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PONTIFÍCIA FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO
Pe. LUIZ CLÁUDIO VIEIRA
Caminhos de inculturação do Ritual de Exéquias de 1969, no contexto atual da morte
São Paulo/2007
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PONTIFÍCIA FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO
Pe. LUIZ CLÁUDIO VIEIRA
Caminhos de inculturação do Ritual de Exéquias de 1969, no contexto atual da morte
Dissertação apresentada como exigência para obtenção do título de mestre em Teologia Dogmática com concentração em Liturgia à comissão julgadora da Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, sob a orientação do Pe. Valeriano dos Santos Costa
São Paulo/2007
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DEDICATÓRIA
• Em memória de meu Pai Luiz Vieira Julião, de Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida e de meus antepassados e amigos que já celebraram a sua derradeira páscoa no Senhor Ressuscitado.
AGRADECIMENTOS
• À minha mãe, Maria Inácia; aos meus irmãos Lucimar, Josimar, Elenice, Marcos Paulo, Gilmar, Gilmara e Julimar.
• Ao povo de Deus, especialmente dos lugares onde desenvolvi atividades
Pastorais, ao Sr. Exmo Revmo Arcebispo de Mariana Dom Geraldo Lyrio Rocha e ao Presbitério da Arquidiocese de Mariana.
• À Área Pastoral Santa Rosa de Lima e ao Sr. Exmo Revmo Dom Pedro Luiz
Stringhini, pela acolhida fraterna e afetuosa convivência nestes anos de estudos. • À Sra Sandra Regina de Assis, e aos inúmeros (as) amigos (as) e familiares pelo
constante afeto e ininterrupto incentivo. • Ao meu Orientador Padre Valeriano Santos Costa, ao professor Renold Blank e
demais professores (as), alunos (as) da Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................................... 3 CAPÍTULO I: A CRISE ATUAL EM RELAÇÃO À MORTE: CONTEXTO DA MORTE E DO MORRER EM NOSSA SOCIEDADE........................................................................................................ 5 1 – O CONTEXTO DO MORRER NA SOCIEDADE ATUAL ................................................................ 5 1.1 – A negação da morte e o morrer no contexto atual .............................................................................. 7 1.2 – Reflexos da negação da morte para a compreensão e para a organização da vida ........................... 15 2 – A MORTE NO CONTEXTO CRISTÃO CATÓLICO....................................................................... 19 2.1 - A compreensão da celebração por ocasião da morte no contexto cristão católico ............................ 19 2.2 – O sepultamento no contexto cristão católico .................................................................................... 25 3 – A NEGAÇÃO DA MORTE NO CONTEXTO DE UM CRISTIANISMO MAL INICIADO ........... 27 CAPÍTULO II: O SENTIDO PASCAL DA MORTE EM ALGUMAS FUNDAMENTAÇÕES BÍBLICAS E NA LITURGIA................................................................................................................... 33 1 – A PERSPECTIVA DA RESSURREIÇÃO NO CONTEXTO BÍBLICO ........................................... 33 1.1 – Israel e suas liturgias ........................................................................................................................ 33 1.2 – Perspectiva Bíblica da Ressurreição................................................................................................. 37 1.2.1 – A evolução do conceito de ressurreição em alguns textos do AT ................................................. 38 1.2.2 – Algumas narrativas de ressurreição no AT.................................................................................... 41 1.2.3 – Reflexão sobre os dados apresentados........................................................................................... 42 1.3 – Período intertestamentário, afirmação e negação da ressurreição. ................................................... 43 1.3.1 – Saduceus: não acreditavam na ressurreição................................................................................... 44 1.3.2 – Fariseus: tinham fé na ressurreição................................................................................................ 45 1.3.3 – Essênios: tinham fé na ressurreição............................................................................................... 46 1.4 – A Ressurreição na ótica do Novo Testamento.................................................................................. 46 2. O SENTIDO PASCAL DA MORTE CRISTÃ NO CONTEXTO LITÚRGICO.................................. 51 2.1 O sentido pascal da morte cristã .......................................................................................................... 51 2.2 – No contexto litúrgico........................................................................................................................ 54 CAPÍTULO III: O RITUAL DE EXÉQUIAS, COMO RESPOSTA À CULTURA DO MEDO DA MORTE E ALGUNS EXEMPLOS DE TENTATIVA DE INCULTURAÇÃO DO RITUAL................ 61 1. O RITUAL DE EXÉQUIAS DE 1969. ................................................................................................. 61 1.1 O Ritual ............................................................................................................................................... 61 1.2 – Elementos apresentados pelo Ritual, que merecem maior aprofundamento..................................... 64 1.2.1 – Alguns Sinais e símbolos propostos pelo Ritual de Exéquias. ...................................................... 65 1.2.2 – O ministério da presidência na celebração das Exéquias............................................................... 71 1.3 – Algumas deficiências na aplicação do Ritual ................................................................................... 73 2 – ELEMENTOS IMPORTANTES NA INCULTURAÇÃO DO RITUAL ........................................... 79 2.1 – Inculturação do Ritual de Exéquias. ................................................................................................. 80 2.2 – A religiosidade popular e as celebrações exequiais.......................................................................... 84 3. A CELEBRAÇÃO DAS EXÉQUIAS E SUBSÍDIOS NA PROPOSTA DE INCULTURAÇÃO DO RITUAL DE EXÉQUIAS PARA O BRASIL........................................................................................... 91 3.1 – Dimensão ecumênica na celebração das exéquias. ........................................................................... 94 3.2 – Subsídios na perspectiva da inculturação do Ritual de Exéquias ..................................................... 95 3.2.1 - Subsídio da CNBB “Nossa Páscoa”............................................................................................... 96 3.2.2 – Ofício Divino de Exéquias, uma proposta da Rede Celebra........................................................ 102 CONCLUSÃO ........................................................................................................................................ 103 BIBLIOGRAFIA................ ..................................................................................................................... 106
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ABREVIATURAS
CDC – Código de Direito Canônico
CIC – Catecismo da Igreja Católica
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
EN – Evangelli Nuntiandi
GS – Gaudium et Spes
HL – Hinário Litúrgico
Ib. – Ibidem
Id. – Idem
IGMR – Introdução Geral ao Missal Romano
LG – Lumen Gentium
MR – Missal Romano
ODC – Ofício Divino das Comunidades
p. – página
PB – Conferência Latino Americana de Puebla
RE – Ritual de Exéquias
SC – Sacrosanctum Concilium
SD – Conferência Latino Americana de Santo Domingo
UR – Unitatis Redintegratio
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INTRODUÇÃO
A morte envolve todo ser vivo. De tal modo, vida e morte estão entrelaçadas,
que a nossa postura diante da vida reflete nossa mentalidade diante da morte.
Atualmente, contudo, a sociedade procura suprimir a realidade da morte, por
não conseguir suportá-la e, desta forma, a morte é tratada como se tivesse perdido a
“cidadania”.
Essa dificuldade de lidar com a morte transferiu para o campo da ciência e
da medicina um assunto que antes pertencia a todo o homem. Esta situação possibilitou à
medicina sucessos extraordinários. Porém, a morte continua a grande vencedora, pois,
ninguém consegue exterminá-la e nem suprimir o deságio que ela provoca. A morte se
tornou um agudo problema para a sociedade atual.
Para resolver tal situação, antes de tudo é necessário compreender a morte no
seu significado mais profundo. Aqui, o rito de exéquias tem papel fundamental. Sem
deixar de lado o contexto cultural, a religião acaba por dar as respostas que o ser humano
busca quando a morte o visita. O sentimento de perda expõe a fragilidade e a fugacidade
da vida humana que busca amparo no Absoluto a fim de encontrar forças para viver.
Diante do afastamento o quanto possível da consciência da morte, por temê-
la excessivamente, se faz necessário valorizar os aspectos fundamentais dos ritos
exequiais, pois, eles colocam as pessoas num confronto salutar com o real e as faz viver
a presença da ausência e a despedir-se das pessoas queridas, exercendo uma função que
ajuda o ser humano a aceitar a morte, já que pela participação no rito temos acesso à
reflexão sobre a nossa própria morte.
O Rito de Exéquias exerce um papel importante, enquanto é um anúncio de
páscoa, num clima de confiança na misericórdia de Deus. É um rito de entrega da pessoa
falecida nas mãos de Deus e, ao mesmo tempo, um rito de consolação para os familiares
e amigos que possibilita às pessoas realizarem a necessária passagem pelo luto e pela
morte. Porém, a percepção mais lúcida da mudança de contexto cultural e social
imprime um cunho de urgência no trabalho de reformulação e de aprofundamento a
respeito do Ritual de Exéquias de 1969. É necessário incultura-lo, adaptando-o aos
nossos costumes, desenvolvendo e valorizando, entre outros elementos, os diversos
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ministérios, bem como sublinhando as ações simbólico-litúrgicas que o próprio Ritual
oferece.
O que pretende esta modesta pesquisa é analisar a celebração cristã da morte
e averiguar até que ponto o Ritual de Exéquias responde aos anseios mais íntimos de
quem passa pela experiência da perda, apontando caminhos de inculturação para que o
ritual cumpra melhor sua função.
O primeiro capítulo, “a crise atual em relação à morte: contexto da morte e
do morrer em nossa sociedade”, com uma abordagem histórica da morte, é uma tentativa
de mostrar como ela foi sendo encarada ao longo dos tempos, bem como os reflexos
disto num contexto de cristianismo mal iniciado, o que constitui uma realidade agravada
pelas novas tendências da pós-modernidade.
O capítulo segundo, “o sentido pascal da morte em algumas fundamentações
bíblicas e na liturgia”, procura responder às indagações da cultura atual, dando algumas
fundamentações bíblicas e teológico-litúrgicas da morte. A morte é, sim, o fim desta
vida, mas fim entendido como meta alcançada, plenitude almejada e lugar do verdadeiro
nascimento, onde se realiza plenamente aquilo que se realizou sacramentalmente pelo
batismo. Pois, pela participação no mistério pascal de Cristo, temos a certeza de que a
união interrompida pelo desenlace não constitui senão um prelúdio da comunhão mais
íntima e total.
Finalmente, no capítulo terceiro, “o Ritual de Exéquias como resposta à
cultura do medo da morte e alguns exemplos de tentativa de inculturação do Ritual”,
apresentar-se-á uma reflexão sobre o Ritual de Exéquias de 1969, abordando os
elementos importantes para a inculturação do mesmo, propostas de como a pastoral
litúrgica e subsídios inculturados são suporte para que o desejo do Concílio Ecumênico
Vaticano II de celebrar a morte como evento pascal seja concretizado.
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CAPÍTULO I
A CRISE ATUAL EM RELAÇÃO À MORTE: CONTEXTO DA MORTE E DO MORRER EM NOSSA
SOCIEDADE
Neste capítulo, analisamos a crise atual em relação à morte, fazendo três
abordagens que nos ajudarão a compreender a situação atual: primeiramente, o contexto
do morrer na sociedade atual, depois, a morte no contexto cristão católico e, finalmente,
a negação da morte no contexto de um cristianismo mal iniciado. 1 – O contexto do morrer na sociedade atual
A morte é um tema muito vasto que abrange diversas áreas do conhecimento.
Por isso há muitas maneiras de abordá-la, o que deve ser feito, conseqüentemente, a
partir de um enfoque multidisciplinar, pois, “o ser humano é o animal que pensa a sua
própria morte. Todo animal morre e está comprovado que muitos temem, antecipam,
fogem à própria morte, no contexto de suas capacidades cognitivas”1. O humano, porém,
se caracteriza por dois grandes medos contra os quais se acham protegidos os outros
animais: o medo da vida e o medo da morte. Por isso desde os primórdios, as questões
relativas à morte constituem um tema que reúne dados de diversas disciplinas das
ciências humanas, trazendo muitos questionamentos2.
Por ser o homem um animal que pensa a própria morte, o pensamento filosófico
tem enfrentado esta reflexão, de tal forma que para Heidegger, o ser humano é um “ser
para a morte”. Cada vida caminha irremediavelmente para a morte, que não vem de
fora, mas é nossa suprema possibilidade. A existência humana é “ser para a morte”.
Morrer com a minha morte é, com efeito, a única coisa que ninguém pode fazer por
mim. A morte é a possibilidade mais pessoal, mais autêntica e mais absurda ao mesmo
1 LEPARGNEUR, Hubert. Lugar atual da morte: antropologia, medicina e religião. p. 28. 2 Desde os tempos mais recuados, em todas as civilizações, cerimônias de sepultamento muito particulares acompanham a memória dos mortos. Segundo Bayard: “Pelo que sabemos o enterro sistemático dos corpos parece remontar a 100.000 anos a.C., quando, no museriano, o culto dos antepassados parece firmar-se. Com o neandertalense, a disposição dos corpos varia. (...) As sepulturas anteriores ao paleolítico eram preparadas em grutas, quando as condições locais o permitiam (Grimaldi em Menton, Cro-Magnon da Doronha). Muitas vezes os corpos eram salpicados com ocre”. BAYARD, Jean-Pierre. Sentido dos ritos mortuários. Morrer é morrer?. São Paulo: Paulus, 1996. p.57. Esta dissertação parte do contexto cristão, porém, quero encetar este fato, para se ter em mente, que a crença na imortalidade e a celebração por ocasião do sepultamento, são muito anteriores ao cristianismo.
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tempo. Não está ao fim da vida, está prevista em cada momento da vida, no próprio ato
de viver3. Assim, “embarcamos, revoltados ou não, na velha barcaça de caronte, e vamos
dar com os costados no outro mundo”4.
Apesar do avanço do pensamento filosófico, a relação do homem com a morte
nunca foi tranqüila. Neste sentido, Pires afirma:
Se o homem é um ser para morte, como pretendia Heidegger, entretanto vive a esquivar-se dela. O mesmo filósofo nos ensina que na fórmula popular do ‘se morre’, o indivíduo descarrega na espécie humana o problema da morte e mergulha no mundo, como avestruz que esconde a cabeça na areia. Sim ‘morre-se’, mas também vive-se. Esse ‘se’ impessoal, abstrato, difuso, tão útil como as próprias mãos, pois serve para tudo e a todos os instantes, é uma escapatória. Quando queremos contar um milagre e esconder o santo, recorremos à fórmula: ‘Diz-se’, ‘conta-se’, ou ‘afirma-se’. Graças a ela, dizemos, contamos ou afirmamos aquilo que por nós mesmos não poderíamos revelar5.
Esta reação se dá por causa dos mecanismos utilizados pelo ser humano, pois,
do contrário, o temor da morte não nos permitiria agir “normalmente”, pois a morte é um
símbolo complexo e não uma coisa qualquer determinada, claramente definida.
A morte para o homem, todavia, não é algo assim tão simples ou instrumental (...) a morte coloca continuamente para todos (cientistas ou não), o mistério da vida, o sentido do existir. Ao nos defrontar com o cessar da existência, com o desaparecimento de um modo de ser, com apagar-se de uma identidade, a morte coloca o problema da cultura, ou seja, o da dimensão essencialmente humana do simbólico, aquela que distingue o homem dos demais seres vivos, isto é, plantas e animais, e sem a qual ele é inviável. Pensá-la como evento biológico apenas, é pensar como um animal, coisa que o ser humano rejeita sempre, pelo simples fato de ser diferente dele6.
No dizer de Hubert, a maneira como a morte é encarada pela sociedade traz
informações importantes para compreender a sociedade, os rituais e as formas de seu
enfrentamento. Isto por que,
desde que a vida existe, em nenhum momento parou o jogo da alegria e do sofrimento, do nascimento e da morte, ele permanecerá tanto
3 Cf. MOUNIER, Emmanuel. Introdução aos existencialismos. p. 52. 4 PIRES, J. Herculano. Introdução. In: IMBASSAHY, Carlos. O que é a morte. p. 9. Se faz necessário, uma ressalva, pois, trata-se de um obra Kardecista, doutrina com a qual esta dissertação não comunga. 5 Ibidem. p. 9. 6 CONSORTE, Josildete. In: MARTINS, José (org). A morte e os mortos na sociedade Brasileira. p. 57.
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quanto o mundo. Isto não depende de nós. O que um pouco depende de nós é o sentido que atribuímos a esse conjunto de tensões e paradoxos7.
O que marca fundamentalmente o contexto do morrer atual é a negação da morte
e os reflexos que isso acarreta para a compreensão da vida.
1.1 – A negação da morte e o morrer no contexto atual
O ser humano criou mecanismos para que possa agir sem realmente jamais
acreditar em sua própria morte. É como se acreditasse piamente em sua própria
imortalidade física. Tencionando dominar a morte, chegou ao estado da negação da
mesma. Negando a morte, tudo o que tem a fazer é ir em frente, em um estilo
compulsivo de arrancada pelos caminhos do mundo que a criança aprende e no qual vive
mais tarde com uma espécie de soturna resignação, e que, segundo Ernest Becker, revela
um dos maiores descobrimentos do pensamento moderno: “o terror da morte”. 8
Becker apresenta um suporte científico para uma verdadeira compreensão da
negação da morte e mostra a natureza do heroísmo e seu lugar na vida humana como
caminho para a negação da morte. Mostra como o instinto comum da natureza humana
para com a realidade sempre viu o mundo como um teatro para o heroísmo, elevando ao
nível de culto a coragem animal. Nossa missão capital neste planeta, portanto, é heróica.
O ser humano tem desesperadamente de justificar-se como objeto de valor primordial no
universo. Ele tem de sobressair, de ser herói, dar a maior contribuição possível para a
vida no mundo, mostrar que ele conta mais do que qualquer coisa ou qualquer outra
pessoa. Este sistema mítico de mocinhos aos quais as pessoas servem para adquirir uma
sensação de valor primário, de significado cósmico, de utilidade final para a criação, de
sentido inabalável é que dá sentido à sociedade: ela, propriamente dita, é um sistema de
heroísmo codificado, ou seja, um sistema de ações simbólicas, uma estrutura de status e
papéis, costumes e regras de comportamento, destinada a servir de veículo ao heroísmo
terrestre. O que confirma ser a sociedade em toda parte um mito vivo do significado da
vida humana, uma criação desafiadora do sentido.
7 LEPARGNEUR. Lugar atual da morte: antropologia, medicina e religião. p. 35. 8 Cf. BECKER Ernest. A negação da morte. p. 25.
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Um dos conceitos essenciais para entender-se o anelo do ser humano pelo
heroísmo é a idéia de narcisismo, o que significa que estamos desesperadamente
absortos em nós mesmos:
Este narcisismo é o que faz os homens, nas guerras, marcharem contra o fogo à queima roupa: no fundo, a pessoa não acha que ela vá morrer, ela só sente pena do sujeito ao lado. A explicação de Freud para isto é que o inconsciente não conhece a morte nem o tempo: nos mais íntimos recessos orgânicos, físico-químicos do homem, ele se sente imortal9.
A sociedade, pelo processo de socialização do humano, molda para si um
mundo controlável. É ela quem decide como as pessoas devem transcender a morte, e só
tolerará o que estiver adequado ao projeto social padrão, pois, a condição humana é
simplesmente excessiva para um animal suportar, ela é esmagadora. Do contrário, soará
o alarme de “anarquia” receando perder a capacidade de controlar a vida e a morte.
Então, o terror final da consciência de si mesmo é o terror da morte, presente
em todos, e ao qual ninguém está imune; é o medo básico que influi em todos os demais.
Segundo Becker:
Quando o homem vivia em segurança sob o pálio do quadro mundial judaico-cristão, fazia parte de um grande conjunto; falando em nossa linguagem, seu heroísmo cósmico estava completamente mapeado, era inconfundível. Ele veio do mundo invisível para o visível por um ato de Deus, cumpria seu dever para com Ele vivendo sua vida com dignidade e fé, casando-se como um dever, procriando como um dever, oferecendo a vida inteira (como Cristo fizera) ao Pai. Por sua vez, ele era justificado pelo Pai e recompensado com a vida eterna da dimensão invisível10.
Ao não saber lidar com o medo da morte, ela foi “reprimida”, e a preocupação
então deixou de ser o heroísmo e passou a ser o gozo, com pouco trabalho, muita
automação, racionalização, eliminação da doença, vida longa, igualdade dos sexos, etc.
Por que o ser humano na atualidade pós-moderna aceita levar uma vida tão trivial?
Devido ao perigo de um horizonte amplo de experiência. Esta é a motivação mais íntima
para que seja confinado pela cultura, sendo seu escravo, imaginando que possui uma
9 Ibidem. p. 18. 10 Ibidem. p. 187.
12
identidade quando paga o prêmio de sua apólice de seguro, que dispõe de controle sobre
sua vida desde que dirija seu carro esporte ou faça funcionar seu computador.
O ser humano vive na pós-modernidade sua contradição para o pior, pois, se
acham em eclipse os dramas convincentes de apoteose heróica, de atividade criadora ou
de ilusão cultural. Não há uma visão do mundo abrangente de que se possa depender ou
fundir-se. Por isso, está se evadindo à conscientização com bebidas e drogas ou passa o
tempo fazendo compras, o que é a mesma coisa. Como a conscientização exige um tipo
de dedicação heróica que a sua cultura não mais lhe fornece, a sociedade inventa meios
para ajudá-lo a esquecer. Ou, em vez disso, ele se aprofunda na psicologia acreditando
que a conscientização, por si só, constituirá uma espécie de cura mágica para a suas
dificuldades.
A atual incompatibilidade com o tema da morte na sociedade pós-moderna, em
grande, parte é fruto do pensamento iluminista, que ofereceu diversos elementos para se
chegar a essa realidade - entre elas, a razão como explicação absoluta, bem como o
pensamento secularizado11. Ao afirmar que o humano pode explicar-se por si mesmo, tal
pensamento desembocou numa dessacralização da realidade da morte, levando, assim, a
uma clara perda cultural em relação à questão da morte. Se o mundo da razão se tivesse
alicerçado de uma maneira clara e generalizada, nós não teríamos tanto sofrimento em
relação à morte e tanta dificuldade para compreendê-la e administrá-la.
Evaldo d’Assumpção ajuda-nos a perceber que há na sociedade atual uma
educação para a negação da morte, mostrando-nos o consumismo, o culto à juventude e
ao progresso como educadores e geradores da incompatibilidade com a realidade da
morte.
11 BERGER, Peter L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. p. 119-120. Por secularização entendemos: “processo pelo qual, setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos religiosos. Quando falamos sobre a história ocidental moderna, a secularização manifesta-se na retirada das igrejas cristãs de áreas que antes estavam sobre seu controle ou influência: separação da Igreja e do Estado, expropriação das terras da Igreja, ou emancipação da educação do poder eclesiástico, por exemplo. Quando falamos em cultura e símbolos, todavia, afirmamos implicitamente que a secularização é mais que um processo socioestrutural. Ela afeta a totalidade da vida cultural e da ideação e pode ser observada no declínio dos conteúdos religiosos nas artes, na filosofia, na literatura e, sobretudo, na ascensão da ciência, como uma perspectiva autônoma e inteiramente secular, do mundo. Mais ainda, subentende-se aqui que a secularização também tem um lado subjetivo. Assim como há uma secularização da consciência. Isso significa que o Ocidente moderno tem produzido um número crescente de indivíduos que encaram o mundo e suas próprias vidas sem o recurso às interpretações religiosas”.
13
Quando nos referimos às pessoas mais idosas, para melhor defini-las costumamos dizer: ‘já estão com o pé na cova’. Velhice é, portanto, vizinhança com a morte, é condição marginalizada. Se a sociedade está voltada para a juventude e renega a velhice, sendo esta confundida com a morte, é preciso negar a morte (...) Nossa sociedade cultua também o progresso. E progresso é sinônimo de velocidade (...) Uma sociedade que ama a velocidade, fator característico do progresso, tem certamente que abominar a parada12.
Ele aponta ainda que, através de uma publicidade cada vez mais agressiva, se
impede a pessoa humana de tomar consciência da morte: transformando-a num “tabu”.
Na medida em que o homem toma verdadeira consciência de sua morte e passa a compreender o verdadeiro sentido da vida, seu consumismo vai caindo até um nível praticamente zero, o que não convém ao sistema. Assim, é preciso todo um trabalho constante para impedir essa tomada de consciência. E a morte continuará sendo o tabu, o terror do homem ocidental-capitalista-consumista. Para isso contribui todo o sistema educacional, todas as programações ditas culturais, todo o esquema social13.
Outra característica da sociedade atual é o culto à beleza física e à juventude.
As pessoas são reduzidas ao seu elemento físico-corporal, numa dimensão de
fechamento narcisista que as subtrai mais ainda de toda relação verdadeira.
A cultura ocidental está possuída pela busca do que a psicologia analítica chama de ‘arquétipo do Puer Eternus’, ou seja, ‘eternamente jovem’, que se distancia cada vez mais do seu complementar arquetípico, o Senex, o velho, dificultando as vivências simbólicas do envelhecimento e preparação para a morte.14
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Criou-se também uma mentalidade de viver freneticamente apenas o hoje,
curtindo o momento presente, sem se preocupar com o futuro. Tudo isso acarreta uma
censura maior da sociedade a tudo que pareça ser um atentado ao corpo: doença, velhice,
morte, e mesmo a insignificância a que é submetido quem tenha de viver a experiência
dessas coisas. Assim,
12 D’ASSUMPÇÃO, Evaldo. Aspectos culturais e psicológicos da morte. In: VVAA. Morte e suicídio: uma abordagem multidisciplinar. p. 31-32. 13 Ibidem p. 31. 14 OLIVEIRA, Marcos F. e CALLIA, Marcos H. P. (org.). Reflexões sobre a morte no Brasil. p. 13.
14
a característica mais peculiar de nossa cultura: o apego.... O apego é, sem qualquer dúvida, uma das maiores fontes de angústias para o homem moderno. Pretendemos dominar tudo que nos cerca, seja a natureza, sejam os objetos, sejam as pessoas. E nesta ânsia de controle, vamos destruindo, esmagando, violentando, para no final descobrirmos que nada adiantou todo este esforço15.
É triste constatar que nenhuma alienação é mais brutal do que a do moribundo
na sociedade pós-moderna, pois,
um dos fatos mais importantes é que morrer, hoje em dia, é mais triste e chocante em vários aspectos, a saber, mais solitário, mecânico e desumano; às vezes torna-se até mesmo difícil determinar-se tecnicamente a hora da morte16.
Se por um lado existe o ocultar a morte, por outro há também um aspecto de
“espetacularização” da mesma. A morte é apresentada pelos meios de comunicação
como trágico ou inusitado espetáculo a ser observado pelo público. Diariamente
apresentam as mais diversas cenas de morte em sons e imagens o mais realista possível,
seja no caso de tragédias ou do falecimento de personalidades. Contudo, a
espetacularização da morte não ajuda a enfrentá-la enquanto realidade natural do ser
humano e elemento constitutivo da vida, mas acaba sendo uma outra forma de negá-la.
Todo este esforço de negar a morte não tem sentido e eficácia, e acaba sendo
um inútil dispêndio de energia, pois, como diz Maria Júlia Kovács:
Engana-se quem acredita que a morte só é um problema no final da vida, e que só então deverá pensar nela. Podemos, é claro, tentar esquecer, ignorar ou mesmo ‘matar’ a morte. Sabemos que a filosofia e o modo de viver do séc. XX pregam veementemente esta atitude, porém, com um sucesso relativo, como um grande e inútil dispêndio de energia17.
15 Ibidem. p. 32. 16 KÜBLER-ROSS, Elizabeth. Sobre a morte e o morrer: o que a morte pode ensinar médicos, enfermeiras, padres e suas famílias. p. 16. Esta obra desta psiquiatra norte-americana é fruto de uma pesquisa com profissionais de diversas áreas do conhecimento humano, onde se debatiam os diversos problemas vividos pelos pacientes terminais. Esta pesquisa veio a ser a origem da tanatologia. 17 KOVÁCS, Maria Júlia. Morte e desenvolvimento humano. p. 3.
15
1.2 – Reflexos da negação da morte para a compreensão e para a organização da vida
Ao não saber lidar com a morte, muitas pessoas se apegam ferrenhamente à
vida, e são levadas a situações limites, lutando para sobreviver a qualquer custo. E, ao
ver a morte como doença, a sociedade projeta para o profissional de saúde a necessidade
de encontrar a cura. Nesta perspectiva, facilmente se esquece que podemos ser curados
de uma doença mortal, mas não de uma existência mortal.
Como conseqüência dessa negação da morte, vemos surgir em nossa sociedade
os hospitais-empresa, com seus técnicos mais qualificados, com equipamentos mais
sofisticados capazes de prolongar a agonia de uma pessoa durante meses, anos, mas
incapazes de devolver-lhe a vida, a vida verdadeira, a vida com sentido. Esta é a
realidade com que as pessoas enfermas se deparam em nossa sociedade, realidade de
sofrimento, sem perspectivas, nas terapias intensivas. No dizer de Kübler-Ross esta
situação tende a um agravamento cada vez maior:
Se dermos uma olhada no futuro, ele nos mostrará uma sociedade na qual mais e mais pessoas são ‘mantidas vivas’, tanto com máquinas que substituem órgãos vitais como com computadores verificando periodicamente para ver se alguma função fisiológica tem que ser substituída por equipamento eletrônico. Poder-se-á estabelecer centros cada vez em maior número, onde todos os dados técnicos são coletados e onde o acender de uma luz indicará quando um paciente expira, a fim de desligar o equipamento automaticamente, para poupá-lo ou utilizá-lo em outro paciente18.
O não saber lidar com o sofrimento e a morte leva muitas pessoas, no desejo de
aliviarem a consciência, a mandar seus enfermos para o hospital, para a agonia e morte
higiênicas, técnicas. Esquecem, porém, das necessidades reais do paciente. Por isto em
nossa sociedade, o sofrimento de morrer está sendo vivenciado sempre mais no contexto
hospitalar. Daí, morrer, cada vez mais, está sendo um evento solitário, principalmente
dentro de uma UTI hospitalar. A morte se tornou selvagem. É como uma odisséia vivida
pelos que têm a vida prolongada através de uma engenhosa tecnologia clínica e
cirúrgica, muitas vezes inútil, para prolongar umas vidas precárias e sofridas, e que em
18 Ibidem. p. 21-22.
16
muitos casos duram enquanto durar a renda dos familiares; uma morte solitária e, às
vezes, desumana. No dizer de Bessa,
esta intensa preocupação pela prolongação mecânica da vida vem suprimindo a preocupação pela qualidade dos últimos dias do moribundo e pela relevância da própria morte e do próprio morrer. A atenção médica contemporânea costuma excluir as necessidades emocionais, fisiológicas e espirituais do agonizante. Pouco serve a visão religiosa, a percepção da transcendência. Temos sido privados da oportunidade da morte dos outros ou de prepararmo-nos para essa experiência extrema e suprema. É tão enriquecedora para os que ainda ficam19.
Não podemos negar, é claro, que a Unidade de Tratamento Intensivo representa
um avanço nos cuidados com pacientes em estado grave, permitindo aos médicos
restabelecerem a saúde de inúmeras pessoas. Porém, indicá-las a pacientes sem
prognóstico de recuperação é no mínimo um ato desumano. Uma UTI não realiza
milagre, para lá devem ir pacientes com reais chances de recuperação, pois, a mesma
tecnologia que prolonga a vida de uma pessoa pode simplesmente prolongar a morte da
outra. Alguns hospitais, porém, contrariamente à sua finalidade de abrigar doentes que
tenham as reais chances de recuperação e de cura, se tornaram abrigo para doentes
terminais.
Sendo o tema da morte um tema interditado e, por isso, condenado a um
silêncio civilizado, a sociedade acaba por prejudicar a si mesma, pois, ao tentar “matar”
a morte como realidade vital, mata-se a si mesmo. Como nos diz Berger:
O confronto com a morte (ao se presenciar a morte dos outros ou ao se antecipar a própria morte pela imaginação) constitui o que é provavelmente a situação marginal mais importante. A morte desafia radicalmente todas as definições socialmente objetivadas da realidade – do mundo, dos outros e de si mesmo. A morte põe radicalmente em questão a atitude de ver as coisas como evidentes impostas pela atividade rotineira. Nesse caso, tudo o que há no mundo cotidiano da existência em sociedade é maciçamente ameaçado de ‘irrealidade’ – isto é, tudo naquele mundo se torna incerto, finalmente irreal, diferente do que se costumava pensar. Na medida em que o conhecimento da morte não pode ser evitado em nenhuma sociedade, as legitimações da realidade do mundo social perante a morte são exigências decisivas em qualquer sociedade20.
