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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Ana Cláudia Pompeu Torezan Andreucci POR UMA EFETIVA CONSTRUÇÃO DA IGUALDADE DE GÊNERO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: ANÁLISE DA NECESSÁRIA REVISÃO DO TRATAMENTO DIFERENCIADO À MULHER NAS APOSENTADORIAS POR IDADE E POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Ana Cláudia Pompeu Torezan Andreucci

POR UMA EFETIVA CONSTRUÇÃO DA IGUALDADE DE GÊNERO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: ANÁLISE DA NECESSÁRIA REVISÃO DO TRATAMENTO DIFERENCIADO À MULHER NAS APOSENTADORIAS POR IDADE E POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO NA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

DOUTORADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Ana Cláudia Pompeu Torezan Andreucci

POR UMA EFETIVA CONSTRUÇÃO DA IGUALDADE DE GÊNERO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: ANÁLISE DA NECESSÁRIA REVISÃO DO TRATAMENTO DIFERENCIADO À MULHER NAS APOSENTADORIAS POR IDADE E POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO NA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora,

como exigência parcial para a obtenção

do título de Doutora em Direito (Filosofia

do Direito) pela Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, sob a orientação

do Professor Doutor Gabriel Benedito

Isaac Chalita.

SÃO PAULO

2010

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Banca Examinadora

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Às mulheres da minha vida:

Minha avó, Aparecida (in memorian)

Minha mãe, Magali

Minha filha, Isadora

Minhas irmãs, Gabriela e Giovanna....

E, aos homens da minha vida:

José, meu avô (in memorian)

Martinho, meu pai

Sergio, meu marido

Rafael e Enzo, meus filhos e

“meus filhos” Barão (in memorian) e

Bartolomeu.

Razões singulares e plurais do meu afeto e da minha existência. Dedico e

agradeço por tudo e por simplesmente existirem como minha família, desenhada

e abençoada por Deus, esteio de paz, confiança, exemplos, incentivos e,

principalmente, amor.

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Agradecer é ter gratidão, é saber reconhecer todos aqueles que

contribuíram para a realização deste trabalho e em especial:

Ao Prof. Gabriel Chalita, como forma de agradecimento, saliento uma

passagem insculpida na obra “A última grande lição” de Mitch Albom que nos foi

sugerida para leitura na Disciplina Teoria Geral do Direito, por ele ministrada e por

mim cursada como um dos primeiros créditos para o Mestrado no ano de 1999 na

PUC/SP, tais ensinamentos sempre me marcaram e traduzem neste momento

aquilo que tenho a dizer: “O professor se liga à eternidade; ele nunca sabe onde

cessa a sua influência”. Àquela época a frase muito me impressionou, bem como

a sua pessoa iluminada, solidária e, principalmente, aberta para a vida e para as

reflexões de seus alunos. Anos mais tarde trago à colação a célebre frase para

agradecê-lo pela oportunidade, por toda a contribuição intelectual para a feitura

deste trabalho e para sublinhar que sua eternidade em mim nunca cessará, será

um exemplo da importância de um mestre na vida de um aluno, resgatando com

certeza um de seus lemas: “educação, a solução está no afeto”.

À Profa. Márcia Alvim, grande mestre e educadora, mas além de todos

estes qualificativos, uma grande amiga, uma grande mulher.. Agradeço com

veemência a oportunidade e, principalmente, a sua amizade, seu carinho, seus

conselhos e toda a sua contribuição intelectual à confecção deste trabalho. Com

todo o seu apoio foi possível ir além. Muito obrigada.

Ao Prof. Willis Santiago Guerra Filho por sua sapiência e ensinamentos

que nos fazem refletir sobre o Direito, sobre o mundo, sobre a vida, em especial,

agradeço pelas contribuições e sugestões propostas no exame de qualificação do

presente trabalho.

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À PUC/SP representada por todos os seus funcionários, agradeço nas

pessoas de Rui e Rafael pela dedicação aos alunos;

À Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em

especial, aos professores Ademar Pereira, Nuncio Theophilo Neto e Regina

Toledo Damião pela confiança, pelo carinho e por todas as oportunidades que me

foram concedidas no exercício da docência.

Aos meus alunos que me fazem renascer a cada aula.

À Professora Esther de Figueiredo Ferraz (in memorian) por ser fonte de

inspiração, paradigma de mulher, de pessoa à frente de seu tempo.

Aos amigos pelo apoio, debates, sugestões e, em especial, à Alessandra

Gabriel Braga, Andrea Boari Caraciola, Carla Noura Teixeira e Patrícia Tuma

Martins Bertolin, grandes mulheres e, principalmente, amigas, por todo o incentivo

e carinho na vida compartilhada cotidianamente.

Aos Meus Pais Martinho e Magali, sinônimos de amor incondicional.

Indispensáveis e insubstituíveis. Agradeço por estarem sempre, sempre e sempre

presentes em todos os momentos da minha vida.

Aos meus filhos Rafael, Isadora e Enzo pela benção de ser mãe, nos seus

sorrisos encontro a presença de Deus, a magia divina e inexplicável da beleza da

vida, impulsionando-me a ir sempre adiante.

Ao Sergio, meu marido e meu amor, companheiro de todas as horas e

todos os desafios, incentivo constante e otimista mesmo quando tudo parecia tão

longe. Obrigada por compartilhar mais este projeto, estando mais uma vez, ao

longo destes 24 anos ao meu lado. .

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“Eu sou aquela mulher a quem o tempo muito ensinou.

Ensinou a amar a vida.

Não desistir da luta.

Recomeçar na derrota.

Renunciar a palavras e pensamentos negativos.

Acreditar nos valores humanos. Ser otimista.

Aprendi que mais vale lutar do que recolher dinheiro fácil.

Antes acreditar do que duvidar”.

Cora Coralina

Trecho do poema Ofertas de Aninha (aos moços)

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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar uma ação afirmativa presente na

Constituição Federal de 1988 concedendo favoravelmente às seguradas do

regime geral da previdência social brasileira, os benefícios da aposentadoria por

idade e por tempo de contribuição com menor tempo em relação ao universo

masculino. Tal ação afirmativa foi instituída pelo legislador brasileiro partindo de

premissas que atualmente não mais se justificam, quais sejam, a fragibilidade

biológica da mulher e a necessidade de compensação do tempo de trabalho em

razão da dupla jornada, compreendidas como o trabalho profissional (esfera

pública) e o trabalho doméstico (esfera privada). Enfocar-se-á que tal ação

afirmativa não resgata a necessária igualdade entre homens e mulheres, em

razão da mulher receber do próprio ordenamento jurídico brasileiro contornos

“protecionistas” e que não verdade são “pseudoproteções” sociais, responsáveis

pela manutenção da desigualdade de gênero, na medida em que reforçam a

tradicional tese da responsabilidade solitária da mulher no espaço da vida

privada. Propugnar-se-á no presente trabalho não pela mera extinção de um

direito, mas sim, pela substituição do benefício previdenciário acima citado por um

outro benefício denominado licença-parental capaz de gerar efetiva igualdade de

gênero no ordenamento brasileiro, nos moldes do que já está ocorrendo na

Europa, alcançado-se, por via de conseqüência, os objetivos maiores declarados

pelo Estado Democrático de Direito, a justiça e o bem-estar social.

Palavras-Chave: Mulher, sociedade, igualdade, previdência social,

aposentadoria diferenciada, licença-parental.

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SUMMARY The present work has for objective to analyze a present affirmative action in the

Federal Constitution of 1988 granting favorably to held them of the general regime

of Social welfare Brazilian retirement for age and for time of contribution with

smaller time in relation to the masculine universe. Such an affirmative action was

instituted by the Brazilian legislator leaving of premises that now no more they are

justified, which are, the woman's biological fragility and the need of compensation

of the time of work in reason of the couple day understood as the professional

work (public sphere) and the domestic work (deprived sphere). it will Be focused

that such an affirmative action doesn't rescue the necessary equality among men

and women, position that the woman is going through the juridical own Brazilian

Laws receiving outlines “protectionists” and that no truth is “pseudo-protections”

social, responsible for the maintenance of the gender inequality, in the measure in

that you/they reinforce the traditional theory of the woman's lonely responsibility in

the space of the private life. To defends in the present work not for the mere

extinction of a right, but, for the substitution of the benefit of social security above

mentioned by another benefit denominated license-parental capable to generate it

executes gender equality in the Brazilian Laws, in the molds that it is already

happening in Europe, reached her, for consequence road, the larger objectives

declared by the Democratic State of Right, the justice and the social well-being.

Word-key: Woman, society, equality, Social welfare, differentiated

retirement, license-parental.

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RESUMEN

Este estudio tiene como objetivo examinar la acción afirmativa en la actual

Constitución de 1988 en favor de la concesión de la comparación asegurados en

el régimen general de la brasileña edad jubilación del Seguro Social y el período

de cotización, con menos tiempo para el universo masculino. Esta acción

afirmativa fue instituida por el legislador brasileño a partir de premisas que ya no

se justifican hoy, a saber, las mujeres fragibilidade biológica y la necesidad de

compensación del tiempo de trabajo debido a la doble jornada de trabajo incluye

como profesional y el trabajo hogar . La atención se centrará de manera que la

acción afirmativa no recuperar la necesaria igualdad entre hombres y mujeres, ya

que la mujer está pasando por el ordenamiento jurídico brasileño se reciben

esquemas "proteccionistas" y que en realidad hay "pseudo-protección"

responsabilidad social para mantenimiento de la desigualdad de genero, ya que

refuerza la teoría tradicional de la responsabilidad única mujer en el espacio de la

intimidad. Se argumenta en este trabajo no es la simple pérdida de un derecho,

sino la sustitución de las prestaciones de seguridad social mencionados por otra

prestación llama el permiso parental, capaz de generar la igualdad de género

efectiva en el sistema jurídico brasileño, similar a lo que ya está ocurriendo en

Europa, llegó arriba, por consecuencia, los objetivos más importantes declarados

por el Estado democrático de derecho, la justicia y el bienestar social.

Palabras claves: mujer, la sociedad, la igualdad, la seguridad social,

jubilación.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 1

CAPITULO 1. MULHER: UMA HISTÓRIA QUE MERECE SER CONTADA ......... 7

1.1 A importância da História como experiência jurídica e método de interpretação

para o operador do Direito ...................................................................................... 7

1.2 A mulher na Época Antiga .................................................................................. 9

1.2.1 Código de Manu ............................................................................................. 9

1.2.2 Código de Hamurabi ................................................................................. 11

1.2.3 Os egípcios e as mulheres ........................................................................... 13

1.2.4 A mulher na Grécia ....................................................................................... 15

1.2.4.1 Mulheres de Atenas: submissão como essência ...................................... 16

1.2.4.2 Esparta e as mulheres: guerreiras e não-cidadãs ..................................... 18

1.2.5 Império Romano: a mulher tutelada .............................................................. 19

1.2.6 Mulheres e a Época Medieval ....................................................................... 22

1.2.7 Mulher: da Renascença à Modernidade ....................................................... 25

1.3 Mulher e as Revoluções da Era Moderna ...................................................... 29

1.3.1 Revolução Francesa ..................................................................................... 29

1.3.2 Revolução Industrial: “preferência” pelas mulheres? ................................... 31

1.3.3 Revolução Russa: prenúncios da instituição do dia internacional da mulher 34

1.3.3.1 Dia Internacional da Mulher: controvérsias, fatos e lendas ....................... 36

1.4 As Nações Unidas na salvaguarda dos direitos humanos ............................. 38

1.4.1 Declaração Universal dos Direitos Humanos - 1948 .................................... 38

1.4.2 Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Políticos -1966 ............................................... 41

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1.4.3 Convenção para eliminação de todas as formas de Discriminação contra a

Mulher - 1979 ......................................................................................................... 42

1.4.4 Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra

a mulher “Convenção de Belém do Pará” -1994 ................................................ ...44

1.5 As grandes Conferências Internacionais e os direitos femininos ...................45

1.6 Brasil: a marcha evolutiva da mulher na história e na legislação.................. 47

1.6.1 A mulher e as Constituições Brasileiras ....................................................... 47

1.6.2 A mulher e o direito ao voto no Brasil .......................................................... 51

1.6.3 Os direitos da mulher na Constituição de 1988 ............................................ 54

1.6.4 Mulheres e o Novo Código Civil ................................................................... 57

1.6.5 Maria da Penha: mais do que um simples nome de mulher. Uma Lei. Uma

história de vida. ..................................................................................................... 60

1.7 Ações Governamentais contemporâneas e conquistas femininas no Brasil .... 63

CAPITULO 2. OS DESAFIOS DE SER MULHER NA ERA CONTEMPORÂNEA:

