da paternidade responsável

O conteúdo do princípio da paternidade responsável se refere ao dever dos pais

em concretizar todos os demais princípios elencados.

Em outras palavras, este princípio trata do dever dos pais – e não apenas do

Estado – de garantir os direitos de seus filhos crianças e adolescentes elencados no

artigo 227 da Carta Magna com afetividade, por solidariedade e por meio da

convivência familiar a fim de garantir a dignidade humana de seus filhos.

Em resumo, pode-se dizer que tal princípio consolida que os direitos das

crianças e adolescentes elencados no artigo 227 da Constituição não devem ser

garantidos apenas pelo Estado, mas também pelos familiares, os quais são responsáveis

por garantir o pleno desenvolvimento físico e psíquico da prole.

89

LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 76.

90 MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 55.

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Conforme se verificará em capítulo próprio, a presença dos pais no

desenvolvimento dos filhos constitui dever a ser observado pelos genitores. Desta

forma, o pai ou mãe que não se faz totalmente ausente na vida de seu filho, arcando

apenas com questões materiais, descumpre, dentre diversas normas jurídicas, o princípio

da paternidade responsável. Esse descumprimento causa fortes danos à psique da prole,

dando ensejo à incidência da responsabilidade civil.

4.4 Aspectos relevantes da responsabilidade civil aplicados ao caso

4.4.1. Considerações iniciais

“Responsabilidade” é palavra originada do latim ‘respondere’, que comtempla

a ideia de garantia de restituição ou compensação por algum bem que tenha sido

sacrificado. O termo encontra definição no dicionário Aurélio como sendo “obrigação

de responder pelas ações próprias, pelas dos outros ou pelas coisas confiadas” 91

.

O dever de responder pelas consequências dos próprios atos pode ter tanto

cunho moral quanto jurídico. A responsabilidade moral se configura quando ocorre uma

infração às normas morais ou religiosas, e – diferente da responsabilidade civil – não

exige necessariamente a ocorrência de prejuízo para se configurar. Já o dever de

reparação civil requer que haja dano ao indivíduo ou à coletividade, e que este tenha

sido causado pela violação de um dever jurídico, ou seja, exige-se o elemento culpa

(exceto nos casos excepcionais de responsabilidade objetiva).

Nos primórdios da humanidade, porém, não se cogitava do fator culpa. Bastava

apenas o elemento dano para provocar no ofendido uma reação imediata, instintiva,

brutal e sem limites. Imperava a vingança ‘com as próprias mãos’ como

forma primitiva, selvagem talvez, mas humana, de reação espontânea e

natural contra o mal sofrido; solução comum a todos os povos nas suas

origens, para a reparação do mal pelo mal92

.

Neste contexto, é que surgiu, no Direito Hebreu, a famosa pena de talião93

(cujos primeiros indícios foram notados no Código de Hamurabi, por volta de 1.700 a.

91

<https://dicionariodoaurelio.com/responsabilidade> Acesso em: 03.mar. 2017.

92 LIMA, Alvino. Da culpa ao risco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1938, p. 10.

93 Talio traduz-se pelo termo equivalência. Por isso, a expressão lei de talião, para se referir a

equivalência entre o Dano e a Punição.

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C.), comtemplando a ideia de “olho por olho, dente por dente”94

, a fim de demostrar o

limite no direito do ofendido em relação ao ofensor. O limite estava na exata

reciprocidade, equivalência entre o dano causado e a pena a ser aplicada ao causador

deste dano – não se poderia, portanto, penalizar além do dano causado.

A vingança recíproca ao prejuízo causado passa a ser substituída por

composições voluntárias, quando os prejudicados notam as vantagens e conveniências

da compensação econômica. Esta compensação, contudo, ficava a critério da vítima,

que ainda poderia optar pela vingança como forma de reintegração do dano sofrido.

É este o período da Lei das XII Tábuas, que contemplava a Tábua VII, Lei II

com o seguinte preceito: “Si membrum rupit, ni cum eo pacit, talio est”95

.

Ou seja, a vingança (vindicta) mantinha-se privada, mas passava a ter

intervenção do poder público. Com o avanço do tempo e das organizações, possibilitou-

se, por meio de uma autoridade soberana, que o legislador vedasse a vítima de ‘fazer

justiça com as próprias mãos’. Assim, as composições, antes voluntárias, passaram a ser

obrigatórias e tarifadas.

É o que se constata na Tábua VIII, Lei III da Lei das XII Tábuas: “Para a

fratura de um osso de um homem, pena de 300 asses, a de um escravo 150 asses”. A

ideia de reparação do prejuízo sofrido passa a tomar o espaço da vingança primitiva.

Conforme expõe Wilson de Melo da Silva, esse período

é quando, então, o ofensor paga um tanto por membro roto, por morte de um

homem livre ou de um escravo, surgindo, em consequência, as mais

esdrúxulas tarifações, antecedentes históricos das nossas tábuas de

indenizações preestabelecidas por acidente de trabalho96

.

Somente no Direito Romano é que se passou a observar diferença entre os

conceitos ‘pena’ e ‘reparação’. Neste período, houve a diferenciação entre delitos

públicos e delitos privados. Aquele era considerado mais grave e perturbador da ordem,

por isso, a pena econômica era recolhida aos cofres públicos. Já nesse, o valor

econômico referente à pena aplicada ao réu era dirigido à vítima. O Estado assumiu,

94

“Se houver morte, então pagarás a vida pela vida; olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por

pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe” (COLOMBO, Leonardo A. Culpa

aquiliana (cuasidelitos). 3a ed. Buenos Aires: La Ley, 1965, p. 58.

95 Contra aquele que parte um membro e não entra em acordo, a pena de talião.

96 SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa e socialização do risco. Belo Horizonte:

Bernardo Álvares, 1962, p. 40.

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portanto, a função de punir. Quando a ação repressiva passou para o Estado, surgiu a

ação de indenização. A responsabilidade civil tomou lugar ao lado da responsabilidade

penal97

.

Após se tornar independente da responsabilidade delitual, a responsabilidade

civil passou a ter seus contornos e definições mediante a realização de plebiscito no

período da República, século III a. C., que culminou na promulgação da lei romana Lex

Aquilia 98

.

Esta lei se tornou um importante marco, pois determinou o elemento culpa

como fundamental para se configurar o dever de reparar. Além desta importante

transformação na responsabilidade civil, as penas com indenizações tarifadas fixadas

foram substituídas por penas proporcionais aos prejuízos gerados99

.

O avanço do Direito Romano foi aperfeiçoado, ainda mais, no período do

Direito Francês e serviu para estabelecer, nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves:

[...] nitidamente um princípio geral da responsabilidade civil, abandonando o

critério de enumerar os casos de composição obrigatória. Aos poucos, foram

sendo estabelecidos certos princípios, que exerceram sensível influência nos

outros povos: direito à reparação sempre que houvesse culpa, ainda que leve,

separando-se a responsabilidade civil (perante a vítima) da responsabilidade

penal (perante o Estado); a existência de uma culpa contratual (a das pessoas

que descumprem as obrigações) e que não se liga nem a crime nem a delito,

mas se origina da negligência ou da imprudência100

.

A distinção entre culpa delitual e culpa contratual foi inserida no Código de

Napoleão, assim como o claro conceito de que a responsabilidade civil se funda na

culpa. Esta conceituação foi codificada inicialmente no Código Napoleônico para, após,

segundo José de Aguiar Dias101

, inserir-se na legislação de todo o mundo.

Assim, a teoria da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana (ou seja,

aquela que é configurada em razão de um dano causado com culpa) se constituiu sobre

um critério uniforme no direito ocidental. Conforme aponta Rogério Donnini, tanto a

97

MAZEAUD, Henri; MAZEAUD, Leon. Traité théorique et prtatique de la responsabilité civile,

délictuelle et contractuelle. 3ª ed. Paris: Recueil Sirey, 1938, p. 19.

98 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil.10ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1997, p. 18.

99 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1999, p. 4.

100 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. V. 4: responsabilidade civil. 11ª ed. São

Paulo: Saraiva, 2016, p. 26.

101 DIAS. Op. cit., p. 20.

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França quanto a Inglaterra e os Estados Unidos seguem a fórmula baseada no princípio

neminem laedere, cuja expressão:

é de Ulpiano, no Digesto, I, 1, 10 (ou no 1 reg., ou Inst. I, 1, pr. e 3, 1), e diz

respeito aos primórdios dos princípios gerais do direito: Juris praecepta sunte

haec: honest vivere, alterum non laerdere, suum cuique tribuere (Os

preceitos do Direito são os seguintes: viver honestamente, não prejudicar a

outrem, atribuir a cada um o que é seu). As expressões alterum non laedere e

neminem laedere têm o mesmo significado (“a ninguém ofender”, “não lesar

a outrem”) e servem de fundamento para a teoria da responsabilidade civil102

.

No Brasil, reparação civil passou a ser prevista no Código Civil de 1916,

advindo da transformação do Código Criminal de 1830 em duas codificações: uma civil

e outra penal.

Apesar da distinção nas codificações, a reparação por responsabilidade

extracontratual, numa primeira fase, era condicionada à condenação criminal até que,

posteriormente, com a edição do artigo 1.525 do CC/1916, passou-se a adotar o

princípio da independência da jurisdição civil e da criminal.

O aludido codex de 1916 filiava-se à teoria subjetiva, ou seja, para que se

configurasse a obrigação de reparar, exigia-se prova de culpa ou de dolo advindos do

causador do dano, excetuando-se apenas algumas poucas hipóteses em que a culpa era

presumida (exemplificativamente: artigo 1527 a 1529).

Apesar da resistência dos defensores da teoria subjetiva, a culpa aos poucos

deixou de ser a grande estrela da responsabilidade civil e foi gradativamente perdendo

espaço por meio da edição de leis especiais que imputavam o dever de indenizar

independente de culpa (Lei das Estradas de Ferro, Acidente de Trabalho, Seguro

Obrigatório, Dano ao Meio Ambiente etc.). Nesse cenário, o grande passo na revolução

da responsabilidade civil foi dado pela Constituição de 1988, que, além de estender a

responsabilidade objetiva, tal qual a do Estado, a todos os prestadores de serviços

públicos (§ 6º do seu artigo 37), ainda dispôs expressamente sobre indenização por dano

moral103

.

102

DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil pós-contratual no direito civil, no direito do consumidor,

no direito do trabalho, no direito ambiental e no direito administrativo. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011,

p. 29.

103 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade civil. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.

5.

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Sob a égide dessa Magna Carta, editou-se o Código Civil de 2002, o qual,

segundo Sérgio Cavalieri Filho104

, prestigia a responsabilidade objetiva em

contraposição ao codex de 1916, que era subjetivista.

O aludido autor embasa sua afirmação destacando a existência de três cláusulas

gerais de responsabilidade civil objetiva no Código atual: (i) o artigo 187 combinado

com artigo 927, que trata da obrigação indenizatória daquele que comete abuso de

direito, independente de culpa; (ii) o artigo 927, parágrafo único, o qual traz o dever de

indenizar os danos advindos em decorrência do risco da atividade desenvolvida pelo

autor do dano (teoria do risco em contraposição à teoria da culpa); e (iii) o artigo 931, o

qual determina que empresários individuais e empresas respondam pelos danos

causados pelos produtos postos em circulação, independente de culpa.

O mesmo escritor destaca, contudo, que tal conceito não significa dizer que a

responsabilidade subjetiva tenha sido banida:

Temos no Código atual um sistema de responsabilidade prevalentemente

objetivo, porque esse é o sistema que foi modelado ao longo do século XX

pela Constituição e leis especiais, sem exclusão, todavia, da responsabilidade

subjetiva, que terá espaço sempre que não tivermos disposição legal expressa

prevendo a responsabilidade objetiva. Por isso, o Código de 2002 não poderia

deixar de prever uma cláusula geral de responsabilidade subjetiva. E essa

cláusula está no artigo 927, combinado com o artigo 186.105

O aludido artigo 186 do Codex de 2002 define como sendo ato ilícito a ação ou

omissão voluntária, negligência ou imprudência que violar direito e causar dano a

outrem, ainda que exclusivamente moral. Uma vez caracterizada a ilicitude, surge, para

o causador do dano, o dever de reparar, conforme disposto no artigo 927 do Código

atual. Resta evidente nesses dispositivos a prevalência da teoria subjetivista, uma vez

que ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência pressupõem culpa.

Por meio desses dispositivos legais, nota-se a exigência de três elementos

essenciais para a configuração da responsabilidade subjetiva, que serão analisados a

seguir: (i) dano; (ii) culpa e (iii) nexo de causalidade entre o dano e o ato ou omissão

culposa.

De toda forma, sob um prisma pragmático, faz se mister destacar que o

instituto da Responsabilidade Civil é fundamental para garantir a manutenção do

104

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade civil. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.

6.

105 Ibidem., p. 7-9.

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direito, vez que se constitui como um forte mecanismo para compelir o cumprimento

das normas e das avenças (responsabilidade contratual) em razão de seu viés punitivo,

também chamado de preço do desestímulo. Ao mesmo tempo, o instituto possui um

destacado viés compensador ou reparador, embasado no princípio da reparação

integral, que minora os danos causados por aquele que lesa a outrem – seja por culpa,

seja em razão do risco da atividade (teoria do risco), seja nos casos expressamente

previsto em lei.

4.4.2. Requisitos para caracterização da responsabilidade civil subjetiva

4.4.2.1. Culpa

A culpa, a depender do dever violado, pode ser contratual, se decorrente do

descumprimento de obrigação assumida contratualmente, ou extracontratual (também

chamada de culpa Aquiliana), que se fundada em ato ilícito. É sobre esta que tratamos

no presente trabalho.

O primeiro elemento crucial para que se configure o dever de indenizar

referido nos artigos 185 combinado com o artigo 927 do Código Civil é a culpa do

agente causador do dano. Com o intuito de definir este elemento, José de Aguiar Dias

ensina que

a culpa é a falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o

desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com

resultado não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na

consideração das consequências eventuais de sua atitude106

.

Esse mesmo autor esclarece que a culpa ensejadora da responsabilidade civil

comtempla tanto o termo no sentido estrito, quanto o termo no sentido amplo (que

abrangeria também o dolo):

A culpa, genericamente entendida, é, pois, fundo animador do ato ilícito, da

injúria, ofensa ou má conduta imputável. Nesta figura encontram-se dois

elementos: o objetivo, expressado na iliceidade, e o subjetivo, do mau

procedimento imputável. A conduta reprovável, por sua parte, compreende

duas projeções: o dolo, no qual se verifica a vontade direta de prejudicar,

configura a culpa no sentido amplo; e a simples negligência (negligentia,

106

DIAS, Jose de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1979, vol.1, p. 123.

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imprudentia, ignavia) em relação ao direito alheio, que vem a ser a culpa no

sentido restrito e rigorosamente técnica107

.

No mesmo sentido, Rui Stoco assim dispõe:

Quando existe intenção deliberada de ofender o direito, ou de ocasionar

prejuízo a outrem, há o dolo, isto é, pleno conhecimento do mal e o direito

propósito de o praticar. Se não houve esse intento deliberado, proposital, mas

o prejuízo veio a surgir, por imprudência ou negligência existe a culpa stricto

sensu108

.

A culpa ensejadora da responsabilidade civil seria, assim, a violação de um

dever jurídico de conduta, independente da motivação subjetiva do agente – pois caso a

violação seja intencional estar-se-á diante da culpa em sentido amplo (que abrange o

dolo) e caso não haja o intuito de prejudicar, verificar-se-á a culpa em sentido estrito.

Sérgio Cavalieri Filho, referindo-se ao aludido dever de conduta, esclarece que

“o dever jurídico cuja violação enseja a responsabilidade civil subjetiva é o dever de

cuidado”109

.

O autor observa que a lei não prevê – e nem poderia fazê-lo – todas as regras

de diligências a serem obedecidas nas condições concretas de cada situação. Por essa

razão, não havendo normas legais ou regulamentares específicas, o conteúdo do dever

objetivo de cuidado só pode ser determinado por intermédio de um princípio

metodológico – comparação do fato concreto com o comportamento que teria adotado,

no lugar do agente, um homem comum, capaz e prudente.

Segundo esse jurista, o núcleo da conduta culposa consiste na divergência entre

a ação efetivamente praticada e a que deveria ter sido realizada em virtude da

observância do dever de cuidado; dessa forma, haveria na culpa um erro de conduta do

agente por ter violado o dever de cuidado quando, em face das circunstâncias

específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo.

Em consonância, Agostinho Alvim110

assim dispõe:

107

DIAS, Jose de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1979, vol.1, p. 121-

122.

108 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: responsabilidade civil e sua interpretação

doutrinária e jurisprudencial. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 97.

109 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.

50.

110 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 247-248.

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A cada momento e em qualquer lugar o homem se acha sempre em situação

de praticar um ato (ação ou omissão), do qual derive, ou possa derivar, dano

a terceiro, sem que seja possível determinar a norma infringida. Fácil é

imaginar, portanto, que um número infinito de casos não estão, nem podem

estar regulados. Por isso, a ordem jurídica impõe a todos um dever

indeterminado de cuidado, diligência ou cautela a ser observados em cada

caso e nas mais variadas situações.

Fácil observar, nesse ponto, que o zelo e cuidado exigidos têm por finalidade

um só escopo: o de não lesar a outrem. E é este exatamente o conteúdo de um dos

princípios que mais se destaca no instituto da Responsabilidade Civil: o já referido

princípio neminem laedere, o qual, segundo Rogério Donnini,

indica verdadeiro limite, real empecilho à livre ação ou omissão que

prejudique outrem, e abrange não apenas a noção de reparação do dano, mas,

antes de tudo, sua prevenção111

.

Yussef Said Cahali também destaca a importância de tal preceito e assinala: “A

regra neminem laedere insere-se no âmago da responsabilidade civil”112

.

Tratado do tema em concreto, conforme se verificará nos capítulos a seguir, os

pais têm diversos deveres para com a prole, dentre eles, o dever de cuidado. Este dever

é transferido para o filho ou filha quando os genitores se tornam idosos.

O descumprimento destes deveres ocasiona diversos danos à higidez

psicológica daquele que teve o cuidado renegado. Em outras palavras, a violação do

dever jurídico de cuidado (que constitui a culpa), ao causar o dano, configura direto

abalo ao princípio neminem laedere, o qual fundamenta a responsabilidade civil.

O embasamento jurídico que sustenta o aludido dever de cuidado dos genitores

com o desenvolvimento da prole e dos filhos com os pais idosos será apresentado em

capítulos próprios.

Vale destacar, ainda, a possibilidade de classificação da culpa quanto ao seu

grau, podendo essa ser grave, leve ou levíssima.

Será grave quando envolve uma crassa desatenção e violação de dever comum

de cuidado relativamente ao mundo no qual vivemos113

. Pontes de Miranda a define

com os seguintes termos:

111

DONNINI, Rogério. Responsabilidade Civil Pós-Contratual no direito civil, no direito do

consumidor, no direito do trabalho, no direito ambiental e no direito administrativo. 3ªed. São Paulo:

Saraiva, 2011, p. 45.

112 CAHALLI, Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 39.

113 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 6.

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[...] é a culpa magna, nímia, como se dizia, que tanto pode haver no ato

positivo como no negativo, é a culpa ressaltante, a culpa que denuncia

descaso, temeridade, falta de cuidado indispensável. Quem devia conhecer o

alcance do seu ato positivo ou negativo incorre em culpa grave114

.

A culpa leve, por sua vez, ocorrerá: “se a falta puder ser evitada com atenção

ordinária, com o cuidado próprio do homem comum, de um bonus pater famílias”115

. E

a culpa levíssima, por fim, se configurará quando o erro, que ocasionou o dano, só

pudesse ser evitado com uma atenção especial e muito concentrada116

.

Em resumo, a gravidade da culpa está na maior ou menor previsibilidade do

resultado e na maior ou menor falta de cuidado objetivo por parte do causador do

dano117

.

Apesar de o dever de reparar se constituir independentemente da vontade

subjetiva do agente em causar ou não o dano, vale notar que a intensidade do dolo ou o

grau de culpa (se grave, leve ou levíssima) pode influenciar no estabelecimento do

quantum indenizatório. Por essa razão, Yussef Cahali afirma que na liquidação do

dano, é possível levar-se em consideração a gravidade da culpa do demandado118

.

Esclarece-se: apesar de, conforme caput do artigo 944 do Código Civil119

, o

critério para a fixação da indenização ser medido pela extensão do dano e não pelo grau

de culpa, o parágrafo único120

desse mesmo dispositivo legal reza sobre a possibilidade

de o magistrado reduzir o montante indenizatório se verificada a desproporção da culpa

e o montante do prejuízo. Arnaldo Rizzardo tratando sobre o tema afirma:

Não que seja possível graduar a indenização de acordo com a gravidade da

culpa. Todavia, afigurando-se diminuto o grau de culpa, passou a se admitir a

redução da indenização (...) Não se afigura justo impor uma pesada

114

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo XXIII. 3ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971,

p. 72.

115 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 11ª edição. São Paulo: Atlas,

2014, p. 53.

116 RIZZARDO, op. cit., p. 6.

117 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.

53.

118 CAHALI, Yussef Said. Indenização segundo a gravidade da culpa. In: Revista da Escola Paulista da

Magistratura, São Paulo, 1ª ed., no 1, set/dez de 1996, p. 22.

119 “Artigo 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.”

120 “Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz

reduzir, eqiitativamente, a indenização”.

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61

condenação por uma falta mínima. Os efeitos dos atos não podem direcionar

sempre o montante da condenação121

.

Outra exceção com relação ao arbitramento da indenização ser medido

exclusivamente pela extensão do dano se dá nos casos em que se configura a hipótese de

culpa concorrente. Neste caso, por determinação do artigo 945 da codificação civil, a

indenização deve ser fixada tendo em conta a gravidade da culpa do autor do dano em

confronto com a culpa da vítima. A esse respeito, Luiz Cláudio Silva expressa:

[...] tem-se como concorrente a culpa quando os envolvidos no evento

danoso concorrem para o seu acontecimento. Assim, a responsabilidade é

dividida entre eles, de acordo com a concorrência de culpa de cada um, sendo

os prejuízos experimentados rateados nessa proporcionalidade.”122

Tratando-se das hipóteses de abandono afetivo, para se verificar a culpa, bem

como o grau desta, faz-se necessária a análise de cada caso em concreto. Pode-se supor

a possibilidade de um pai não saber que determinada criança é sua filha, por ter sido

enganado pela mãe da prole. Neste caso, não há culpa do pai, a mãe é que deve arcar

com a responsabilidade, pois foi ela que impossibilitou o relacionamento entre pai e

filho.

Outra hipótese que pode ser vislumbrada é a do pai que comete alienação

parental do filho contra a mãe. Neste caso, o pai contribui (e muito) para o abandono

afetivo do filho pela mãe, em que pese ainda seja dever desta mãe lutar para proteger

seu filho da alienação e manter convivência com a prole. Caso esta mãe se mantenha

inerte e distante da prole, ainda terá culpa pelo dano resultante do abandono afetivo,

porém esta culpa deverá ser compartilhada com o pai alienante.

Ainda é possível imaginar a hipótese de pai que assume sua própria

homossexualidade quando o filho já está adulto, e, por conseguinte, passa a ser rejeitado

por este até ser abandonado quando idoso.

Nesta hipótese, não há nenhuma legitimidade na atitude do filho, que será

culpado pelos danos decorrentes do abandono afetivo que praticou. Entretanto, caso –

hipoteticamente – este filho comprove que buscou meios para superar e saber lidar com

a homossexualidade do pai (com sessões de psicoterapia, por exemplo), a culpa deste

121

RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 7.

122 SILVA, Luiz Cláudio. Responsabilidade Civil – Teoria e Prática das Ações. Rio de Janeiro: Forense,

1998, p. 15.

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filho será em grau menor em relação ao filho que sequer procurou alternativas para

conseguir aceitar a homossexualidade de seu pai e ampará-lo quando esse for idoso.

Vale, mais uma vez, destacar que apesar de o grau de culpa não dever embasar

o valor da indenização, esta deve corresponder ao dano causado. Poderá, todavia,

justificar a redução do quantum indenizatório se o grau de culpa for desproporcional ao

dano.

4.4.4.2. Dano

O dano é o prejuízo causado. A doutrina, em unanimidade, sustenta que não há

responsabilidade civil se não houver prejuízo. Exatamente por essa razão, o dano é visto

como o pressuposto central do instituto, não cabendo se falar em ato punível sem o dano

causado123

.

Esse ponto é claramente observado por meio do caput do artigo 927 da

codificação civil, que estabelece a obrigação de indenizar ao causador do dano, ou seja,

se não for causado dano não há titular da obrigação de reparar.

O dano pode ser patrimonial, moral ou à imagem, conforme discrímen

estabelecido pelo inciso V do artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Alguns juristas

elencam ainda o dano físico e o dano estético.

Tendo em vista que o foco do presente trabalho trata sobre dano moral,

realizar-se-á apenas breve pontuação quanto aos demais danos.

O dano patrimonial é aquele que gera ofensa ou diminuição no patrimônio

econômico da vítima. Contemplam-se nesse os danos emergentes e os lucros cessantes.

Tratando sobre essa espécie de prejuízo Carvalho Santos assim escreve:

O verdadeiro conceito de dano contém em si dois elementos, pois se

representam toda a diminuição do patrimônio do credor, é claro que tanto ele

se verifica com a perda sofrida, ou seja, a perda ou diminuição que o credor

sofreu por efeito de inexecução da obrigação – damnum emergens, como

também a privação de um ganho que deixou de auferir, ou de que foi privado

em consequência daquela inexecução ou retardamento – lucrum cessans124.

A obrigação de reparar o dano emergente bem como os lucros cessantes é

expressamente determinada pelo artigo 402 do codex civil, o qual prevê que as perdas e

123

RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 14.

124 SANTOS, Carvalho. Código Civil Brasileiro Interpretado: principalmente do ponto de vista prático,

12ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1980, p. 255.

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danos contemplam tanto o que se efetivamente perdeu, quanto o que razoavelmente

deixou-se de lucrar.

Dentre os danos patrimoniais, destacam-se os gastos com tratamento de saúde,

bem como os lucros cessantes referentes ao período da recuperação, incidentes em

função de lesão à saúde de outrem. Seria o que Arnaldo Rizzardo125

denomina de dano

físico.

O artigo 949126

do Código do Código Civil dispõe expressamente sobre o dever

de o ofensor indenizar as despesas do tratamento e dos lucros cessantes, a quem tiver

ocasionado lesão ou outra ofensa à saúde, configurando o denominado dano físico.

Conforme Arnaldo Rizzardo127

, a expressão “ofensa à saúde” envolve qualquer

alteração orgânica e distúrbios mórbidos que exigem tratamento para a recuperação da

saúde.

A indenização envolveria, assim, todo o dano patrimonial suportado na busca

da recuperação de saúde após o evento danoso, incluindo cirurgias, internações, entre

outros. Além desses custeios, também deve ocorrer ressarcimento pelo autor do dano de

tudo o que a vítima deixou de lucrar no período do tratamento médico.

Caso a vítima sofra redução ou, ainda, impossibilidade laborativa total, a

indenização deverá compreender ainda pensão correspondente à importância do

trabalho para que se inabilitou ou da depreciação que ele sofreu, como reza o artigo 950

da codificação civil.

A par dos danos patrimoniais, fala-se no chamado dano à imagem. Este integra

a relação dos denominados pelos alemães personalitätesrechte (direitos da

personalidade). Se conceituarmos ‘dano moral’ como sendo ameaça ou violação a um

direito da personalidade, observaremos que o dano à imagem integra o rol dos danos

morais.

Contudo, há danos que podem gerar ao mesmo tempo prejuízos materiais (de ordem

pecuniária), à imagem (abalando a reputação da vítima), bem como outros prejuízos de

ordem moral (causando à vítima danos à esfera íntima, que lhe atingem a personalidade).

Por esta razão é que o referido dispositivo constitucional se refere tanto ao dano moral, como

125

RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 217.

126 Artigo 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do

tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o

ofendido prove haver sofrido.

127 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 215.

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o dano à imagem. Esta mesma distinção é efetivada na Constituição espanhola (artigo 18)

e também no Texto Constitucional Português (artigo 26º).

A imagem se traduz por um conceito abstrato e multiforme, que resulta de um

conjunto de traços e características que individualizam um determinado sujeito. Envolve

o aspecto físico, mas principalmente o caráter reputacional. Por essa razão o dano à

imagem é associado às hipóteses de uso indevido de imagem e não a danos físicos.

Quando o dano à imagem for acompanhado de lesão física aparente, estar-se-á diante

do chamado dano estético. Ou seja, o ‘dano à imagem’ aludido no artigo 5º da

Constituição Federal difere-se do chamado ‘dano estético’.

Conforme ensina Arnaldo Rizzardo, o dano estético se configura com presença

de duas características simultaneamente: com a deformidade física ou a carência de um

órgão ou sentido, e com o lado moral do indivíduo, que se sente diminuído na

integridade corporal e na estética de sua imagem externa128

.

Diversos autores, como Rui Stoco, Yussef Said Cahali e Caio Mário da Silva

Pereira129

, defendem que o dano estético integra o dano moral: “o conceito de dano

estético está intimamente ligado ao do dano moral, tendo em vista que aquele acarreta,

sempre, prejuízos morais e, às vezes, também prejuízos materiais ou patrimoniais”130

.

Para Stoco, a condição sine qua non à caracterização do dano estético, que

justifica que se indenize por dano moral, é a ocorrência de efetiva e permanente

transformação física da vítima, que já não teria a mesma aparência que tinha131

.

Yussef Cahali, por sua vez, entende que é possível cumular o pleito por dano

moral e dano estético, ainda que este seja uma das espécies daquele. Isto porque:

[...] todo dano estético, na sua amplitude conceitual, representa um dano

moral, devendo como tal ser indenizado; mas o dano moral consequente das

lesões à integridade físico-psíquica do ofendido não se exaure nas

repercussões do dano estético vinculado à deformidade permanente”132

.

128

RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 223.

129 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade Civil. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 321.

130 STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 4ª ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 1999, p. 669.

131 Ibidem., p. 669.

132 CAHALLI, Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 256.

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Sem discordar desta ideia, o Superior Tribunal de Justiça sumulou

entendimento de que “é lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano

moral” (Súmula 387).

A justificativa para a dupla indenização resta bem aclarada em decisão

proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

O dano moral é aquele que invade a psique do indivíduo, tais como a dor, o

sofrimento, a humilhação, o constrangimento, o vexame e outros, enquanto o

dano estético abala o corpo físico, o visível, a deformidade, o aleijão, a

cicatriz, a repulsa que pode causar àqueles que, sem sentimento e respeito,

expõem ao lesado a sua repugnância. A diferença é notória, pois não guarda

qualquer semelhança à violação da honra – princípio que norteia o caráter, a

honestidade, a dignidade – com o aleijão, a deformidade e as cicatrizes,

ressaltando, ainda, que o tempo se encarrega de fazer a vítima superar a

primeira, enquanto a segunda se perpetua até a morte133

.

Do julgado se extrai ainda uma importante observação: para se falar em

indenização por dano estético é necessário que a deformidade seja permanente. Caso

contrário, se estará diante de indenização por dano material concernente nos custos para

a correção da lesão aparente.

Em outras palavras, para que exista dano estético é necessário que a lesão que

enfeiou determinada pessoa seja duradoura, caso contrário não se poderá falar em dano

estético propriamente dito (dano moral), mas em atentado reparável à integridade física

ou lesão estética passageira que se resolve em perdas e danos habituais134

.

A indenização pelo dano estético seria, assim, para ressarcir todo o sofrimento

e dor física que a vítima enfrentaria pela permanente mutilação em seu corpo, seja uma

cicatriz, seja por estar mancando, seja por estar com um membro a menos – o que sem

dúvida dificulta os relacionamentos e diminui as oportunidades sociais.

Já a indenização pelo dano moral se daria em função da mácula ao direito da

personalidade da vítima, que sofre, além do abalo físico, lesão psicológica consistente

na vergonha e sentimento de inferioridade quando se compara ao que era antes do

evento danoso.

4.4.2.4.1. Dano moral

133

TJRJ, Apelação n. 2001.001.08334, 11ª Câmara Cível, ADCOAS 22/344.

134 MAGALHÃES, Tereza Ancona Lopes. O dano estético. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p.

17-18.

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A aplicação plena do instituto dos danos morais como se tem atualmente só foi

possível após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Antes desta, é possível

verificar uma evolução doutrinária e jurisprudencial tímida iniciada com a

responsabilidade civil nas estradas de ferro, por meio do artigo 21 do Decreto n. 2.681

de 7 de junho de 1912135

, o qual previa o dever de o juiz arbitrar ‘indenização

conveniente’, além dos lucros cessantes e despesas com tratamento, para o caso de lesão

corpórea ou deformidade.

Com a promulgação do Código Civil de 1916, novos dispositivos passaram a

trazer à baila a ideia de dano moral. O artigo 76136

era um destes, vez que apresentava

como requisito para propositura ou contestação de ação, o interesse econômico ou

moral.

Caio Mário da Silva Pereira137

aponta também a previsão de hipóteses

casuísticas que sugeriam a indenização por danos extrapatrimoniais por meio dos

artigos 1.538, caput138

(que tratava de ofensa corpórea que resultasse em lesão ou

deformidade), 1.547 e 1.548139

(referentes à previsão de indenização por ofensa à honra

de alguém). O autor ainda destaca que o artigo 159140

abordava a responsabilidade

aquiliana e dispunha sobre a possibilidade de reparação de qualquer dano, não limitando

a hipótese de indenização apenas quanto aos danos materiais.

135

“Artigo 21. No caso de lesão corpórea ou deformidade, à vista da natureza da mesma e de outras

circunstâncias, especialmente a invalidade para o trabalho ou profissão habitual, além das despesas com o

tratamento e os lucros cessantes, deverá pelo juiz ser arbitrada uma indenização conveniente”.

136 “Artigo 76. Para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legitimo interesse econômico, ou

moral.

Parágrafo único. O interesse moral só autoriza a ação quando toque diretamente ao autor, ou á sua

família”.

137 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações. 8ª ed. Rio

de Janeiro: Forense, 1986, p. 321-322.

138 “Artigo 1.538. No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, indenizará o ofensor ao ofendido as

despesas do tratamento e os lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de lhe pagar a

importância da multa no grão médio da pena criminal correspondente”.

139 “Artigo 1547. A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte

ao ofendido.

Parágrafo único. Se este não puder provar prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dobro da multa no

grão máximo da pena criminal respectiva (artigo 1.550).

Artigo 1.548. A mulher agravada em sua honra tem direito a exigir do ofensor, se este não puder ou não

quiser reparar o mal pelo casamento, um dote correspondente à condição e estado da ofendida: I. Se,

virgem e menor, for deflorada.

II. Se, mulher honesta, for violentada, ou aterrada por ameaças.

III. Se for seduzida com promessas de casamento.

IV. Se for raptada”. 140

“Artigo 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito,

ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.

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Além do Código Civil de 1916, Fábio Ulhoa Coelho141

traz alguns diplomas

esparsos que também passaram a mencionar especificamente a possibilidade de

indenização por danos morais, quais sejam: Código Brasileiro de Telecomunicações

(1962), a Lei de Imprensa (1967), o Código Eleitoral (1965) e a Lei dos Direitos

Autorais (1973).

Apesar das referidas previsões legais, a aceitação da ideia de reparação por

dano moral tinha pouca adesão nos Tribunais. Inicialmente, alegava-se que o dano

moral não poderia ser auferível e nem ressarcido de forma pecuniária. Sobre esta fase da

irreparabilidade, Sérgio Cavalieri Filho expõe142

:

Numa primeira fase negava-se ressarcibilidade ao dano moral, sob

fundamento de ser ele inestimável. Chegava-se, mesmo, ao extremo de

considerar imoral estabelecer um preço para a dor. Aos poucos, entretanto,

foi sendo evidenciado que esses argumentos tinham por fundamento um

sofisma, por isso que não se trata de ‘pretium doloris’, mas de simples

compensação, ainda que pequena, pela tristeza injustamente infligida à

vítima.

Somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 é que foi

estancada a discussão sobre a possibilidade de se determinar a reparação por dano

moral; isto porque, a reparabilidade por dano moral foi expressamente exposta nos

incisos V e X do artigo 5º da Carta Magna.

Como ensina Yussef Said Cahali:

Finalmente, a Constituição de 1988 cortou qualquer dúvida que pudesse

remanescer a respeito da reparabilidade do dano moral, estatuindo em seu art.

5º, no item V, que ‘é assegurado o direito de resposta, proporcional ao

agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem’; e. no

item X, que ‘são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem

das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral

decorrente de sua violação”143

.

Entretanto nova discussão surgiu: quanto à possibilidade ou não de se cumular

indenização por danos morais e materiais ocasionados por um mesmo fato.

O entendimento majoritário era pela impossibilidade de cumulação, sob o

argumento de que o dano moral já estaria contemplado no dano material. A Suprema

141

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil: Obrigações e Responsabilidade Civil. Vol. 2. 6ª ed.

São Paulo: Saraiva, 2014, p. 428.

142 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.

119.

143 CAHALLI, Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 53-54.

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Corte, por sua vez, exarou entendimento quanto à possibilidade de cumulação de

indenização por dano moral e material, desde que pleiteados pela própria vítima144

.

Acerca desta segunda fase, em que se discutiu a cumulação de danos morais e materiais,

Sérgio Cavalieri Filho145

escreve:

Passou-se então, numa segunda fase, a admitir o ressarcimento do dano

moral, desde que autonomamente, isto é, não cumulado com o dano material.

O argumento, agora, era o de que o dano material absorve o moral, afastando,

nesse caso, a sua reparação. Também aqui, com a devida vênia, fundava-se o

argumento em um sofisma. Em inúmeros casos, o ofendido, além do prejuízo

patrimonial, sofre também dano moral, que constitui um ‘plus’ não abrangido

pela reparação material. E assim é porque o dano material, conforme já

demonstrado, atinge bens do patrimônio da vítima, enquanto o dano moral

ofende bens da personalidade”.

Por fim, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 37146

pondo fim a

qualquer dúvida sobre a possibilidade de cumulação das indenizações por dano material

e moral referentes a um mesmo fato. Além disto, a admissão da reparabilidade por dano

moral passou a ser expressa também no artigo 6º, inciso IV do Código de Defesa do

Consumidor (Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990) e no artigo 186 do Código Civil

de 2002.

A resistência quanto à aplicação do dever de indenizar o dano moral causado

passou, em seguida, a se manifestar nos assuntos relacionados ao Direito de Família.

Os argumentos consistiam em sustentar que as regras morais impediriam o

litígio por atos ilícitos cometidos no seio da família147

; que não seria possível o

tabelamento do amor, pois o Direito de Família pertence a uma ramificação especial do

Direito Privado, sem espaço para a incidência da reparação pecuniária148

; e ainda que a

perfilhação da responsabilidade civil na família faria com que os seres humanos se

paralisassem por receio de incidirem em dano moral a alguém149

.

144

Neste sentido: RE 95.103 (RTJ 108/646); 100.297 (RTJ 110/342); 89.558 (RTJ 89/660), entre outros.

145 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 12ª ed.. São Paulo: Atlas, 2015, p.

120.

146 STJ, Sum. 37: São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo

fato.

147 GUITIÁN, Alma María Rodríguez. Responsabilidade civil en el Derecho de Familia: Especial

referencia al ámbito de las relaciones paterno-filiales. Navarra: Editorial Aranzadi, 2009, p. 33.

148 CARVALHO NETO, Inacio de. Responsabilidade civil no Direito de Família. Curitiba: Juruá, 2002,

p. 299.