19 BESSA, Halley A. A morte e o morrer. In: VVAA. Morte e suicídio. p. 13-14. 20 BERGER, Peter L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. p. 57
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Um elemento importante apontado por sociólogos americanos, é que, onde
tentamos escamotear a morte, ela se impõe de qualquer forma como uma criação
empírica revestida de dignidade e de estilo.
Os autores descobrem um ideal da morte que substituiu as pompas teatrais da época romântica e, duma maneira mais geral, a publicidade tradicional da morte. Um modelo novo da morte, que eles exprimem quase ingenuamente, comparando-o com as observações concretas. Vemos assim formar-se um style of dying, ou antes, um acceptable style of living while dying, um acceptable style of facing death. A tônica recai no ‘acceptable’. Importa, na verdade que a morte seja tal que possa ser aceita ou tolerada pelos sobreviventes (...). Reconhece-se aqui, a expressão intraduzível, o embarrassingly graceles dying, o contrário da morte aceitada, a morte que deixa os sobreviventes embaraçados! É para evitar isso que se prefere não dizer nada ao doente. Mas o que importa, no fundo, é menos que o doente saiba ou não saiba do que, se ele sabe, que tem a elegância e a coragem de ser discreto. Comportar-se-á então de maneira que o pessoal do hospital possa esquecer que ele sabe e comunicar com ele como se a morte não rondasse à sua volta21.
Hoje, no contexto familiar hesita-se até mesmo, em muitos casos, em desabafar,
por medo de impressionar as crianças. A emoção não é vista com bons olhos e só se tem
direito à comoção particular às escondidas. Procura-se também se livrar rapidamente da
presença do moribundo e do morto, evitando a percepção da vizinhança. Isto representa
uma perda, pois, nos velórios, os íntimos da pessoa falecida, que geralmente representam
a minoria, sofrem muito, mas, os agregados, a grande maioria, fazem “terapia”
procurando se interiorizar e se reciclar diante da morte do outro. Dizem uns para os
outros: “Não vale a correria da vida”, “não vale a pena se estressar tanto”, “a vida é
muito curta para lutar por coisas banais, depois morremos e fica tudo aí...”. Essa
“terapia” não é condenável e representa uma revisão saudável de vida e uma
homenagem inconsciente à existência. No dizer de Kovács,
negar a morte é dar idéia de força e controle, entretanto uma perda seguida de precária ou ‘má’ elaboração de luto não se permitindo a expressão da tristeza e da dor, tem trazido graves conseqüências como
21 ARIÈS, Philippe. Sobre a História da morte no ocidente desde a Idade Média p. 151-152. Além desta obra, é também relevante: O homem diante da morte. Nestas obras Ariès faz um estudo sobre a história da morte, buscando fontes de diferentes matizes e mostra como a morte foi sendo encarada na cultura ocidental.
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a maior possibilidade de adoecimento. É por isso que a depressão é, atualmente, a doença que mais ocupa os profissionais da área de saúde mental. O luto mal elaborado está se tornando um problema de saúde mental. O luto mal elaborado esta se tornando um problema de saúde pública, dado o grande número de pessoas que adoecem em função de uma excessiva carga de sofrimento sem possibilidade de elaboração. Esse mal também está afetando os profissionais de saúde que cuidam do sofrimento alheio e que, muitas vezes, não têm espaço para cuidar da sua própria dor, levando a seu adoecimento22.
A maioria das situações de perda, seja de uma pessoa íntima ou próxima,
principalmente pais e parentes, requer sua superação através do luto, pois a frustração
não enfrentada causa vulnerabilidade, que parece ser condição básica geradora de
doenças psíquicas. A vivência do luto é importantíssima no contexto da morte.
Berger afirma que é óbvia a importância da religião na elaboração do luto e na
formação de uma consciência social saudável:
A religião mantém, por conseguinte, a realidade socialmente definida legitimando as situações marginais em termos de uma realidade sagrada de âmbito universal. Isto permite ao indivíduo que passa por essas situações a existir no mundo de sua sociedade – não ‘como se nada tivesse acontecido’, o que é psicologicamente difícil nas situações marginais mais extremas, mas por ‘saber’ que mesmo esses acontecimentos ou experiências têm um lugar no seio de um universo que tem sentido. É até possível assim ter ‘uma boa morte’, isto é, morrer conservando até o fim um relacionamento pacífico com o nomos da sociedade a que se pertence – subjetivamente significativo para si mesmo e objetivamente significativo nas mentes dos outros23.
É no contexto de nossa sociedade que endeusa o poder, o ter e o prazer que
surgem questões como a eutanásia. Decorrente desta situação é o fato de que alguns
enfermos chegam a solicitar um fim para sua vida. Porém, em muitos casos, este pedido
pode ser feito por causa da solidão dos ambientes hospitalares. Em alguns casos, quando
um paciente pede a eutanásia, pode na verdade estar pedindo exatamente o contrário,
isto é, melhor assistência, tratamento mais pessoal, mais solidariedade humana.
Qualquer pessoa, que tenha estado muito doente e tenha necessitado repouso e conforto, pode lembrar-se de ter sido posta em uma maca e ter agüentado a estridente sirene da ambulância e a correria louca até o hospital. Apenas os que sobreviveram a isto podem avaliar o desconforto e a fria necessidade de tal transporte, que é apenas o começo de uma longa seqüência – duro de agüentar quando se está
22 KOVÁCS. Maria Júlia. Morte e desenvolvimento humano. p. 24. 23 BERGER, Peter L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. p. 57.
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bem de saúde, difícil encontrar palavras para expressar quando, ao contrário, o barulho, a luz, os aparelhos e as vozes ficam insuportáveis. É possível que fosse melhor darmos mais consideração ao paciente sob lençóis e cobertores e talvez passarmos nossa bem-intencionada eficiência e correria para segurarmos a mão do paciente, sorrir ou prestar atenção a uma pergunta.24.
Tanto o suicídio como o aborto e a eutanásia são intromissões do humano no
tempo de vida. A criatura não pode interferir na vida humana como se ela fosse nada. A
ética, no contexto cristão católico, considera o enfermo uma pessoa cujo cuidado deve
ser privilegiado. A difusão do cristianismo significa, portanto, a desqualificação da
eutanásia. A Igreja Católica lançou em 1985 um documento sobre a eutanásia, onde
lemos o seguinte:
É necessário reafirmar com toda a firmeza que nada, nem pessoa alguma, pode autorizar a morte de um ser humano inocente, seja feto ou embrião, criança ou adulto, velho, enfermo, incurável ou agonizante. Ninguém, além disso, pode pedir esse gesto homicida para si ou para os outros confiados a sua responsabilidade, nem pode consenti-lo implicitamente. Nenhuma autoridade pode legitimamente impô-lo nem permiti-lo. Trata-se, com efeito, de uma violação de uma lei divina, de uma ofensa à dignidade da pessoa humana, de um crime contra a vida, de um atentado contra a humanidade25.
Não somos simplesmente um organismo biológico, mas constituímos um todo,
uno, um nó de relações. Há, sim, a imperiosa necessidade de preservar a vida, mas a
morte é parte do ciclo dela. É necessário reintegrar morte e vida, não como inimigas,
mas como parte integrante da mesma. Ela tem também um aspecto escatológico. Trata-
se de uma reflexão que contrapõe mas associa o destino da sociedade dos vivos.
Porém, ante a iminência de uma morte inevitável, é lícito renunciar a uma
tecnologia duvidosa e agressiva, alienante e desumanizadora, um simulacro que
prolonga precária e penosamente a existência. No dizer da teóloga católica Lisa Sowle
Cahill:
24 KÜBLER-ROSS, Elizabeth. Sobre a morte e o morrer: o que a morte pode ensinar médicos, enfermeiras, padres e suas famílias. p. 17. 25 SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Declaração sobre a Eutanásia. Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19800505_euthanasia_po.html> Acesso em: 07 de maio de 2007, 11:55:24.
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É bom lembrar que a tradição cristã considera a vida um valor fundamental, mas não absoluto. Por isso, provocar a morte pode ser uma forma de respeitar a vida e particularmente a dignidade integral e o bem estar da pessoa, que incluem aspectos espirituais e também físicos. Esta mesma tradição tem-se limitado a permitir a provocação da morte por meios indiretos, embora esse limite seja objeto de contínuas discussões entre os que consideram o alívio do sofrimento um dever de amor que, em casos excepcionais, pode prevalecer sobre o rígido dever de não destruir a vida diretamente26.
A pergunta que devemos fazer na atualidade é se a medicina deve permanecer
como uma profissão humanitária e respeitada, ou como uma nova, porém,
despersonalizada ciência a serviço do prolongamento da vida, em vez de diminuir o
sofrimento humano. A resposta é que a ciência e a tecnologia devem ser usadas para o
prolongamento da vida, porém, não sem torná-la mais humana. Porém, segundo Pessini,
o atual paradigma de saúde deve ser modificado para que isto aconteça. Só assim se
pode resgatar a dignidade do ser humano na última fase da sua vida, especialmente
quando ela for marcada por dor e sofrimento:
Um dos impasses criado na discussão sobre eutanásia e as alternativas é provocado pelo conceito de saúde que se trabalha. Enquanto o referencial para os profissionais da saúde, os familiares e o doente é um modelo da medicina como predominantemente curativa, é difícil encontrar caminho que não pareça desumano, de um lado, ou descomprometido com o valor da vida humana, de outro. Uma luz importante tem sua fonte na mudança de compreensão que vem sendo impulsionada pela redefinição da saúde pela Organização Mundial de Saúde. Em lugar de entender a saúde como mera ausência de doença, propõem-se uma compreensão da saúde como bem-estar global da pessoa: bem-estar físico, mental e social. Quando se acrescenta a estes três elementos também a preocupação com o bem-estar espiritual, cria-se uma estrutura de pensamento que permite uma revolução em termos da abordagem ao doente crônico ou terminal27.
A ortotanásia, capacidade de aceitar com serenidade o acontecer natural da
própria morte, se refere não tanto ao morrer, um acontecimento normal da vida, mas à
forma de morrer como um direito reconhecido também pela Igreja Católica28. A morte, o
26 CAHILL, Lisa Sowle. IN: CONCILIUM. 1985/3 p. 199. 27 PESSINI, Leo e BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. Problemas atuais de Bioética. p. 310. 28 A posição da CNBB é aquela já manifestada outras vezes em documentos da Igreja. Refiro-me, especialmente, à Encíclica Evangelium vitae (O Evangelho da vida, 1995), de João Paulo II, onde o papa, após ter afirmado a clara posição contrária à eutanásia, afirma: “distinta da eutanásia é a decisão de renunciar ao chamado ‘excesso terapêutico’, ou seja, a certas intervenções médicas já inadequadas à situação real do doente, porque não proporcionadas aos resultados que se poderiam esperar, ou ainda
21
último acontecimento importante da vida, há de ocorrer de tal maneira que seja digna da
pessoa humana.
Segundo Pessini, este conceito inclui muito mais que simplesmente morrer sem
dor, pois, vai muito além do bem-estar físico abrangendo também o bem-estar mental,
social e religioso. Ou seja, não é apenas o fato de morrer sem dor, mas, morrer
reconciliado consigo mesmo, com as pessoas ao seu redor, com seu mundo e, para quem
possui fé, com seu Deus.
O Conceito de ortotanásia permite ao doente, cuja doença ameaça gravemente sua
vida ou que já entrou numa fase irreversível, e aqueles que o cercam, enfrentar a morte
concreta tranqüilidade porque, nesta perspectiva, a morte não é uma doença a curar, mas
sim algo que faz parte da vida. Uma vez aceito este fato que a cultura Ocidental moderna
tende a esconder e a negar, abre-se a possibilidade de trabalhar com as pessoas a
distinção entre curar e cuidar, entre manter a vida quando esse é o procedimento correto
e permitir que a pessoa morra quando sua hora chegou29.
Enfim, esta tendência atual, no sentido da morte desaparecer da sociedade como
morte, de se tornar cultual e socialmente invisível é uma das causas da perda da
segurança, assim que se aproxima a morte. Ou seja, estamos vivendo um momento de
perda, de falta de sentido. A morte já não tem sentido e por isso estamos perdendo o
sentido da vida. Faz-se, portanto, necessário uma “educação” para a consciência da
morte a fim de aliviar a pessoa de seu medo e apavoramento diante da morte. Becker
aponta como caminho a religião, o cavaleiro da fé:
Esta é a figura do homem que vive na fé, que entregou o significado da vida a seu Criador, e que existe concentrado nas energias de seu Autor. Ele aceita tudo que aconteça nessa dimensão visível sem queixumes, leva a vida como um dever, enfrenta a morte sem apreensão. Nenhuma insignificância é tão insignificante que ameace os significados dele; nenhuma missão é a ameaçadora demais para
porque demasiado pesadas para ele e para sua família. Nessas situações, quando a morte se anuncia iminente e inevitável, pode-se em consciência renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem contudo interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes” (n° 65). Mais adiante, no mesmo documento, depois de recomendar que seja feito um sério discernimento, por parte dos médicos, sobre as condições do paciente e dos meios terapêuticos à disposição, o Papa afirma: "A renúncia a meios extraordinários ou desproporcionados não equivale ao suicídio ou à eutanásia; exprime, antes, a aceitação da condição humana diante da morte” (n° 65). Esta é, portanto, a posição também da CNBB. D.Odilo Pedro Scherer, Bispo Auxiliar de São Paulo Secretário-Geral da CNBB. Disponível em: http://www.cnbb.org.br. Acesso em: 12 de novembro de 2006, 22:15:10. 29 PESSINI, Leo e BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. Problemas atuais de Bioética. p. 310-311.
22
estar fora do alcance de sua coragem. Ele está completamente no mundo nas condições destes e inteiramente além do mundo em sua confiança na dimensão invisível. (...) O grande vigor de um ideal desses é permitir à pessoa ser franca, generosa, corajosa, tocar na vida dos outros e enriquecê-los, tornando-os francos por sua vez. Como cavaleiro da fé não tem viagem de medo-da-vida-e-da-morte para lançar sobre os outros, ele não os faz se retraírem para dentro de si mesmos, não os coagem nem os manipula. O cavaleiro da fé, portanto, corresponde ao que poderíamos chamar de um ideal de saúde mental, a continuada abertura da vida saindo dos espasmos mortais do pavor30.
2 – A MORTE NO CONTEXTO CRISTÃO CATÓLICO
2.1 - A compreensão da celebração por ocasião da morte no contexto cristão católico
Em todos os povos e em todos os tempos encontram-se ritos relacionados com
os falecidos e com os que choram a morte dos seus entes querido. Na tradição cristã, a
morte sempre foi celebrada como passagem para a vida eterna, chegando o Apóstolo a
desejá-la: “o viver para mim é Cristo e o morrer é lucro” (Fl 1,21).
A primeira notícia que temos do tratamento dos cristãos para com seus mortos
encontra-se em Atos dos Apóstolos, no episódio do martírio de Estevão: “Homens
piedosos sepultaram Estevão e fizeram por ele solene funeral” (At 8,2).
As primeiras comunidades cristãs apontam também para esta reflexão positiva
diante da morte, entendida como participação no mistério de Cristo. Para os primeiros
cristãos, estava muito claro o sentido pascal da morte, pois estavam certos de que as
portas da vida plena foram abertas pontualmente pela vitória de Cristo na cruz.
Temos um comentário de São João Crisóstomo (século IV), que resume bem o
significado das exéquias para o cristão: “Antes para os mortos, havia só demonstração de
dor e de pranto. Hoje há salmos e hinos... Naquele tempo, a morte era o fim. Agora não é
mais assim. Cantam-se hinos, orações e salmos, e tudo isso como sinal de que se trata de
um acontecimento festivo”.31
30 BECKER. BECKER Ernest. A negação da morte. p. 294 31 Cf. JOÃO CRISÓSTOMO, Patrologiae Graecae L, 634.
23
O historiador Philippe Ariès mostra que já na mentalidade da primeira Idade
Média, estava a morte “domada”, aceita, e que o ser humano estava totalmente
familiarizado com ela, convicto de que Cristo ressuscitou, triunfando sobre a morte.
Esta firme confiança levou os cristãos a crerem que o pecado era a verdadeira
morte; já a morte física, biológica, apenas um acesso à vida eterna. Esta maneira de
encarar a morte levou-os a se empenharem e aceitarem a morte com alegria, como um
renascimento.
Passavam deste mundo para o outro como gente prática e simples, observadores dos sinais e principalmente deles mesmos. Não tinham pressa de morrer, mas quando viam chegar a hora, então, sem precipitação nem atraso, exatamente como convinha, morriam cristãos. Mas os não cristãos também morriam simplesmente32.
Esse processo de viver a morte é chamado por Ariès de “morte domada”.
Percebem-se nele características como a simplicidade e a publicidade das cerimônias
referentes à morte. Morria-se em público e de maneira simples. Depois de lamentar a
perda da vida, o moribundo medieval continuava a cumprir ritos habituais: pedia perdão
aos companheiros, despedia-se deles e se recomendava a Deus.
Depois do seu adeus ao mundo, o moribundo recomendava sua alma a Deus. Na canção de Rolando, em que ela é amplamente comentada, a oração final compõe-se de duas partes. A primeira é a culpa. ‘Deus, minha culpa pela tua graça, pelos meus pecados, grandes e pequenos, que pratiquei desde a hora que nasci até este dia em que me fez aqui abatido’ (Rolando). ‘O Arcebispo (Turpin) confessa a própria culpa. Dirige os olhos para o céu, junta as mãos e as eleva. Reza a Deus que lhe dê o paraíso’. Em alta voz [Oliveiros] diz a sua culpa, de mãos juntas levantadas para o céu, e reza a Deus que lhe dê o paraíso. É a oração dos penitentes, dos Barões a quem Turpin dava absolvição coletiva: ‘Declarai as vossas culpas’33.
Os atos realizados pelo moribundo tinham quase sempre caráter cerimonial
ritual no testamento medieval: a profissão de fé, a confissão dos pecados, o perdão dos
sobreviventes, a disposições piedosas que lhe diziam respeito, a recomendação da sua
alma a Deus, a eleição da sepultura.
Segundo Ariès, essa atitude diante da morte é específica de um período
histórico bem delimitado. Aparece mais nitidamente em toda sociedade no séc. V d. C, 32 ARIÈS, Philiphe O homem diante da morte. p. 11-12 33 Ibidem. p.19.
24
muito diferente das que tinham precedido, e desaparece no final do séc. XVIII sem
deixar traços nos nossos hábitos contemporâneos.
Com o século XVII, na Europa medieval, as mudanças já estavam agindo,
lentamente, no sentido de uma morte vista com maior dramaticidade, individualidade.
Thanatos e Eros conviviam situações que vão se firmando até meados do século XVIII.
Tal como ato sexual, a morte é cada vez mais considerada, a partir de então, como uma
transgressão que arranca o ser humano da sua vida cotidiana, da sua sociedade racional,
do seu trabalho monótono, para submetê-lo a um paroxismo e o lançá-lo então para um
mundo irracional, violento e cruel.
A morte no leito tinha noutros tempos a solenidade, mas também a banalidade, das cerimônias sazonais. A morte era aguardada e as pessoas entregavam-se então aos rituais previstos pelo costume. Ora, no séc. XIX, uma paixão nova se apodera dos presentes. A emoção agita-os, eles choram, rezam, gesticulam. Não recusam os gestos ditados pelo uso, bem pelo contrário, mas retiram-lhes o seu caráter banal e costumeiro. Descrevem-nos a partir de então como se tivessem sido inventados pela primeira vez, espontâneos, inspirados por uma dor apaixonada, única no gênero34.
Ariès mostra que com o século das luzes e do barroco, a morte começa a ser
dramatizada, exaltada. Toma sentido então a morte do outro, assumindo caráter de
ruptura. A morte passa a ser a partir daí, em sua grande maioria, indesejável, embora
admirada pela beleza que lhe dá o romantismo.
Este exagero do luto no séc. XIX é rico de significado. Quer dizer que os sobreviventes aceitam a morte do próximo mais dificilmente do que noutros tempos. A morte temida não é, por conseguinte, a morte de si mesmo, mas a morte do outro35.
A morte do século XIX é acompanhada no leito do moribundo, por ritos e
manifestações de choros, gestos dramáticos, que o autor justifica pela religião emotiva
do catolicismo romântico e do pietismo protestante.
É observada, a partir da metade do século XX, uma revolução brutal e rápida
nas idéias e sentimentos coletivos tradicionais.
34 ARIÈS, Philippe. Sobre a história da morte no ocidente desde a Idade Média. p.45. 35 Ibidem. p. 48.
25
A primeira motivação da mentira foi o desejo de poupar o doente, de assumir a sua provação. Mas, desde muito cedo, este sentimento cuja origem nos é conhecida (a intolerância da morte do outro e a confiança renovada do doente no seu círculo familiar) foi recoberto por um sentimento diferente, característico da modernidade: evitar, já não ao doente, mas à sociedade e ao próprio círculo de relações, o incômodo e a emoção demasiados fortes, insustentáveis, provocados pela fealdade da agonia e a simples presença da morte em plena vida feliz, pois se admite agora que a vida é sempre feliz ou deve parecê-lo sempre36.
A morte se torna então no senso comum vergonhosa e proibida, passando a ser
um evento técnico. Por isso se oculta do doente a eminência da morte. Morre-se só e em
um hospital.
Quanto à cerimônia por ocasião do sepultamento, Ariès mostra que a deposição
no túmulo dos santos aparece muito cedo. O túmulo é um sarcófago, colocado no chão
ou meio enterrado: o corpo é envolvido por um lençol (sudário), mas sempre com o rosto
descoberto, é depositado sobre o sarcófago aberto; havia a participação do clero (o
celebrante, os que carregam o livro, a bacia de água benta e o hissope, o turíbulo, por
vezes o que traz a cruz e o que leva os círios); terminada a cerimônia, o corpo era
baixado ao fundo do sarcófago, que seria então tampado37.
Essa cerimônia muito simples (a absolte e as orações que a acompanhavam, seguiam e precediam) era então a única em que o clero intervinha para uma ação religiosa que tinha por fim resgatar os pecados do defunto; era repetida muitas vezes, como se a repetição lhe desse mais probabilidade de ser eficaz. Essa observação parecerá contradizer documentos litúrgicos dos séculos V-VII, que era excepcional e, de qualquer modo, não era celebrada de corpo presente, nem associada ao trajeto do corpo entre o local da morte e o da sepultura38.
Assim, a cerimônia propriamente religiosa estava reduzida à absolvição. Ao que
tudo indica, não havia missas ou, se as havia, passavam despercebidas. As outras
manifestações, o luto e o cortejo eram somente de leigos, sem participação de
eclesiásticos (salvo se o defunto fosse clérigo), reservadas aos familiares e aos pares da
pessoa falecida, que aproveitavam assim a ocasião para lamentá-lo, louvá-lo e prestar-
lhe homenagens. 36 Ibidem. p. 55-56. 37 ARIÈS, Philiphe O homem diante da morte. Op.cit. p.152. 38 Ibidem. p. 153.
26
Mudanças importantes, porém, vão intervir nas versões litúrgicas desse modelo,
que expressam em linguagem da Igreja uma nova concepção do destino.
Na tradição pagã, traziam-se oferendas aos mortos para aplacá-los e impedi-los de voltar à casa dos vivos. As intervenções dos vivos não se destinavam a lhes melhorar a estada no mundo atenuado dos infernos. A tradição judaica nem conhecia essas práticas. O primeiro texto judeu que a Igreja considerou como origem das orações pelos mortos é o relato dos funerais dos Macabeus, que data apenas do século I antes de Cristo. A crítica moderna distingue nesse relato duas partes: uma, antiga, em que a cerimônia era destinada a expiar o pecado de idolatria cometido pelos mortos: encontraram-se sobre seus corpos amuletos pagãos. A outra, que seria um acréscimo, faz entrever a idéia de ressurreição: ressuscitarão apenas os que foram libertados dos seus pecados. Era a razão por que os sobreviventes suplicam ao Senhor. Nas religiões de salvação, como os mistérios dionisíacos, o pitagorismo, os cultos helenísticos de Mithra e de Ísis, existiam, pelo contrário, preocupação com a sobrevivência do defunto e necessidade de facilitá-la por meio de ritos religiosos. É certo que originariamente a Igreja primitiva interditou as práticas funerárias matizadas de paganismo, fossem as grandes lamentações dos carpideiros, ou fossem as oferendas sobre os túmulos que Santa Mônica ainda praticava, antes de tomar conhecimento da interdição por Santo Ambrósio: o refrigerium. A Igreja substituiu as refeições funerárias pela Eucaristia celebrada nos altares situados no cemitério39.
Ao que tudo indica, a prática cristã da oração pelos mortos origina-se na
tradição judaica (Cf. 2 Mac12,38s.), com influência pagã. Sua primeira forma, porém, é
mais uma comemoração do que uma intercessão, já que os sobreviventes não tinham
qualquer razão para se inquietarem pela salvação dos seus mortos; estes, segundo a
concepção da época, já estavam salvos.
Contudo, as pessoas falecidas não iam diretamente para o Paraíso; admitia-se
que só os santos mártires e confessores tinham o privilégio de gozar da visão beatífica
imediatamente após a morte.
Sem dúvida, os autores eruditos, desde o final do século V, já não admitiam essa concepção, e acreditavam na entrada direta no Paraíso (ou na rejeição no Inferno). Sugerimos, porém, que a idéia primitiva de um espaço de espera poderia estar na origem do Purgatório, tempo de espera num fogo não mais de suplício, mas de purificação. Pode ter havido, na crença banal, uma confusão entre a idéia de refrigerium, requies, seio de Abraão, e a idéia nova de purgatório40.
39 ARIÈS, Philiphe O homem diante da morte. p. 158. 40 Ibidem. p. 159.
27
Acontece, porém, que em determinado momento o povo de Deus altera a
confiança primordial e se torna menos seguro da “misericórdia divina”, aumentando seu
receio de condenação, de ser abandonado ao poder de Satanás.
Efetivamente na piedade comum, as missas cemiteriais foram associadas, ao
mesmo tempo, ao culto dos mártires e à memória dos mortos menos veneráveis. Essa
situação fez surgir tanto na liturgia fúnebre como na liturgia a leitura dos nomes das
pessoas falecidas. Não é por acaso que a intercessão pelos defuntos apareceu ao mesmo
tempo em que os penitenciais, sendo cada pecado avaliado e a pena fixada em
conseqüência.
Pode-se dizer, de forma geral, o seguinte: até Carlos Magno, a missa galicana, visigótica, era a oferenda da humanidade universal, desde a Criação e Encarnação, sem se fazer diferença, senão formal e classificatória, entre vivos e mortos, santos canonizados e outros defuntos. Depois de Carlos Magno, a missa, todas as missas, tornaram-se missas de mortos, em favor de certos mortos, e também missas votivas em intenção de certos vivos, estes e aqueles sendo escolhidos com exclusão dos outros41.
Essa atitude diferente e nova dá, na Liturgia romana, um sentido novo ao
“memento” dos mortos. A solidariedade espontânea dos vivos e dos mortos foi
substituída pela solicitude com relação às almas ameaçadas. Talvez seja por isso que o
período que se estende do século IX ao XVI foi um período de exploração das
indulgências.
Outro elemento que ganhou importância a partir do século XIII foi a procissão
solene do cortejo, imagem simbólica da morte e dos funerais.
O cortejo se tornou, a partir do século XIII até o século XVIII, uma procissão de padres, monges, portadores de círios, indigentes figurantes contrafeitos e solenes; a dignidade religiosa ou o canto dos salmos substituíram as lamentações e os gestos de luto42.
Ao mesmo tempo em que a vigília, o luto e o cortejo se tornaram cerimônias da
Igreja, o corpo da pessoa morta começa a se tornar insuportável à vista. Foi retirado aos
olhares, escondido numa caixa sob um monumento, onde não é mais visível.
41 Ibidem. p. 161-162. 42 Ibidem. p. 179.
28
A prioridade do catafalco sobre as outras imagens da morte é devida à importância exorbitante tomada dali por diante pelas cerimônias solenes e comuns que se realizavam na igreja. Os ritos antigos dos funerais, que se contentavam em acompanhar o corpo do leito ao túmulo, sem outra forma de cerimônia senão as duas absoutes da morte e da sepultura, ficaram submersos a partir dos séculos XII e XIII, por uma quantidade fantástica de missas e serviços prescritos pelos defuntos nos seus testamentos. Durante meio milênio, do século XII a XVIII, a morte foi essencialmente oportunidade de missas43.
Assim, a partir do século XVII, quando uma pessoa falecia, começava uma
série de missas, iniciando-se pelas de “corpo presente”e prolongando-se com a
sucessão de missas solenes e as missas comuns da intercessão. Daí, a importância destas
celebrações e do papel do cerimonial da morte até nossos dias.
2.2 – O sepultamento no contexto cristão católico
Quanto à questão do sepultamento, é interessante observar a evolução, marcada
por uma mudança radical de mentalidade. Nos primeiros séculos da era cristã, havia
uma familiaridade com a morte, porém, uma dificuldade em relação à vizinhança com os
mortos, principal razão pela qual os sepultavam nos campos, fora das “cidades”. Isto
tinha raízes mais antigas.
A antiguidade greco-romana tinha proibido enterrar no interior do pomerium: os túmulos estavam dispostos ao longo das estradas que saíam da cidade. O cristianismo primitivo também não admitia o enterramento nas igrejas, salvo determinadas exceções. Mas o sentimento foi mais forte do que as interdições canônicas e transformou as igrejas e as dependências numa concentração incrível de cadáveres e ossadas44.
No contexto cristão, passou-se rapidamente da antiga repugnância aos mortos -
em parte por causa do mau cheiro, em parte porque temiam sua volta - para uma
familiaridade muito grande com os mortos. Os cristãos estavam persuadidos dos efeitos
propícios da vizinhança com os corpos dos fiéis ao mártir, como se percebe no
comentário de Ariès:
43 Ibidem. p. 184. 44 ARIÈS, Philiphe Sobre a história da morte no ocidente. p. 126.
29
A escatologia cristã popular começou por se acomodar às velhas crenças telúrgicas. Foi assim que muitos estavam convencidos de que só ressucitariam, no último dia, os que tivessem recebido sepultura adequada e inviolada (...) a origem do costume que se irá generalizar, é, enterrar os mortos perto dos túmulos dos mártires, os únicos entre os santos (isto é, os crentes) de cujo lugar imediato no paraíso se estava certo, velariam os corpos e repeliriam os profanadores (...) O principal motivo do enterro ad sanctos foi assegurar a proteção do mártir, não só o corpo mortal dos defuntos, mas também ao seu corpo inteiro, para o dia do despertar e do julgamento45.
Assim, os mortos, já misturados aos habitantes dos bairros suburbanos pobres,
foram introduzidos no coração histórico das cidades; e as basílicas, destinadas aos
peregrinos, logo foram invadidas pelos mortos, tornando-se basílicas cemiteriais, na
maioria dos casos, sede de poderosas abadias de monges ou monjas. Mesmo havendo
diversas proibições de Igrejas locais para as sepulturas no interior das igrejas [Mayence
(813), Tribur (895), pseudo concílio de Nantes (900), Rouen (1581), Reims (1683)].
Segundo Ariès, apesar das proibições, a realidade era bem o contrário:
A prática constante, desde a antiguidade cristã até o séc. XVIII foi, portanto, certamente a de se enterrar nas igrejas, verdadeiras necrópoles, e se os padres conciliares mantinham coletivamente nos seus estatutos uma posição jurídica intransigente, os mesmos pontífices piedosos, agindo pessoalmente, eram os primeiros a esquecê-la nos seus atos pastorais (...) Thomassim (séc. XVII) comenta, bastava aos leigos na Itália terem uma vida cristã e morrido no caminho da salvação para tornarem úteis e salutares as sepulturas que tinham escolhido na igreja, apesar das proibições canônicas.46
A igreja tornou-se assim, ao mesmo tempo, casa dos mortos e casa dos vivos.
O mesmo sentimento que atraía os sarcófagos das primeiras eras cristãs aos martyria
sempre impeliu os homens da baixa Idade Média a escolher sepultura na igreja ou do
lado dela.