DADOS E NÚMEROS ........................................................................................... 67

2.1 Mulher e família: novos parâmetros, novos paradigmas .................................. 67

2.1.1 Um olhar crítico-reflexivo sobre o papel da mulher-mãe .............................. 69

2.1.1.1 Filhos e carreira: conciliação e maternidade tardia .................................... 72

2.1.2 Mulheres e os modernos arranjos familiares ............................................. 74

2.2 Mulher e mercado de trabalho .................................................................... 78

2.2.1 Trabalhos domésticos, informais e “femininos” ......................................... 80

2.2.2 Discrepância salarial em razão do gênero ................................................ 84

2.2.3 A sobrecarga laboral e o compartilhamento na educação dos filhos ........ 87

2.3 A mulher campesina .................................................................................... 92

2.4 “Feminização” da velhice: uma realidade mundial ........................................ 93

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CAPITULO 3. MULHER: CONDIÇÃO JURÍDICA E AÇÕES AFIRMATIVAS À

LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA IGUALDADE E DA DIGNIDADE

DA PESSOA HUMANA ......................................................................................... 98

3.1 Princípio jurídico: uma definição necessária ................................................... 99

3.2 O princípio da igualdade: notas propedêuticas ............................................ 107

3.2.1 A igualdade nas Constituições Brasileiras ................................................. 110

3.2.2 O princípio da igualdade na Constituição Federal de 1988 ........................ 113

3.3 Princípio da dignidade da pessoa humana na CF/88 ..................................... 122

3.4 Ações afirmativas e a consagração do princípio da igualdade ...................... 128

3.5 Gênero e discriminação positiva na CF/88 .................................................. 136

CAPITULO 4. AS APOSENTADORIAS POR IDADE E POR TEMPO DE

CONTRIBUIÇÃO NO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

BRASILEIRA:APORTES NECESSÁRIOS ......................................................... 139

4.1 Conceito de seguridade social e sua trajetória histórico-legislativa .............. 139

4.2 Da noção de risco social a moderna concepção de contingência

social:incursões evolucionistas ........................................................................... 146

4.3 A seguridade social na Constituição Federal de 1988 .................................. 151

4.3.1 Previdência Social e sua evolução histórico-legislatival ............................. 153

4.3.2 Tempos modernos: a Previdência Social a partir da CF/88 ...................... 158

4.4 Princípios constitucionais da seguridade social na CF/88 ............................ 160

4.4.1 O princípio da solidariedade como regente do sistema de seguridade

social ................................................................................................................... 160

4.4.2 Princípios expressos da seguridade social : análise do art. 194 da CF/88 163

4.5 O custeio e a regra da contrapartida : indispensável para o equilíbrio

financeiro e atuarial ............................................................................................. 171

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4.6 Considerações propedêuticas sobre o instituto da Aposentadoria no Brasil . 173

4.6.1 Aposentadoria por idade na previdência social brasileira ..........................175

4.6.2 Previsões internacionais de seguridade social acerca da velhice como

necessidade social .............................................................................................177

4.6.3 Velhice e Previdência Social: evolução histórica pátria..............................179

4.4.1 Aposentadoria por tempo de contribuição .................................................187

CAPITULO 5. A CONCESSÃO DA APOSENTADORIA POR IDADE E POR

TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO COM CRITÉRIOS DIFERENCIADOS PARA A

MULHER: UMA AÇÃO AFIRMATIVA QUE MERECE SER REVISTA ............... 191

5.1 Inexistência de Instrumentos Normativos Internacionais contemplando critérios

diferenciados ........................................................................................................ 193

5.2 Aposentadoria diferenciada : o “ninho vazio” e o valor social do trabalho .... 194

5.3 Argumento da “fragilidade” física da mulher e a “feminização” da velhice .... 199

5.4 A aposentadoria diferenciada como medida compensatória da dupla jornada

de trabalho .......................................................................................................... 202

5.4.1 A mudança comportamental das mulheres em relação à reprodução e ao

casamento .......................................................................................................... 202

5.4.2 Mulheres com encargos familiares e a dupla jornada ................................ 206

5.5 A “pseudoproteção” e os princípios constitucionais da solidariedade,

seletividade e distributividade ............................................................................. 209

5.6 Problemas para a previdência social: a necessidade de equilíbrio financeiro e

atuarial ................................................................................................................ 212

5.7 Efetuando trocas: a implementação da Licença-Parental como garantia da

igualdade de gênero e firmamento dos direitos de co-responsabilidade familiares

de homens e mulheres ........................................................................................ 218

5.7.1 Instrumentos Internacionais instituidores dos benefícios familiares ............ 221

5.7.2 Experiências de direito comparado ............................................................ 224

5.7.3 Brasil: ecos de proposituras legiferantes ................................................... 228

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CAPITULO 6. O FEMININO E O MASCULINO ENQUANTO CONSTRUÇÕES

HISTÓRICO-CULTURAIS: OS ATORES SOCIAIS INSTRUMENTALIZADORES

DA IGUALDADE DE GÊNERO ........................................................................... 233

6.1 “Sensibilização” e mudança cultural .............................................................. 233

6.2 Mulheres no poder: a participação política como forma de igualdade real,

progresso e fortalecimento ................................................................................... 235

6.3 A importância da participação feminina nos sindicatos ................................. 240

6.4 Políticas públicas de enfrentamento da discriminação nas questões de gênero

............................................................................................................................ 244

6.5 O papel da educação e da mídia na efetivação da igualdade de gênero ..... 249

6.5.1 A educação como via de acesso para a transformação social .................... 249

6.5.2 A mídia na promoção da igualdade de gênero ........................................... 258

CONCLUSÃO ..................................................................................................... 264

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 270

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INTRODUÇÃO

“O ser humano, homem e mulher, possui um futuro aberto, ainda não

ensaiado, que pode ser trazido para o presente pela sua criatividade, expressada no

engajamento e na decisão de agir. Em outras palavras, ele não é definitivamente

refém das instituições do passado, especialmente do patriarcado, que marcaram a

história de sofrimento e de opressão de milhares de gerações e da metade da

humanidade que são mulheres. O que foi construído historicamente pode ser

também historicamente desconstruído. Essa é a esperança subjacente de mulheres

oprimidas e dos seus aliados – e dos homens desumanizados pelo patriarcalismo –

esperança de um novo patamar de civilização não mais estigmatizado pela

dominação de gênero”1.

A frase de autoria de Leonardo Boff traduz e sintetiza com maestria o nosso

intuito no presente trabalho. O tema que parte do binômio mulher-desigualdade

social é absolutamente presente nos dias hodiernos, como fruto de construções

históricas arquitetadas ao longo dos milênios, restando, por sua vez arraigados na

essência e na existência cultural dos povos.

O tema mulher permeia o cenário nacional nas suas mais variadas ordens. A

figura feminina mudou. Está mais presente, marcante, independente. O casamento e

a maternidade, únicos atributos aos quais a mulher estava atrelada em tempos

pretéritos, já não mais pode ser traduzido como obrigação, mas sim, opção e

escolha.

No mercado de trabalho houve um alargamento do número de mulheres e em

algumas áreas, a passos mansos, os ecos de vozes femininas vão tomando espaço.

Contudo, apesar de sua presença no mercado de trabalho, a discriminação salarial,

a desigualdade nos postos de trabalho e a vitimização da mulher nos assédios

morais e sexuais nas relações de emprego são constantes. Há como que uma total

incongruência entre as normas promocionais e a realidade prática vivenciada pelo

1Feminino e masculino:uma nova consciência para o encontro das diferenças. Rio de Janeiro: Sextante, 2002, p. 276.

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dito “sexo frágil”.

Indispensável salientar que o assunto “mulher” encontra uma gama de

problemas merecedores de reflexão acadêmico-científica.

Entretanto, nosso ensaio doutoral selecionou uma questão de absoluta

importância detendo-se na análise de uma ação afirmativa presente em nosso

ordenamento jurídico por meio de normas infraconstitucionais desde os idos de

1960, até atingirem o status constitucional nas Constituições de 1967 e 1988.

Trata-se do estudo dos critérios diferenciados às seguradas da previdência

social na concessão dos benefícios de aposentadoria por idade e por tempo de

contribuição previstos no Regime Geral da Previdência Social Brasileira. Tais

aposentadorias estabelecem uma margem de 5 anos “favoravelmente” às mulheres

no tocante à idade ou ao tempo de contribuição em relação ao universo masculino.

Como ação afirmativa deve ser entendida tal diferenciação,

constitucionalizada pelo legislador com o intuito de “compensar” as mulheres

partindo de duas premissas: como sexo biologicamente mais frágil do que o homem

e em razão da sua dupla responsabilidade e sobrecarga laboral, quais sejam, os

afazeres do trabalho profissional e os afazeres domésticos, compreendo-se aqui

também a responsabilidade pela educação dos filhos.

Entretanto, em razão do paradigma e estereótipo de “sexo frágil” a mulher vai

por meio do próprio ordenamento jurídico brasileiro recebendo contornos

“protecionistas” e que não verdade são “pseudoproteções” sociais, nomenclatura

que pretendemos adotar, responsáveis pela manutenção da desigualdade de

gênero, na medida em que reforçam a tradicional tese da responsabilidade solitária

da mulher no espaço da vida privada.

Demonstraremos ao longo do presente trabalho cientifico que tal

diferenciação já não mais se coaduna com os tempos hodiernos, necessitando de

uma revisão urgente.

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Não se trata de extinguir um direito, mas sim, perceber o quanto este

privilégio pode trazer prejuízos a quem é o maior interessado, no caso as mulheres,

seguradas da previdência social, nem sempre conscientes desta “pseudoproteção”.

Tanto é verdade que ao longo das explanações perceberemos que a modificação

pela paridade entre os sexos na aposentadoria não é uma tese defensável pelos

movimentos feministas, apoiando-se no fundamento que a manutenção se faz

necessária para a compensação da mulher, tendo em vista a sua dupla jornada de

trabalho. Somos adeptas da crença que tal discriminação não é positiva, mas sim

uma “pseudoproteção” que longe de dar segurança às mulheres, as relega

novamente à condição de “sexo frágil”.

Ainda, nos socorrendo dos aportes do direito alienígena, em especial do

“Velho Mundo”, a Europa, muitos são os países que já estão revendo a diferença

entre os gêneros para fins de aposentadoria, tendo em vista objetivos maiores, quais

sejam, a manutenção e o equilíbrio dos sistemas previdenciários e a implementação

de políticas de seguridade social visando a conciliação entre homens e mulheres,

por meio dos direitos de compartilhamento na educação e criação dos filhos e

fortalecimento da família, como consagração efetiva da igualdade entre os gêneros.

A parentalidade passa a ser o foco das políticas governamentais e não mais

a mulher. Desta forma, vislumbra-se a criação de benefícios tais como a licença-

parental, como mecanismo de aproximação de homens dos afazeres domésticos e

da educação dos filhos, garantindo, a possibilidade de maior desenvolvimento da

mulher na esfera pública e por sua vez, a conquista masculina da esfera privada.

Fazendo nossas as palavras de Leonardo Boff acima expostas o homem merece

uma humanização, desconstruindo-o como o provedor responsável pela esfera

pública, para construí-lo novamente como pessoa aproximando-o dos filhos, do

espaço doméstico e, também, da própria vida.

Não há mais a “compensação” para a mulher premiada com idade ou tempo

de contribuição inferiores, mas sim, o questionamento acerca da divisão de tarefas

entre homens e mulheres, compartilhando e incluindo também os homens naquilo

que antigamente se chamava “espaço de mulher”. Objetivamos a mudança de

arquétipos estruturados na divisão e no individualismo em prol de um lei maior, a

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fraternidade e a solidariedade, sublinhadas no Texto Magno de 1988 como um dos

esteios do Estado Democrático Brasileiro.

Propugnamos assim, a título de lege ferenda pela inclusão no ordenamento

brasileiro da licença-parental e, de maneira gradual por meio de regras de transição,

da extinção dos tempos reduzidos de aposentadoria para a mulher nas hipóteses

citadas.

Consideramos que enquanto os benefícios e proteções sociais continuarem

tendo a mulher como foco principal, fomentaremos as diferenças e as desigualdades

permanecerão e, por via de conseqüência, excluiremos homens e mulheres

sempre, da vida em geral, quer seja no âmbito público ou no privado. Homens e

mulheres devem ser incluídos. O conceito que consideramos o necessário a ser

adotado é o de pessoa, compreendida como finalidade primeira e última da

sociedade e do Direito.

Informado o problema central de nossa pesquisa, passamos agora a

descrever a construção metodológica de nosso trabalho estruturado em seis

capítulos.

A evolução da mulher na perspectiva histórica, com vistas a demonstrar suas

revoluções, conquistas e anseios sociais será a temática contemplada no Capítulo 1.

O Capítulo 2 delineado por meio de dados e estatísticas tem por objetivo

apresentar os desafios da mulher na sociedade contemporânea, como um

personagem dotado de novos contornos indicando a necessidade de políticas

públicas mais atentas e atuantes.