149 PEREIRA, Sérgio Gischkow. O dano moral no direito de família: O perigo dos excessos capazes de

repatrimonializar as relaçãoes familiares. In:LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.). Grandes temas da

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Com relação ao último argumento, é realmente necessário que as pessoas se

preocupem em refletir suas atitudes para não causar dano a outrem. Inclusive, esta é

uma das consequências da responsabilidade civil que gera aplicabilidade ao princípio

neminem laedere. Já no que concerne à ideia de que não seria possível a incidência no

Direito de Família do dever de indenizar pecuniariamente danos morais causados,

verifica-se que não há nenhuma disposição jurídica neste sentido. O preceito é,

meramente, o de reparar o dano causado por ato ilícito, independentemente de a relação

ser entre familiares. Além disto, o sistema jurídico é autopoiético, ou seja, possui as

suas próprias regras de aplicabilidade, não sendo possível evitar a aplicação de regras

jurídica da responsabilidade civil por supostas regras morais prevendo a não incidência

no direito de família.

Nenhum dos argumentos contrário à aplicação do instituto prosperou. E a

responsabilidade civil por danos morais passou a incidir também no direito de família.

No entendimento de Graciela Medina150

, a doutrina e os precedentes

jurisprudenciais afastaram a ideia de não serem reparáveis os danos causados entre

integrantes de uma família, em razão de os princípios clássicos da responsabilidade civil

sofrerem sensível evolução. Da mesma forma se avançou nas concepções

contemporâneas no Direito de Família por influência dos princípios constitucionais de

valorização do ser humano. Assim, a evolução do Direito de Família conduziu à

supremacia da personalidade e à autonomia da pessoa diante de seu grupo familiar, não

existindo qualquer prerrogativa doméstica a permitir possa um membro de uma família

causar dano doloso ou culposo a outro membro da família e se eximir de responder em

virtude de vínculo familiar.

Não se fala, atualmente, em exclusão do instituto da responsabilidade civil em

razão de as partes serem familiares. A regra jurídica é a de aquele que causa dano a

outrem comete a ato ilícito e fica obrigado a indenizar. Esta regra é a que tem sido

aplicada inclusive no Direito de Família, campo que verifica a ocorrência de diversos

danos morais, como destaca Arnaldo Marmitt:

No direito de família abundam os valores imateriais indenizáveis. É terreno

fértil da violência familiar, que por sua força e insuportabilidade já não mais

pertence oculta aos olhos dos outros. Com frequência exsurgem lesões graves

atualidade, dano moral, aspectos constitucionais, civis, penais e trabalhistas.. Rio de Janeiro: Forense,

2002, p. 408.

150 MEDINA, Graciela. Daños em el Derecho de Familia. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 2002, p. 21.

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dessa área do Direito. São os prejuízos morais resultantes de vulneração de

virtudes de personalidade, dos atributos mais valiosos da pessoa, sua riqueza

interior, de sua paz jurídica (...). A ofensa a esses bens superiores gera o dano

moral ressarcível151

.

No que se refere à definição de dano moral, este foi visto, por longo período,

como sendo dor, sofrimento, aflição ou vergonha por grande parte da doutrina nacional

e alienígena. Em 1917, Alfredo Minozzi152

assim explicava o dano moral: “é a dor, o

espanto, a emoção, a vergonha, a aflição física ou moral, em geral uma dolorosa

sensação provada pela pessoa, atribuindo à palavra dor o mais largo significado”.

No mesmo sentindo era que, em 1939, René Savatier153

tratava do aludido

instituto:

[...]qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda

pecuniária, e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade

legitima, ao seu pudor, à sua segurança e tranquilidade, ao seu amor próprio

estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições, etc.

Tais definições foram acompanhadas por Agostinho Alvim154

, Rafael Durán

Trujilo155

, Henri de Page156

, Brugi157

, Gabba158

, Lafaille159

, Demogue160

, dentre outros.

Entretanto, o enquadramento dos danos morais neste sentido acarreta, como

consequência, a não contemplação, no conceito deste dano, de diversas lesões a direitos

da personalidade que não resultem em dor ou aflições em geral161

.

151

MARMITT, Arnaldo. Dano moral. Aide: Rio de Janeiro, 1999. p. 113.

152 MINOZZI, Alfredo. Studio sul Danno Non Patrimoniale: Dano Morale, 3ª ed. Milano: Società

Editrice Libraria, 1917, p. 41 : “il dolore, lo spavento, l’emozione, l’onta, lo strazio físico o morale, in

generale una dolorosa sensazione provata dalla persona, atribuendo ala parola dolore il più largo

significato”.

153 SAVATIER, René. Traité de La Responsabilité Civile en Droit Français. Tome I. Paris: Librairie

Générale de Droit et de Jurisprudence, 1939, p. 11, livre tradução.

154 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 5ª ed. São Paulo: Saraiva,

1980, p. 157.

155 TRUJILLO, Rafael Durãn. Nociones de responsabilidade civil. Bogotá: Temis, 1957, p. 82.

156 PAGE, Henri de. Traité élémentaire de droit civil belge. Vol. 2. 2ª ed. Bruxelles: Émile Bruylant ,

1948, p. 951.

157 BRUGI, Biagio. Istituzioni di diritto civile italiano. 4ª ed. Milano: Società Editrice Libraria, 1905, p.

570 e 571

158GABBA, Carlo Francesco. Dizionario pratico di diritto privato, fondato da Scialoja. Milano: Diretto

da Bonfante, 1952, p. 543.

159 LAFAILLE, Hector. Derecho civil, Tratado de las obligaciones. Tomo I, Buenos Aires: Ediar, 1947,

p. 288.

160 DEMOGUE, René. Traité des obligations en general. Vol. 4. Paris: Librairie Athur Rousseau, 1928, p.

403.

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71

Por esta razão, é o que o dano moral tem sido definido como sendo qualquer

lesão ou ameaça a direito da personalidade162

. A respeito, ensina Eduardo Zannoni:

O dano moral não é a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a

humilhação, o complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois esses

estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a consequência do

dano. A dor que experimenta os pais pela morte violenta do filho, o

padecimento ou complexo de quem suporta um dano estético, a humilhação

de quem foi publicamente injuriado são estados de espírito contingentes e

variáveis em cada caso, pois cada pessoa sente a seu modo. O direito não

repara qualquer padecimento, dor ou aflição, mas aqueles que forem

decorrentes da privação de um bem jurídico sobre o qual a vítima teria

interesse reconhecido juridicamente. Por exemplo: se vemos alguém

atropelar outrem, não estamos legitimados para reclamar indenização, mesmo

quando esse fato nos provoque grande dor. Mas, se houver relação de

parentesco próximo entre nós e a vítima poderão reclamar a reparação

pecuniária em razão de dano moral, embora não peçam um preço para a dor

que sentem ou sentiram, mas, tão-somente, que se lhes outorgue um meio de

atenuar, em parte, as consequências da lesão jurídica por eles sofrida163

.

Exatamente neste sentido é que dispôs o Tribunal de Justiça da Argentina:

La reparación del daño moral no se limita al ‘dolor’ y al ‘sufrimiento’, sino

que debe abarcar el conjunto de repercusiones extrapatrimoniales

desfavorables164

. (...) Todo cambio disvalioso del bienestar psicofísico de una

persona por una acción atribuible a otra configura un daño moral165

.

O Brasil também adotou esta direção para o conceito e assim foi disposto no

Enunciado 445 da V Jornada de Direito Civil: “O dano moral indenizável não pressupõe

161

ANDRADE, André Gustavo C. de. A evolução do conceito de dano moral, Revista Forense, vol. 375,

set-out. 2004, p. 16.

162 Neste sentido, Rogério Donnini explica que:“Condicionar o arbitramento de danos morais à dor, ao

sofrimento e à aflição da vítima ou de seus parentes, consiste em descaracterizar e restringir os direitos

da personalidade, uma vez que os danos extrapatrimoniais podem não ser necessariamente vinculados a

esses sentimentos. Apenas exemplificando, a mera veiculação da imagem de uma pessoa, sem a sua

concordância, por si só, já transgride esse direito da personalidade, independentemente de qualquer

sofrimento. Na mesma direção, o abalo de crédito, mesmo que não cause maiores aflições ao ofendido,

propicia uma reparação pelo dano causado”(DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-

modernidade: felicidade, proteção, enriquecimento com causa e tempo perdido. Porto Alegre: Sergio

Antonio Fabris Ed., 2015, p. 155.)

163 ZANNONI, Eduardo. El dano em la responsabilidad civil. Buenos Aires: Astrea, 1982, p. 234 e 235.

164 Argentina, CNCiv., Sala H, 29/10/99, ED, 190-385.

165 Argentins, Cám.1ª Cív. Y Com. La Plata, Sala III, 24/6/97, ED, 174-220.

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necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou

sofrimento”166

A consequência deste entendimento é: toda circunstância que atinja o ser

humano em sua dignidade, será automaticamente considerada como causadora de dano

moral a ser reparado; tal posição é sustentada tanto por Maria Celina Bodin de

Moraes167

quanto por Sérgio Cavalieri Filho168

.

Com efeito, verifica-se que o dano moral surge a partir da transgressão a

qualquer direito da personalidade:

A cláusula geral da dignidade humana, na realidade, emana para as relações

de Direito Civil e os direitos da personalidade exercem função primordial,

mesmo porque, além da prevenção de danos à pessoa (art. 12 do CC), é a

partir da violação desses direitos que surge o dever de repará-los, mediante a

fixação de uma quantia indenizatória. Em outras palavras, o dano moral

aparece a partir da transgressão a qualquer direito da personalidade169

.

O direito de personalidade, por sua vez, deve ser visto como “um círculo de

direito necessários; um conteúdo mínimo e imprescindível da esfera jurídica de cada

pessoa”170

. Ou, como ensina Rubens Limongi França: “direitos da personalidade dizem-

se faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito,

bem assim da sua projeção essencial no mundo exterior”171

.

Outra consequência da aludida conceituação de dano moral é apresentada por

Yussef Said Cahali, o qual, ao concluir que os danos morais tratam de lesões a direito

da personalidade, ensina que não há como apresentar classificação ou enumeração

exaustiva dos danos morais:

no que se atrela a reparabilidade do dano moral ao direito da personalidade

lesado, inviabiliza-se desde logo uma enumeração exaustiva dos danos

166

Autor do enunciado: Felipe Teixeira Neto. Disponível em <http://www.cjf.jus.br/cjf/CEJ-

Coedi/jornadas-cej/v-jornada-direitocivil/VJornadadireitocivil2012.pdf/at_download/file> acesso em

20.05.2016.

167 MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana. Uma leitura civil-constitucional dos

danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 181-188.

168 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p.

132-133.

169 DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade: felicidade, proteção,

enriquecimento com causa e tempo perdido. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2015, p. 154.

170 PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 2005, p. 209.

171 FRANÇA, Rubens Limongi. Instituições de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 1025.

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morais possíveis, como também se tem como dificultosa qualquer tentativa

de sua classificação172

.

Isto porque os direitos da personalidade são revestidos de proteção

constitucional por meio de “regras fundamentais, de caráter geral, de proteção à pessoa

como ser humano na sua amplitude conceitual: dignidade, liberdade de manifestação de

pensamento, inviolabilidade de intimidade, da vida privada, da honra e da imagem”173

.

Da mesma forma que a sociedade muda a ideia do que deve ser juridicamente

protegido, o conceito de dano se altera com o tempo, pois não se trata de conceito dado,

mas sim construído, como ensina Judith Martins Costa174

.

A ideia de dano, como ensina a referida autora, sofre variações por influência

dos avanços da psicanálise, pela mudança social provocada com a propagação da

internet, entre outros fatores que impulsionam a mudança de concepção dos interesses

que podem ser violados.

E foi o avanço da psicanálise, juntamente com o espírito social de valorização

do ser humano, que trouxe à baila a percepção sobre a violação a direito da

personalidade (dano moral) sofrido por aquele que é abandonado imaterialmente pelo

progenitor que não detém a guarda, ou, no caso dos idosos, pelo filho adulto que ignora

os pais, arcando apenas com questões materiais.

Em outras palavras: a evolução social, juntamente com estudos da psicanálise,

é que permitiu enxergar o dano moral afetivo que sofre o ser humano em

desenvolvimento que é abandonado imaterialmente pelos pais, ou que suporta o ser

humano idoso que é esquecido pelos filhos, os quais apenas efetivam cuidados com

aspectos materiais.

4.2.3. Nexo causal

O terceiro pressuposto para a configuração da responsabilidade civil subjetiva é

a existência de nexo causal entre o dano sofrido e a conduta culposa. Ou seja, o dano

deve ser resultado da ação ou omissão praticada com culpa por aquele que será

responsabilizado pelo dever indenizatório (causador do dano).

172

CAHALLI, Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 59.

173 Ibidem., p. 62.

174 MARTINS-COSTA, Judith. Os Danos à Pessoa no Direito Brasileiro e a Natureza da sua Reparação,

Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, Março/2001, p. 187-190.

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Existem seis teorias que se propõem a apontar o causador do dano:

(i) Teoria da equivalência das condições ou conditio sine qua non:

considera, para fins de responsabilização, todas as causas que

contribuíram de alguma forma para a ocorrência do dano. Conforme

aponta Rogério Donnini, trata-se de teoria que deve ser rechaçada por

tornar ilimitado o dever de reparar, pois seria a hipótese de

responsabilizar quem vendeu um produto qualquer utilizado para a

prática de lesão corporal175

.

(ii) Teoria da causa própria ou da última condição: responsabiliza apenas o

autor da última causa que contribuiu para a efetivação do dano. Também

é criticada essa abordagem, pois, dentre a cadeia causal, nem sempre a

última etapa é, de fato, a determinante na causa do dano.

(iii) Teoria da condição eficiente: busca, dentre todas as causas do dano,

aquela que foi a mais importante para a ocorrência do evento danoso. A

crítica que se apresenta é quanto à subjetividade para se apontar a causa

‘mais importante’.

(iv) Teoria do escopo da norma violada: relaciona o nexo causal com a

proteção jurídica contida no bojo da norma violada.

(v) Teoria do dano direto e indireto: busca responsabilizar o agente apenas

pelos danos ocorridos em decorrência de ações imediatas e diretas desse.

Afastaria, assim, o dever de este agente reparar os danos advindos

secundariamente e não diretamente de seu ato.

(vi) Teoria da causa adequada: por meio de um juízo de probabilidade e

previsibilidade, busca responsabilizar aquele que realizou a conduta mais

adequada para a configuração do dano. Ou seja, a causa deve ser

relevante para gerar o dano, de acordo com as regras de experiência e as

175

DONNINI, Rogério. Responsabilidade Civil Pós-Contratual no direito civil, no direito do

consumidor, no direito do trabalho, no direito ambiental e no direito administrativo. 3ª ed. São Paulo:

Saraiva, 2011, p. 37.

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circunstâncias conhecidas do agente ou passíveis de serem conhecidas

por uma pessoa normal no momento da prática do resultado danoso176

.

A jurisprudência vale-se, ao mesmo tempo, e dependendo do caso concreto,

das diversas teorias, não existindo a prevalência de um só caminho para se apontar o

nexo causal.

Essa flexibilização do nexo de causalidade se dá pela busca da efetiva justiça

distributiva, que visa à reparação integral do lesado em consonância com o princípio da

solidariedade, o qual se instrumentaliza em função do princípio da dignidade humana,

tratado em capítulo anterior.

O nexo de causalidade a justificar o dever de indenizar o abandono imaterial

(ou afetivo) será demostrado nos próximos itens que tratam sobre as consequências

danosas que o inadimplemento das obrigações paterno filiais de cuidado causa aos

filhos em desenvolvimento ou aos pais idosos.

4.5. Responsabilidade civil por abandono imaterial (ou afetivo) direto

A responsabilização civil por abandono afetivo é assunto de ventilação recente

no Direito, e se configura como uma das consequências da busca pela valorização do ser

humano, de maneira que não se verificava em períodos anteriores.

O preceito da igualdade entre homens e mulheres, e princípios como os já

aludidos da solidariedade e o da dignidade humana, notadamente expostos na Carta

Magna de 1988, impulsionam o escopo por uma sociedade livre, justa, igualitária e

acima de tudo que tenha como prioridade máxima o bem-estar coletivo e individual de

cada ser humano em suas capacidades físicas, psíquicas e moral.

Como ensina Paulo Lôbo, quando trata de tema relacionado às crianças e

adolescentes:

[...] a assunção de deveres fundamentais em face da criança resulta de seu

reconhecimento como sujeito de direitos próprio. A responsabilidade com a

sua formação integral, em respeito à sua condição de pessoa em

desenvolvimento, é muito recente na história da humanidade. A concepção

então existente de pátrio poder era de submissão do filho aos desígnios quase

176

DONNINI, Rogério. Responsabilidade Civil Pós-Contratual no direito civil, no direito do

consumidor, no direito do trabalho, no direito ambiental e no direito administrativo. 3ª ed. São Paulo:

Saraiva, 2011, p. 38.

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ilimitados do pai; a criança era tida mais como objeto de cuidado e correção

do que como sujeito próprio de direitos177

.

Somente com essa mudança de valores é que foi permitido enxergar o tema

atinente à reparação pelos danos causados em decorrência do abandono afetivo. Nesse

contexto, destaca-se a substituição do denominado “pater familias” pelo atual “poder

familiar”.

4.5.1. Transformação do pater familias em poder familiar

Conforme já relatado brevemente, o pater familias é figura originária do

Direito Romano e se referia à autoridade do ‘pai de família’ que exercia incontestável

chefia dentro de sua casa. Por ser o senhor absoluto do lar, todos lhe deviam obediência,

fosse a esposa, os filhos, netos, irmãos, clientes, libertos, escravos e as pessoas

colocadas in mancipio178

. O chefe da família detinha o jus vitae et necis, que era o

direito sobre a vida e a morte do filho.

Graças à influência do cristianismo sobre o Estado Romano, com o decorrer do

tempo restringiram-se os poderes outorgados ao chefe de família, que não podia mais

expor o filho (jus exponendi), matá-lo (jus vitae et necis) ou entregá-lo como

indenização (noxae deditio)179

.

No Brasil, verificou-se durante o período colonial, sob as Leis e Ordenações de

Portugal, a absoluta autoridade do pater familia sobre a esposa e filhos (além dos

escravos, como já elucidado anteriormente). No texto do Código Civil não vigorado de

Augusto Teixeira de Freitas cogitou-se até em possibilitar que o pai, a fim de castigar o

filho, requeresse autorização judicial para a detenção da prole por até quatro meses na

casa correncial180

.

A autoridade do pai sobre o filho só passou a assumir caraterísticas de direito

protetivo após a influência do Cristianismo, o qual instigou que se atribuísse aos pais,

por meio de uma imposição de ordem pública, a responsabilidade por zelar pela

formação integral dos filhos181

.

177

LÔBO, Paulo. Direto civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 51.

178 ROCHA, José Virgílio Castelo Branco. O pátrio poder. São Paulo: Leud, 1978, p. 19-23.

179 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família. 11ª ed. São

Paulo: Saraiva, 2014, p. 418.

180 MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 676.

181 GONÇALVES, op. cit., p. 418.

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O termo “pátrio poder” foi mantido até a codificação civil de 1916. Contudo,

tal expressão induzia a noção de um poder do pai sobre os filhos, apresentando-se de

forma incoerente com a igualdade dos cônjuges, e sendo contrário à doutrina da

proteção integral dos filhos como sujeitos de direitos. Por essa razão, houve, no Código

Civil de 2002, a substituição da denominação para que passasse a ser “poder familiar”182

– expressão que esclarece a noção de autoridade pessoal e patrimonial tanto do pai,

quanto da mãe na condução prioritária dos interesses da prole183

.

Dessa forma, como elucida Carlos Roberto Gonçalves, o atual poder familiar

deve ser visto da seguinte forma:

Modernamente, graças à influência do Cristianismo, o poder familiar

constitui um conjunto de deveres, transformando-se em instituto de caráter

eminentemente protetivo, que transcende a órbita do direito privado para

ingressar no âmbito do direito público. Interessa ao Estado, com efeito,

assegurar a proteção das gerações novas, que representam o futuro da

sociedade e da nação. Desse modo, o poder familiar nada mais é do que um

múnus público, imposto pelo Estado aos pais, a fim de que zelem pelo futuro

de seus filhos. Em outras palavras, o poder familiar é instituído no interesse

dos filhos e da família, não em proveito dos genitores em atenção ao

princípio da paternidade responsável insculpido no artigo 226, §7º da

Constituição Federal184

.

Resta cristalino, assim, que a busca por satisfazer os anseios daquele que era

tido como o chefe, a autoridade máxima da entidade familiar (pátrio poder) foi

substituída pelo anseio em se propiciar uma célula capaz de desenvolver seres humanos

dignos e íntegros – tanto fisicamente quanto emocionalmente. Ou seja, houve uma forte

mudança de foco: a autoridade absoluta do homem foi trocada pela igualdade entre

gêneros em busca do bem-estar familiar, sobretudo das crianças e adolescentes.

É nesse mesmo sentido que Paulo Lôbo discorre sobre a transição do instituto:

Ao longo do século XX, mudou substancialmente o instituto, acompanhando

a evolução das relações familiares, distanciando-se de sua função originária –

voltada ao interesse do chefe da família e ao exercício de poder dos pais

sobre os filhos – para constituir um múnus, em que ressaltam os deveres185

.

182

O projeto do Estatuto das Famílias prefere utilizar a denominação “autoridade parental” a fim de fugir

da ideia de ‘poder’, pois em verdade trata-se de múnus público, com mais ‘dever’ do que ‘poder’.

183 MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 677.

184 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família. 11ª ed. São

Paulo: Saraiva, 2014, p. 418.

185 LÔBO. Paulo. Direito civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 295.

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Arnaldo Rizzardo também anota essa mudança e dispõe sobre o fato de outrora

se verificar que o poder do pai, e não do pai e da mãe, era absoluto, a ponto de manter

quase uma posição de senhor com amplos direitos de tudo decidir e impor; agora,

contudo, chegou-se em um momento histórico de igualdade praticamente total entre os

membros da família, onde a autoridade dos pais é uma consequência do diálogo e

entendimento, e não de atos ditatoriais ou de comando cego186

.

Em complemento, Ana Carolina Teixeira observa que

o conteúdo do poder familiar mudou porque também se transformou a

relação parental, que, hoje, é pautada no afeto. No âmbito de uma família

solidarista, o autoritarismo cedeu espaço à afetividade. A autoridade é

conjugada com o amor”187

.

A aludida evolução também é referida por Maria Helena Diniz, a qual anota:

[...] a família sofreu um processo de democratização, constituindo-se numa

comunidade ou instituição convivencial, regida pelos laços da afetividade,

liberdade e respeito, buscando a realização plena de todos os seus

membros188

.

Tal alteração possibilitou se falar em indenização por abandono afetivo dos

filhos menores praticados pelo genitor que não detêm a guarda. Afinal, se o escopo

anterior era a satisfação dos interesses do homem chefe de família, não cabia se falar em

responsabilizá-lo por ignorar necessidades afetivas da prole.

Sem discordar, Rolf Madaleno anota:

O pai era o patrão dos filhos e deles tinha o direito de exigir obediência e

respeito, e seria inimaginável pensar em impor qualquer espécie de dano por

agravo moral intrafamiliar, em um contexto de absoluta hierarquia e de

incontestável subordinação ao provedor da família, que estava habilitado por

lei e pela realidade sociofamiliar a exercer com exclusiva a sua autoridade.

Uma nova legislação brasileira passou a valorizar o indivíduo dentro do

núcleo familiar e a tutelar a dignidade humana da pessoa (...)Os tempos

remodelaram a estrutura familiar e nos dias de hoje, não existe mais espaço

para modelos que outorguem ao pai a livre decisão de se ausentar como

genitor, porquanto a família tem como essência e razão de existência a sua

comunhão espiritual, onde mulher e homem trabalham em igualdade de

186

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 541.

187 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, Guarda e Autoridade Parental. Rio de Janeiro:

Renovar, 2005, p. 129.

188 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5: direito de família. 30ª ed. São

Paulo: Saraiva, 2015, p. 625.

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direitos, princípios, valores e oportunidades, em uma atmosfera que visa o

crescimento e a fortificação da unidade familiar.189

4.5.2. Conteúdo do poder familiar

Determina o artigo 1.630 da codificação civil de 2002 que “os filhos estão

sujeitos ao poder familiar, enquanto menores”. A menoridade cessa aos 18 anos

completos, conforme artigo 5º do CC; por isso, extingue-se nessa idade o poder

familiar, ou antes, se configurada alguma das hipóteses aludidas no parágrafo único190

desse dispositivo legal.

Além das disposições previstas no código civil (artigos 1.630 a 1.638), o

instituto do poder familiar também é tratado pelo Estatuto da Criança e Adolescente

(Lei n. 8.069/1990) por meio dos artigos 21 a 24, que se referem ao direito à

convivência familiar e comunitária, e também dos artigos 155 a 163, os quais dispõem

sobre os procedimentos relativos à perda e à suspensão do poder familiar. A gênese do

poder familiar, contudo, encontra-se, como ensina Rolf Madaleno191

, no já referido

artigo 229 da Constituição Federal.

Maria Helena Diniz define o poder familiar como um conjunto de direitos e

obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em

igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos

que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho 192

.

Washington de Barros Monteiro conceitua o instituto como

o conjunto de obrigações, a cargo dos pais, no tocante à pessoa e bens dos

filhos menores. Debaixo de seu manto protetor, colocam-se todos os filhos

189

MADALENO, Rolf. O custo do abandono afetivo. Disponível em

<http://www.rolfmadaleno.com.br/novosite/conteudo.php?id=943>. Acesso em 08. mar. 2017.

190 Artigo 5

o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de

todos os atos da vida civil.

Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público,

independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver

dezesseis anos completos;

II - pelo casamento;

III - pelo exercício de emprego público efetivo;

IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;

V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em

função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.

191 MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 681.

192DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5: direito de família. 30ª ed. São Paulo:

Saraiva, 2015, p. 624.

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menores, sem exceção, seja qual for a sua categoria: legítima, legitimados,

legalmente reconhecidos e adotivos193

.

Paulo Lôbo, por sua vez, aponta que o poder familiar é o exercício dos pais

sobre os filhos, no interesse destes e configura uma autoridade temporária, exercida até

a maioridade ou emancipação dos filhos194

.

Conforme artigo 21 do ECA195

, podemos afirmar que o poder familiar é

poder/dever a ser exercido em igualdade de condições pelo pai e pela mãe, os quais

possuem, como reza o artigo 22 do ECA196

, responsabilidades compartilhadas no

cuidado e na educação da criança, bem como no sustento e na guarda. Desta forma, é

atribuído, pelo artigo 1.634 do codex civil, aos pais, qualquer que seja a sua situação

conjugal, o pleno exercício do poder familiar, cabendo aos genitores em relação aos

filhos:

I - dirigir-lhes a criação e a educação;

II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do artigo 1.584;

III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;

V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência

permanente para outro Município;

VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos

pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos,

nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem

partes, suprindo-lhes o consentimento;

VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua

idade e condição.

193

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Direito de Família. 38ª ed. São Paulo:

Saraiva, 2001, p. 276.

194 LÔBO. Paulo. Direito civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 295.

195 Artigo 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma

do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância,

recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.

196 Artigo 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes

ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades

compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão

familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei. (Incluído

pela Lei 13.257, de 2016)

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Vale destacar ainda que o ‘poder familiar’ abrange dois aspectos: o pessoal e o

patrimonial. Aquele se refere ao direito-dever de guarda, educação e correição; ao passo

que esse contempla a administração e usufruto dos bens dos filhos197

.

O usufruto e administração dos bens dos filhos pelos pais são inerentes ao

poder familiar e decorrem, respectivamente, dos incisos II e I do artigo 1.689 do Código

Civil. Sílvio Venosa198

esclarece que esse usufruto é irrenunciável e intransferível, e que

possui origem histórica no usufruto concedido ao pater familias na legislação de

Justiniano, sendo justificado sob duas faces: para compensar os pais pelos encargos do

múnus do poder familiar; e, sob o prisma da entidade familiar, se configura porque

todos os seus membros devem compartilhar os bens.

Como características do poder familiar, destaca-se o fato de se constituir um

múnus público199

imposto pelo Estado aos pais, a fim de que zelem pelo futuro de seus

filhos200

. Ao Estado interessa o bom desempenho do poder familiar, tanto que existem

normas sobre o seu exercício, ou sobre a atuação do poder dos pais na pessoa dos

filhos201

.

A justificativa para o múnus público do poder familiar está na razão natural de

dependência da prole humana, que necessita da proteção e cuidado dos pais de forma

absoluta no nascimento202

. Essa dependência, em geral203

, vai se dissipando na medida

do crescimento do filho. Por essa razão, a norma civil estabelece uma idade cronológica

para duração do poder familiar (18 anos completos, com exceção das hipóteses

elencadas no parágrafo único do artigo 5º do Código Civil), que é interrompido quando

o filho habilita-se para a prática de todos os atos da vida civil.

Conforme preleciona Orlando Gomes, o ser humano necessita

197

GOMES, Orlando. Direito de Família. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 394.

198 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 333.

199 Em nota, o TJDFT assim expõe: “A palavra múnus tem origem no latim e significa dever, obrigação,

etc. O múnus público é uma obrigação imposta por lei, em atendimento ao poder público, que beneficia a

coletividade e não pode ser recusado, exceto nos casos previstos em lei”. Disponível em

<http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/direito-facil/munus-publico>, acesso em 10. jun. 2017.

200 GOMES, Orlando. Direito de família. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 358.

201 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 544.

202 O artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente cita expressamente a ‘condição peculiar da

criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento’.

203 Diz-se ‘em geral’, pois algumas pessoas com deficiências físicas e/ou psíquicas são eternamente

dependentes de cuidado e proteção.

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durante sua infância, de quem o crie e eduque, ampare e defenda, guarde e

cuide de seus interesses, em suma, tenha a regência de sua pessoa e seus

bens. As pessoas naturalmente indicadas para o exercício dessa missão são os

pais. A eles confere a lei, em princípio, esse ministério204

.

Outro caractere que marca o poder familiar é o fato de ser inalienável, vez que

não pode ser transferido pelos pais a outrem nem a título oneroso, nem gratuito.

Destaca-se também a irrenunciabilidade do instituto, afinal se assim não fosse teríamos

a não aceitação de uma obrigação de ordem pública, o que é incabível. Vale observar,

entretanto, que há uma única hipótese de exceção, e que se encontra prevista no artigo

166 da Lei 8.069/1990: trata-se da adesão direta à adoção:

Só quando se trata de adoção é que se pode falar de renúncia do pátrio poder.

Mas, aqui, estão em jogo outros princípios. Acolhendo o direito brasileiro o

instituto da adoção, não poderia deixar de conceder ao pai adotivo a

autoridade paternal. Com a adoção, há uma transferência do pátrio poder.

Perde-o, realmente, o pai natural; adquire-o, para todos os efeitos, o pai

adotivo. A renúncia do pátrio poder, que neste caso é uma exceção resulta um

benefício de outro instituto, admitido em nosso direito positivo205

.

Cita-se, ainda, a característica da imprescritibilidade, pois não há o decaimento

do poder familiar pelo fato de não ser exercido. Só é possível a perda e suspensão desse

poder-dever nos casos previstos em lei.

Por fim, destaca-se que o incumprimento dos deveres concernentes ao poder-

familiar implica em sanção referente, ao menos, à perda do poder familiar. Nas palavras

de Orlando Gomes: “verifica-se a perda do pátrio poder em consequência da conduta

culposa dos pais, configurando, assim, como verdadeira sanção”206

.

No mesmo sentido, Gonçalves ensina que a perda ou destituição do poder

familiar “assim como a suspensão, constitui sanção aplicada aos pais pela infração ao

dever genérico de exercer a patria potestas em consonância com as normas

regulamentares, que visam atender ao melhor interesse do menor”207

.

204

GOMES, Orlando. Direito de família. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 389.

205 ROCHA, José Virgílio Castelo Branco. O pátrio poder. São Paulo: Leud, 1978, p. 40.

206 GOMES, Orlando. Direito de Família. 12ª edição rev. e at. por Humberto Theodoro Jr. Rio de Janeiro:

Forense, 2000, p. 399.

207 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, vol. 6: direito de família. 11ª ed. São Paulo:

Saraiva, 2014, p. 432.

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Dai também porque se fala em poder-dever do denominado “poder-familiar”,

afinal não seria possível se falar em sanção pelo não exercício de um poder. Pois, se é

poder, tem o titular a faculdade de exercê-lo ou não sem ser sancionado.

4.5.3. Suspensão do Poder familiar

Há a suspensão do poder familiar do pai ou da mãe condenados por sentença

irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão, conforme

paragrafo único do artigo 1.637 do Código Civil.

Finda a causa da suspensão, restaura-se ao impedido o poder familiar pleno ou

segundo restrições determinadas pelo juiz, exceto se a causa da punição tenha sido

crime doloso, sujeito à pena de reclusão, praticado contra o filho ou com participação

deste. Nesta hipótese, é vedada – tanto pelo ECA (Lei 8.069/1990), mediante artigo 23,

§2º, quanto pelo Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940), por meio do artigo 92, inciso

II combinado com o parágrafo único do artigo 93 – a restauração do poder familiar,

tutela ou curatela em relação ao filho, tutelado ou curatelado.

O caput do referido dispositivo legal trata da possibilidade de suspensão do

referido múnus publico, por meio de requerimento do Ministério Público ou de algum

parente do menor, quando o pai ou a mãe “abusar de sua autoridade, faltando aos

deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos”. Nesta hipótese, cabe ao juiz

adotar a melhor medida pela segurança do menor e de seus bens, podendo até suspender

o poder familiar (com possibilidade de restauração) ou extingui-lo em caso de

comportamento reiterado (como reza o artigo 1.638, IV do CC).

4.5.4. Extinção do Poder familiar

Já a extinção do poder familiar se opera ipso iure nas hipóteses elencadas nos

incisos I a IV do artigo 1.635 do Código Civil, quais sejam, respectivamente: morte dos

pais ou do filho; emancipação; maioridade; adoção; e decisão judicial, na forma

do artigo 1.638.

Caso ocorra a morte de apenas um dos pais, o poder familiar se concentrará no

outro genitor. No cenário de uma adoção, os deveres de cuidado e zelo se extinguem

para os pais naturais e se transferem aos adotantes.

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Nas hipóteses de morte do filho, emancipação (nos termos do artigo 5º,

parágrafo primeiro do CCB) ou maioridade verifica-se a perda da razão de ser do

instituto, que é a proteção do menor.

Por fim, o inciso V do artigo 1.635 faz alusão ao artigo 1.638, o qual trata das

hipóteses de destituição do poder familiar por ato judicial, cujo rito é regulado pelos

artigos 155 a 163 do Estatuto da criança e adolescente.

As hipóteses que dão aso para a destituição do poder familiar são as seguintes:

Artigo 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

I - castigar imoderadamente o filho;

II - deixar o filho em abandono;

III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.

Vale destacar que a declaração de perda ou suspensão do poder familiar não

implica necessariamente na desobrigação de prestar alimentos ao filho. Caso ordenado

em sentença, continuam os progenitores obrigados a atender as necessidades materiais

dos infantes por meio da prestação de alimentos208

.

4.5.4.1. Reincidência das faltas previstas no artigo 1.637, CCB

Como já mencionado quando se tratou das hipóteses de suspensão do poder

familiar, o comportamento de abuso de autoridade, falta aos deveres de pais ou

dilapidação dos bens do filho pode não apenas justificar a suspensão do pode familiar,

como também, quando reiterado, dar razão à destituição do poder familiar (artigo 1.638,

inciso IV, CCB).

4.5.4.2. Castigo imoderado

No que concerne ao intitulado “castigo imoderado”, vale ressaltar que alguns

doutrinadores entendiam que o Código Civil de 2002 admitia não haver ilicitude na

aplicação de castigos físicos ‘moderados’.

208

É o que decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Alimentos. Ação aforada pelo avô em

favor da menor sob sua guarda. Mesmo que tenha sido alvo de suspensão ou perda do pátrio poder, é

dever do pai manter a subsistência da filha. Prestação alimentar fixada com razoabilidade, atenta à

necessidade da menor e às possibilidades do alimentante” (Revista de Jurisprudência do TJ do RS,

137/147).

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Nas palavras de Antonio Carlos Mathias Coltro209

:

O primeiro inciso diz respeito ao castigo que seja imposto de forma

imoderada ao filho, com o que o Código, mantendo posição antiga, admite o

castigo moderado, o que acaba por permitir inferência sobre ser possível aos

pais até aqueles que tenham natureza física, o que embora algumas vezes

acabe por escapar ao controle dos mesmos.

O mesmo autor, porém, ao continuar no texto, demonstrava que não apoiava a

aplicação de castigos físicos e sobre eles dispunha: “já não seja o caso de aplicar, uma

vez que apesar de caber aos pais dirigir a criação e educação dos filhos, também é certo

que a correção pode ser feita por outros meios que não o físico”.210

O escritor ainda mencionou ensinamentos de Paulo Luiz Netto Lôbo para

demonstrar que, por outro lado, sob o enfoque constitucional, inexistia amparo legal à

punição física ou psíquica. Lôbo, sobre tal castigo, declarava ser inadmissível

ainda que ‘moderado’, pois não deixa de consistir violência à integridade

física do filho, que é direito fundamental inviolável da pessoa da pessoa

humana, também oponível aos pais. O artigo 227 da Constituição determina

que é dever da família colocar o filho (criança ou adolescente) a salvo de toda

violência. Todo castigo configura violência. Note-se que a Constituição

(artigo 5º, XLIX) assegura a integridade física do preso. Se assim é com

adulto, com maior razão não se pode admitir violação da integridade física da

criança ou adolescente, sob pretexto de castiga-lo. Portanto, na dimensão do

tradicional pátrio poder era concebível o poder de castigar fisicamente; na

dimensão do poder familiar fundado nos princípios constitucionais, máxime o

da dignidade da pessoa humana, não há como admiti-lo. O poder disciplinar,

contido na autoridade parental, não inclui, portanto, a aplicação de castigos

que violem a integridade física do filho211

.

A fim de cristalizar a questão e não abrir mais nenhuma margem para que se

sustentasse a possibilidade de castigos físicos, foi editada, no final de junho de 2014, a

Lei n. 13.010, a qual estabelece o direito da criança e do adolescente de serem educados

e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante.

Tal lei acresceu o seguinte dispositivo ao Estatuto da Criança e do

Adolescente:

209

CAMILLO, Carlos Eduardo Nicoletti; COLTRO, Antonio Carlos Mathias; FREIRE, Rodrigo Cunha

de Lima; GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; SILVA, João Carlos Pestana de Aguiar. In: ALVIM,

Arruda; ALVIM, Thereza (coords). Comentários ao Código Civil Brasileiro, volume XIV: do direito de

família. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 468.

210 Ibidem., p. 468.

211 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Do poder familiar. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha

(coords). Direito de Família e o Novo Código Civil. 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 153-164.

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Artigo 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e

cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante,

como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto,

pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos

agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer

pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.

Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se:

I - castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso

da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em:

a) sofrimento físico; ou

b) lesão;

II - tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em

relação à criança ou ao adolescente que:

a) humilhe; ou

b) ameace gravemente; ou

c) ridicularize.

Com essa alteração restou-se cristalino que castigos físicos devem ser

classificados como ‘castigo imoderado’ quando causarem sofrimento físico ou lesão, e,

por esta razão, devem ser causa de destituição do poder familiar.

É importante observar que nem todo castigo físico leva à perda do poder

familiar, apenas aqueles aplicados com uso de força física.

Dessa forma, a título de exemplo, caso um filho tenha um mau comportamento

para com seu irmão, e receba castigo determinando que arrume a cama desse irmão, não

se estará diante da hipótese de castigo imoderado, pois trata de castigo físico que não foi

imposto com força física e que não causa lesão, nem sofrimento físico, nem humilhação,

nem degradação. Ao contrário, além de demonstrar que o comportamento da criança foi

errado, ensina ainda a ideia de compensação.