No séc. XVIII, sob a influência da reforma católica, se dá nova evolução.
A religião já não dá tanta importância ao túmulo, nem ao seu lugar junto aos santos, nem à sua função de súplica aos vivos. Pelo contrário, recomenda antes a indiferença em relação à sepultura. O cemitério
45 ARIÈS, Philiphe O homem diante da morte. p. 37. 46 Ibidem. p. 54.
30
conta menos na sensibilidade religiosa. Embora continue a ser terra da igreja, seculariza-se visivelmente47.
A partir daí, as sepulturas vão se tornando individualizadas e visíveis, marcando
a lembrança da pessoa falecida. Na evolução para os séculos seguintes, surge o culto
contemporâneo dos túmulos individuais ou familiares, da sepultura como propriedade
particular e perpétua e o culto da saudade, com periódicas visitas aos cemitérios.
Outra questão séria em nossa sociedade atual é o fato de que a morte tornou-se
também um negócio empresarial. Principalmente na sociedade urbana houve uma série
de intervenções, criando novas atitudes funerárias; a necessidade do lucro impede o luto,
pois se procura livrar rapidamente do moribundo e do morto para buscar novos clientes.
Há também toda uma especulação imobiliária que tornou os cemitérios
inacessíveis aos mais pobres, sujeitos ainda à exumação rápida, criando situações
desumanas e levando à destruição de sua memória.
3 – A NEGAÇÃO DA MORTE NO CONTEXTO DE UM
CRISTIANISMO MAL INICIADO.
Uma das causas do medo e da tentativa de fuga da morte está numa pseudo-
exegese que não compreendeu a intencionalidade dos relatos evangélicos acerca da
ressurreição. Soma-se a isto, o exagero de certas pregações que enfatizaram demasiado o
castigo e o inferno, apresentando-os como realidade absoluta de condenação. No caso do
Brasil, temos ainda o influxo de culturas e doutrinas diversas, como a indígena e
africana, que fez surgir uma dicotomia entre o conteúdo da fé e o agir cristão.
A maior dificuldade encontra-se na forma como foi realizada a iniciação na fé
cristã. Na tradição cristã das origens, esse processo era realizado por um itinerário
catecumenal chamado Iniciação Cristã, que culminava com a participação plena no
Mistério Pascal celebrado nos sacramentos, configurando os cristãos à morte e
ressurreição de Cristo pelo dom do Espírito. Isso dava um embasamento para a fé e
levava a um testemunho pessoal do mistério.
47 ARIÈS, Philiphe Sobre a história da morte no ocidente. p. 127.
31
A vida litúrgica baseia-se necessariamente nessa compreensão teológica do
Mistério revelado em Jesus Cristo. Os sinais litúrgicos deveriam ser compreendidos pelo
povo que celebra. A renovação litúrgica coroada pelo Concilio Vaticano II deu o grande
impulso para isto, cabendo hoje à Iniciação Cristã cumprir esta tarefa e libertar os fiéis
de um indiferentismo religioso.
Os problemas derivados desse indiferentismo religioso estão na inadequada
iniciação cristã48. Refiro-me às catequeses de iniciação ao mistério cristão (catequeses
mistagógicas), que constituem um verdadeiro catecumenato. A fé em Jesus Cristo é a
porta de entrada interior e pessoal à iniciação cristã. Deve-se estabelecer o itinerário de
iniciação que ilumine as pessoas exatamente no sentido de se apropriarem no sentido
mistagógico daquilo que está sendo celebrado.
O sentido dos sacramentos é a inserção do homem no mistério pascal de Jesus
Cristo. Ser iniciado é ser iluminado com o dom da fé para reconhecer a atuação salvífica
do Senhor nos sinais sacramentais que levam à participação no Mistério trinitário de
salvação, que conseqüentemente produzem a transformação da natureza humana.
O termo “iniciação” quer expressar que o individuo está ingressando na Igreja,
mergulhando no mistério pascal e adquirindo a sua linguagem simbólica. Porém, a
grande maioria dos cristãos carece dessa compreensão, devido às falhas no processo da
Iniciação, como afirma Gabriel:
Se chegarmos à conclusão de que uma das dificuldades da iniciação está no depois, ou seja, no tempo de mistagogia, precisaremos fazer um levantamento dos símbolos que realmente são representativos para o povo e para isso não se deve buscar longe, basta ter um olhar acurado e uma atenção misteriosa para os sinais dos tempos nos lugares. A mistagogia remete ao entendimento de que todo cristão está sendo iniciado a todo tempo e como tal necessita alimentar dos ritos que mantém vivos os seus mitos. Alguns autores dizem que é a rotina quem dá sustância as representações da vida. Desejou-se tanto entrar na comunidade, agora é manter-se nela. Será esta a conclusão? Perguntaremos primeiro que tipo de comunidade as pessoas estavam buscando quando procuram a comunidade cristã católica. Será que foi a comunidade que lhe apresentamos ou que lhes tinham nos seus corações e mentes? Fica-se no meio do caminho e não se conclui o processo de iniciação simplesmente porque não se consegue ritualizar
48 Por Iniciação Cristã, a tradição Cristã designa o conjunto que constituem Batismo-Crisma-Eucaristia. Iniciação não deve ser tomada aqui no sentido corrente de primeira introdução, mas, no sentido forte de admissão à plena participação no Mistério Pascal de Cristo. Nele o fiel torna-se um membro ativo e autêntico da Igreja, perfeitamente apto para viver plenamente na vida de Cristo, em seu lugar no corpo eclesial.
32
o depois, porque as pessoas não fazem uma verdadeira experiência da comunidade enquanto o lugar do encontro com a divindade que se dá quando do mergulho em si mesma através do espelho representativo das outras pessoas e coisas49.
A Iniciação Cristã é uma marcha gradativa, com etapas, segundo o crescimento
humano. Ela nos introduz progressivamente no Corpo Místico e paralelamente na cultura
humana, em nossa responsabilidade pessoal na sociedade. Tudo converge para a fé e
para a vida da fé, pois, são à base de todo edifício. A catequese alimenta a fé e ajuda a
vivê-la. O Batismo é como que um sinônimo da fé, a Confirmação, a busca da
conformação da vida com a fé, e a Eucaristia, a realimentação pascal da fé e dos
compromissos batismais confirmados pela Crisma.
Porém, nossa complexa e pluralista sociedade moderna, geradora de mundos e
submundos culturais traz dificuldades para que a fé em Cristo penetre na vida real,
estruturando as pessoas e orientando-as em suas opções. Aqui reside a necessidade do
tema da inculturação da fé, o imperativo de aceitá-la na liturgia, na catequese, na
formação religiosa, enfim na atividade eclesial.
Esta dificuldade de iniciação à fé juntamente com uma conceituação errada de
Deus faz com que as pessoas acreditem que a doença e a morte são “mandatos divinos”.
É comum os familiares afirmarem: “seja como Deus quer”, “paciência... Deus quis
assim”, “temos que nos conformar com a vontade de Deus”.
Para muitos a morte sempre vem de Deus: ‘Deus sabe o que faz’, ‘Deus é quem quis’, ‘Deus chama para si’. Essa é uma maneira de integrar a morte no curso da vida e sair de forma positiva da crise provocada por ela. Parece que a maioria procura aceitar e se conformar com a morte. Para as novas gerações, contudo, é difícil compreender um Deus que interrompe a vida humana, arranca a pessoa de suas relações afetivas, ou permite a morte injusta, prematura, violenta50.
Há ainda uma forte correlação entre as ameaças religiosas da doutrina sobre a
vida depois da morte e o medo da morte. Segundo Renold Blank51, que fez uma pesquisa
49 FILHO, Gabriel. Elementos antropológicos dos ritos de iniciação cristã. In: COMISSÃO REGIONAL DE LITURGIA NORDESTE 3 . Liturgia e inculturação. p. 43 50 ORMONDE, Domingos. Celebrações durante a semana pelos falecidos. Revista de Liturgia, n. 149, [set./out.] 1998, p. 27-28. 51 Cf. BLANK, Renold J. Esperança que vence o temor: o medo religioso dos cristãos e sua superação. p. 54.
33
na cidade de São Paulo, para muitas pessoas, na atualidade, a Boa Nova da religião se
converteu em mensagem sombria de temor e ameaça.
Dos textos da Sagrada Escritura se fez um gabinete de terror jurídico, de tal
maneira que o Evangelho se transformou numa ameaça muito distante da mensagem de
Jesus.
As imagens espantosas da literatura apocalíptica do Juízo Final e da punição cruel dos pecadores... não alcançaram o objetivo pedagógico para o qual eram compostas... Elas eram, porém, o motivo principal que faz com que, sob o efeito do pensamento moderno emancipatório, a morte se torne tabu também para os cristãos. O conteúdo da esperança cristã individual, de que a morte é encontro com Jesus e permanência com ele, ficava para muitos cristãos atrás das imagens espantosas apocalípticas52.
Uma outra questão é que, na pós-modernidade, o “inconsciente coletivo” em
plena era digital, diante das imagens da fé se sente de repente posto em meio a contos de
fada. Muitos já não conseguem compreender essas imagens e, segundo Renold Blank53,
o resultado é, em muitos casos, a rejeição ou a alienação.
É necessário, pois, conhecer a atitude do povo que tem fé e daqueles que a
perderam, em seus vários estratos, para responder aos seus anseios em face da situação
da morte, pois só assim haverá condições para se elaborar estratégias de superação dessa
dicotomia entre fé professada e vida cotidiana, como foi o desejo do Concílio
Ecumênico Vaticano II54.
Conhecendo as verdadeiras angústias diante dessa questão, será possível superar um discurso alienante e individualizante, invertendo, assim também, o desinteresse e a fuga de tantos cristãos, confrontados com situações injustas e desumanas55.
52 VORGRIMLER, H.. Der Tod im Denken und Leben desCristen, Düsseldorf. In: BLANK, Reinold. Op. cit. p. 32-33. 53 BLANK. Esperança que vence o temor. p. 9. 54 “Não erram menos aqueles que, ao contrário, pensam que podem entregar-se de tal maneira às atividades terrestres, como se elas fossem absolutamente alheias à vida religiosa, julgando que esta consiste somente nos atos de culto e no cumprimento de alguns deveres morais” (GS 333). 55 BLANK. Esperança que vence o temor. p. 10.
34
O contexto da sociedade pós-moderna nos levou ao enfrentamento da morte
como fim trágico. Esse medo contrasta totalmente com uma escatologia convincente que
transparece na teologia paulina e em outros textos da Sagrada Escritura.
No que diz respeito à ansiedade quanto à morte, não distinguem de maneira significativa os católicos de todos aqueles que não praticam a religião. Este resultado é preocupante quando se lembra da atitude dos primeiros cristãos, para os quais o reencontro com Jesus na morte era visto a partir de um enfoque festivo, como reencontro com aquele que sempre os amou. Era esta a convicção que distinguia os cristãos daqueles que não tinham fé56.
O silêncio sobre a morte tornou-se, assim, imposto, principalmente porque a
sociedade se acha desenraizada do contexto teológico cristão. O rito de nossas
celebrações, principalmente as exequiais, passou a quase um teatro, onde o presidente da
celebração executa, em muitos casos, um monólogo com menos caracterização ritual e
mais aporte social.
Numa sociedade que perdeu a ritualidade frente à morte, o tema permanece um
tabu, porque traz à tona a impotência da humanidade diante da própria finitude. Há
também falha de catequese e de maior empenho da pastoral litúrgica para que os textos
se tornem subsídios de celebrações vivas, onde fé e vida se entrelacem e cresçam cada
vez mais.
Romper com estes entraves que levam muitos a assumirem a morte neste
sentido negativo, como um tabu, deve constituir o objetivo pastoral da Igreja, pois negar
a morte ou buscar viver a ausência quando alguém está morrendo, não é atitude de
alguém que conhece a “Esperança Cristã”. Esta, por sua vez, é essencial para a reta
aplicação da proposta do ritual de exéquias que, se “bem” celebrado, tem a possibilidade
de oferecer esperança para quem está vivenciando a experiência da morte de um ente
querido.
Renold Blank, analisando a situação da morte na sociedade atual, constata o
fato de que muitas pessoas, inclusive entre as que se consideram cristãs, não aceitam a
realidade da morte como passagem para a vida plena em Deus:
56 Ibidem. p. 28.
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CAPÍTULO II
O SENTIDO PASCAL DA MORTE EM ALGUMAS FUNDAMENTAÇÕES BÍBLICAS E NA LITURGIA
A crise da Iniciação Cristã gerou a crise atual em relação à morte. E o problema
da morte não se resolve sem a fé e a consciência clara do que significa de fato a
ressurreição dos mortos, enquanto evento pascal de suma grandeza. Por isso iniciaremos
este capítulo tratando deste assunto.
1 – A PERSPECTIVA DA RESSURREIÇÃO NO CONTEXTO
BÍBLICO
A morte atinge o homem bíblico no mais profundo do seu ser, pondo-lhe
interrogações e despertando reações complexas e contraditórias. Contudo, a morte não
pode compreendida sem antes ressaltarmos a importância que tinha a vida nas liturgias
de Israel. Desta forma, a vida era essencialmente celebrada, enquanto a morte
plenamente pranteada. E o caminho que evitou que estas atitudes contraditórias se
tornassem dicotômicas foi a fé na ressurreição, conquistada aos poucos. Vamos
primeiramente olhar como as celebrações de Israel, ao comemorar as maravilhas de
Yahweh, ressaltavam o valor da vida e da luta por ela.
1.1 – Israel e suas liturgias
O que unia a federação das tribos era um elo religioso expresso e reforçado
pela participação de todos no culto comum do santuário. Tornaram-se, desta forma, um
povo celebrante de uma liturgia que era o lugar privilegiado de encontro com Deus.
Nesta liturgia estão resumidos e reunidos os inexauríveis tesouros bíblicos e espirituais,
que desde o início da História da Salvação até hoje inspiram e alimentam.
Daí a primeira e fundamental importância do momento litúrgico, tomado como lugar simbólico e imediato do encontro com Deus, o
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lugar onde não se fala de Deus, mas se fala a Deus, no qual não se pensa em Deus, mas se pensa diante de Deus, onde Deus não é objeto de reflexão, mas sujeito que nos dirige a palavra. É este espaço, feito de ações, de palavras, de músicas, de movimentos, de atenção, de narrações, de silêncios, de mitos e ritos, o espaço histórico privilegiado, no qual Israel fez a experiência do encontro com Deus e aprendeu a compreender-se e a compreendê-lo com as diversas categorias da escolha, da aliança, da vocação, da reconciliação etc.59
Essa experiência de Deus moldou um povo que encarava a vida de uma maneira
sadia e positiva. Sonhava em prolongar seus dias neste mundo, para desfrutar todos os
recursos oferecidos pelo Criador, a fim viver muitos anos sobre a terra herdada de seus
pais, assegurar descendência e trabalho cotidiano com numerosos filhos, ver o resultado
de seus esforços (colheita abundante e rebanho fértil) e, finalmente, compartilhar essas
bênçãos com toda a cidade Deus.
A vida do povo escolhido não depende, portanto de ritos mágicos nem de uma fusão mística na divindade, mas sim de um diálogo no qual Yahweh toma a palavra para revelar, em primeiro lugar, o que Ele é “Eu sou...” e declara, imediatamente, o que espera de seu povo: “Tu deves...”. Israel demonstra, através de sua resposta, se deseja ser uma nação santa, ou seja, se aceita ou rejeita a existência que o Deus vivo lhe oferece e é justamente por isso que a vida se confunde, para os homens do Antigo Testamento, com a obediência aos mandamentos divinos.60
Para eles a vida não é simplesmente a existência, mas uma força atuante.
Diferentemente de um romantismo, que busca alcançar a essência das coisas na morte,
acredita que a própria vida é a realidade por excelência. Por isso viver é mais do que
existir. Sua oração de benção exprime bem isto:
A berakah define a triplece relação: com Deus, com o mundo e com seus semelhantes. Mais, porém do que a tríplice relação trata-se, na realidade, de uma única relação, que se poderia definir com triangular. A berakah não somente impede que se separe Deus do homem (teologia especulativa) e do mundo (teologia desencarnada), nem o homem de Deus (antropologia Ateia) e do mundo (antropologia pseudo-espiritual), nem o mundo de Deus (cosmologia securalizada) e do homem (cosmologia estetizante), mas mantendo unidos e inseparáveis os três pólos, fixa suas condições, graças as quais permanecem na verdade. Em relação o homem e ao mundo, Deus é “a fonte” e a “norma”: cria o homem e o mundo e estabelece sua
59 DI SANTE, Carmine Liturgia Judaica: fontes, estruturas, orações e festas. p. 15. 60 MARTIN ACHARD, Robert. Da morte à ressurreição segundo o Antigo Testamento. p. 30.
38
modalidade de uso fruto e de multiplicação. Em relação a Deus e ao mundo o homem é o interprete e o beneficiário: é objeto da atenção divina e destinatário dos bens da terra. Em relação a Deus e ao homem, o mundo é sacramento e dom; sinal da benevolência divina e dom concreto para o homem. Com a oração de benção, o Israelita reconhece esses três pólos e a qualidade de suas relações61.
Duas características mostram a especificidade do culto do Antigo Testamento: a
veneração do Deus dos Pais e o culto a Iahweh. A veneração ao Deus dos pais constitui
um monoteísmo fortemente enraizado no coração de um povo e que se dirige ao “Deus
de Abraão, de Isaac e de Jacó” (Ex 3,16). O culto a Iahweh está ligado à saída do Egito e
à Aliança do Sinai: “Sou eu Iahweh, que te fez sair do País do Egito” (Ex 20,2).
Podemos ver aí um forte acento de unidade e comunhão com o Deus da vida, o qual faz
o homem atravessar todos os limites que se impõem diante do seu crescimento em
direção à liberdade e à expansão dos valores humanos e sociais.
Esta forma de cultuar a Deus concede à existência humana qualificações
positivas, buscando um desenvolvimento harmonioso de todas as suas faculdades, a total
realização de todas as suas possibilidades: pressupõe o êxito, a estabilidade, a segurança
e manifesta-se na alegria e na vitória, ou seja, a vida tem relação com todos e com cada
um dos aspectos da existência humana e tudo o que interessa ao povo de Deus serve para
expressá-la. Segundo Martin-Achard, por que:
O Antigo Testamento é uma religião de Esperança. Esta característica, muito valiosa, concede a Israel a maneira como considera a vida sã e equilibrada, pois os israelitas não parecem cair nem no culto da força vital, nem no desprezo pela vida humana, na medida em que se deixam guiar pelos enviados de Yahweh. Então aceitam a vida na esperança do cumprimento da Palavra de seu Deus vivem o momento presente reconhecendo nele os sinais da benevolência ou da ira divina, sem deixar de estar atentos à conclusão final da história62.
Três eram as festas de peregrinação que levavam as multidões a Jerusalém:
Páscoa, Pentecostes, Tendas; outras duas: o grande Dia das Expiações e a Dedicação,
diziam respeito ao templo, de maneira privilegiada.
A Páscoa comemorava na primavera a libertação do cativeiro do Egito.
Despertava também a consciência da libertação messiânica. O banquete da festa tinha
61DI SANTE, Carmine. Israel em oração: As origens da liturgia cristã. p. 47. 62 MARTIN-ACHARD. Robert. Da morte à ressurreição segundo o Antigo Testamento. p. 31.
39
caráter familiar, mas os cordeiros deviam ser imolados no adro interior do templo. A
festa dos pães sem lêvedo ou ázimos, ligada à Páscoa, durava sete dias.
Na festa de Pentecostes, também chamada de festa das sete semanas, cinqüenta
dias depois da Páscoa, ofereciam-se no templo as primícias da colheita de trigo. Mais
tarde, esta festa será ligada com o dom da Lei no Sinai.
A festa das Tendas, celebrada no outono, no fim das colheitas e das vindimas,
tinha caráter popular e muito alegre. Ofereciam-se a Deus os produtos do solo. Vivia-se,
durante sete dias, em barracas para se lembrar o tempo do deserto. A festa incluía ações
de graças pelos bens da terra, procissões com palma, preces para pedir a chuva e
iluminações. Ela se enriqueceu com uma significação messiânica utilizada pelo Novo
Testamento, na entrada de Jesus em Jerusalém, com o cortejo de ramos.
O Yôm Kippur, o grande Dia das Expiações, era celebrado cinco dias antes da
festa das Tendas. Incluía um jejum rigoroso e sacrifícios pelos pecados. O sumo
sacerdote, obrigatoriamente, devia presidir a celebração neste dia, o que ele fazia, em
outras ocasiões, sem obrigatoriedade. Ele sacrificava um touro pelos seus próprios
pecados e pelos de sua família e um bode pelos pecados do povo. Entrava com o sangue
das vitimas, unicamente naquele dia, no Santo dos Santos, onde se julgava que Deus
habitava, para realizar uma aspersão de purificação do santuário. Um segundo bode, o
famoso “bode expiatório”, era carregado com os pecados da nação e enviado ao deserto,
mais ou menos a seis quilômetros de Jerusalém.
A Festa da dedicação, celebrada no fim de dezembro, durava oito dias.
Comemorava-se a nova consagração do templo, feita em 164 a.C., depois de sua
profanação durante a perseguição de Antíoco Epífanes. Flávio Josefo denomina-a a festa
das luzes. Levavam-se ramos e ofereciam-se sacrifícios. Acendiam-se lâmpadas diante
das casas. Uma para cada dia, nos oitos dias da festa. Josefo via nisto o sinal de que a
liberdade tinha resplandecido.
A Festa dos Purim (sortes) comemora, nos dias 14 e 15 de adar (mês de
fevereiro-março), a libertação do extermínio de que fala o livro de Ester. Era uma
espécie de carnaval judaico, pouco religioso e pouco apreciado pelos saduceus.
Havia também nas práticas familiares ou privadas a piedade judaica como a
recitação do Shemá, duas vezes por dia (Dt 6,4-9; 11,13-21; Nm 15,36-41) voltados em
direção ao templo; preces pessoais improvisadas; salmos; orações antes e depois das
40
refeições e o jejum, para espiar as faltas e obter ajuda do céu (os fariseus jejuavam, as
terças e quintas-feiras). Havia também a esmola, muito recomendada pelos doutores e as
obras de misericórdia que consistiam em visitar os doentes, resgatar os prisioneiros e
sepultar os mortos.
1.2 – Perspectiva Bíblica da Ressurreição
Quanto à questão da morte, seria incorreto querer unificar esta questão, pois
despertavam no povo de Deus reações complexas e contraditórias. Eram ao mesmo
tempo pranteados e temidos. Existiam cuidados com o cadáver e alguns ritos de luto que
eram considerados como um dever que se devia aos mortos como um ato de piedade.
Honravam-se, pois, os mortos, sem, contudo, tributar-lhes culto. Segundo De Vaux:
A distinção entre alma e corpo é estranha à mentalidade hebraica e, por conseqüência, a morte não é considerada como separação desses dois elementos. Uma pessoa viva é uma “alma (nepesh) vivente”, um morto é uma “alma (nepesh) morta”, Nm 6.6; Lv 21.11; Cf. Nm 19.13. A morte não é um aniquilamento: enquanto subsiste o corpo, ou pelo menos enquanto dura a ossada, subsiste a alma, em um estado de debilidade extrema, como uma sombra na morada subterrânea do Sheol. Jó 26.5,6; Is 14.9-10; Ez 32.17-32. Essas idéias justificam os cuidados com o cadáver e a importância de um enterro conveniente, pois a alma continua sentindo o que se faz ao corpo. Por isso, ficar abandonado sem sepultura, como presa das aves e dos selvagens era a pior das maldições, 1Rs 14.11; Jr 16.4; 22; 19; Ez 29.563.
Em relação à ressurreição após a morte, o povo eleito paulatinamente vai
crescendo da negação até a crença. Primeiramente acredita na ressurreição de Israel para
finalmente acreditar na ressurreição dos israelitas. Então, a princípio se pensava que o
morto deixava de existir (Sl 39,14; Jó 7,8ss) ou era conduzido para o Sheol64, lugar dos
mortos, o poço da morte (Sl 115,25; Jó 10,20ss; 17,13), sem comunicação com Deus
como nos fala o profeta Isaías: “Com efeito, a morada dos mortos não pode te louvar 63 DE VAUX, R. Instituições de Israel no Antigo Testamento. p. 80. 64 Sheol são as profundezas da terra (Is 14,9; Sl 63,10) é para onde descem todos os mortos (Gn 37,35; 1Sm 2,6; Sl 89,49), bons e maus estão misturados ali (1Sm 28,19). É um lugar “neutro” onde o morto está, não se fala de sofrimento ou alegria, expressa melhor um estado, uma situação na qual a vida deixa de ser visível para o homem, o rompimento com o mundo dos vivos. MARCHADOUR, Alain. Morte e vida na bíblia. p. 18: “Na linguagem bíblica há ambivalência no pensamento hebraico sobre o mundo dos mortos. De um lado, a lógica de sua antropologia milita em favor de um aniquilamento depois da morte. Por outro, a existência deste mundo inferior, por mais aterrorizadas que sejam as descrições, constituem uma espécie de lugar de espera”.
41
nem a morte te celebrar. Aqueles que descem à cova já não esperam em tua fidelidade”
(Is 38,18).
Na linguagem do Novo Testamento, Deus e a morte são adversários. A luta
entre Deus e a morte tem seu cume em Jesus Cristo. Foi na morte de Cristo que se
decidiu o significado último da morte, a partir da sua ressurreição de entre os mortos.
Vamos agora percorrer de forma genérica o caminho da morte à ressurreição no Antigo
Testamento. 65
Segundo Martin Achard, as noções hebraicas sobre a ressurreição após a morte
começam a se formar aproximadamente no séc. VIII a.C. e vão evoluindo ao longo de
seis séculos de história até se chegar a uma concepção mais amadurecida.
É preciso, porém, ter presente que no decorrer deste período, o povo eleito
sofreu múltiplas transformações e, por isso, os textos bíblicos66 respondem a
preocupações diferentes67. Esta diversidade deve ser considerada ao tentarmos
compreender através destes textos como a fé na ressurreição desenvolveu-se na cultura
religiosa de Israel.
1.2.1 – A evolução do conceito de ressurreição em alguns textos do AT
Os cânticos em honra de Yahweh apresentados em Dt 32 e 1Sm 2 fornecem
elementos absolutamente novos sobre o modo de considerar a possibilidade de uma vida
depois da morte. Sublinham o extraordinário poder do Deus de Israel: Ele dispõe
livremente da vida, a oferece, a tira e a dá de novo.
65 Cf. BROWN, C. Ressurreição. In: COENEN, Lothar e BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia. V.2: Novo Testamento. p. 2055-2105. E, o esquema proposto na obra de MARTIN ACHARD, Robert. Da morte à ressurreição segundo o Antigo Testamento. Porém, analisarei neste tópico, apenas os textos Bíblicos mais relevantes nesta perspectiva da evolução das concepções até se chegar à revelação Bíblica da ressurreição dos mortos. 66 A abordagem dos textos bíblicos levará em conta os aspectos de conteúdo, não se precisando a questão da datação dos mesmos devido à dificuldade de consenso entre os estudiosos. Além disso, em Israel há o costume de se canonizar textos embora seus conteúdos fossem até divergentes, fato que revela também o aspecto de que a preocupação não é tanto com um desenvolvimento histórico linear, mas sim com a assimilação da tradição histórica e o significado desta para o seu povo. 67 Oséias 6 e 13 datam da época da monarquia, Ezequiel 37 e Isaías 53 foram escritos durante o exílio, Isaías 25 e 26 e Daniel 12 pertence aos documentos mais recentes do Antigo Testamento e datam do século IV ou II a.C. Oséias e Ezequiel se preocupam com a nação santa. Os autores do Apocalipse de Isaías e do livro de Daniel pensam na sorte dos membros fiéis do povo eleito mortos antes do triunfo final de Deus. O Deutero-Isaías se inquieta pela reabilitação do servo de Iahwet.
42
Em relação à concepção de ressurreição dos mortos, os autores desses hinos
simplesmente afirmam que o Deus vivo pode intervir com eficácia em todas as partes e a
qualquer momento, inclusive na hora mais sombria; suas intervenções libertadoras
testificam em particular seu prodigioso poder. O Deus vivo é eterno e imortal, mas os
humanos são criaturas finitas, mortais e fugazes.
Dentro de um espírito religioso difundiu-se em Israel a doutrina da retribuição.
Segundo esta forma de pensamento religioso, Deus recompensaria os justos com
prosperidade e bens físicos e espirituais; de outro lado, concederia aos pecadores o
castigo por seus crimes através do sofrimento e das dificuldades econômicas. De acordo
com essa doutrina, a vida significaria apenas a existência neste mundo sem pensar num
pós-morte. O livro do Eclesiastes critica a idéia de retribuição ao dizer que a morte
nivela a todos, tanto o sábio quanto o insensato (Ecle 2,15-16).
A teologia da retribuição tinha sua base numa vertente do esquema profético
em que o cumprimento da aliança significava uma fidelidade de Deus para com seu
povo. Os profetas interpretam o sofrimento como indício de quebra da Aliança por parte
do povo. Oséias, ao falar da restauração de Israel (Os 6,1-3), afirma que depois de o
povo voltar para Yahweh, ele o fará reviver em dois dias, e, no terceiro dia os reerguerá.
Este é um testemunho dos mais antigos em favor da ressurreição (séc. VIII), mas ainda
no horizonte coletivo e não pessoal, nacional-político e não escatológico.
O Proto-Isaías afirma que a morte deixará de existir (Is 25,8). O motivo
sugerido pelo contexto é o da opressão e o exílio do povo de Judá, de modo que não se
trata de morte propriamente dita, mas do sofrimento e da perda direitos e liberdades.
Destaca-se a perspectiva universal dessa profecia. O mundo inteiro é chamado a viver da
presença do Deus vivo e compartilhar seus dons. Deus intervém para eliminar todo
motivo de sofrimento sobre o lugar santo onde todos os povos são esperados. Este
comentário anuncia a vitória definitiva de Deus sobre a morte e sua extinção. A morte
não significará nada para a humanidade e deixará finalmente de impor em seu poder. O
autor, porém, não fala dos que morreram sob seu reinado, nem, conseqüentemente de
sua ressurreição.
O profeta anuncia, sob a forma de um desejo, a ressurreição dos mortos (Is
26,19), reservada para alguns membros do povo eleito, provavelmente só os mártires.
Martin Achard esclarece que esta perícope data da mesma época do Apocalipse de Isaías
e, portanto, aproximadamente do século IV a.C. e nos mostra que:
43
A ressurreição aqui se refere à renovação da vida dos mortos. É duplamente obra de Yahweh, porque, por um lado ele espalha sobre a terra uma força vivificadora e por outro destrói o monstro que guarda a porta do Sheol. Ela está particularmente vinculada a uma exigência da justiça. A sorte dos mortos de Yahweh não pode ser idêntica à dos seus inimigos68.
O Dêutero-Isaías trata da reabilitação do servo de Yahweh (Is 53,10-12). O
destino do servo humilhado e depois glorificado pressupõe sua ressurreição, porém, o
Dêutero-Isaías não fala explicitamente dela. O próprio texto é pouco claro. Ao que tudo
indica, o autor ainda não dispõe de uma noção capaz de expressar o acontecimento que
pressente. Por outro lado, sua preocupação maior é afirmar a reabilitação do servo, mais
que explicar como sobreviverá a seu martírio.
A fé numa ressurreição nacional apresentou-se claramente em Ez 37, 1-14.
Estamos, assim, às vésperas do despertar da fé na ressurreição como tal. A visão
grandiosa de Ezequiel pinta a restauração nacional de Israel como uma ressurreição do
sepulcro do cativeiro. Ele combate o derrotismo dos exilados e crê no impossível, isto é,
na restauração nacional de um povo recriado na base da visão dos ossos secos. Segundo
Martin Achard, “ele não se preocupa com a ressurreição dos mortos como tal, mas os
símbolos que utilizou apresentam sem dúvida aos judeus o problema da ressurreição da
vida para os mortos” 69.