A condição feminina à luz de princípios constitucionais selecionados, quais

sejam, a igualdade, a dignidade da pessoa e a instituição de ações afirmativas com

o escopo de se aprimorar a igualdade entre os gêneros serão analisados no capítulo

3.

O capítulo 4 trará os aspectos fundamentais do sistema de seguridade social,

para, assim, atingirmos as nuances dos benefícios previdenciários denominados

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aposentadoria por idade e por tempo de contribuição, tais como, evolução histórica,

a contingência social implementadora e os critérios e requisitos para a concessão

de tais benefícios.

Confeccionado o arcabouço teórico com a apresentação dos requisitos

diferenciados à segurada da previdência social brasileira nas aposentadorias em

questão, o capítulo 5 traduzirá a nossa idéia central, tal diferenciação à mulher nos

dias hodiernos deve ser revista. Nosso esteio argumentativo trará aspectos

sociológicos, culturais, psicológicos, econômicos e, principalmente, jurídicos para

que possamos defender a tese de que tal disparidade não se coaduna com o

sistema protetivo previdenciário, com o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema e,

por ainda dizer, de forma mais veemente, enaltece a desigualdade de gênero em

nosso país.

Oportuno salientar também que o emprego do termo gênero, utilizado na

temática, contempla não as diferenças entre os sexos em razão do determinismo

biológico, mas é usado para demonstrar que as diferenças entre homens e mulheres

são construídas socialmente no decorrer da história. Partindo de tal fato, as

conquistas e transformações sociais não ocorrem de forma natural, o “patriarcado”, a

“esfera doméstica feminina” são características arraigadas e arquitetadas desde

tempos pretéritos em nossa sociedade e, para tanto, a mudança clama por uma

absoluta integração entre atores sociais, tais como o governo, a sociedade

organizada, que por meio de campanhas educativas e formativas debatam a

temática da desigualdade de gênero revendo conceitos e preconceitos enraizados.

Detalharemos tais instrumentos no capítulo 6 deste trabalho tendo a educação como

foco para tais transformações.

Salienta-se que, para que o bem-estar social e coletivo se mantenha devemos

pensar em termos globais e em uma ordem sistêmica livre de preconceitos, tabus e

“pseudo-proteções”. Para tanto, é importante repensar efetivamente a questão de

gênero nos dias contemporâneos, garantindo a disparidade quando esta realmente

for necessária, e afastando as proteções que longe de representarem uma

salvaguarda aos sujeitos de direito os mantém cristalizados como hiposuficientes,

trazendo as mais diversas conseqüências.

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Imperiosas, portanto, as modificações, em especial, no que tange às questões

de gênero e as aposentadorias diferenciadas. Não restam dúvidas que os

paradigmas insertos em nossa cultura devem ser transformados, sendo substituídos

por um valor maior, o valor da fraternidade, da colaboração e do enaltecimento do

social e do coletivo, consolidando assim um dos princípios maiores da seguridade

social, a solidariedade.

Há de ser imperativa a aplicação dos ditames estabelecidos no art. 3o da

Constituição Federal, que entre os seus fundamentos elege a redução das

desigualdades como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Assim,

pretendemos demonstrar que somente pelo esforço e cooperação de todos os

atores sociais será possível consagrarmos a verdadeira igualdade e justiça social e

as mulheres devem compreender sua nova inserção social e colaborar para tal

mister, na busca pela efetiva igualdade.

Consideramos que as respostas no campo das relações humanas dependem

de muito esforço e fiscalização dos agentes responsáveis. Mas, mais do que isto o

poder de representação deveria estar nas mãos das mulheres com o acesso

universal à educação e à informação, instrumentos catalisadores da efetiva

cidadania.

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1.MULHER: UMA HISTÓRIA QUE MERECE SER CONTADA

Há aqueles que lutam um dia; e, por isso, são bons;

Há aqueles que lutam muitos dias; e, por isso, são muito

bons;

Há aqueles que lutam anos; e, são melhores ainda.

Porém, há aqueles que lutam toda a vida; esses são

imprescindíveis.

Bertold Brecht

O tema mulher é de palpitante contextualização. Incide nas mais variadas

políticas sociais e irradia efeitos no contexto global. A luta da mulher é longa,

demorada, mas sempre acirrada e constante.

Começaremos nosso trilhar científico analisando a evolução dessa luta e os

direitos já conseguidos, bem como aqueles almejados para um futuro próximo.

1.1 A importância da História como experiência jurídica e método de

interpretação para o operador do Direito

Imprescindível a importância da História para se conhecer o Direito, em

especial, para se conhecer o Direito das Mulheres. O processo evolutivo e o das

transformações daí advindas constituem a finalidade primordial da História,

reconstituindo e compreendendo o Homem e a humanidade no passado com

projeção para o futuro.2

2 BAGNOLI, Vicente; BARBOSA, Susana Mesquita & OLIVEIRA, Cristina Godoy. História do Direito. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 2.

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Nas palavras de Gabriel Chalita “a história é um devir, isto é, um processo de

permanente transformação. A história não é estática; está em constante construção,

por meio da atuação do homem”.3

Em uma visão pessimista a sociedade tende a acreditar que as mulheres não

evoluíram. Entretanto, as mulheres estão caminhando rumo a mudanças, em um

processo constante de mutação, transformação e conquistas. Assim foram

conquistados os direitos das mulheres, como todos os direitos da humanidade.

Passo a Passo. Arduamente.

Desse modo, é de salutar importância que cada vitória da luta feminina seja

festejada à luz do seu momento histórico, pois cada momento no tempo é único e

indispensável para a seqüência dos fatos. O dever-ser com certeza se efetivará cada

vez mais de maneira absoluta e próspera às mulheres. A História vem mostrando

isso.

Com referida introdução gostaríamos de reafirmar a importância da História

para o operador do direito, pois a ciência do Direito evoluiu na medida do tempo e

alicerçada nas inúmeras conquistas dogmáticas. Neste sentido:

Entre as muitas razões de ser da História do Direito, destaca-se a de que o jurídico, como todas as partes que integram o complexo da cultura, está inseparavelmente unido às coordenadas de espaço e tempo. Poucas realidades golpeiam tão duramente nossa existência como o passar do tempo. Para os humanos, o tempo não é somente uma dimensão a mais, ele integra-se em nossos projetos e forma parte inseparável de nós. (...) Todas as coisas humanas estão impregnadas pelo passar dos anos. E o devir do humano ao largo do tempo chama-se História, como a ciência que o estuda e o reconstrói. O Direito, enquanto elemento da cultura, não escapa a essa coordenada (...).4

3 O Poder. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 21. 4BERKMAN, Ricardo David Rabinovich. Bom dia, História do Direito! Rio de Janeiro: Forense,

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Corroborando nossas assertivas cumpre trazer à colação os ensinamentos

propugnados pelo o historiador e filósofo Reinhart Koselleck quando proferiu

palestra intitulada "História e Hermenêutica" na Universidade de Heidelberg, em

comemoração ao 85° aniversário de Hans-Georg Gadamer, também presente em

16 de fevereiro de 1985:

Toda compreensão sem um índice temporal permanece muda. A compreensão, seja ela de um texto, seja ela tomada ontologicamente como esboço da existência humana para a qual importa o sentido, toda compreensão é fundamentalmente dependente do tempo. Ou seja: lidando com história, não podemos deixar de ser hermeneutas, isto é, de trabalhar simbolicamente o passado e de considerar o tempo fator determinante para as atividades de compreensão e interpretação. Há mesmo na hermenêutica como ciência da interpretação reflexões interessantes que ajudam a melhor nos desincumbirmos de nossa atividade de intérpretes de resíduos do passado.5

Assim, os direitos alcançados encontram no aspecto temporal o eixo

fundamentador para sua existência e dentro deste aspecto espacial e temporal

devem ser explicados e entendidos. Se correspondem às nossas realidades ou

talvez possam em algum momento ser considerados dissonantes, o próprio tempo

explicará pois refletirá as conquistas e objetivos de uma época.6

1.2 A mulher na Época Antiga 1.2.1 Código de Manu

Nos primórdios importante documento histórico foi o Código de Manu Quando

falamos de Código, falamos em lendas e histórias místicas que envolvem a criação

2001, p. 12-13. 5 ALBERTI, Verena. A existência na história: revisão e riscos da Hermenêutica.Revista de Estudos Históricos. Rio de Janeiro: CPDOC, n. 17, 1996, p.12. 6 ALTAVILA, Jayme de. Origem dos Direitos dos Povos. 7ª ed. São Paulo: Icone Editora, 1997, p. 12.

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desse Código. Dita a lenda que Brahma, de seu próprio corpo, essência e

substância, a primeira mulher e a ela deu o nome de Sarasvati. Uniram-se em

matrimônio e do casamento Manu, foi o primogênito, com a incumbência de ser o pai

da humanidade, e responsável por estabelecer leis norteadoras da convivência

social. Manu é citado pelos estudiosos como sábio, rei, escritor e também como o

único sobrevivente de um dilúvio ocorrido na Índia.Calcula-se como data aproximada

para a promulgação do Código de Manu entre os anos de 1300 a 800 a.C

O Código de Manu foi escrito em sânscrito em forma de verso e prosa, e seus

ditames relatados por meio de versos. Cada disposição legal consta de dois versos,

segundo métrica criada por um santo eremita denominado Valmiki, em torno do ano

1500 a.C.

Dividido em Doze Livros, o Código de Manu expandiu-se para os territórios da

Assíria, Judéia e Grécia, comparado na era antiga como um Código que deixou suas

marcas,assim como os Romanos as deixaram para o mundo mais

contemporâneo. Contudo, não alcançou a mesma projeção do Código de Hamurabi7

que entre as suas mais diversas disposições estabelecia algumas determinações

relativas à mulher. Encontramos diversos dispositivos consagrando a discriminação

entre homens e mulheres.

Ao nos debruçarmos na análise do art. 45 do referido Código percebemos a

absoluta submissão da mulher ao homem, por toda a sua existência, assim vejamos:

“uma mulher está sob a guarda de seu pai durante a infância, sob a guarda do deu

marido durante a juventude, sob a guarda de seus filhos em sua velhice; ela não

deve jamais conduzir-se à sua vontade”.

O Livro Terceiro do Código de Manu é responsável por ditar as regras

relativas ao matrimônio destacando as condutas e os deveres do chefe da família,

notadamente o homem, patriarca responsável e chefe maior a guiar os destinos de

sua esposa e filhos.

Ainda convém esclarecer que os Livros Quinto e Décimo Primeiro são de 7 Disponível em http://www.wikipedia.com.br. Acesso em 10 de agosto de 2008.

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importância ímpar para os estudiosos da questão de gênero pois delimitam, no

primeiro caso os poderes de soberania dos homens sobre as mulheres, bem como,

no segundo caso enumera as transgressões e suas conseqüentes punições para se

reestabelecer a ordem social .

À título de exemplo podemos citar que o Código de Manu considerava a

mulher serva do seu marido, devendo sempre idolatrá-lo e venerá-lo perante a

sociedade, pois caso não houvesse o tão esperado respeito seriam aplicadas penas

severas.

A incapacidade da mulher nos remete à previsão da Lei de Manu: “A mulher,

durante sua infância, depende de seu pai, durante a mocidade de seu marido, em

morrendo o marido, de seus filhos; se não tem filhos, dos parentes próximos de seu

marido, porque a mulher nunca deve governar-se à sua vontade”8.

Finalmente, imprescindível destacar a importância da mulher como soberana,

em apenas uma condição, a condição de mãe. A preocupação dos Hindus com a

reprodução era tamanha, de maneira até mesmo a autorizar a relação da esposa

com um cunhado ou qualquer outro parente com o fito de continuidade da família e

estabelecimento de laços de descendência.9

1.2.2 Código de Hamurabi

Hamurabi foi o sexto rei sumério durante período de 1730 a 1685 A.C.).

Fundador do Império Babilônico (atualmente o Iraque) e responsável pela unificação

do mundo babilônico.Seu nome se perpetua na História da Humanidade com o

8 PIMENTEL, Silvia. Evolução dos direitos da mulher: norma, fato e valor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978. p.9. 9 Segundo o autor PINHEIRO, Ralph Lopes. História resumida do direito. 10ª ed. Rio de Janeiro: Thex,2001, p. 54 “A preocupação era tal com relação a uma descendência varonil, que o assunto era disciplinado deste modo:"Aquele que não tem filho macho pode encarregar a sua filha de maneira seguinte, dizendo que o filho macho que ela puser no mundo, se tornará dele e cumprirá na sua honra a cerimônia fúnebre. A inquietação dos hindus com a progenitora era tão grande que chegavam a admitir a união da esposa, convenientemente autorizada, com um irmão do marido ou outro parente.

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legado da mais remota10 consolidação de leis batizada de Código de Hamburabi .