O castigo físico que inflige lesão ou sofrimento ao menor, além de não ser

educativo, é absolutamente destoante da ideia de poder familiar que visa ao bem estar e

desenvolvimento de todos os membros da família; aproxima-se, em verdade, da noção

de poder do pater familias. Neste aspecto, Paulo Lôbo analisa que

na dimensão do pátrio poder era concebível o poder de castigar fisicamente

os filhos; na dimensão do poder familiar fundado nos princípios

constitucionais, máxime o da dignidade da pessoa humana, não há como

admiti-lo212

.

4.5.4.3. Prática de atos contrários à moral e aos bons costumes

212

LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 4a ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 309.

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Carlos Roberto Gonçalves213

afirma que o lar é uma escola onde se forma a

personalidade dos filhos, os quais são facilmente influenciáveis; por essa razão,

necessitam que os pais mantenham postura digna e honrada a fim de moldar o caráter

dos menores.214

A preocupação do legislador quando prevê a hipótese de destituição do

poder familiar em razão da prática de atos contrários à moral e aos bons costumes, é a

de evitar a influência de maus comportamentos na formação psíquica e moral das

crianças e adolescentes.

A respeito dos menores, Rizzardo escreve:

No lar, eles adquirem os princípios que nortearão seu futuro, como a

dignidade pessoal, a honestidade, a correção da conduta, o respeito pelo

semelhante, a responsabilidade profissional, dentre outras virtudes. De sorte

que as atitudes imorais ou indignas do ser humano, as práticas delinquenciais,

a falta de pudor, a libertinagem, a expansão do sexo sem recato, depõem

contra a formação do filho, ainda não maduro e sem conhecimento de certos

assuntos para entender e saber conduzir-se frente aos mesmos”215

.

Verifica, portanto, que dentro do conceito de imoral e contrário aos bons

costumes, se inclui o alcoolismo, a prática de prostituição, o lenocínio, o uso ou tráfico

de entorpecentes, dentre outras hipóteses de vida desregrada.

Desta forma, conforme afirma Maria Helena Diniz216

, é considerado menor em

situação irregular o que se acha em perigo moral, por encontrar-se, de modo habitual,

em ambiente promíscuo, inadequado ou contrário aos bons costumes.

Quando os genitores permitem que a criança ou adolescente frequente (ou até

resida) em tal ambiente, devem ser destituídos do poder familiar a fim de preservar a

integridade na formação dos infantes.

Além da perda do poder familiar, há a possibilidade de sanção penal em razão

da tipificação, por meio do artigo 245217

do Código Penal, do crime de ‘entrega de filho

213

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família. 11ª ed. São

Paulo: Saraiva, 2014, p. 434.

214 Esse mesmo posicionamento é compartilhado por Arnaldo Rizzardo a fls. 554 da obra Direito de

Família. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

215 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 554.

216 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 30ª ed. São Paulo:

Saraiva, 2015, p. 640.

217 Entrega de filho menor a pessoa inidônea

Artigo 245 - Entregar filho menor de 18 (dezoito) anos a pessoa em cuja companhia saiba ou deva saber

que o menor fica moral ou materialmente em perigo:

Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

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menor a pessoa inidônea’, em cuja companhia, o guardião saiba ou deva saber que o

menor fica moral ou materialmente em perigo.

4.5.4.4. Deixar o filho em abandono

O caput artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente determina que cabe

aos pais, além de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais, também o dever de

sustento, guarda e educação dos filhos menores.

O descumprimento destas obrigações é causa de destituição do poder familiar,

como reza o inciso II do artigo 1.638 do CCB, e pode configurar abandono material,

intelectual, moral ou afetivo.

Ou seja, a falta de assistência material coloca em risco a sua saúde e

sobrevivência, mas não constitui a única forma de abandono. Este pode ser também

moral e intelectual, quando importa em descaso com a educação e moralidade do

infante218

.

Visando a reprimir tais abandonos, o Código Penal tipifica os crimes de

‘abandono material’ em seu artigo 244219

; de ‘abandono intelectual’ no artigo 246 e

247220

; de ‘abandono de incapaz’ no artigo 133221

; e ainda, de ‘abandono de recém-

nascido’ expresso no artigo 134222

.

§ 1º - A pena é de 1 (um) a 4 (quatro) anos de reclusão, se o agente pratica delito para obter lucro, ou se o

menor é enviado para o exterior

§ 2º - Incorre, também, na pena do parágrafo anterior quem, embora excluído o perigo moral ou material,

auxilia a efetivação de ato destinado ao envio de menor para o exterior, com o fito de obter lucro.

218 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família. 11ª ed. São

Paulo: Saraiva, 2014, p. 434.

219 Abandono material

Artigo 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18

(dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não

lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia

judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou

ascendente, gravemente enfermo:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente

no País.

Parágrafo único - Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo,

inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia

judicialmente acordada, fixada ou majorada.

220 Abandono intelectual

Artigo 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:

Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.

Artigo 247 - Permitir alguém que menor de dezoito anos, sujeito a seu poder ou confiado à sua guarda ou

vigilância:

I - frequente casa de jogo ou mal-afamada, ou conviva com pessoa viciosa ou de má vida;

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Além da criminalização dos referidos abandonos, foi aprovado pelo Senado e

remetido à Câmara dos Deputados, em outubro de 2015, projeto de lei que visa a alterar

o Estatuto da Criança e do Adolescente para caracterizar o abandono moral como ilícito

não apenas civil, mas também penal.

Independente da tipificação penal, toda espécie de abandono praticada pelos

pais, em relação ao menor, é causa de sanção civil consistente na perda do poder

familiar223

, conforme inciso II do artigo 1.638 do CCB, o qual não especifica apenas

uma espécie e cita apenas a palavra ‘abandono’ a fim de abranger todo o tipo dessa

ausência.

Arnaldo Rizzardo, acerca do referido dispositivo legal, assim profere:

Corresponde esta infração de dever dos pais a negar ao filho a devida

assistência econômica, alimentar, familiar, moral, educacional e médico-

hospitalar. Aliás, tal situação ocorre amiúde, especialmente quando um dos

pais abandona o lar, deixando completamente de prestar assistência aos

II - frequente espetáculo capaz de pervertê-lo ou de ofender-lhe o pudor, ou participe de representação de

igual natureza;

III - resida ou trabalhe em casa de prostituição;

IV - mendigue ou sirva a mendigo para excitar a comiseração pública:

Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.

221 Abandono de incapaz

Artigo 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por

qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono:

Pena - detenção, de seis meses a três anos.

§ 1º - Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de um a cinco anos.

§ 2º - Se resulta a morte:

Pena - reclusão, de quatro a doze anos.

§ 3º - As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço:

I - se o abandono ocorre em lugar ermo;

II - se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima.

III – se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos.

222 Exposição ou abandono de recém-nascido

Artigo 134 - Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - detenção, de um a três anos.

§ 2º - Se resulta a morte:

Pena - detenção, de dois a seis anos.

223 DIREITO CIVIL. PÁTRIO PODER. DESTITUIÇÃO POR ABANDONO

AFETIVO.POSSIBILIDADE. ARTIGO 395, INCISO II, DO CÓDIGO CIVIL C/C ARTIGO 22

DOECA. INTERESSES DO MENOR. PREVALÊNCIA. - Caracterizado o abandono efetivo, cancela-se

o pátrio poder dos pais biológicos. Inteligência do Artigo 395, II do Código Bevilacqua, em conjunto com

o Artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Se a mãe abandonou o filho, na própria

maternidade, não mais o procurando, ela jamais exerceu o pátrio poder.

(STJ - REsp: 275568 RJ 2000/0088886-9, Relator: Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Data

de Julgamento: 18/05/2004, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 09/08/2004 p. 267)

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filhos. Não mais são oferecidos alimento, e nem qualquer colaboração à

educação e assistência médico-hospitalar.224

Faz-se mister destacar, contudo, que concernente ao denominado abandono

material, a perda ou suspensão do poder familiar não devem ser aplicadas como

penalidade a fato isolado consistente na carência ou ausência de recursos materiais dos

pais, conforme disposição expressa do artigo 23 do Estatuto da Criança e do

Adolescente.

Desta forma, não existindo outro motivo que justifique a suspensão ou

cassação do referido múnus publico, a família da criança ou do adolescente deve ser

incluída em serviços e programas oficiais de proteção, apoio e promoção, em

consonância com o §1º do artigo 23 do ECA.

Paulo Lôbo justifica essa norma jurídica por duas razões: a de que deve ocorrer

a preservação do poder familiar quando presente a afetividade, bem como realizados os

demais deveres dos pais; e a de que seria contra a dignidade humana valorizar as

condições materiais mais do que as afetivas e destituir o poder familiar de um pai ou

mãe que, apesar de exercer os demais deveres, não cumpre o papel material em razão de

pobreza involuntária:

O artigo 23 do ECA estabelece que a falta ou carência de recursos materiais

não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder

familiar. Em primeiro lugar, são os laços afetivos e o cumprimento dos

deveres impostos aos pais que determinam a preservação do poder familiar.

Em segundo lugar, pobreza não é causa de sua perda forçada, porque o

prevalecimento das condições materiais seria atentatório da dignidade da

pessoa humana225

.

Nota-se que o aludido autor, ao justificar a impossibilidade de perda do poder

familiar em relação ao genitor que não arca com as necessidades materiais do filho,

destaca a necessidade de esse genitor cumprir, ao menos, com o dever afetivo. Esse

fator, aliás, é a base para a manutenção do poder familiar. Afinal, como manter tantos

deveres a um genitor que se quer dá afeto a sua prole?!

Evidente que o abandono afetivo é causa de destituição do poder familiar.

Contudo, entendemos que a aplicação dessa medida é para garantir o cumprimento do

preceito exarado no bojo do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente,

224

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 553. 225

LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 4a ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 310.

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pois se o genitor ou genitora já ignora o filho completamente, arcando apenas com a

parte material (ou talvez, nem isso), o que a perda do poder familiar representaria de

prejuízo a esses pais?! Seria, em verdade, irrelevante a estes.

Conforme se verificará a seguir, a perda do poder familiar é a resposta do

ordenamento jurídico pelo descumprimento dos deveres paternais. Já para os danos

advindos com tal inobservância, a resposta deve ser a reparação ou compensação por

meio do instituto da responsabilidade civil.

Faz-se mister, assim, a condenação desses pais ao pagamento de indenização, a

fim de, ao menos, se tentar compensar os danos causados aos filhos.

4.5.5. Considerações sobre a expressão abandono afetivo (ou imaterial)

‘direto’

Paulo Lôbo tratando de tema intitulado ‘abandono afetivo do filho’ assim

aponta:

Sob essa expressão, a doutrina e a jurisprudência brasileira atentaram para o

fato de o pai, que não convive com a mãe, contentar-se em pagar alimentos

ao filho, privando-o de sua companhia. A questão é relevante, tendo em conta

a natureza dos deveres jurídicos do pai para com o filho, o alcance do

princípio jurídico da afetividade e a natureza laica do Estado de Direito, que

não pode obrigar o amor ou afeto às pessoas226

.

‘Abandono afetivo’ é termo referido para tratar a culposa ausência do genitor

(ou genitora) na vida da prole, apesar do adimplemento com as responsabilidades

materiais, como pensão e alimentos.

Quando configurada a não convivência do filho com os pais idosos, fala-se em

abandono afetivo inverso. Dai porque a utilização do termo abandono afetivo direto

para se referir a não convivência do(a) genitor(a) com a prole.

Desta forma, a culposa não convivência e ausência de cuidado (independente

do custeio referente às questões materiais) configura o abandono afetivo. Se tal omissão

for do pai ou da mãe em relação ao filho se terá a hipótese denominada de ‘abandono

afetivo direto’, ‘abandono imaterial direto’ ou simplesmente ‘abandono

afetivo’/’abandono imaterial’. Já se a culposa ausência for dos filhos em relação aos

226

LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 4a ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 310-311.

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pais, estará configurado o chamado ‘abandono afetivo inverso’ ou ‘abandono imaterial

inverso’.

A ausência de ambos ou de um dos pais, conforme estudos interdisciplinares

no campo da psicologia, acarreta dano afetivo de natureza psicológica na prole,

configurando-se assim como um prejuízo de natureza moral227

.

Desta forma, o abandono afetivo (ou abandono afetivo direto) se constitui com

o inadimplemento de deveres, que são não apenas morais, mas são também jurídicos e

decorrem do instituto da paternidade. A violação destes deveres possui consequências

jurídicas que não podem ser desconsideradas. Uma delas, como já referido, é a perda do

poder familiar, em consonância com o artigo 1.638, inciso II da codificação civil.

A aplicação exclusiva dessa sanção, porém, em nada repara os danos

configurados em decorrência desse abandono. Por isso, a necessidade de aplicação da

teoria da responsabilidade civil.

A responsabilidade civil por abandono afetivo deve incidir sobre pais que

prestam obrigação alimentar, mas são ausentes e ignoram afetivamente seus filhos; bem

como sobre pais que, apesar de terem ciência da existência do filho, o ignoram

completamente – hipótese em que se configura não apenas o abandono afetivo (ou

imaterial), mas também o abandono material.

Verifica-se que o abandono afetivo deve ter como sanção a perda do poder

familiar; já o dano afetivo advindo desse abandono há de ter como consequência o dever

de os pais ausentes indenizarem seus filhos.

Referida indenização se configura, assim, em função da ilicitude na ausência

dos pais, que é ensejadora do abandono afetivo e ocasiona, aos filhos, o chamado dano

afetivo.

4.5.6. Presença como dever

Conforme Alexandre Junqueira Gomide, o “pai não pode simplesmente deixar

de cuidar de seu filho, limitando-se a prover os recursos financeiros para sua educação,

alimentação e assim por diante”228

.

227

Podendo haver prejuízo material referente ao custeio de tratamento médico psicológico para tratar o

dano causado com o abandono afetivo.

228 GOMIDE, Alexandre Junqueira. Abandono Afetivo. In: LAGRASTA NETO. Caetano; SIMÃO, José

Fernando (coords.). Dicionário de Direito de Família. Vol.1: A-H. São Paulo: Atlas, 2015, p. 30.

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Rolf Madaleno também destaca que as obrigações paternas vão muito além de

questões materiais:

“Nem seria preciso ressaltar ser direito dos filhos a convivência e

comunicação com os pais, fonte de seu crescimento, e da sua lúcida

formação, fornecendo-lhes todos os substratos materiais e imateriais, tão

caros ao sadio desenvolvimento de uma criana em crescimento, dependente

da proteção e do zelo dos pais”229

.

Diversas são as razões legais para a presença (e não apenas o custeio material)

dos pais ser vista como um dever jurídico, e não apenas dever moral. Apenas por uma

questão de organização, tais razões serão apresentadas em tópicos, devendo, contudo,

serem sempre consideradas em conjunto:

4.5.6.1. Dever do não guardião supervisionar os interesses do

filho

Em dezembro de 2014 entrou em vigor a chamada popularmente lei da guarda

compartilhada’ (Lei no 13.058). Essa regra visa a priorizar o compartilhamento da

guarda dos filhos, a fim de que estes tenham a presença de ambos os genitores de forma

equilibrada.

Dentre as alterações, destaca-se a inclusão dos seguintes parágrafos nos artigos

1.583 e 1584, respectivamente:

Artigo1.583, §2o Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os

filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre

tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.

Artigo 1.584, §2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à

guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder

familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores

declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.

Além dessas inclusões, a ‘lei da guarda compartilhada’ alterou também o já

mencionado artigo 1.634 do Código Civil, que traz as obrigações concernentes ao poder

familiar. O caput do artigo que dispunha “compete aos pais, quanto à pessoa de seus

filhos:” passou a ser regido da seguinte forma: “compete a ambos os pais, qualquer que

229

MADALENO, Rolf. A guarda compartilhada pela ótica dos direitos fundamentais. In: WELTER,

Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf Hanssen (coords). Direitos Fundamentais do Direito de Família.

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 347.

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seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em,

quanto aos filhos:”

A modificação legislativa deixa claro, portanto, o fato de que o exercício do

poder familiar compete tanto ao pai quanto à mãe, independente de estes estarem ou não

juntos e de serem ou não os guardiões. Ou seja, todos os cuidados (incluindo o cuidado

psicológico) que devem ser aplicados pelos pais em relação ao filho são obrigações de

ambos genitores – não importando a situação conjugal destes.

Outra alteração que deve ser citada é a revogação do inciso II desse mesmo

dispositivo, que antes determinava, dentre outras obrigações dos pais em relação aos

filhos, “tê-los em sua companhia e guarda”. Muitos juristas justificavam o dever legal

de os pais estarem presentes afetivamente na vida de seus filhos em função, dentre

outras disposições jurídicas, do revogado inciso.

O conteúdo do novo inciso II dispõe ser dever dos pais “exercer a guarda

unilateral ou compartilhada nos termos do artigo 1.584”. O mencionado artigo 1.584230

trata de questões procedimentais referentes à guarda, unilateral ou compartilhada.

Vale destacar, contudo, que apesar de suprimida a regra que impelia os pais a

estarem na companhia dos filhos, o artigo 1.583 do Código Civil recebeu a inclusão de

importante parágrafo para evidenciar os deveres do não guardião:

230

Artigo 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:

I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação,

de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;

II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de

tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.

§ 1o Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada,

a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo

descumprimento de suas cláusulas.

§ 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os

genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos

genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.

§ 3o Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda

compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação

técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o

pai e com a mãe.

§ 4o A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou

compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor.

§ 5o Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda

a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de

parentesco e as relações de afinidade e afetividade.

§ 6o Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos

genitores sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos

reais) por dia pelo não atendimento da solicitação.

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§ 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a

supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão,

qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações

e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações

que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação

de seus filhos.

Ou seja, está expresso o dever de o genitor que não detém a guarda

supervisionar os interesses do filho, inclusive no que concerne a assuntos ou situações

que afetem a saúde psicológica de seus filhos. Dessa forma, resta evidente que, mesmo

quando se tratar de hipótese de guarda unilateral, o legislador quis deixar claro o dever

do não guardião em zelar também pela educação e saúde – não apenas física, mas

também psicológica – dos filhos.

Ora, como coadunar o abandono afetivo com a supervisão de interesses do

filho, sobretudo psicológica? Não são compatíveis, pois é evidente que um pai ou mãe

que ignora sua prole (arcando apenas com fatores materiais, e talvez nem isso) não

supervisiona os interesses desse filho, nem em relação à educação e muito menos

quanto à saúde física e psicológica.

Em outras palavras, não basta enviar dinheiro para arcar com o custeio da

escola, da alimentação, do transporte, dos medicamentos e do plano de saúde. É preciso

que seja presente a fim de fiscalizar os interesses do filho.

Uma vez que a supervisão dos interesses do filho é uma obrigação do pai ou da

mãe que não detém a guarda, ficam os não guardiões impedidos de ignorar sua prole.

Ou seja, não podem abandonar a preocupação com a educação, com a formação moral,

com a saúde de seus filhos. Não podem, portanto, abandoná-los, nem materialmente e

nem afetivamente.

4.5.6.2. Dever de dirigir a criação e a educação

O artigo 229 da Carta Magna determina o dever de os pais assistirem, criarem e

educarem os filhos menores. A Constituição não atribui esses deveres àquele que detém

a guarda, a expressão usada é ‘os pais’.

Este comando constitucional se reflete no caput e no inciso I do artigo 1.634 do

Código Civil, o qual determina ser obrigação dos pais, qualquer que seja a situação

conjugal, o pleno exercício do poder familiar que contempla o dever de os pais

dirigirem a criação e educação dos filhos.

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Em outras palavras: ambos os genitores têm o dever legal de criar e educar seus

filhos, além de os assistirem materialmente, independente da guarda ou da situação do

conjugal dos pais.

Esta obrigação de educação e criação deve ser vista da maneira ampla, não

bastando assistência material referente ao custeio de escola, como dispõe Paulo Lôbo:

A noção de educação é a mais larga possível. Inclui a educação escolar, a

formação moral, política, religiosa, profissional, cívica que se dá em família e

em todos os ambientes que contribuam para a formação do filho, como

pessoa em desenvolvimento. Ela inclui, ainda, todas as medidas que

permitam ao filho aprender a viver em sociedade. A educação ou formação

moral envolve a elevação da consciência e a abertura para os valores231

.

Ora, como é possível que o pai ou a mãe completamente ausente afetivamente

possa repassar ao filho algum valor moral ou ainda ensinar qualquer medida sobre viver

em sociedade? Não é possível, pois, para se efetivar esse direcionamento, no mínimo, é

preciso se fazer presente, acompanhando e direcionando o desenvolvimento desse ser

humano.

Bernardo Castelo Branco, neste aspecto, ressalta que, não obstante o dever de

os pais se fazerem presentes desde a concepção até o pleno desenvolvimento do filho,

durante a infância é especialmente importante a participação dos pais na assistência

moral e intelectual aos filhos, pois nessa fase é que ocorre a formação dos principais

traços da personalidade do indivíduo232

.

Ou seja, é fundamental – além de ser um dever legal – que os pais direcionem a

criação e os valores educacionais passados aos filhos. E para que haja esse norteamento

a presença é indispensável. Daí porque a presença se torna um dever: pois ela é meio

imprescindível para o cumprimento das obrigações legais impostas aos genitores.

4.5.6.3. Dever de educação e cuidado: responsabilidade

compartilhada entre os pais

Além dos elencados dispositivos do Código Civil que atribuem

responsabilidades a ambos os genitores, a Lei n. 13.257 de 2016 buscou apresentar de

231

LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 303.

232 BRANCO, Bernardo Castelo. Dano Moral no Direito de Família. São Paulo: Método. 2006, p. 195.

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forma expressa que tanto o pai quanto a mãe possuem deveres e responsabilidades

compartilhados no que concerne ao cuidado e educação dos filhos.

Assim, foi inserido no artigo 22 do ECA o seguinte parágrafo:

Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e

deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da

criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas

crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei.

Ou seja, o cuidado e a educação se tratam de responsabilidades compartilhadas

entre os pais e não de dever apenas daquele que detém a guarda.

Cabe a ambos os genitores educar os filhos para que saibam conviver em

sociedade e tenham um desenvolvimento moral, profissional, religioso233

e cívico de

forma íntegra.

Nesta seara, vale destacar que a educação envolve a assistência moral e

intelectual. Isto porque ela se desenvolve em dois planos: o da educação informal e o da

formal. Aquela se refere à transmissão de um ideário filosófico e religioso, de modo a

promover o desenvolvimento de virtudes e habilidades que devem vir a ser moldadas

pela educação formal. Esta, por sua vez, contempla a escolarização em estabelecimento

de ensino oficialmente reconhecido, cujo processo pedagógico também exige a ativa

participação dos pais234

.

Evidente, assim, que apenas arcar com alimentos e ser totalmente ausente se

configura ilícito por descumprimento ao dever de cuidado e de educação referido no

Estatuto da Criança e do Adolescente.

Afinal, o genitor que custeia a escola e não participa da vida de seu filho sequer

pode saber se a escola está de fato ensinando seu filho ou o maltratando de alguma

forma. Cita-se, a título de exemplo, os casos de bullying ou até mesmo de estupro de

vulnerável pelos cuidadores da criança. Cuidar para que essas hipóteses não aconteçam

(ou ao menos não se repitam) não é responsabilidade apenas do guardião. É igualmente

dever do não guardião, que, para tanto, deve se fazer presente e saber sobre as angústias,

as alegrias, os anseios, as aflições e demais sentimentos de seu filho, bem como

transmitir-lhe valores morais que deverão servir de base para a formação de caráter do

filho.

233

Pois é preciso, ao menos, que o filho saiba respeitar as diversas religiões existentes na sociedade.

234 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 101-104.

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Inconcebível, por evidente, coadunar o dever de educação e cuidado com a

ausência.

Recursos financeiros não suprem a necessidade da presença dos pais para

cuidarem de seus filhos.

O cuidado exige que haja participação na vida do filho a fim de que este tenha

pleno desenvolvimento de suas capacidades, com proteção e zelo.

4.5.6.4. Dever de garantir a efetivação da saúde

O dever de os pais estarem presentes na vida de seus filhos também advém do

dever destes em garantir a efetivação do direito à saúde dos menores, conforme artigo

227 da Carta Magna e artigo 4º do ECA, o qual assim dispõe:

Artigo 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do

poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos

referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à

convivência familiar e comunitária.

Vale destacar que o direito à saúde dos filhos, contempla, ainda, o direito à

integridade psíquica (elencado no artigo 15 combinado com o artigo17, ambos do

ECA235

), que requer, para se configurar, o desenvolvimento sadio e harmonioso da

criança e do adolescente (que é direito descrito no artigo 7º do ECA236

).

Em outras palavras, não há que se falar em preservação da saúde se estiver

violada a integridade psíquica da prole. E para preservação desse campo psicológico, é

necessário possibilitar o desenvolvimento sadio da criança ou adolescente.

A ausência de algum dos pais afeta diretamente o desenvolvimento do filho, e

macula a saúde da prole, vez que atinge sua integridade psíquica.

Ou seja, não há como se falar em plena saúde psicológica de indivíduo que

tenha sido abandonado afetivamente por algum de seus genitores. A carência abala o

235

Artigo 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas

humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais

garantidos na Constituição e nas leis.

Artigo 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da

criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores,

ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

236 Artigo 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de

políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em

condições dignas de existência.

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psicológico da criança ou adolescente. Mais adiante observar-se-á, por meio da

interdisciplinariedade com os estudos da psicologia, os danos psicológicos causados ao

ser humano que cresce com carência de afeto relacionada a algum de seus genitores.

Não se pode admitir que a saúde psíquica de um ser humano seja afetada pelo

seu próprio genitor. Ignorar o direito-dever dos pais em estarem presentes na vida de

seus filhos é macular o direito de um ser humano em ter preservada sua saúde psíquica.

E não admitir o dever desses pais ausentes de indenizar seus filhos significa prestigiar a

ausência desses genitores em detrimento da dignidade humana da prole.

Ainda que amar a prole seja apenas dever moral e não jurídico, o cuidado é

posto como dever jurídico. Mais do que isso, é dever jurídico de responsabilidade

atribuída expressamente a ambos os genitores, inclusive ao não guardião.

4.5.6.5. Dever de garantir a convivência familiar

A importância do convívio familiar é anotada pelas educadoras Vania Herédia,

Ivonne Cortelletti e Miriam Casara:

A família, por ser o locus onde se inicia o desenvolvimento da personalidade,

a construção dos valores e da identidade, é onde se originam as primeiras,

manifestações da sociabilidade humana, também por ser o pilar fundamental,

no qual o indivíduo pode buscar e encontrar apoio237

.

Conforme já retratado em capítulo anterior, o direito do menor à convivência

familiar advém de princípio constitucional expresso no artigo no artigo 227 da Carta

Magna, que assim dispõe:

Artigo 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,

ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,

à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,

além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,

exploração, violência, crueldade e opressão.

A convivência familiar também é garantida ao menor por meio do artigo 9.3 da

Convenção dos Direitos da Criança, que prevê o direito desta de “manter regularmente

237

HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho. O asilamento sob o olhar de

histórias de vida. In: HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; E CASARA, Miriam Bonho (coords.),

Idosos asilado: um estudo gerontológico. 2ª ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p. 68.

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relações pessoais e contato direto com ambos genitores, a menos que isso seja contrário

ao interesse maior da criança”.

O Estatuto da Criança e do Adolescente buscando a aplicação do aludido

princípio constitucional, determina o dever da família, dentre outros, de garantir a

convivência familiar (artigo 4º), que é um direito da criança e do adolescente, conforme

artigo 19:

Artigo 19. É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio

de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a

convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu

desenvolvimento integral.

Logo, se está dentre os deveres dos pais efetivar o direito dos filhos à

convivência familiar, e a presença destes genitores é indispensável para tal efetivação,

conclui-se que a presença e participação dos pais se configuram como um dever destes

que é correspondente ao direito da criança e do adolescente em conviver com aqueles de

sua família.

Em outras palavras: não há como se falar em cumprimento do preceito de

convivência familiar sem que haja contato entre pais e filhos. É por isso que o

relacionamento entre genitor e prole se configura como um dever legal.

4.5.6.6. Dever do não guardião em visitar o filho

Conforme apresentado, entre os deveres do genitor que não detém a guarda do

filho estão os de compartilhar as responsabilidades com o guardião, dirigindo a

educação e criação, bem como supervisionando os interesses do filho.

Nenhum destes deveres pode ser efetivado se o genitor é completamente

ausente. Ao contrário, para que haja supervisão, educação com transmissão de valores,

etc., se faz mister a visita daquele que não detém a guarda.

Ou seja, a visita é um meio necessário para que o não guardião cumpra com os

deveres que lhe são impostos, bem como garanta o direito do filho à convivência

familiar.

Não é possível a supervisão de interesses, por um pai ou mãe que simplesmente

não visita seus filhos, que não se importa em saber sobre a vida deles e menos ainda em

estar presente. Pais que ignoram afetivamente seus filhos não são capazes, obviamente,

de supervisionar nenhum interesse desses filhos.

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Da mesma forma, não é plausível supor o adimplemento do dever de educação

e cuidado (responsabilidade que deve ser compartilhada entre guardião e não guardião,

conforme alteração legislativa de 2016 que incluiu o parágrafo único do artigo 22 do

ECA) por um pai ou mãe que sequer visita seus filhos.

Exatamente por essa razão é que a visita ao filho pelo não guardião se

configura como um dever, e não como um mero direito dos pais.

Se fosse apenas direito dos genitores, estar-se-ia diante da faculdade de o pai

ou mãe não guardião ignorar afetivamente sua prole, o que implica, entre outras

consequências, no não cumprimento dos deveres de (i) supervisão de interesses dos

filhos (expostos no § 5º do artigo 1.583 do Código Civil); (ii) criação e educação – não

apenas sustento material (previsto no inciso I do artigo 1.634 do Código Civil e no

artigo 229 da Constituição Federal); e (iii) compartilhar, com o outro genitor, as

responsabilidades quanto à educação e cuidado dos filhos (como determina o parágrafo

único do artigo 22 do ECA).

Evidente que se esses deveres existem, devem ser cumpridos. E se para tal

cumprimento a presença do não guardião é indispensável, tal presença se configura

também como um dever.

Ainda que assim não fosse, e que tais deveres não estivessem expressos, a

presença do não guardião ainda se configuraria como dever legal. Isso porque, a criança

e o adolescente têm direito à convivência familiar e, obviamente, não há convivência

com alguém que é totalmente ausente. Nas palavras de Paulo Lôbo: “o direito à

companhia dos filhos tem como contrapartida o direito dos filhos à companhia de

ambos os pais e à convivência familiar, constitucionalmente atribuída”238

.

Ou seja, a presença é um dever dos pais correspondente ao direito do menor à

convivência familiar. E é por meio da visita que o genitor não detentor da guarda

possibilita a convivência familiar.

Como escreve Maria Berenice Dias: “a convivência dos filhos com os pais não

é um direito, é um dever. Não há direito de visitá-lo, é obrigação de conviver com

ele.”239

.

Nesta seara se faz mister destacar que apesar de o artigo 1.589240

do Código

Civil usar a expressão “poderá visitar” os filhos e ainda em seu parágrafo único

238

LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 304.

239 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2015, p. 97.

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apresentar o termo “direito de visita”, entendemos que se trata de um poder-dever de o

genitor não guardião visitar sua prole e não de uma mera faculdade ou apenas direito

dos pais. Afinal, como ensina Silvio Rodrigues “não são poucos os deveres impostos

que surgem sob a máscara de direitos”241

.

Explica-se: disposição jurídica não é norma. Aquela é o suporte físico desta. A

partir do suporte físico é que se busca a norma, que, portanto, é construída. Para se

alcançar a construção de sentido da norma a partir da disposição jurídica, é necessário

realizar percurso hermenêutico para construção do sentindo considerando o sistema de

referência. Tomando como método interpretativo o Constructivismo Lógico

Semântico242

, verificamos por meio do plano S4 no ‘percurso gerador de sentido’ que a

construção da norma como sendo apenas um ‘direito’ dos pais em visitar seus filhos não

estabelece sentido lógico com as demais normativas do ordenamento jurídico vigente,

sobretudo com as anteriormente apresentadas.

Diante desta incongruência, não há sentido dizer que a visita não é um direito

do filho, e ao mesmo tempo admitir que este filho tem direito à convivência familiar.

Ora, a convivência familiar pressupõe que esse filho visite ou seja visitado pelo genitor

que não faz parte de seu convívio cotidiano.

Conforme escreve Rolf Madaleno,

as visitas são um expediente jurídico forçado para preencher os efeitos da

ruptura da convivência familiar antes exercida no primitivo domicílio

240

Artigo 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua

companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua

manutenção e educação.

Parágrafo único. O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os

interesses da criança ou do adolescente.

241 RODRIGUES, Silvio. Direito civil, direito de família. V. 6. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1973, p. 10.

242 Conforme ensina Paulo de Barros Carvalho e Aurora Tomazini de Carvalho, por meio do percurso

gerador de sentido das normas tem-se que: no plano S1: o intérprete tem contato com o dado físico do

direito (enunciados prescritivos); no plano S2: o intérprete inicia, por meio de um processo hermenêutico,

a construção de proposições isoladas a corresponder com os sentidas das frases que lhe compõem; no

plano S3: o intérprete ordena as frases na forma implicacional, anexando algumas significações na

posição sintática de hipótese e outras no lugar do consequente (HC). “Nesta concepção, a norma

jurídica não se confunde com os enunciados prescritivos que lhe servem como base empírica (elementos

do plano S1), nem com as proposições que a compõem (pertencentes ao plano S2)”; no plano S4: o

interprete estabelece os vínculos de subordinação e coordenação entre as normas por ele construídas. É

neste plano “que o interessado estabelece as relações horizontais e as graduações hierárquicas das

significações normativas construídas no plano S3, cotejando a legitimidade das derivações e

fundamentações produzidas” (CARVALHO, Aurora Tomazini de Carvalho. Curso de Teoria Geral do

Direito (o constructivismo lógico-semântico). 4ª ed. São Paulo: Noeses, 2014, p. 196.)

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conjugal. Representam, em realidade, um desdobramento da guarda definida

com a separação dos pais243

.

Fala-se em ‘poder-dever’ de visita, pois ao mesmo tempo em que é um dever

correspondente ao direito do filho à convivência familiar, é também um direito do

genitor não guardião ter contato com sua prole e ter meio para efetivar os deveres

decorrentes do poder familiar, dentre eles fiscalizar o interesse da prole, transmitir

valores morais, etc.

Entender que não há dever de visita, mas apenas direito dos pais, é ignorar

completamente o direito dos menores à convivência familiar, bem como o princípio do

melhor interesse da criança e do adolescente, mencionado anteriormente. É quase um

regresso ao período do pater familia, destacando apenas os direitos do chefe em

detrimento dos interesses dos demais membros da célula familiar.

Neste aspecto, José Lamartine Correa de Oliveira e Francisco José Ferreira

Muniz, analisando brevemente a evolução da funcionalização do poder familiar, que

transformou o instituto em um poder concedido aos pais em função de deveres para com

seus filhos (poder-função ou poder-dever), assim expuseram em doutrina escrita no ano

de 1998:

A doutrina do início do século conceituava o pátrio poder como um direito

subjetivo sobre o filho, vendo no filho um objeto de direito, e vendo no poder

do pai um poder de senhorio, embora tal poder fosse descrito de modo a

deixar clara a inexistência de identidade com a noção de direito real. A

Pandectística e, como reflexo de sua posição, a Exposição de Motivos do

BGB, procuraram conceituar o pátrio poder como poder concedido aos pais

em função dos deveres éticos existentes para com os filhos. (...) o clima

dominante após a segunda guerra mundial levou os juristas a acentuar que

essa vinculação dos pais ao interesse dos filhos não deveria ser meramente

ética, moral, costumeira, porém uma vinculação jurídica. Isso explica

historicamente o surgimento e o fortalecimento da corrente funcionalista, que

passa a acentuar as noções de ‘poder-função’, de ‘direito-dever’244

.

Resta evidente que enxergar a visita como um poder-dever faz parte da

evolução histórica do poder familiar, que não se coaduna com a configuração da visita

como uma mera faculdade dos pais – isto seria na época do pater familia.

243

MADALENO, Rolf Hanssen. A guarda compartilhada pela ótica dos direitos fundamentais. In:

WALTER, Belmiro Pedro Welter; MADALENO, Rolf Hanssen (coords.). Direitos Fundamentais do

Direito de Família.. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 347.

244OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de; MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de direito de família.

2ª ed. Curitiba: Juruá, 1998, p. 26-27.

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A funcionalização de direitos (que passam a ser vistos como direito-função ou

direito dever) se refere a direitos subjetivos em que o titular “é obrigado a exercê-los; e

é obrigado a exercê-los de certo modo, do modo que for exigido pela função do direito,

pelo interesse a que ele serve”245

. Essa obrigação se verificaria em relação ao poder

familiar por ser este um munus público ou ofício-múnus, pelo qual é atribuído a um

sujeito o encargo de cuidar de determinados interesses alheios246

. Assim, os direitos

subjetivos concernentes ao Direito de família se configuram como ‘direitos-deveres’ e

muito se contrapõem aos direitos subjetivos em que seu titular escolhe livremente o

modo de seu exercício.

José Lamartine Correa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz, nessa

seara, esclarecem o que há de peculiar na relação jurídica familiar: é que direitos

subjetivos são exercidos e deveres jurídicos são cumpridos por meio de uma mesma

ação do titular do direito e do dever. O interesse de quem realiza a ação (o pai, por

exemplo) e o interesse da outra pessoa (o filho, em exemplificação) são conjuntos e não

separados e recíprocos, como ocorreria na relação jurídica sinalagmática. É por isso

que, na relação jurídica familiar, não podem ser pensados separados os direitos e

deveres247

.

Na hipótese do direito/dever de visita, o genitor se utiliza dessa para poder

cumprir com os deveres que lhe competem e adimplir, correspondentemente, aos

direitos do filho; ao mesmo tempo, por meio da visita o genitor exerce seu direito de

manter contato com a prole. Por isso se fala em poder-dever.

Portanto, temos, em suma, que os pais têm o direito-dever de visitar a prole. É

direito, porque não pode o guardião impedir o outro genitor de ter contato o filho, e

também porque é por meio desse direito (de visitar) que o não guardião tem a

possibilidade de cumprir com seus deveres de (i) supervisão de interesses dos filhos, de

(ii) criação e educação – não apenas sustento material, e de (iii) compartilhar, com o

outro genitor, as responsabilidades quanto à educação e cuidado dos filhos. Ao mesmo

tempo, se tais deveres não podem ser adimplidos sem a visita; a visita, por

consequência, também se torna um dever. Além disto, a visita também se reveste da

245

PEREIRA COELHO, Francisco Manuel. Curso de direito de família. n. 16. dactilografia por João

Abrantes, Coimbra, 1970p. 98-101.

246 CICCARELLO, Sebastiano. Patria potestà (diritto privato). In: Enciclopedia del Diritto. v. 32. Milano:

Giuffrè. 1982, p. 258.

247 OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de; MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de direito de família.

2ª ed. Curitiba: Juruá, 1998, p. 32.

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roupagem de dever por ser correspondente ao direito da criança e do adolescente à

convivência familiar.

Neste ponto vale mencionar: caso um dos pais aja de modo a impedir ou

dificultar a visita pelo outro genitor, este deverá buscar a tutela jurisdicional a fim de

efetivar o direito-dever da visita. Há inclusive decisão aplicando astreinte (ou multa

cominatória diária) para compelir o genitor, que realiza alienação parental, a levar o

filho para as visitas pelo outro progenitor:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE FAZER.