Em Dn 12,2-3, encontra-se a primeira afirmação clara da ressurreição dos
mortos. Mas, segundo Martin-Achard70, a ressurreição ainda não é universal, mas
aplicada no caso do martírio dos hasidim como fruto das suas lutas e sofrimentos por
causa da fé. Não participarão do reino futuro de Deus? Foi em vão que eles deram sua
vida? Daniel anuncia previamente que no termo da angústia final ressuscitarão: estes
para a vida, ao passo que os ímpios afundarão para sempre na morte. Esse ponto,
enunciado provavelmente desde o tempo da perseguição, sustentou a coragem dos
mártires (Cf. 2Mc 7).
Foi com a apocalíptica de Daniel e Macabeus, que num contexto de sofrimento
martirial surgiu a necessidade de dar sentido ao sofrimento.
68 MARTIN-ACHARD, Robert. Da morte à ressurreição segundo o Antigo Testamento. p. 156. 69 Ibidem. p. 121. 70 Ibidem. p. 156-164.
44
De onde veio luz? Da aproximação exagerada de dois extremos: de um lado, o mal levado ao excesso através da ação diabólica de Antioco Epifanes desafiando o Deus de Israel até o seu Santuário; por outro, a piedade vivida até o risco supremo do martírio. A contradição suscitada depois do exílio entre a justiça ultrajada dos crentes e a felicidade inexplicável dos pecadores, tomou, aqui, tais proporções que fez nascer a fé na ressurreição71.
Esta resposta reveladora de que o justo sobreviverá, pois, o Deus todo-poderoso
e justo arrancará seus mártires do Sheol para lhes dar uma recompensa eterna constitui a
síntese de um longo amadurecimento. Ou seja, diante do paradoxo, o autor de Macabeus
chega a uma afirmação explícita da ressurreição.
1.2.2 – Algumas narrativas de ressurreição no AT.
Os livros dos Reis apresentam narrativas de ressurreições realizadas pelos
profetas de Yahweh. Em 1Rs 17,17-24; 2Rs 4,31-37 e 13,21 se fala de efeitos
excepcionais, porém, ainda não nos dizem nada sobre a possibilidade de uma
ressurreição concedida à totalidade dos mortos. Testemunham o poder de Yahweh que
se manifesta por meio de seus servos e confirmam o caráter autêntico dos ministros Elias
e Eliseu.
Encontram-se também narrativas de arrebatamentos como os de Enoque (Gn
5,24) e de Elias (2Rs 2,1-15). Tais passagens não tratam realmente do tema da
ressurreição, mas alimentam a fé em Iahweh que protege a vida dos seus. A retribuição
pela bondade de Enoque (Gn 5,24) é muito melhor do que uma vida longa: aquele que
em vida havia andado com Deus continua vivendo eternamente com ele depois de seu
desaparecimento da terra. É uma tradição similar à de Elias (2Rs 2,1-15). No dizer de
Martin-Achard, o arrebatamento cumpre uma função alternativa com a ressurreição:
“Não encontramos nenhuma alusão a uma vitória final que Yahweh obtenha sobre a
morte, nem a uma ressurreição que equivale a uma libertação definitiva dos poderes do
Sheol”72. Estes arrebatamentos por sua vez são demasiadamente extraordinários para
servir de ajuda na compreensão de ressurreição dos mortos. Enoque e Elias não parecem
ser mais do que uma exceção que confirma a regra e não o contrário.
71 MARCHADOUR, Alain. Morte e vida na bíblia. p. 46. 72 MARTIN-ACHARD, Robert. Da morte à ressurreição segundo o Antigo Testamento. p. 91.
45
Existem ainda os salmos dos enfermos e dos infelizes (Sl 30, 3-11; Sl 86,11-
12) que tratam de uma ressurreição, mas, não no sentido real que adquiriu nos tempos
dos Macabeus. Nas orações dos salmistas não há nenhum matiz escatológico. A morte
aqui é simplesmente rejeitada, descartada provisoriamente. Não está nem superada nem
aniquilada. O poder de Deus se exerce não contra a morte em si mesmo, mas contra a
morte prematura, morte que rompe a ordem das coisas. Além disso, a expressão “tirar
das profundezas da morte” (Sl 86,13) tem sentido figurado e não constitui uma
afirmação da fé na ressurreição.
1.2.3 – Reflexão sobre os dados apresentados.
Depois de fazer estas considerações, cabe uma afirmação: a crença na
ressurreição dos mortos não aparece por geração espontânea, está vinculada a um
contexto social, político e religioso.
Enquanto cultura que herda características dos povos circunvizinhos, Israel ao
tratar do tema da morte e da ressurreição apresenta certa interdependência de conceitos e
conteúdos. Há que se observar, que existe analogia entre as concepções hebraicas sobre
a vida e a morte que o Antigo Testamento nos revela e as noções mesopotâmicas,
egípcias e até mesmo gregas, bem como o fato de os textos estarem constituídos por
diversas tradições escalonadas no tempo e, por isso, este tema não é simples de ser
tratado73.
A perseguição dos judeus (revolta dos Macabeus) representou um papel
decisivo ao acelerar o abandono das velhas concepções israelitas sobre o destino
humano. Solidários com seu povo, os sete irmãos (2Mc 7,16ss) contribuem com seu
sofrimento para o perdão de Israel. Deus, por sua vez, dará novamente o sopro da vida
aos que lhe foram fiéis. Desde sempre, Deus é qualificado e invocado nos textos bíblicos
como “o vivente” (Jz 3,10), “fonte de água viva” (Jr 2,13) que só deseja comunicá-la às
criaturas. Deus não se compraz na morte de ninguém (Ez 18,32), continuamente aponta
para o caminho da vida. Ao justo que viverá por sua fidelidade (Hab 2,4) mostra seu
73 Ibidem. p. 17: “As concepções hebraicas sobre este assunto, foram comparadas freqüentemente com as noções mesopotâmicas, Egípcias e até mesmo Gregas. A comparação se justifica de certa forma, porque as analogias observadas pelos especialistas são numerosas”. Também os textos nos convidam por si mesmos a admitir múltiplas causas no nascimento e no desenvolvimento da crença com respeito ao despertar dos mortos, porém, não se consegue provar nenhuma influência direta.
46
amor, visto que a verdadeira vida coincide com o procurá-lo (Os 6,1-2). No dizer de
Torres Queiruga:
Assim, ao longo de todo Antigo Testamento Iahweh aparece como “Senhor da vida e da morte” (Cf. Dt 32,39; 1Sm 2,6), cada vez com maior clareza, mostra-se, portanto, capaz de “aniquilar a morte” ( Is 25,8) e de “libertar do Sheol” (Os13,14). E, sobretudo, aparece como o Deus da aliança, com uma fidelidade inquebrantável que não assombra seus fiéis. Fidelidade salvadora, que se tornará cada vez mais patente na piedade dos salmos (aqueles que já foram chamados de ‘salmos místicos’): “No entanto, estou sempre contigo [...]” ( Sl 73,23; Cf. 16, 5.9-11; 49,16; 117,2; 118,1-4) e na pregação dos profetas: “teus mortos, porém reviverão! Seus cadáveres vão se levantar! Acordai para cantar, vós que dormis debaixo da terra! Pois teu orvalho de luz e a terra expulsará do ventre os defuntos” (Is 26,19; Ez 13-14; Os 6,1-3). Finalmente, aparecerá, com evidência irresistível, como “experiência de contraste” diante da perseguição dos justos na crise macabéia, que dá origem à impressionante confissão dos mártires macabeus74.
A partir do exílio, porém, torna-se sempre mais aguda a contradição entre as
opressões, a zombaria contra a fé de Israel e a prosperidade dos maus (especialmente
sobre o domínio de Antíoco IV). A abertura para uma outra vida (ressurreição) resolve o
drama, descobrindo o sentido profundo da fidelidade divina. É o testemunho martirial,
que faz com que descubram como é verdadeira e profunda a promessa de Deus.
1.3 – Período intertestamentário75, afirmação e negação da ressurreição.
A sociedade em que se manifestou o acontecimento-Jesus estava exposta à
influência de várias correntes doutrinárias, políticas e culturais. Havia muita divergência,
quanto à ressurreição, não aceita por todos.
Para muitos judeus, sobretudo para os fariseus, Deus chamaria novamente à
vida e à felicidade os justos que viveram conforme as exigências da Lei. Havia uma
difusa e generalizada expectativa do Reino de Deus. Preparavam-se para ele de diversas
maneiras. Pululavam desejos e sonhos de toda espécie e estava demonstrada a
impotência dos judeus para mereceram o esperado Reino. Foi nessa palestina excitada
74 TORRES QUEIRUGA, Andrés. Repensar a ressurreição: a diferença Cristã na continuidade das religiões e da cultura. p. 58-59. 75 Tempo compreendido entre o final do AT e o início do NT.
47
pelas especulações dos apocalípticos que Jesus desencadeou o Reino de Deus,
produzindo um novo sentido da vida.
O tema da ressurreição, doutrina que foi desenvolvendo-se na apocalíptica
durante a tardia época veterotestamentária, tornou-se cada vez mais explícito e
consistente com o decorrer do tempo até Jesus. Segundo Schubert:
A esperança da ressurreição desenvolveu-se, partindo de várias premissas, somente nos últimos séculos do Israel veterotestamentário. A expectativa da ressurreição encontra-se, portanto, na literatura apocalíptica desde o séc. II a.C., com expressões muito claras e inequívocas76.
No tempo de Jesus havia três grupos expressivos com posições muito
diferentes em relação ao tema da ressurreição: os saduceus, os fariseus e os essênios.
1.3.1 – Saduceus: não acreditavam na ressurreição
Os saduceus formavam um importante partido religioso, de um
conservadorismo institucional e de uma visão teológica em que o templo era o penhor da
salvação e a residência de Deus entre os homens.
A recusa dos saduceus em relação à ressurreição é claramente apresentada nos
Atos dos Apóstolos: “De fato, os saduceus dizem que não há ressurreição, nem anjo,
nem espírito” (At 23,8). Mas a questão já aparecera em Mc 12,18-27; Mt 22,23-33; Lc
20,27-40 (a mulher com sete maridos). Schubert também apresenta uma polêmica anti-
saducéia com os fariseus, relativa ao tema da ressurreição, em Sanhedrin 90a: “Ele
negou a ressurreição dos mortos, e por isso não participará da ressurreição”77. Segundo
Morin,
os saduceus privilegiam os Cinco livros, o Pentateuco, supostamente legados por Moisés. Não rejeitam os livros proféticos. Mas são compreensíveis suas resistências e sua reticência em empregá-los! A evolução doutrinal sem apoio no Pentateuco é descartada. Assim, a idéia de uma retribuição individual e coletiva extraterrena. Para eles, o que importa é a salvação atual da nação. A ressurreição dos mortos, a
76 SCHUBERT, Kurt. Os partidos religiosos hebraicos da época neotestamentária. p. 48. 77 Ibidem. p. 54.
49
1.3.3 – Essênios: tinham fé na ressurreição
Como os fariseus, também os essênios provêm do movimento dos assideus
apocalípticos, do qual é a continuação radicalizada, considerando-se o único Israel
verdadeiro. Constituíam-se em um grupo de pessoas fervorosas e muito preocupadas em
separar-se dos maus judeus e dos pagãos. Escolheram retirar-se da sociedade judaica até
que soasse à hora de Deus e queriam voltar à pureza da Aliança e da organização
sacerdotal.
Segundo Shubert, o fundador da comunidade essênia foi um sacerdote que tinha
o título de “Mestre da justiça” e era considerado por seus seguidores como o profeta do
fim dos tempos. Seu aparecimento e a fundação do “mosteiro” de Qumrã tiveram como
conseqüência um notável reflorescimento das esperanças de uma escatologia próxima:
A esperança da ressurreição, já desenvolvida na antiga apocalíptica, teve um incremento ainda maior no movimento assideu e entre os essênios de Qumrã. Tratava-se de uma esperança na volta à vida de toda a unidade psicofísica humana no momento do juízo escatológico (...). Nos textos de Qumrã são surpreendentemente exíguas as alusões que possam ser diretamente correlacionadas com a esperança da ressurreição, provavelmente porque os essênios de Qumrã sabiam que já em vida eles estavam em comunhão com os seres celestes, os anjos. Não podiam, portanto, esperar da ressurreição um aumento daquilo que pensavam já possuir em vida como membros da comunidade. Seria errado, porém, pôr em dúvida a existência da esperança da ressurreição entre os essênios, por causa das raras alusões feitas nos textos de Qumrã82.
1.4 – A Ressurreição na ótica do Novo Testamento
Nascido do judaísmo, o cristianismo adota muito de seus elementos centrais,
inclusive a compreensão da morte. Segundo Alain Marchadour, Jesus assimila a fé na
ressurreição, que Daniel e os Macabeus tinham explicitado e afirmado.
Jesus insere-se na linhagem dos crentes do Antigo Testamento para quem Deus, no momento supremo, é o último interlocutor, e dos mártires que, em fidelidade a Deus, testemunham até o fim. Contudo ele o faz mais que, seus predecessores, ao colocar no seu destino
82 Ibidem. p. 69.
50
contingente e particular um valor universal. É preciso confessar que não é fácil encontrar as palavras literais pela qual Jesus fez de sua morte um sinal de salvação: a Igreja primitiva relendo a vida de Jesus à luz da ressurreição, foi levada a enriquecer suas memórias de Jesus com sua própria fé. Mas deve-se admitir que ela não fez nada mais que desenvolver com clareza aquilo que estava contido de modo implícito em certos gestos e palavras de Jesus83.
A respeito da morte, o que prevalece na revelação bíblica é aquilo que vai ser
explicitado na teologia paulina: “a morte é o ultimo inimigo a ser vencido” (1 Cor
15,26). Neste contexto, a base da experiência pessoal é imprescindível para a
possibilidade de uma esperança tão abrangente como a que se ascende em Jesus Cristo.
Jesus é o fundamento, a ocasião reveladora para se confessar de maneira plena a
ressurreição e ancorar nessa fé a própria esperança. Antes dele, como vimos no tópico
anterior, a ressurreição já havia sido descoberta em seu sentido fundamental, porém
graças a ele, ela é descoberta no seu sentido pleno. Porém,
o sentido mais profundo da ressurreição de Jesus só pode ser buscado em coerência com a compreensão teológica do agir divino e de sua revelação. Desse modo, pode-se compreender que o caráter não “milagroso” e o enraizamento da fé na história real da vida e morte de Jesus de Nazaré não impedem nem a sua verdade como acontecimento real nem a possibilidade de sua revelação para nós. Daí insistirmos que não se pode estudar a ressurreição como se fosse uma questão isolada na compreensão do mistério e do destino de Jesus de Nazaré84.
A experiência da ressurreição devolveu a esperança aos discípulos. Eles
vencem o medo, recuperam a fé, reencontram a coragem (Cf. At 4,1; 5,29). Eles mesmos
“ressuscitam” e começam a ver tudo com outra visão! Caiu o véu que escondia a
realidade (Cf. 2 Cor 3,16). É a conversão, agora percebem a novidade, a Boa Nova
“escondida” no Antigo Testamento e na vida de Jesus.
Para eles, essa experiência foi como um raio, um tremor de terra (Cf. Mt 28, 2-
3). Pois, se Jesus está vivo, então com ele estava um poder maior do que os poderes que
o mataram. “E se Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é sem fundamento e também
a nossa fé” (1Cor 15,14). Este texto nos mostra que o tema da ressurreição é questão
central, uma verdade nuclear que afeta o cerne da fé cristã. No dizer de Bruno Forte,
83 MARCHADOUR, Alain. Morte e vida na Bíblia. p. 55. 84 TORRES QUEIRUGA, Andrés. Repensar a ressurreição. p. 183
51
a história da fé cristã nasce da Páscoa: ela certamente foi preparada pelas obras e pelos dias anteriores de Jesus de Nazaré. Mas essas obras e esses dias, até a hora suprema e obscura da cruz, teriam permanecido ambíguos e, em última análise, destituídos do significado que lhes foi reconhecido, se a história do Nazareno se tivesse encerrado para sempre na agonia da morte de sexta-feira santa. (...) A fé e o anúncio dos cristãos se sustentam ou caem com a Ressurreição! O evento da Ressurreição de Jesus por parte de Deus é a virada decisiva que, apesar da continuidade, separa com originalidade absoluta o movimento cristão das preparações e expectativas da esperança de Israel85.
Assim, a morte de Cristo entendida como acontecimento que nos diz respeito
pessoalmente possibilita um novo posicionamento em relação à morte e um novo vigor
em relação à vida. A morte na cruz é, na verdade, a morte da morte, porque no lenho da
vergonha está o Filho de Deus, que se entregou à morte para dar-nos vida. No dizer de
Torres Queiruga:
Foi, com efeito, o modo da morte que propiciou uma síntese inédita, somente possível a partir dela. Isto é o que justamente conseguiu expressar a ressurreição tal como foi interpretada em Jesus. (...) Por debaixo de tudo isso, consegue impor-se a visão de um Cristo verdadeiramente ressuscitado e glorioso, mas com uma presença transcendente, que anima a vida da comunidade sem anular a história nem enclausurar o futuro86.
Na epístola aos Romanos lemos: “Nenhum de nós vive para si, e ninguém
morre para si. Porque, se vivemos, vivemos para o Senhor; se morremos, morremos para
o Senhor. Quer, pois, vivamos, quer morramos, somos do Senhor” (Rm 14,7-8). Nós,
seres humanos, consideramos a vida e a morte um paradoxo. Jesus Cristo, porém, as
relaciona coerentemente.
Definitivamente e para sempre, o fim da morte se dará na hora do retorno de
Cristo. O “inimigo derradeiro”, então será reduzido à impotência (1Cor 15,26). Este
porvir, este clima pascal vindouro já principiou. Eclode em nosso tempo. Com Cristo dá-
se o início de nossa ressurreição. “Ele é primícia: seguem-no todos aqueles que lhe
pertencem, cada um em sua ordem, à hora de sua vinda” (1Cor 15,23). “Ressurgiremos
85 FORTE, Bruno. Jesus de Nazaré, História de Deus, Deus na história: ensaio de uma cristologia como história. p. 87-89. 86 TORRES QUEIRUGA, Andrés. Repensar a ressurreição. p. 164-165
52
com Cristo” e “com Ele apareceremos na glória” (Col 3,1.4). Em Jesus Cristo,
modificou-se o destino dos mortais, como “nascer, morrer, ser sepultado”.
O caminho percorrido mostrou como, a partir do evento da Ressurreição do Crucificado, fundamento e conteúdo essencial do anúncio e da fé das origens, a comunidade cristã primitiva releu, por um lado, retrospectivamente, a história de Jesus de Nazaré e a espera de Israel, e por outro, prolepticamente, a história do mundo e da Igreja. Portanto, o princípio que unifica em sua origem os diversos desenvolvimentos da cristologia neo-testamentária, na variedade dos seus estágios e das suas expressões, é um princípio vivente: é o Ressuscitado e a experiência que dele fizeram as testemunhas nas quais se apóia a fé cristã87.
Cristo constitui o fundamento da nossa esperança, a qual se abre para além dos
limites da vida terrena, pois, “Se só temos esperança em Cristo para esta vida somos os
mais miseráveis de todos os homens” (1 Cor 12,19). Sem tal esperança seria impossível
realizar uma vida cristã, pois, ela eleva o coração dos cristãos para as coisas celestes,
sem os subtrair ao cumprimento também das obrigações deste mundo. No dizer de
Queiruga,
ter fé na ressurreição de Jesus de Nazaré não é proclamar a memória de um personagem do passado, nem sequer limitar-se a anunciar a sua exaltação à plenitude divina, mas também se incluir em seu seguimento. Ou seja, é estar no dinamismo vivo do reino por ele inaugurado, seguindo seus passos em uma vida que, apesar de todas as cruzes, já goza de idêntica esperança de ressurreição: Se Cristo ressuscitou, também nós ressuscitamos (Cf. 1Cor 15,20); Se ressuscitamos com Cristo, devemos viver como ressuscitados (Cf. Cl 3,1)88.
Portanto, a comunhão com Cristo ressuscitado, prévia à ressurreição final,
implica uma determinada concepção antropológica e uma visão da morte
especificamente cristã. É em Cristo que ressuscitou e, por Ele, que se entende a
“comunicação de bens” 89 existente entre todos os membros da Igreja, da qual Jesus é a
cabeça. Ele é o fim e a meta de nossa existência, para Ele nos encaminhamos nesta breve
vida terrena. Enfim, a vida cristã encontra seu sentido em Deus. Cristo não nos prometeu
87 FORTE, Bruno. Jesus de Nazaré, História de Deus, Deus na história: ensaio de uma cristologia como história. p. 134-135. 88 TORRES QUEIRUGA, Andrés. Repensar a ressurreição. p. 143 89 Cf. LG 49.
53
nem a comodidade temporal nem a glória terrena, mas a casa de Deus Pai, que nos
espera no termo do caminho (Jo 14,2).
Sendo a morte de Cristo um triunfo sobre a própria morte, o fato da ressurreição
se torna elemento fundamental da vida dos cristãos iluminando o enigma da morte. É a
certeza da vida eterna que, pela fé, dá significado à morte e principalmente à sua vida
sobre a terra. No dizer da Gaudium et Spes:
Enquanto toda a imaginação fracassa diante da morte, a Igreja, contudo, instruída pela divina revelação, afirma que o homem foi criado por Deus para um fim feliz, além dos limites da miséria terrestre. Mais ainda: Ensina a fé cristã que a morte corporal, da qual o homem seria subtraído se não tivesse pecado (Sab 1,13; 2,23-24; Rm 5,21; 6,23; Tg 1,15), será vencida um dia, quando a salvação perdida pela culpa do homem lhe for restituída por seu onipotente e misericordioso salvador. Pois Deus chamou e chama o homem para que ele, com a sua natureza inteira, dê sua adesão a Deus na sua comunhão perpétua da sua incorruptível vida divina. Cristo conseguiu esta vitória, por sua morte, libertando o homem da morte e ressuscitando para a vida (1 Cor 15, 56-57). Para qualquer homem que reflete, apresentada com argumentos sólidos, a fé dá uma resposta à sua angústia sobre a sorte futura. Ao mesmo tempo oferece a possibilidade de comunicar-se em Cristo com os irmãos queridos já arrebatados pela morte, trazendo a esperança de que eles tenham alcançado a verdadeira vida junto de Deus90.
Nessa perspectiva temos a clareza de que a fé em Cristo morto e ressuscitado
permite captar não só a natureza como ainda o porquê da morte, mas também resgatar a
morte da angústia da sociedade atual, da dissolução da comunhão com as demais
criaturas. Enfim, com o mundo, pois a certeza da salvação operada em Cristo e a fé na
ressurreição alimentam expressões de esperança e fraternidade, não o contrário, que são
a dor sombria e o desespero.
Celebrar a morte a liturgia é celebrar a pascalidade da morte, pois a liturgia é a
celebração do mistério pascal de Jesus Cristo. Por isso no próximo bloco, vamos analisar
a pascalidade da morte no contexto da liturgia.
90 GS 18.
54
2. O SENTIDO PASCAL DA MORTE CRISTÃ NO CONTEXTO
LITÚRGICO.
A maneira de celebrar a morte determina como o homem reagiu diante dela
durante toda a vida. A diversidade nos modos de ritualização se dá, contudo, não apenas
ao longo do tempo e em diferentes espaços culturais, mas também em função dos
diversos aspectos que cercam a morte, e que são organizados nos rituais.
Sendo a liturgia a celebração do mistério pascal de Jesus Cristo, convém fazer
algumas pinceladas sobre este tema, já que nossa tese tem a ver com as exéquias cristãs,
supra-sumo da pascalidade da fé.
2.1 O sentido pascal da morte cristã
Como acabamos de ver, a Sagrada Escritura nos transmite a mensagem
confortadora de que “Cristo o justo, morreu pelos injustos, a fim de conduzir-nos a
Deus” (1 Pd 3,8). Há uma vida: a vida terrestre, que ainda não é a vida plena, e há uma
morte: a morte física, que não é o fim definitivo. Não somos “pó” (Gn 3,19) apenas, mas
filhos de Deus, por “Ele amados” (2 Ts 2,13) e “chamados à vida eterna” (1 Tm 6,12).
Cristo ressuscitou dentre os mortos, deu sentido e eficácia à vida, preconizando
a pascalidade da morte, como autêntico processo de crescimento humano em busca de
plenitude. Sua ressurreição foi o fato decisivo para o cristianismo nascente. A partir dela
os discípulos compreendem o passado e o sentido de sua morte e descobrem o mistério
da páscoa de Jesus. Todos os seres vivos, inclusive o ser humano, têm a vida a título
precário e estão por natureza sujeitos à morte. A saída deste beco vem do mistério pascal
de Cristo. Desde que Cristo ressuscitado triunfou sobre a morte, a morte física é acesso à
vida eterna.
Pela celebração do batismo as pessoas são mortas, sepultadas e ressuscitadas com Cristo (Rm 6,4; Ef 2,6; Cl 3,1; 2Tm 2,11). Esta participação no mistério pascal de Cristo renova-se em cada celebração sacramental. O que acontece tantas vezes sacramentalmente, a fé cristã assegura que acontece existencialmente na morte do cristão. Segundo esta fé, com sua morte, “a pessoa deixa este corpo para ir morar com o Senhor”
55
(2Cor 5,8), ou, como dizia Santa Terezinha do Menino Jesus, “a pessoa não morre, entra na vida”91.
Desta forma, a morte não é apenas um processo biológico, não é apenas o início
do desmoronamento de nosso corpo, mas, encerra um “mistério”: não leva à ruptura
total. No dizer de Renold Blank:
Aquele que tem fé sabe estar seg
56
presença/ausência que a experiência religiosa nos proporciona por causa da sua dimensão
simbólica, a peregrinação se apresenta como um fenômeno estranho e fascinante, aventuroso e
perturbador.
A dinâmica da vida cristã deve ser pascal, para que isso aconteça existe uma
receita: esquecer-se de si mesmo, dar-se a Deus e aos irmãos, amar de verdade. Viver a
vida de tal forma, que a morte seja entrada na vida94. E como a vida é uma Páscoa,
também a morte se torna passagem: “Senhor para aquele que crê em vós, a vida não é
tirada, mas transformada. E desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus um
corpo imperecível”95.
A ressurreição de Cristo é a garantia da nossa ressurreição, porém, só se
ressuscita depois de morto. É preciso compreender que a morte é uma passagem, uma
Páscoa e que a morte por si mesmo é na verdade o acolhimento da vida.
Cristo propõe-nos viver de tal forma que a morte seja o desabrochar dessa vida:
“O Pai me ama, porque dou a minha vida para retomá-la de novo. Ninguém tira a minha
vida; eu a dou livremente. Tenho poder de dar e tenho poder de retomá-la” (Jo 10,17-
18). E não propõe outra via que a da Páscoa: “Eu garanto a vocês: se o grão de trigo não
cai na terra e não morre, fica sozinho. Mas se morre, produz muito fruto. Quem tem
apego à sua vida, vai perdê-la; quem despreza a sua vida neste mundo, vai conservá-la
para a vida eterna” (Jo 12,24-25).
A relatividade de vida e morte poderia significar que, afinal, pouco importa se
vivemos ou morremos. No conceito da teologia paulina, porém, o morrer não entrega o
ser humano ao poder da morte, mas ao poder daquele que venceu a morte. Foi
precisamente para este fim que Cristo morreu e ressurgiu: para ser Senhor, tanto de
mortos como de vivos (Rm 14,9). Analogamente, Paulo diz que havendo Cristo
ressuscitado dentre os mortos, já não morre: a morte já não tem domínio entre ele (Cf.
Rm 6,9). Esse fato é argumento para certeza da fé que os batizados viverão com Cristo.
A partir daí pode-se afirmar, em relação aos batizados, que eles já morreram, quer dizer,
morreram com Cristo. O fiel tem a morte no passado, a sua vida atual não pode ser sua
própria vida, pelo contrário, pode dizer: já não sou eu que vivo, mas Cristo vive em mim
(Cf. Gl 2,20).
94 A verdadeira vida para o cristão, está na oblação, na oferta de si mesmo (Cf. Mt 20,8; Jo 15,13; 2 Cor 5,15). 95 MR. Prefácio dos fiéis defuntos I. p. 462.
57
Esta vida, cujo proprietário é Jesus Cristo, diferencia da vida de todas as
pessoas, pelo fato de a vida de todos conduzir à morte, enquanto que a vida de Cristo
procede da morte. Conquanto Jesus permite compartilhar desta vida com aqueles que lhe
pertencem, também estes já procedem da morte, apesar de terem que morrer
biologicamente ainda. Mas o morrer que ainda está por acontecer diferencia tanto
daquela morte para o qual conduz a vida humana, que já não constitui nenhuma
concorrência à vida. Por isso, Jesus diz no Evangelho: “Eu sou a ressurreição e a vida.
Quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e todo aquele que vive e crê em mim não
morrera, eternamente” (Jo 11,25). E, ainda na linguagem de João: “Quem ouve a minha
Palavra e crê naquele que enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da
morte para a vida” (Jo 5,24).
A morte foi vencida, mas em esperança (cf. Rm 8,24). Por enquanto vivemos
sobre o regime da dor, do luto e das lágrimas. A superação definitiva da morte é um bem
próprio dos tempos escatológicos (1Cor 15,26). Somente lá, a morte será aniquilada
definitivamente e arremessada no fosso de fogo (Ap 20,14; cf. Is 25,8).
Esta ambigüidade de “já e ainda não”, tão fortemente evidenciada na morte de um cristão, celebra-se nas exéquias. Por meio delas, “os corações piedosos podem entristecer-se com uma dor salutar pela morte de seus entes queridos e, por sua condição mortal, podem derramar lágrimas que serão consoladas e diminuídas pela fé, pela qual cremos que os fiéis, quando morrem, caminham à nossa frente e passam para uma vida melhor”96.
Na obra da Redenção, está o convite de Cristo a morrer para um viver que
ilumina a vida toda e faz dela um caminho pascal de ressurreição. A morte, entendida
desse modo é como mistagoga, que nos introduz no mistério, sendo ela mesma parte do
mistério pascal.
2.2 – No contexto litúrgico
Uma das luzes do Movimento Litúrgico do séc. XX97 foi a recuperação da
categoria “mistério pascal”. No Concílio Ecumênico Vaticano II, a constituição sobre a
96 CNBB. Nossa Páscoa: subsídios para a celebração da Esperança. p. 9-10. 97 No princípio do séc. XX inicia-se uma grande cruzada de reforma e renovação litúrgicas na Igreja do Ocidente. Trata-se do assim chamado “Movimento Litúrgico”. No Movimento Litúrgico germina a reforma deslanchada pelo Concílio Ecumênico Vaticano II.
58
Sagrada Liturgia (SC), coloca-a como base de sua reflexão teológica e como fundamento
e chave interpretativa de todo culto cristão.
A vida litúrgica da comunidade cristã tem seu centro, seu momento de máxima
identidade e verdade, na celebração da Eucaristia e dos outros sacramentos e
sacramentais, alargando-se, no entanto, através deles, a toda a vida, a toda a história e ao
mundo todo. Por isso, é a liturgia o ponto de partida e o ponto de confluência de toda a
vida e atividade do povo de Deus e, por conseguinte, de toda a humanidade (cf. SC 10).
A liturgia celebra o mistério pascal98, o atualiza, expressa e manifesta. Ela é
ação sagrada por excelência porque é ação de Cristo, presente de modo especial nas
celebrações litúrgicas99. Sendo assim, a liturgia tende essencialmente a fazer-nos viver a
salvação que emana do mistério pascal em seus particulares momentos, atualizando em
nós o mesmo mistério pascal tomado em seu momento culminante: morte e ressurreição
de Cristo. Ele é o momento central e culminante no conjunto da promessa de libertação e
salvação, nos quais Deus manifesta a sua aliança com a humanidade. A Sacrosanctum
Concilium nos diz:
A obra da Redenção humana e da perfeita glorificação de Deus, da qual foram prelúdio as maravilhas divinas operadas no povo do Antigo Testamento, completou-a Cristo Senhor, principalmente pelo Mistério Pascal de sua Sagrada Paixão, Ressurreição dos mortos e Gloriosa Ascensão. Por este mistério, Cristo, morrendo, destruiu a nossa morte e ressuscitando, recuperou a nossa vida100.