Dispostas em um monumento talhado de pedra negra e cilíndrica de diorito com

2,25m de altura, 1,60m de circunferência na parte superior e 1,90m na base. 11

O texto é formado por 46 colunas de 3.600 linhas contendo 281 artigos, de 1

a 282 e excluindo-se o art. 13 por motivos de superstição. Consagra-se neste

Código, a pena de Talião “olho por olho, dente por dente” garantindo que a pena do

criminoso deveria corresponder exatamente ao crime por ele cometido, bem como

vislumbra-se nas disposições do Código uma reunião de temas entre eles:

patrimônio, família, sucessões, crimes, salários, posse de escravos, classes

profissionais e os direitos correlatos.12

Interessante notar que não há um capítulo destinado à mulher, os dispositivos

a ela aplicados estão reunidos no título destinado à família denominado “Matrimônio

e família” delitos contra a ordem da família” dos art. 128º a 184º. Por uma análise

detalhada aufere-se que a mulher não é vista em sua singularidade, como

merecedora de regras próprias de proteção. Contudo, sua importância decorre da

reprodução, perpetuação dos laços de família, sendo a procriação uma das

finalidades precípuas do Código de Hamburabi.

Neste sentido os art. 145º permite ao homem caso a sua mulher não lhe dê

filhos a ter uma concubina em sua própria, mas esta mulher não terá o status de sua

mulher. O art. 146º reforça a importância da família destacando que “ Se alguém

toma uma esposa e essa esposa dá ao marido uma serva por mulher e essa lhe dá

filhos, mas, depois, essa serva rivaliza com a sua senhora, porque ela produziu

filhos, não deverá sua senhora vendê-la por dinheiro, ela deverá reduzi-la à

escravidão e enumerá-la ente as servas” e finalmente no art. 147º se a concubina

10 Até 1948 se suponha se tratar do Código mais antigo. Contudo, em 1952 apenas a 2ª Grande Guerra Mundial foi descoberta a “tabuinha de Istambul” batizada de Código de Ur-Namu, também mesopotâmico, informações coletadas da obra de GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 291-292.

11 COTRIM, Gilberto. História e Consciência do Mundo. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 33.

12 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Ob. Cit. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 291-292.

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não produziu filhos poderia ser, como mercadoria, como objeto, vendida por

dinheiro.

O art. 138 estabelecia que se um homem quiser se separar de sua esposa

que lhe deu filhos, ele deve dar a ela a quantia do preço que pagou por ela e o dote

que ela trouxe da casa de seu pai, e deixá-la partir.

No que tange às filhas, o pai tinha poder absoluto sobre suas vidas, em

especial, seu futuro casamento, negociado por meio de dote.

O adultério da mulher era punido rigidamente e nos termos do art. 129º a

mulher e seu amante deveriam ser jogados na água, entretanto, o adultério seria

lícito caso o marido viesse a abandonar o lar, não deixando alimentos, ressaltando

mais umas das características do Código de Hamurabi o poder patriarcal e o dever

do homem como provedor da família, mulher e filhos.

O caráter de provedor também pode ser visto no art. 148º “ Se alguém toma

uma mulher e esta é colhida pela moléstia, se ele então pensa em tomar uma

segunda, não deverá repudiar a mulher que foi presa da moléstia, mas deverá

conservá-la na casa que ele construiu e sustentá-la enquanto viver”.

1.2.3 Os egípcios e as mulheres

Diferentemente de outras civilizações, à mulher egípcia era garantido um

status peculiar, com tratamento diferenciado e consagrado pela existência real da

isonomia entre os gêneros, a qual aflorava no seio daquela sociedade. Era a mulher

considerada, respeitada e legitimada em todos os seus atributos, garantindo ao

Egito, enquanto civilização antiga, uma condição ímpar no tratamento da questão.13

No Egito era prática costumeira o exercício da governança da Casa Real por

mulheres habilitadas à escrita, e um dos exemplos de liderança e atuação feminina

13 NOBLECOURT, Christiane Desroches.A mulher no tempo dos faraós. (Trad.Tânia Pellegrini) Campinas: Papirus, 1994, p. 207.

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foi a de Hatshepsut, primeira mulher a governar um império com o titulo de Faraó do

Egito.

O historiador Ciro Flamarion Cardoso14 destaca os diversos papéis que

poderiam ser desempenhados pelas mulheres no comando e na organização de

suas próprias vidas, podendo citar a disposição de bens, a elaboração de contratos,

o firmamento de obrigações, o exercício de funções como testemunhas, acusadoras

ou defensoras.

Ademais, cumpre ressaltar que a mesma liberdade era concedida na vida

privada com participação na herança em cotas iguais, bem como controle e gestão

do patrimônio familiar, quer na ausência temporária do marido ou decorrente do seu

falecimento.

Também importante se faz mencionar que as mulheres atuavam como

sacerdotisas, cantoras e musicistas dentro dos templos e à uma mulher da família

real poderia ser conferido o título de "Esposa do Deus”.

Ao se falar em Egito uma personagem marcante é Cleópatra que representou

um marco para aquela civilização no sentido de soberania, força e, principalmente,

como símbolo de astúcia e inteligência, pois teve filhos com os imperadores

romanos, Júlio César e Marco Antônio, com o objetivo de constituir um império

romano-egípcio.

Imperioso salientar que Cleópatra não foi uma exceção, muito pelo contrário,

seis mulheres tornaram-se faraós.Podemos citar como exemplo Hatshepsut, que

reinou por 15 anos, cerca de 1 500 anos antes de Cristo. Na mesma toada tivemos a

faraó Nefertiti que por mais de uma década configurou-se como a mulher mais

influente do Egito, reinando ao lado do faraó Akhenaton.

Tais fatos podem ser comprovados quando das análises dos túmulos de

mulheres, mostrando-as como pessoas produtivas no desempenho das profissões,

bem como no gerenciamento da vida privada e pública.

14 Algumas visões da mulher na literatura do Egito faraônico (II milênio a.C). História, São Paulo, v. 12, p. 103-113, 1993, p. 103.

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No que tange ao casamento, por essência monogâmico, o povo egípcio

atribuía singular importância em razão das conseqüências jurídicas, sociais e

econômicas advindas da união15 e consideravam a herança e a sucessão como

questões salutares ao seu povo.

O divórcio era previsto quando resultante da infertilidade do casal,

incompatibilidade de interesses ou derivada do adultério feminino, menos tolerável e

mais reprimível pela sociedade egípcia mas não sem restrições; era preferível que o

marido fosse fiel à esposa16.

À mulher era garantida a igualdade no casamento e a maternidade exercida

de maneira plena, como sendo a mulher o núcleo fundamental, autônomo e

independente para gerir o cotidiano familiar.17

1.2.4 A mulher na Grécia

A Grécia é tida como o berço da Filosofia e paradigma no incentivo à

educação. Tal fato pode ser comprovado nas inúmeras obras dos clássicos gregos:

Aristóteles, Platão, Sócrates, Epicuro, Xenofonte, entre outros.

Ao se falar no histórico das mulheres na Grécia nos deparamos com dois

cenários absolutamente antagônicos e que merecem explicações detalhadas. Em

um mesmo lugar era possível a identificação de dois mundos diferentes: as mulheres

de Atenas e de Esparta faziam parte de uma composição histórica absolutamente

oposta.

15 CARDOSO, Ciro Flamarion. Ob. Cit., p. 104-5. 16 Idem, ibidem. 17 De acordo com a análise de RODRIGUES, Teresa A população do antigo Egito: quantitativos e comportamentos. Hathor (Estudos de Egiptologia), Lisboa, v. 2, p. 23-37,1990, p. 33 “a família era a pedra angular do edfício social egípcio. Uma máxima de Ptah-Hotep traduz bem essa perspectiva, ressaltando a importância do casamento:“Quando prosperares e construíres teu lar, Ama tua mulher com ardor, Enche seu estômago, veste suas costas,o ungüento é um tônico para seu corpo,Alegra o seu coração enquanto viveres,ela é um campo fértil para o seu senhor”.

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Contudo, primeiramente é oportuno mencionar que a desigualdade de

gêneros era reinante. O incentivo à educação, à filosofia e à oratória destinava-se

desde a infância aos meninos, cabendo às meninas papéis afastados da cultura e da

intelectualidade, tanto em Atenas quanto em Esparta.Percebe-se assim que a

discriminação já encontrava seu berço na mais tenra infância, preparando-os de

maneiras diferentes para a vida futura.

1.2.4.1 Mulheres de Atenas: submissão como essência

(...) Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas.

Geram por seus maridos, os novos filhos de Atenas.

Elas não têm gosto ou vontade, nem defeito, nem qualidade. Têm medo, apenas.Não têm sonhos, só têm presságios.

O seu homem, mares, naufrágios.

Lindas sirenas, morenas.

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas.

Temem por seus maridos, heróis e amantes de Atenas.

As jovens viúvas marcadas e as gestantes abandonadas não fazem cenas.Vestem-se de negro, se encolhem, se conformam e se recolhem às suas novenas. Serenas.

(...)

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas.

Secam por seus maridos, orgulho e raça de Atenas.

O trecho acima exposto, composto hodiernamente pelo poeta brasileiro Chico

Buarque de Holanda, nos expressa com maestria a figura feminina em Atenas.

Preparada, educada e incentivada a uma vida doméstica, cuidando de seus filhos e

zelando por seus maridos, bravos guerreiros. Abandonadas, solitárias, subjulgadas,

em Atenas a mulher era sinônimo de aceitação, submissão. Sua função maior no

casamento era gerar os filhos de Atenas, ou seja, meramente reproduzir, com a

finalidade de perpetuar a raça e manter a descendência, bem como no caso dos

meninos prepará-los para os grandes passos no mundo da Filosofia ou da Guerra.

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Apesar de não ser considerada cidadã, ao gerar um filho a mulher ateniense

garantiria a cidadania aos seus descendentes.

As meninas já eram educadas por suas mães com o objetivo precípuo de

desenvolver no futuro atividades eminentemente domésticas entre elas: costurar,

tecer, confeccionar vestimentas para os familiares, cuidar dos filhos, dos maridos,

da limpeza, conservação e embelezamento das casas.Eram despossuídas de

direitos políticos ou jurídicos e encontravam-se inteiramente subjulgadas no mundo

social. As atenienses, como já relatado acima, viviam confinadas em suas casas à

espera de seus maridos.

Em sua obra Política, Aristóteles cita a figura de outro notável filósofo grego,

Sófocles, para demonstrar qual o papel da mulher em uma sociedade, em especial,

a grega que se traduzia por uma de suas marcas indeléveis o uso da palavra, da

oratória. Para o povo grego, a oratória como palavra expressa oralmente em

Assembléias era sinônimo de cidadania. Assim, ser cidadão significa ter o direito a

se manifestar e expor suas razões, direito este absolutamente negado à mulher, a

qual caberia apenas o silêncio, cabendo trazer à colação:

Isto nos leva imediatamente de volta à natureza da alma: nesta, há por natureza uma parte que comanda e uma parte que é comandada, às quais atribuímos qualidades diferentes, ou seja, a qualidade do racional e a do irracional. (...) o mesmo princípio se aplica aos outros casos de comandante e comandado. Logo, há por natureza várias classes de comandantes e comandados, pois de maneiras diferentes o homem livre comanda o escravo, o macho comanda a fêmea e o homem comanda a criança. Todos possuem as diferentes partes da alma, mas possuem-nas diferentemente, pois o escravo não possui de forma alguma a faculdade de deliberar, enquanto a mulher a possui, mas sem autoridade plena, e a criança a tem, posto que ainda em formação. (...) Devemos então dizer que todas aquelas pessoas tem suas qualidades próprias, como o poeta (Sófocles, Ájax, vv.405-408) disse das mulheres: ‘O silêncio dá graça as mulheres’, embora isto em nada se aplique ao homem.18

18 Política. Brasília: UNB, 1997, p. 32 -33.

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1.2.4.2 Esparta e as Mulheres: guerreiras e não-cidadãs

Esparta era um caso à parte na história grega, bem como na história das

mulheres.

A referida cidade tinha por característica básica o constante alerta em razão

da possibilidade de revoluções e combates internos, tendo em vista a existência de

um número maior de não-cidadãos espartanos, escravos e estrangeiros em seu

território. Assim, a mulher era chamada a participar de treinamento militar para

defesa do seu povo, garantindo-lhe presença nas atividades políticas e cotidianas da

polis.

Entretanto, Marcos Alvito Pereira de Souza19 informa-nos que referidos

privilégios, mascaravam uma realidade enraizada subliminarmente, pois com tais

atitudes a família se enfraquecia, retirava-se a forma das relações conjugais e os

filhos das espartanas eram criados pelo Estado, e as esposas visitadas

ocasionalmente por seus maridos. Para o autor, as mulheres espartanas eram ainda

menos consideradas na vida social do que as atenienses, uma vez que se viam

privadas de criar os próprios filhos a partir de certa idade e de manter regularmente

um relacionamento conjugal com seus maridos. Em resumo, o que se objetivava era

fortalecer a comunidade de guerreiros em detrimento da esfera privada. 20

Na sociedade espartana observamos que suas mulheres pareciam ter uma

“liberdade” maior que as atenienses21, o autor em seu texto cita o filósofo Aristóteles

que considerava as espartanas como depravadas e luxuriosas, em razão da maior

19A Guerra na Grécia Antiga. São Paulo: Ática, 1988, p. 44.