IMPOSIÇÃO À MÃE/GUARDIÃ DE CONDUZIR O FILHO À

VISITAÇÃO PATERNA, COMO ACORDADO, SOB PENA DE MULTA

DIÁRIA. INDÍCIOS DE SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL POR

PARTE DA GUARDIÃ QUE RESPALDA A PENA IMPOSTA. RECURSO

CONHECIDO EM PARTE E DESPROVIDO. (SEGREDO DE

JUSTIÇA).”248

O que não se pode admitir é a tolerância das atitudes contrárias ao ato da

visitação, sem que nada seja feito; e, posteriormente, o genitor omisso busque afastar o

dever de indenizar o abandono imaterial com a desculpa de a visitação ter sido

impedida. Esta seria a clara hipótese de busca por benefício decorrente da própria

torpeza.

Apesar de o judiciário brasileiro aplicar astreintes normalmente para compelir

o guardião a possibilitar a visita do filho pelo não guardião249

, tem-se notícia da

aplicação na França de astreintes por não cumprimento do direito de visita pelo

progenitor não guardião250

. No mesmo sentido já decidiu o judiciário Alemão251

, e na

Itália252

também se verificou decisão que considerou o direito de visita não como uma

mera faculdade, mas sim como um dever. Mister destacar, por fim, que o dever de visita

248

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Sétima Câmara Cível. Agravo de Instrumento nº

70023276330.Relator: Ricardo Raupp Ruschel. Julgado em: 18 de junho de 2008

249 “O exercício de visita da mãe para com o filho, supervisionado no fórum e que foi estabelecido em

sentença, deve ser cumprido com eficiência pelo juiz da execução, inclusive aplicando multa diária para

persuadir o opositor a não prejudicar o direito de convivência, variante da dignidade humana (art. 1º, III,

da CF) – Inocorrência de ofensa a direito do impetrante, que busca, por vias oblíquas, obstaculizar a

ordem neste sentido passada pelo Ministro relator do recurso especial – Denegação, com observação.”

(Mandado de segurança nº 170.531-4/4, 3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani,

julgado em 04/2001

250 Astreinte de cem francos por dia ao não cumprimento do direito de visita pelo progenitor não guardião.

Tribunal de Grande Instância Saint-Brieuc, de 25 de setembro de 1980, referido por LABRUSSE-RIOU,

Catherine, Droit de La Famille, 1, Les Personnes, Masson, 1984, p. 386

251 Acórdão do Bundesverfassungsgericht, de 1 de abril de 2008 (1 BvR 1620/04), Pressemitteilung Nr.

44/2008 de 1 de abril de 2008, disponível em <www.bverfg.de/pressemitteilungen/bvg08-044.html>

acesso em 05 Mai 2017.

252 Acórdão da Corte di Cassazione, de 8 de Fevereiro de 2000, disponível em

<http://www.mammeseparate.it/avvocato.html> acesso em 05 Mai 2017.

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não se delimita ao contato físico. Com a evolução tecnológica, ainda que

geograficamente distante é possível estar presente de forma virtual, por meio de

ligações de vídeo e áudio, comunicação por aplicativos de mensagens, ligações

telefônicas, e-mails, entre outros meios, como escreve Theodureto de Almeida Camargo

Neto ao tratar sobre o dever de os pais se fazerem presentes na vida dos filhos:

Esse dever consiste não apenas na prerrogativa do respectivo titular de se

avistar com a criança ou o adolescente, mas também de com ela ou com ele

se comunicar por meio de correspondência, e-mail, telefone, celular, etc.

assegurando-lhe, ainda, o poder de fiscalizar a manutenção e a educação253

.

No mesmo sentido, Rolf Madaleno escreve:

Resulta compreender e concluir terem os pais um compromisso natural de

afeto para com os seus filhos menores e incapazes, sendo direito da prole a

convivência familiar, a assistência moral e material de seus pais, mesmo se

separados ou se ascendente não guardião estiver geograficamente distante,

porque ainda assim deverá manter uma razoável e adequada comunicação

para com a sua prole, contato cada vez mais facilitado diante dos modernos

meios de comunicação, inclusive pela via eletrônica, permitindo a

conversação direta, escrita e falada, sem referir as facilidades de locomoção,

deslocando-se com segurança pais e filhos em tempos de férias que

compensam as eventuais vistas restritas em razão de distancias físicas, mas

que não justificam distâncias afetivas e deliberados agravos morais254

.

Pelo exposto, resta demostrado ser dever legal do genitor não guardião se fazer

presente na vida de seus filhos, garantindo a convivência familiar, zelando pela saúde

física e psíquica do filho, supervisionando os interesses da prole, dirigindo a criação e

compartilhando as responsabilidades concernentes à educação e cuidado, não sendo a

distância física argumento para justificar o abandono afetivo.

4.5.7. Danos decorrente da culposa não convivência do pai ou da mãe

com os filhos

O elemento essencial para a incidência da responsabilidade civil é o dano. Sem

dano, não há que se falar em indenização. O dano é fundamental para que haja o dever

253

CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. A Responsabilidade Civil por Dano Afetivo. In: SILVA,

Regina Beatriz Tavares da; CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. Grandes Temas de Direito de

Família e das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 22.

254 MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 385.

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de reparar, porque indenizar significa tornar indene, ou seja, sem danos. O pagamento

de valor pecuniário a título de indenização sem dano pode configurar locupletamento

ilícito.

Neste sentido, Arruda Alvim assim ensina:

A responsabilidade civil é calcada na ideia de reparação, ou seja, nasce a

responsabilidade para reparar, recompor o direito violado. A responsabilidade

então teria a função primordial de fazer retornar o estado anterior das coisas.

Desta forma, havendo dano, não nasceria a responsabilidade, pois não

haveria o que recompor. O próprio termo “indenização” tem significado que

revela esta necessária premissa. Indenizar significa tornar indene, ou seja,

deixar ileso, sem dano. Seria uma incongruência indenizar quando não há

dano, ou melhor, para mais que uma incongruência, seria verdadeira fonte de

enriquecimento sem causa, fato repudiado pelo direito, como qualquer

ilicitude. Assim, qualquer ‘reparação’ deferida a alguém que não sofreu dano

algum, longe de realizar um resultado querido pelo direito, acaba por

alcançar algo rechaçado por ele, acarretando locupletamento ilícito. Reitere-

se que é uníssono o entendimento que não existe responsabilidade sem dano.

Ainda que se fale de responsabilidade subjetiva ou objetiva, fundada na culpa

ou mesmo no risco integral, o dever de reparar só nasce quando se verifica o

dano255

.

No caso dos danos decorrentes do abandono afetivo, tem-se clara lesão aos

direitos da personalidade, vez que se atinge exatamente o período de desenvolvimento

do ser humano. Desta forma, os danos oriundos da negligência dos pais ausentes se

refletem na dor com o enfretamento da rejeição bem como com a dificuldade que o

infante terá em alcançar a plena higidez física, mental, emocional e espiritual, conforme

aponta Theodureto de Almeida Camargo Neto ao tratar da relação entre pais e filhos:

Pressupõe que haja convivência entre ambos, para que, conforme o caso, o

vínculo se estabeleça ou se consolide, gradativamente, e que a criança ou o

adolescente possa receber o afeto, a atenção, a vigilância e a influência

daquele ou daquela que não detém sua guarda, de modo a alcançar a plena

higidez física, mental, emocional e espiritual, que, como se sabe, depende

entre outros fatores, do contato e da comunicação recíproca e permanente

com seus dois progenitores256

.

255

ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Responsabilidade Contratual inaplicabilidade do efeito

pedagógico punitivo ao dano moral. In Soluções práticas – Arruda Alvim. Vol. 2. Ago/2011.

DTR/2012/201. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 2/11.

256 CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. A Responsabilidade Civil por Dano Afetivo. In: SILVA,

Regina Beatriz Tavares da; CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. Grandes Temas de Direito de

Família e das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 23.

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O magistrado conclui de forma catedrática sobre o direito-dever de

convivência: “Descumprido esse dever, surgem, invariavelmente, inúmeras sequelas

psíquicas e emocionais”257

.

Sem discordar, Maria Berenice Dias cita os danos psicológicos causados em

razão do abandono afetivo por algum dos genitores:

A grande evolução das ciências que estudam o psiquismo humano acabou por

escancarar a decisiva influência do contexto familiar para o desenvolvimento

sadio das pessoas em formação. Não se pode mais ignorar essa realidade,

tanto que passou a se falar em paternidade responsável. (...) O distanciamento

entre pais e filhos produz sequelas de ordem emocional e pode comprometer

o sadio desenvolvimento. O sentimento de dor e abandono pode deixar

reflexos permanentes em sua vida258

.

Giselda Hironaka, por sua vez, destaca o dano à personalidade, decorrente da

rejeição do(a) genitor(a), que:

Macula o ser humano enquanto pessoa, dotada de personalidade, sendo certo

que esta personalidade existe e se manifesta por meio do grupo familiar,

responsável que é por incutir na criança o sentimento de responsabilidade

social, por meio do cumprimento das prescrições, de forma a que ela possa,

no futuro, assumir a sua plena capacidade de forma juridicamente aceita e

socialmente aprovada259

.

Rolf Madaleno também anota as consequências nefastas que a ausência de

algum dos genitores acarreta à prole:

Ao filho choca ter transitado pela vida, em tempo mais curto ou mais longo,

sem a devida e necessária participação do pai em sua história pessoal e na sua

formação moral e psíquica, desconsiderando o descendente no âmbito de suas

relações, causando-lhe irrecuperáveis prejuízos, que ficarão indelevelmente

marcados por toda a existência do descendente socialmente execrado pelo

genitor, suscitando insegurança, sobressaltos e um profundo sentimento de

insuperável rejeição260

.

257

CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. A Responsabilidade Civil por Dano Afetivo. In: SILVA,

Regina Beatriz Tavares da; CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. Grandes Temas de Direito de

Família e das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 23.

258 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. Saraiva: Revista dos Tribunais, 2015,

p. 97.

259 HIRONAKA, Giselda Fernandes Novaes. Pressupostos, elementos e limites do dever de indenizar por

abandono afetivo. In: PEREIRA, Tania da Silva; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.) A ética da

convivência familiar e sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 141.

260 MADALENO. Rolf. O Dano moral no direito de família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 386.

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Diante de tais danos, Rodrigo da Cunha Pereira aponta que o abandono

material não é o pior, pois “o mais grave é mesmo o abandono psíquico e o afetivo, a

não presença do pai no exercício de suas funções paternas, como aquele que representa

a lei, o limite, segurança e proteção”261

.

Os estudos no campo da psicanálise concluem exatamente no sentido apontado

pelos juristas.

Flávio Torres D’Andrea262

aponta que a personalidade se constitui como o

resultado de experiências vivenciadas no passado (história pregressa) e de estímulos do

meio (circunstância). Ou seja, as experiências vividas pela criança influenciam a

personalidade do adulto que essa irá se tornar.

Segundo o mesmo autor, o conceito de personalidade pode ser definido

brevemente como “a resultante psicofísica da interação da hereditariedade com o meio,

manifestada através do comportamento, cujas características são peculiares a cada

pessoa”263

. É evidente, assim, que o comportamento apresentado no que se relaciona à

interação familiar, influencia diretamente na personalidade da criança.

Em pesquisa acadêmica referente à línea de investigación em desarrollo

psíquico intitulada “Los efectos de la ausencia paterna en el vinculo con la madre y la

pareja”, acompanhada por Maggui Gutiérrez e realizada por Nathalia Martínez para

obtenção do título de Mestre em Psicologia Clínica pela Pontificia Universidad

Javeriana em Bogotá, foram apontadas algumas das consequências maléficas (e

patológicas) da ausência imaterial do pai na vida do(a) filho(a) em fase de

desenvolvimento:

La investigación permitió observar algunos de los diversos estados mentales

esencialmente patológicos, promovidos por la ausencia de la figura

paterna264

.

Dentre tais consequências anotou-se:

261

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Pai, por que me abandonaste? In: PEREIRA. Tânia da Silva (coord.). O

melhor interesse da criança: um debate interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 581-582.

262 D’ANDREA, Flávio Forres. Desenvolvimento da personalidade: enfoque psicodinâmico. São Paulo:

Difusão Europeia do Livro, Editora da Universidade de São Paulo, 1972, p.9.

263 Ibidem., p. 10.

264 MARTINÉZ, Nathalia Carolina Rodríguez. Los efectos de la ausencia paterna em el vinculo com la

madre e la pareja. Trabalho apresentado em mestrado de psicologia clinica pela Pontificia Universidad

Javeriana de Bogota em novembro de 2010, p.191.

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Se exploró el impacto de la vivencia de abandono o ausencia del padre em las

relaciones actuales; se observa que el vacío de padre tiene a convertise em

una búsqueda constante del padre odealizado. En la adultez, el vínculo

materno o paterno que vivieron en su infância la ausencia de sus padres,

tienen grandes dificultates para desarrollar su rol paterno-materno”265

O trabalho apontou ainda que, dentre os diversos danos causados pelo

abandono imaterial do pai, há alguns que se manifestam de formas diferentes em filhas

e filhos:

En el caso del hombre y de la mujer se vieron diferencias con respecto a la

representación de la masculinidad. Por un lado se veía como la mujer

buscaba a través de relaciones promiscuas el pene del padre, como fantasia

inconsciente de la carencia por la cual había sido abandonada por el padre. Y

por outra parte, el hombre quien también veía frustrada parte de su

masculinidad, y en especial la posibilidad de cumplir las proprias funciones

paternas266

.

No bojo da pesquisa é apontado claramente o forte dano moral suportado pelo

filho abandonado imaterialmente, configurado com aquilo que é intitulado de ‘gran

cantidad de dolor psíquico’:

Las vivencias traumáticas que tuvo como experiência en la niñez, han

promovido un gran monto de agresión que no há sido posible elaborar o

expressar en ningún momento de su desarrollo y que ahora se presentan como

‘acting out’ de tal manera que no posibilitan la comprensión en el sujeito y

poe esse motivo generan al mismo tiempo una gran cantidad de dolor

psíquico267

.

É ressaltada também a forte intensidade das consequências danosas do

abandono imaterial:

Con relación a la vivencia de abandono, en tanto registro mental, adquiere un

poder tan fuerte que la alianza terapéutica y, en específico, la adherencia al

proceso de psicoterapia se encuentran constantemente amenazadas por la

“actuaciones abandónicas” de estos pacientes268

.

265

MARTINÉZ, Nathalia Carolina Rodríguez. Los efectos de la ausencia paterna em el vinculo com la

madre e la pareja. Trabalho apresentado em mestrado de psicologia clinica pela Pontificia Universidad

Javeriana de Bogota em novembro de 2010, p. 192.

266 Ibidem., 192.

267 Ibidem., p. 92.

268 Ibidem., p.194.

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Sem divergir das conclusões apresentadas pela pesquisadora de Bogotá, a

psicanalista brasileira Sonia Pires, após análise de diversos casos sobre crianças

desamparadas afetivamente, anota: “estava provado também que um vínculo de

referência é fundamental para o desenvolvimento psíquico da criança. O investimento

afetivo do adulto faz toda a diferença na sua história”269

.

Essa mesma profissional publicou pesquisa a respeito do ‘Desamparo na

Infância’ e apontou as diversas dificuldades psíquicas que passam a enfrentar as

crianças sem apoio psicológico dos genitores. A profissional montou um grupo para

tentar solucionar as carências advindas da total ausência de um dos pais e contribuir

para solução dos transtornos psíquicos consequentes:

O atendimento do grupo de crianças, duas vezes por semana de uma hora e

meia cada, desenrolou-se com maior facilidade. Elas estavam ávidas por

investimentos afetivos270

.

Porém, tiveram resultados apenas crianças cujos pais participaram do

tratamento terapêutico juntamente com o(a) filho(a). As demais obtiveram avanço

mínimo – o que comprova a grande dificuldade que é lidar com o abandono imaterial.

Os resultados do trabalho anterior só ocorreram de forma satisfatória em

crianças cujos pais também foram acompanhados em grupo terapêutico (...)

com crianças que tinham pais que não faziam parte do grupo de atendimento,

o resultado da nossa intervenção era mínimo, isso estava provado271

.

Sonia Pires ainda anotou caso em que uma criança abandona imaterialmente já

havia desenvolvido transtorno psicótico:

Fomos surpreendidos com apenas um caso de transtorno psicótico. Em pouco

tempo, foi necessário oferecer um horário só para ele. O desafio maior era

atender aquela criança em suas demandas disformes sem poder contar com a

presença dos pais272

.

Sobre o mesmo assunto, o psicanalista Daniel Schor publicou recentemente

livro intitulado ‘Heranças Invisíveis do Abandono Afetivo’. Nesta obra, é descrito

269

PIRES, Sonia. Desamparo na Infância. 1ª ed. São Paulo: Biblioteca24horas, 2013, p. 142.

270 Idibem., p. 137.

271 Ibidem., p. 141.

272 Ibidem., p. 138.

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claramente os danos psicoafetivos causados a crianças e adolescentes que tiveram de

enfrentar a ausência de algum dos genitores.

Os efeitos do abandono afetivo, para o autor, apontariam para claro prejuízo

psíquico: “De nosso ponto de vista, esta seria uma maneira de descrever uma situação

de abuso e violência psíquicos”273

.

Como base para suas conclusões, o pesquisador apresentou integralmente três

casos reais de crianças vítimas do abandono afetivo: Bernardo, João e Ian. A conclusão

foi a de sofrimento (e sequelas) nos três casos:

Podemos considerar que os três casos clínicos apresentados, os quais

funcionaram para nós como disparadores e apoiadores de nossa discussão,

possuem, é claro, algo em comum. Bernardo, João e Ian sofriam todos,

visivelmente, cada um a seu modo, de uma desconfiança a respeito de suas

representações da realidade e de suas histórias, isto é, suas memórias274

.

Daniel Schor prossegue:

Em todos os casos estamos diante de defesas contra o pavor da queda no

abismo interno a que nos referimos páginas atrás, isto é, uma angústia de

fragmentação e despersonalização gerada pela profunda insegurança a

respeito da confiabilidade do objeto275

.

Em conclusão, o psicanalista dispõe expressamente sobre os invisíveis

sofrimentos suportados por quem sofre abandono afetivo:

a deficiência de que padecem tais sujeitos refere-se, mais do que tudo, à

precariedade de suas condições para estar em relação, isto é, crer-se sujeito

diante de um outro sujeito de quem possa, enfim, estar em companhia.276

Daniel aponta, ainda, a consequente carência plantada na criança e prossegue

destacando a necessidade de o sujeito receber ajuda para possibilitar talvez a

recuperação:

A falta de uma presença afetiva, regular, atenta, determinada essencialmente

pelo amor e pela identificação dos pais com as necessidades infantis

273

SCHOR, Daniel. Heranças Invisíveis do Abandono Afetivo: um estudo psicanalítico sobre as

dimensões da experiência traumática. São Paulo: Blucher, 2017, p. 202.

274 Idibem., p. 204.

275 Idibem., p. 208.

276 Ibidem., p. 208

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impedem o sujeito de fazer o luto daquilo que nunca foi, renunciar ao que

nunca teve, aniquilando ou comprometendo gravemente seu sentimento de

existir, único capaz de lança-lo a uma jornada existencial baseada na

confiança íntima e profundamente guardada na possibilidade de um devir.

Nesse caso, a possibilidade de que o sujeito inicie uma trajetória pessoal

depende de que seja auxiliado a experimentar o que permaneceu em si em

estado apenas potencial, mas nunca acontecido277

.

Restam evidentes os danos que a ausência dos genitores não guardiões causam

em seus filhos. O sentimento de rejeição e a sensação de insegurança são as

consequências primárias, mas não únicas. O adulto abandonado afetivamente na

infância pelo pai ou mãe tem seu psicológico, invariavelmente, abalado, e terá mais

dificuldade do que os demais para solucionar seus conflitos internos e estruturar

psicologicamente suas relações em sociedade. O dano atinge exatamente a

personalidade do indivíduo que não conviveu com algum de seus genitores. E se a

conceituação de dano moral se apresenta como sendo um dano à personalidade, não há

como negar que o abandono afetivo – quando configurado – causa dano moral à vítima

abandonada imaterialmente.

O dano é mais do que evidente. É presumível. Não seria razoável sustentar que

a situação de ser rejeitado por um dos próprios pais não causa abalo.

Nesta seara, faz-se mister destacar que em ação judicial visando à reparação

por danos morais por abandono afetivo, a apresentação de laudo médico que aponte as

consequências do desrespeito aos deveres paterno-filiais é importante, mas não

imprescindível. Isto porque, como já denotado, o dano moral causado pela ausência de

um dos pais é presumível (dano in re ipsa).

Este é, inclusive, o entendimento da Ministra Nancy Andrighi, do Superior

Tribunal de Justiça, conforme disposto no Recurso Especial n. 1.159.242 - SP

(2009/0193701-9), julgado em abril de 2012, que manteve a condenação de pai ausente

ressarcir a filha por abandono afetivo:

[...] não obstante o desmazelo do pai em relação a sua filha, constado desde o

forçado reconhecimento da paternidade – apesar da evidente presunção de

sua paternidade –, passando pela ausência quase que completa de contato

com a filha e coroado com o evidente descompasso de tratamento outorgado

aos filhos posteriores, a recorrida logrou superar essas vicissitudes e crescer

com razoável aprumo, a ponto de conseguir inserção profissional, constituir

família, ter filhos, enfim, conduzir sua vida apesar da negligência paterna.

Entretanto, mesmo assim, não se pode negar que tenha havido sofrimento,

277

SCHOR, Daniel. Heranças Invisíveis do Abandono Afetivo: um estudo psicanalítico sobre as

dimensões da experiência traumática. São Paulo: Blucher, 2017, p. 200-201.

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mágoa e tristeza, e que esses sentimentos ainda persistam, por ser

considerada filha de segunda classe. Esse sentimento íntimo que a recorrida

levará, ad perpetuam , é perfeitamente apreensível e exsurge,

inexoravelmente, das omissões do recorrente no exercício de seu dever de

cuidado em relação à recorrida e também de suas ações, que privilegiaram

parte de sua prole em detrimento dela, caracterizando o dano in re ipsa e

traduzindo-se, assim, em causa eficiente à compensação.278

Vale aqui destacar, ainda, outra hipótese muito comum na jurisprudência sobre

dano moral presumível: a inscrição indevida em órgão de proteção ao crédito.

Nos termos da jurisprudência do STJ, o protesto indevido de título de crédito é

suficiente para que haja pedido indenizatório, tendo em vista a presunção de dano moral

sofrido em razão desse ato279

.

Se para configurar o dever de indenizar nestas hipóteses o abalo psíquico é

presumível (sendo dispensável a comprovação de ter ocorrido negativa de crédito em

razão na inscrição indevida), o que dizer a respeito do abalo provocado pela ausência de

um dos pais?

Não há como sustentar não haver abalo àquele que é ignorado e rejeitado pelo

próprio pai ou mãe. O dano é evidente quando comprovada a ausência.

Faz-se mister observar, contudo, que o entendimento sobre o dano moral

decorrente do abandono imaterial ser presumível não é unanimidade nos julgamentos do

Superior Tribunal de Justiça280

.

278

STJ, Recurso Especial 1.159.242 - SP (2009/0193701-9), Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em abril

de 2012.

279 AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. TÍTULO DE CRÉDITO.

PROTESTO INDEVIDO. DANO MORAL PRESUMIDO. 1. Nos termos da jurisprudência do STJ, o

protesto indevido de título de crédito é suficiente para que haja pedido indenizatório, tendo em vista a

presunção de dano moral sofrido em razão desse ato. 2. "Não se conhece do recurso especial pela

divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida." 3.

Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no AgRg no AREsp: 179588 PR 2012/0103360-0, Relator:

Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 06.08.2013, T3 - TERCEIRA TURMA,

Data de Publicação: DJe 19.08.2013)

280 CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ABANDONO AFETIVO.

OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. ALEGADA OCORRÊNCIA DO

DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE CUIDADO. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE

DEMONSTRAÇÃO DA CONFIGURAÇÃO DO NEXO CAUSAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DO

DANO DIRETO E IMEDIATO. PREQUESTIONAMENTO INEXISTENTE NO QUE TANGE AOS

ACORDOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS Nº.s 282 E 235

DO STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CARACTERIZADO. RECURSO ESPECIAL NÃO

PROVIDO. 1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC quando os embargos de declaração são rejeitados pela

inexistência de omissão, contradição ou obscuridade, e o Tribunal a quo dirime a controvérsia de forma

completa e fundamentada, embora de forma desfavorável à pretensão do recorrente. 2. Considerando a

complexidade dos temas que envolvem as relações familiares e que a configuração de dano moral em

hipóteses de tal natureza é situação excepcionalíssima, que somente deve ser admitida em ocasião de

efetivo excesso nas relações familiares, recomenda- e uma análise responsável e prudente pelo magistrado

dos requisitos autorizadores da responsabilidade civil, principalmente no caso de alegação de abandono

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Por isso, é prudente que a Ação Indenizatória por Abandono Afetivo seja

sempre proposta com laudo psicológico que aponta os danos causados com a ausência

do(a) genitor(a).

4.5.8. Dever de reparar os danos causados à prole com o abandono

imaterial (ou afetivo)

Conforme tratado em tópico anterior, a responsabilidade civil subjetiva exige

para sua configuração a presença de três elementos: (i) dano (ii) culpa e (iii) nexo

causal.

O elemento dano é configurado pelo abalo psicológico acarretado ao filho que

sofre com a ausência do pai ou da mãe. Aludido dano afetivo foi apresentado em tópico

afetivo de filho, fazendo-se necessário examinar as circunstâncias do caso concreto, a fim de se verificar

se houve a quebra do dever jurídico de convivência familiar, de modo a evitar que o Poder Judiciário seja

transformado numa indústria indenizatória. 3. Para que se configure a responsabilidade civil, no caso,

subjetiva, deve ficar devidamente comprovada a conduta omissiva ou comissiva do pai em relação ao

dever jurídico de convivência com o filho (ato ilícito), o trauma psicológico sofrido (dano a

personalidade), e, sobretudo, o nexo causal entre o ato ilícito e o dano, nos termos do art. 186 do

CC/2002. Considerando a dificuldade de se visualizar a forma como se caracteriza o ato ilícito passível de

indenização, notadamente na hipótese de abandono afetivo, todos os elementos devem estar claro e

conectados. 4. Os elementos e as peculiaridades dos autos indicam que o Tribunal a quo decidiu com

prudência e razoabilidade quando adotou um critério para afastar a responsabilidade por abandono

afetivo, qual seja, o de que o descumprimento do dever de cuidado somente ocorre se houver um descaso,

uma rejeição ou um desprezo total pela pessoa da filha por parte do genitor, o que absolutamente não

ocorreu. 5. A ausência do indispensável estudo psicossocial para se estabelecer não só a existência do

dano mas a sua causa, dificulta, sobremaneira, a configuração do nexo causal. Este elemento da

responsabilidade civil, no caso, não ficou configurado porque não houve comprovação de que a conduta

atribuída ao recorrido foi a que necessariamente causou o alegado dano à recorrente. Adoção da teoria do

dano direto e imediato. 6. O dissídio jurisprudencial não foi comprovado nos moldes legais e regimentais,

pois além de indicar o dispositivo legal e transcrever os julgados apontados como paradigmas, cabia ao

recorrente realizar o cotejo analítico, demonstrando-se a identidade das situações fáticas e a interpretação

diversa dada ao mesmo dispositivo legal, o que não ocorreu. 7. Recurso especial não provido. (REsp.

1.557.978-DF, rel. Ministro Moura Ribeiro, DJe 17.11.2015) RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO

DE FAMÍLIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ABANDONO AFETIVO. NÃO OCORRÊNCIA. ATO

ILÍCITO. NÃO CONFIGURAÇÃO. ART. 186 DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE

DEMONSTRAÇÃO DA CONFIGURAÇÃO DO NEXO CAUSAL. SÚMULA Nº 7/STJ. INCIDÊNCIA.

PACTA CORVINA. VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM . VEDAÇÃO. AUSÊNCIA DE

PREQUESTIONAMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO CARACTERIZADO. MATÉRIA

CONSTITUCIONAL. 1. A possibilidade de compensação pecuniária a título de danos morais e materiais

por abandono afetivo exige detalhada demonstração do ilícito civil (art. 186 do Código Civil) cujas

especificidades ultrapassem, sobremaneira, o mero dissabor, para que os sentimentos não sejam

mercantilizados e para que não se fomente a propositura de ações judiciais motivada unicamente pelo

interesse econômico- financeiro. 2. Em regra, ao pai pode ser imposto o dever de registrar e sustentar

financeiramente eventual prole, por meio da ação de alimentos combinada com investigação de

paternidade, desde que demonstrada a necessidade concreta do auxílio material. 3. É insindicável, nesta

instância especial, revolver o nexo causal entre o suposto abandono afetivo e o alegado dano ante o óbice

da Súmula nº 7/STJ. 4. O ordenamento pátrio veda o pacta corvina e o venire contra factum proprium. 5.

Recurso especial parcialmente conhecido, e nessa parte, não provido. (REsp. 493.125SP, relator Ministro

Ricardo Villas Boas Cueva, DJe 01.03.2016).

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anterior e pode ser compreendido por meio de visão que passa pela

interdisciplinariedade com os estudos da Psicologia.

A culpa, por sua vez, se configura na omissão do genitor por não cumprir com

os deveres que lhe são impostos em razão do poder familiar. Esses deveres não se

limitam a recursos financeiros, como expõe Yussef Cahali:

O pai deve propiciar ao filho não apenas os alimentos para o corpo, mas tudo

o que for necessário (...) Todos os esforços dos pais devem ser orientados no

sentido de fazer o filho por eles gerado um ser em condições de viver por si

mesmo, de desenvolver-se e sobreviver sem o auxílio de terceiros281

.

Desta sorte, não basta o custeio dos alimentos. Faz-se mister a presença dos

genitores, a convivência com os filhos durante o desenvolvimento da prole.

Como já exposto, o genitor ausente descumpre os deveres (i) de supervisionar

os interesses do filho; (ii) de dirigir a criação e a educação; (iii) de compartilhar as

responsabilidades com o genitor guardião; (iv) de garantir a efetivação da saúde; (v) de

garantir a convivência familiar; (vi) de visitar o filho. A consequência é o dano (in re

ipsa) concernente em abalo psicológico à prole carente da presença do pai ou da mãe.

Uma vez que o dano ao filho é resultado da conduta culposa do genitor não

guardião que descumpre os deveres decorrentes do poder familiar, resta configurado o

nexo causal entre o dano e culpa282

. Presentes estes três elementos, deve incidir o dever

de indenizar, conforme artigo 186 combinado com o artigo 927, ambos do Código Civil.

Vale dizer que o descumprimento do dever paterno que resulta em dano afetivo

gerador de prejuízo psicológico ao filho não dever ser tolerado e muito menos

prestigiado pelo Judiciário. Ao contrário, deve ser combatido, pois não se coaduna com

a ordem jurídica, que tem como princípio maior a busca pela dignidade humana.

Conforme Rodrigo Cunha Pereira:

[...] se um pai ou uma mãe não quiser cuidar, dar atenção, carinho e afeto

àqueles que trouxeram ao mundo, essa recusa e essa negligência implicam

danos à personalidade, os quais devem ser ressarcidos para provocar

reflexões e coibir práticas semelhantes. Afinal, eles são os responsáveis pelos

filhos e isso constitui um dever dos pais e um direito dos filhos. O

descumprimento dessas obrigações significa violação a direitos do filho. Se

os pais desrespeitarem direitos do filho devem responder por isso283

.

281

CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 347.

282 Enunciado 8 IBDFAM: O abandono afetivo pode gerar direito à reparação pelo dano causado.

283 PEREIRA, Rodrigo da Cunha; SILVA, Cláudia Maria. Nem só de pão vive o homem. Sociedade e

Estado., Brasília: Scielo , v. 21, n. 3, p. 667-680, Disponível em

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O desenvolvimento de filhos com danos de ordem psicológica ocasionados

pela ausência justamente daqueles que deveriam zelar pela proteção e cuidado é

incompatível com a ordem jurídica atual, que trata a família como uma célula que busca

impulsionar o bem-estar e as capacidades de cada membro.

A tutela dos direitos da personalidade passa pelas normas previstas no bojo do

direito de família, vez que este visa, dentre outros, a garantir o desenvolvimento

saudável, com integridade psíquica, a cada um dos integrantes de uma célula familiar,

como ensina Danilo Medeiros Pereira:

Relacionando-o com o Direito da Personalidade, tem-se que o Direito de

Família age principalmente quanto ao direito à integridade psíquica do

indivíduo, garantindo-lhe seu desenvolvimento saudável e seu direito à

integridade moral284

.

Assumir a posição de inexigibilidade de reparação parece-nos completamente

contrária aos já mencionados princípios da cidadania, da dignidade humana, da

solidariedade familiar, da paternidade responsável, da afetividade, da convivência

familiar e da proteção integral a crianças e adolescentes.

Nas palavras de Clayton Reis,

é inadmissível que na pré-modernidade onde predomina o princípio da

dignidade humana, que encarna o espírito da Declaração Universal dos

Direitos do Homem, o ser humano continue a ser sistematicamente

estigmatizado em seus direitos essenciais. Na vida familiar não mais se

justificam que violações a esses direitos de primeira dimensão interfiram no

pleno desenvolvimento da personalidade dos membros familiares,

subtraindo-se deles o inarredável direito ao afeto para que a pessoa tenha

condições no futuro, de crescer e atingir sua plenitude como ser humano285

.

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-

69922006000300006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 23. out. 2017, p. 678.

284 PEREIRA, Danilo Medeiros Pereira. Direito de Família e sua influência na formação da personalidade

do indivíduo e garantia da dignidade humana. In: FROÉS, Carla Baggio Laperuta; TOLEDO, Iara

Rodrigues de; PEREIRA, Sarah Caroline de Deus (coords.). Estudos a cerca da efetividade dos direitos

de personalidade no Direito das famílias: construção do saber jurídico & Crítica aos fundamentos da

dogmática jurídica. 1ª ed. São Paulo: Letras Jurídicas, 2013, p. 251.

285 REIS, Clayton. O Abandono Afetivo do Filho como Violação aos Direitos da Personalidade. In:

FROÉS, Carla Baggio Laperuta; TOLEDO, Iara Rodrigues de; PEREIRA, Sarah Caroline de Deus

(coords). Estudos a cerca da efetividade dos direitos de personalidade no Direito das famílias:

construção do saber jurídico & Crítica aos fundamentos da dogmática jurídica. 1ª ed. São Paulo: Letras

Jurídicas, 2013, p. 131.

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Talvez a ausência afetiva do pater familia fosse admitida em outros tempos,

nos períodos anteriores à Constituição Federal de 1988, em que os membros da família

eram sujeitados às vontades do chefe familiar. Não se falava em desenvolvimento de

cada membro, mas, sim, tratava-se de satisfazer o pater familia, pouco importando a

saúde psicológica dos demais integrantes da instituição familiar.

Neste cenário, não havia espaço para se falar em dever de indenizar o

abandono afetivo dos filhos.

Atualmente é o contrário: não deveria haver espaço para se falar em ausência

do dever de indenizar quando estiver configurado o abandono afetivo. Admitir a

possibilidade de não indenizar esse dano é um desprestígio a todo caminho evolutivo

que o ordenamento jurídico brasileiro trilhou até alcançar as normas atuais.

Assim como a figura do pater familia ficou para a história, a ideia de tolerar o

abandono afetivo também deve ser esquecida. Afinal, estamos na era do poder familiar,

termo este que implica responsabilidades e deveres de ambos os pais – sejam ou não

detentores da guarda – para com a saúde e integridade psíquica de seus filhos.

Como escreve Ana Carolina Teixeira:

Se uma criança veio ao mundo – desejada ou não, planejada ou não – os pais

devem arcar com as responsabilidades que esta escolha (consciente ou não)

lhes demanda286

.

Não há que se admitir que pessoas causem culposamente danos a outrem sem

nenhuma responsabilização. Sobretudo, quando esse outrem é a prole!

Importante destacar, neste ponto, que sustentamos o dever de indenizar em

razão do ato omissivo configurado com o abandono. Desta forma, o genitor não

guardião que busca a prole, mas é renegado por esta, não pode ser condenado por

abandono imaterial; afinal, não foi por ato omissivo do não guardião que a convivência

não se efetivou.

Contudo, caso existam indícios de que a rejeição praticada pelo(a) filho(a) é

resultante de alienação parental efetivada pelo cônjuge guardião, cabe aquele que não

detém a guarda buscar tutela judicial (conforme já mencionado há jurisprudência que

menciona indícios de alienação parental e fixar astreintes a fim de compelir o guardião

a permitir a visita pelo outro progenitor) para cessar as atitudes alienantes. Se não o

286

TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Responsabilidade civil e ofensa à dignidade humana, Revista

Brasileira de direito de família. Porto Alegre, n. 32, p. 156, out./nov. 2005.

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fizer, deverá ser responsabilizado, juntamente com o alienante, pelos danos resultantes à

prole, vez que esta omissão se configuraria a busca por se beneficiar da própria torpeza.

Em outras palavras, ocorre a alienação parental, o cônjuge alienado nada faz para cessa-

la e em seguida a utiliza como argumento para afastar o deve de indenizar: é típica

hipótese do venire contra factum proprium.

4.5.8.1. Presença de substituto não apaga a dolorosa realidade de

ser um filho rejeitado

Muito se discute se a presença afetiva de outra pessoa como substituto do pai

ou mãe ausente é suficiente para rechaçar o dever de indenizar.

Evidente que a presença de outra pessoa pode reduzir os danos, mas não apagar

o fato de que aquela pessoa é rejeitada e ignorada pelo próprio pai ou mãe. Esta

dolorosa realidade não deixará de existir.

Nas palavras de Alexandre Junqueira Gomide:

Qualquer filho certamente sentirá, sempre, o vazio deixado pela falta de afeto

de um de seus genitores. Por mais que esse afeto seja preenchido,

parcialmente, pela figura de um avô, tio, padrasto e assim por diante, restará

um vazio287

.

Da mesma forma que o fato de uma criança ter uma tia (ou qualquer outra

pessoa) para assumir o papel de sua mãe não afasta o dever de indenizar de quem deu

causa à morte dessa mãe, temos que o fato de outrem substituir o papel de mãe ou pai,

não afasta o dever de estes indenizarem o filho, se esta ausência se deu por culpa.

Assim, a indenização à prole ignorada, que não conviveu com algum dos pais,

não deixará de ser necessária em razão de outrem poder exercer o papel que deveria ser

exercido por esses pais, pois a situação de ser um filho rejeitado continuará existindo.

Vale destacar o seguinte trecho sobre caso clínico de adolescente que morava

com o pai e convivia com os avós, mas foi abandonado afetivamente pela mãe, a qual

foi morar na França e deixou o filho no Brasil:

Pude reconhecer a importância da comunicação que Bernardo me havia feito.

Ficava claro que, a cada vez que sua mãe passava pelo Brasil, o menino

regredia ao horror, vivido na infância, de seu eterno abandono por parte dela,

e temia despencar no abismo que se abria pela insuficiência de seus recursos

para lidar com o fato. Sempre que isto se dava, Bernardo voltava a ser o

287

GOMIDE, Alexandre Junqueira. Abandono Afetivo. In: LAGRASTA NETO, Caetano; SIMÃO, José

Fernando (coords.). Dicionário de Direito de Família. Vol.1: A-H. São Paulo: Atlas, 2015, p. 30.

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garotinho fechado em seu quarto, arrancado literalmente os cabelos, no limite

de suas forças para crer na sobrevivência da mãe e em seu amor por ele288

.

No caso apontado, a criança contava com o amparo do pai e dos dois avôs

paternos, mas isso não afastou – em nenhum momento – os danos causados com o

abandono imaterial praticado pela mãe.

Mesmo que outros parentes tentem assumir o papel que deveria ser exercido

por algum dos progenitores, o dano existe, pois a realidade de aquele ser um filho

abandonado imaterialmente pela própria mãe ou pelo próprio pai não é apagada nunca.