Diz-nos também, que o mistério pascal, em sua acepção litúrgica, bíblica e
patrística se refere essencialmente a Cristo e à sua obra de redenção humana, efetuada
principalmente pela sua paixão, morte, ressurreição, ascensão e doação do Espírito
Santo, mas, não apenas como o fato histórico acontecido em um momento concreto da
história. Ele indica nossa recepção da vida divina, da humanidade vivificada e
vivificante do Cristo glorioso, que nos faz passar da morte para a vida por meio de
sacramentos101, conforme observamos na SC:
98 Na expressão “Mistério Pascal” a teologia quer significar a realidade das intervenções salvíficas de Deus na história de seu povo. O cume dessas intervenções encontra-se no mistério pascal de Cristo (encarnação, vida e missão, paixão, morte, ressurreição, ascensão e envio do Espírito Santo). 99 Cf. SC 7. Segundo a SC todas as ações litúrgicas tem caráter sacramental, e, não somente os sete (nos cap. 1 e 2 os sacramentos assim como os sacramentais são tratados como parte da liturgia como um todo). 100 SC 5. 101 Cf. MARTIN, Julian. No Espírito e na verdade: introdução teológica à liturgia. p. 138
59
Assim como Cristo foi enviado pelo Pai, assim também Ele enviou os apóstolos, cheios do Espírito Santo, não só para pregarem o Evangelho a toda criatura, anunciarem que o Filho de Deus, pela Sua morte e ressurreição, nos libertou do poder de Satanás e da morte e nos transferiu para o reino do Pai, mas ainda para levarem a efeito o que anunciavam: a obra da salvação através do Sacrifício e pelos Sacramentos, sobre os quais gira toda a vida litúrgica102.
Mediante o batismo somos inseridos no mistério Pascal de Cristo: com Ele
mortos, com Ele sepultados, com Ele ressuscitados, e, na liturgia terrena, antegozando,
participamos da liturgia celeste, que se celebra na cidade santa Jerusalém, para a qual,
peregrinos nos encaminhamos.
Assim sendo, a economia da salvação instituída pelo mistério pascal de Cristo
não deve deixar de se estender instantaneamente ao mundo inteiro, tornando possível a
salvação eterna de todas as pessoas. Para que isto aconteça, Deus acrescentou a Igreja
“instituição e comunidade de salvação”, como prolongamento da Encarnação do Verbo.
Como instituição de salvação a Igreja tende a proporcionar os meios que
facilitam sua conversão subjetiva ao reino objetivo de Deus: a pregação deve suscitar a
abertura para o kerigma, levar ao sacramento da fé e dar progressivamente seus frutos
numa santificação pessoal mais profunda e socialmente mais extensa. Como comunidade
de salvação, ela representa a humanidade já consciente e convertida: o Povo de Deus a
caminho para o Reino eterno, e que desde agora vive da Palavra de Deus e da graça de
seu Espírito.
No plano histórico, a partir de Pentecostes, os fatos que fazem a humanidade
progredir em direção de seu termo feliz, no prolongamento das alianças, profecias e
milagres do Antigo Testamento são essencialmente as participações sacramentárias no
mistério pascal. Os sacramentos vividos na medida em que exprimem o mistério
profundo da conversão do ser humano ao plano divino, e seu progresso na santificação,
que correspondem à inserção mais profunda no Corpo Místico.
Tendo chegado à fé consciente, o ser humano a exprime não apenas na
profissão do credo, mas ainda na participação sacramental, fonte de novas graças de
crescimento na graça salvífica. Os sacramentos constituem o canal privilegiado de
102 SC 6.
60
instituição divina, por onde Deus comunica os benefícios do mistério pascal às pessoas
preparadas para recebê-los.
Nesta perspectiva, se faz necessário à apresentação dos sacramentos da
Iniciação Cristã, que além da pedagogia, constituem a entrada explícita e oficial na
Igreja visível do ser humano que sabe o que quer dizer a salvação e que explicitamente
aceita a entrada no “mistério”: a inserção no mistério pascal de Cristo. Não se trata de
um elemento mítico, mas estritamente histórico, não se trata de uma doutrina ou de uma
construção mental (científica, religiosa, ideológica), mas de uma pessoa.
Os sacramentos da iniciação são instrumentos significativos desta ação invisível
do protagonista principal e maximamente real da edificação da Igreja: o Senhor da
glória. Ou seja, estes ritos têm um aspecto pessoal que correspondem a uma adesão da
fé, da vontade, de uma firme esperança no amor divino.
Esse aspecto é capital, pois Deus não salva o ser humano sem sua livre
participação. O ato livre adquire assim valor eterno, é mérito salvífico unindo-se ao ato
livre de Cristo que salva por amor e obediência. O rito sacramental é essencialmente
sinal do mistério de salvação e de nossa entrada nele. É a experiência de como a Igreja
recebe e, ao mesmo tempo comunica a comunhão trinitária, e de como mantém sua
identidade de sacramento universal da salvação.
A iniciação cristã é tal, não só porque comporta ritos sacramentais
determinados, mas também porque por eles se exprimem o ser iniciado e o querer
iniciar-se, a graça de Deus e a fé eclesial-pessoal. A acolhida da comunidade e a
pertença subjetiva à Igreja. A missão e o compromisso com a missão.
Esta questão da iniciação cristã remete a ações institucionais da Igreja, porque
esta é a comunidade dos iniciados, sua presença ativa é decisiva para a iniciação cristã.
Trata-se da Igreja na totalidade na sua compreensão hierárquica e sacramental, no
exercício de sua mediação maternal. Pois, a imersão e a participação no mistério pascal
pelos símbolos e ritos sacramentais, se dão na mediação da comunidade eclesial, como
resposta de fé pessoal, que torna possível o desenvolvimento pleno da graça
transformante recebida, e aceita a participação na vida comunitária.
Porém, a iniciação deve ser considerada como parte de um todo, pois, o
problema mais radical da atualidade não é como e quando batizar, menos ainda
61
confirmar ou oferecer a Eucaristia. Mas, como se gera e se faz um cristão, introduzindo-
o e fazendo-o participar do mistério de Cristo e da vida da Igreja na sua totalidade.
Esta dificuldade se expressa claramente na vida litúrgica da Igreja, pois, esta
teologia do mistério pascal que predomina no conjunto das celebrações não está sempre
muito consciente na vida dos cristãos, principalmente daqueles que não participam
ativamente da vida de Igreja. A principal deficiência está numa iniciação mal feita, esta
deveria comportar um antes catecumenal, os ritos sacramentais e um depois
mistagógico.
No contexto da morte, a conseqüência da falta de conscientização sobre o efeito
dos sacramentos, especialmente os da “iniciação cristã” como incorporação ao mistério
pascal de Cristo, como concretização que adquire sentido para a sua vida até chegar à
sua própria morte corporal; é a dificuldade de encará-la como Páscoa.
A co-participação na herança da vida é garantida não por méritos, mas como
dom absoluto do amor gratuito de Deus pela humanidade, entregando à morte o seu
Filho unigênito para que o mundo fosse salvo. O reconhecimento deste imenso amor
leva o fiel a assumir com coragem até as últimas conseqüências sua adesão a Cristo,
iniciada visivelmente na experiência místico sacramental de sua participação no mistério
de Cristo através dos sacramentos da fé. Portanto, a experiência da morte e ressurreição
em Cristo, antecipada misticamente no batismo, completa-se na morte real de cada
cristão. A partir disso, pode-se afirmar que a morte do cristão é a sua derradeira páscoa,
na páscoa de seu Deus e Senhor.
A teologia da morte é, de fato, teologia batismal. Celebramos as exéquias como
encerramento de um êxodo pascal. No dizer de Ione Buyst,
“exéquias” têm a ver com o Êxodo, saída, passagem da escravidão para a liberdade, da morte para a vida por isso, a liturgia pelos falecidos é uma liturgia pascal! Celebramos a páscoa da (s) pessoa (s) falecida (s), sua passagem da morte para a vida, que se iniciou em seu batismo, continuou ao longo de toda a sua trajetória de vida e se completa agora em sua morte, graças a Jesus Cristo, em comunhão com ele, mergulhada na vida dele. E nós, comunidade de fé, da qual as pessoas falecidas continuam fazendo parte, expressamos nossa gratidão, cantando no bendito, nossa louvação. Mesmo em meios às lagrimas, brota a ação de graças103
103 BUYST, Ione. Uma “louvação” na liturgia pelos falecidos. In: Revista de Liturgia. n. 2003, set/out 2007. p. 11.
62
O batismo, sacramentalmente é um enxerto na cruz de Cristo, com a promessa
da ressurreição; logo, a vida inteira do cristão se configura com uma vida crucificada
com Cristo. Assim apresenta repetidamente o apóstolo Paulo (Gl 2,20; Fl 3,10-11); Jesus
havia definido da mesma forma. Conseqüentemente, um momento histórico no qual
coincide a morte física com a realidade sacramental da morte participada de Cristo é, na
verdade, um momento da plena realização do Batismo. Este é o sentido forte da
expressão “morrer em Cristo”.
O mistério pascal, momento central e culminante no conjunto da promessa de
libertação revelada e figurada num caminho que se realiza na luz admirável da Páscoa de
Cristo e no dom do Espírito, permite todos os cristãos percorrerem na mesma estrada.
Ou seja, enquanto este evento central é celebrado no tempo da Igreja, como memorial
permanente do fato salvífico, torna-se, ao mesmo tempo, prenúncio de uma realidade
que remete à Páscoa eterna e definitiva.
Por isso, a celebração do mistério pascal é antegozo da realidade perfeitamente
concretizada e destinada à consumação final. Ou seja, toda a vida do cristão, desde o seu
batismo até a consumação de sua existência terrena com a morte real, está
profundamente marcada pela sua participação no mistério pascal que se expressa na
celebração dos sacramentos e sacramentais. O artigo 61 da SC nos fala desta estreita
relação entre a liturgia dos sacramentos e sacramentais, o ser humano e o mistério
pascal.
A liturgia dos Sacramentos e Sacramentais consegue para os fiéis bem dispostos que quase todo acontecimento seja santificado pela graça divina que flui do Mistério Pascal da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo, do qual todos os Sacramentos e Sacramentais adquirem sua eficácia. E quase não há uso honesto das coisas materiais que não possa ser dirigido à finalidade de santificar o homem e louvar a Deus104.
Do mistério pascal derivam a graça e a força com que santificamos fiéis bem
dispostos, sendo assim, a morte do cristão é também páscoa para a vida em plenitude,
pois, ele participa do mistério pascal pelas ações sacramentais nas quais vai se
configurando a Cristo.
104 SC 61.
63
Nesta páscoa, funda-se uma nova expectativa em nível escatológico que nos
remete à espera da segunda vinda de Cristo, quando nele toda a história atingirá sua
plenitude (Ef 1,10): libertado da morte pelo sacrifício de Cristo, o cristão participa deste
mistério através de ações simbólico-sacramentais ao longo da sua existência, a começar
pelo batismo até que chegar à plenitude, na parusia, o que se dará pela morte real de
cada cristão.
Não podemos aceitar a negação ou o escamoteamento da morte, na qual o ser
humano integrado e envolvido pela “tanatopráxis” diz que tudo se encerra com a morte:
morreu acabou. A resposta do cristão é: morrer pertence ao vivente (Adão), a aceitação
(que não é mero conformismo) e esperança, estão no fato de que o morrer não é um fim-
fim, um processo decadente, mas um processo Pascal, no qual o objetivo final de Deus
não é o sofrimento e a dor, mas a vida em plenitude, vida ressuscitada.
A fé cristã se alimenta e se afirma na esperança da ressurreição dos mortos.
Somente ao entendê-la como acontecimento que lhes diz respeito pessoalmente, será
possibilitado aos cristãos um novo posicionamento, e poderá revigorar-se a fé na
ressurreição de Jesus como esperança da ressurreição de todos.
64
CAPÍTULO III O RITUAL DE EXÉQUIAS COMO RESPOSTA CULTURA DO MEDO DA MORTE E ALGUNS EXEMPLOS DE TENTATIVA DE INCULTURAÇÃO DO RITUAL
O morrer é um processo que pode levar à angústia extrema e ao desespero
destruidor, mas pode também ser um momento extremo de re-encontro com a vida.
As Exéquias são constituídas pelo conjunto de ritos segundo os quais a
comunidade cristã acompanha seus mortos e encomenda-os a Deus. São ritos que nos
evangelizam, levando-nos a uma mentalidade pascal, compreendendo que a vida finita é
eternizada através da participação na própria vida de Deus. No dizer de Penha,
os ritos por ocasião da morte têm importância fundamental para a vivência do luto. Ver a pessoa morta, por mais chocante que seja, é um conforto salutar com o real, sobretudo quando é feito através da mediação dos ritos de exéquias. Através destes ritos de passagem, entramos em conexão com a nossa própria morte. Afinal, como diz Jorge Coli, historiador da arte, “pensamos que os sinos tocam para outro morto; mas é para nós que eles estão tocando”. Celebrar a morte apressadamente, com pouco ou nenhum rito, sobretudo nas cidades em que o corpo, em geral, é levado do hospital ao velório, do velório ao túmulo ou crematório, é uma maneira de não assimilar e até disfarçar a realidade da morte105.
1. O RITUAL DE EXÉQUIAS DE 1969. 1.1 O Ritual
O Ritual de Exéquias de 1969 nasceu no Concílio Ecumênico Vaticano II. Os
padres conciliares compreenderam que a morte cristã está inserida no mistério pascal.
Por isso exprimiram, através da Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada
Liturgia, o desejo de que a pascalidade da morte cristã deve marcar as celebrações
litúrgicas por ocasião da morte e sepultamento. Desta forma, a morte se reveste da
105 CARPANEDO, Penha In: REDE CELEBRA – Núcleo São Paulo. Ofício Divino de Exéquias. p. 04.
65
esperança na ressurreição. Para isso, ordenaram que “o Rito das Exéquias exprima mais
claramente a índole pascal da morte cristã” (SC 81).
O decreto de promulgação do Ritual de Exéquias diz que a santa mãe Igreja
teve sempre o costume não só de encomendar seus mortos a Deus, mas também de
sustentar a esperança de seus filhos e dar testemunho de sua fé na futura ressurreição dos
batizados, juntamente com Cristo. Por isso, segundo Bugnini106, as praenotanda
insistem que a liturgia fúnebre seja centrada no mistério pascal de Cristo. Isto foi uma
das principais preocupações da reforma litúrgica, extraindo do tesouro da tradição
eucológica os textos que melhor exprimem esta dimensão e eliminando aqueles de cunho
negativo e de sabor medieval, como o libera me Domine e o Dies irae, que focalizam
mais o juízo, o temor, o desespero do que a ressurreição.
Estes aspectos contribuem a dar um rosto novo à celebração das Exéquias e,
além de sustentar esperança na ressurreição, ajudam a dar sentido à vida presente.
As exéquias contribuem para sublinhar este aspecto de celebração da morte, sem esquecer outras dimensões complementares. A Igreja, por meio das exéquias, reza pelo defunto e dá ensinamentos aos vivos, mas principalmente ‘celebra’ o fato da morte, não evidentemente por si mesmo, mas enquanto acontecimento de salvação, já que está ligado à fonte originária de toda salvação, que não é outra senão a morte e ressurreição do Senhor107.
O Ritual de Exéquias de 1969 contém oito capítulos, assim organizados:
No capítulo primeiro, são dadas algumas sugestões para a vigília na casa do
defunto. Abre-se como uma didascália introdutória, seguindo a recitação de um salmo
adaptado a uma oração pela pessoa falecida, podendo também se acrescentar outra
oração para o conforto dos parentes. Encontram-se leituras bíblicas, salmos e orações
para uma liturgia da Palavra, que pode ser celebrada por ministras e ministros leigos.
Segundo Bugnini108 o Ritual precedente não a conhecia, ao menos como uma
ação litúrgica. Trata-se de um elemento que pertencia a uma antiga liturgia fúnebre e que
foi introduzida em alguns lugares. Tem-se notícia de sua utilização já no IV século, por
alguns Padres ocidentais e orientais. Os elementos estruturais são: leituras, cantos e
orações, com preferência dada naturalmente aos salmos. 106 Cf. BUGNINI, Annibale. La Riforma Litúrgica. p. 747-753. 107 BORÓBIO, Dionísio. A Celebração da Igreja. 2; p. 617. 108 BUGNINI, Annibale. La Riforma Litúrgica. p. 750.
66
Nos capítulos segundo, terceiro e quarto são apresentados três ritos, que devem
ser usados em três situações diferentes:
1) Celebração com estação na casa do defunto, na Igreja e no cemitério, com
duas procissões intermediarias. Segundo Bugnini109 corresponde
fundamentalmente ao antigo Rito Romano, adaptado em grandes linhas no
Ritual de 1914. O desenvolvimento deste primeiro tipo prevê a celebração
eucarística.
2) Celebração com estação na capela do cemitério e no túmulo. Neste caso o
caixão vem conduzido diretamente ao cemitério, onde acontece à celebração
litúrgica.
3) Celebração na casa do defunto. Aqui toda a ação litúrgica se desenvolve
unicamente na casa da pessoa falecida.
Nestas três celebrações, há, no final, o rito da última encomendação da pessoa
falecida, podendo ser colocado no final da celebração Eucarística na Igreja, ou como
conclusão de toda ação litúrgica, no túmulo. Este rito se compõe de uma exortação
introdutória que ilustra seu significado, seguido de um momento de silêncio durante o
qual se faz a aspersão e a incensação do caixão, o responsório e o canto final.
Os elementos propostos no Ritual não são rigidamente estabelecidos,
especialmente os cantos que, pode
67
indicadas leituras e orações que melhor se adaptam às condições da criança e à dor de
seus pais.
Os três últimos capítulos apresentam uma vasta escolha de textos bíblicos e
orações diversas atendo-se às diversas circunstâncias em que serão utilizados. São vários
textos a escolha, para os vários tipos de exéquias: para adultos, crianças e crianças antes
do batismo. São 155 textos (leituras bíblicas do Antigo e do Novo Testamento, salmos,
responsórios, orações, oração universal). Em particular as orações levam em conta as
diversas condições do falecido. Existem também quatro convites ou exortações para a
última encomendação ou adeus à pessoa falecida, e três orações para abençoar um
sepulcro, além de quatro orações de encerramento no cemitério e três fórmulas de oração
universal.
Ao analisar o Ritual de Exéquias, percebemos que nele está manifestado o
respeito à pessoa falecida como expressão da esperança na ressurreição. Num clima de
confiança na misericórdia de Deus, ele é um rito de entrega da pessoa falecida nas mãos
de Deus e ao mesmo tempo um rito de consolação para os familiares e amigos.
Possibilita às pessoas realizarem a necessária passagem pelo luto e pela morte e quando
bem celebrado exerce uma função que ajuda o ser humano a aceitar a morte, já que pela
participação no rito temos acesso à reflexão sobre a nossa própria morte.
Entre os aspectos positivos da estrutura doutrinal do Ritual de Exéquias deve
ser sublinhada a exigência de uma reformulação dos conteúdos da fé. Porém, há muitas
dificuldades em aplicá-lo à realidade atual.
1.2 – Elementos apresentados pelo Ritual, que merecem maior aprofundamento.
O Ritual de Exéquias de 1969 apresenta a possibilidade de utilização de alguns
sinais e símbolos que nos remetem à páscoa e nos ajudam a celebrar as exéquias como
páscoa. Trata-se, porém, mais de sugestões e indicações do que de soluções já
elaboradas no Ritual. No dizer de Brovelli, estas indicações “têm por objetivo sugerir
68
que, no momento solene e religioso da partida de um irmão, devemos dar o máximo de
atenção a tudo o que acontece e expressar grande sensibilidade humana”110.
Vale a pena fazer uma reflexão sobre os principais sinais/símbolos apresentados
pelo Ritual, bem como a presidência e os ministérios na celebração das exéquias, na
perspectiva de compreendê-los melhor à luz do mistério pascal com o objetivo de
aprofundar estes elementos sugeridos pelo Ritual.
1.2.1 – Alguns Sinais e símbolos111 propostos pelo Ritual de Exéquias.
O âmbito da tradição em que o simbolismo cristão encontrou a sua expressão
mais completa foi, certamente, o da liturgia, que é por definição um “conjunto de sinais
sensíveis, significantes e, a seu modo, eficazes” (SC 7). A liturgia cristã é um universo
de sinais, com a sua especificidade, nos introduz no mistério de Cristo. Em relação à
morte, porém, Scouarnec alerta:
A diversidade e a evolução das mentalidades em relação à morte e ao além-túmulo, assim como os modos de vida no espaço e no tempo, suscitaram representações e práticas rituais variadas. A tendência hoje é esvaziar, desumanizar a morte (...) Tudo isso é sintomático de uma desconstrução simbólica, sem que se possa distinguir novas coerências, nem afirmar categoricamente que tais posturas acarretam progresso para a humanidade ou regressão e perda de sentido112.
É preciso se estar atento, pois, símbolo litúrgico não é o mesmo que alegoria.
Num símbolo, o que vale não é a coisa em si, mas o que ela transmite113. Depende de um
processo de comunicação, da intenção e da intencionalidade de quem faz o gesto, do
olhar de quem olha e entra em sintonia. Depende do contexto celebrativo, como nos
convida a perceber a CNBB 110 BROVELLI, F. Exéquias. In: SARTORE, Domenico e TRIACCA, Achille. Dicionário de Liturgia. p. 433. 111 Existe uma ambigüidade na compreensão dos termos “sinal”/“símbolo”, pois são usados em vocabulários diversos atinentes ao vasto campo simbólico. A liturgia cristã apresenta-se como um conjunto de sinais e de símbolos, cuja compreensão plena é possível apenas num contexto de fé e pertença à Igreja. A linguagem dos símbolos é usada na liturgia para comunicar a grandeza do mistério de Deus que não se pode expressar apenas por palavras. Vendo o sinal, a pessoa se abre a outras realidades do passado, presente e futuro que se referem à presença de Deus e de seu amor que não se vê. 112 SCOUARNEC, Michel. Símbolos cristãos. p. 124. 113 O símbolo esconde (vela) e, ao mesmo tempo revela uma realidade muito maior. A graça de Deus, do mesmo modo, algo tão belo e infinito pode se esconder e se fazer presente através de um pouco de água, um pedaço de pão, um pouquinho de óleo, numa pessoa pecadora.
69
A cultura contemporânea está fortemente influenciada pela civilização da imagem. Assim, é urgente que aproveitemos, nas adaptações litúrgicas, todas as possibilidades da linguagem e da comunicação entre os homens (palavras, gestos corporais, sinais, imagens, elementos e ações simbólicas, meios audiovisuais, etc.).114
Os gestos transmitidos pela tradição e anotados no livro litúrgico deverão ser
criados e recriados a cada celebração, pela atuação e participação dos ministros e da
assembléia. Há um modo de ascender o círio, aspergir, incensar, que não é apenas um
gesto funcional, mas gesto que pretende realizar um toque no coração das pessoas.
Segundo Ione Buyst,
a cada gesto, a cada palavra, a cada olhar..., estamos trazendo presente e atuante (ou não!) o mistério e a força da páscoa de Jesus, que veio para transformar nossas vidas: entrar na igreja, andar, encontrar-se com os irmãos, fazer o sinal da cruz, abraçar-nos uns aos outros, beijar o altar, proclamar ou ouvir a palavra, cantar, mergulhar no silêncio, ver as flores que enfeitam o espaço de celebração... Em todos esses gestos e momentos podemos viver (ou não!) o encontro com o Ressuscitado e, através dele, com o Pai, no Espírito Santo115.
Para que se celebre através de gestos, palavras e símbolos, faz-se necessário
entender a sua ligação com a cultura e com o mistério celebrado, pois pela liturgia fomos
chamados a viver a Páscoa116 em todos os aspectos de nossa vida.
Quanto aos símbolos apresentados pelo Ritual de Exéquias, temos a
possibilidade de utilizar a Bíblia ou cruz. Se a cruz do altar for bem visível não se deve
colocar outra. Em redor podem-se colocar algumas velas acesas ou apenas o círio pascal
junto da cabeça do morto117.
O Evangelho ou a Bíblia são muito importantes como testamento recebido de
nossos pais na fé e que nos constitui como irmãos, herdeiros de uma tradição, segundo a
qual fomos constituídos povo da Aliança.
As velas e o círio pascal junto ao morto voltam à temática da vida que triunfa
na morte, expressam o sentido evangélico e pascal pelo qual foi marcada a vida do
114 CNBB. Adaptar a liturgia, tarefa da Igreja. p. 21. 115 BUYST, Ione. Celebrar com símbolos. p. 56. 116 Páscoa é um modo de viver, por isso, os cristãos fazem a passagem da morte para a vida, em sua existência individual e social. 117 RE 38.
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cristão. Trazem consigo a passagem das trevas para a luz e constituem uma vivência
humana capaz de exprimir a grande realidade do mistério pascal, a passagem da morte
para a vida.
Por essa riqueza de expressão é que o símbolo da luz ocorre com tanta
freqüência na liturgia: o círio pascal recorda a caminhada cristã à luz de Cristo
ressuscitado, que é a luz do mundo; a vela acesa na hora do batismo evoca a vida nova
com Deus; sobre ou ao lado do altar, a comunhão de vida com Deus; na primeira
Eucaristia, profissão de fé batismal; na hora da morte, fé e esperança no Cristo, luz dos
que morreram e de consagração de toda a vida a Deus. José Aldazábal diz que
os ecos da Páscoa, com o simbolismo de seu Círio, atingem também duas celebrações sacramentais muito significativas. No Batismo acendemos o Círio Pascal como recordação gráfica de que, ao ser batizados, participamos da Páscoa do Senhor. Não é esse Sacramento, segundo Paulo, a imersão com Cristo em sua morte e Ressurreição? (...) Também nas Exéquias se acende o Círio Pascal. É um rito que pode imprimir um cunho pascal nesse momento culminante da vida cristã. Essa pessoa que começou seu caminho à luz de Cristo Glorioso, à mesma luz chega agora a seu fim. O Batismo incorporou-a à Páscoa, e a morte introduziu-a definitivamente na Luz sem fim118.
A cruz é o sinal do cristão, recorda a morte salvadora de Cristo de modo
paradigmático: assim como nele a morte não obteve vitória, também não obterá na morte
do cristão. Ela refere-se à morte de Cristo e também à sua ressurreição, portanto é sinal
de nossa salvação. Pois, “se com ele morremos, com ele viveremos, se com ele nós
sofremos com ele reinaremos” (2 Tm 2,11-12). A imagem do Cristo crucificado é um
dos mais fortes símbolos de sua paixão e morte.
Ao longo da história juntamente com o apreço em que foram tidas as imagens
sagradas, nota-se uma constante suspeita e até certo tom de medo em relação a elas.
Aldazábal faz uma observação no sentido contrário, que vale a pena relatar aqui:
A imagem sagrada tem uma linguagem própria, visual e simbólica que ajuda nossa celebração (...) convida-nos a uma atitude da pessoa representada na imagem. A imagem nos aproxima do transcendental, guia-nos à celebração do mistério cristão. (...) Naturalmente, isso acontece, sobretudo no contexto de uma celebração. A imagem não é um elemento isolado: une-se à Palavra proclamada, à oração, à ação sacramental, à linguagem do canto e a música. Imagem e palavra não
118 ALDAZÁBAL, José. Gestos e símbolos. p. 35-36.
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se excluem, mas completam-se e se interpretam mutuamente. A imagem, por meio da percepção visual, dá força à mensagem da palavra. A palavra (orações, leituras, canto), por meio da percepção auditiva, dá sentido à imagem, dirigindo-a para sua realidade última.119
A cruz ocupa um lugar importante na liturgia, pois quando celebra, o cristão
tem sempre sob os olhos o tríduo pascal. Segundo Aldazábal,
a cruz é todo um discurso: apresenta-nos um Deus transcendente, porém próximo; um Deus que quis vencer o mal com sua própria dor; um Cristo que é Juiz e Senhor, mas ao mesmo tempo Servo, que quis chegar à total entrega de si mesmo, como imagem plástica do amor e da condescendência de Deus; um Cristo que em sua Páscoa – morte e ressurreição – deu ao mundo a reconciliação e a Nova Aliança entre a humanidade e Deus. (...) Nessa Cruz está centrada nossa compreensão de Cristo e de seu Mistério Pascal.120
O Ritual prevê também a possibilidade da utilização de água benta e incenso.
“De pé, ao lado da essa e voltado para o povo, acompanhado dos ajudantes com água
benta e turíbulo, o sacerdote diz ao povo...”. 121
A água, símbolo litúrgico evoca purificação e é elemento essencial na tipologia
do batismo. Tanto no batismo quanto na morte, ela expressa a participação do cristão no
mistério pascal.
Na água, desde a origem do mundo Deus se serviu para mostrar o seu projeto
salvífico realizado e completado no Batismo de Cristo. Ela, que desde a origem já possui
a presença do Espírito (Gn 1,2), torna-se fonte de salvação na Nova Aliança no batismo
de Cristo. Podemos perceber claramente esta importância da água na liturgia da vigília
pascal.
Diz-nos o Catecismo da Igreja Católica122 que a água é a fonte da vida; a água
do mar prefigura um símbolo de morte que nos associa à morte de Cristo; neste caso
então o batismo nos possibilita realizar a comunhão na morte de Cristo.
Pela fé temos esta certeza de que na morte participamos daquilo que celebramos
sacramentalmente no batismo, se a água é fonte de purificação e o elemento essencial na
119 ALDAZÁBAL, José. Gestos e símbolos. p. 54-55. 120 Ibidem. p. 148-149. 121 RE 46. Também o propõem as rubricas dos números 47 e 65 entre outros. 122 Cf. CIC 1220.
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tipologia do batismo, então ela torna-se um símbolo muito importante na celebração de
exequial. Aldazábal nos diz:
É, finalmente, a celebração das Exéquias, o outro extremo da vida cristã, também aparece no Ritual como um momento apropriado para recordar o Batismo, com a aspersão da água. Assim o recomenda, por exemplo, quando o sacerdote entra na casa do defunto, ou antes do canto de despedida, ou junto ao sepulcro (Ritual, nn. 72. 91. 97): seu sentido está em salientar o caráter pascal e batismal da morte de um cristão (Introdução, n. 52)123.
O incenso indica a atitude de oração e elevação da mente para Deus. O incenso
é acima de tudo símbolo da atitude de oferenda e sacrifício dos cristãos diante de Deus.
No caso das exéquias, sinal de respeito e veneração do corpo que está destinado à
ressurreição, evocando o sacrifício da própria vida oferecida a Deus. Falando sobre os
elementos naturais, Rosso diz em relação ao incenso:
A fumaça que sobe semelhante à nuvem, é gesto imitativo: significa erguer-se pela oração até o céu, de modo análogo ao gesto das mãos elevadas (Cf. Sl 140,2; também Sl 24, 1). Queimar incenso é ato de adoração e equivale à oferta de um sacrifício. O perfume nele acrescenta um elemento jubiloso, alegre de satisfação e beleza. Orações e sacrifícios aceitos por Deus elevam-se como perfume suave e agradável124.
O Ritual de Exéquias prevê ainda o silêncio: “todos rezam por algum tempo em
silêncio”125. A motivação mais geral, segundo a SC 30, é promover uma participação
ativa. O silêncio dá à celebração um clima de serena esperança e é uma ação privilegiada
para a meditação do mistério pascal. Ele faz parte de toda celebração litúrgica, mas,
depende do momento em que ocorre em cada celebração. Sartore diz que “o silêncio
inspira o diálogo entre Deus e os homens, torna-se manifestação do respeito devido ao
Senhor que se revela, exigência cultual para a sua presença: da liturgia do templo à
liturgia do céu (Hb 2; Sf 1,7; Ap 8,1,3-4)”126.
No dizer de Aldazábal: “concretamente, saber fazer silêncio, saber escutar dá
profundidade à nossa oração. É a atitude clássica de fé do jovem Samuel: ‘Fala, o teu
123 ALDAZÁBAL, José. Gestos e símbolos. p. 161-162. 124 ROSSO, S. In: SARTORE e TRIACCA. Dicionário de Liturgia. p. 47. 125 RE 46 e 64 entre outros. 126 SARTORE, Domenico. In: SARTORE e TRIACCA. Dicionário de Liturgiat. p. 1141.