20 Idem, p. 43-44.

21 TÔRRES, Moisés Romanazzi. Considerações sobre a condição da mulher na Grécia Clássica (século V e IV a.C.) Revista Mirabilia 1, Revista Eletrônica de História Antiga e Medieval, dez. 2001, p.4, disponível em http://www.revistamirabilia.com/num 1/mulher.html. Acesso em 16 de outubro de 2009.

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liberdade, acusando-as de subjulgarem seus maridos, como se observa nas

seguintes palavras:

(...) da mesma forma que o homem e a mulher são parte da família, é óbvio que a cidade também é dividida em uma metade de população masculina e outra metade de população feminina, de tal forma que em todas as constituições nas quais a posição das mulheres é mal ordenada se pode considerar que metade da cidade não tem leis. Foi isto que aconteceu na Lacedemônia, pois o legislador, querendo que toda a comunidade fosse igualmente belicosa, atingiu claramente o seu objetivo com relação aos homens, mas falhou quanto às mulheres que vivem licenciosamente,entregues a todas as formas de depravação e da maneira mais luxuriosa.22

Assim, aparentemente poderia até se pensar em uma igualdade entre

homens e mulheres em Esparta, mas era efetivamente uma “pseudo-igualdade”,

pois apesar da liberdade para as atividades bélicas, ainda era a mulher considerada

cidadã de 2ª classe para outras atividades, tais como o exercício pleno da vida

política e jurídica.

1.2.5 Império Romano: a mulher tutelada

A história em Roma, tempos depois se repete. Nada é “passado à limpo”. O

Direito Romano entendia a mulher como uma eterna tutelada pelos homens, pais ou

maridos, inserida em uma sociedade absolutamente patriarcal.

A educação novamente se traduzia como objeto diferenciador, marco divisório

entre meninos e meninas, que desde a tenra infância já se conscientizavam de suas

aclamadas diferenças.

Aos meninos, cultura, intelectualidade, artes, retórica, filosofia e comunicação.

Representavam a continuidade da cultura, das artes e da sabedoria de um povo.Às

meninas, o lar, os afazeres, e principalmente os filhos .

22 Política. Brasília: UNB, 1997, p. 60-61.

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Roma Antiga propugnava pela existência de famílias numerosas como

sinônimo de poder. Em razão da precariedade das ocorrências gestacionais, muitas

eram as mortes de mulheres e crianças, sendo ainda fato corriqueiro no universo

romano o abandono de crianças deficientes. O povo romano deveria ser forte,

perfeito e belo.

O casamento para as romanas conceituava-se como um “rito de passagem”,

transferindo-se o poder e domínio do pai para o controle marital.23 Cabendo citar:

(...) a civilização romana colocava a mulher em plano secundário. Não lhe reconhecia equiparação de direitos ao homem (...). Como filha, era sempre incapaz, sem pecúlio próprio, sem independência, alieni iuris. Casada, saía sob a potestas do pai, e ingressava in domo mariti ali se prolongando a sua condição subalterna, pois que entrava in loco filiae e desta sorte perpetuava-se a sua inferioridade, prolongando-se por toda a vida a capitis deminutio que a marcava, e de que não se podia livrar numa sociedade individualista ao extremo, (...). Naquela sociedade, não havia para a mulher outras virtudes que as reconhecia às suas matronae: ‘ser casta e fiar lã. 24

Esperava-se das mulheres absoluta atuação na vida doméstica, cuidando de

todas as atividades inerentes à questão. E ainda, imperava para as mulheres

romanas, um fenômeno que nominamos nos tempos contemporâneos de “ditadura

da beleza”. Deveriam estar belas e cuidadas para quando seus maridos chegassem.

Seu embelezamento que envolvia cuidados diários - penteado, maquiagem e

vestuário impecável – não era para si, mas para o outro. A beleza e a vaidade eram

objeto de cobrança e de submissão, nunca de auto-estima.

Quando se fala em direito romano e chefia familiar logo nos vêm à mente a

figura do pater familias, considerado o detentor de todo o poder acerca do grupo

23 Segundo COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.37, o casamento era a primeira instituição estabelecida pela religião doméstica e considerado de suma importância pois significa para a mulher não apenas a troca de lar, ou troca de “dono” do pai para o marido, mas sim o abandono do lar e da religião paterna para aderir aos deuses de seu marido”. 24 PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.), Família e Cidadania – o novo CCB e a vacatio legis. Belo Horizonte: IBDFAM/Del Rey, 2002, p.391-402.

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familiar. O pater familiar reunia em si a gestão e o poder de sacerdote,

administrador, juiz, pai e esposo. À mulher caberia honrá-lo e obedecê-lo.

Na administração da justiça o pater familias era o detentor de poderes para

aplicar penas, dispor de bens e pessoas, pois era ele quem “julgava os membros de

sua domus, como presidente do tribunal doméstico, que se reunia perante o lar”.25

Na condição de sacerdote, era o responsável por comandar e promover o

culto aos deuses domésticos.

Em relação aos filhos, os poderes do pater eram ilimitados, pois detinha o jus

vitae necisque, o que se traduz no direito de vida e de morte sobre a prole, podendo

abandonar ou vender o recém-nascido. 26

Diante de todo esse cenário não restava à mulher outra solução a não ser a

obediência total ao poder masculino exercido pelo pater familias e também por seu

marido. Consideradas relativamente incapazes, as mulheres estavam sujeitas as

mais variadas arbitrariedades, com o cerceamento absoluto de sua liberdade, não

lhe sendo facultado nem mesmo praticar a religião sem o consentimento de seu

tutor.

Contudo, temos no início do Século II a.C. um processo de emancipação das

mulheres, pois a mulher casada mantinha-se tutelada por seu pai, mas com a gestão

de seus bens.27 Sabe-se na época a existência de mulheres versadas em literatura.

25 FIÚZA, César Augusto de Castro. Mudanças de paradigmas: do tradicional ao contemporâneo. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). A família na travessia do milênio: Anais do II Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p.30. 26 Neste sentido cabe trazer à colação os ensinamentos de ARIES, Phillippe Áries & DUBY, Georges. História da Vida Privada. São Paulo: Cia das Letras, 1997, vol. 1, p. 23. “O nascimento de um romano não é apenas um fato biológico. Os recém-nascidos só vêm ao mundo, ou melhor, só são recebidos na sociedade em virtude de uma decisão do chefe de família: a contracepção, o aborto, o enjeitamento das crianças de nascimento livre e o infanticídio do filho de uma escrava são, portanto, práticas usuais e perfeitamente legais. Em Roma um cidadão não “tem” um filho: ele o “toma”, “levanta” ( tollere); o pai exerce a prerrogativa, tão logo nasce a criança, de levantá-la do chão, onde a parteira depositou, para tomá-la nos braços e assim manifestar que a reconhece e se recusa a enjeitá-la”. 27 Algumas modificações significativas passam a ocorrer com o advento do Império em razão da limitação pelo Estado do poder pater familias. Torna-se comum a possibilidade de se recorrer a um magistrado para denunciar arbitrariedades e desvios ocasionados pelos pater famílias. Neste período

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A freqüência do divórcio aumentou. Podemos ver mulheres inteligentes e ambiciosas

como Clódia, e Semprônia (mulher de D. Júnio Bruto), que participou da

Conspiração de Catilina. Aparentemente as mulheres atuavam às vezes nos

tribunais: "Jurisperita" é o título de uma fabula togata escrita por Titínio, e Valério

Máximo menciona uma certa Afrânia no Século I a.C. como sendo uma litigante

habitual, que cansava os tribunais com seu clamor.28

1.2.6 Mulheres e a Época Medieval

A época medieval caracteriza-se pela prevalência do discurso religioso na

vida social. A Igreja por meio de seus representantes era “a voz de Deus” na terra e

exercia o mando na esfera política e, também, nas relações privadas.

A moral medieval se fundamentava num compromisso com a “verdade divina”

encontrada em textos da Igreja a qual ditava as regras e estabelecia a ordem social.

Na ordem social medieval, os limites da identidade feminina eram descritos como

naturais e divinos, e, portanto, como imutáveis.29

Neste contexto, a mulher possuía um status dicotômico, paradoxal, dúbio e

preconceituoso.

Como mulher original era entendida de maneira incompleta, imperfeita,

pecadora, podendo citar o mito de Eva, a qual enfeitiçava o homem arruinando-lhe a

própria vida. Esta mulher original, vivendo no estado de natureza era imperfeita,

nova condição é dada à mulher que passa a ser considerada a substituta do marido no caso de sua falta para guarda e cuidados com os filhos. 28 ALVES, Branca Moreira & PITANGUY, Jaqueline. O que é feminismo. 8ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1991, p.12. 29 COSTA, Grazielle Furtado Alves da. Solidariedade e soberania nos discursos sobre “mulher” nas Conferências do Cairo de Beijing. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: 2003, p.21.

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perigosa, sensual, sórdida. Eva concentrava em si todos os vícios simbólicos tidos

por femininos como a luxúria, a sensualidade e a sexualidade. 30

Como contraponto à figura da mulher natural colocava-se a figura ideal da

“Virgem-Maria”, a mulher santa, que transcende a sua natureza deformada e tendo

por virtudes a castidade, a submissão, a humildade, a obediência e o silêncio.

Presente de maneira marcante no discurso medieval estava profetizado que

na condição de pecadora ou de submissão, a mulher somente se completaria no

casamento, definido como a prevalência do homem enquanto ser completo, absoluto

e necessário ao desenvolvimento da alma feminina.

A função do homem no casamento era vigiar e guardar sua mulher para que

ela não desenvolvesse suas características “naturais”, permanecendo submissa e

obediente ao seu marido.31

Era comum no discurso medieval a “prisão” das mulheres no espaço

doméstico, circundadas por muros e muralhas altíssimos para que não

esquecessem da sua real missão na terra : a afiançada de Deus para continuidade

da espécie humana. Eram banidas das discussões e administração da vida dos

castelos, serviam como figuras decorativas, esposas ou mães dos homens que

comandavam os reinos.32

As figuras femininas que não pertenciam ao espaço doméstico eram

marginalizadas: as escravas, as concubinas, as prostitutas e as feiticeiras. Tais

mulheres eram vistas como mulheres de “segunda classe”, pois permaneciam fiéis à

sua natureza pecadora, não conseguindo a redenção pelo casamento.33

30 Idem, ibidem.

31 THOMASSET, Claude. Da Natureza Feminina. In DUBY, Georges & PERROT, Michelle. História das Mulheres: a Idade Média. Porto: Afrontamento, 1990, p. 121-122. 32 Idem, p. 65. 33 DUBY, Georges & PERROT, Michelle. História das Mulheres: a Idade Média. Porto: Afrontamento, 1990, p.27.

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Quanto menos exposta ao mundo exterior a mulher medieval estivesse,

maiores as chances de transcender sua natureza pecadora. Dessa forma, a

submissão ao domínio masculino era a única forma de redenção das mulheres.34

Entretanto, desafiando a ordem comum da época é interessante apresentar

as lições trazidas por Régine Pernoud :

Mas há algo mais surpreendente. Se quisermos fazer uma idéia exata do lugar ocupado pela mulher na Igreja dos tempos feudais, é preciso perguntarmo-nos o que se diria, em nosso século XX, de conventos de homens colocados sob a direção de uma mulher. Um projeto deste gênero teria, em nosso tempo, alguma possibilidade de se realizar? E, no entanto, isto foi realizado com pleno sucesso, e sem provocar o menor escândalo, na Igreja por Robert d’Arbrissel, em Fontevrault, nos primeiros anos do século XII. Tendo resolvido fixar a incrível multidão de homens e mulheres que se arrastava atrás dele — porque ele foi um dos maiores pregadores de todos os tempos —, Robert d’Abrissel decidiu fundar dois conventos, um de homens, outro de mulheres; entre eles se elevava a Igreja, único lugar em que monges e monjas podiam se encontrar. Ora, este mosteiro duplo foi colocado sob a autoridade, não de um abade, mas de uma abadessa. Esta, por vontade do fundador, devia ser viúva, tendo tido a experiência do casamento. Para completar, digamos que a primeira abadessa que presidiu os destinos da Ordem de Fontevrault, Petronila de Chemillé, tinha 22 anos. Não acreditamos que, mesmo nos dias de hoje, semelhante audácia tivesse a menor oportunidade de ser considerada ao menos uma única vez.35

Percebemos, portanto, a ocorrência de algumas exceções, as quais não eram

dadas as necessárias publicidades, no intuito realmente de esconder da sociedade

da época, bem como da História a ser contada.36

34 BOCH, H. Misoginia Medieval e a invenção do amor romântico ocidental. Rio de Janeiro: Editora 34, 1935, p.89. 35 Idade Média: o que não nos ensinaram. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1978, p 42. 36 Segundo Régine Pernoud, idem, ibidem “(...)É surpreendente, também, constatar que a mais conhecida enciclopédia do século XII é da autoria de uma religiosa, a abadessa Herrade de Landsberg. É a famosa Hortus deliciarum (Jardim das delícias) na qual os eruditos retiravam os ensinamentos mais corretos sobre o avanço das técnicas, em sua época. Poder-se-ia dizer o mesmo das obras da celebre Hildegarde de Bingen. Enfim, uma outra religiosa, Gertrude de Helfa, no século XIII, conta-nos como se sentiu feliz ao passar de estado de “gramaticista” ao de “teóloga”, isto é, depois de ter percorrido o ciclo de estudos preparatórios ela galgara o ciclo superior, como se fazia na

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1.2.7 Mulher: da Renascença à Modernidade

A Idade Média foi substituída por um período denominado Renascimento.