4.5.8.2. Desamor e dever de cuidado

Outro argumento que busca afastar o dever de reparar os danos causados com o

abandono afetivo diz respeito à impossibilidade de obrigar alguém a amar.

Entretanto, é muito importante destacar que a reparação por abandono afetivo

não se refere à falta de amor, mas sim à inobservância dos princípios que regem o

ordenamento jurídico e dos deveres paternos filiais (dever de cuidado, educação,

fiscalização de interesses dos filhos pelo não guardião, etc.) que não podem ser

descumpridos culposamente.

Ressalta-se: não se fala em condenação contra pai ou mãe que cuida mas não

ama. Busca-se condenar aquele que arca com deveres materiais, mas não cuida (mesmo

se ainda amar o filho de alguma forma).

Em outras palavras: não se trata de indenizar danos causados por desamor, mas

sim danos causados pela falta de cuidado, pois apenas o custeio de questões materiais

não é suficiente para denotar o cumprimento dos deveres paternos ou maternos.

Conforme Rolf Madaleno:

[...] embora possa ser dito que não há como o Judiciário obrigar a amar,

também deve ser considerado que o Judiciário não pode se omitir de tentar,

buscando de uma vez por todas acabar com essa cultura da impunidade que

grassa no sistema jurídico brasileiro desde os tempos em que as visitas

configuravam um direito do adulto e não como um evidente e incontestável

dever que têm os pais de assegurar aos filhos a convivência familiar, além de

coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,

violência, crueldade e opressão (CF, artigo 227). A condenação de hoje pelo

dano moral causado no passado, tem imensurável valor propedêutico para

evitar ou arrefecer o dano afetivo do futuro, não mais pela ótica do amor que

288

SCHOR, Daniel. Heranças Invisíveis do Abandono Afetivo: um estudo psicanalítico sobre as

dimensões da experiência traumática. São Paulo: Blucher, 2017, p. 48.

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foi omitido, mas como entendeu a Ministra Nancy Andrighi no REsp. n.

1.159.242-SP, pelo dever jurídico de cuidar, para que filhos sejam postos a

salvo de toda a forma de negligência e para que pais irresponsáveis pensem

duas vezes antes de usar seus filhos como instrumento de vingança de suas

frustrações amorosas289

.

Vale destacar que não importa se está se tratando de dever de cuidado ou de

dever de amar, pois o artigo 186 do Código Civil determina que causar culposamente

(por meio ação ou omissão voluntária negligência, imprudência ou imperícia) dano a

outrem, ainda que exclusivamente moral, configura ato ilícito. Ou seja, o genitor

ausente, quando causa dano afetivo a sua prole, comete ato ilícito.

A ilicitude está em causar o dano culposamente, e é isso que gera o dever de

reparar (conforme artigo 927 do CC), independente de o dano ter sido causado pela falta

de amor ou falta de cuidado. O fato é que houve dano decorrente de culpa (dano afetivo

à prole decorrente de carência quanto à presença do pai ou da mãe), sendo mister a

reparação.

É de se anotar, entretanto, que, mesmo sem amar, caso o genitor cumpra

devidamente com seu dever de cuidado, não haverá dano.

Explica-se. A lei não dispõe sobre o dever de amar. Mas dispõe claramente

sobre o dever de cuidado (incluindo neste o cuidado com a educação, com a supervisão

de interesses, etc.). Quem ama, cuida. Mas quem cuida, não necessariamente ama.

Desta forma, mesmo sem amar o filho, o genitor preocupado em não lesar essa

prole, não irá demonstrar desamor; não irá ignorar a prole; não será absolutamente

ausente. E caso tenha dificuldade em cumprir seus deveres paternais, deverá buscar

meios que o auxiliem a exercer a função que lhe cabe. Neste sentido, é possível até

imaginar a hipótese de o(a) genitor(a) se submeter a sessões de psicoterapia para lidar

com a necessidade de adimplir seu dever e evitar que os filhos é que venham a ser

carentes e precisem de tratamento psicológico.

Trata-se da busca por não lesar o outrem, princípio básico concretizado pela

expressão neminem laedere.

Ainda que não verdadeiramente se ame o filho, é necessário que tenha cuidado

para não lesar a própria prole, e que se busque cumprir os deveres legais atribuídos ao

genitor que não detém a guarda.

289

MADALENO. Rolf. O Dano moral no direito de família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 384

- 385.

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Portanto, não é o desamor em si que deve gerar o dever de indenizar. É o

desamor seguido do descaso em lesar o outro (que no caso é o próprio filho) por não

cumprir com os deveres paternais (ou maternais) do não guardião.

Tal descaso gera danos terríveis que acompanharão o infante rejeitado por toda

a sua vida. É fundamental a incidência de danos punitivos a serem suportado por quem

dá causa a esses danos, a fim de desestimular a prática e incentivar a busca pelo

adimplemento dos deveres paternos filiais, ainda que não haja amor. Pois este é

sentimento, é elemento subjetivo daquele que deu causa à prole, não devendo o desamor

ser externado, mas sim internalizado e coibido com o adimplemento do dever de

cuidado e da busca por não lesar a outrem.

No mesmo sentido é o entendimento da Ministra Nancy Andrighi:

Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de

cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou

adotarem filhos. O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os

lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa

materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da

religião. O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos,

distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de

seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença;

contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole;

comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –,

entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador,

pelas partes. Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever290

.

O dever de indenizar não incide em razão do sentimento interno, subjetivo do

genitor que não ama seu filho. Mas sim em função dos danos causados em decorrência

da externalização do desamor configurada na omissão do genitor em cumprir os

encargos decorrentes do poder familiar. O termo abandono afetivo se refere, portanto,

ao abandono imaterial, à ‘não convivência’, à não participação, à ausência imaterial, à

falta de cuidado e não ao amor em si.

4.5.8.3. Dano material com tratamento psicológico

As consequências do não convivência, ou abandono afetivo, não se limitam aos

aludidos danos morais. Há também a possibilidade de se configurar danos materiais.

290

STJ – Resp. 1.159.242 - SP 2009/0193701-9, Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de

Julgamento: 24/04/12, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 10.05.2012.

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Isto porque, existe a necessidade de tratamento psicológico ao filho lesado para

que este possa ter a possibilidade de saber lidar com a violência do abandono e de talvez

até superar os danos na higidez psíquica decorrentes da rejeição pela ausência culposa

de um dos genitores.

Conforme teoria da responsabilidade civil apresentada anteriormente, aquele

que lesa outrem culposamente é obrigado a indenizar os danos causados. Assim, os

custos de todo o tratamento médico devem ser suportados por aquele que deu causa ao

abalo psíquico do filho rejeitado e abandonado imaterialmente, ou seja, deve ser

custeado pelo pai ou mãe ausente que não conviveu, não interagiu com o filho, e deu

causa ao dano.

Deve, portanto, ser configurada a incidência da responsabilidade civil para

compelir os pais ausentes a arcar com os danos materiais decorrentes dos custos com

tratamento psicológico ao filho vítima da violência com a rejeição.

Vale observar, por fim, que o dano material é configurado a cada vez que o

filho que não conviveu com o(a) genitor(a) custeia uma sessão ou consulta com

psicanalista ou psiquiatra para lidar ou superar o abandono afetivo. Portanto, a

prescrição para a propositura de ação reparatória deve ser contada da data de cada

pagamento com o tratamento, pois esse gasto é que configura o prejuízo material.

Desta forma, ainda que se entenda estar prescrita a possibilidade de reparação

moral pelo abandono afetivo, o dever de reparação material incidirá a cada novo gasto

gerado em decorrência de tratamento objetivando dirimir os danos da rejeição. Ou seja,

se o prazo prescricional para a pretensão de reparação civil é de três anos (conforme

artigo 206, § 3º, V do Código Civil), o filho terá três anos para cobrar ressarcimento do

gasto que venha a ter com cada consulta ou tratamento psicológico para tratar os danos

do abandono afetivo.

Tem-se, portanto, a possibilidade de incidência do dever de indenização

também quanto a danos materiais, cuja contagem prescricional da reparação deve ser

contada a partir da data do gasto com cada dia de tratamento psicológico.

4.6. Abandono Afetivo Inverso: responsabilidade civil dos filhos pelos danos

causados aos pais idosos em decorrência da não convivência familiar

4.6.1. O termo “abandono afetivo inverso”

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Conforme já referido em tópico anterior, a terminologia ‘abandono afetivo

inverso’ é utilizada para se referir à ausência dos filhos em relação aos pais idosos, ou

seja, à não convivência familiar com os genitores quando estes se encontram em

situação de vulnerabilidade.

Segundo Caetano Lagrasta Neto e José Fernando Simão:

Atualmente, fala-se também em abandono afetivo inverso, o qual se

caracteriza pelo descumprimento do dever de cuidado pelos filhos em face

dos pais, geralmente quando estes são idosos ou enfermos291

.

No mesmo sentido, Jones Figueirêdo Alves:

Diz-se abandono afetivo inverso a inação de afeto ou, mais precisamente, a

não permanência do cuidar, dos filhos para com os genitores, de regra idosos,

quando o cuidado tem o seu valor jurídico imaterial servindo de base

fundante para o estabelecimento da solidariedade familiar e da segurança

afetiva da família292

.

O desembargador de Pernambuco e diretor nacional do Instituto Brasileiro de

Direito de Família (IBDFAM) explica ainda que:

O vocábulo ‘inverso’ da expressão do abandono afetivo corresponde a uma

equação às avessas do binômio da relação paterno-filial, dado que ao dever

de cuidado repercussivo da paternidade responsável, coincide valor jurídico

idêntico atribuído aos deveres filiais293

.

Temos assim que o ‘abandono afetivo’ ou ‘abandono afetivo direto’ é

configurado pela culposa não convivência e ausência de cuidado (independente do

custeio referente às questões materiais) dos pais em relação aos filhos. Já o ‘abandono

afetivo inverso’ é verificado quando ocorrer culposa ausência dos filhos (não

convivência familiar) em relação aos pais idosos.

291

LAGRASTA NETO. Caetano; SIMÃO, José Fernando (coords.). Nota da Coordenadoria em

Dicionário de Direito de Família. Vol.1: A-H. São Paulo: Atlas, 2015, p. 30.

292Abandono afetivo inverso pode gerar indenização – IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de

Família). Disponível em

<http://www.ibdfam.org.br/noticias/5086/+Abandono+afetivo+inverso+pode+gerar+indeniza%C3%A7%

C3%A3o> acesso em 10. abr. 2017.

293Ibidem.

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Como já destacado anteriormente, ainda que se utilize o termo afetivo, não se

quer referir à obrigação de afeto ou amor. Trata-se de adimplir os deveres de cuidado

para com a prole em desenvolvimento ou com os genitores idosos.

Por esta razão é que neste trabalho também é utilizado o termo abandono

imaterial. O intuito é se referir ao abandono praticado por quem se limita a efetivar o

custeio de questões materiais (alimentos, escola, cuidadores, etc.), e é completamente

ausente, sem nenhuma participação ou demais cuidado com o filho ou com o pai.

Desta forma, tem-se que o termo abandono afetivo (ou imaterial) inverso é

usado para se referir ao ato de filhos não conviverem e ignorarem os pais idosos, ainda

que haja, pelos filhos, custeio pecuniário (ou material) dos pais.

4.6.2. Abandono afetivo inverso: a difícil realidade de muitos idosos

Conforme aponta relatório divulgado pela Organização Mundial da Saúde

(OMS), um em cada seis idosos é vítima de algum tipo de violência em todo o mundo.

A especialista independente das Organizações das Nações Unidas (ONU) sobre Direitos

Humanos, Rosa Kornfeld-Matte, afirmou que a maioria dos casos acontece de forma

discreta e passa despercebida294

. Com o intuito de conscientizar e alertar a sociedade, a

ONU instituiu, em 2007, o Dia Mundial de Combate à Violência Contra a Pessoa Idosa,

a ser celebrado no dia 15 de junho.

No Brasil, a estatística divulgada pelo Disque 100, serviço telefônico da

Secretaria de Direitos Humanos, expõe uma sombria realidade, conforme exposto por

José Renato Nalini:

[...]no Brasil, filhos e netos são os principais agressores dos velhos. Dos 71

mil suspeitos de agressão os filhos foram apontados em 36,6 mil casos –

51,5% do total – e os netos em 5,9 mil – 8,25%. Toda espécie de agressão é

registrada: violência psicológica, violência física e abuso financeiro. Ocorre

que a maior parte da violência cotidiana contra os idosos não é denunciada295

.

Não bastasse o fato de a prole ser o maior agressor dos idosos, estes ainda são

submetidos à diversas espécies de abusos. Em estudo publicado pela Secretaria Especial

294

<http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2017-06/um-em-cada-6-idosos-sofre-algum-

tipo-de-violencia-alerta-oms> acesso em 29. jun. 2017.

295 NALINI, José Renato. A tragédia familiar – reflexões sobre a falta de amor. In: PINTO, Eduardo

Vera-Cruz; PERAZZOLO, José Rodolpho; SILVA, Marco Antônio Marques da. (coords). Família:

patrimônio da humanidade. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 134.

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dos Direitos Humanos foram elencadas as seguintes variações de violência contra os

idosos:

Abusos Físico, maus-tratos físicos ou violência física são expressões que se

referem ao uso da força física para compelir os idosos a fazerem o que não

desejam, para feri-los, provocar-lhes dor, incapacidade ou morte.

Abusos Psicológico, violência psicológica ou maus-tratos psicológicos

correspondem a agressões verbais ou gestuais com o objetivo de aterrorizar

os idosos, humilhá-los, restringir sua liberdade ou isolá-los do convívio

social.

Abuso sexual, violência sexual são termos que se referem ao ato ou jogo

sexual de caráter homo ou hetero-relacional, utilizando pessoas idosas. Esses

abusos visam a obter excitação, relação sexual ou práticas eróticas por meio

de aliciamento, violência física ou ameaças.

Abandono é uma forma de violência que se manifesta pela ausência ou

deserção dos responsáveis governamentais, institucionais ou familiares de

prestarem socorro a uma pessoa idosa que necessite de proteção.

Negligência refere-se à recusa ou à omissão de cuidados devidos e

necessários aos idosos, por parte dos responsáveis familiares ou

institucionais. A negligência é uma das formas de violência contra os idosos

mais presentes no país. Ela se manifesta, frequentemente, associada a outros

abusos que geram lesões e traumas físicos, emocionais e sociais, em

particular, para as que se encontram em situação de múltipla dependência ou

incapacidade.

Abuso financeiro e econômico consiste na exploração imprópria ou ilegal dos

idosos ou ao uso não consentido por eles de seus recursos financeiros e

patrimoniais. Esse tipo de violência ocorre, sobretudo, no âmbito familiar.

Autonegligência diz respeito à conduta da pessoa idosa que ameaça a sua

própria saúde ou segurança, pela recusa de prover cuidados necessários a si

mesma296

.

A negligência praticada em relação aos pais pelos filhos (ainda que estes

arquem com custeio material dos pais) não apenas é um dos tipos de violência sofridos

pelos idosos, como também é a violência com maior incidência.

O abandono afetivo dos pais idosos é uma forma de negligência, que se

configura pela ausência dos filhos relacionada a questões imateriais. Ou seja, ainda que

haja o custeio de gastos e despesas materiais, a total ausência da prole quando

configurada a vulnerabilidade dos pais idosos caracteriza o denominado abandono

afetivo inverso.

Conforme dados divulgados em junho de 2016 pelo Ministério da Justiça e

Cidadania sobre a violação de direitos da pessoa idosa, 77% das denúncias são por

negligência; 51% por violência psicológica; 38% por abuso financeiro e econômico ou

violência patrimonial; e 26% por violência física e maus-tratos297

.

296

MINAYO, Maria Cecília. Violência contra Idosos: O avesso do respeito à experiência e à sabedoria.

2ª ed. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2005, p. 15.

297 Ministério dos Direitos Humanos, Dados do disque 100 mostram que mais de 80 dos casos de

violência contra idosos acontece dentro de casa <http://www.sdh.gov.br/noticias/2016/junho/dados-do-

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Portanto, temos que: os que mais violam os direitos dos idosos são os próprios

filhos, e as violações com maior incidência são a negligência e a violência psicológica.

Ora, estes dados são os mesmos há, pelo menos, 15 anos298

. Está mais do que

na hora de o Estado coibir a prática do abandono afetivo pelos filhos em relação aos

pais.

Certo é que a Lei 10.741 de 2003 (Estatuto do Idoso) criminaliza o ato de

“abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou

congêneres, ou não prover suas necessidades básicas”, contudo só estará configurado o

crime, por esta norma, quando o agente estiver obrigado por lei ou por mandado a

efetivar a manutenção do idoso:

Artigo 98. Abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de

longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas,

quando obrigado por lei ou mandado:

Pena – detenção de 6 (seis) meses a 3 (três) anos e multa.

Já o Código Penal não exige que a obrigação derive de lei ou mandato e

tipifica, no artigo 133, § 3º, inciso II, o crime de abandono de incapaz com aumento de

pena se o agente é ascendente ou descendente da vítima (ou ainda cônjuge, irmão,

curador ou tutor).

A respeito, Marco Antonio Villas Boas observa:

É de se notar que o Código Penal foi mais rígido que o Estatuto ao não exigir

que o agente estivesse obrigado ao sustento de seus dependentes ou parentes

próximos, por lei ou mandato. Na verdade, não precisa de lei, contrato ou

mandado para que o filho socorra seus pais na velhice ou nas necessidades.

Pode ter havido no Estatuto um mero artificialismo299

.

Na mesma oportunidade, o autor aponta que o abandono de idosos em hospitais

ou instituições congêneres não deixa de ser, à primeira vista, um abandono material, e à

segunda vista, um abandono moral.

Contudo, o que se pretende esclarecer neste trabalho é que – ainda que em

algumas hipóteses se verifique o abandono moral atrelado à negligência material – o

disque-100-mostram-que-mais-de-80-dos-casos-de-violencia-contra-idosos-acontece-dentro-de-casa>

acesso em 3. abr. 2017.

298Conforme dados da Secretaria de Direitos Humanos: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/pessoa-

idosa/dados-estatisticos/DadossobreoenvelhecimentonoBrasil.pdf> acesso em 11. jul. 2017.

299 VILAS BOAS, Marco Antonio. Estatuto do Idoso comentado. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p.

185.

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abandono moral (ou abandono afetivo) pode também ocorrer independente do abandono

material, pois é possível que filhos arquem com o custeio da melhor estrutura física para

a manutenção de seus pais, mas simplesmente os ignorem, não realizem visitas e nem

convivam com eles quando esses se tornam idosos.

Também é possível imaginar a hipótese de pais idosos que tenham condições

financeiras de se sustentar, com rendimentos, aplicações, etc. sem precisar de auxílio

material, mas sejam ignorados pelos filhos quando idosos, sendo relegados à solidão e

ausência familiar.

Quando se atrela o abandono apenas a questões materiais, e não à convivência

familiar em si, tutela-se o abandono afetivo dos pais idosos, como se o sofrimento com

a ausência e a solidão não configurasse abalo à direito da personalidade.

4.6.3. Danos decorrentes do abandono afetivo inverso

Conforme o sociólogo alemão Nobert Elias, a solidão do idoso, que é ceifado

do direito à convivência familiar, é a pior forma de abandono enfrentada por eles:

A fragilidade dos velhos é muitas vezes suficiente para separar os que

envelhecem dos vivos. Sua decadência os isola. Podem tornar-se menos

sociáveis e seus sentimentos menos calorosos, sem que se extinga a sua

necessidade dos outros. Isso é o mais difícil: o isolamento tácito dos velhos,

o gradual esfriamento de suas relações com pessoas a quem eram

afeiçoados, a separação em relação aos seres humanos em geral, tudo o que

lhes dava sentido e segurança300

.

Essa violência apesar de ser frequente, é selada e pouco retratada. No livro “O

conluio do silêncio: a violência intrafamiliar contra a pessoa idosa”, três sociólogos,

antropólogos e psicólogos coordenam pesquisa aprofundada sobre a negligência dos

filhos com os pais idosos.

De acordo com os pesquisadores, as faltas e negações dos filhos estão entre as

piores queixas dos idosos: “Os tipos de maus-tratos referem-se à percepção destas como

faltas e negações do outro e também de atendimento a necessidades do idoso, tanto das

necessidades de ordem emocional, como das necessidades básicas”301

.

300

ELIAS, Noberto. A solidão dos moribundos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 8.

301 BRITO, Denise Orbage de Brito; FALEIROS, Vicente de Paula. A Violência Intrafamiliar contra a

pessoa idosa e as relações familiares. In: FALEIROS, Vicente de Paula; LOUREIRO, Altair Machado

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Em outras palavras, o abandono afetivo é percebido pelos idosos com a

configuração de maus-tratos.

De acordo com a pesquisa, quando perguntado sobre o que seriam maus-tratos,

o idoso Joaquim de 70 anos respondeu: “É a falta de conversar, né. Dialogar. Como diz

o outro não dá a mínima por aqueles mais velhos, né? O que acontece mais? É a falta de

compreensão mesmo, né, dos filhos.”

Já Rute, de 80 anos, assim respondeu: “Solidão também é maltratar (...) Eu

passei foi muita solidão, sentia muito sozinha. Acho que não pode fazer nada”.

Margarida, de 70 anos, afirmou com a mesma percepção: “também os maus-

tratos a idosos é, por exemplo, a família deixar abandonado, desprezado (...) muitos

filhos abandonam os pais pra lá, desprezam. Outros deixam passar até fome”.

Os pesquisadores apontaram ainda o seguinte relato de um idoso para concluir

o sofrimento deste com as faltas e negações decorrentes do abandono afetivo dos filhos:

Não querem conversas comigo e não têm paciência comigo. Me deixam

isolado num canto como um lixo qualquer. Estou abandonado e discriminado

pela minha idade e não sou atendido no que preciso. Não me dão atenção e

nem mesmo amor. Não me compreendem e sou desrespeitado. Isso tudo pra

mim é mau trato. As pessoas que maltratam a nós idosos pensam que não vão

ficar velhos e que não vão precisar de ninguém. Eles são egoístas e não têm

coração, são iguais a maribondos. Acham que a gente está velho e fraco e que

está na hora da gente morrer302

.

Em outro capítulo do livro, Maria Aparecida Penso e Ivalda Alves de Morais

apresentam resultado de pesquisa intitulada “Geracionalidade, Violência e Imaginário”,

financiada pela Universidade Católica de Brasília e pelo Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Por meio desse trabalho, conclui-se que muitos idosos não verificam a inversão

dos papéis no envelhecimento, em um processo natural e saudável em que filhos passam

a cuidar dos pais. Para estes idosos, “o processo não ocorreu; eles não só não são

Lahud; PENSO, Maria Aparecida (coords). O Conluio do Silencio: a violência intrafamiliar contra a

pessoa idosa. São Paulo: Roca, 2009, p. 28.

302 BRITO, Denise Orbage de Brito; FALEIROS, Vicente de Paula. A Violência Intrafamiliar contra a

pessoa idosa e as relações familiares. In: FALEIROS, Vicente de Paula; LOUREIRO, Altair Machado

Lahud; PENSO, Maria Aparecida (coords). O Conluio do Silencio: a violência intrafamiliar contra a

pessoa idosa. São Paulo: Roca, 2009, p. 27.

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cuidados, como sequer mantêm um contato constante com os filhos, mesmo morando na

mesma cidade”303

.

Os relatos apresentados na pesquisa são eivados de clara tristeza. Mariana, de

70 anos, assim declarou sobre a ausência dos filhos: “Às vezes, quando falo por telefone

com eles, eles dizem que não têm tempo para me visitar”.

Marta, de 73 anos, também vivencia o abandono afetivo pelos filhos:

Meus filhos moram aqui, em Brasília, mas alegam que moram longe. Meus

filhos não me telefonam, só conversam comigo quando eu ligo. Eu nem tenho

o telefone de minha filha, só do meu filho. Meu filho me aceita mais, mas a

aceitação dele é dentro de suas possibilidades. Gostaria de ter mais contatos,

ver mais meus netos, sinto falta deles”.

Segundo as pesquisadoras Penso e Morais, tais relatos demonstram a “ausência

de uma convivência mínima que garanta a manutenção da identidade familiar e o

sentimento de pertencimento de seus membros”304

. As psicólogas questionam como é

possível manter a continuidade familiar se pais e filhos sequer se visitam, e concluem

que os idosos buscam justificar o injustificável sobre o abandono afetivo (como, por

exemplo, que não são merecedores de atenção) para si mesmo e para a sociedade, a fim

de garantir minimamente a sobrevivência psíquica.

O dano é, portanto, evidente. Os idosos abandonados afetivamente se sentem

maltratados e alguns chegam até a buscar subterfúgios para conseguir enfrentar a

dolorosa realidade.

Outra situação muito comum de abandono afetivo se verifica em internações

asilares.

As internações apenas deveriam ocorrer em caráter excepcional, pois, em razão

do princípio da convivência familiar, é direito do idoso a priorização do atendimento do

por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a

possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência, como reza

o artigo 3º, § 1º, V do Estatuto do Idoso.

O Decreto Federal n. 1.948 de 1996 por meio do parágrafo único do artigo 3º

reforça o caráter excepcional da internação asilar:

303

PENSO, Maria Aparecida; MORAIS, Ivalda Alves de. O ciclo da violência em famílias com Idosos.

In: FALEIROS, Vicente de Paula; LOUREIRO, Altair Machado Lahud; PENSO, Maria Aparecida

(coords). O Conluio do Silencio: a violência intrafamiliar contra a pessoa idosa. São Paulo: Roca, 2009,

p. 57.

304 Ibidem., p. 58.

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Artigo 3° Entende-se por modalidade asilar o atendimento, em regime de

internato, ao idoso sem vínculo familiar ou sem condições de prover à

própria subsistência de modo a satisfazer as suas necessidades de moradia,

alimentação, saúde e convivência social.

Parágrafo único. A assistência na modalidade asilar ocorre no caso da

inexistência do grupo familiar, abandono, carência de recursos financeiros

próprios ou da própria família.

Neste sentido é a lição de Oswaldo Peregrina Rodrigues:

“a prioridade é a permanência do idoso no seio de sua família – isso quando

ele não tenha interesse em ficar só, tendo condições para tanto – natural ou

substituta, como garantia do direito fundamental à convivência familiar.

Impossibilitada essa permanência, a pessoa será encaminhada para entidade

de atendimento adequada às suas condições e necessidades pessoais

peculiares (...) sempre se priorizará a convivência familiar”305

.

Tendo em vista que o internato asilar deve ser adotado como última opção, a

lei apresenta outras opções para atendimento do idoso em modalidade não asilar por

meio do artigo 4º do referido Decreto Federal n. 1.948 de 1996306

.

A intenção de evitar a internação se justifica em razão do sofrimento

enfrentado pelos idosos que são retirados de suas casas para serem ‘aprisionados’ em

uma instituição e perdem a liberdade em razão da falta de autonomia. Nesta seara,

ensinam especialistas em gerontologia:

Desempenhando função de guarda, proteção, alimentação e atendimento

permanentes, as casas asilares realizam função funções institucionais

comumente descritas na literatura pertinente. Entretanto, nesse meio, o idoso

não é considerado como sujeito histórico, é ignorado nas suas diferenças,

305

RODRIGUES, Oswaldo Peregrina. Direitos da Pessoa Idosa. 1ª ed. São Paulo: Verbatim, 2016, p. 78-

79.

306 Artigo 4° Entende-se por modalidade não asilar de atendimento:

I - Centro de Convivência: local destinado à permanência diurna do idoso, onde são desenvolvidas

atividades físicas, laborativas, recreativas, culturais, associativas e de educação para a cidadania;

II - Centro de Cuidados Diurno: Hospital-Dia e Centro-Dia - local destinado à permanência diurna do

idoso dependente ou que possua deficiência temporária e necessite de assistência médica ou de assistência

multiprofissional;

III - Casa-Lar: residência, em sistema participativo, cedida por instituições públicas ou privadas,

destinada a idosos detentores de renda insuficiente para sua manutenção e sem família;

IV - Oficina Abrigada de Trabalho: local destinado ao desenvolvimento, pelo idoso, de atividades

produtivas, proporcionando-lhe oportunidade de elevar sua renda, sendo regida por normas específicas;

V - atendimento domiciliar: é o serviço prestado ao idoso que vive só e seja dependente, a fim de suprir as

suas necessidades da vida diária. Esse serviço é prestado em seu próprio lar, por profissionais da área de

saúde ou por pessoas da própria comunidade;

VI - outras formas de atendimento: iniciativas surgidas na própria comunidade, que visem à promoção e à

integração da pessoa idosa na família e na sociedade.

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nos desejos e nas expectativas, o que o impede de ser agente da promoção

de sua autonomia, da integração e da participação social, direito que lhes é

assegurado por lei307

.

Todo esse sofrimento pela perda da liberdade, justificada pela falta de

autonomia, é profundamente acentuado quando estes idosos internados são ‘esquecidos’

pelos filhos no asilo.

Em trabalho intitulado “Idoso Asilado: um estudo gerontológico” três

pedagogas, sociólogas e especialistas em gerontologia apresentam resultado de

pesquisas realizadas mediantes diferentes enfoques metodológicos a permitir a

apreensão da realidade do asilamento e de quem vive nessa situação.

Por meio destas pesquisas, concluiu-se que o enfrentamento da condição de

asilado se dá de formas diferentes entre os idosos que possuem filhos e aqueles que não

constituíram família própria. Estes, por serem solteiros e não terem filhos, manifestam

certo conformismo de se encontrarem em uma casa asilar, porque ela representa a

garantia de um lugar para ficar. Já aqueles sofrem pela perda do convívio familiar –

sofrimento que é acentuado quando não são visitados e esquecidos pelos filhos que os

abandona afetivamente.

Ou seja, a falta do convívio familiar advinda da rejeição e ausência dos filhos é

o fator mais sentido pelos idosos asilados.

Tal sofrimento decorrente do abandono é claramente notado no seguinte

depoimento coletados na pesquisa:

A minha filha me colocou aqui sem eu querer. Eu não queria sair da minha

casa. É mesmo minha. O motivo que eu vim para cá é que minha filha me

disse que aqui tinha um churrasquinho. Era para eu vir junto. Eu disse: mas

não gosto de churrasco, eu fico em casa. Mas eu não quero ir junto. A

senhora vai junto, ela disse. Eu disse: tá, então eu vou. Eu nunca desobedeci

ao que ela dizia, porque sabia que ela era braba. Então eu vim junto. Eu saí

do táxi e ela foi embora, e eu chorei. Chorei que me lavei. Depois, então,

sempre com minha roupa pronta para ir embora, mas não deu para eu ir

embora, ninguém veio me buscar. Faz dois anos que eu estou aqui. Eu

fiquei muito sentida de estar aqui. Eu queria estar na minha casa (...) Minha

filha vem me visitar muito pouco. Ela só trabalha, está sempre ocupada. Ela

não vem muito me visitar por causa disso (...) Agora faz dois meses que a

filha não me aparece, mas ela trabalha muito. Daqui para frente eu

penso em morrer. Sabe o que eu imagino? Não adianta, eu tenho que

morrer aqui, porque desconfio que a filha não vem me buscar308

.

307

HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho. O asilamento sob o olhar de

histórias de vida. In: HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho (coords.)

Idoso asilado: um olhar gerontológico. 2ª ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p.58.

308 Na pesquisa atrelou-se o depoimento à senhora A. B. B. de 90 anos.

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A pesquisa anotou ainda os seguintes depoimentos dos idosos asilados sobre os

filhos309

:

Eles ficaram na minha casa para cuidar de tudo para quando eu voltar, eles

quase não me visitam, porque não têm tempo, porque trabalham.(S.T.P)

Minha filha disse que era só para passar o fim de semana aqui e não veio

mais me buscar, nem me visita. (C.F.P.T.)

Sabe, minha filha, acho isto um desaforo, criei meus filhos e agora olha só o

que eles me fizeram, me largaram aqui. (T.P.L.H.)

Muitas vezes os idosos não têm condições de morar sozinhos, o que justificaria

a asilamento, uma vez que “liberdade implica em autonomia”310

. Entretanto, a

necessidade de um idoso residir em um asilo que lhe forneça condições materiais de

sobrevivência não justifica a ausência dos filhos que passam a ignorar os pais, com

visitas raras e esporádicas.

Segundo as pesquisadoras, mesmo os idosos que inicialmente são visitados

pelos filhos no asilo tendem ao abandono, pois com o aumento de anos do asilamento,

reduz-se, em geral, a frequência das visitas:

Um dado que confirma a situação e acentua o sentimento de abandono é o

fato de diminuir o número de visitas de companheiro(a), filhos e netos,

parentes e amigos à medida que aumentam os anos de asilamento. Isso pode

estar relacionado às perdas representadas por mortes e/ou fragilização dos

laços afetivos311

.

A conclusão dos pesquisadores é a de que existe uma necessidade emergente

de se rediscutir o papel da família e também de se avaliar o retorno desse idoso asilado à

309

HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho. O asilamento sob o olhar de

histórias de vida. In: HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho (coords.).

Idoso asilado: um olhar gerontológico. 2ª ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p. 126 - 127.

310 RODRIGUES, Oswaldo Peregrina. Direitos da Pessoa Idosa. 1ª ed. São Paulo: Verbatim, 2016, p. 31.

311 HERÉDIA; CORTELLETTI; CASARA. Op. cit., p.41.

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134

sua própria família312

. Pois o homem, por ser um ser social, tem necessidades afetivas; e

é por meio da afetividade que o ser humano encontra o sentido existencial313

.

Tem-se que a combinação asilo com abandono afetivo pelos filhos caracteriza

sofrimento tamanho que configura desincentivo aos idosos a continuar a viver:

Os depoimentos contrariam aspectos da Política Nacional do Idoso que tem

por objetivo assegurar os direitos sociais dos mesmos, criando condições para

promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade. Vê-

se , claramente, que em vez de asseguras os direitos sociais no momento em

que o idoso é institucionalizado, este é afastado na participação social (...) A

perda da autonomia pode ser um motivo de asilamento. Entretanto, a perda

da autonomia dentro da instituição fechada conduz a uma consciência de

que não existe mais opções para a vida do asilado. Para muitos esse é um

motivo para deixar de lutar pela vida314

.

A mesma conclusão dos trabalhos realizados em asilo foi obtida na pesquisa

realizada fora do asilo com idosos que também sofriam abandono afetivo: “nos conflitos

intergeracionais e na violência existe um desejo social da morte dos idosos”. Nesta

pesquisa colheu-se o seguinte depoimento de senhora de 80 anos:

O abandono, todo mundo abandona, ninguém quer saber de idoso. (...) sabe o

que é: é falta de educação, falta de compreensão, não compreende a pessoa,

não é? Por enquanto é novo, né, mas quando tiver idade é que vai ver o que

fez. Quando está novo não sabe o que é ter idade. Acabou... acha que o idoso

não presta mais, não serve mais para nada, já está na hora de morrer315

.

De acordo com os pesquisadores, a percepção da velhice como um fardo para a

família possibilita o abandono. O idoso passa se olhar com a percepção do outro e,

assim, entende que já não tem serventia, que está na hora de morrer, pois sua vida já não

tem mais motivo. A afetividade, como já apontado, é fundamental para o sentido

312

GROEWALD, Rosa. Idosos Asilados no Município de Canoas. . In: HERÉDIA, Vania;

CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho (coords.). Idoso asilado: um olhar gerontológico. 2ª

ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p 133.

313 HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho. O asilamento sob o olhar de

histórias de vida. In: HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho (coords.).

Idoso asilado: um olhar gerontológico. 2ª ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p. 80-81.

314 Ibidem., p. 127

315 PENSO, Maria Aparecida; e MORAIS, Ivalda Alves de. O ciclo da violência em famílias com Idosos.

In: FALEIROS, Vicente de Paula; LOUREIRO, Altair Machado Lahud; PENSO, Maria Aparecida

(coords). O Conluio do Silencio: a violência intrafamiliar contra a pessoa idosa. São Paulo: Roca, 2009,

p. 29.

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existencial, por essa razão, “percebe-se que há uma necessidade constante de buscar,

permanentemente, a família ausente”316

.

Restam evidentes, por meio destas análises pragmáticas, os danos morais que o

abandono afetivo pelos filhos acarreta nos idosos, que, com o sentimento de rejeição e

desestímulo, chegam a desejar até a morte.

4.6.4. Dever de indenizar os danos decorrentes do abandono afetivo

inverso

Uma vez denotado os danos decorrentes do abandono afetivo inverso, faz-se

necessário analisar a ilicitude da ausência da prole para que haja a incidência da

responsabilidade civil.

O dever de a família assegurar ao idoso a efetivação do direito à dignidade e à

convivência familiar, dentre outros, é instituído no artigo 3º da Lei n. 10.741/2003

(Estatuto do Idoso):

Artigo 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder

Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à

vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao

trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência

familiar e comunitária.

Já o dever de os filhos ampararem seus pais idosos é mandamento

constitucional descrito expressamente no artigo 229 na Lei Maior, o qual determina que

“os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou

enfermidade”.

Vale, nesta seara, destacar a expressão ‘amparar’. Segundo o Dicionário

Aurélio, este termo é definido como “1- ajudar a ficar de pé (o que está para cair); 2-

proteger, resguardar; 3- escorar, patrocinar; e 4 - apoiar”317

.

Amparo, portanto, não está atrelado exclusivamente a questões materiais, ao

custeio ou patrocínio da subsistência. Ao contrário, amparo é muito mais do que isso. É

suporte, é dar segurança.

316

GROEWALD, Rosa. Idosos Asilados no Município de Canoas. In: HERÉDIA, Vania;

CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho (coords.). Idoso asilado: um olhar gerontológico. 2ª

ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p 130.

317 <https://dicionariodoaurelio.com/ampara> acesso em 10. ago. 2017.

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Não há como supor o apoio (ou amparo) por pessoa totalmente ausente, pois o

ser humano tem necessidade de conviver de se relacionar:

Todo ser humano tem necessidades afetivas. Quando as relações possibilitam

uma proximidade mais íntima, uma maior afinidade, nascem os afetos e se

estabelecem os vínculos. O vínculo é a representação da relação que

permanece. Isso se reflete na vida de cada pessoa, na sua própria felicidade,

porque os afetos permitem partilhar alegrias, tristezas, conquistas, fracassos,

perdas, realizações... e permitem trocas de atenção, de preocupação, de

carinho, de cuidados. Sua felicidade e seu bem-estar vão depender da

qualidade desse entrelaçamento de relações estabelecidas em sua vida,

porque o ser humano para se realizar, precisa de vínculos com os

outros318

.

Se é obrigação do filho amparar, conforme estabelecido pelo artigo 229 da

Constituição Federal, é obrigação desse filho conviver com os pais idosos a fim de

possibilitar a manutenção do cuidado da higidez psíquica do idoso, garantindo a

proteção da dignidade humana desse idoso.

Não há como supor amparo por alguém ausente, ainda que haja o custeio das

necessidades materiais. A falta do convívio com os pais idosos configura desrespeito à

situação de vulnerabilidade da velhice, e, como apontado, desestimula o idoso a lutar

pela vida.

Tal situação é claramente contrária ao princípio da solidariedade familiar, da

convivência familiar e da afetividade, além de ser completa afronta à dignidade humana

e à cidadania, justamente em uma das fases da vida em que o ser humano mais precisa

de amparo (tanto material, quanto imaterial): a velhice.

Nas palavras de Danilo Medeiros Pereira:

A família não deve ter apenas seus olhos voltados à sua prole. Deve também

ter seu cuidado voltado aos indivíduos que contribuíram para que essa prole

crescesse com dignidade e respeito. Por essa razão entende-se que o

tratamento digno dado aos idosos, de forma respeitável e paciente é um

importante princípio do Direito de Família além do que faz parte também do

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana319

.

318

HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho. O asilamento sob o olhar de

histórias de vida. In: HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho (coords.).