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servo escuta’ (1 Sm 3, 10). Entretanto, não se pode escutar se não houver silêncio
interior e o ritmo da celebração não transmitir serenidade”127.
Outro sinal/símbolo previsto no Ritual é a utilização de cantos128. Dá-lhes muita
importância, sejam antífonas, versículos dos salmos ou estrofes apropriadas de outros
cânticos. Na SC 113 se lê: “A ação litúrgica recebe uma forma mais elevada, quando os
Ofícios divinos são celebrados com canto e nele intervêm os ministros sacros e o povo
participa”.
A música atrai, facilita a participação e mais eficazmente põe as pessoas em
sintonia com o mistério de Deus. O canto litúrgico não tem apenas a finalidade de tornar
a celebração mais festiva, mas ajudar a celebrar bem, pois, através dele a prece se
exprime de maneira mais penetrante, a celebração como um todo, prefigura mais
claramente a liturgia celeste, que se realiza na nova Jerusalém. Segundo Belloso, ao
elevar os espíritos, ela introduz na celebração um elemento afetivo, que irmana bem com
a palavra e com o símbolo, Segundo ele,
Santo Agostinho percebeu-o já nas confissões: Qualquer música se for interpretada com convicção, oferece naturalmente ao ouvinte ressonância afetiva, que consola, eleva e serenamente dilata a alma (Cf. Confissões 9,4, 8, 10, 33, 50). Normalmente, boa música escuta-se nos consertos. Na liturgia, a melhor música é a que todo o povo canta com convicção. É suficiente a elevação da alma, o consolo espiritual129.
Um elemento a ser observado também, é a cor litúrgica. Na SC 81, se pediu que
o Ritual “corresponda ainda melhor às condições e tradições das diversas regiões,
também com relação à cor litúrgica”.
O objetivo na liturgia exequial é manifestar a esperança cristã iluminada pelo
mistério pascal. Nas observações preliminares do Ritual de Exéquias, se fala das
adaptações a serem feitas pelas Conferencias Episcopais. Entre as normas encontramos:
“Designar a cor litúrgica para as exéquias, levando em conta a mentalidade do povo, não
ofendendo, porém o natural sofrimento humano e manifestando a esperança cristã
iluminada pelo mistério pascal de Cristo”130. Há, porém, uma grande liberdade para a
127 ALDAZÁBAL, José. Gestos e símbolos. p. 209. 128 Cf. RE 47 e 48 entre outros. 129 BELLOSO, Josep Rovira. Os sacramentos: símbolos do Espírito. p. 165. 130 RE 26.
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escolha da cor litúrgica. No Brasil, usa-se o roxo ou o branco. Sendo o branco a cor
litúrgica da Páscoa, ele expressa mais do que o roxo o aspecto da morte cristã.
1.2.2 – O ministério da presidência na celebração das Exéquias.
No ato da celebração dos sacramentais, a benção compreende a invocação de
Deus para obter da sua misericórdia o auxílio e as graças oportunas para as pessoas que a
ele se consagram (ou objetos), a fim de que a sua ação, ou presença, seja sinal de
salvação frutuosa para todos aqueles que entram em contato com o mistério. Toda a vida
cristã será transformada pela comunhão com o mistério pascal.
Os ministérios e serviços por ocasião da morte devem realizar um
acompanhamento adequado no momento de dor. Este acompanhamento se revela,
sobretudo, na presença solidária. Têm grande relevância os ministérios leigos.
As funções ministeriais exercidas pelos leigos se realizam no serviço pelo
ministério, que têm sua origem no tríplice múnus nos quais foram incorporadas pelo
batismo, elas têm um campo de especificidade próprio e desenvolvem um aspecto
fundamental da única missão. A participação no sacerdócio de Cristo faz da Igreja um
povo sacerdotal, por isso estas funções ministeriais não só devem estar a serviço da
unidade e da comunhão eclesial, como também no agir de modo solidário.
Esta participação na função do Sacerdócio de Cristo faz da Igreja um povo
sacerdotal, levando a uma diversidade de ministérios. Segundo o documento de Puebla,
a Igreja, para o cumprimento de sua missão, conta com a diversidade de ministérios. Ao lado dos ministérios hierárquicos, a Igreja reconhece o lugar dos ministérios desprovidos de ordem sagrada. Portanto, também os leigos podem sentir-se chamados a colaborar com seus pastores no serviço à comunidade eclesial, para o crescimento e vida da mesma, exercendo ministérios diversos, conforme a graça e os carismas que ao Senhor aprouver conceder-lhes131.
Entre as diversas funções não existe oposição nem competição, mas mútua
integração e complementaridade, pois, na unidade do povo de Deus congrega-se uma
diversidade de vocações, serviços, carismas e ministérios; a verdade de cada uma delas
131 PB 804.
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depende de sua capacidade de integração e referência às restantes132. Nessa diversidade
de serviços podemos relacionar aqueles referentes à celebração de alguns sacramentos e
sacramentais, entre eles as celebrações exequiais.
Nas celebrações exequiais, a CNBB requisitou e conseguiu junto à Sagrada
Congregação para o Culto Divino133 (22 de abril de 1971) a permissão para que as
exéquias fossem presididas (excluída, naturalmente, a celebração da missa exequial) por
diáconos ou leigos devidamente instruídos e autorizados.
Esta permissão representa um avanço na dimensão da ministerialidade laical.
Supera a perspectiva clerical em relação aos ministérios e lembra a Igreja apostólica134,
onde se dava os ministérios que julgavam necessários para o bom funcionamento das
comunidades e os concebia como uma “diaconia” à comunidade135. Mas, mesmo quando
presidida por leigos é preciso ter em mente que:
Para adaptar-se ao espírito do Concílio é preciso superar a idéia de um celebrante dos sacramentos isolado. É toda uma Igreja que celebra, e para que isso se torne manifesto é necessário respeitar o direito e o dever que tem a assembléia de trazer a sua participação, de modo diverso, conforme a diversidade de ordens e funções (Cf. SC 26; IGMR 58). Por isso, após conscienciosa preparação pessoal da celebração, aquele que preside deverá distribuir e coordenar os diversos ministérios que serão exercidos durante cada celebração. Ir para o altar sem a devida preparação da equipe que vai atuar significa não estar adaptado à renovação litúrgica136.
A sensibilidade litúrgica mostra que uma celebração de exéquias bem
“preparada”, presidida com “inteireza”, oferece elementos para que se tenha uma visão
positiva da morte e esta possa ser assumida na fé, que suscita a esperança e o
compromisso pela vida.
132 Cf. BORÓBIO, Dionísio. Ministério sacerdotal y ministérios laicales. p. 225. 133 Cf. HORTAL, Jesus. Comentário ao cân. 1176. In: CDC. 134 PB 680: “Desde o princípio, houve na Igreja diversidade de ministérios, cuja finalidade é a evangelização. Os escritos do Novo Testamento revelam a vitalidade da Igreja, que se manifestou em múltiplos serviços. Assim, São Paulo menciona, entre outros, os seguintes: a profecia, a diaconia, o ensino, a exortação, o dar esmolas, o presidir, o exercício da misericórdia (Cf. Rm 12,6-8); e, em outros contextos, fala de outros ministérios, como as palavras de sabedoria, do discernimento de espíritos e alguns outros ( Cf. 1 Cor 12,8-11; Ef 4,11-12; 1 Ts 5,12s; Fl 1,1). Em outros escritos do Novo Testamento, descrevem-se igualmente vários ministérios”. 135 Cf. OÑATÍBIA, I. Ministérios eclesiais: ordem. In: BORÓBIO, Dionísio (org). A celebração da Igreja v.2 – Sacramentos. p. 492. 136 CNBB. Adaptar a liturgia, tarefa da Igreja. p. 10.
76
Aspecto importante, quanto à presidência, é o fato de que todo sacramental,
sendo essencialmente bênção de Deus, supõe anteriormente a ação renovadora divina em
quem é chamado a celebrar o sacramental.
Nesta visão, o sacramental se transforma verdadeiramente na celebração da
esperança, torna-se a força necessária para ver cada vez melhor as maravilhas de Deus,
para readquirir a confiança na sabedoria e no amor de Deus Pai, para vencer as forças do
mal que agem no mundo por causa do pecado, para reanimar a esperança na vitória final
e definitiva da páscoa de Cristo.
1.3 – Algumas deficiências na aplicação do Ritual
A fé da Igreja manifesta-se na liturgia, lugar privilegiado para confessá-la. O
Rito de Exéquias, juntamente com as imagens do velório e todas as expressões que
acompanham o enterro coloca as pessoas num confronto salutar com o real e as faz viver
a presença na ausência e a despedir-se das pessoas queridas, exercendo um papel
importante, enquanto anúncio de Páscoa. É o que nos diz Evaristo de Miranda:
Os ritos do corpo presente colocam-nos em contato com o defunto e, em conseqüência, com diversas realidades psicológicas e espirituais da morte. Esses ritos profanos e sagrados enriquecem os conscientes e os inconscientes. Os ritos funerários nos inserem em nossa vida, na perspectiva de uma vida plena. Ajudam-nos a descobrir o significado de estar vivos, a graça e a dádiva da vida. E talvez, por isso mesmo, preparemo-nos para nossa própria morte. Os ritos exéquias garantem o sucesso do processo de luto e a plena posse da herança espiritual dos falecidos137.
Deus passa de modo especial, na vida do ser humano, coloca-se a seu lado,
77
falecida nas mãos de Deus e, ao mesmo tempo, um rito de consolação para os familiares
e amigos que possibilita às pessoas realizarem a necessária passagem pelo luto e pela
morte, possibilitando-lhes uma revisão de vida. Mas, a passagem da palavra ao
sacramento da fé supõe o contexto de fé. Porém, muitas vezes, conteúdos e expressões
simbólicas são propostos a assembléias, freqüentemente formadas por pessoas não
cristãs ou que ainda não foram evangelizadas.
Hoje temos maior consciência de que o Ritual de Exéquias atingiu apenas em
parte o desejo dos padres conciliares na perspectiva da recuperação da índole pascal da
morte cristã, pois, não conseguiu atingir na dimensão celebrativa o mesmo êxito que
atingiu nas dimensões teológica e doutrinal. No dizer de Brovelli, há dificuldade até
mesmo em relação a aspectos doutrinais:
No Ritual, com efeito, convergem, como já vimos textos tradicionais, ligados a estágios difíceis e incertos da reflexão sobre os temas escatológicos. Abordam-se aspectos verdadeiros do problema quando se observa: “O novo Ritual purificou o antigo das situações ‘doloristas’ e de temor [...], mas conservou a linguagem arcaica e uma visão do estado dos defuntos que revelam uma escatologia primitiva, anterior à reflexão teológica”138.
Outra questão relevante é que o Rito de Exéquias por si só não pode converter e
transformar as pessoas, se não houver uma atuação pastoral eficaz. E aqui entra a grande
tarefa da Iniciação Cristã, que já abordamos rapidamente no segundo capítulo. Sem uma
verdadeira iniciação nos mistérios de Cristo, ocorre que
na liturgia acontece com freqüência que a expressão apesar de ser exata, não estabelece a comunicação, pois a linguagem não é captada e entendida. Quem transmite e os destinatários não estão sintonizados, e a palavra litúrgica não é inteligível aos participantes. Na liturgia dos funerais a dificuldade é ainda maior, porque se trata de falar da morte e do além (...). A liturgia não deve somente comunicar a mensagem intelectual e doutrinal, mas dizer uma palavra de conforto e de consolação139.
Cabe, pois, à Igreja a tarefa de fazer a “Iniciação Cristã” de seus fiéis, através
da celebração e do conhecimento profundo da Palavra de Deus e dos vários momentos
138 BROVELLI, Franco. In: SARTORE e TRIACCA. Dicionário de Liturgia. p. 435. 139 ROUILLARD, Philippe. Os ritos dos funerais. In: VVAA. Os sacramentos e as bênçãos (ANÁMNESIS). p. 250.
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da história da salvação. Só assim se adquire a linguagem decorrente do Mistério e a
maneira correta de se bendizer a Deus no rito e na vida comum. Só assim, diante da
experiência desafiadora da morte, o cristão se confia às mãos de um Deus que é Pai e
que ama a cada um com amor incomensurável e sem limites.
Outro problema é o fato de que a mentalidade da grande maioria dos cristãos
ainda não se modificou, mesmo passados trinta e cinco anos da publicação do Ritual.. O
texto do Ritual de Exéquias mudou a linguagem, mas a mentalidade dos cristãos ainda
não mudou. Isto, por que não bastou a tradução do Ritual para resgatar a índole pascal.
Por isso a teologia do mistério pascal, que deve ser predominante nas celebrações de
exéquias, não é tão consciente na vida dos cristãos, ou seja, a liturgia, expressão da fé da
Igreja, no mundo contemporâneo, mesmo após o Concílio Ecumênico Vaticano II, se
tornou reflexo da fé de apenas uma pequena parcela do povo de Deus, principalmente no
caso de celebrações das exéquias cristãs.
Além do fato de que a sociedade atual apresenta características novas, que
fizeram surgir uma dicotomia entre o conteúdo do Ritual de 1969 e a maneira de agir
que não favorecem a reta aplicação à proposta celebrativa.
Os liturgistas sugerem caminhos de mudança. Gregório Lutz, comentando o
Ritual de Exéquias e seu contexto histórico bem como sua tradução, diz:
No Brasil, este ritual foi simplesmente traduzido e no ano de 1971 publicado. É verdade que ele exprime a fé autêntica cristã com respeito à morte, mas esta fé é expressa numa linguagem que, aqui, dificilmente se entende. É por isso que este novo ritual não foi tão bem aceito como o teria sido um ritual adaptado, eventualmente com sugestões diferentes para as regiões com tradições próprias e para ambientes diversificados. Fica, portanto, a tarefa de criar um ritual de exéquias que exprima o caráter pascal da morte cristã numa linguagem, em que gestos e símbolos que brotem do ser e sentir, do pensar e crer do povo cristão do Brasil140.
Apesar dos valores do Ritual de Exéquias, Gregório Lutz, observa algumas
falhas e vê a necessidade de uma adaptação do Ritual à cultura brasileira, pois, além de
considerá-lo complicado, disse ter havido apenas uma mera tradução de um Ritual
elaborado para a Igreja inteira, sem nenhuma adaptação:
79
Sem dúvida eles expressam a fé cristã na passagem pela morte para a nova vida na casa do Pai, mas numa linguagem e em ritos, gestos e símbolos que, em grande parte, não condizem bem com a maneira de ser e de celebrar das comunidades católicas do Brasil.141.
Outra questão que traz dificuldades é o fato de que algumas orações e preces do
Ritual não transparecem a dimensão pascal, mas revelam um Justiceiro: “Tremo por
meus pecados e me envergonho diante de vossa face. Não me condeneis Senhor, quando
vierdes em julgamento...”142. Nesta linha expressa Torres Queiruga:
A liturgia está repleta de orações que vão nessa direção, sobretudo por aparecerem quase sempre em fórmula de súplica. Tais orações não deixam certamente de manifestar grandes valores, mas o modo como são expressas fazem a misericórdia de Deus depender de nossas súplicas, e pelo mesmo motivo parecem pôr em dúvida o amor primeiro, gratuito e incondicional do Senhor143.
Outro exemplo de limites na composição de oração está no primeiro tipo de
exéquias, onde se lê: “Pai de misericórdia, que este vosso filho N. não sofra o castigo de
seus atos, ele que desejou fazer a vossa vontade...”144. Nas orações para as missas dos
mortos lemos: “Ó Deus inclinai vosso ouvido às nossas preces, ao implorarmos vossa
misericórdia para com vosso filho...”145. No dizer de Torres Queiruga, tais limitações no
conteúdo dessas orações ocorreram por que:
A letra de muitas orações, exatamente por sua antiguidade venerável, nasceu em tempos nos quais a concepção literalista da revelação tendia a considerar iguais todos os textos bíblicos, sem levar em conta o seu caráter temporal. Resulta, então, que com freqüência são adotadas idéias do Antigo Testamento ignorando as correções que a novidade do Deus revelado em Jesus está solicitando146.
Isso leva muitos católicos a enfrentarem dificuldades para exprimir sua fé
através das orações litúrgicas. Preparar para a vida cristã é preparar para a morte cristã.
Algumas práticas desagregadoras como o alcoolismo, sarcasmo e até brigas, invadem o
141 Ibidem. p. 31. 142 RE p. 27. 143 TORRES QUEIRUGA, Andrés. Repensar a ressurreição. p. 257. 144 RE p. 33. 145 RE p. 200. 146 TORRES QUEIRUGA, Andrés. Repensar a ressurreição. p. 258.
80
ambiente celebrativo, não é raro os ministros das Exéquias celebrarem com
interlocutores inesperados, intervindo e perambulando durante o Rito.
Esta perda de significados afeta vida e a morte. Há uma questão cultural que
deve ser revista para que o cristão possa lidar pascalmente com a morte.
Os símbolos que nossos pais ainda compreendiam se tornaram enigmas para os filhos. Eles estão acostumados com a linguagem dos meios de comunicação e o pensamento de uma época marcada pela tecnologia e pelo consumo. Perante tal situação, uma das tarefas mais importantes da teologia atual da morte é encorajar e formar uma linguagem que o homem de hoje compreenda147.
Outro elemento a ser observado é o fato de que o primeiro “tipo” de celebração
exequial proposto pelo Ritual, comporta a celebração da missa exequial. A morte do
cristão envolve toda a Igreja. Por isso a comunidade cristã, diante da morte, é convidada
a celebrar a própria fé pascal. A morte cristã é o complemento do Batismo e tem na
Eucaristia a garantia da ressurreição.
Rouillard diz que “a missa não é somente sufrágio para o defunto, mas meio de
vincular o transitus do cristão com o mistério da Páscoa de Cristo. Este vínculo é bem
expresso nas orações das missas pelos defuntos que se encontram no novo missal
romano”148. Com efeito, a Eucaristia é o sacramento de toda a vida cristã e toda a
história da humanidade, da criação à Parusia.
O fato de que muitos sacramentos e sacramentais se realizarem no âmbito da
Eucaristia é sinal evidente de que a Eucaristia é o ápice dos sacramentos e o seu mais
profundo significado. Convém, entretanto, enfatizar ainda que a Eucaristia, celebrada em
determinadas ocasiões ligadas com os sacramentais, indica que o mistério eucarístico
favorece a participação mais imediata tanto no mistério da encarnação do Verbo, através
do compromisso positivo com o temporal, quanto no mistério de sua morte e
ressurreição nos grandes momentos de dor e de dificuldades da humanidade. Nas
exéquias, ela tem a capacidade de transparecer nossa fé pascal.
As celebrações eucarísticas são sinais da contínua encarnação do Verbo e da
constante redenção do ser humano. São sinal da compaixão do Senhor com o sofrimento
do ser humano: todos estes aspectos que estão presentes na invocação dos sacramentais. 147 BLANK, Renold. Escatologia da Pessoa. p. 47. 148 ROUILLARD, Philippe. Os ritos funerais. In: VVAA. Os Sacramentos e as Bênçãos. p. 248.
81
Sendo assim, a celebração da missa exequial além de ser profundamente oportuna é uma
opção que se revela de grande valor teológico.
A escassez de presbíteros, porém, traz uma série de dificuldades. Sesboüé
analisando esta questão, mesmo percebendo o valor importantíssimo desta ocasião
pastoral oportuna de encontro do ministro ordenado com as ovelhas “desgarradas” diz:
82
cristão: muitas vezes, a ela acorrem simultaneamente crentes, indiferentes, ateus, etc. Por esta razão, justifica-se a pergunta tipicamente que indaga se é ou não oportuno celebrar a Eucaristia151.
O primeiro tipo de Exéquias proposto pelo Ritual de Exéquias consta de três
etapas e é o mais completo, porém, as dificuldades impostas pela sociedade atual são
muitas, entre elas, está o fato de que não há lugar para o morto nas casas modernas,
quiçá apartamentos, da mesma forma que não há oportunidade para os cortejos fúnebres
no caótico trânsito urbano. No dizer Rouillard:
A superação dos cortejos fúnebres se deveu a motivos de ordem material: perturbam a circulação dos automóveis (...) No século da velocidade não existe mais lugar para a lentidão dos mortos (...) A supressão desses cotejos tem como conseqüência uma liturgia bem menos longa de diversificada. Em vez de prever um rito na casa do defunto, segundo na Igreja e terceiro no cemitério, a liturgia urbana se limita agora a um único rito a ser celebrado na Igreja ou no cemitério152.
Outra questão que também traz dificuldade na aplicação do ritual refere-se aos
locais destinados aos velórios. Nos cemitérios, em geral, são inadequados, muitas vezes
abafados, desconfortáveis, mal organizados, e mal sonorizados. Impera a falta de espaço
conveniente. Às vezes, enquanto se celebram as exéquias, em uma sala, há cerimônias
simultâneas, presididas por ministros de denominações diferentes. Uma cerimônia tende
a interferir na outra. Mesmo a localização dos cemitérios dentro das áreas urbanas é
problemática. Nas grandes cidades do Brasil está se tornando impossível à realização de
velórios durante a noite, devido aos assaltos sistemáticos aos participantes dos velórios.
Os elementos aqui suscitados explicitam a urgência de uma revisão do Ritual, como foi
proposto no ano de 1969 ou a elaboração de um novo Ritual de Exéquias.
2 – ELEMENTOS IMPORTANTES NA INCULTURAÇÃO DO RITUAL
As exéquias cristãs estão intimamente ligadas à esperança bíblica. A
ressurreição de Jesus é a chave de que dispomos para entendermos o mistério de nossa
morte. Por isso a liturgia exequial deve ser do princípio ao fim, uma profissão de fé na
151 BROVELLI, Franco. In: SARTORE e TRIACCA. Dicionário de Liturgia. p. 434. 152 ROUILLARD. ROUILLARD, Philippe. Os ritos funerais. In: VVAA. Os Sacramentos e as Bênçãos. p. 231.
83
páscoa de Cristo e um momento de comunhão intensa com as pessoas que choram a
morte.
2.1 – Inculturação do Ritual de Exéquias.
A palavra inculturação já existia no tempo do Concílio Ecumênico Vaticano II,
mas não ainda reconhecida teologicamente. Por isso, o Concílio usou o termo adaptação
(adaptatio: SC 40) e acomodação (accommodatio: SC 10). Portanto, as raízes da
inculturação estavam lá, mas ainda não expressas com a palavra que utilizamos na
atualidade153. Cabe lembrar que a palavra “cultura”154 está na raiz do termo inculturação.
Apesar de não haver ainda um consenso na definição de inculturação, o teólogo
Marcello Azevedo, assim a conceitua:
Por inculturação designa-se o processo ativo a partir de dentro mesmo daquela cultura que recebe a revelação através da evangelização e que a compreende e traduz segundo seu modo próprio de ser, de atuar e de comunicar-se. Pelo processo de evangelização inculturada lança-se no solo da cultura a semente evangélica. O germe de fé vem a desenvolver-se então nos termos e segundo a índole peculiar desta cultura que o recebe155.
O conceito de inculturação carrega a afirmação de uma integração do
Evangelho nas culturas diferentes de forma interativa e respeitosa. É um ir ao encontro
do outro, levando uma mensagem que precisa integrar-se à sua cultura para ser
compreendida e bem acolhida.
Jesus é o modelo e mestre da inculturação, exemplo a ser seguido de perto por
todos os cristãos. Após a morte e ressurreição, Cristo envia seus seguidores para
continuar realizando seu projeto: “Ide por todo o mundo e proclamai o evangelho a toda 153 Cf. CHUPUNGCO, A. In: In: SARTORE e TRIACCA. Dicionário de Liturgia. p. 1-12 – A teologia da adaptação ganha forças em diversos documentos Conciliares (destacam-se a SC 37-40). Certo número de livros publicados depois do Concílio Ecumênico Vaticano II fazem distinção entre adaptatio e accommodatio: a primeira é de competência das conferências episcopais e se refere ao uso das possibilidades previstas pelos livros litúrgicos oficiais; a segunda é de competência dos ministros
84
criatura” (Mc 16,15). No dizer de Marcello Azevedo a prática da evangelização deve
inspirar-se em Cristo:
A inculturação que hoje se faz pelo processo de evangelização e como uma réplica daquela inculturação que em Jesus se realizou existencialmente. Fundamentada teologicamente e cristologicamente no ministério da encarnação, a inculturação se projeta na evangelização como expressão da missão. Por sua vez, Jesus, fortemente enraizado em sua própria cultura, mantém, contudo em relação a ela, uma liberdade crítica: nela assume e confirma o que é evangelicamente válido; nela corrige ou reorienta, numa dinâmica de conversão e de transformação, o que nela se desviou ou perverteu, atuando assim o plano salvífico de Deus156.
A relação entre evangelho e culturas é uma relação que busca a proximidade e
pode chegar à integração. Para isto é necessário o método da encarnação, que não
permanece na periferia, mas atinge o centro vital dos valores. “Importa evangelizar, não
de maneira decorativa, como que aplicando um verniz superficial, mas de maneira vital,
em profundidade e isto até às suas raízes”157.
Usando a linguagem do Concílio, a Igreja permite fazer algumas adaptações158,
segundo as necessidades dos diversos lugares, desde que se mantenha a unidade
substancial do Rito Romano159. Permite, então, que ritos próprios das culturas sejam
incorporados ao Rito Romano dando a eles o sentido evangélico, com a permissão da
autoridade local, ou seja, o Bispo160. “A Igreja não quer impor na liturgia uma forma
rígida e única para aquelas coisas que não dizem respeito à fé ou ao bem de toda
comunidade. Antes, cultiva e desenvolve os valores e os dotes de espírito das várias
nações e povos” 161. José Raimundo de Melo, diz que temos inculturação litúrgica:
Quando, num encontro entre a liturgia e a cultura, os elementos litúrgicos inserem-se de tal modo no seio da cultura, que naturalmente a liturgia vai se expressar através dos pensamentos, linguagem e modelos rituais próprios de tal cultura. Inculturar a liturgia significa inseri-la no profundo coração de uma cultura e deixá-la manifestar-se de acordo com o jeito de ser desta162.
156 Ibidem. p. 464. 157 EN 20. 158 Aquilo que a SC tratou como adaptação pode ser traduzido hoje com a palavra inculturação. 159 Cf. SC 38. 160 Cf. SC 37. 161 SC 37. 162MELO, José Raimundo. Inculturação da liturgia. In: Revista de Liturgia. n. 175 Jan/fev. 2003. p. 5.
85
Muito ainda precisa ser feito para assimilar em nossas celebrações essa
renovação litúrgica, como constatou a Conferência de Santo Domingo163 dizendo que
ainda não se dá atenção ao processo de uma sã inculturação experiência mais profunda
de uma sã inculturação da liturgia. Tal inculturação poderia começar por zonas mais
sensíveis às adaptações como é o caso do Ritual de Exéquias. Falar em inculturação
pode fazer pensar que se trata apenas de compor novos textos litúrgicos, ou criar orações
referentes à vida do povo, porém, como nos alerta a CNBB, a inculturação inclui outros
níveis muito mais factíveis e eficazes:
Não se trata de criar uma nova liturgia, nem se trata de uma novidade pela novidade, muito menos de ressuscitar elementos já extintos por amor à arqueologia. Uma inteligente pastoral, fundamentada sobre uma fé muito firme e vivida profundamente pela comunidade cristã, aliada a uma estreita colaboração entre os pastores da Igreja e as pessoas competentes nos diversos campos da ciência, poderá indicar o caminho para valorizar certos elementos válidos das tradições locais autênticas, a fim de que a liturgia, conforme as prudentes indicações do Concílio Ecumênico Vaticano II, possa expressar-se, mais claramente na linguagem, na mentalidade, na vida das diferentes Igrejas locais, ainda que respeitando a unidade essencial da fé e em profunda comunhão de amor164.
Pelo modelo do mistério Pascal, as culturas em contato com o Evangelho,
podem sofrer correções, purificações e transformações. A inculturação implica sim um
morrer e um ressuscitar para aperfeiçoar a cultura. E o Cristo glorioso mais facilmente se
identifica com diferentes povos e culturas. Sendo assim, a inculturação da fé caminha ao
lado da evangelização da cultura, aperfeiçoando-a e enriquecendo a fé.
Sendo assim podemos concluir como diz Santos Costa:
É direito sagrado de todos os povos conhecerem e amar Jesus Cristo e serem iniciados no seu mistério Pascal. Por outro lado, todos os povos carregam seu tesouro simbólico como uma reserva dos valores que perpassam o limiar da vida e da morte. É neste horizonte que se situa a área que o processo de inculturação litúrgica deve conhecer com profundidade, pois lá reside a capacidade de expressão do que há de mais belo no coração das culturas.165
163 SD 43. 164 CNBB. Adaptar a liturgia, tarefa da Igreja. p. 15-16. 165 COSTA, Valeriano Santos. A inculturação da celebração da fé. In: Revista de Cultura Teológica. nº 60 jul/set, 2007, p. 86
86
Na perspectiva do Ritual de Exéquias faz-se necessário transformar as
celebrações litúrgicas, em especial as exéquias, em verdadeiras expressões da vida do
povo, não apenas em sua superfície, mas, em radical compromisso com a experiência
histórica.
De forma geral em nossa realidade brasileira há um grande esforço com muitos
sinais de inculturação. Temos uma densidade de participação ativa e criativa nos
cânticos para a liturgia, uma consciência mais larga dos ministérios litúrgicos, uma
tentativa de expressão simbólica e releitura dos antigos. Em relação ao Ritual de
Exéquias, o problema pode estar na falta de inculturação:
Sem dúvida eles expressam a fé cristã na passagem pela morte para a nova vida na casa do Pai, mas numa linguagem e em ritos, gestos e símbolos que, em grande parte, não condizem bem com a maneira de ser e de celebrar das comunidades católicas do Brasil166.
No dizer de Brovelli, é necessário a expressão de uma liturgia condizente com a
realidade atual, especialmente no que diz respeito à linguagem, para isto:
A evolução de orações ou cantos, de símbolos ou de estruturas na praxe funerária cristã também é indício da busca de uma linguagem que fale mais adequadamente dos conteúdos da fé. É inegável, por outro lado, que o contexto cultural hodierno requer, com particular urgência e com evidente singularidade de sugestões e de destaques, da comunidade cristã que esta faça esforços criativos para testemunhar, com acentos profundos e ao mesmo tempo familiares, as certezas que a sua fé no Deus vivo continuamente alimenta167.
O Ritual de exéquias insiste que o sacerdote deve aproveitar de bom grado as
diversas possibilidades previstas no Rito, que lhe são concedidas, respeitando as diversas
circunstâncias sabendo ouvir os desejos da família do falecido e da comunidade168. A
preocupação de viver e fazer celebrar uma liturgia mais próxima do povo está presente
em muitos documentos da Igreja. Entre eles está o Doc. de Puebla169, que nos convida ao
favorecimento de uma mútua fecundação entre liturgia e religiosidade popular que
166 LUTZ, Gregório. Pensando um novo ritual de exéquias. In: Revista de Liturgia. n. 149 [set./out.] 1998. p. 31. 167 BROVELLI, F. In: In: SARTORE e TRIACCA. Dicionário de Liturgia. p. 434-435. 168 Cf. RE 23. 169 Cf. PB 465.
87
possam orientar os anseios de oração e vitalidade, ao mesmo tempo aproveitando a
riqueza simbólica e expressiva que podem oferecer à liturgia um dinamismo criador.
2.2 – A religiosidade popular e as celebrações exequiais170
Por religiosidade popular entendemos um conjunto se manifestações religiosas
entendidos como a vivência da fé cristã católica de forma espontânea, ligados a ritos,
costumes e festas, como parte da cultura do povo simples, pois, a liturgia com o correr
dos séculos, abandonou de certa forma o povo simples, levando-os por sua vez a não
conseguir se expressar através dela. É daí que provém a separação entre liturgia e
religiosidade popular, gerando uma falta de atenção pastoral conveniente, e como
conseqüência uma desconexão com a vida da Igreja.
Segundo Dorado, é um erro de neoclericalismo impor ao povo simples uma
pesada carga de aprender uma linguagem religiosa estranha e sujeitá-lo a uma nova
cultura. Do contrário: “as celebrações aparecem como um fenômeno não tanto de
expressão de fé comunitária, mas como cerimônias estranhas assistidas por um povo
estranho; ou ainda como simples serviços religiosos que se prestam e oferecem aos fiéis,
sem que estes consigam identificar-se com eles”171.