Algumas características básicas são compreendidas nesta fase, entre elas, o

abandono gradual do Teocentrismo, próprio das épocas anteriores, ou seja, a razão

maior estar centrada em Deus, para o Antropocentrismo, o homem no centro do

universo. O homem é um ser dotado de racionalidade, e por meio da razão e do

conhecimento as conquistas são possíveis. O uso da razão individual e a busca

absoluta pela evidência empírica eram as únicas formas para se chegar a uma

conclusão.

Quanto às mulheres renascentistas, nada mudou substancialmente,

continuava a subordinação aos homens, no espaço doméstico pelo casamento.

Todavia, é interessante notar um novo viés, um “status” diferenciado para a atuação

feminina, pois em razão da distinção entre o espaço público e privado, algumas

possibilidades surgiam.

Os homens, seres cônscios de sua racionalidade e poder, se lançam no

espaço público, deixando gradualmente o espaço privado às mulheres.

A mulher renascentista era detentora de um poder, ainda que mínimo, o poder

na esfera doméstica. Na ausência de seu marido e na organização de todos os

afazeres da vida doméstica, entre eles, a administração dos empregados, a criação

dos filhos, o poder feminino se consolidava.

Universidade. O que prova que, ainda no século XIII, os conventos de mulheres permaneciam sendo o que sempre foram desde São Jerônimo, que instituiu o primeiro dentre eles, a comunidade de Belém: lugares de oração, mas, também, de ciência religiosa, de exegese, de erudição; estuda-se a Escritura Sagrada, considerada como a base de todo conhecimento e, também, os elementos de saber religioso e profano. As religiosas são moças instruídas; portanto, entrar para o convento é o caminho normal para as que querem desenvolver seus conhecimentos além do nível comum. O que parece extraordinário em Heloísa é que, em sua juventude, não sendo religiosa e não desejando claramente entrar para o convento, procurava, todavia, estudos muito áridos, ao invés de se contentar com a vida mais frívola, mais despreocupada, de uma jovem desejando “viver no século”. A carta que Pedro, o Venerável lhe enviou o diz expressamente”.

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Ainda, importante fazer um registro acerca das mulheres de classes menos

privilegiadas que eram chamadas para trabalhar nas casas burguesas e nos

castelos, em trabalhos domésticos. Seu trabalho era preferencial em relação aos

homens, exercendo funções subordinadas, com uma “docilidade tipicamente

feminina” e com salários inferiores - um prenúncio do que viria acontecer tempos

mais tarde na história da humanidade.

Também há uma outra mudança importante de ser relatada e diz respeito à

educação das mulheres. Na Renascença, em especial no início século das Luzes

(XVIII), o saber racional legitimava-se como o caminho para o desenvolvimento. O

homem não buscava mais paradigmas nos modelos sagrados e divinos, a resposta

era o auto-conhecimento centrado na razão. A educação atuava como o

instrumental necessário para se alcançar os objetivos. Até a Idade Média, qualquer

saber, senão o advindo do religioso era proibido às mulheres, ao contrário, no

Renascimento, havia o incentivo à educação para as mulheres, mas com conteúdo e

visões absolutamente diversos dos conhecimentos difundidos para os homens.

A educação para as mulheres era voltada para a preparação ao casamento e

exercício da vida doméstica e aos homens como forma de domínio e poder no

espaço público. Modelos diferentes de educação propugnavam pela aceitação dos

papéis diferentes exercidos por homens e mulheres. Fortaleciam aí os estereótipos

consagrando a “natureza” da mulher para a reprodução e, também, como esposa e

mãe.37 Enfatizava Rousseau, grande expoente do Iluminismo:

Portanto, sua educação deve estar voltada para o lar e para os valores da maternidade. Por isso, afirma o mencionado filósofo: "a verdadeira mãe de família,longe de ser uma mulher da sociedade, não está menos reclusa em sua casa quea religiosa em seu claustro" (...)A procura das verdades abstratas e especulativas, dos princípios,dos axiomas nas ciências, tudo o que tende a generalizar as idéias não é da competência das mulheres, seus estudos devem

37 CRAMPE-CASNABET, Michele. A mulher no pensamento filosófico do século XVIII. In DUBY, Georges & PERROT, Michelle.História das mulheres no ocidente: do Renascimento à idade moderna. Porto: Edições Afrontamento, 1991, p. 388.

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todos voltar-se para a prática; cabe a elas fazerem a aplicação dos princípios que o homem encontrou[...]. 38

Compreendia-se, em uma visão utilitarista, a necessidade da mulher ter

educação com vistas a se relacionar com seu marido, bem como na ausência marital

ser capaz de dar educação aos filhos.

Diante de tais “diferenças naturais” justificavam os Iluministas a tese de que à

mulher caberia a reprodução, e por via de conseqüência o exercício da condição de

criadora, mãe e responsável pelo espaço doméstico. Com as mulheres não

combinavam ideais de educação e atuação no espaço público.

Os discursos iluministas eram paradoxais, pois se insurgindo contra qualquer

contrato que legitimasse a submissão de uma parte a outra, aceitavam e

reafirmavam o casamento como “um contrato de servidão entre a mulher e o seu

senhor”.39 A mulher e o homem permaneciam como seres diferentes na essência,

não podendo jamais ser concebidos como iguais. Sobre a mulher, ele nos legou uma

visão de inferioridade, fraqueza e submissão ao marido.

Entretanto, um paradoxo se apresentava, os iluministas defendiam a

igualdade e a não servidão, mas legitimavam a mulher como não participante do

espaço político. Mais uma vez, se socorriam da ciência para explicar que à mulher

foi dado biologicamente o dom da reprodução, algo impossível ser feito pelos

homens, assim sendo, em razão do principal que é a reprodução seguiam-se muitos

acessórios próprios da vida doméstica e do espaço privado. As desigualdades

existentes eram próprias da natureza e segundo o conhecimento racional

sustentavam a permanência da mulher no âmbito privado.

38 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. Tradução Sérgio Millet. 2. ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1973, p. 454. 39 CRAMPE-CASNABET, Michele. A mulher no pensamento filosófico do século XVIII. In DUBY,

Georges & PERROT, Michelle. História das mulheres no ocidente: do Renascimento à idade moderna. Porto: Edições Afrontamento, 1991, p. 390.

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O médico e filósofo Pierre Roussel, relata acerca do assunto:

As mulheres tinham músculos menos desenvolvidos e eram sedentários por opção. A combinação de fraqueza muscular e intelectual e sensibilidade emocional fazia delas os seres mais aptos para criar os filhos. Desse modo, o útero definia o lugar das mulheres na sociedade como mães.40

A razão iluminista exclusivamente se aplicava aos homens, e, por

conseqüência, também a participação política. Dessa forma, justificava-se a

exclusão das mulheres do conceito de cidadania. A razão das mulheres era uma

razão estritamente doméstica, que não deveria se estender para o espaço político e

assim:

Uma das preocupações das Luzes é pensar a diferença feminina, diferença sempre mais ou menos marcada pela inferioridade, tentando, ao mesmo tempo, torná-la compatível com o princípio de igualdade baseada no direito natural. Trata-se assim de conferir às mulheres papéis sociais: esposa, mãe... Todos os pensadores iluministas sublinham que existe nisso, para o sexo, uma necessidade. É por esta função, querida pela natureza, que a mulher pode, de algum modo, ser cidadã.Frontalmente nunca é reconhecido à mulher um estado político. Podemos dizer que a ideologia representada no século XVIII consiste em considerar que o homem é a causa final da mulher.41

A compreensão do conceito de mulher para os IIuministas é de suma

importância para que compreendamos o verdadeiro papel desempenhado pelas

mulheres nas Revoluções Modernas, em especial, na Revolução Francesa.

40 HUNT, Lynn. Revolução Francesa e vida privada. In ARIES, Phillippe Áries & DUBY, Georges. História da Vida Privada. São Paulo: Cia das Letras, 1991, p. 50. 41 CRAMPE-CASNABET, Michele. A mulher no pensamento filosófico do século XVIII. In DUBY, Georges & PERROT, Michelle. História das mulheres no ocidente: do Renascimento à idade moderna. Porto: Edições Afrontamento, 1991, p.406.

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1.3 Mulher e as Revoluções da Era Moderna

1.3.1 Revolução Francesa

Uma mulher tem o direito de subir ao cadafalso; ela deve ter também o de

subir a uma tribuna esta frase é de um personagem histórico de grandioso valor para

as questões femininas, a francesa Marie Gouze (1748-1793), filha de um açougueiro

do Sul da França, e adotou o nome de Olympe de Gouges42 para assinar seus

planfletos e petições em uma grande variedade de frentes de luta, incluindo a

escravidão, em que lutou para sua extirpação, consolidou-se como protagonista da

"Declaração dos Direitos da Cidadã"43, como defensora do movimento feminista em

42 Olympe de Gouges foi uma grande defensora dos direitos das mulheres. Anos mais tarde manifestou-se contra a condenação do rei Luiz XVI e publicou a peça “As Três Urnas ou a Salvação da Pátria”, favoravelmente aos Girondinos, ala Conservadora da Revolução Francesa. em favor dos Girondinos (ala conservadora da Revolução), em julho de 1793 (VOLVELLE, 1988, p. 274). Teve sua morte decretada por Robespierre sendo guilhotinada aos 3 de novembro de 1793. No momento de sua pena de morte insurgia-se dizendo "Patriotas, vós vingareis minha morte"

43 A título de complementação trazemos ao trabalho alguns dos artigos que compõem a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã apresentado à Assembléia Nacional da França em setembro de 1791 por Olympe de Gouges

PREÂMBULO: Mães, filhas, irmãs, mulheres representantes da nação reivindicam constituir-se em uma assembléia nacional. Considerando que a ignorância, o menosprezo e a ofensa aos direitos da mulher são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção no governo, resolvem expor em uma declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados da mulher. Assim, que esta declaração possa lembrar sempre, a todos os membros do corpo social seus direitos e seus deveres; que, para gozar de confiança, ao ser comparado com o fim de toda e qualquer instituição política, os atos de poder de homens e de mulheres devem ser inteiramente respeitados; e, que, para serem fundamentadas, doravante, em princípios simples e incontestáveis, as reivindicações das cidadãs devem sempre respeitar a constituição, os bons costumes e o bem estar geral.

Artigo 1º. A mulher nasce livre e tem os mesmos direitos do homem. As distinções sociais só podem ser baseadas no interesse comum.

Artigo 2º. O objeto de toda associação política é a conservação dos direitos imprescritíveis da mulher e do homem Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e, sobretudo, a resistência à opressão.

Artigo 4º. A liberdade e a justiça consistem em restituir tudo aquilo que pertence a outros, assim, o único limite ao exercício dos direitos naturais da mulher, isto é, a perpétua tirania do homem, deve ser reformado pelas leis da natureza e da razão.

(...)

Artigo 6º. A lei deve ser a expressão da vontade geral. Todas as cidadãs e cidadãos devem concorrer pessoalmente ou com seus representantes para sua formação; ela deve ser igual para

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prol de dignidade e respeito das capacidades femininas.

Igualdade, Liberdade e Fraternidade, lema de indiscutível importância para a

Era Contemporânea, graças à Revolução Francesa, o homem se consolidou,

merecendo proteção e intitulando-se destinatário de direitos e garantias

fundamentais. Na questão de gênero a Revolução Francesa, em 1789, é de

importância ímpar para as mulheres, que são incentivadas a atuar socialmente

reclamando por melhores condições de vida e trabalho, participação no poder

político, direito à instrução e igualdade entre os sexos.

Era costumeiro à época encontrar grupos de mulheres reunidas discutindo

sua própria condição, bem como pleiteando em “alto e bom som” melhorias no

tratamento e garantias de respeito à isonomia entre os gêneros.