Idoso asilado: um olhar gerontológico. 2ª ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p. 81.

319 PEREIRA, Danilo Medeiros Pereira. Direito de Família e sua influência na formação da personalidade

do indivíduo e garantia da dignidade humana. In: FROÉS, Carla Baggio Laperuta; TOLEDO, Iara

Rodrigues de; PEREIRA, Sarah Caroline de Deus (coords). Estudos a cerca da efetividade dos direitos de

personalidade no Direito das famílias: construção do saber jurídico & Crítica aos fundamentos da

dogmática jurídica. 1ª ed. São Paulo: Letras Jurídicas, 2013, p. 247.

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137

Quão carentes de atenção e cuidados vivem tantos idosos que são abandonados

imaterialmente pelos filhos, os quais apenas arcam com questões materiais, como se as

obrigações com os genitores se esgotassem com um mero pagamento mensal às clínicas

e cuidadores – muitas vezes nem isso?

Enganam-se os filhos que acreditam cumprir as obrigações com os pais idosos

com o envio mensal de quantia em dinheiro.

Pagamentos, custeio de cuidadores, mantimentos ou clínicas não cumprem o

dever de convivência familiar, de amparo, de apoio, etc. Estes deveres exigem

participação, presença, dedicação e tempo.

Não há como sustentar a licitude de filho que – apesar de custear questões

materiais – culposamente ignora os pais idosos. Esta hipótese, além de ser socialmente

reprovável, é de clara ilicitude, vez que contrária aos mencionados art. 3o da Lei n.

10.741/2003 (Estatuto do Idoso) e art. 229 da Constituição Federal.

Uma vez que esta ilicitude causa danos aos idosos – conforme apontado no

presente trabalho em item anterior – não há outra alternativa que não seja o dever de

indenizar.

Em outras palavras, uma vez presentes os requisitos ensejadores da

responsabilidade civil, quais sejam, abalo psicológico aos pais idosos (dano) causado

em razão (nexo causal) da ausência dos filhos, que é contrária ao art. 3º do Estatuto do

Idoso, ao art. 229 da CF, bem como aos demais princípios e preceitos do ordenamento

jurídico (ato ilícito), deve incidir o dever de indenizar.

Em que pese a indenização seja em pecúnia e não tenha o condão de apagar o

sofrimento causado ao pai idoso, esta vale não apenas como um desestímulo ao filho

que, culposamente, rejeita e prejudica o pai ou mãe idosos, como também serve para

acalentar a sensação de abandono ao demonstrar que o Estado, por meio do Judiciário,

está agindo para tutelar e defender os direitos das pessoas vulneráveis em função da

idade. Afinal, a família e o Estado (além da sociedade) têm o dever garantir à pessoa

idosa dignidade e bem-estar, e a convivência do idoso com a prole é fundamental para a

estabilidade física, moral e psíquica do idoso320

.

A negativa, pelo Estado, em compelir a prole a indenizar os genitores quanto

aos danos causados com o abandono afetivo significaria apoiar a prática do abandono

320

FREITAS JUNIOR, Roberto Mendes de. Direitos e Garantias do Idoso: doutrina, jurisprudência e

legislação. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 144.

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imaterial, considerando esta omissão como ato lícito e tolerável, o que é totalmente

contrário aos preceitos jurídicos apontados ao longo do presente trabalho, quais sejam:

princípio da solidariedade familiar, da convivência familiar, da afetividade, da

dignidade humana, da cidadania, art. 3o da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) e art.

229 da Constituição Federal.

4.7. Jurisprudência e questões controvertidas referentes ao denominado

‘abandono afetivo’

4.7.1. Quanto ao abandono afetivo direto

No que concerne ao abandono afetivo direto, desde 2003 o assunto foi

enfrentado algumas vezes pelo Judiciário Brasileiro e acarreta intensa controvérsia

jurisprudencial.

A primeira decisão versando sobre a matéria referiu-se à ação interposta em

maio de 2003 na 2ª Vara da Comarca de Capão da Canoa – RS, contra pai que pagava

pensão alimentícia, mas não mantinha contato com a filha. A sentença, prolatada pelo

juiz Mario Romano Maggioni, julgou procedente o pedido para condenar o réu ao

pagamento de indenização no valor correspondente a duzentos salários mínimos em

razão da prática de abandono moral e afetivo da filha de nove anos. A sentença teve

trânsito em julgado sem interposição de recurso do pai, revel na ação321

.

Quatro pretensões reparatórias desta natureza alcançaram julgamento no

Superior Tribunal de Justiça.

O primeiro enfretamento do tribunal superior com o tema referiu-se à ação

originada em Minas Gerais. O autor alegou sofrer danos morais após ter sido

abandonado por seu pai aos seis anos de idade, período em que teve a convivência

interrompida em razão da constituição de nova família pelo seu genitor, que passou a

arcar apenas com a obrigação alimentar. A primeira instância negou o pleito e a

sentença foi objeto de recurso de apelação deferido pelo Tribunal de Justiça de São

Paulo, que condenou o pai a indenizar o filho.

A decisão, entretanto, foi alterada pelo STJ, que julgou improcedente o pedido

reparatório sob o seguinte argumento:

321

TJRS, Processo 141/1030012032-0. Ação indenizatória. 2ª Vara, Comarca de Capão da Canoa, Juiz

Mario Romano Maggioni, julgado em 16.09.2003.

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[...] escapa ao arbítrio do Judiciário obrigar alguém a amar, ou manter

relacionamento afetivo, nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a

indenização pleiteada. Nesse contexto, inexistindo a possibilidade de

reparação a que alude o art. 159 do Código Civil de 1916, não há como

reconhecer o abandono afetivo como dano passível de indenização322

.

O acórdão ainda consignou que a sanção pelo abandono afetivo seria perda do

poder familiar:

a legislação prevê como punição a perda do poder familiar, antigo pátrio-

poder, tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 24, quanto no

Código Civil, art. 1638, inciso II. Assim, o ordenamento jurídico, com a

determinação da perda do poder familiar, a mais grave pena civil a ser

imputada a um pai, já se encarrega da função punitiva e, principalmente,

dissuasória, mostrando eficientemente aos indivíduos que o Direito e a

sociedade não se compadecem com a conduta do abandono, com o que cai

por terra a justificativa mais pungente dos que defendem a indenização pelo

abandono moral323

.

Vale frisar, nesta seara, que o presente trabalho sustenta a responsabilização

civil pelo abandono afetivo em função do descumprimento dos deveres de cuidado

paternais. Não sustentamos o dever de amor, mas destacamos os deveres de cuidado

imputado aos genitores pela legislação vigente.

No que concerne à perda do poder familiar, como já exarado ao longo desta

dissertação, entendemos que tal instituto jurídico visa à proteção do infante, garantindo

o cumprimento do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

Portanto, a perda do poder familiar é a sanção ou resultado jurídico para o

descumprimento, em si, dos deveres paterno-filiais. Já para os danos causados com a

inobservância desses deveres, a resposta do ordenamento jurídico é a compensação do

dano, por meio da responsabilização civil.

Não se discorda, portanto, do entendimento do Ministro de que a legislação

prevê a perda do poder familiar quando ocorrer o descumprimento dos deveres

paternais. O que se aponta é que, por outro lado, para os danos causados (com tal

descumprimento), a resposta deve ser a de reparação ou compensação, conforme

instituto jurídico da responsabilidade civil.

322

REsp 757.411/MG, 4ª Turma do STJ, Rel. Fernando Gonçalves, unânime, julgado em 29.11.2005.

323 Ibidem..

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140

Em outras palavras, o abandono imaterial (ou afetivo) deve ter como sanção a

perda do poder familiar; já o dano moral advindo desse abandono há de ter como

consequência o dever de os pais ausentes indenizarem seus filhos.

Aproximadamente quatro anos depois do julgado apresentado, o STJ julgou,

em abril de 2009, novo caso versando sobre o tema do abandono afetivo praticado por

pai contra a prole. O filho moveu ação de reconhecimento de paternidade cumulada com

indenizatória por danos morais, e expôs que seu genitor manteve outro relacionamento

ao mesmo tempo em que namorava sua mãe. O varão acabou por casar-se com a outra

namorada, com quem, tempos depois, veio a ter dois filhos. Tais crianças, segundo

relatado nos autos “sempre exibiram condição social e financeira de alto padrão e

invejável à classe média”, ao passo que o filho mais velho sequer contava com a

presença do pai; razão pela qual sofreu “sérios danos, tanto morais quanto patrimoniais,

intelectuais e afetivos”.

Em primeiro grau, tanto o pleito pelo reconhecimento da paternidade quanto o

pedido de reparação por danos morais foram julgados procedentes pelo magistrado

Clóvis Ricardo de Toledo Júnior. A sentença, contudo, foi atacada em recurso de

apelação que afastou a condenação por danos morais.

No acordão, entretanto, restou evidenciado que o afastamento da condenação

pelo abandono afetivo se deu em razão de a filiação se constituir apenas após a decisão

final da ação de investigação de paternidade; assim, seria inexigível o cumprimento dos

deveres paternos antes da filiação. A ementa do julgado expôs:

DANOS MORAIS - Condenação em investigação de paternidade julgada

procedente - Inadmissibilidade - Hipótese em que só após o reconhecimento

da paternidade é que surgiu a filiação, e dessa forma, antes disto não existia

filiação reconhecida, e, conseguintemente, não poderia o apelado descumprir

quaisquer deveres inerentes à condição de pai - Recurso provido.324

A decisão foi mantida pelo STJ325

, o qual reiterou, ademais, o julgado do

Recurso Especial 757.411/MG que negou indenização pelos danos causados com

abandono afetivo.

O que se poderia cogitar, por outro lado, seria a responsabilidade civil por

danos morais causados pela omissão do genitor na busca pela verdade da filiação. Neste

324

TJSP – AC 229.873.4/8.00 – 7ª Câm. – Rel. Des. Leite Cintra – julgado em 05.06.2002.

325 REsp 514.350, 4ª Turma do STJ, Rel. Aldir Passarinho Junior, julgado em 29. 04.2009.

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caso, deveria ser comprovada a negativa e omissão do pai em realizar exames

comprobatórios da filiação, a despeito de a mulher o ter alertado sobre a paternidade.

Tal cenário seria exatamente aquele de ‘fuga de responsabilidade’, em que o pai se

omite para não ter que arcar com o ônus da filiação.

Essa omissão, contudo, imputa à mãe e à prole o sentimento de rejeição, bem

como os obriga a ter que mover ação judicial para compelir o pai a assumir o seu papel.

É a hipótese de se beneficiar da própria torpeza (venire contra factum proprium), pois

enquanto o homem dificulta a filiação por intermédio de mecanismos processuais, vai

ser furtando e adiando as obrigações da paternidade, como se o filho fosse apenas da

mãe. Evidente que tal atitude não deve ser prestigiada e os danos causados devem ser

objeto de reparação.

No julgado pela 7ª Câmara do TJSP e pela 4ª Turma do STJ, deve se observar

que não houve análise sobre a perspectiva do dever de indenizar o dano causado pelo

pai com a furtiva em realizar análise biológica que comprovasse a paternidade. O que se

analisou foi a inexistência de deveres paternais enquanto não configurada a filiação.

Portanto, o dever de indenizar não seria por descumprimento de deveres

paterno-filiais, mas sim pela fuga do genitor na análise da paternidade. Em outras

palavras: não havia obrigação paternal, justamente porque o pai se furtava de realizar

exames biológicos que apontassem a filiação, compelindo a mãe e a prole a buscarem

mecanismos judiciais, enquanto, neste ínterim, o homem se livrava da incidência dos

deveres paternais, ou seja, o pai se beneficiava na própria torpeza justamente por não

realizar os exames, enquanto rejeitava o filho.

Apesar de essa hipótese não ter sido analisada pela Corte Superior Brasileira,

na Argentina, desde a década de noventa, tem sido admitido o dever de o pai indenizar o

filho em razão de ação furtiva ao reconhecimento da paternidade. Vale ressaltar que o

instituto jurídico da responsabilidade civil na Argentina326

é muito próximo ao

brasileiro, assim como as obrigações referentes ao poder familiar.

Em julgamento datado de 1996, a Corte Argentina assim expôs:

326

Código Civil e Comercial Argentino: ARTICULO 1716.-Deber de reparar. La violación del deber de

no dañar a otro, o el incumplimiento de una obligación, da lugar a la reparación del daño causado,

conforme con las disposiciones de este Código.

ARTICULO 1717-Antijuridicidad. Cualquier acción u omisión que causa un daño a otro es antijurídica

si no está justificada

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142

El menor tiene um verdadeo derecho subjetivo a ser reconocido por su

progenitor biológico y, asimismo, a reclamar de éste indemnización por daño

moral por la paternidade extramatrimonial no reconocida327

.

Noutra decisão, expedida em 2016, a Camara Nacional De Apelaciones En Lo

Civil da Capital Federal, Ciudad Autónoma De Buenos Aires, assim expos:

El padre que no reconoció a su hijo deberá indemnizarlo en concepto de daño

moral habida cuenta que la omisión voluntaria del demandado de haber

reconocido a su hijo constituye un acto antijurídico en los términos del art.

1066 del Código Civil y su interpretación por la doctrina y la jurisprudencia,

noción que ha sido reafirmada en la actualidad por el art. 1717 del Código

Civil y Comercial de la Nación328

.

No mesmo sentido, decidiu a “Cámara de Apelaciones Civil y Comercial de

Necochea”, em julgamento proferido em 2017, que não apenas manteve condenação por

indenização para o filho, como também consentiu com o dever de indenizar a mãe pela

ausência de reconhecimento da filiação paternal. O comportamento do pai em tentar se

furtar da responsabilidade foi claramente exposto no julgado que o condenou por tal

atitude:

Las constâncias de autos y sus agregados nos informan que la actora, a los

pocos meses del nacimiento de su hijo (ocurrido el 27/12/1997) intimó al

demandado al reconocimiento del menor (fs. 5/7 expte. De filiación) sin

resultado. Frente a ello inició demanda filiatoria (08/04/1998) e intento

realizar estúdios genéticos em um instituto privado pero el demandado se

excusó por razones laborales (fs. 36). Posteriormente en la etapa probatória

ed demandado se negó al examen de extracción de sangue (fs. 73/vta.)

dictándose luego sentencia con base en la prueba colectada, la que fuera

confirmada por la precedente Cámara departamental el 25/8/2005 (fs.

147/152 vta)329

.

A doutrina Argentina também se manifesta acerca do dever de o pai ser

responsabilizado civilmente por se furtar ao reconhecimento filial:

[...] la indeterminación del vínculo, implica la privación de la titularidade y

goce de los derechos emergentes del emplaziamiento filial y al mismo

tiempo, la imposibilidad de acceder a un título de estado impiede el uso del

327

Argentina, Cámara Civil y Comercial 1ª, Sala 1, Mar del Plata, 31-10-96, “A., S.G. c/R., F.J. s/

reconoc. De filiación y daños y perjuicios”.

328 Argentina, Camara Nacional De Apelaciones En Lo Civil da Capital Federal, Ciudad Autónoma De

Buenos Aires, 26-10-2016,“C.R.E. y Otro c/ C.F.A. s/ Filiación”

329 Argentina, Cámara de Apelaciones Civil y Comercial de Nocochea, 21-03-2017, Causa N

o 9755 “P.,

M. C. c/B., M. S. s/Danõs Y Perjuicios”.

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apellido del progenitor biológico. Es decir, que es el derecho a la identidade

del hijo el que resulta vulnerado por la falta de reconocimiento filial”330

No Brasil, contudo, as decisões são no sentido de negar o dever de o pai

indenizar a prole ou a genitora pelos danos causados com a omissão no reconhecimento

da paternidade331

. Vale destacar, por outro lado, a decisão exarada pela quarta Vara

Cível de Taguatinga, no Distrito Federal, que negou pleito de reparação por danos

materiais em decorrência da ausência de prova quanto ao específico prejuízo pecuniário,

mas condenou o réu a responder pelos danos morais causados à genitora com ações

furtivas ao reconhecimento da filiação, a qual ocorreu apenas mediante ação judicial,

conforme exarado na decisão:

Reconhecimento só veio a ser possível mediante ordem judicial, após grande

batalha jurídica, com a feitura de exame laboratorial de constatação de

paternidade (...) a autora, com o nascimento da filha, tentou assegurar o

direito desta ao estado de filiação, o que foi sempre objeto de negação do réu.

E, nesse cotejo. (...) coloca sempre em dúvida o comportamento da autora,

procurando se refugiar no aforístico brocado latino ‘mater semper certa est,

pater semper incertus est’, porquanto à época não se possuía mecanismos

eficazes para demonstração da filiação, dentre eles o próprio exame

biológico. Apresenta-se evidente ofensa a predicativos da parte autora332.

Apesar de nos parecer devida a aludida condenação aplicada, o pedido da

autora foi declarado improcedente em decisão referente a recurso de apelação333

, que

assim exarou:

330

FRUSTRAGLI, Sandra; KRASNOV, Adriana. La reparación del daño moral causado por ausencia

del reconocimiento de hijo y la demora en el ejercicio de la acción de reclamación de filiación. Em

Derecho de Familia, Revista interdisciplinaria de doctrina y jurisprudencia. V. 2004-I. Lexis Nexis, p. 24.

331 CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE.

RECONHECIMENTO. ABANDONO AFETIVO. DANOS MORAIS. REJEITADOS. 1. A não

declinação da paternidade em documentos oficiais, bem como a falta de afeto, de relação paternoafetiva,

por si sós, não conduzem ao dever de indenizar, porquanto ausente o primeiro pressuposto para a

responsabilidade civil, a saber, a ocorrência de ato ilícito; 2. Enquanto não reconhecida a filiação e,

portanto, o poder familiar e os deveres jurídicos a ele inerentes, não há se falar em abandono de qualquer

espécie, pois impossível se exigir indenização de quem sequer tinha certeza de que era genitor; 3. Recurso

conhecido e não provido. (Acórdão n.441986, 20070110318449APC, Relator: NILSONI DE FREITAS,

Revisor: VERA ANDRIGHI, 6ª Turma Cível, Data de Julgamento: 25.08.2010).

332 TJDF, Taguatinga, 4ª Vara Cível, Dr. José Roberto Moraes Marques, Processo 2013.07.1.042464-5,

julgado em 18.08.2015.

333 TJDF, Apelação Cível 2013 07 1 042464-5, 1

a Turma Cível, Rel. Des. Nídia Corrêa Lima, julgado em

28.09.2016.

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Embora seja inegável que o exercício do dever de sustentar financeiramente e

cuidar, sozinha, da criação de uma criança, constitua uma tarefa penosa para

a genitora, não se revela possível compelir o genitor ao pagamento de

indenização por danos morais e materiais, por não haver contribuído

financeiramente para o sustento da infante, no período anterior ao

reconhecimento judicial da paternidade.

A nosso ver, a decisão não observa que o dever de indenizar seria justamente

pela ação furtiva do pai em assumir a paternidade ou a se submeter a métodos

biológicos de análise que o apontassem como pai. De fato, não seria exigível o

pagamento de alimentos paternos sem a filiação, entretanto, esta não estava configurada

justamente pela omissão do pai, que se furtava em assumir a paternidade para não ter

que assumir tais deveres. Exatamente a hipótese de se aproveitar da própria torpeza.

Portanto, não é a inobservância de deveres paternos que deve gerar a indenização na

hipótese, mas sim a fuga da responsabilidade em analisar a filiação da prole. São

hipóteses diferentes, entretanto, muitas vezes tal diferença não é notada.

A boa notícia, neste caso concreto, é que a decisão de apelação não transitou

em julgado, e está, pendente julgamento do Recurso Especial334

interposto pela genitora

em 26.11.2017.

Neste ínterim, vale observar que apesar de, em oposição aos julgados

brasileiros, a jurisprudência Argentina reconhecer o dever de o pai indenizar tanto a mãe

quanto o filho pela omissão no reconhecimento filial, não se tem notícias sobre o

enfrentamento na Argentina, ou em outro país latino-americano, sobre o abandono

imaterial. O que se verifica são vertentes que sustentam a ausência do dever de

indenizar por falta de afeto e de amor que ocasionam carências afetivas à prole.

Segundo julgado do aludido país, o ressarcimento por carência afetiva pertence

a um aspecto espiritual das relações de família sobre as quais o direito não atua, a não

ser em hipóteses como a de abandono:

No se trata del resarcimiento por carencias afectivas que pudo hallar, en esos

años, frente a su progenitor, ya que ello pertenece al aspecto espiritual de las

relaciones de familia, sobre el cual el derecho no actúa, salvo que asciendan

en determinadas conductas como el abandono, que permitan accionar por

privación de la patria potestad la falta de asistencia, que permitiera demandar

alimentos, las injurias entre cónyuges, que dan lugar al divorcio335

.

334

Até a conclusão do presente trabalho, o Recurso Especial ainda não havia sido distribuído e estava em

fase de digitalização no TJDF por se tratar de autos físicos.

335 Argentina, Cámara Nacional de Apelaciones en lo Civil G. B. N. y otro c/C. M. S. s/filiación. . Sala C.

(7/6/2007). MJJ15260.

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Este mesmo entendimento é verificado no Peru. Ao mesmo tempo em que se

admite o dever de indenizar os danos causados pelo pai que se furta a reconhecer a

filiação, não se admite que o direito trate sobre carências afetivas, pois estas

pertenceriam a um aspecto espiritual das relações de família:

Deberá distinguirse entre daño moral y material. Con respecto al daño moral

en ciertos casos existirá in re ipsa, en otras circunstancias deberá realizarse

una evaluación fáctica para determinar su existencia. En este punto cabe

distinguir: entre el daño moral, por no contar con el apellido paterno y no

haber sido considerado hijo del progenitor en los medios sociales, del

derivado de las carencias afectivas, pues ello pertenece al aspecto espiritual

de las relaciones de familia, como dice el Dr. Bossert, en su voto de la

C.N.Civ., Sala F., 19-X-89, L. 41.325. Con relación al daño material en todos

los casos deberá ser probado y no en todos los supuestos producirse. Estos

daños se configurarían por las carencias materiales que la falta de

reconocimiento del progenitor le ocasionó al hijo336

.

Neste ponto, destaca-se, mais uma vez, que não sustentamos, neste trabalho, o

dever de reparação por carências afetivas, resultantes da falta de amor. O que se sustenta

é a falta de cumprimento de deveres de cuidado próprios da obrigação paterno-filial na

atitude do(a) progenitor(a) que não detém a guarda e não convive com a prole,

efetivando cumprimento apenas do pagamento de alimentos. A análise é objetiva e

concreta: não há convivência, não há participação na vida do filho(a), e, por esta razão,

não é cumprido o dever de cuidado pelo genitor que não detém a guarda.

Não se trata de falta de abraço, de afeto, de “aspectos espirituais das relações

de família” (como escrito pela Corte Argentina). Trata-se de total ausência de relação ou

relacionamento familiar paterno-filial e absoluto abandono pelo(a) genitor(a) não

guardião, com apenas custeio pecuniário, o que é contrário aos deveres paternos.

A convivência com os pais é direito dos filhos. A este direito corresponde o

dever dos pais de visitar a prole, quando não detém a guarda desta. Neste sentindo é que

foi pronunciado, em julgamento italiano, que destacou ainda o princípio da

solidariedade. Vale observar que a Itália contempla ordenamento jurídico semelhante ao

brasileiro no que concerne ao poder familiar. Assim restou disposto no julgado:

che l’esercizio della c.d. visita del non affidatario non ~ solo una facoltà ma

anche un dovere derivante dal principio di solidarietà che vige anche tra i

336

DELGADO. Rosa Isabel Olortegui. Responsabilidad civil por omisión de reconocimento voluntário de

la paternidade extramatrimonial. Tesis para optar el grado académico de Magíster em Derecho con

Mención em Derecho Civil y Comercial. Universidad Nacional Mayor de San Marcos. Facultad de

derecho y ciência política unidad de postgrado. Lima, Peru, 2010, p. 135.

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genitori separati o divorziati. In tali casi pur non potendosi parlare di un

diritto di libertà incompatibile con il dovere - potere assunto con

l’affidamento dal genitore, questi, sul piano economico patrimoniale può

domandare il rimborso degli oneri maggiori di quelli a suo carico derivante

dall’inosservanza dei doveri del genitore non affidatario.

Poiché il dovere dell’affidatario verso il figlio è un obbligo verso l’altro

genitore, espressione della solidarietà negli oneri per i figli, esattamente si è

disposto il rimborso delle somme versate in eccedenza nel caso di specie,

dall’intimata per le mancate visite alla figlia del padre che sarebbero state

giustificate solo per caso fortuito o forza maggiore337

.

Como já demonstrado em tópico anterior no presente trabalho, também a

legislação brasileira atribui a ambos os genitores o cuidado com a prole, e não apenas

àquele que detém a guarda. Exatamente por esta obrigação de cuidado imputada por lei

aos pais é que a ausência imaterial (ou afetiva) constitui ato ilícito, cujo consequente

dano deve ensejar o dever de indenizar.

Neste sentido é que consta no – já mencionado ao longo desta dissertação –

julgado do Superior Tribunal de Justiça a respeito do denominado “abandono afetivo”,

prolatado em abril de 2012, com voto vencedor exarado pela relatora Ministra Nancy

Andrighi:

“Alçando-se, no entanto, o cuidado à categoria de obrigação legal supera-se o

grande empeço sempre declinado quando se discute o abandono afetivo – a

impossibilidade de se obrigar a amar.

Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal

de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de

gerarem ou adotarem filhos.

O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais,

situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa

materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da

religião.

O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se

do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu

cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença;

contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole;

comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –,

entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador,

pelas partes338

.

Tal decisão é um marco na jurisprudência e foi citada inclusive em dissertação

Portuguesa:

337

Acórdão da Corte di Cassazione, I Sezione Civile. 8 Febbraio 2000 n.1365, disponível em

<http://www.mammeseparate.it/avvocato.html> acesso em 10 out. 2017

338 STJ, Recurso Especial 1.159.242 - SP (2009/0193701-9), Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em abril

de 2012.

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A omissão culposa do dever de cuidado ou de afeto tem merecido a atenção

da doutrina e da jurisprudência estrangeiras, mas é ainda questão

insuficientemente debatida em Portugal seja porque se entende que a

harmonia familiar é um bem a preservar, imune aos efeitos da quantificação

monetária dos cuidados e dos afetos, ou que existem outros mecanismos de

tutela e de proteção em caso de violação dos direitos da criança,

designadamente por via da limitação ou inibição do exercício das

responsabilidades parentais.

Com base em premissas normativas semelhantes às que vigoram no

ordenamento jurídico português, o Superior Tribunal de Justiça do Brasil foi

chamado a pronunciar-se sobre uma situação de ressarcibilidade dos danos

decorrentes da omissão culposa dos deveres de afeto paterno-filiais.

Esta decisão, considerada inédita e inovadora, veio afirmar não estar em

causa o dever de amar, verdadeira faculdade, mas a omissão do dever

biológico e jurídico de cuidar do qual resultou mágoa e tristeza, justificando a

adequada compensação uma vez que não seria possível recuperar a situação

anterior à ocorrência do evento danoso339

.

Apesar da elogiosa decisão em comento, exarada pela Terceira Turma do

Superior Tribunal de Justiça; a Quarta Turma da mesma Corte manifestou entendimento

contrário no Acórdão proferido em dezenove de outubro de dois mil e dezessete e

publicado no Diário Oficial em vinte e nove de novembro deste mesmo ano.

4.7.1.1. Prescrição e decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre

“abandono afetivo” publicada em 29 de novembro de 2017

No mais recente julgado do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema - após

retificação do voto da relatora para aderir à divergência - a Quarta Turma, negou

indenização por abandono afetivo, com ressalva de fundamentação do Ministro Marco

Buzzi. A ementa restou assim consignada:

CIVIL DIREITO DE FAMÍLIA. RESPONSABILIDADE CIVIL

SUBJETIVA. GENITOR.ATO ILÍCÍTO. DEVER JURÍDICO

INEXISTENTE. ABANDONO AFETIVO.INDENIZAÇÃO POR DANOS

MORAIS.

1. Não ofende o art. 535 do CPC a decisão que examina, de forma

fundamentada, todas as questões submetidas à apreciação judicial.

2. A ação de indenização decorrente de abandono afetivo prescreve no prazo

de três anos (Código Civil, art. 206, §3º, V).

2. A indenização por dano moral, no âmbito das relações familiares,

pressupõe a prática de ato ilícito.

3. O dever de cuidado compreende o dever de sustento, guarda e educação

dos filhos. Não há dever jurídico de cuidar afetuosamente, de modo que o

abandono afetivo, se cumpridos os deveres de sustento, guarda e educação da

339

FIALHO, Ana Catarina Janeiro. Da Responsabilidade Civil por Abandono Afetivo. Dissertação com

vista à obtenção do grau de Mestre em Direito. Lisboa. Faculdade de Direito Universidade Nova de

Lisboa. 2014. Disponível em <https://run.unl.pt/bitstream/10362/15244/1/Fialho_2014.pdf> acesso em 5

set. 2017.

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prole, ou de prover as necessidades de filhos maiores e pais, em situação de

vulnerabilidade, não configura dano moral indenizável. Precedentes da 4ª

Turma.

4. Hipótese em que a ação foi ajuizada mais de três anos após atingida a

maioridade, de forma que prescrita a pretensão com relação aos atos e

omissões narrados na inicial durante a menoridade. Improcedência da

pretensão de indenização pelos atos configuradores de abandono afetivo, na

ótica do autor, praticados no triênio anterior ao ajuizamento da ação.

4. Recurso especial conhecido em parte e, na parte conhecida, não provido340

.

Entretanto, o entendimento da Corte sobre o caso só pode ser compreendido

mediante descrição efetivada nos documentos de ‘Voto da Relatora’, ‘Voto-Vencido’,

‘Voto-Vista’, ‘Esclarecimento’, e ‘Ratificação de Voto’341

.

O que se extrai do julgamento é que não houve unanimidade quanto à

impossibilidade de se exigir indenização por abandono afetivo (ou imaterial) praticado

pelos pais em relação aos filhos menores. Este foi o entendimento isolado da Ministra

Relatora.

A Relatora, Ministra Maria Isabel Gallotti, apesar de – posteriormente –

admitir a prescrição da pretensão referente às situações ocorridas durante a menoridade

da autora, analisou o mérito sustentando que

não há dever jurídico de cuidar afetuosamente, de modo que o abandono

afetivo, se cumpridos os deveres de sustento, guarda e educação da prole, ou

de prover as necessidades de filhos maiores e pais, em situação de

vulnerabilidade, não configura dano moral indenizável.

Neste ponto, vale destacar que, em nosso entendimento, conforme já exposto,

não há como se falar em cumprimento do dever de educação sem a presença dos pais.

Esta é imprescindível para aquela, uma vez que educação não se resume à alfabetização,

conhecimento de matemática e estudos escolares em geral, mas pressupõe ensinamentos

de comportamento, de moral, de ética, de responsabilidade, entre outros fundamentais

para a edificação do ser humano em desenvolvimento e que não são ensinados na

escola, por serem, tais lições, deveres dos pais que devem ser presentes – ainda que não

detenham a guarda.

340

REsp 1579021/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em

19/10/2017, DJe 29.11.2017.

341 Documentos disponíveis em

<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201600111968&dt_publicacao=29/11/

2017> acesso em 30. Nov. 2017.

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Em seu voto, a Ministra adentrou ao mérito, negou provimento e não tratou a

respeito da questão prescricional. Após o voto do Ministro Marco Buzzi, a relatora

proferiu Retificação de Voto, afastando a prescrição.

Entretanto, após o “Voto-Vista” do Ministro Antônio Carlos Ferreira, a relatora

admitiu a prescrição para os atos ocorridos antes da maioridade da autora e afastou a

prescrição para os que se sucederam após os dezoito anos da requerente.

Conforme exposto em “Esclarecimento”, assim restou consignado:

ESCLARECIMENTO

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Senhor Presidente, no meu

voto inicial eu não havia analisado a questão da prescrição porque o acórdão

recorrido não o fez. Mas, o Ministro Marco Buzzi, em seu atento voto-vista,

como tinha uma opinião diferente da minha sobre a tese de mérito, verificou

que a prescrição havia sido alegada na instância anterior e, conhecido o

recurso, é possível examinar as questões alegadas no julgamento anterior. Em

minha ratificação de voto na assentada anterior, considerei que não havia

prescrição, baseando-me exatamente no mesmo ponto de Vossa Excelência,

ou seja, que a inicial alegava fatos supostamente lesivos ao direito da autora

ocorridos em 2012 e reclamava que a falta de cuidado atencioso era uma

constante desde a infância e persistia na vida adulta, causando danos

psicológicos ainda na atualidade. Encarei a relação entre as partes como um

todo incindível, mas agora, diante do Realmente, atos anteriores estão

abrangidos pela prescrição. Então, eu vou aderir à conclusão de Vossa

Excelência. Penso que, realmente, é salutar que haja um termo final nessa

possibilidade de a pessoa, 50 anos depois, dizer que foi abalada

emocionalmente na infância. Considero que a solução de decretar a

prescrição da pretensão de reparação em decorrência de atos ou omissões

anteriores ao triênio do ajuizamento da ação é correta. Não está prescrito,

portanto, o abandono afetivo alegado na inicial a partir da maioridade. Nesse

sentido, é improcedente a pretensão.

Na linha do voto que eu havia proferido quanto à prescrição, eu penso que,

nas relações familiares, se se considerar que o afeto é um elemento jurídico,

ele vai ser um elemento jurídico não só na menoridade. Na menoridade pode

ser mais grave, mas um idoso desamparado também está na mesma situação

de hipossuficiência de um menor e o dever de cuidar de pais idosos penso

que é equivalente.

A ministra entendeu que não há o dever de cuidar afetuosamente. Entretanto, se

existisse, este dever não seria limitado à menoridade. Assim, a falta de afeto

configurada após a maioridade poderia ser exigível caso fosse admitida juridicamente, o

que não é, segundo o entendimento da Ministra.

Portanto, verificamos que se a pretensão referente à menoridade estava

prescrita, não caberia análise referente aos deveres do poder familiar.

Este também foi o entendimento dos Ministros Marco Buzzi e Antonio Carlos

Ferreira, que entenderam pela prescrição da pretensão referente à menoridade – e não

pela inexigibilidade da pretensão.

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Denota-se do caso que na pretensão inicial a autora descreveu ocorridos de

abandono afetivo durante a menoridade e também situação configurada após a

maioridade.

No voto proferido pelo Ministro Marco Buzzi restou consignado entendimento

de que a presença dos genitores na vida da prole menor de idade é um dever legal que,

quando descumprido, gera o dever de indenizar os danos decorrentes. Entretanto, como

a ação foi movida após o decurso do prazo prescricional para tal pretensão, entendeu

pela improcedência da ação, com fundamentação diversa da exposta pela relatora:

[...] analisando-se o ordenamento positivo, a par de inexistir um dever de

amar, observa-se que aos pais compete o dever de sustento, guarda e

educação dos filhos em fase de crescimento, deveres esses que apenas sob

uma perspectiva simplista poderiam ser compreendidos de forma

exclusivamente patrimonial, haja vista a expressa determinação legal quanto

às obrigações de criar e educar. Portanto, o interesse subjacente às demandas

que envolvem abandono afetivo funda-se no dever normativo expresso dos

pais de educarem e criarem seus filhos. E, nesse sentido, pode-se concluir

pelo merecimento de tutela jurisdicional. Nesse contexto, diante da

violação/infringência do referido dever de cuidado, com inegável potencial

lesivo para formação da prole, exsurge a obrigação de reparar os danos.

Desse modo, na hipótese dos autos, forçoso o afastamento da fundamentação

utilizada pela Corte local, aplicando- se, de conseguinte, o direito à espécie,

conforme artigo 255, § 5º, do RISTJ342

.

O voto do Ministro Antônio Carlos Ferreira, por sua vez, apontou, além da

prescrição para os fatos ocorridos durante a menoridade da autora, a impossibilidade de

se aplicar o Estatuto da Criança e do Adolescente para os casos ocorridos após a

maioridade da requerente:

[...] observo que o art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei

Federal n.8.069/1990) não tem aplicação à hipótese versada nestes autos.

Efetivamente, como antes apontado, os fatos danosos não alcançados pela

prescrição ocorreram após a recorrente ter atingido a maioridade,

circunstância suficiente, a meu ver, para obstar o conhecimento do recurso

nesse ponto, haja vista que a norma legal invocada pela recorrente tão só

disciplina o dever de sustento, guarda e educação dos pais em relação aos

filhos menores: Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e

educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a

obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. A

impertinência do dispositivo legal no que se refere aos fatos danosos (não

prescritos) apontados na peça inicial e nas razões recursais força reconhecer a

inaptidão do recurso excepcional no particular, que se depara com o óbice

erigido pelo enunciado n. 284 da Súmula do STF. (...) concluindo pela

342

Voto disponível em

<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201600111968&dt_publicacao=29/11/

2017> acesso em 03. dez. 2017.

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inexistência do dever legal de afeto ou atenção e, desse modo, por inexistir

ilicitude e obrigação de indenizar por parte do pai que deixa de prestar

assistência imaterial ao filho maior de idade”(grifo originalmente exposto no

Voto)343

.

Concordamos com os Ministros: não há que se falar em abandono imaterial de

filho que não se encontra sobre o poder familiar dos pais. No presente trabalho, no que

concerne ao abandono afetivo direto, tratamos sempre do dever de presença como sendo

um cuidado inerente ao poder familiar, o qual cessa, conforme artigo 1.630 do Código

Civil de 2002344

, com a maioridade da prole.

Entretanto, no que concerne ao entendimento de prescrição da pretensão com

início a partir da maioridade da prole, vale apresentar posição minoritária que contraria

este termo inicial.

A posição majoritária345

, sustentada não apenas pelo Superior Tribunal de

Justiça346

, mas também nos Tribunais estaduais em muitos dos recentes julgados sobre o

tema tratado, é a de que “a pretensão de indenização por abandono afetivo prescreve em

três anos, conforme o prazo estabelecido no art. 206, § 3º, V, do Código Civil, e começa

a contar a partir da maioridade do alimentando”347

.

A posição minoritária, por sua vez, se baseia na teoria da feição subjetiva da

actio nata (segundo a qual “O curso do prazo prescricional do direito de reclamar inicia-

se somente quando o titular do direito subjetivo violado passa a conhecer o fato e a

343

Voto disponível em

<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201600111968&dt_publicacao=29/11/

2017> acesso em 03. dez. 2017.

344 Código Civil/ 2002: “Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.”

345 Sustentada por Ricardo Calderón, Rodrigo Toscano de Brito, João Ricardo Brandão Aguirre, Maurício

Bunazar, Marcelo Truzzi Otero, Eduardo Busatta, Fábio Azevedo, Alexandre Gomide, Maurício Andere

Von Bruck Lacerda, Roberto Lima Figueiredo, Marcelo Junqueira Calixto, Marco Aurélio Bezerra de

Melo, Fernando Carlos de Andrade Sartori e Marcos Ehrhardt Júnior

(<http://genjuridico.com.br/2017/08/31/prazo-prescricao-aplicavel-casos-abandono-afetivo/> acesso em

25 set. 2017).

346 O entendimento já foi sustentado pela Corte Superior em outras oportunidades, como exarada na

seguinte decisão: “Indenização por danos morais decorrentes do abandono afetivo. Prescrição.

Aplicação do prazo prescricional trienal previsto no artigo 206 § 3º, inciso V, do CC/2002. Precedentes

deste Tribunal” (STJ, AREsp 842.666/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso

Sanseverino, DJE 29.06.2017)

347 TJPB, Recurso 0028806-67.2013.815.0011, Quarta Câmara Especializada Cível, Rel. Des. Romero

Marcelo da Fonseca Oliveira, DJPB 11/04/2016. No mesmo sentido: TJDF, Apelação cível n.