Quando se trata, porém, de avaliar o que o catolicismo popular possui de
positivo e de desvio torna-se objeto de muitas controvérsias. Mas, ele não pode ser
desprezado, nem tratado com indiferença por causa disso, pois, por si mesmo ele
expressa a atitude religiosa diante de Deus, mantendo ao mesmo tempo suas raízes
religiosas e sua solidez popular.
A Sacrosanctum Concilium, procurando uma relação harmoniosa entre liturgia
e catolicismo popular, propõe: “Os piedosos exercícios do povo cristão, conquanto
conformes às leis e normas da Igreja, são encarecidamente recomendados, sobretudo
quando são feitos por ordem da Sé Apostólica”172. Também a Congregação para o Culto
Divino e Disciplina dos Sacramentos reafirmou esta posição no Diretório sobre a
Piedade Popular e a Liturgia:
170 Há uma dificuldade de uma terminologia unívoca para o termo, por ele, entende-se também: “piedade popular” e “catolicismo popular”. 171 DORADO, A. Gonzáles. A incorporação da religiosidade popular na Liturgia. In: CNBB. Adaptar a liturgia. p. 109. 172 SC 13.
88
É preciso, antes de tudo, evitar apresentar a questão da relação entre Liturgia e piedade popular em termos de oposição, como também de equiparação ou substituição. De fato, a consciência da importância primordial da Liturgia e da busca das suas genuínas expressões não devem levar a descuidar da piedade popular e muito menos desprezá-la ou considerá-la supérflua ou até mesmo prejudicial para a vida cultual da Igreja173.
O catolicismo popular é uma síntese da fé católica e da cultura latino-americana
que se sustenta em muitas raízes ocultas do passado e do presente. Essa cultura também
se alimenta das dificuldades e situações históricas do povo.
No caso da morte, o catolicismo popular desenvolveu alguns ritos, ao lado da
liturgia oficial, como podemos perceber nos velórios, onde rezam o terço e cantam
louvações e benditos. Somente no Maranhão, Jocy Rodrigues e Laura Nunes174
recolheram e publicaram vinte e dois benditos populares cantados por ocasião dos
velórios, também no Hinário Litúrgico da CNBB175 encontramos uma louvação popular
para a liturgia pelos falecidos, de autoria do Padre Geraldo Leite e que pode ser usado
como prefácio. Analisando os prefácios populares, Reginaldo Veloso, diz:
Enquanto é tempo, urge que se leve a sério a vida e a cultura do povo. Não se trata de jogar pela janela os tesouros acumulados e com carinho conservados durante tantos séculos de experiência litúrgica... Trata-se mais de colocar toda essa prata e esse ouro nas mãos de um povo, que, através de seus artistas devidamente informados sobre a história, as tradições, os conteúdos e leis próprios da liturgia cristã, é capaz de refundi-los de acordo com a índole, seu jeito de ser, sua experiência eclesial hodierna e assim celebrar o dom de Deus como convém176.
Dorado177 diz que em alguns sacramentos, em que o povo conseguiu superar o
sentido de cumprimento da obrigação, percebe-se facilmente a teologia do povo como
fator de interpretação. Isto se comprova, especialmente em relação à celebração
exequial, que está ligada diretamente com a preocupação religiosa com o defunto.
Segundo ele na religiosidade popular,
173 CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS. Diretório sobre a Piedade Popular e a Liturgia: Princípios e Orientações (Coleção Documentos da Igreja 12). p. 50. 174 RODRIGUES, Jocy e NUNES, Laura. Ritos fúnebres e populares do Maranhão. p.36-54. 175 HL, Vol. IV. p.106. 176 VELOSO, Reginaldo. Prefácios populares. In: Revista de Liturgia. n. 74, março/abril, 1986. p. 13. 177 Cf. DORADO, A. Gonzales. In: CNBB. Adaptar a liturgia tarefa da Igreja. p. 119.
89
o mundo dos defuntos, por causa de suas diferentes possibilidades de situação, é um mundo sempre sagrado, porém ambíguo, favorável algumas vezes ameaçador outra vezes. É necessário manter com ele relações de solidariedade amistosa. O mais importante de tudo é ajudá-los em sua caminhada pela salvação, especialmente logo após a morte e durante um prazo mais ou menos prolongado. A principal forma de ajuda é recomendar de diversos modos os defuntos aos santos patronos e afastar de seu caminho as influências diabólicas178.
O mundo das crenças populares, que é a raiz mais profunda da religiosidade,
permite uma grande aproximação e mediação com o mundo transcendente. Isto leva
muitos quererem estar de “bem” com os defuntos, pois, podem castigar os que não
rezam por eles. Outros, por sua vez, confiam tanto nos defuntos, a ponto de se
despreocupar com o trabalho, pensando que eles irão solucionar seus problemas.
Nenhuma destas atitudes é autenticamente cristã. Este costume arraigado no catolicismo
popular, decorrente dessa “solidariedade amistosa” levando a uma grande importância
da celebração da Eucaristia pelos defuntos deve, portanto, ser redimensionado.
Tirando o aspecto supersticioso que possa estar por traz desta prática, que
transforma a liturgia não em celebração do mistério pascal, mas apenas em certo tipo de
devoção ou reza para pedir ou agradecer alguma coisa a Deus, devemos encontrar nela
um meio de inculturar a fé. Provas disto são as listas de “intenções” que se rezam no
início das celebrações, com suas infindáveis listas de: “Missa por alma de N.”, etc. Não
se trata de condenar essa situação ou as pessoas envolvidas nela, mas de purificá-las
procurando saídas pastorais, principalmente se levarmos em conta o fato de que na
celebração eucarística o único mistério pascal de Jesus Cristo é celebrado de forma
nuclear.
Segundo Giraldo, pela fé sabemos que as pessoas falecidas vivem em Deus,
embora não nos seja dado conhecer que grau de purificação terá alcançado. Segue-se que
devemos rezar por todos os nossos mortos, principalmente naquela oração que é culmen
et fons [cume e fonte] da liturgia:
Quando se perde uma pessoa querida o coração de quem fica é dilacerado, sua vida é destruída. Às vezes ouvimos dizer: “Vou freqüentemente ao cemitério, porque lá sinto vizinhas as pessoas que me são queridas”. Quando não sabemos o que responder às pessoas
178 Ibidem. p. 116.
90
visitadas por um luto recente, confiemos a resposta à voz autorizada da Igreja em oração. Ela dirá: “Você faz bem em ir ao cemitério para dar espaço a sua dor. Saiba, porém, que o lugar onde você se encontra mais próximo daqueles que foram arrancados a seu afeto, não é o cemitério, mas a celebração eucarística. Quando você se prepara para cantar o Sanctus, eleve ao alto o seu olhar. Na assembléia lá do alto verá claramente, por exemplo, sua esposa, tornada ela também especialista do louvor. Lá você verá, por exemplo, seu filho que, dotado doravante de voz possante, está em condições de dar vigor a seu pobre fio de voz”. Esta é a teologia autentica. É esta a pastoral litúrgica179.
No dizer de Giraldo, pronunciar o nome da pessoa falecida na oração
eucarística é uma antiga e ininterrupta tradição, muito cara ao coração de todos e salutar
do ponto de vista teológico:
Trata-se da proclamação sacral do nome. Para nós, cristãos ocidentais modernos, com a inflamação das palavras a que estamos habituados, infelizmente o nome diz pouco. Freqüentemente se reduz a uma rotina de cadastramento. Mas para o homem da antiguidade e também para o homem oriental, ou melhor, para o oriental da antiguidade que cada um de nós leva dentro de si inconscientemente, o nome é a pessoa toda (...). Naturalmente por uma catequese adequada, será necessário fazer compreender nossos fieis ocidentais modernos que não se trata de ressaltar o defunto, nem seus familiares. Em realidade, pela proclamação sacral do nome do defunto se pede a Deus que o transforme escatologicamente no “corpo eclesial”, em virtude da comunhão ao “corpo sacramental” que os presentes se preparam para receber em sufrágio180.
Outro momento de comunhão com nossos defuntos na oração eucarística,
segundo Giraldo, é o momento do Sanctus, nos sintonizando com a Jerusalém celeste,
nossas vozes se fundem num coro imenso que canta a grandeza de Deus:
No momento da intercessão, somos nós que nos dispomos a tomá-los pela mão. De fato, eles não estão mais em condições de dirigir pessoalmente a Deus o pedido que implica a efetiva participação no corpo sacramental. Por isso vimos nós ao encontro de sua fraqueza e substituímos amorosamente sua boca que não está mais em condições de comungar. Por nossa comunhão e sufrágio pedimos em favor deles a transformação escatológica que esperam ardentemente181.
179GIRALDO, Cesare. Redescobrindo a Eucaristia. p. 32-33. 180 Ibidem. p. 64-65. 181 Ibidem. p. 59-60.
91
O costume de celebrar a Eucaristia pelos falecidos remonta ao período
patrístico, é uma tradição católica que remonta o séc. VI. Mas a ceia eucarística
celebrada durante as exéquias na presença do corpo da pessoa falecida só se desenvolveu
a partir do século VII. Sicard182, em seus estudos nos mostra que:
Não parece provado pela história dos textos que a liturgia das exéquias venha sempre ligada a uma celebração eucarística própria. Historicamente, parecia antes que era a própria morte do cristão, mais do que o funeral, que se considerava ligada a uma celebração eucarística183.
Nas exéquias entregamos ao Senhor o caminho pascal percorrido pela pessoa
falecida desde seu batismo até a hora de sua morte. Na celebração eucarística por
ocasião das exéquias, os cristãos, instruídos pela fé, terão oportunidade de participar
dela, não como acontecimento “macabro”, mas como ato de esperança, no meio da
tristeza e da dor.
Passará a ser momento em que a Igreja se unirá à família enlutada, para
participar de sua aflição e ajudá-los a olharem a morte com a luz da ressurreição. Enfim,
será momento em que a Igreja se unirá a família enlutada para oferecer-lhes a esperança
cristã. Fortalecidos pelo sacramento da vida eterna e instruídos pela Palavra de Deus, os
cristãos, especialmente os que não foram bem instruídos na fé terão oportunidade de ver
a morte de modo mais real e menos tétrico.
Com reforma litúrgica do Vaticano II, permaneceu o costume da missa do corpo
presente que foi enriquecida de uma eucologia para a missa dos defuntos (335 a 341 da
introdução geral do Missal Romano).
Na Instrução Geral do Missal Romano, retomando a Praenotanda número um
do Ritual do Exéquias de 1969, afirma a índole Pascal do sacrifício eucarístico pelos
defuntos nos lembrando que a Igreja oferece o sacrifício eucarístico da Páscoa de Cristo
pelos defuntos, a fim de que, pela comunhão de todos os membros de Cristo entre si, o
que obtém para uns o socorro espiritual traga aos outros a consolação da esperança. No
numero 341 do IGMR, aparecem dois conselhos:
182 Cf. SICARD, Damien. Missa nos funerais? In: Revista Concilium, n. 02, fevereiro, 1968. p. 39-45. 183 Ibidem. p. 45.
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Na organização e escolha das partes da Missa dos fiéis defuntos, principalmente da Missa exequial, que podem variar (por exemplo, orações, leituras e oração universal), convém levar-se em conta, por motivos pastorais, as condições do falecido, de sua família e dos presentes. Além disso, os pastores levem especialmente em conta aqueles que por ocasião das exéquias comparecem às celebrações litúrgicas e escutam o Evangelho, tanto os não católicos, como católicos que nunca ou raramente participam da Eucaristia, ou parecem ter perdido a fé; pois os sacerdotes são os ministros do Evangelho de Cristo para todos os homens184.
É preciso, porém, recuperar, na prática celebrativa das exéquias, a reta
compreensão da índole pascal da morte cristã que, durante séculos, foi ofuscada, pelo
demasiado acento das dimensões de propiciação e do sufrágio das “almas” dos defuntos.
Este processo tem sido um processo lento, seja pela falta de formação adequada
dos cristãos para celebrar a morte como passagem para a vida definitiva em Cristo, seja
pelo despreparo dos ministros, seja, ainda, pelos resquícios da antiga mentalidade e as
dificuldades apresentadas na pós-modernidade.
A memória dos defuntos é um dado antropológico e nos permite o encontro
com nossa identidade mais profunda. É preciso orientar a religiosidade popular, à luz do
mistério pascal, ao encontro da liturgia. Desse encontro haverá um enriquecimento da
celebração. Fazer da celebração das exéquias uma resposta positiva diante de um mundo
que perdeu o sentido e ofuscou a ritualidade frente à morte. Superação dos lúgubres
limites da mentalidade de sufrágio e propiciação, os quais nunca foram o acento mais
importante para a celebração da morte na Igreja primitiva. A pascalidade da morte, sim,
é que sempre deu o tom para esses momentos rituais da vida cristã. Hoje, na celebração
das exéquias é possível conciliar a dimensão da intercessão (sufrágio) pelos defuntos e a
dimensão do consolo diante da separação de entes queridos, justamente por causa da
esperança na vida eterna.
O sentido de celebrar a Eucaristia para os mortos – seja no funeral, no sétimo ou
no trigésimo dia de falecimento – está na comunhão dos santos. O princípio desta união
é o Espírito Santo e, nem a morte limita esta comunhão.
A oração solidária dos vivos pode ajudar os irmãos que morreram em união
com Cristo, a ultima purificação. Desde o batismo, até a morte, é preciso viver
diariamente o mistério da Páscoa. E a celebração eucarística é o foco central, o ponto
184 IGMR 341.
93
alto do modo de viver o mistério pascal. Ela nos ajuda a crescer na comunhão de morte e
vida com Cristo, comemorando a Páscoa dele, renovando a Páscoa do batismo e
antecipando a Páscoa que se realizará em nossa morte e ressurreição.
Do ponto de vista cristão, a Eucaristia tem sido a maneira mais utilizada nos
meios populares para celebrar a morte de um ente querido, especialmente através das
“missas de 7° dia”.
É útil e bom rezar pelos falecidos, porém, deve-se perceber a importância da
oração e da solidariedade com os vivos (os doentes, os familiares, os que sofrem etc).
Como nos diz o Missal Romano (IGMR 335), a Eucaristia é socorro espiritual para os
que morreram e consolação da esperança para os vivos. O ritmo ritualizado de cada
etapa do luto encontra na celebração litúrgica o processo normal de recondução da
normalidade da vida. Ainda que marcados pela dor humana da separação, as lágrimas
dos cristãos são consoladas pela fé e a celebração litúrgica, especialmente a missa de 7º
dia, auxilia os cristãos a viverem o luto como um elemento salutar e necessário no
processo da caminhada da fé.
Questão pastoral importante a ser resolvida, porém, é o fato de que esse
costume de celebrar missa, em nossa sociedade “descristianizada” se transformou numa
maneira de homenagear o defunto. Como constatou Frei Ariovaldo185 dentro da
programação de homenagens póstumas, costuma-se incluir um item chamado “missa”.
Ora, Jesus na última ceia com seus discípulos nos deixou um memorial, uma
lembrança de sua vida, morte e ressurreição, nos deu uma ordem: “façam isso em
memória de mim” (1Cor 11,24). Portanto, é em memória dele que celebramos a nova
ceia, homenageando Deus. Fazemos memória da pessoa falecida, mas, não para elogiá-la
ou homenageá-la, mas, para integrá-la na memória da morte e ressurreição de Cristo.
Embora a maioria dessas missas tenha muito de ato social e de tradição
religiosa, representam uma possibilidade pastoral, principalmente as de sétimo dia. Sua
importância está no fato de que diferentemente de outras culturas onde se enterra no
segundo ou até no terceiro dia, no Brasil. este processo de enterro é muito rápido.
Dependendo do horário que a pessoa morreu se enterra no mesmo dia, por isso, essa
importância pastoral dessa missa de sétimo dia especialmente nos centros urbanos, onde
praticamente não se celebra a missa exequial. 185 Cf. SILVA, José Ariovaldo. Missa para homenagear defuntos? In: Revista de Liturgia. n. 148. Julho/agosto. 1998. p. 27-29.
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Terminado o sepultamento, as famílias cristãs convidam os parentes e amigos
para a celebração eucarística, um ato comunitário que encerra o ciclo do luto ajudando
as pessoas enfrentar a morte de um modo mais real e menos fatalista, à luz da
ressurreição.
O sétimo dia no Antigo testamento é o dia do descanso, dia do Senhor. O
cristão o celebra no domingo o dia da ressurreição do Senhor. Sendo assim ao celebrar
no sétimo dia os cristãos professam fé na ressurreição na felicidade eterna, simbolizada
por este dia. Sendo assim simbolicamente está ligada à páscoa. Apesar do simbolismo,
faz-se importante, porém, educar a comunidade para não se fixar uma idéia matemática
de sétimo dia. Pois, mais importante do que o dia exato é o fato de que passado o
sepultamento, num dia oportuno, a comunidade se reúna para ceia eucarística fazendo
memória de Cristo Ressuscitado, pedindo pela pessoa falecida.
3. A CELEBRAÇÃO DAS EXÉQUIAS E SUBSÍDIOS NA PROPOSTA DE INCULTURAÇÃO DO RITUAL DE EXÉQUIAS PARA O BRASIL
Percebe-se claramente a necessidade de recompor um estilo de celebração,
como nos primeiros séculos da Igreja, mergulhando no sentido verdadeiro da esperança
de salvação prometida por Cristo ressurreição e vida. Cada celebração em si é sempre
um desafio que exige uma constante e renovada sensibilidade litúrgico-pastoral desde a
preparação até a execução da celebração das exéquias. No dizer de Ione:
E nossa morte? Esta não deverá ser apenas um fato biológico, o fim dos processos vitais. Somos chamados a fazer de nossa morte o último passo nessa longa caminhada pascal, condizente com nosso batismo: o último gesto de desprendimento, de desapego, de doação total, de entrega confiante, de consumação de nossa vida de fé em Deus, uma profissão de fé na ressurreição! Como Jesus e juntamente com Ele, no Espírito dele, somos chamados a dizer, no escuro luminoso da fé: “Pai, em tuas mãos entrego o meu Espírito!”186.
A celebração de Exéquias comporta o tornar célebre a partida de alguém, o
tocar o mistério da morte, iluminando-o com o mistério pascal de Cristo e curando a dor
para integrá-la ao cotidiano:
186 BUYST, Ione. In: Revista de Liturgia. N. 2003, setembro/ outubro de 2007. p. 10.
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Para a comunidade cristã, é um momento de penetrar profundamente no mistério da páscoa de Cristo, o primeiro de muitos irmãos e irmãs a passar da morte à ressurreição. A dor não nos pode impedir de celebrar a páscoa. Assim, a comunidade, por sua prece, espera e pede sem cessar que o irmão que faleceu seja associado à passagem que o Cristo fez desta vida ao Pai, e ela própria faz uma experiência pascal187.
É preciso que os textos e as ações simbólico-rituais tomem forma expressiva na
dinâmica da celebração. Isto dependerá de uma catequese e de uma eficaz pastoral
litúrgica que ajudem a compreender a índole pascal da morte cristã e a preparar e
realizar bem cada celebração. Escolher e preparar bem o roteiro celebrativo é
fundamental para que se atinjam os objetivos de uma celebração conforme o desejo
conciliar. É preciso personalizar o máximo as celebrações de exéquias para, partindo do
acontecimento histórico que levou à morte, realçar o aspecto pascal, conduzindo-as de
tal forma que o resultado seja o conforto e a esperança.
No dizer de Valeriano, é preciso tomar consciência de que a liturgia celebrada
só funciona em conexão com a liturgia testemunhada:
Essa visão de atuação sacerdotal abrangente na cultura pós-moderna, que é caracterizada por fragmentarismo que leva a um esfacelamento teatral. Em um momento somos uma coisa e no outro outra. É comum, por falta de iniciação da fé, os próprios cristãos vincularem tanto o sacerdócio batismal somente ao espaço sagrado. Isto cria dificuldade para a liturgia, pois esta é avessa ao estilo teatral como sistema de vida. A celebração e a vivência do mistério pascal de Cristo, por causa da verdade e da realidade que representam, são de uma densidade que faz a vida gravitar em torno do altar da celebração e do testemunho do mundo188
Como conseqüências desta dificuldade há atualmente, na mentalidade de muitos
cristãos, certo ritualismo, um fixismo e uma mentalidade rubricista preocupada apenas
em assegurar a validade das ações rituais, sem se preocuparem com a participação
consciente e frutuosa dos celebrantes, por isso, continuam acontecendo celebrações
desligadas da história e da vida do povo. Não se deram conta da importância da
elaboração de um processo de iniciação dos cristãos nos ritos e no sentido da celebração.
187 CARPANEDO, Penha e GUIMARÃES, Marcelo. Ofício Divino de Exéquias. p. 4. 188 COSTA, Valeriano. Viver a ritualidade litúrgica como momento histórico da salvação. p. 11.
96
A liturgia, por ser momento de síntese da história da salvação, é momento em
que se cumpre e se realiza nos homens a salvação. É memorial vivo do mistério pascal
perpassando as culturas e o cotidiano da vida. Persiste ainda, portanto, o sonho sem o
qual não se vive nem se trabalha: termos celebrações comunitárias, fraternas, humanas,
participadas, tocantes, orantes, centralizadas no mistério pascal de Cristo, que sejam
fonte de espiritualidade, reveladoras do amor de Deus, cheias do Espírito Santo,
santificadora das pessoas, com experiências fortes de comunhão com as pessoas e com o
mistério e acima de tudo marcadas pela esperança.
Quanto às exéquias, justamente por ser ocasião de celebrar o mistério pascal de
Cristo na vida do cristão, não podem deixar de levar em conta o aspecto da dor e o
anúncio da esperança. Por isso grande importância deve ser dispensada para com os
ministros, pois, além de guias da fé, eles são ministros da consolação. No dizer de
Penha:
Se toda celebração litúrgica é sempre “Páscoa de Cristo na Páscoa do povo” e “Páscoa do povo na Páscoa de Cristo”, isto também se realiza quando a comunidade cristã se reúne para celebrar a despedida de um irmão ou uma irmã. De fato, o velório e o sepultamento de um (a) irmão (ã) na fé constitui um sinal peculiar de todo o mistério da paixão, morte e ressurreição do Senhor que nos é dado e oferecido à participação. Na passagem deste (a) irmão (ã), vem à tona todo o mistério da páscoa de Cristo iluminando e dando novo sentido à morte deste membro da comunidade189.
É importante, portanto, valorizar a atuação das equipes que zelam pelas
celebrações Exequiais. Estas tenham uma ótima preparação humana, espiritual, teológica
e litúrgica, por meio de cursos, retiros, etc., de modo que atue com eficácia e equilíbrio
perante as diversas situações que possam surgir no exercício do ministério. Pois, na
celebração litúrgica revelamos quem é o nosso Deus e o que queremos ser para Ele.
Porém, muitas vezes, nossas liturgias falam de Deus, mas como um personagem
inexistente, fictício, distante ou alienado da nossa vida.
É bom lembrar que o Ritual não fica somente em recomendações. Em toda sua
estrutura, nas orações, leituras, símbolos e gestos percebem-se de forma clara a
preocupação pastoral e a intenção de evangelizar, porém, nada menos “evangelizador”
do que se negar a celebrar ou celebrar de modo superficial, sem “unção”, e
189 CARPANEDO, Penha e GUIMARÃES, Marcelo. Ofício Divino de Exéquias. p. 3.
97
apressadamente, só porque a pessoa morta e talvez sua família não tenham sido bons
cristãos.
3.1 – Dimensão ecumênica na celebração das exéquias.
No Concílio Ecumênico Vaticano II, já nas primeiras linhas do proêmio do
Unitatis Redintegrátio, condensam-se as idéias que serão desenvolvidas no capítulo
primeiro deste documento conciliar, dedicado aos “princípios católicos do ecumenismo”:
Cristo fundou uma só e única Igreja; todavia ao longo da história, ocorreram divisões
entre os cristãos; agora, cabe-nos envidar esforços por acolher a graça da unidade,
ininterruptamente dada pelo Senhor.
O ecumenismo não deve ser preocupação desta ou daquela Igreja, mas deve
consistir num esforço comum de membros das diversas Igrejas e comunidades eclesiais
por restabelecer a unidade eclesial. Isso compete aos cristãos católicos, principalmente,
porque são convidados a participarem com solicitude no trabalho ecumênico: “os
católicos reconheçam, com alegria, e estimem os bens verdadeiramente cristãos,
oriundos de um patrimônio comum, que se encontram entre os irmãos separados de
nós”190.
Quase sempre encontramos pessoas de outros credos nas celebrações, levando à
necessidade de se pensar na dimensão ecumênica das celebrações Exequiais:
O sinal da fé que são as exéquias cristãs muitas vezes tem como interlocutores ou presentes pessoas que vivem as atitudes mais heterogêneas no modo de se colocar diante da realidade da morte e de julgá-la. Talvez hoje mais do que nunca, a novidade cristã da esperança, que constitui o próprio sentido da intervenção pastoral da igreja, precise ser declinada e expressa através de ampla variedade de linguagens, como serviço verdadeiro da fé que respeita as diversidades do morrer e, ainda mais, as diversidades de quem morreu ou está vivendo a dor da morte de outro191.
Uma das maiores dificuldades enfrentadas nas celebrações exequiais são as
disputas e às vezes até agressões religiosas por parte de parentes membros de algumas
190
98
comunidades neo-pentecostais negando à família o direito de celebrar o rito católico para
parentes próximos, mesmo sendo eles católicos. Como nos diz Evaristo de Miranda:
A impiedade de determinadas seitas e doutrinas religiosas é outra realidade dolorosa em nosso cemitério. Adeptos de determinadas seitas evangélicas negam ao resto da família católica o direito de celebrar as Exéquias cristãs para parentes próximos, mesmo sendo eles católicos (um esposo, um filho, uma mãe...). Símbolos religiosos, como crucifixo e vela são jogados por terra, atrás das portas, e terços são freqüentemente rompidos e destinados ao lixo. Alguns chegam a pendurar objetos sobre a imagem de Cristo (guarda-chuvas, chapéus...). (...) Vitimados pela impiedade de uns poucos, fica-se então um jejum simbólico e religioso, sem gesto ou palavra de consolo, por decisão de um parente “evangélico” mais próximo do falecido. Por ter optado por outro caminho espiritual, ele decide barrar o dos outros e transformar o velório em mais um campo de batalha de sua intolerância religiosa192.
Estas dificuldades não podem, no entanto levar ao desânimo e oferecer
obstáculo ao ecumenismo, pois, se conseguirmos vencer esta barreira, fato que já
acontece em alguns lugares, de pessoas que professam a fé de modos diversos se
reunirem para se despedirem de um ente querido e solidarizar-se com os enlutados, é a
realização parcial daquela comunhão desejada por Cristo e figura da comunhão
definitiva de todos no céu. Será sempre oportuno valorizar este momento como sinal de
unidade e testemunho da fé comum no Ressuscitado.
3.2 – Subsídios na perspectiva da inculturação do Ritual de Exéquias
Como conseqüência da tradução literal do Ritual de Exéquias, publicada em
1971 carecendo de uma maior inculturação, multiplicou-se pelas dioceses e paróquias
edições particulares, muitos de qualidade duvidosa, com uma linguagem moralista e que
não atingem o desejo da SC 81-82.
Apresentarei dois subsídios que condizem com o desejo do Concílio que
procuram inculturar-se à nossa realidade oferecendo a possibilidade de viver a
ritualidade e a sacramentalidade pascal193, ou seja, exercendo um papel importante
enquanto é um anuncio da páscoa, num clima de confiança e misericórdia de Deus.
192 MIRANDA, Evaristo. A foice da lua no campo das estrelas: ministrar exéquias. p. 96. 193 “Por ser ‘sacramental’, esse encontro necessita de rito, como um caminho próprio (...) meio externo obrigatório para a participação litúrgica atingir sua dimensão interna, no nível do mistério. O rito é um
99
3.2.1 - Subsídio da CNBB “Nossa Páscoa”.
Depois de uma longa pesquisa, elaborou-se o subsídio pastoral “Nossa Páscoa”
que é um rito de entrega da pessoa falecida nas mãos de Deus e, ao mesmo tempo, um
rito de consolação que possibilita às pessoas realizar a necessária passagem pelo luto da
morte.
Preocupada com tantos subsídios não oficiais, a Dimensão Litúrgica da CNBB, no
início do ano 2000, com a ajuda de mais alguns liturgistas, assumiu a tarefa de realizar a
adaptação do Ritual de Exéquias ao Brasil. Assim lemos no comunicado mensal da
CNBB: “Ritual de Exéquias – Ainda está muito atrasado o trabalho para adaptá-lo ao
Brasil, por se tratar de uma tarefa muito difícil e complexa”194. Segundo o memorando
da CNBB o caminho percorrido foi longo:
Este ritual teve um longo caminho. Várias equipes, nomeadas pela Dimensão Litúrgica, não tiveram êxito em seu trabalho. Os resultados da tentativa da elaboração de um Ritual de Exéquias ou não foram satisfatórios ou não foram concluídos. Mas, nestes quase vinte anos de tentativas, foram recolhidos rituais populares, orações, benditos, liturgia por ocasião do velório e do sepultamento em todos os recantos do Brasil. É uma rica documentação que inspirou a elaboração do atual Ritual de Exéquias (Nossa Páscoa), finalizada em fins de 2001. Uma equipe nomeada e presidida por Dom Geraldo Lyrio Rocha fez um trabalho intenso para reorganizar o referido Ritual. No ano passado o Ritual foi enviado aos Bispos responsáveis pela Liturgia nos Regionais, aos coordenadores regionais da Pastoral Litúrgica e a um grupo significativo de liturgistas e pastoralistas para uma avaliação e utilização “ad experimentum” em algumas comunidades. Vieram muitas observações, elogios e correções oportunas ao texto. Todas estas contribuições encontram-se nos arquivos da Dimensão Litúrgica para serem incorporadas ou não ao texto por uma equipe a ser nomeada pela autoridade competente. Após este procedimento, o Ritual deverá ser encaminhado para o trato devido na AG da CNBB e merecer o “recognitio” da Sé Apostólica e depois ser editado195.
caminho que a gente cuida não por ele mesmo, mas por levar a algum lugar. Esse lugar é o mistério celebrado, nossa principal fonte de vida e salvação”. COSTA, Valeriano. Viver a ritualidade litúrgica como momento histórico da salvação. p 6. 194 CNBB. Comunicado mensal. n. 540. (ano 49). abril. 2000. p 537. 195CNBB. Memória da caminhada da Dimensão Litúrgica da CNBB. 1995 – 2003. In: Memorando. Arquivo da Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia. Brasília. p. 2.
100
Este texto entregue aos Bispos responsáveis pela Liturgia nos Regionais, aos
membros da equipe de reflexão da Dimensão Litúrgica e a alguns liturgistas foi avaliado,
corrigido, completado e aperfeiçoado até 2002.
Ritual de Exéquias – Depois de longo trabalho chegou-se à elaboração de uma proposta de Ritual de Exéquias adaptado ao Brasil. O texto para estudo já foi encaminhado aos Bispos Responsáveis pela Liturgia nos Regionais e também a alguns liturgistas, teólogos e pastoralistas para que apresentem suas correções e aperfeiçoamentos a fim de ser depois encaminhado para sua devida aprovação e posterior reconhecimento por parte da Sé Apostólica 196.
Em 2003 o texto enviado para impressão pela editora Paulus que o publicou no
mesmo ano como subsídio pastoral, para a fase de experimentação. No comunicado
mensal da CNBB, foi assim relatado:
Ritual de Exéquias – Uma comissão de peritos já elaborou uma proposta de Ritual de Exéquias a ser submetido à provação da CNBB e posterior reconhecimento por parte da Sé Apostólica. Os Bispos responsáveis pela Dimensão Litúrgica nos Regionais, os membros da CETEL e alguns liturgistas e pastoralistas já receberam o texto para suas considerações e correções. O Ritual prevê três modalidades para o velório, inspiradas na Celebração da Palavra, no Oficio Divino das Comunidades e na Vigília Pascal. Para o sepultamento, está também previsto o rito de encomendação no caso da cremação. Em tudo há um grande esforço de valorizar os símbolos, numa linguagem orante e adaptada à sensibilidade do povo brasileiro. Tem se ainda um grande percurso até chegar à provação final, de acordo com as disposições atuais197.