Havia na Revolução Francesa algo de paradoxal, pois ao mesmo tempo que

abria espaço para as mulheres na esfera pública, rompendo com paradigmas

anteriores, permitia apenas a elas assistir as reuniões sem qualquer manifestação,

pois deveriam “aprender” com os homens.

Ainda, outro fato curioso deve ser lembrado pois a Revolução Francesa,

denominada “Época das Luzes” e tendo por alicerce filosófico-científico o Iluminismo,

notadamente marcado por seus precursores Diderot e Rousseau, ministravam

teorias separatistas e justificadoras das desigualdades existentes entre homens e

mulheres, oriundas de uma “natural” condição de existência, como já relatado no

tópico anterior.

todos. Todas as cidadãs e cidadãos, sendo iguais aos olhos da lei devem ser igualmente admitidos a todas as dignidades, postos e empregos públicos, segundo as suas capacidades e sem outra distinção a não ser suas virtudes e seus talentos.

(...)

Artigo 13.Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração, as contribuições da mulher e do homem serão iguais; ela participa de todos os trabalhos ingratos, de todas as fadigas, deve então participar também da distribuição dos postos, dos empregos, dos cargos, das dignidades e da indústria.

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1.3.2 Revolução Industrial: “preferência” pelas mulheres?

Século XVIII, Inglaterra. Berço da Revolução Industrial, uma revolução que

transformaria o mundo.

Notadamente considerada como o início da era das invenções, a Revolução

Industrial introduziu novas formas de produção, agora em grande escala, graças às

mecanizações e trabalhos seriados. A substituição, nada gradual, dos objetos

confeccionados artesanalmente pelos artesãos pela produção plural e

grandiosa.Inaugura-se a era do trabalho seriado, de propriedade do

empresário(capitalista), detentor dos meios de produção, das matérias primas, bem

como dono da força de trabalho dos operários ou proletários. Interessante notar que

até então os denominados artesãos eram os proprietários que em um regime de

economia familiar detinham a matéria-prima, bem como conheciam o processo

integralmente da construção de qualquer objeto. Eram assim conhecedores do

processo geral de produção. Na novel indústria passam a ser responsáveis por

partes, integrantes de uma linha de montagem e desconhecedores da produção do

todo e sim da parte, levando à sua alienação. Substitui-se o trabalho artesão pela

maquinofatura.

A aceleração da produção, em especial na indústria têxtil e na mineração,

conduzem à necessidade de escoamento rápido da produção, culminando na

construção de ferrovias e ampliação das bases marítimas para os outros

continentes, começa aí a busca pelo mercado global. A Inglaterra nos idos de 1840,

já absolutamente mecanizada e detentora das técnicas para a larga produção,

passa a liderar não apenas a produção dos objetos a serem comercializados, mas

também passa a exportar instrumentos necessários para o escoamento das

mercadorias, tais como, vagões, locomotivas e navios.

Entre os anos de 1860 a 1900 instala-se a denominada segunda fase da

Revolução Industrial, com a disseminação das técnicas próprias da produção em

larga escala em países tais como França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda,

Estados Unidos e Japão. A segunda fase é acentuadamente estruturada pela

concorrência entre as indústrias e os países, acelerando-se o processo produtivo

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com a utilização de novas técnicas, fruto das grandes descobertas, tais como, a

energia elétrica.

No que tange às mulheres, a Revolução Industrial representou um marco na

história da marcha evolutiva das mulheres. Paradoxalmente, é o momento no qual a

mulher deixa de estar vinculada apenas aos afazeres do lar e se lança no mercado

de trabalho. No entanto, tal fato pode parecer em uma análise precipitada como uma

grande conquista feminina, contudo, o interesse pela mão-de-obra feminina se dá

em razão do seu baixo custo e por sua “docilidade”, ocorrendo o mesmo com o

trabalho infantil.44

A “preferência” pelas mulheres encontra algumas características como nos

descreve Jean Pierre Rioux :

Se bem que nos primeiros tempos da Revolução Industrial, quando o deslocamento da mão-de-obra ainda não foi totalmente liberado, numerosos homens se afastam com desgosto e cólera desses trabalhos humilhantes da caserna industrial, e uma solução se impõe: utilizar as mulheres e as crianças. A vantagem é tripla: vencer, pela concorrência, as resistências eventuais dos trabalhadores homens, e baixar os salários; concentrar famílias inteiras no trabalho industrial e assim acelerar a ruptura com o mundo e as atividades rurais, criar a massa de mão-de-obra disponível para o futuro; utilizar enfim a máquina com total rendimento utilizando uma imensa força de trabalho do homem, sem nenhum privilégio.45

Da mesma forma Karl Marx atentava para o fato que as máquinas e sua

operacionalização tornava dispensável a força masculina, sendo possível e mais

interessante trabalhadores sem força muscular, mas como maior flexibilidade,

tornando-se o trabalho de mulheres e crianças “a primeira palavra de ordem da

aplicação capitalista da maquinaria”46.

44 MONTEIRO, Alice de Barros. A mulher e o Direito do Trabalho. São Paulo: 1995, LTr, p. 29. 45 A Revolução Industrial: 1770- 1880. (Trad. de Waldirio Bulgarelli). São Paulo: Pioneira, 1975, p. 148. 46 O Capital. São Paulo: Abril Cultural, 1984, p.23, Vol.1, Tomo 1.

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Assim, cumpre dizer que sua jornada de trabalho era de aproximadamente 17

horas diárias, muitas vezes submetidas a condições insalubres, periculosas e

penosas, sem deixar de mencionar os constantes assédios sexuais no trabalho.

Ainda, sua remuneração chegava a representar não mais do que 60% dos valores

percebidos pelos homens.

Noticia o médico Villermé as precárias e indignas condições de trabalho das

mulheres no período, em especial, as trabalhadoras na indústria da seda, na França,

somando-se o mal cheiro das suas vestes ao debilitado estado de saúde advindo da

insensibilidade da ponta dos dedos constantemente mergulhadas na água fervente

dos vasilhames. Em razão de faltas, das mais leves, como abrir uma janela, seus

salários eram consumidos no pagamento de multas, e ainda estavam

constantemente vitimadas pelas seduções e assédios no trabalho.47

Nas minas48 a condição das mulheres era ainda pior, pois trabalhavam de 14

a 16 horas por dia, nuas até a cintura, ao lado de homens, trabalhando como se

homens fossem. As mulheres grávidas saiam das minas para ter filho e voltavam

dias depois de terem dado à luz, em condições de trabalho absolutamente cruéis e

desumanas.49

Esse desenvolvimento industrial proporcionou a introdução em larga escala

do trabalho feminino e a Revolução Industrial, caracterizada pelo surgimento de

profissões antes essencialmente femininas, trouxe a disputa sexual do trabalho.

Assim, a atividade feminina era caracterizada como uma mão-de-obra mais barata e

menos produtiva, Sonia Bossa citando o socialista Sidney Webb destaca que o

combate ao trabalho feminino ocorria porque “as mulheres ganham menos que os

47 VILLERMÉ, Tableua de l´etat phisique et moral dês ouvriers dês manufactures v. 1 e v.2. Paris: Renouard, 1840 pp. 345 apud MORAES FILHO, Evaristo de. O trabalho feminino revisitado. Revista LTr: São Paulo: 1976, n. 40, p. 844. 48 Sobre as condições desumanas nas minas de carvão no norte da França é indispensável a leitura do clássico Germinal de Émile Zola de 1885, escrito com detalhes sensorialmente percebidos pelo leitor, graças a maestria do autor, que para composição da obra viveu e trabalhou durante dois meses com os mineiros. 49 HUNT, Eli K. História do pensamento econômico: uma perspectiva crítica. Rio de Janeiro: Elvesier, 2005, p. 63-64.

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homens não só por que produzem menos, mas também por aquilo que produzem é

avaliado no mercado de trabalho por um valor inferior”.50

Como oposição aos maus tratos, à exploração e a indignidade nas condições

de trabalho, datam desta época as primeiras manifestações da classe operária, indo

desde passeatas, greves, até violentas mobilizações com depradações dos

maquinários.

Surge na Inglaterra o Coal Mining Act de 1842, proibindo o trabalho da mulher

em subterrâneos e o Factory Act de 1844 com a redução da jornada de trabalho

para 12 horas vedando-lhe o trabalho noturno. Em 1892 há uma extensão da tutela

para as mulheres e menores que trabalham em magazines, restaurantes e hotéis.

Em 1874 a França proíbe o trabalho das mulheres em subterrâneos e pedreiras,

limitando a jornada de trabalho a 11 horas no ano de 1892, com a restrição a todas

as mulheres do trabalho noturno, anteriormente só previsto às menores de 21

anos.51

1.3.3 Revolução Russa: prenúncios da instituição do dia internacional da

mulher

Na Rússia durante o império dos czares a mulher era absolutamente

desprovida de direitos jurídicos e políticos, em um cenário de fome, guerra e miséria.

A situação devastadora fez com que eclodisse a Revolução Russa em 1917,

responsável pela concretização de inúmeros direitos políticos, em especial, à

mulher.

Em Setembro de 1919, num discurso proferido na IV Conferência das

Operárias sem Partido Lenin afirmava:

50 Direito do Trabalho da Mulher no contexto social brasileiro e medidas anti-discriminatórias. São Paulo: Editora Oliveira Mendes, 1998, p. 3. 51 MONTEIRO, Alice de Barros. Ob. Cit. p. 29.

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O poder soviético, como poder dos trabalhadores, logo nos primeiros meses da sua existência operou a mais decidida revolução na legislação relativa às mulheres. Das leis que colocavam a mulher numa situação de sujeição não ficou pedra sobre pedra na república soviética.(...). Naturalmente, as leis só por si não bastam, e nós não nos contentamos de modo algum apenas com decretos.(...) Para a completa libertação da mulher e para a sua real igualdade com o homem, é necessário que exista uma economia social e que a mulher participe no trabalho produtivo comum.(...) Nós criaremos instituições modelares, cantinas, creches, que libertem a mulher das tarefas domésticas.52

Ainda em fevereiro de 1920, afirmava que o proletariado não poderia se

libertar totalmente sem ter conquistado a liberdade total para as mulheres.

Entre eles, podemos citar a isonomia entre homens e mulheres, o direito a

votar e ser votada, jornada de trabalho de 8 horas, direito ao trabalho em idênticas

funções e remuneração; estabilidade no emprego durante a gestação e o primeiro

ano de vida dos filhos, licença-maternidade de 8 semanas, direito à proteção

previdenciária, pensões e aposentadorias por velhice, doença e invalidez.

Para o incentivo e necessária integração da mulher no mundo do trabalho,

muitas políticas públicas foram disseminadas como a criação de creches,

maternidades e cursos para a redução do analfabetismo.

Como exemplo da conquista feminina na história soviética temos o Decreto da

Terra, aprovado a 8 de Novembro de 1917, rezando em seu ponto 6 que: “ O direito

ao uso da terra é concedido a todos os cidadãos, sem distinção de sexos (...)”,

abrindo assim à mulher a possibilidade de obter direitos sobre a terra que

anteriormente lhe eram negados.

A Constituição aprovada em 1918 proclamava a igualdade de todos os

cidadãos independentemente do sexo, raça ou nacionalidade. Também em 1918 foi

aprovado o primeiro Código da Família que contemplava as alterações verificadas

após a Revolução.

52 Dados disponíveis no site http://www.wikipedia.com.br Acesso em 07 de fevereiro de 2007.

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1.3.3.1 Dia Internacional da Mulher: controvérsias, fatos e lendas

O Dia Internacional da Mulher não se configura como uma data qualquer.

Muitos fatos e lendas permeiam a história da instituição desta data, como símbolo de

comemoração das conquistas e direitos das mulheres. Os fatos e eventos ocorridos

não estão cingidos a apenas uma ocorrência, mas mescla greves, reivindicações e

lutas emNova Iorque e Chicago, bem como na Alemanha e na Rússia.

Acerca da polêmica sobre a data enfatiza Eva Alterman Blay:

No Brasil vê-se repetir a cada ano a associação entre o Dia Internacional da Mulher e o incêndio na Triangle quando na verdade Clara Zetkin o tenha proposto em 1910, um ano antes do incêndio. É muito provável que o sacrifício das trabalhadoras da Triangle tenha se incorporado ao imaginário coletivo da luta das mulheres. Mas, o processo de instituição de um Dia Internacional da Mulher já vinha sendo elaborado pelas socialistas americanas e européias há algum tempo e foi ratificado com a proposta de Clara Zetkin. 53

Eva Alterman Blay nos contempla com uma importante narrativa sobre o

incêndio na fábrica norte-americana e que é considerado por muitos como a data

origem do dia internacional da mulher, convém compartilharmos a descrição:”

O dia 25 de março de 1911 era um sábado, e às 5 horas da tarde, quando todos trabalhavam, irrompeu um grande incêndio na Triangle Shirtwaist Company,14 que se localizava na esquina da Rua Greene com a Washington Place. A Triangle ocupava os três últimos de um prédio de dez andares. O chão e as divisórias eram de madeira, havia grande quantidade de tecidos e retalhos, e a instalação elétrica era precária. Na hora do incêndio, algumas portas da fábrica estavam fechadas. Tudo contribuía para que o fogo se propagasse rapidamente. A Triangle empregava 600 trabalhadores e trabalhadoras, a maioria mulheres imigrantes judias e italianas, jovens de 13 a 23 anos. Fugindo do fogo, parte das trabalhadoras conseguiu alcançar as

53 8 de março: conquistas e controvérsias. Revista de Estudos Feministas, segundo semestre, ano 2001/vol. 9 , número 002, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 601-607.