2015.01.1.064396-6, Acórdão n. 101.8971, Quarta Turma Cível, Rel. Des. Rômulo de Araújo Mendes,

julgado em 11/05/2017, DJDFTE 30/05/2017; TJSP, Apelação n. 0013103-59.2012.8.26.0453, Acórdão

n. 9425346, Pirajuí, Quinta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. A. C. Mathias Coltro, julgado em

04.05.2016, DJESP 17/05/2016; TJAM, Apelação n. 0622496-32.2013.8.04.0001, Primeira Câmara

Cível, Relª Desª Maria das Graças Pessoa Figueiredo, DJAM 17.08.2017.

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extensão de suas consequências, conforme o princípio da actio nata” 348

) e sustenta que

os danos advindos do abandono imaterial são de trato sucessivo, não sendo possível

estabelecer termo inicial para contagem do prazo. Esta posição seria a defendida por

Pablo Malheiros da Cunha Frota, Marcos Jorge Catalan e Cesar Calo Peghini:

Diante dessa feição subjetiva da actio nata que não se pode dizer qual o

termo a quo para o início do prazo. Os danos são continuados, não cessam,

não saem da memória do ofendido, mesmo em se tratando de pessoa com

idade avançada. Em outras palavras, o prejuízo é de trato sucessivo, atinge a

honra do filho a cada dia, a cada hora, a cada minuto e a cada segundo.

Ninguém esquece o desprezo de um pai349

.

Flávio Tartuce, por sua vez, sustenta a imprescritibilidade da demanda

indenizatória por abandono afetivo:

Com o devido respeito às posições expostas, entendo que, em casos de

abandono afetivo, não há que se reconhecer qualquer prazo para a pretensão,

sendo a correspondente demanda imprescritível. Primeiro, pelo fato de a

demanda envolver Direito de Família e estado de pessoas, qual seja a

situação de filho. Segundo, por ter como conteúdo o direito da personalidade

e fundamental à filiação. Terceiro, porque, no abandono afetivo, os danos são

continuados, não sendo possível identificar concretamente qualquer termo a

quo para o início do prazo350

.

A nosso entender, muitos dos danos decorrentes do abandono imaterial só

serão descobertos pela vítima após os 21 anos, pois as possíveis consequências deste

abandono são diversas e se concretizam de forma peculiar em cada indivíduo rejeitado.

Assim, nos parece mais acertada a teoria que inicia a contagem prescricional a partir da

ciência no dano.

Conforme apontado pelos experts em psicologia (e exposto no presente

trabalho no item que trata sobre os danos causados com a ausência de um dos

genitores), não há regra geral para a configuração do dano resultante da rejeição

imaterial paterna ou materna. Pode ser que o indivíduo tenha dificuldades já na vida

adulta (e com mais de 21 anos) em seus relacionamentos, procure um médico psiquiatra

348

REsp 1257387/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 05.09.2013,

DJe 17/09/2013.

349 TARTUCE, Flávio. Do prazo de prescrição aplicável aos casos de abandono afetivo. Disponível em

<http://genjuridico.com.br/2017/08/31/prazo-prescricao-aplicavel-casos-abandono-afetivo/> acesso em

03. set. 2017.

350 Ibidem.

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ou psicólogo e então receba laudo apontando subdesenvolvimento emocional por

carência resultante da rejeição praticada por algum dos genitores.

Neste caso, desde que juntados os laudos médicos e comprovada a ciência após

os 21 anos da vítima, entendemos ser devida não apenas a reparação pelos danos

morais, como também materiais referentes ao custeio com o tratamento médico. É

necessário, contudo, que haja detida análise dos fatos, sendo, possível, inclusive, a

realização de perícia judicial para comprovar os danos apontados no laudo médico,

perícia esta a ser efetivada com os conhecimentos e interdisciplinariedade da psicologia

jurídica.

4.7.1.2. Presença sem amor: quem cuida não demonstra que não

ama

Sustentamos ao longo do trabalho que o exigível legalmente não é o amor, é o

cuidado, o qual presume presença dos pais – mesmo daquele que não detém a guarda.

Um dos pontos que se pode questionar nesta seara é sobre o quão positivo pode ser um

pai ou uma mãe presente que não ama o filho.

A fim de responder tal questionamento, devemos inicialmente frisar que não

sustentamos o dever de reparar por ausência de amor, abraço, beijo ou demonstração de

afeto. A reparação dever ser pela falta de observância dos deveres de cuidado imputados

em razão do poder familiar. Assim, como já anotamos, os pais podem inclusive não

amar, mas devem cuidar. Quem cuida não demostra que não gosta, não rejeita, e não é

totalmente ausente, pois qualquer destas atitudes implicaria em descuidado, ou seja,

descumprimento normativo que enseja o dever de reparar o consequente dano.

Desta forma, entendemos que, mesmo sem afeto, a presença dos pais será

sempre positiva, desde que estes não agridam seus filhos. A demonstração da falta de

amor é, claramente, uma agressão. Não se exige o amor, mas também não se tolera que

a falta de amor – que é elemento interno subjetivo – seja demostrada aos filhos,

configurando a estes a sensação de rejeição. O dever de cuidado implica,

necessariamente, o cuidado de não se demonstrar alguma possível falta de amor.

Ao pai ou mãe que não ama a prole, se faz mister encontrar uma maneira de

lidar com essa situação interna para cumprir com seu dever paterno ou materno sem

causar dano ao filho. É a simples premissa do neminem laedere. O sentimento de falta

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de amor não é causa de excludente de responsabilidade pelos danos caudados por

incumprimento dos deveres paterno-filiais.

Uma das maneiras de os pais cumprirem com os deveres do poder familiar

mesmo sem amar (ou ainda com sentimento de rejeição em relação para com) o filho é

por meio de tratamento médico psiquiátrico. Estes pais devem se tratar para não

imputarem danos que obriguem os filhos a realizar, posteriormente, tratamento psíquico

para lidar com a rejeição.

Sobre um viés pragmático, apresenta-se caso em que a mãe possuía sentimento

de absoluta rejeição em relação ao filho:

Amigas que me visitaram lembram que eu não conseguia me referir a João

pelo nome ou chamá-lo de filho. Era “aquele moleque”. Estava tão doente

que mal me lembro. Nesse período, quem nos ajudou a cuidar dele foram

minha irmã e duas babás, uma durante o dia e outra à noite. Eu não podia

ficar sozinha com João. Havia a possibilidade de pôr nossas vidas em

risco351

.

A aludida mãe realizou tratamento psiquiátrico e aprendeu a cuidar do filho,

sem causar a este o dano configurado com a sensação de ser rejeitado:

O tratamento médico surtiu efeito relativamente rápido. Foram cerca de sete

meses, até que conseguisse me vincular emocionalmente a João. Desde então,

recuperei o tempo perdido de afeto. Os anos em que moramos só ele e eu,

após a separação, ajudaram-me a entender que mãe eu poderia ser para o João

e que mãe ele precisava que eu fosse. Talvez nunca seja aquela que faz um

grande almoço de domingo, passa a roupa e cobra a lição de casa. Sou do tipo

que joga bola, quer saber como foi o dia e dá conselho. Olho no olho e sei o

que meu filho está sentindo352

.

Mais uma vez destaca-se: o interno sentimento de desamor não é excludente de

responsabilidade a justificar o descumprimento dos deveres de cuidado paterno-filiais.

Pode-se não amar, mas não se pode lesar a outrem, nem deixar de observar os deveres

do poder-familiar.

A fim de corroborar com esta posição, apresenta-se mais um caso de genitora

que não gostaria de ser mãe do infante – e admite que sente, inclusive, raiva do filho –,

mas ainda assim, cumpre os deveres do poder familiar “com todo o amor que pode”:

351

<http://epoca.globo.com/vida/noticia/2014/08/bnao-sou-uma-mae-piorb-porque-meu-filho-mora-com-

o-pai.html> acesso em 11 Jul. 2017.

352 Ibidem.

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Nos primeiros meses depois do nascimento do meu filho, a única parte da

maternidade que eu gostava era amamentar. Mesmo assim, enxergava aquela

atividade como uma prisão. (...) Quando tinha de fazer, fazia direitinho, mas

também não tinha outra opção. Sabe quando você tem um trabalho muito

chato para fazer, mas acaba fazendo porque é seu dever? Amamentar, para

mim, era a mesma coisa. Sabia que tinha de fazer aquilo porque meu filho

dependia única e exclusivamente de mim para se alimentar, mas fazia a

contragosto.

Meu filho foi crescendo e eu fui cuidando dele por obrigação. Ao mesmo

tempo, dava todo o amor que eu podia a ele. Com tudo o que eu tinha na

minha cabeça, com toda aquela sensação de aprisionamento que eu tive e que

ainda tenho no presente. Até acho que sou muito carinhosa, mas de vez em

quando fico com raiva do meu filho. Raiva mesmo.(...)

Acho que a pior parte foi me privar das coisas pequenas, principalmente no

início. (...) Além disso, por causa do meu filho, já deixei de fazer muitas

viagens e, mais do que isso, de mudar de cidade, que era uma coisa que eu

queria muito. (...)

Uma vez, disse que queria que meu filho fosse o meu sobrinho, e não o meu

filho. Às vezes, ainda tenho esse sentimento, é algo que vai e volta. Vejo o

amor da minha irmã pelo meu filho, por exemplo. É um carinho imenso, acho

que ela daria a vida dela pelo sobrinho. O mesmo acontece com a outra tia,

irmã do meu ex-marido. A diferença é que elas não têm obrigações com o

meu filho. Fico com ele só nos fins de semana, mas às vezes queria ter esse

tempo para mim. Tenho de pegá-lo toda sexta e levá-lo para o pai toda

segunda353

.

O dever de cuidado aos filhos é obrigação legal imputada aos pais. Quem cuida

não necessariamente ama, mas obrigatoriamente não rejeita.

O caso exposto demonstra que a falta de amor não pode implicar em

desobediência aos deveres de cuidado. Pode-se não amar, mas não se pode lesar o filho

sendo ausente imaterialmente ou demonstrando a ele o sentimento interno de falta de

amor.

Por esta razão é que se sustenta, no presente trabalho, a presença dos pais

mesmo sem amor; pois é possível se falar em presença paterna ou materna, ainda que

não haja amor. Por outro lado, o pai ou mãe que é presente mas demonstra a falta de

amor deve também responder pelos danos causados à prole com essa agressão

psicológica.

Assim, ainda que o presente trabalho trate do dever de reparar por total

ausência, vale destacar: o pai ou mãe que é presente, mas claramente agride

psicologicamente o filho, demostrando, intencionalmente, sua ânsia por rejeitar a prole,

também deve responder pelos danos psíquicos que venham a ser causados à prole em

353

<http://epoca.globo.com/sociedade/noticia/2017/08/amo-meu-filho-mas-vezes-queria-que-ele-fosse-

meu-sobrinho.html> acesso em 11 jun. 2017.

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decorrência da violência psicológica, a qual configura ilicitude também por

descumprimento de dever de cuidado parental.

Dentre as hipóteses de pais presentes que claramente rejeitam a prole, estão os

casos de tentativa de ‘desadotar’ ou ‘devolver’ o filho. A este respeito a jurisprudência

já se manifestou sobre o dever de indenizar “pecuniariamente pelo ilícito causador de

danos imateriais a crianças e adolescentes” conforme expressamente apontado no trecho

julgado a seguir, o qual menciona ainda a “violência psicológica” consistente na

rejeição do infante. O relator apontou, ademais, que o descumprimento dos deveres

paterno-filiais corresponde à desconstituição do poder familiar; já os danos imateriais

causados com tal incumprimento enseja o dever de indenizar:

Castigar imoderadamente os filhos, humilhá-los e desqualificá-los no seio

familiar e publicamente, ameaçá-los com castigos e malefícios diversos,

inclusive a “desconstituição” da adoção, o abuso de autoridade, violência

psicológica, desamparo emocional e a conferição de tratamento desigual

entre os irmãos adotados, e, entre estes e o filho biológico do casal adotante,

entre outras práticas vis, são suficientes para ensejar a destituição do poder

familiar com fulcro no art. 1.637 c/c art. 1.638, incisos I, II e IV do Código

Civil, e art. 18 c/c art. 24 do ECA, na exata medida em que o instituto

jurídico da adoção confere aos adotados idêntica condição de filho, com os

mesmos direitos e qualificações, segundo regra insculpida na Lei Maior (art.

227, § 7º), art. 1.626 do Código Substantivo Civil e art. 20 do ECA.

(...)

A prática de atos que dão ensejo a desconstituição do poder familiar é

causadora, por ação ou omissão, de danos imateriais aos infantes (na

hipótese, casal de irmãos) que experimentam sofrimentos físicos e morais,

decepções e frustrações por não encontrarem um lar substitutivo capaz de

proporcionar-lhes amor, harmonia, paz e felicidade.

In casu, agrava-se o dano das infelizes crianças a circunstâncias de

procederem de família cujos genitores biológicos já haviam sido destituídos,

igualmente, do poder familiar, sendo que residiam em abrigo especializado

enquanto aguardavam, esperançosamente, pela adoção que ora se frustra.

Por essas razões, acertada a formulação de pedido condenatório do Ministério

Público e o seu acolhimento pela magistrada sentenciante, por danos morais,

em face dos atos praticados pelos réus contra seus filhos menores, servido a

providência como medida punitiva e profilática inibidora, além de compensar

pecuniariamente as vítimas do ilícito civil, tendo a quantia estabelecida

observado bem a extensão do dano e a qualidade das partes, em sintonia com

princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

VII – O dano moral, na qualidade de ilícito civil de natureza imaterial, há de

ser compensado pecuniariamente, nos termos do disposto no art. 186 do

Código Civil, tendo-se como balizamento para a quantificação a extensão do

dano sofrido pelas vítimas354

.

354

TJSC, Apelação Cível n. 2011.020805-7, 1ª Câmara de Direito Civil, Relator: Des. Joel Dias Figueira

Júnior, julgado em 11.08.2011.

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No mesmo sentindo decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo em caso que

versava sobre o abandono imaterial configurado com a tentativa de “desadoção” pelos

pais, após a aproximação do filho em relação à mãe biológica:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DEVOLUÇÃO DE MENOR ADOTADO À

MÃE BIOLÓGICA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. REFORMA.

REJEIÇÃO PELOS PAIS ADOTIVOS. GRAVE ABALO PSICOLÓGICO.

DANOS MORAIS CONFIGURADOS. PEDIDO DE PENSÃO

ALIMENTÍCIA DESCABIDO. EXTINÇÃO DO PODER FAMILIAR.

INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO DE PARENTESCO A PARTIR DA

ADOÇÃO PELA MÃE BIOLÓGICA. APELAÇÃO DO AUTOR

PARCIALMENTE PROVIDA, COM DETERMINAÇÃO.

(...)

o ilícito que justifica a indenização não está no fato de o menor voltar para

sua família biológica, e sim no abandono praticado pelos réus, que

simplesmente o devolveram à família biológica diante de um contexto de

grande instabilidade emocional e psicológico355

No aludida decisão, foi mencionado, ainda, laudo psicológico concluindo que o

autor “apresenta grandes marcas emocionais devido à maneira como foi conduzida sua

adoção e posterior entrega à família biológica”. Estes documentos caracterizariam o

nexo causal entre o “ato ilícito praticado pelos réus e os danos morais sofridos pelo

autor”, que gerou “evidente dever de indenizar”.

A conclusão que se quer alcançar, nesta toada, é sobre a necessidade de se

observar o dever de cuidado inerente ao poder familiar, bem como o preceito de não

lesar a outrem. Trata-se de assumir as próprias responsabilidades e cumprir os deveres

que lhe cabem em razão da paternidade ou maternidade.

Assim, mesmo que não haja amor, deve existir presença na vida do filho em

desenvolvimento, em razão dos deveres paternais. Essa presença, por sua vez, deve

ensejar o cuidado em não se demonstrar o possível desamor, pois quem claramente

mostra que não ama descuida e realiza a rejeição, a qual configura agressão psicológica,

também passível de incidência do dever de indenizar os decorrentes danos.

Quem cuida, mesmo que não ame, nem demonstra o desamor.

Os pais que tentaram ‘desadotar’ os filhos, nos julgados expostos,

demonstraram desamor e causaram danos imateriais; por esta razão foram condenados a

arcar com valor a título de responsabilidade civil.

355

TJSP, Apelação 0006658-72.2010.8.26.0266, 9ª Câmara de Direito Privado, Relator Alexandre

Lazzarini, julgado em 08.04.2014.

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4.7.1.3. Há dever de a mãe ou o pai socioafetivo indenizar danos

por abandono imaterial do(a) filho(a) afetivo(a)?

Em quatorze de novembro de dois mil e dezessete, o Conselho Nacional de

Justiça editou o Provimento 63356

, o qual entre outras determinações, dispôs sobre a

possibilidade de reconhecimento voluntário da paternidade e maternidade socioafetiva,

bem como averbação desta no registro de nascimento, o que ocorrerá com a necessidade

de consentimento do filho reconhecido, se este for maior de doze anos.

O artigo 10 do Provimento assim dispõe:

Art. 10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade

socioafetiva de pessoa de qualquer idade será autorizado perante os oficiais

de registro civil das pessoas naturais.

Este dispositivo é complementado pelo §4º do artigo 11:

§ 4º Se o filho for maior de doze anos, o reconhecimento da paternidade ou

maternidade socioafetiva exigirá seu consentimento.

Mister destacar que, de acordo com o provimento, o reconhecimento da

paternidade ou maternidade socioafetiva “não implicará o registro de mais de dois pais e

de duas mães no campo FILIAÇÃO no assento de nascimento” (artigo 14).

Por esta razão, caso haja discussão judicial sobre o reconhecimento da

paternidade ou de procedimento de adoção, é obstado o reconhecimento da filiação pela

sistemática do provimento (artigo 13); mas, por outro lado, o reconhecimento

espontâneo da paternidade ou maternidade socioafetiva não configura obstáculo a

discussão judicial sobre a verdade biológica (artigo 15).

A real espontaneidade na intenção do pai ou da mãe socioafetivo é tão

importante que o registrador tem o condão de recusar a feitura do registro e encaminhar

o pedido para o juízo competente, caso suspeite “de fraude, falsidade, má-fé, vício de

vontade, simulação ou dúvida sobre a configuração do estado de posse de filho” (artigo

12).

Por esta razão, é que a “coleta da anuência tanto do pai quanto da mãe e do

filho maior de doze anos deverá ser feita pessoalmente perante o oficial de registro civil

das pessoas naturais ou escrevente autorizado” (§5º do artigo 11).

356

Disponível em <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3380> acesso em 01. dez. 2017.

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159

De acordo com a normativa, o aludido reconhecimento é irrevogável e somente

pode ser desconstituído nas hipóteses de vício de vontade, fraude ou simulação, a ser

reconhecida pelo Judiciário (§1º do artigo 10).

A facilidade para se efetivar a oficialização da paternidade ou maternidade

socioafetiva, sem dúvida, tende a aumentar o número de certidões contendo o nome de

pais e mães afetivos.

Entretanto, a questão que se coloca nesta nova realidade diz respeito à

responsabilidade que estes pais passam a ter: poderão ser responsabilizados em caso de

abandono imaterial (ou afetivo)?

Sustentamos, no presente trabalho, o dever de o pai socioafetivo indenizar o(a)

filho(a) caso efetive o abandono imaterial deste (a).

Isto porque, a paternidade socioafetiva contempla os mesmos deveres (e

direitos) imputados aos pais biológicos ou adotivos, ou seja, os pais sociafetivos devem

conviver com os filhos e zelar pelas suas necessidades materiais e imateriais. Quando

descumpridos estes deveres, incide o dever de indenizar os danos decorrentes do

descumprimento, assim como ocorre com os pais biológicos ou adotivos. Essa

igualdade entre a paternidade biológica, adotiva e socioafetiva decorre de inovação

trazida no bojo da codificação civil de 2002, por meio do art. 1.593357

.

A este respeito Paulo Lôbo anota:

O Código Civil de 2002, por seu turno, consagrou em sede

infraconstitucional as linhas fundamentais da Constituição em prol da

paternidade de qualquer origem e não apenas da biológica. Encerrou-se

definitivamente o paradigma do Código Civil anterior, que estabelecia a

relação entre filiação legítima e filiação biológica; todos os filhos legítimos

eram biológicos, ainda que nem todos os filhos biológicos fossem legítimos.

Com o desaparecimento da legitimidade e a expansão do conceito de estado

de filiação para abrigar os filhos de qualquer origem, em igualdade de

direitos (adoção, inseminação artificial heteróloga, posse de estado de

filiação), o novo paradigma é incompatível com o predomínio da realidade

biológica. Insista-se, o paradigma atual distingue paternidade e genética.358

Uma importante consequência da equiparação da filiação afetiva com as

demais consiste na impossibilidade de anulação do registro civil que reconhece a

paternidade socioafetiva, a não ser quando este for resultante de erro, dolo, coação,

357

Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. 358

LÔBO, Paulo. Paternidade socioafetiva e o retrocesso da Súmula nº 301 do STJ. Teresina, Revista Jus

Navigandi, ano 11, n. 1036, 3 maio 2006. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/8333>. Acesso

em: 20. set. 2017.

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estado de perigo, lesão ou fraude contra credores (que são causas de anulação do

negócio jurídico, conforme art. 171, II do Código Civil/02).

Os mencionados vícios do negócio jurídico não serão suficientes, entretanto,

para afastar a paternidade socioafetiva quando esta já estiver configurada há mais de

quatro anos, conforme artigo 178, II do Código Civil de 2002. Também não poderá se

afastar a filiação quando de tal ato resultar prejuízo ao infante, vez que seria contrário

aos princípios do melhor interesse e proteção integral da criança e do adolescente.

Destaca-se a menção acerca da referida impossibilidade em razão da questão

pragmática configurada com as demandas judiciais em que pais registram os filhos e,

após alguns anos, buscam a anulação do registro com base em exame de DNA atestando

que não se trata de filho consanguíneo, como se os aspectos biológicos se

sobrepusessem a todos os demais, e como se os infantes fossem descartáveis. Sobre esse

assunto, a jurisprudência é praticamente unanime sentido de manter a paternidade:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE –

PEDIDO DE ANULAÇÃO DE REGISTRO DE PATERNIDADE E

EXONERAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES CONSEQUENTES -

IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO -

SENTENÇA MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO359

.

Vale observar, ademais, que a tentativa de anulação do registro de paternidade

configura clara afronta moral ao filho que é expressamente rejeitado. Os danos

decorrentes deste ato, suportados pela prole, devem ensejar a incidência da

responsabilidade civil. A este respeito Rolf Madaleno observa:

Não deixa de adquirir importância jurídica o agravo moral causado ao filho

convocado a responder a uma ação de negativa de paternidade do pai

socioafetivo para desconstituir o registro da filiação, muitas vezes apenas

motivado pelo espírito mesquinho da emulação por ter sido abandonado pela

mulher que o pai socioafetivo não deixou de amar360

.

A nosso ver, a tentativa de anulação de paternidade socioafetiva é equivalente à

tentativa de “desadoção”. Se esta enseja o dever de reparar os danos morais causados

com a rejeição (como apontado anteriormente), aquela também deve resultar na

359

TJRR – AC 0010.12.718018-9, Rel. Des. ALMIRO PADILHA, Câmara Cível, julg.: 07.04.2016, DJe

11.04.2016

360 MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 378.

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incidência de responsabilidade civil quanto aos consequentes danos morais pelo

abandono imaterial.

Outra questão que se coloca diz respeito aos pais socioafetivos que não

registraram o(a) filho(a), mas agem como se fossem oficialmente pais do infante. Caso

estes decidam abandonar imaterialmente o “filho”, deverão ser responsabilizados

civilmente pelas consequências desse abandono?

No nosso entender, aquele que trata o infante como se fosse seu pai ou mãe,

cativando a criança e desenvolvendo laços de paternidade com essa, fazendo-a acreditar

que se trata de um verdadeiro pai ou mãe afetivo, não pode, em seguida, descartar esse

infante e abandoná-lo imaterialmente. Tal ato se enquadraria na hipótese a que Jonas

Figueirêdo Alves denomina de “estelionato do afeto”361

. Esta atitude, para uma criança

que já não tem um pai ou mãe biológico ou adotivo, é demasiadamente cruel e

irresponsável, além de conter grande potencial lesivo à psique do ser em

desenvolvimento. Seria também equivalente aos pais que tentam “desadotar”, a única

diferença é que esta hipótese versaria sobre ‘adoção afetiva’ e ‘desadoção’ não

formalizada.

Tal conduta configurari-se-a como ilícito concernente à inobservância da boa-

fé objetiva; os danos resultantes deste ato devem ser objeto de reparação civil.

A respeito da boa-fé objetiva Gabriel Machado Marinelli expõe:

A boa-fé objetiva é cláusula geral que impõe às partes envolvidas em dada

relação social um dever de conduta leal, não lesiva, honesta, que tenha por

base a tutela do interesse do outro, como membro de uma sociedade que zela

pelas relações nela existentes362

.

Anderson Schreiber, por sua vez, esclarece que, apesar de a boa-fé objetiva ter

nascido e se desenvolvido no âmbito do direito das obrigações em contexto negocial, o

conceito se alastrou por todas as relações jurídicas, inclusive nas relações de família,

como critério de controle de legitimidade do exercício da autonomia privada363

.

361

ALVES, Jones Figueirêdo. Abuso de direito no direito de família, In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha

(coord) Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família. Família e dignidade humana. Belo

Horizonte: IBDFAM, 2006, p. 481-506, p. 483. Disponível em

<http://www.ibdfam.org.br/_img/congressos/anais/22.pdf> acesso em 15. Set. 2017.

362 MARINELLI, Gabriel Machado. Responsabilidade civil pré-contratual pela ruptura injustificada das

negociações preliminares. São Paulo: Contracorrente, 2017, p. 185.

363 SCHREIBER, Anderson. O princípio da boa-fé objetiva no direito de família. In: MORAES, Maria

Celina Bodin de (coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.

127.

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162

O dever de reparar o dano ao infante iludido e cativado – por aquele que seria

seu pai ou sua mãe afetivo(a) –, e depois rejeitado por este que o cativou, funda-se em

lógica semelhante à responsabilidade civil pré-contratual pela ruptura injustificada das

negociações preliminares, já admita pela doutrina e jurisprudência brasileira364

. Os

requisitos configuradores do dever de indenizar a ruptura injustificada de negociação

contratual e de relação paterna são praticamente os mesmos, senão vejamos:

(i) “O consentimento das partes no que diz respeito a entrarem em

negociação”365

(no caso do abandono imaterial, seria o entendimento

consentindo entre o adulto e o menor a respeito de se comportarem

como pai ou mãe e filho(a));

(ii) “O desenvolvimento legítimo de um estado de confiança fundado no

comportamento da contraparte no que se refere a buscar/querer a

conclusão do negócio”366

(o comportamento seria no sentido de

buscar/querer a manutenção da vínculo paternal ou maternal);

(iii) “Ruptura desqualificada, contrária à boa-fé objetiva, isto é, sem

motivação justa e suficiente para gerar a impossibilidade de celebração

do contrato – em que está inserido o elemento culpa”367

(decisão

unilateral e sem motivo justo daquele que se comportava como pai ou

mãe do infante e depois rompe a relação e rejeita o(a) ‘filho(a)’);

(iv) “Dano, de qualquer natureza, resultante da ruptura a que se alude”368

(no

caso do abandono imaterial praticado por aquele que figurava como pai

ou mãe, o dano converge como lesão à personalidade e psique da criança

ou adolescente).

Tendo em vista a semelhança nos requisitos, resta evidente o dever de o pai ou

mãe socioafetivo(a) indenizarem o infante abandonado imaterialmente pelos danos

gerados, ainda que a paternidade socioafetiva não tenha sido averbada no registro civil

do menor; trata-se de tutelar juridicamente a confiança, que é a base da boa-fé objetiva,

364

TJSP, Apelação n. 992.09.080714-5, São Paulo, Relator Desembargador Mario A. Silveira, vol. u,

julgado em 14. 09.2009.

365 MARINELLI. Gabriel Machado. Responsabilidade civil pré-contratual pela ruptura injustificada das

negociações preliminares. São Paulo: Contracorrente, 2017, p. 254.

366 Ibidem., p. 255.

367 Ibidem., p. 255.

368 Ibidem., p. 255.

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163

e impõe o dever jurídico de não serem efetivados comportamentos contrários aos

interesses e às expectativas despertadas em alguém.

Por outro lado, aquele se comporta como pai ou mãe socioafetivo terá o direito,

quando idoso, de ser cuidado pelo filho(a), independentemente de a filiação afetiva ter

sido ou não averbada no registro civil.

O descumprimento pelo filho adulto com os cuidados materiais ou imateriais

do idoso que efetivou adoção (regular ou socioafetiva) quando era aquele era menor,

também configura ato ilícito por clara violação à boa-fé objetiva, podendo ser visto,

inclusive, como um ato repugnante moralmente.

Desta forma, uma vez configurada a ação ilícita, os danos decorrentes desse ato

de abandono imaterial do idoso pai ou mãe socioafetivo(a) também devem ensejar o

dever de o filho indenizar.

A obrigação de cuidado é recíproca: dos pais (biológicos, adotivos ou

socioafetivos) para com os filhos, quando menores, e destes para com aqueles quando

estiverem idosos.

4.7.2. Quanto ao abandono afetivo inverso

No que diz respeito à jurisprudência sobre o abandono imaterial (afetivo)

inverso, poucas foram as vezes em que o tema foi enfrentado judicialmente. No Brasil,

em geral, as ações movidas se baseiam em situações de abandono material e imaterial,

concomitantemente. Não há notícias de julgamento efetivado pelas Cortes Superiores

Brasileiras.

Dentre as poucas ações judiciais que tratam sobre o tema, vale analisar a

decisão da apelação cível 0019973-83.2009.8.19.0045, julgada pela primeira Câmara

Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, referente à ação de reparação

por danos morais ajuizada por genitora em face da filha.

Segundo exposto nos autos, a genitora moveu ação de alimentos contra sua

filha, a qual concordou em arcar com valor referente a 143% do salário mínimo vigente

a título de pensão alimentícia. Entretanto, o pagamento ocorria com atraso e, em

algumas vezes, em valor inferior ao que pactuado. Por esta razão, o irmão da ré e

também filho autora, enviava e-mails mensais cobrando o adimplemento, porém,

recebia respostas que agrediam a honra da mãe idosa. A contestação sustentou que os e-

mails apresentados são simulados e falsos e que ocorriam perseguições, inclusive aos

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164

demais filhos da autora, com propositura de outras demandas judiciais, sempre inserido

o tema ‘indenizações’ como fato litigioso.

A Câmara julgadora manteve a decisão, prolatada na sentença, de

improcedência da ação e assim expuseram em trecho do Acórdão369

quanto ao dano

moral:

[...] irretocável a ponderação no decisum no sentido de que, em razão dos

reiterados inadimplementos quanto à obrigação alimentar, a autora deve

adotar as medidas necessárias para obtenção do cumprimento do

pensionamento acordado. Indubitavelmente, o não pagamento de pensão

alimentícia não importa em conduta capaz de ensejar a indenização

pretendida.

Não se pretende discutir neste trabalho a respeito de possíveis ou não

indenizações por danos morais que possam advir do atraso pagamento de pensão

alimentícia. Parece-nos correta a decisão quanto à questão material.

Já no que se refere ao âmbito imaterial, assim restou consignado na decisão da

apelação:

[...] fazer valer o cumprimento das obrigações em prol dos idosos, é muito

diferente de concordar com a possibilidade de compensar a dor suportada

pela indiferença de um ente querido.

Aliás, o tema já merece reflexão no mundo jurídico. É possível calcular em

dinheiro quanto vale o amor? A importância de R$ 60.000,00 substituirá,

sabe se lá por quanto tempo, a presença de um filho na vida dos pais e vice-

versa? A condenação ao pagamento de uma indenização resgataria os laços

afetivos entre mãe e filha?

Ora, nem seria necessário um pronunciamento judicial neste sentido, uma vez

que a resposta é obvia.

Por fim, importante salientar que no caso concreto, o acolhimento do pedido,

com certeza, estimularia a equivocada sensação de que quando um

descendente ou ascendente chega a um determinado ponto naquela que

deveria ser uma abençoada relação, só teria “sobrado” bens materiais a serem

perseguidos.

Em que pese todo o saber dos magistrados julgadores da referida ação,

importante anotar, mais uma vez, que a indenização por abandono imaterial (ou afetivo)

não se refere à falta de amor, mas sim à ausência imaterial, à falta de convivência, que

configura descumprimento dos deveres de cuidado imputados aos filhos para com os

pais idosos.

369

TJRJ, Apelação cível 0019973-83.2009.8.19.0045, 1ª Câmara Cível, Rel. Des. Camilo Ribeiro Ruliere,

julgado 26.02.2013.

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165

O questionamento sobre se uma quantia pecuniária substitui a presença de um

filho na vida dos pais, e vice-versa, parece-nos um retorno à resistência inicial da

jurisprudência em arbitrar indenizações por dano moral, sob o argumento de tais danos

não poderiam ser reparados com valores pecuniários, os quais não seriam mensuráveis.

Conforme leciona Carlos Alberto Gonçalves:

Muitas são as objeções que se levantaram contra a reparação do dano

puramente moral. Argumentava-se, principalmente, que seria imoral procurar

dar valor monetário à dor, ou que seria impossível determinar o número de

pessoas atingidas (pais, irmão, noivas, etc.), bem como mensurar a dor. Mas

todas essas objeções acabaram rechaçadas na doutrina e jurisprudência. Tem-

se entendido hoje, com efeito, que a indenização por dano moral representa

uma compensação, ainda que pequena, pela tristeza infringida injustamente a

outrem. E que todas as demais dificuldades apontadas ou são probatórias ou

são as mesmas existentes para a apuração do dano material”370

.

Com efeito, como já anotado, somente aquele que sofre o abandono imaterial

pode responder sobre o que, subjetivamente, o ajudará a ver diminuído o prejuízo moral

experimentado. Talvez o fato de haver condenação daquele que ocasionou o dano, possa

servir para acalentar a vítima, simplesmente por saber que, apesar do prejuízo moral

sofrido, ela conta com a tutela do ordenamento jurídico que não admite conduta lesiva

contra outrem (princípio neminem laedere).

No caso concreto, parece estar presente mais do que o abandono. Há ainda

condutas ofensivas à idosa, as quais são assim tratadas no julgamento:

[...] não obstante lastimável litígio desta natureza, principalmente envolvendo

mãe e filha, sua incidência não tem o potencial ofensivo que lhe quer

emprestar a autora, a ponto de gerar dano moral, ficando sua projeção

circunscrita à esfera de aborrecimentos e dissabores experimentados no

núcleo familiar, sem maiores reflexos na esfera da intimidade da apelante. As

situações desagradáveis, a irritação, a mágoa, aliás, sentimentos

provavelmente experimentados por ambas as partes, não conferem direito à

reparação a título de dano moral.

Ora, ao que parece, no caso, há mais do que abandono imaterial, pois este é

acompanhado de agressões diretas à personalidade da idosa, que – se realmente

ocorreram – não devem ser admitidas, pois não se coadunam, de forma alguma, com os

deveres inerentes aos filhos para com os pais idosos e com os princípios gerais do

direito.

370

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: responsabilidade civil. Vol. 4. 11ª ed. São

Paulo: Saraiva, 2016, p. 399 - 400.

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Não é porque se trata de relação familiar que tal postura deve ser tutelada.

Quando se afirma que o direito não deve perfilhar o âmbito familiar dá-se a entender

que condutas antijurídicas praticadas nesse contexto constituem hipóteses de

“excludente de responsabilidade”, apenas em razão de ocorrerem no bojo familiar. Os

questionamentos que surgem neste contexto são: caso a ofensa contra a honra, exposta

em e-mail, tivesse ocorrido entre pessoas que não se constituam mãe e filha, haveria o

dever de indenizar ou tal ofensa deveria ser aceita e tolerada? Se a resposta é a de que

não deve ser aceita, porque a aceitação da ofensa se tais pessoas forem mãe e filha?

Não há nenhuma exceção jurídica que permita ofensas entre familiares. Ao

contrário, há ainda o dever de cuidado, conforme exposto ao longo do trabalho.

Imprescindível destacar: não se pretende discutir o caso concreto, se a mãe

deveria ser indenizada ou não, pois para tanto faz-se mister detida análise de todo o

contexto envolvendo a hipótese concreta, inclusive a verificação sobre se realmente a

filha abandonava imaterialmente a mãe, ou se era presente e os conflitos se constituíam

de forma pontual, como razoáveis resultados naturais da convivência. Caso esta seja a

hipótese, não há que se falar em abandono afetivo ou em dever de reparar.

É importante diferenciar os conflitos razoáveis, naturais da convivência, dos

danos decorrentes da absoluta falta de convivência e total abandono imaterial.

A respeito do dever de cuidado imputado aos filhos para com os pais idosos,

vale apontar decisão judicial que acatou pedido de filho para obter redução de carga

horária de trabalho, com redução de salário, a fim de possibilitar o cuidado do genitor

idoso.

De acordo com o que se extrai dos autos, foi impetrado Mandado de Segurança

por professor da Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal contra o gerente

de recrutamento, seleção e movimentação da Secretaria, o qual negou pleito para

redução de carga da jornada de trabalho de quarenta para vinte horas semanais com o

argumento de que não havia substituto para o cargo. A Ordem foi concedida e a ementa

da decisão cita diversos dispositivos também apresentados neste trabalho, razão pela

qual a apresenta na íntegra:

Mandado de segurança - princípio da efetividade máxima das normas

constitucionais - pedido de redução de carga horária, com redução de salário,

formulado por filho de pessoa idosa objetivando assistir-lhe diante da doença

e solidão que o afligem - cuidados especiais que exigem dedicação do filho

zeloso, única pessoa responsável pelo genitor - dever de ajuda e amparo

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impostos à família, à sociedade, ao estado e aos filhos maiores - doutrina -

ordem concedida.

I. De cediço conhecimento que se deve procurar conferir a maior efetividade

às normas constitucionais, buscando-se alcançar o maior proveito, sendo

também certo que as mesmas (normas constitucionais) têm efeito imediato e

comandam todo o ordenamento jurídico.

II- Ao estabelecer que "a família, a sociedade e o estado têm o dever de

amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade,

defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida."

(art. 230. CF/88), e que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os

pais na velhice, carência ou enfermidade (art. 229, 2ª parte CF/88), a carta

maior prioriza a atenção ao idoso em razão desta sua condição especial que o

torna merecedor de proteção e atenção especial por parte daquelas entidades

(família, sociedade e o estado).

III- A efetividade da prestação jurisdicional implica em resultados práticos

tangíveis e não meras divagações acadêmicas, porquanto, de há muito já

afirmava Chiovenda, que o judiciário deve dar a quem tem direito, aquilo e

justamente aquilo a que faz jus, posto não poder o processo gerar danos ao

autor que tem razão.

IV - Doutrina. "Os idosos não foram esquecidos pelo constituinte. Ao

contrário, vários dispositivos mencionam a velhice como objeto de direitos

específicos, como do direito previdenciário (art. 201, I), do direito

assistencial (art. 203, I–), mas há dois dispositivos que merecem referência

especial, porque o objeto de consideração é a pessoa em sua terceira idade.

Assim é que no art. 230 estatui que a família, a sociedade e o estado têm o

dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na

comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o

direito à vida, de preferência mediante programas executados no recesso do

lar, garantindo-se, ainda, o beneficio de um salário mínimo mensal ao idoso

que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la

provida por família, conforme dispuser a lei (art. 203, V), e, aos maiores de

sessenta e cinco anos, independentes de condição social, é garantida a

gratuidade dos transportes urbanos." (sic in Curso de direito constitucional

positivo, Malheiros, 18ª edição, José Afonso da Silva, 2000, págs. 824/825).