O subsídio Nossa Páscoa é uma proposta para se celebrar a pascalidade da
morte através do Rito. A estrutura geral obedece à seguinte disposição: nos ritos iniciais,
tanto no velório como na encomendação, sempre propõe a quem preside o convite à
oração, apresentando sugestões alternativas. Ele contém quatro capítulos e dois
apêndices.
O primeiro capítulo traz três celebrações. Uma segue o esquema das
celebrações da Palavra, outra o esquema do Oficio Divino das Comunidades e a terceira
o esquema da Vigília Pascal. São celebrações para serem feitas durante o velório. O
196 CNBB. Comunicado mensal. n. 560. (ano 51). abril 2002. p. 528. 197 CNBB. Comunicado mensal. n. 570. (ano 52). abril 2003. p. 654.
101
segundo capítulo contém uma celebração própria para a encomendação, ou seja, antes de
iniciar a procissão do enterro. O terceiro capítulo apresenta a celebração própria em que
o corpo é depositado na sepultura. O quarto capítulo atende as orientações da Igreja para
que se conceda exéquias cristã aos que escolheram a cremação do próprio corpo e
apresenta duas celebrações: uma para a encomendação no crematório e outra para a
deposição da urna com as cinzas. O Apêndice é um pequeno lecionário com onze (11)
perícopes bíblicas apropriadas para a celebração das exéquias e o Apêndice II
apresentam uma seleção de cantos apropriados, tirados do Hinário Litúrgico da CNBB
(HL) e do Oficio Divino das Comunidades (ODC).
Um elemento que o subsídio dá muita importância é a liturgia da Palavra. São
as leituras que proclamam o mistério Pascal, alimentam a esperança na vida futura,
exortam à piedade para com os defuntos. Igual objetivo tem os salmos, que são
largamente utilizados, com o objetivo de colocar em evidência todos os aspectos da
esperança e da salvação.
As orações, na encomendação, procuram contemplar situações diversificadas. A
orações para o tempo Pascal, por um servidor de comunidade, por uma pessoa jovem,
por quem faleceu após longa enfermidade, por quem morreu repentinamente. O cuidado
deve ser maior ainda, quando a morte ocorreu em circunstância de violência. Onde a
linguagem (atitudes, palavras, símbolos e ritos) desempenha um papel de suma
importância.
Esta orientação não pode, porém, levar ao extremo oposto do uniformismo e da falta de diferenciação. O próprio ritual lembra que é preciso levar em conta a situação concreta das pessoas que participam da celebração e o bom senso aconselha a observar a circunstâncias em que a morte ocorreu, além de atender as características do defunto, tais como sua vinculação com a comunidade e seu envolvimento com a sociedade198.
Nas observações antes dos ritos iniciais, tanto no velório como na
encomendação, há indicações quanto à utilização de símbolos.
No momento do sepultamento, são propostos ritos opcionais, como: aspergir o
túmulo e o caixão com água benta, incensar o túmulo, jogar terra sobre o caixão, colocar
flores no túmulo, colocar a cruz junto ao túmulo.
198 CNBB. Nossa Páscoa: Subsídios para a celebração da esperança. p. 18.
102
Quanto à celebração por ocasião da cremação há um avanço devido às
dificuldades que a Igreja teve em aceitá-la, pois no período do iluminismo muitos
seguidores de organizações anti-clericais, se tornaram defensores entusiastas da
cremação dos corpos com o objetivo de hostilizar a fé cristã e particularmente a Igreja
Católica. Por esse motivo a Igreja, por muito tempo, negava a celebração de exéquias
aos que tivessem mandado cremar o próprio corpo. Este costume, porém, em si mesmo,
não tem nada contrário à fé cristã.
O desenvolvimento histórico e a reflexão teológica fez com que, em 1963, a Congregação do Santo Oficio, emanasse uma Instrução permitindo a cremação ou incineração, contanto que este gesto não fosse uma negação dos dogmas cristãos, ou uma atitude sectária inspirada por ódio contra a religião Católica e contra a Igreja199.
O Subsídio mostra que neste tipo de celebração de exéquias por ocasião da
cremação teremos que acentuar o sentido pascal. Ajuda o simbolismo do fogo que na
Bíblia sempre teve um sentido de purificação dos pecados (Is 6,7) e pode, também, no
caso da cremação ter um sentido de oferta pascal do corpo que pelo batismo já foi
ofertado e consagrado ao Senhor pelo fogo do Espírito Santo.
Enquanto ação ritual e simbólica, o mais coerente, porém, será celebrar diante do
corpo antes de incinerá-lo, do que diante das cinzas. Porém, não é contra a natureza da
liturgia cristã uma celebração depois da incineração.
3.2.2 – Ofício Divino de Exéquias, uma proposta da Rede Celebra.
O subsídio “Oficio Divino de Exéquias” é um excelente material e está dentro
da proposta de inculturação de um Ritual adaptado à cultura brasileira e que ressalte o
caráter pascal da morte cristã. Quando bem celebrado, ajuda a vivenciar e celebrar o
momento da morte e da dor, enchendo-o de esperança.
Trata-se verdadeiramente de uma louvação e explicitação da páscoa, momento
em que se explicita com mais clareza o mistério pascal. Um rito enraizado, que acredita
na força do próprio rito, pressupondo uma sacramentalidade e ritualidade litúrgica.
Trata-se de uma adaptação do Oficio Divino das Comunidades e nasceu das reflexões
199 CNBB. Nossa Páscoa: Subsídios para a celebração da esperança. p. 13-14.
103
feitas nos encontros e reuniões da “Rede Celebra – Núcleo São Paulo”, no ano de 2006,
onde se amadureceu a idéia de elaborar um Oficio Divino de Exéquias e promover
encontros de formações de qualificar a atuação de ministros e ministras de Exéquias.
Estes encontros tiveram a finalidade de testar o “Oficio de Exéquias”,
aprofundando o sentido cristão de celebrar a morte, para isto, foi confeccionado um
subsídio, preparado por Penha Carpanedo e Marcelo Guimarães, que, sendo
experimentado na prática e recebendo sugestões dos Ministros das Exéquias será
ampliado e depois publicado em âmbito nacional.
Como conseqüência da complexidade de manuseio do Ritual multiplicou-se os
folhetos e subsídios elaborados pelas editoras e comunidades, na tentativa de tornar a
celebração prática e simplificada. Porém, tanto o Ritual de Exéquias quanto a maioria
dos subsídios são muito pouco definidos, apresentando um conjunto de situações que
sempre sugere sobre adaptações tornando-se complexo para o manuseio para os
ministros leigos, o que dificulta na organização e escolha dos textos mais apropriados
para as várias circunstâncias em que a morte ocorre.
Se, por um lado, esta atitude favorece a participação do povo, por outro lado,
104
chegar com a máxima discrição no ambiente do velório, aproximar-se, cumprimentar as pessoas. Observar o ambiente (presença e ausência de símbolos); colher de maneira informal dados a respeito do defunto: nome, se jovem ou idoso, adulto ou criança, homem ou mulher... Estar atento a qualquer comentário da família sobre as circunstâncias da morte (doença prolongada ou morte repentina, assassinato, acidente, suicídio), sobre a vida do falecido, sobre sua relação com a Igreja. Prestar atenção se há na assembléia parentes ou amigos, se há pessoas de outras confissões cristãs, outras religiões ou não-crentes. Dar especial atenção aos não batizados. Aproximar-se, visitar o defunto, rezar em silêncio com profundo respeito”.A partir destes dados se acolhe o oficio a ser usado, os salmos, leituras, outros cantos, incluindo quando possível, costumes locais200.
Abertura: Com versos bíblicos de invocação de Deus e de convite à oração, que
expressam o sentido cristão de celebrar a morte a páscoa definitiva do cristão.
Recordação da vida: Quando a comunidade é convidada para a recordação da
vida momento de expressar o sentimento em relação à pessoa que parte do meio de nós.
Lembrar com ela viveu a sua fé em Jesus, fazer memória de como o mistério pascal foi
vivido e revelado em sua vida.
Salmo: Cantando salmos por ocasião da morte, o fiel é convidado expressar a
dor diante de algo que o ultrapassa. Ao mesmo tempo expressar seu louvor e esperança
na ressurreição.
Leitura Bíblica: Há possibilidade de escolha de Leituras bíblicas conforme as
diferentes situações e circunstâncias da morte.
Meditação: Segue imediatamente após a leitura, como resposta orante à palavra
do Senhor, são versos bíblicos em forma responsorial. Há sugestões em cada oficio. Se a
leitura bíblica for um texto do Evangelho, em vez de versos de resposta, canta-se uma
aclamação antes da sua proclamação (como na missa). Depois, há oportunidade para
uma breve homilia onde se sugere fazer a ligação do texto bíblico com a recordação da
vida feita no início da celebração.
O momento de meditação é o único momento sugerido pelo subsídio em que se
abre para uma reflexão (homilia), devendo-se, porém, tomar cuidado com o moralismo,
o elogio fúnebre barato. Segundo o subsídio a “palavra” que deve ser dada nesta ocasião
é a palavra da fé. A linguagem bíblica ajuda muito na perspectiva pascal.
200 CARPANEDO, Penha e GUIMARÃES, Marcelo. Ofício Divino de Exéquias. p. 5.
105
Preces: Após as intenções que constam no roteiro de cada oficio, há
oportunidade para que as pessoas possam, espontaneamente, dirigir a Deus suas preces.
Louvação: Onde o ministro convida a assembléia expressar os motivos de ação
de graças. Depois de mãos erguidas dirija ao Pai, a oração de ação de graças, por meio
de Jesus Cristo, Senhor da vida e promessa da ressurreição. Louvamos apesar da tristeza,
porque se de um lado a morte nos separa, do outro há uma nova certeza que nos consola:
A vida não é tirada, mas transformada. No final desta louvação todos são convidados a
recitar o Pai Nosso de preferência da versão ecumênica, em sinal da comunhão
ecumênica.
O subsídio sugere ainda uma ultima encomendação, na qual o ministro convida
a comunidade a este último “adeus” que tem o sentido de despedida e de entrega “a
Deus”. Neste momento o corpo é aspergido. Há uma breve oração sobre a água, que
explicita o sentido deste rito. Depois da aspersão, o corpo e incensado, ressaltando a sua
dignidade, qual semente e ressurreição e vida. E finalmente no momento do
sepultamento é sugerido o canto de Simeão.
106
CONCLUSÃO
O contexto da vida, paradoxalmente, é também contexto de morte e não há nada
de mal nisso. A reflexão serena sobre o morrer, faz parte da experiência humana
autêntica, porque faz parte da verdade do ser humano. No entanto, se aquele que vive
não pára para refletir o significado da morte em sua vida, poderá num momento
qualquer, perder o elan de viver. Para tanto, é mister lançar mão, sobretudo, do que
dispõe para responder às grandes indagações que traz consigo a respeito desta realidade
temida por uns, ignorada por outros e vivida por todos. Ou seja, muitos não crêem mais
na vida após a morte e na possibilidade de vencê-la na continuidade da vida.
Na medida em que não mais vê a morte concretamente diante de si, onde ela
não mais é experimentada nessa forma, esmorece também a idéia de uma vitória sobre a
morte pela continuidade da vida. Na sociedade contemporânea a morte não é vista como
uma “passagem”, mas como um “fim tenebroso”. Assim, torna-se difícil conceber a
própria morte. Ainda mais, a morte dos outros é apenas tolerada e não há muito espaço
para manifestações que exprimam os sentimentos de luto. Por causa da banalização da
morte, perderam-se muitas atitudes rituais que ajudavam a enfrentá-la. De uma forma ou
de outra, portanto, a morte é um dos grandes desafios a serem enfrentados na cultura
atual. Essa mentalidade ainda é um obstáculo para a prática celebrativa desse mistério.
Deus se revela na e pela história, se dando a conhecer numa dinâmica de revelação, que
chamamos de história da salvação.
O povo de Israel traduz a complexidade dessa experiência humana com suas
riquezas e contradições, caminhando numa crescente descoberta dos desígnios de Deus.
Durante muito tempo, acreditavam que tudo se acabava nesta vida. A morte constituía-se
assim num enigma obscuro levando-os a compreensão de que a benção de Deus e o
sentido da vida estavam na prosperidade, numa vida longa e com muita descendência.
Pouco a pouco, porém, descobriram que havia homens justos que sofriam,
como no caso de Jó, e homens maus que triunfavam neste mundo. A pergunta então era
se Deus tinha deixado de ser justo e bom? A resposta encontrada foi a de que há uma
outra vida, onde a justiça triunfa, pois Deus é o Senhor da vida e da morte (Sl 49; 16;
73,23). No final do Antigo Testamento, já aparece clara a idéia da ressurreição e da vida
107
plena, depois da morte, para todos os justos e para os que aqui sofrem injustamente
(2Mc 7,9; Dn 12,13).
A partir de Cristo, vida e morte entraram em nova relação, são determinadas
por Ele. Vivendo ou morrendo, estamos sob o Governo de Jesus Cristo (Cf. Rm 14,8s;
8,38s), de maneira que nem a morte (nem outros poderes) nos pode separar do amor de
Deus que há em Jesus Cristo. Vida e morte já não são critérios para a relação do homem
para com Deus. Único e exclusivo critério da relação com Deus é Jesus Cristo e a fé
nele.
A páscoa, para os primeiros cristãos, foi esse encontro: o Ressuscitado
alcançou-os e mudou-lhes a existência, que se abriu para ele no risco da liberdade. Tal é
a páscoa no coração da Igreja: não memória morta de um evento longínquo, mas oferta
daquele que vive hoje, para tornar novo o mundo e a vida de quem o aceita na humilde
coragem de uma fé. Por isso, o anúncio pascal se torna portador de uma visão realmente
nova e geradora de esperança.
No entanto, não se deve permitir que a esperança cristã da ressurreição nos vele
o olhar para a limitação temporal da vida humana. Mesmo que tenha sido sempre de
novo, interpretada neste sentido, esta esperança não pode ser interpretada como se fosse
uma anulação da limitação temporal da vida humana. Pois a esperança cristã da
ressurreição não foi conceituada egoisticamente. Para que Deus seja tudo em todos, este
é o verdadeiro sentido da ressurreição, conforme Paulo (Cf 1Cor 15,28).
A esperança da ressurreição é, portanto, em sua essência, esperança em Deus.
Ela é esperança de salvação apenas na medida em que converge para o Deus salvador.
Salvação, conseqüentemente, nada mais pode significar mais do que isto: se salva esta
vida vivida, e não se salva desta vida. Salvação, pois, é que Deus salva esta vida;
participação da vida terrena e limitada na vida de Deus. Assim como Jesus fora
glorificado pela sua fidelidade ao projeto do Pai, também o cristão, pela fiel
perseverança no seguimento de Cristo até o fim, torna-se co-participante da mesma
herança que o Filho de Deus conquistou ao preço de seu Sangue Redentor.
Outro aspecto a ser considerado é o fato de que o rito das exéquias, embora seja
aplicado para os mortos, tem incidência direta nos vivos, por isto, quanto mais atenção
se dá aos símbolos e gestos propostos no Ritual e principalmente nos subsídios “Nossa
108
Páscoa” e “Ofício Divino de Exéquias”, maior a probabilidade de atingir o coração de
quem dele participa.
Não há, também, razão para não se celebrar as Exéquias com desculpas de que
o falecido não tinha ou não vivia a fé, pois o rito de exéquias não tem apenas o caráter de
sufrágio para as pessoas falecidas, atinge o coração das pessoas que choram a perda de
seus entes queridos dando-lhes o conforto que a dor exige neste momento, permitindo-
lhes viver a vida presente com os olhos fixos na eternidade e considerando a finitude da
existência terrena como um passo importante num processo maior.
Também devemos dar atenção às possíveis propostas de inculturação do Ritual
e valorizar a dimensão religiosa do povo e a religiosidade popular.
No que diz respeito à forma cristã de celebrar a morte, a conclusão a partir
desse estudo é que o desejo do Concílio Ecumênico Vaticano II, através do Ritual de
Exéquias de 1969 não foi suficiente para tirar o véu de mistério e do medo que envolve o
tema da morte em nossa sociedade, devido à falta de uma verdadeira iniciação cristã e,
portanto litúrgica. Por isso, para que as pessoas que participam do rito das exéquias se
sintam confortadas e alentadas com a esperança cristã no momento da morte, se faz
necessário uma Pastoral litúrgica eficiente que os ajude celebrar a morte pascalmente e a
adaptação do Ritual coerente a nossa cultura, passo que os subsídios “Nossa Páscoa” e
“Ofício Divino de Exéquias” conseguiram atingir.
109
BIBLIOGRAFIA
1 . F O N T E S
1.1. SAGRADA ESCRITURA
BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulinas, 1985.
1.2. TEXTOS LITÚRGOS
MISSAL ROMANO, restaurado por decreto do Sagrado Concílio Ecumênico Vaticano II e promulgado pela autoridade do Papa Paulo VI (tradução portuguesa da 2. ed. típica para o Brasil realizada e publicada pela CNBB com acréscimos aprovados pela sé apostólica). 7. ed. São Paulo: Paulus, 1992.
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1.3. SUBSÍDIOS LITÚRGICOS PARA AS CELEBRAÇÕES DE EXÉQUIAS ELABORADOS A PARTIR DO RITO OFICIAL
DIMENSÃO LITÚRGICA DA CNBB. . Nossa páscoa: subsídios para a celebração da esperança. São Paulo: Paulus, 2003.
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1.4. TEXTOS PATRÍSTICOS
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DIDAQUÉ: O catecismo dos primeiros cristãos para as comunidades de hoje. 8. ed. São Paulo: Paulus, 1989.
INÁCIO DE ANTIOQUIA. Carta aos romanos. in: FOLCH GOMES, Cirilo. Antologia dos santos padres: páginas seletas dos antigos escritores eclesiásticos. 4. ed. (revista). São Paulo: Paulinas, 1979.
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1.5. DOCUMENTOS DO MAGISTÉRIO
CATECISMO da igreja católica. São Paulo: Vozes/Paulinas/Loyola/Ave-Maria, 1993.
CÓDIGO de Direito Canônico. 7. ed. Tradução CNBB. São Paulo: Loyola,1994. Título original: Codex Iuris Canonici.
110
CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS. Diretório sobre a Piedade Popular e a Liturgia: Princípios e Orientações (Coleção Documentos da Igreja 12). São Paulo: Paulinas. 2003.
COMPÊNDIO DO VATICANO II: Constituições, decretos, declarações. Petrópolis, Vozes. 1991.
SAGRADA CONGREGAÇÃO DO SANTO OFÍCIO. Piam et constantem: AAS 56, 1964. p. 822-823. (Este texto encontra-se traduzido para o português in: Revista eclesiástica brasileira, Petrópolis, v. 25, n. 1, p. 127-128, mar., 1965).
1.6. DOCUMENTOS DA CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL
CNBB. Adaptar a liturgia, tarefa da Igreja. São Paulo Paulinas, 1984.
CNBB. Animação da vida litúrgica no Brasil. 9. ed. 27ª Assembléia geral. Itaici: Paulinas, 1989. (Documentos da CNBB, 43).
CNBB. Comunicado mensal. Nº 540. Ano 49. Abril 2000. p 537.
CNBB. Comunicado mensal. Nº 560. Ano 51. Abril 2002. p. 528.
CNBB. Comunicado mensal. Nº 570. Ano 52. Abril 2003. p. 654.
CNBB. Missão e ministérios dos cristãos leigos e leigas. Doc. 62. São Paulo: Paulinas. 1999.
DIMENSÃO litúrgica da CNBB. Por um novo impulso à vida litúrgica. São Paulo: Paulinas, 1988. (Instrumento de trabalho).
2. D I C I O N Á R I O S
COENEN, Lothar e BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia. V.2: Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova. 2000.
HEINZ-MOHR, Gerd. Dicionário de símbolos: imagens e sinais da arte cristã. Tradução João Rezende Costa. São Paulo: Paulus, 1994. 393p. Título original: Bilder und zeichen der christlichen kunst.
MCKENZIE, John L. Dicionário bíblico. Tradução Álvaro Cunha et al. São Paulo: Paulinas, 1984. 979p. Título original: Dictionary of the bible.
SARTORE, Domenico; TRIACCA, Achille M. (Org.). Dicionário de Liturgia. Tradução Isabel Fontes Leal Ferreira. São Paulo/Lisboa: Paulinas/Paulistas, 1992. 1293p. Título original: Nuovo dizinario de liturgia.
3 . E S T U D O S
3.1. LIVROS
ALVES, Ruben. Variações sobre a vida e a morte. São Paulo: Paulinas, 1982.
ALDAZÁBAL, José. Gestos e símbolos. São Paulo: Loyola. 2005.
ARIÈS, Philippe. Sobre a História da morte no ocidente desde a Idade Média. Lisboa: Guide – Artes Gráficas, 1988.
111
________. O homem diante da morte. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981
AUBERT, Jean-Marie. E depois... vida ou nada?. Tradução Maria Cecília de M. Duprat. São Paulo: Paulus, 1995. Título original: Et après... vie ou néant?
AUGÉ, Matias. Liturgia: história, celebração, teologia, espiritualidade. São Paulo: Ave Maria, 1996.
BARBARIN, Georges. O livro da morte doce: não temer o momento da morte. Tradução Benôni Lemos. São Paulo: Paulus, 1997. Título original: Le livre de la mort douce: comment ne plus l’instant de la mort.
BASURKO, Xavier. A vida litúrgico-sacramental da igreja em evolução histórica (cap. 1-6). in: BOROBIO, Dionisio (Org.). A celebração na igreja: liturgia e sacramentologia fundamental. Tradução Adail U. Sobral. São Paulo: Loyola, 1990. v.1, p. 37-125. Título original: La celebración en la iglesia.
BAYARD, Jean-Pierre. Sentido oculto dos ritos mortuários: morrer é morrer? Tradução Benôni Lemos. São Paulo: Paulus, 1996. Título original: Les sens caché des rites mortuaires: mourir est-il mourir?
BECKER Ernest. A negação da morte. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1976.
BELLOSO, Josep Rovira. Os sacramentos: símbolos do Espírito. São Paulo: Paulinas. 2005.
BERGER, Peter L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulus, 1985.
BLANK, Renold J. Escatologia da pessoa: vida, morte e ressurreição. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2000. (Coleção Teologia Sistemática).
________. Esperança que vence o temor: o medo religioso dos cristãos e sua superação. São Paulo: Paulinas, 1995.
BOFF, Leonardo. Vida para além da morte. Petrópolis: Vozes, 1973.
BORÓBIO, Dionísio. Ministério sacerdotal y ministérios laicales. Bilbao: Desclée de Brouwer, 1982.
________. A celebração da Igreja v. 2 – Sacramentos. São Paulo: Loyola, 1993.
BROVELLI, Franco. Exéquias. in: SARTORE, Domenico; TRIACCA, Achille M. (Org.). Dicionário de Liturgia. Tradução Isabel Fontes Leal Ferreira. São Paulo/Lisboa: Paulinas/Paulistas, 1992. p. 426-436. Título original: Nuovo dizinario de liturgia.
BRUN, Nadir. Nossa vida é uma festa. Petrópolis, Vozes, 1998.
BUGNINI, Annibale. La riforma liturgica. Roma: CLV- Edizioni liturgiche, 1983.
BUYST, Ione. Celebrar com símbolos. São Paulo: Paulinas. 2001.
________. Como estudar liturgia: princípios de ciência litúrgica. São Paulo: Paulinas. 1990.
COSTA, Valeriano. Viver a ritualidade litúrgica como momento histórico da salvação. São Paulo: Paulinas. 2005.
DE VAUX, R. Instituições de Israel no Antigo Testamento. São mPaulo: Teológica. 2003.
DI SANTE, Carmine, Israel em oração: As origens da liturgia cristã..São Paulo: Paulinas. 1989.
________. Liturgia Judaica: fontes, estruturas, orações e festas. São Paulo: Paulus, 2004.
112
FORTE, Bruno. Jesus de Nazaré, História de Deus, Deus na história: ensaio de uma cristologia como história. São Paulo: Paulinas. 1985.
GIRALDO, Cesare. Redescobrindo a Eucaristia. São Paulo: Loyola. 2003.
IMBASSAHY, Carlos. O que é a morte. São Paulo: Edicel, 1978.
LEPOUP, Jean-Yves; HENNEZEL, Marie de. A arte de morrer: tradições religiosas e espiritualidade humanista da morte na atualidade. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.
LEPARGNEUR, Hubert. Lugar atual da morte: antropologia, medicina e religião. São Paulo: Paulinas, 1986.
KOVÁCS, Maria Júlia. Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1992.
KÜBLER-ROSS, Elizabeth. Sobre a morte e o morrer: o que a morte pode ensinar médicos, enfermeiras, padres e suas famílias. São Paulo: Edart Universidade de São Paulo, 1977.
MARCHADOUR, Alain. Morte e vida na bíblia. São Paulo: Paulinas, 1979.
MARTIN, Julian. No Espírito e na verdade: introdução teológica à liturgia. Petrópolis: Vozes, 1996.
MARTINS, José (org). A morte e os mortos na sociedade Brasileira. São Paulo: Hucitec, 1983.
MARTIN-ACHARD, Robert. Da morte à ressurreição segundo o Antigo Testamento. Santo André: Academia Cristã, 2005.
MIRANDA, Evaristo. A foice da lua no campo das estrelas: ministrar exéquias. São Paulo: Loyola, 1998.
________. Agora e na Hora. São Paulo: Loyola, 1996.
MORIN, Émile. Jesus e as estruturas de seu tempo. São Paulo: Paulinas, 1981.
MUCCIOLO, D. Antônio Maria. Normas Pastorais e Planejamento: Arquidiocese de Santana de Botucatu. Editora Salesiana, 1999.
NETO, João Cabral de Melo. Os melhores poemas de João Cabral de Melo Neto. Seleção de SECCHIM,Antônio Carlos. São Paulo: Global, 1985.
OLIVEIRA, Marcos F. e CALLIA, Marcos H. P. (org.). Reflexões sobre a morte no Brasil. São Paulo: Paulus, 2005.
OÑATÍBIA, I. Ministérios eclesiais: ordem. In: BORÓBIO, Dionísio (org). A celebração da Igreja v.2 – Sacramentos. São Paulo: Loyola, 1993.
PESSINI, Leo e BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. Problemas atuais de Bioética. São Paulo: Loyola, 2002.
RAHNER, Karl. Sentido teológico de la muerte. Tradução Robert Scherer. Barcelona: Herder, 1965. (Quaetiones disputatae). Título original: Zur Theologie des Todes.
RODRIGUES, Jocy e NUNES, Laura. Ritos fúnebres e populares do Maranhão. São Luiz: UFMA, 1981.
ROUILLARD, Philippe. Os ritos funerais. In: VVAA. Os Sacramentos e as Bênçãos. (ANÁMNESIS). São Paulo: Paulinas. 1993.
SCHUBERT, Kurt. Os partidos religiosos hebraicos da época deneotestamentária. São Paulo: Paulinas, 1985.
SCOUARNEC, Michel. Símbolos cristãos. São Paulo: Paulinas, 2001.
113
SESBOÜÉ, Bernard. Não tenham medo! Os ministérios na Igreja de hoje. São Paulo: Paulus. 1988.
SICARD, Damien. A morte do cristão. in: MARTIMORT, Aimé G. A igreja em oração. Tradução Almir Ribeiro Guimarães. Petrópolis: Vozes, 1989. v. 2, p. 192-206. Título original: L’Église en prière.
SOBRINHO, J. Vasconcelos. A arte de morrer. Petrópolis: Vozes, 1984.
TERRIN, Aldo. Antropologia e horizontes do sagrado.
TORRES QUEIRUGA, Andrés. Repensar a ressurreição: a diferença Cristã na continuidade das religiões e da cultura. São Paulo: Paulinas. 2004.
VAGAGGINI, Cipriano. El sentido teologico de la liturgia: ensaio de liturgia teologico general. Madrid: BAC, 1959.
VVAA. Morte e suicídio: uma abordagem multidisciplinar. Petrópolis:Vozes, 1984.
VVAA. Os Sacramentos e as Bênçãos. (ANÁMNESIS). São Paulo: Paulinas. 1993.
3.2. ARTIGOS DE REVISTAS
ADRIANO, José. O testemunho do Deus da vida diante do sistema de morte. Revista de Cultura Teológica, São Paulo, v. 1, n. 4, p. 89-129, jul./set., 1993.
ALDAZABAL, Jose. El canto en la celebracion de las exequias. Phase, Barcelona, v. 31, n. 182, p. 111-123, mar./abr., 1991.
________. Editorial. Phase, Barcelona, v. 36, n. 215, p. 363-364, sep./oct., 1996.
________. El lenguaje de las esquelas. Phase, Barcelona, v. 36, n. 215, p. 429-448, sep./oct., 1996.
________. Evangelizar la muerte. Phase, Barcelona, v. 41, n. 242, p. 99-104, mar./abr., 2001.
BARROS, Marcelo de S. Martírio, celebração perigosa. Revista de Liturgia, São Paulo. v. 8, n. 79, p. 8-13, jan./fev., 1981.
BUGNINI, Annibale. O novo ordo exsequiarum em sua edição definitiva. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, v. 29, n. 04, p. 904-907, dez., 1969.
BUYST, Ione. Liturgia na América Latina: celebração da “páscoa do povo”? Revista de Liturgia, São Paulo, v. 14, n. 81, p. 10-6, maio/jun., 1987.
________. Uma louvação na liturgia pelos falecidos. Revista de Liturgia. São Paulo. n. 2003, setembro/ outubro de 2007. p. 08-11.
FILHO, Gabriel. Elementos antropológicos dos ritos de iniciação cristã. In: COMISSÃO REGIONAL DE LITURGIA NORDESTE 3 . Liturgia e inculturação. Paulo Afonso (BA): Fonte Viva, 2006.
LUTZ, Gregório. Missa pelos mortos. Revista de Liturgia, São Paulo, v. 4, n. 23, p. 6-18, set./out., 1977.
________. A história da veneração dos mártires. Revista de Liturgia, São Paulo. v. 8, n. 79, p. 2-7, jan./fev., 1981.
________. Pensando um novo ritual de exéquias para o Brasil. Revista de Liturgia, São Paulo, v. 25, n. 149, p. 31-34, set./out., 1998.
MALDONADO, Luis. Comentario a algunos textos del ritual de exequias. Phase, Barcelona, v. 36, n. 215, p. 395-406, sep./oct., 1996.
114
MELO, José Raimundo. Inculturação da liturgia. In: Revista de Liturgia. n. 175 Jan/fev. 2003. p. 4-9.
MIRANDA, Evaristo E. de. Creio na ressurreição do corpo. Revista de Liturgia, São Paulo, v. 25, n. 148, p. 30-32, jul./ago., 1998.
________. O vôo perfumado da Tamara. Revista de Liturgia, São Paulo, v. 25, n. 148, p. 33, jul./ago., 1998.
________. Ministrar exéquias. Revista de Liturgia, São Paulo, v. 25, n. 149, p. 9-10, set./out., 1998.
________. Exéquias de crianças. Revista de Liturgia, São Paulo, v. 25, n. 149, p. 30, set./out., 1998.
ORMONDE, Domingos. Celebrações durante a semana pelos falecidos. Revista de Liturgia, São Paulo, n. 149, p. 27-28, [set./out.] 1998.
SICARD, Damien. Missa nos funerais? In: CONCILIUM, n. 02 fevereiro. 1968.
SILVA, José Ariovaldo. Missa para homenagear defuntos?. Revista de Liturgia. São Paulo. n. 148. Julho/agosto. 1998.
VELOSO, Reginaldo. Prefácios populares. Revista de Liturgia. São Paulo, n. 74[março/abril]1986.
4 . I N T E R N E T
SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Declaração sobre a Eutanásia.
Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc con_cfaith_doc_19800505_euthanasia_po.html> Acesso em: 07 de maio de 2007, 11:55:24.
D.Odilo Pedro Scherer, Bispo Auxiliar de São Paulo Secretário-Geral da CNBB. Disponível em: http://www.cnbb.org.br. Acesso em: 12 de novembro de 2006, 22:15:10.
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