V- In casu, a denegação da segurança em casos como o dos autos implica em

negativa de vigência às normas constitucionais incrustadas nos artigos 229 e

230 da lei fundamental, de observância cogente e obrigatória por parte de

todos (família, sociedade e estado), na medida em que a necessidade do idoso

Kyu Suk Cho em ter a companhia, o amparo, proteção e ajuda de seu único

filho, o impetrante, diante da enfermidade de seu velho pai, constitui

concretização daquelas normas constitucionais em favor de quem foram

(normas constitucionais) instituídas e pensadas pelo legislador constituinte.

VI - Sentença reformada para conceder-se a segurança nos termos da

inicial371

.

A concessão da ordem confirma que é dever dos filhos amparar os pais idosos.

Foi exatamente a necessidade do pai idoso e o dever de cuidado do filho que justificou a

redução da carga horária do professor, mesmo sem existir substituto.

4.7.2.1. Pai que abandonou a prole que era criança ou adolescente,

pode exigir que esta o cuide quando estiver idoso?

371

AC 2005.0110076865 – TJDF – 5ª Turma Cível, Relator Desembargador João Egmont, julgado em

08.11.2006.

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Pode surgir, nesta fase, questionamento refere à exigibilidade de cuidado

imaterial do filho para com o(a) progenitor(a) que o abandonou imaterialmente. Em

outras palavras: se o pai ou a mãe que não deteve a guarda e foi completamente ausente

imaterialmente na vida da prole, pode exigir que esta venha a exercer cuidados

imateriais com o(a) genitor(a) idoso(a) que foi ausente durante o desenvolvimento da

criança ou adolescente?

A este respeito, entendemos que deve ser aplicada a mesma regra referente ao

abandono material. Conforme decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o(a)

progenitora(a) que abandona materialmente a prole, comete procedimento indigno, o

que torna inexigível o custeio de alimentos:

Apelação cível. Ação de alimentos proposta pela mãe, idosa, em face do filho

biológico. Sentença de improcedência, reconhecendo procedimento indigno

por parte da autora, consistente no abandono do filho desde a infância.

Autora que não se desincumbiu do ônus de comprovar o trinômio

necessidade-possibilidade-proporcionalidade, a amparar o pleito de

alimentos. Manutenção da sentença.

A obrigação de prestar alimentos nasce da relação natural entre familiares,

sendo permitido, nos termos do art. 1694 do Código Civil que parentes,

cônjuges, ou companheiros peçam uns aos outros os alimentos de que

necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social,

inclusive para atender às necessidades de sua educação. Tal previsão legal

possui sua essência no dever de solidariedade que deve existir em todo

seio familiar, conforme preconiza o art. 229 da CF88.2. A conduta da

autora, ao deixar de prestar qualquer tipo de assistência ao seu filho,

seja material, emocional, educacional ou afetiva, configura o

procedimento indigno previsto no parágrafo único do

art. 1.708 do Código Civil, a afastar a responsabilidade do réu em

prestar os alimentos pleiteados na inicial 3. E mesmo se assim não fosse,

convém ressaltar que a autora não logrou êxito em comprovar sua real

necessidade em receber os alimentos, e tampouco a possibilidade do réu em

prestá-los.4. Desprovimento do recurso”372 (grifos acrescidos).

No mesmo sentido do abandono material, entendemos que o abandono

imaterial pelos pais torna inexigível a presença e cuidado a ser praticada pela prole

quando os progenitores forem idosos. Moralmente a obrigação permanece, mas

juridicamente acaba por incidir na hipótese do parágrafo único do artigo 1.708, do

Código Civil, o qual assim dispõe: “Com relação ao credor cessa, também, o direito a

alimentos, se tiver procedimento indigno em relação ao devedor.”

372

TJRJ - APL 00115498920118190204, 19ª Câmara Cível, Rel. Des. MARCOS ALCINO DE

AZEVEDO TORRES, julgamento 26.02.2013.

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Assim, a prática pelos pais do abandono (material ou imaterial) torna inexigível

da prole o cuidado (material ou imaterial, a depender do abandono) para com os

genitores idosos.

4.8. Projetos de Lei sobre o denominado “abandono afetivo”

Em que pese a responsabilidade civil pelo abandono imaterial seja norma que

pode, conforme apresentado nesta dissertação, ser observada a partir de detida análise

do ordenamento jurídico como um todo; há projetos de lei que se preocupam em editar

disposição jurídica expressa sobre esse dever de indenizar.

O primeiro Projeto de Lei a tratar sobre esse tema foi apresentado em

novembro de 2011 no Plenário na Câmara dos Deputados, pelo deputado Carlos

Bezerra. Tal projeto, o PL n. 4.294/2008, visa a incluir parágrafo único ao artigo 1.632

do Código Civil com a seguinte disposição: “O abandono afetivo sujeita os pais ao

pagamento de indenização por dano moral”, e ao artigo 3º do Estatuto do Idoso, o

seguinte § 2º: “O abandono afetivo sujeita os filhos ao pagamento de indenização por

dano moral”.

Na justificação do Projeto de Lei, o deputado destaca:

Entre as obrigações existentes entre pais e filhos, não há apenas a prestação

de auxílio material. Encontra-se também a necessidade de auxílio moral,

consistente na prestação de apoio, afeto e atenção mínimas indispensáveis ao

adequado desenvolvimento da personalidade dos filhos ou adequado respeito

às pessoas de maior idade373.

O projeto foi aprovado, em abril de 2011, pela Comissão de Seguridade Social

e Família (CSSF). Em seguida, encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça

e de Cidadania (CCJC), onde obteve, em março de 2010, parecer do relator, Deputado

Antonio Bulhõe, pela constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e pela

aprovação. O projeto continua em tramitação na aludida Comissão.

Outro projeto de lei que versa sobre o tema é o PL 3.212/2015, de autoria do

Senador Marcelo Crivella. A proposta visa a alterar o Estatuto da Criança e do

Adolescente (Lei n. 8.069/1990) para caracterizar o abandono afetivo como ilícito civil.

373

Inteiro Teor do Projeto de Lei disponível em

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=864558&filename=Avulso+-

PL+4294/2008> acesso em 10 out. 2017.

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170

Diferente do PL n. 4.294/2008, este trata apenas do abandono afetivo praticado pelos

pais contra a prole.

Dentre as alterações propostas está a inclusão dos seguintes parágrafos ao

artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que definem, inclusive, o que seria a

assistência afetiva exigida:

“§ 2º Compete aos pais, além de zelar pelos direitos de que trata o art. 3º

desta Lei, prestar aos filhos assistência afetiva, seja por convívio, seja por

visitação periódica, que permita o acompanhamento da formação psicológica,

moral e social da pessoa em desenvolvimento.

§ 3º Para efeitos desta Lei, compreende-se por assistência afetiva:

I – orientação quanto às principais escolhas e oportunidades profissionais,

educacionais e culturais;

II – solidariedade e apoio nos momentos de intenso sofrimento ou

dificuldade;

III – presença física espontaneamente solicitada pela criança ou adolescente e

possível de ser atendida”374

.

Há também a inclusão de parágrafo ao artigo 5º do Estatuto da Criança e do

Adolescente com a seguinte disposição prevendo expressamente a reparação de danos

por abandono afetivo:

Parágrafo único. Considera-se conduta ilícita, sujeita a reparação de danos,

sem prejuízo de outras sanções cabíveis, a ação ou a omissão que ofenda

direito fundamental de criança ou adolescente previsto nesta Lei, incluindo os

casos de abandono afetivo”375

.

Este projeto já foi aprovado no Senado e, por ora, também tramita na Câmara

dos Deputados pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Há ainda outro Projeto de Lei, este de autoria do deputado Vicentino Júnior,

que versa especificamente sobre o abandono imaterial. Trata-se do PL n. 3.145/2015, o

qual, diferente dos demais, visa a incluir dentre as causas de deserdação dos

descendentes por seus ascendentes (artigo 1.962 do CCB) e também destes por aqueles

(artigo 1.963 do CCB), o “abandono em hospitais, casas de saúde, entidades de longa

374

Inteiro teor disponível em

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=4A498A5045A156A6D8E

B3CC0990BC9F6.proposicoesWebExterno2?codteor=1396365&filename=PL+3212/2015> acesso em 10

out. 2017.

375 Inteiro teor disponível em

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=4A498A5045A156A6D8E

B3CC0990BC9F6.proposicoesWebExterno2?codteor=1396365&filename=PL+3212/2015> acesso em 10

out. 2017.

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171

permanência, ou congêneres”. O projeto esteve em tramitação na Câmara dos

Deputados376

.

Nesta seara legislativa, vale mencionar ainda inovadora lei que entrou em vigor

na China em julho de 2013. Trata-se de proposição jurídica prevendo pena restritiva de

liberdade aos filhos que não visitarem os pais idosos. Apesar de não especificar a

frequência com que os pais deveriam ser visitados, a regra determina alguns cuidados

mínimos a serem observados, tais como “nunca renegar ou ignorar as pessoas mais

velhas” e zelar por suas “necessidades espirituais”377

.

Apesar de ordenamento jurídico da China possuir preceitos diversos dos

expostos na ordem jurídica Brasileira, a aludida norma Chinesa serve para apontar uma

nova vertente de preocupação com os idosos.

4.9. Função compensatória e sancionadora da responsabilidade civil: sanção

como elemento integrado à norma jurídica

Muito se discute a respeito dos denominados caráter sancionador (chamado por

alguns juristas de caráter punitivo) e caráter reparador (também chamado de caráter

compensador) da responsabilidade civil.

A função reparadora ou compensadora da responsabilidade civil é admitida em

unanimidade pela doutrina e consiste na busca por restabelecer o status quo anterior ao

dano, de modo a reparar o dano causado. Em muitos casos, entretanto, não é possível

apagar o prejuízo causado e retornar ao modo anterior à ocorrência do fato danoso.

Nestas hipóteses, busca-se minimizar e compensar, o quanto possível, o dano sofrido. É

nesse sentido que dispõe Sérgio Cavalieri Filho:

O anseio de obrigar o agente, causador do dano, a repará-lo, inspira-se no

mais elementar sentimento de justiça. O dano causado pelo ato ilícito rompe

o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre o agente e a

vítima. Há uma necessidade fundamental de se restabelecer esse equilíbrio, o

que se procura fazer recolocando o prejudicado no status quo ante. Impera

neste campo o princípio da restitutio in integrum, isto é, tanto quanto

possível, repõe-se a vítima à situação anterior à lesão378

.

376

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1805805> acesso em

10 out. 2017.

377 <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/07/130701_china_visit_parents> acesso em 10 out.

2017.

378 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2008, p. 13.

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No que concerne ao abandono imaterial (ou afetivo), ainda que o pagamento

pecuniário não apague o abalo psicológico sofrido pela vítima, a condenação daquele

que deu causa ao dano demostra que o Estado não apoia a prática do abandono, sendo

esta contrária aos preceitos do ordenamento jurídico vigente.

Por outro lado, a recusa pelo Judiciário em deferir o pleito de reparação pelo

abandono afetivo atinge diretamente a dignidade e cidadania da vítima, como se esta

fosse pessoa que não tenha direito de ser cuidada pelos pais durante a infância e

adolescência, ou fosse idoso que não tenha o direito de querer ser cuidado pelos filhos.

Ainda que alguns magistrados entendam que a indenização pecuniária não

minora os sofrimentos da vítima do abandono afetivo, isto é questão que só pode ser

definida por quem efetivamente sofreu este dano. Se a vítima do abandono move ação

indenizatória, é porque quer ter seu direito tutelado de alguma forma. Uma vez

presentes os requisitos ensejadores do dever de indenizar (ato ilícito, dano e nexo

causal), não cabe ao Estado dizer o que serve ou não para compensar o dano sofrido.

A função compensatória integra o escopo da responsabilidade civil. Dizer o

que compensa ou não um sofrimento por abandono afetivo é questão que só pode ser

respondida individualmente pelo sujeito abandonado. Se este move ação, é porque

entende que a indenização pode compensá-lo de alguma forma.

Já a chamada ‘função punitiva ou sancionadora’ da responsabilidade civil não

encontra unanimidade entre os juristas. É defendida por alguns, mas rejeitada por

outros.

Dentre os que admitem, além do caráter reparatório, também o ‘caráter

punitivo ou sancionador’ da responsabilidade civil, está Caio Mário da Silva Pereira, o

qual afirma que

o fulcro do conceito ressarcitório acha-se deslocado para a convergência de

duas forças: 'caráter punitivo' para que o causador do dano, pelo fato da

condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o 'caráter

ressarcitório' para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione

prazeres como contrapartida do mal sofrido379

.

Carlos Alberto Bittar também adere à corrente que admite a função

sancionatória/punitiva da responsabilidade civil e defende que

379

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 338.

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a indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que represente

advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento

assumido, ou o evento lesivo advindo380

.

Humberto Theodoro Júnior, por sua vez, é um dos que se filiam à vertente de

rejeição da função punitiva/sancionadora da responsabilidade civil. O autor destaca o

princípio da legalidade, o qual determina que

não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação

legal”381

e defende que "a responsabilidade civil não pode confundir-se com

a responsabilidade penal, porque enquanto aquela é estritamente de ordem

privada, esta é essencialmente de ordem pública382

.

Assim, para o jurista, não seria permitido a aplicação de nenhuma punição sem

expressa previsão de lei atribuindo pena ao ato praticado.

Taisa Maria Macena de Lima também não aceita a vertente

punitiva/sancionadora e afirma que na sistemática do CCB, a função da

responsabilidade civil por dano moral é sempre compensatória e reparatória, não se lhe

podendo atribuir uma função punitiva383

.

Em que pese a intensa discussão entre doutrinadores a respeito do caráter

sancionador da responsabilidade civil, é importante consignar que não existe norma

jurídica sem sanção.

A norma jurídica, conforme teoria geral do constructivismo lógico

semântico384

, constitui comando estruturado como juízo hipotético condicional. Desta

380

BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 2ª ed. São Paulo: RT, 1994, p. 220.

381 Artigo 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal.

382 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Dano moral. 4ª ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 14

383 LIMA, Taisa Maria Macena de. Direito à reparação civil do nascituro por morte do genitor em

acidente de trabalho - dano moral e personalidade do nascituro. In: FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima

Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coord.). Direito civil: atualidades IV: teoria e prática

no direito privado. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 343-375, p. 365.

384 Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho, “O Constructivismo Lógico-Semântico é, antes de tudo,

um instrumento de trabalho, modelo para ajustar a precisão da forma à pureza e à nitidez do pensamento;

meio e processo para a construção rigorosa do discurso, no que atende, em certa medida, a um dos

requisitos do saber científico tradicional”384

(CARVALHO, Paulo de Barros. Algo sobre o

constructivismo lógico-semântico. In: CARVALHO, Paulo de Barros (coord.). Constructivismo lógico-

semântico. Vol. I, São Paulo: 2014, p. 6). Tal conceito pode ser complementado por Fabiana Del Padre

Tomé, a qual sustenta que “o constructivismo lógico-semântico configura método de trabalho

hermenêutico orientado a cercar os termos do discurso do direito positivo e da Ciência do Direito para

outorgar-lhes firmeza, reduzindo as ambiguidades e vaguidades, tendo em vista a coerência e o rigor da

mensagem comunicativa”384

. (TOMÉ, Fabiana Del Padre. Vilém Flusser e o constructivismo lógico-

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forma, para que algo possa se constituir como norma jurídica é necessário que constitua

uma função prescritiva; em outras palavras, deve se apresentar como

um juízo estruturado na forma hipotético-condicional, estrutura mínima

necessária para se construir um sentido deôntico (...) deve estar estruturada na

forma hipotético-condicional, pois esta é a fórmula lógica das ordens, é assim

que as linguagens prescritivas se manifestam formalmente385

.

Tem-se, assim, a norma jurídica como um juízo hipotético condicional

determinando que para uma hipótese deve ser aplicada uma consequência: D(HC).

Caso haja o descumprimento do comando contido neste ‘dever ser’, a sanção é medida

que se impõe em razão da coercibilidade da norma jurídica. Se não há coerção, não há

norma jurídica.

Neste sentido, Fabiana Del Padre Tomé ensina que “a toda norma jurídica

corresponde uma sanção”386

. Esta pode ser entendida como uma ‘norma secundária’ e

se constitui como elemento indispensável para que se tenha uma norma jurídica, pois

“as normas caracterizam-se como tal por sua coercibilidade e pela coatividade:

coercibilidade pela circunstancia de impor-se uma sanção na hipótese do seu

descumprimento; e coatividade por admitir-se a execução forçada da sanção”387

.

Verifica-se assim que a sanção é elemento intrínseco à constituição de toda e

qualquer norma jurídica, vez que constitui parte integrante da coercibilidade do

comportamento exposto no mandamento da norma jurídica.

Portanto, ainda que a responsabilidade civil tenha como escopo principal a

reparação do dano causado, o dever, em si, de efetivar tal reparação advém justamente

da resposta do ordenamento jurídico ao descumprimento de um comportamento exigido

coercitivamente pela norma jurídica; essa resposta é a sanção.

A penalidade (ou sanção) para aquele que causa dano a outrem é prevista em

lei, e se constitui justamente no dever de efetivar a indenização388

. Ou seja, admitir a

semântico. In: HARET, Florence; CARNEIRO, Jerson Carneiro (coords.). Vilém Flusser e Juristas. São

Paulo: Noeses, 2009, p.11.)

385 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito (o constructivismo lógico-

semântico). 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 216.

386 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A estrutura lógica das normas jurídicas. In: CARVALHO, Paulo de Barros

(coord.). Lógica Jurídica. 1ª ed. São Paulo: Noeses ), 2014, p. 15.

387 Ibidem., p. 14.

388 Cabe consignar, ainda, que a função punitiva também é percebida quando se verifica a possibilidade de

alteração do quantum indenizatório em função do grau da culpa, conforme parágrafo único do artigo 944

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função punitiva da responsabilidade civil em nada contraria o mandamento

constitucional de que não existe pena sem lei que a preveja, pois a punição para quem

lesa outrem é a obrigação de reparar o dano (conforme art. 927 do Código Civil).

Conclui no mesmo sentido Yussef Said Cahali que, ao admitir a natureza mista

da responsabilidade civil por danos morais, consistente no caráter reparador e também

sancionador, assinala: “O dever de indenizar representa por si a obrigação fundada na

sanção do ato ilícito”389

.

O autor continua e também aponta que a norma jurídica é elemento que impõe

um preceito (dever ser), cuja coerção normativa é configurada com a sanção:

A obrigação liga ou vincula o homem (...) pode acontecer que, para induzir

alguém a que se abstenha da violação de um preceito, o direito o ameace com

a cominação de um mal maior do que aquele que lhe provocaria a sua

observância. Nesse caso tem-se a sanção econômica do preceito; e os meios

de diferentes espécies, que visam assegurar a observância do preceito,

recebem justamente o nome de sanção, pois sancionar significa precisamente

tornar qualquer coisa, que é o preceito, inviolável e sagrada390

.

Judith Martins Costa vai além e não apenas admite o caráter misto da

responsabilidade civil, como também expõe que a função punitiva da indenização tem

caráter pedagógico, ou seja, serve como lição, como exemplo para que não seja

praticado o dano a outrem:

[...] evidente que a tendência, nos diversos ordenamentos, é agregar às

funções compensatória – ou simbolicamente compensatória – e punitiva, a

função pedagógica, ou de exemplaridade, de crescente importância nos danos

provocados massivamente391

Tratando das hipóteses de abandono imaterial (ou afetivo), verifica-se o dever

de indenizar como resposta sancionatória que o ordenamento jurídico apresenta à

inobservância da norma; como sanção econômica por ter descumprido o dever de

cuidado e causado dano à prole em desenvolvimento ou aos genitores idosos. Dai

porque se falar em caráter sancionador.

do código civil. O valor será reduzido se a culpa for menor, ou seja, a punição é menor para aquele que

não praticou ato doloso, mas sim culposo.

389 CAHALLI, Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 39.

390 Ibidem., p. 39.

391 MARTINS-COSTA, Judith. Os Danos à Pessoa no Direito Brasileiro e a Natureza da sua Reparação,

Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, Março/2001, p. 207.

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Neste contexto, tem-se que: os pais devem ser presentes na vida dos filhos para

não prejudicar o desenvolvimento destes; e os filhos adultos devem ser presentes na

velhice dos pais idosos para apoia-los e ampará-los. Caso este dever ser seja

descumprido, os danos causados com este incumprimento deverão ser reparados a titulo

de sanção por inobservância do preceito exposto no bojo da norma jurídica.

Vale frisar: em relação ao abandono imaterial (ou afetivo) direto, a sanção pela

inobservância com os deveres paternais é a perda do poder familiar. Já a sanção por

causar danos imateriais, por descumprir os deveres de cuidado, consistente no dever de

indenizar. Assim, esta indenização tem caráter compensatório e punitivo. Exatamente

neste sentido é que dispôs o Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

O Poder Judiciário há de coibir essas práticas ignóbeis e bani-las do nosso

contexto sócio-jurídico de uma vez por todas. Para tanto, há de,

exemplarmente, punir os infratores das leis civis, destituindo-os do poder

familiar e condenando-os pecuniariamente pelo ilícito causador de danos

imateriais a crianças e adolescentes392

.

O dever do(a) genitor(a) ou da prole em arcar com valor pecuniário como

forma de compensação pelos danos causados com o abandono imaterial (ou afetivo)

constitui, portanto, a sanção ou norma jurídica secundária (exposta nas disposições

jurídicas referentes à responsabilidade civil) que garante o caráter coercitivo do dever

ser consistente nos preceitos jurídico sobre o dever de cuidado do(a) filho(a) em

desenvolvimento e do pai ou mãe idosos.

Rodrigo Pereira Cunha e Claudia Maria Silva também dispõem nesse sentido

quando tratam do abandono imaterial direto:

Os pais são responsáveis pela educação de seus filhos – aí pressupondo-se,

cuidados, afeto, apoio moral, atenção. Abandonar e rejeitar um filho é violar

direitos. A toda regra jurídica deve corresponder uma sanção, sob pena de se

tornar somente regra moral. Uma das razões da existência da lei jurídica é

obrigar e colocar limites. Admitindo-se não ser possível obrigar ninguém a

dar afeto, a única sanção possível é a reparatória. Não estabelecer tal sanção

aos pais significa premiar a irresponsabilidade e o abandono paterno”393

.

392

TJSC, Apelação Cível n. 2011.020805-7, 1ª Câmara de Direito Civil, Relator: Des. Joel Dias Figueira

Júnior, julgado em 11.08.2011.

393 PEREIRA, Rodrigo da Cunha; SILVA, Cláudia Maria. Nem só de pão vive o homem. Sociedade e

Estado., Brasília: Scielo , v. 21, n. 3, p. 667-680, Disponível em

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-

69922006000300006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 23. out. 2017, p. 680.

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Por outro lado, há que se ter em mente que a aplicação da sanção desestimula a

prática do abandono imaterial (ou afetivo) pelos pais em relação aos filhos e destes em

relação aqueles justamente na fase em que mais precisam: na infância, adolescência e

velhice. Ou seja, a condenação no dever de indenizar tem, ainda, a função pedagógica

de evitar a prática de novos abandonos. A este respeito, Theodureto de Almeida

Camargo Neto, ao tratar sobre o abandono afetivo direto, ensina:

Ainda que, à primeira vista, possa parecer repulsiva a troca do afeto pela

reparação pecuniária, não se pode perder de vista o incentivo que a simples

possibilidade de eventual indenização possa exercer no espírito do pai, ou da

mãe, recalcitrante no desempenho de seus misteres, nem a enorme vantagem

que disso certamente resultará para os filhos394

.

Conclui-se, assim, que a responsabilidade civil tem o escopo de reparar ou

compensar o dano causado, ao mesmo em que sanciona o causador do dano quando o

impõe a efetivar a aludida compensação. A aplicação desta sanção está atrelada à

coercibilidade inerente à norma jurídica e serve, ainda, como desestímulo ao

descumprimento dos preceitos normativos - como o atinente ao dever de cuidado.

Portanto, no que concerne ao abandono imaterial (ou afetivo), tem-se o dever

de cuidado imputado aos pais em relação aos filhos em desenvolvimento e à prole em

relação aos genitores idosos; o desrespeito a este dever legal justifica o dever de reparar

os danos causados, que é corresponde ao direito daquele que não foi cuidado em pleitear

indenização. Esta, por sua vez, representa a sanção pela inobservância da norma (que

determina o cuidar e o não causar dano a outrem), ao mesmo tempo em que tutela a

reparação do dano e, ainda, serve como desincentivo à inobservância dos deveres de

cuidado paterno-filiais.

394

CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. A Responsabilidade Civil por Dano Afetivo. In: Grandes

Temas de Direito de Família e das Sucessões. SILVA, Regina Beatriz Tavares da; CAMARGO NETO,

Theodureto de Almeida (coords.). São Paulo: Saraiva, 2011, p. 29.

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5. CONCLUSÃO

O presente trabalho buscou efetivar análise concernente à responsabilidade

civil pelos danos ocasionados à prole em desenvolvimento e aos pais idosos em razão

da ausência dos genitores e dos filhos adultos, respectivamente.

Para tanto, realizou-se contextualização história acerca do instituto da família e

se anotou sobre as mudanças no direito, aplicáveis a esta, com a era pós-moderna. Tal

exploração foi importante para a compreensão da lógica dos princípios inerentes ao

direito familiar, os quais são fundamentais para se averiguar a incidência ou não da

responsabilidade civil em tela.

Conforme apontado ao longo da dissertação, o dever de indenizar requer a

configuração de um dano decorrente de ato ilícito; portanto, para tratar do tema

proposto, foi preciso verificar se a ausência referida configura ato ilícito capaz de gerar

danos a ser objeto de indenização.

Primordial, neste ponto, foi afastar o entendimento sobre a falta de amor, vez

que tal carência não configura hipótese ilícita, e, portanto, não pode resultar em

incidência do dever de indenizar. Exatamente por esta razão é que se preferiu a

utilização do termo ‘abandono imaterial’ à expressão ‘abandono afetivo’ (usada pela

grande maioria da doutrina, jurisprudência e mencionada, inclusive, em projetos de lei).

O que se aponta é a ilicitude pela ausência imaterial – falta esta que não se relaciona ao

pagamento de pensão alimentícia, ou de qualquer outro pecuniário ou material, e nem se

refere a cunho afetuoso ou amoroso.

Também foi importante observar que o uso das denominações “abandono

afetivo”, “abandono afetivo direto”, “abandono imaterial” e “abandono imaterial direto”

são utilizadas para se referir à falta de presença e de visita à prole menor de idade pelo

pai ou mãe não guardião.

Em sentido oposto, as expressões “abandono afetivo inverso” ou “abandono

imaterial inverso” são usadas para mencionar a falta de presença da prole na vida dos

pais idosos, ainda que haja o custeio de questões materiais, como de cuidadores e de

diárias em asilo.

Quanto ao abandono imaterial direto, apontamos a evolução do antigo pátrio

poder para o atual poder familiar, o qual contempla conteúdo não mais de submissão

dos filhos ao chefe da família, mas sim de proteção da prole mediante conjunto de

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obrigações a serem exercidas pelos pais; trata-se dos deveres parentais. O

descumprimento destes acarreta a suspensão ou até extinção do poder familiar, tudo em

conformidade com os princípios aplicáveis ao direito de família, sobretudo ao de

proteção integral a acrianças e adolescentes (além de jovens e idosos) e ao preceito da

paternidade responsável.

Dentre os deveres inerentes ao poder familiar está a presença, mesmo daquele

que não detém a guarda da prole. Esta obrigação do não guardião ser presente decorre

da necessidade de este (i) supervisionar os interesses do filho – o que não pode ser

efetivo se configurada absoluta ausência imaterial; (ii) dirigir a criação e cuidado – o

que requer participação; (iii) compartilhar com o guardião os atos inerentes ao cuidado e

educação, a qual contempla muito mais do que ensino escolar, e abrange a necessidade

de transmissão de valores e comportamentos éticos, morais e de conduta; (iv) garantir a

efetivação da saúde – que contempla equilíbrio psicológico, o qual é totalmente

maculado com o sentimento de rejeição praticada pelo –próprio pai ou mãe; (v) garantir

a convivência familiar – a qual, por óbvio, exige a presença dos pais; e por fim (vii)

visitar o filho – este dever é ao mesmo tempo um direito do não guardião, pois

possibilita o adimplemento das demais obrigações.

Portanto, os deveres do não guardião vão muito além do pagamento de pensão

alimentícia, e não podem ser adimplidos se houver absoluta ausência. É a presença dos

pais que possibilita o adimplemento das obrigações parentais. Se aquela não é

configurada, essas não estão sendo cumpridas. Dai porque o abandono imaterial se

configura como ato ilícito referente ao descumprimento dos deveres paternais de

cuidado.

Uma vez configurada a ilicitude, passou-se a analisar se esta tem o condão de

gerar danos à prole abandonada imaterialmente. Conforme interdisciplinaridade com o

campo da psicologia, a rejeição materna ou paterna configurada com a total ausência

imaterial constitui grave abalo à higidez psíquica do infante. Os efeitos podem ser os

mais diversos possíveis, desde sofrimento calado, passando por crises de arrancar

cabelos e cílios, além de crises de identidade até consequências irradiadas na vida adulta

como dificuldade de exercer a maternidade ou paternidade. Estas consequências, dentre

outras, foram publicadas em pesquisas realizadas por psicólogos acerca do abandono

imaterial.

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Ainda que a apresentação de laudo psicológico possa atestar alguns dos mais

diversos danos aos filhos por consequência do abandono imaterial, não há como deixar

de observar a evidente mácula interna que a sensação de ser rejeitado pelo próprio pai

ou mãe causa. Esta rejeição configura violência psicológica, pois renega não só o

direito, mas a necessidade do(a) filho(a) em ser cuidado. Por esta razão, é que há o

entendimento – minoritário – na jurisprudência de que é presumível o dano (in re ipsa)

moral decorrente do abandono imaterial.

Analisados os deveres referentes ao poder familiar – os quais exigem a

presença de ambos os pais, sejam ou não guardiões, bem como notados os danos

decorrentes do descumprindo das obrigações paternais de cuidado, a resposta advinda

com a lógica do ordenamento jurídico é o dever de indenizar.

Vale destacar: a consequência do descumprimento dos deveres inerentes ao

poder familiar é a suspensão ou extinção deste. Já a resposta consequente aos danos que

advêm do aludido inadimplemento é o dever de, aquele que deu causa ao dano, arcar

com indenização.

Seguindo a mesma lógica, porém percorrendo caminho inverso, concluímos

pelo dever do(a) filho(a) suportar valor a título de indenização quando abandonar

imaterialmente os pais idosos e causar danos a estes.

Os danos decorrentes do abandono imaterial inverso também são verificados

por meio da interdisciplinaridade com estudos da psicologia, bem como com pesquisas

que apontam a difícil e dolorosa realidade de muitos idosos abandonados

imaterialmente.

Conforme exposto neste trabalho, a preocupação com a negligência e abandono

com os idosos é mundial e reflete nas tentativas das Organizações das Nações Unidas

(ONU) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) em alertar sobre a necessidade de

efetivo amparo aos idosos. No Brasil, diversas pesquisas apontam: os que mais violam

os direitos dos idosos são os próprios filhos, e as violações com maior incidência são a

negligência e a violência psicológica.

O abandono afetivo dos pais idosos é uma forma de negligência, que se

configura pela ausência dos filhos relacionada a questões imateriais. Segundo estudo

sociológico apontado no presente trabalho, o abandono imaterial decorrente da falta de

convivência familiar é a pior forma de abandono enfrentada pelos idosos.

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Tal omissão de cunho imaterial é expressamente contrária ao princípio da

proteção integral (da criança, do adolescente, do jovem e) do idoso, além de configurar

ato ilícito por descumprimento dos deveres de cuidado dos pais idosos impostos aos

filhos pelo Estatuto do Idoso e pela Constituição Federal.

A regra jurídica determina expressamente o dever de os filhos ampararem os

pais idosos. Amparo contempla apoio, proteção, cuidado – atos que não podem ser

efetivados apenas com o custeio de questões materiais. O adimplemento do

mandamento jurídico está intimamente ligado à presença dos filhos na vida dos pais

idosos. Por essa razão, a total ausência ou abandono imaterial inverso configura ato

ilícito a ensejar a reparação dos danos decorrentes da não convivência familiar.

Após analisar logicamente o ordenamento jurídico pátrio e apontar a incidência

da responsabilidade civil em relação aos danos causados por abandono imaterial direto e

inverso, passou-se a verificar o entendimento jurisprudencial, bem como a mencionar

sobre temas controversos relacionados ao assunto tratado.

Quanto ao abandono imaterial direto, concluiu-se que a jurisprudência pátria se

manifesta tanto no sentido de determinar a indenização dos danos consequentes, como

de negar o pleito indenizatório sobre o argumento de que o afeto não pode ser exigível

legalmente. Eis neste ponto mais uma vez a importância de diferenciar afeto, abraço e

amor do dever de cuidado e adimplemento das obrigações decorrentes do poder familiar

– as quais não podem ser adimplidas sem presença e apenas com custeio material.

Por outro lado, muitos julgados (inclusive o mais recente do Superior Tribunal

de Justiça sobre esse tema) afastam o dever de indenizar os danos decorrente do

abandono imaterial direto com base na prescrição trienal contada a partir da maioridade

do filho. Apesar de a maioria dos doutrinadores acompanhar o entendimento de que o

termo inicial da prescrição é o do encerramento do poder familiar, há correntes

minoritárias que sustentam a imprescritibilidade da pretensão por se tratar de dano

configurado em atos sucessivos, bem como correntes que defendem ser o termo inicial

da prescrição configurado com a ciência da lesão pelo filho abandonado.

Quando se trata do tema apresentado, uma das perguntas que surgem é o quão

positivo pode ser um pai ou uma mãe presente que não ama o filho. Na busca por

aclarar a questão, concluímos que a presença possibilita a efetivação do cuidado do filho

menor pelos pais, ao passo que a ausência impede tais zelos. Desta forma, a presença

será sempre positiva, pois deverá resultar no cuidado da prole – independente de abraço,

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beijo ou amor. O cuidado, por sua vez, contempla intrinsecamente a não demonstração

da falta de amor ou da rejeição. Exige-se a presença para possibilitar o cuidado; e quem

cuida não demostra que não ama, ainda que assim seja. No bojo do trabalho são

apresentadas hipóteses pragmáticas concretas a corroborar com esse entendimento. Por

outro lado, se os pais forem presentes, mas rejeitarem expressamente os filhos, também

deverão ser condenados. É a hipótese de devolução do adotado ou tentativa de

‘desadoção’, a qual já ensejou julgados condenando os pais a indenizarem os danos

morais resultantes.

Neste ponto, o questionamento que surgiu foi em relação ao dever ou não de o

pai ou mãe socioafetivo indenizar os danos por abandono imaterial do(a) filho(a)

afetivo(a). A conclusão a este respeito foi o da incidência da responsabilidade civil, vez

que a codificação atual iguala a paternidade biológica à paternidade por adoção e à

paternidade socioafetiva. Assim, a regra a ser aplicada deve ser a mesma para todos os

casos.

Existe também a hipótese de pais que tratam o infante, sem filiação, como se

fosse filho, e exercem todos os atos como se pai ou mãe fosse sem, contudo, averbar a

paternidade no registro civil do menor. Diante deste cenário, questionou-se a respeito da

possibilidade de condenar esses ‘pais’ caso, posteriormente, abandonem a prole. Nosso

entendimento foi o de que tal quadro configuraria clara afronta à boa-fé objetiva – vez

que os ‘pais’ cativam livremente a criança para depois a abandonar – e deve ensejar o

dever de indenizar assim como nas hipóteses de tentativa de ‘desadoção’ ou de ruptura

injustificada das negociações preliminares, em que incide a responsabilidade civil pré-

contratual por descumprimento da boa-fé objetiva.

No que concerne ao abandono imaterial inverso, escassa é a jurisprudência

sobre o tema. Mencionou-se no trabalho ação pleiteando reparação por danos

decorrentes de abandono material e ‘afetivo’ de mãe idosa, cuja decisão negou o pleito

referente à omissão ‘afetiva’, por entender que a condenação pecuniária não substituiria

os laços afetivos rompidos. A decisão, ao nosso entender, pareceu expor entendimento

semelhante ao proferido por aqueles que negavam a possibilidade de indenização por

dano moral, além de não ter mencionado os deveres de cuidado impostos legalmente.

Por outro lado, apontamos decisão em que é citado expressamente o dever de os filhos

ampararem os pais idosos; em razão desta obrigação foi deferido pleito de professor por

redução de carga horária (e de salário) a fim de possibilitar o cuidado do pai idoso.

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A questão que surgiu nesta fase foi sobre a possibilidade ou não de pai que

abandonou a prole criança ou adolescente, exigir que esta – quando estiver adulta –

cuide do genitor idoso. A resposta encontrada foi a de inexigibilidade, pois assim como

o procedimento indigno afasta a obrigação de custeio de alimentos, a atitude indigna de

rejeição da prole coíbe a exigência de que esta ampare imaterialmente aquele que

outrora o abandonou.

Por fim, verificou-se, no bojo da dissertação, a existência da função

compensatória e também sancionadora da responsabilidade civil. Aquela é configurada

pelo escopo em reparar o dano causado. Já esta se constitui com o dever do causador do

dano em suportar a indenização; este dever é a sanção imposta pelo ordenamento

jurídico como resposta ao descumprimento normativo e a inobservância do preceito de

não causar dano a outrem.

A conclusão final é de que a fórmula para analisar a incidência ou não do dever

de reparar os danos causados por abandono imaterial está no fundamento basilar da

responsabilidade civil, qual seja, o de não lesar a outrem (neminem laedere). Assim,

aquele que tem o dever de ser presente, o deve ser. E se, por alguma razão de foro

íntimo, tiver dificuldades para adimplir com sua obrigação de ser presente (e então

cuidar), deve buscar tratamento psicológico a fim de evitar causar dano ao outro e

acabar por compelir este a ter que efetivar o tratamento médico que aquele que

abandonou não realizou. Se este cuidado não for tomado e o dano se configurar, deverá

incidir o dever de indenizar.

Não se poderá falar em abandono afetivo, contudo, caso a rejeição parta

daquele que deve ser cuidado. Isto porque, nesta hipótese não há omissão por aquele

que deve ser presente e pratica atos comissivos em busca da convivência. Não há

abandono, há impossibilidade de convivência por rejeição do menor ou do idoso.

Por outro lado, caso a ausência seja resultante de ato de outrem (como nas

hipóteses de alienação parental), aquele que tem o dever de cuidar (e, para isso, precisa

ser presente) deve buscar meios para cessar o ato do outro que impede a presença na

vida do filho. Há, inclusive, hipóteses de julgados aplicando astreintes (multa diária

cominatória) para compelir o guardião alienante a levar o filho para as visitas com o

outro genitor. O que não se pode admitir é a total omissão, com a desculpa de que o

abandono imaterial se dava por atitude impeditiva de outrem, sendo que nada era feito

para cessar o ato deste outrem. Essa seria a hipótese de se beneficiar da própria torpeza

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(venire contra factum proprium) e não poderia ensejar o afastamento do dever de

indenizar.

Importante mencionar: toda regra tem sua exceção. No presente caso, esta seria

configurada pela impossibilidade de o pai ou a mãe que praticou o abandono dos filhos

menores de idade, exigir indenização caso os filhos abandonem os pais na velhice.

Trata-se de exceção configurada pelo procedimento indigno.

Nos demais casos deve ser mantida a regra baseada na constante exigência para

que não se lese a outrem. O cuidado da prole em desenvolvimento e dos pais idosos é

obrigação que deve ser cumprida, respectivamente, pelos pais e filhos. E é a presença o

meio que possibilita a efetivação do aludido cuidado, daí porque incidir o dever de

indenizar os danos causados com a total ausência e abandono imaterial.

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