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escadas e desceu para a rua ou subiu para o telhado. Outras desceram pelo elevador. Mas a fumaça e o fogo se expandiram e Esta greve foi encerrada em 15 de fevereiro de 1910, pois os trabalhadores das grandes empresas conquistaram melhorias. trabalhadores/as pularam pelas janelas, para a morte. Outras morreram nas próprias máquinas. Morreram 146 pessoas, 125 mulheres e 21 homens, na maioria judeus. A comoção foi imensa. No dia 5 de abril houve um grande funeral coletivo que se transformou numa demonstração trabalhadora. Apesar da chuva, cerca de 100 mil pessoas acompanharam o enterro pelas ruas do Lower East Side. Atualmente no local onde se deu o

incêndio foi construída a Universidade de Nova Iorque.54

A mais divulgada referência histórica dessa oficialização, na verdade, é a II

Conferência Internacional das Mulheres Socialistas em Copenhague, Dinamarca, em

1910, da qual emanou a sugestão de que o mundo seguisse o exemplo das mulheres

socialistas americanas, que inauguraram um feminismo heróico de luta por igualdade

dos sexos. Na ocasião dessa conferência, foi proposta a resolução de instaurar

oficialmente o dia internacional das mulheres.

Contudo, apesar de os relatos mais recentes trazerem sempre a referência ao

dia 8 de março, não há qualquer alusão específica a essa data na resolução de

Copenhague. Clara Zetkin (1857-1933), alemã, membro do Partido Comunista

Alemão, deputada em 1920, militava junto ao movimento operário e se dedicava à

conscientização feminina. Fundou e dirigiu a revista Igualdade, que durou 16 anos

(1891-1907). Líderes do movimento comunista como Clara Zetkin e Alexandra

Kollontai ou anarquistas como Emma Goldman lutavam pelos direitos das mulheres

trabalhadoras, mas o direito ao voto as dividia: Emma Goldman afirmava que o

direito ao voto não alteraria a condição feminina se a mulher não modificasse sua

própria consciência . Ao participar do II Congresso Internacional de Mulheres

Socialistas em Copenhagen em 1910, Clara formulou propostas no sentido de ser

criado um Dia Internacional da Mulher sem precisar data. Erroneamente imputam à

Clara a definição do dia 08 de março como sendo o dia escolhido para homenagem

às mulheres.55

54 Idem, ibidem. 55 8 de março: conquistas e controvérsias. Revista de Estudos Feministas, segundo semestre, ano 2001/vol. 9 , número 002, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 601-607.

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Alguns estudiosos acreditam que a instituição da data tem por marco a greve

geral promovida pelas operárias russas, que por via reflexa culminou com o início da

Revolução Russa de 1917. Neste dia, em Petrogrado, um grande número de

mulheres operárias, na maioria tecelãs e costureiras, contrariando a posição do

Partido, que achava que aquele não era o momento oportuno para qualquer greve,

saíram às ruas em manifestação.

Foi considerada o ponto de partida da primeira fase da Revolução Russa,

conhecida depois como a Revolução de Fevereiro. Esta greve foi documentada nos

escritos de Trotsky e de Alexandra Kollontay, ambos membros do Comitê Central do

Partido Operário Social-democrata Russo e ambos, depois, proscritos pelo stalinismo

vencedor. Mas o texto que melhor nos conta os fatos da greve das operárias de

Petrogrado é um longo trecho de Trotsky, no primeiro volume do seu livro História da

Revolução Russa.

Somente no ano de 1975, por meio de um decreto, a data foi oficializada

pela Organização das Nações Unidas (ONU) sob o seu patrocínio.

1.4 Os Documentos Internacionais na salvaguarda dos direitos humanos

1.4.1 Declaração Universal dos Direitos Humanos - 1948

Final da 2ª Grande Guerra Mundial (1939-1945) é o momento em que os

Estados se conscientizam da necessidade de reconstrução do mundo e do próprio

homem, flagelado em razão das atrocidades e tragédias ocorridas, constituindo-se,

assim, a Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo do fortalecimento

da paz e o vínculo entre os homens. O então presidente dos EUA, Franklin Delano

Roosevelt, sugeriu o nome de "Nações Unidas" e a 25 de Abril de 1945 celebrou-se

a primeira Conferência em São Francisco.

Impõe considerar que a ONU (Organização das Nações Unidas) foi criada,

logo após Segunda Grande Guerra Mundial por meio da Carta Constitutiva de 26 de

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junho do ano de 1945 com a ratificação por 51 Estados- Membros56. Referida Carta

estabeleceu as intenções futuras, entre elas, a preservação das futuras gerações

quanto às guerras, o fortalecimento do homem em sua dignidade, a igualdade entre

os homens, vedadas as discriminações, a promoção do progresso social em prol de

uma vida eivada de liberdade. A criação das Nações Unidas consolidou-se como o

enaltecimento da paz, da tolerância e da solidariedade entre as nações, em busca

de justiça e bem-estar social.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela Resolução nº

217 da Assembléia Geral da ONU representou o marco de desenvolvimento do

Direito Internacional dos Direitos Humanos com o estabelecimento da

universalização e internacionalização de tais direitos fundamentais. Por meio de

tratados internacionais efetivou-se a salvaguarda dos direitos humanos no âmbito

das Nações Unidas.

Por meio de um detalhamento de direitos humanos concebe-se a Declaração

Universal dos Direitos Humanos como a iniciativa primeira de enumeração de

direitos humanos no âmbito do direito internacional57 e, institui, sobretudo, como

aponta Flávia Piovesan “extraordinária inovação ao conter uma linguagem de

direitos até então inédita. Ao conjugar o valor da liberdade com o valor da igualdade,

a Declaração demarca a concepção contemporânea de direitos humanos, pela qual

esses direitos passam a ser concebidos como uma unidade interdependente e

invisível”58

A Declaração Universal é composta por 30 artigos que definem com detença

os valores supremos que norteiam o ser humano, verifica-se no texto positivado a

56 Em 2006 a ONU possuía a participação de 192 Estados-Membros - cada um dos países soberanos internacionalmente reconhecidos, exceto o Vaticano, que tem qualidade de observador, e países sem reconhecimento pleno (como Taiwan, que é território reclamado pela China, mas de reconhecimento soberano por outros países).

57 ARZABE, Patrícia Helena Massa & GRACIANO, Potyguara Gildoassu . A Declaração Universal dos Direitso Humanos: 50 anos, p. 252, In Direitos Humanos: Construção da Liberdade e da Igualdade. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 1988. 58 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996, p.156.

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preocupação com o homem como objeto central, alicerçando-o em direitos e

garantias protetivas necessárias ao seu desenvolvimento digno.

O Preâmbulo da Declaração de absoluta importância para os direitos

fundamentais ressaltou entre vários pontos o reconhecimento da dignidade inerente

a todos os membros da família humana e seus direitos iguais e inalienáveis como o

fundamento da liberdade, da fraternidade, nos termos do seu art. 1º :

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.

Considerou também para o pleno desenvolvimento do homem, a sua proteção

pelo império da lei, a promoção do desenvolvimento de relações amistosas entre as

nações, questões essas que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta,

sua fé nos direitos do homem e da mulher, e que decidiram promover o progresso

social e melhores condições de vida com espírito de fraternidade.

Em seu art. 2º encontramos o fundamento da igualdade entre homens e

mulheres para todos os fins. Adota-se o conceito de ser humano, pessoa,

independentemente do sexo:

Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

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1.4.2 Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos -1966

Importante ressaltar que apenas em 1966 conseguiu-se o consenso para a

elaboração de dois pactos e, em 16 de Dezembro desse ano, a Assembléia Geral

adotou o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos .

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC)

foi adotado pela Assembléia Geral da ONU, por unanimidade, em 10 de dezembro

de 1966, ressalvando o fato de que 35 ratificações foram tardias e somente

conseguidas após longos dez anos, efetivamente em 3 de janeiro de 1976.

No Brasil o PIDESC foi ratificado tardiamente, apenas em 12 de dezembro de

1991 e promulgado pelo Decreto Legislativo n. 592, 6 de dezembro de 1992.

Em seu Preâmbulo, o PIDESC estabelece que o ideal do homem livre não

pode ser realizado sem a criação de condições que permitam a cada um gozar de

seus direitos econômicos, sociais e culturais,assim como de seus direitos civis e

políticos, impondo aos Estados a obrigação de promover o respeito universal e

efetivo dos direitos e das liberdades da pessoa humana.

Com a entrada em vigor, os dois pactos internacionais deram obrigatoriedade

jurídica a muitas das disposições da Declaração Universal para os Estados que os

ratificaram.

Em seu art. 3º, o PIDESC prevê o princípio da igualdade entre os sexos,

garantido a homens e mulheres o gozo de direitos políticos e civis, protegendo-os de

qualquer discriminação.

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1.4.3 Convenção para Eliminação de todas as formas de Discriminação contra

a Mulher - 1979

Elaborada na 34ª Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas e com sua

entrada em vigor na Ordem Internacional em 3 de setembro de 1981, a Convenção

para Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher estabeleceu

uma diversidade de temas inerentes à igualdade e dignidade nas relações de

gênero, entre elas, segurança social, capacidade civil, trabalho, moradia, saúde,

maternidade, prestações familiares, direitos civis e políticos.

A referida convenção também denominada Convenção da Mulher (CEDAW,

sigla em inglês) Trata-se de um comitê com a responsabilidade de apresentar

anualmente ao Secretário Geral das Nações Unidas os relatórios discriminando as

medidas adotadas para a efetivação das disposições contidas na Convenção.

Composto por 23 peritas eleitas pelos Estados-parte com mandato de 4 (quatro)

anos. Entre outras funções cabe ao Comitê: examinar os relatórios periódicos

apresentados pelos Estados Partes, elaborar sugestões e recomendações, instaurar

inquéritos confidenciais e analisar proposituras apresentadas por interessados

alegando a violação de direitos previstos na Convenção.

O Brasil apresentou seu primeiro Relatório, na 29ª sessão do Comitê,

realizada em 2003 e ao examinar o Relatório o Comitê manifestou seu

reconhecimento pelos avanços alcançados pelo Brasil e expressou sua preocupação

com “as grandes diferenças existentes entre as garantias constitucionais de

igualdade entre as mulheres e os homens e a situação socioeconômica, cultural e

política em que se encontram de fato as mulheres no Estado-Parte, diferenças que

se intensificam no caso das mulheres afro-descendentes e mulheres indígenas”.

Recomendando ao Estado-Parte “que zele pela plena aplicação da Convenção e

das garantias constitucionais mediante uma reforma legislativa ampla e orientada

para proporcionar uma igualdade de direitos, e que estabeleça um mecanismo de

monitoramento para assegurar o pleno cumprimento das leis. Recomenda que o

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Estado-Parte zele para que os encarregados de aplicar as leis em todos os níveis

tenham pleno conhecimento do conteúdo dessas leis”.59

É o primeiro tratado internacional que delimita os direitos da mulher como

direitos humanos, se propondo a buscar ações afirmativas na consolidação da

igualdade entre os sexos bem como repreender as discriminações relativas ao

gênero.

Segundo Silvia Pimentel a Convenção da Mulher deve ser considerada como

parâmetro mínimo das ações estatais na promoção dos direitos humanos das

mulheres e na repressão às suas violações, tanto no âmbito público como no

privado. A CEDAW deve ser concebida como a grande Carta Magna dos direitos das

mulheres e que simboliza o resultado de inúmeros avanços principiológicos,

normativos e políticos construídos nas últimas décadas, em um grande esforço

global de edificação de uma ordem internacional de respeito à dignidade de todo e

qualquer ser humano. De importância ímpar a Convenção disciplina além das

garantias de igualdade, disciplinando o dever dos Estados-parte na eliminação da

discriminação contra a mulher por meio da adoção de medidas legais, políticas e

programáticas. A mera declaração formal dos direitos das mulheres não se faz

suficiente para a sua efetividade, dependendo da ação integrada dos três poderes:

do Legislativo, na adequação da legislação nacional aos parâmetros igualitários

internacionais; do Executivo, na elaboração de políticas públicas voltadas para os

direitos das mulheres; e, por fim, do Judiciário, na proteção dos direitos das

mulheres e no uso de convenções internacionais de proteção aos direitos humanos

para fundamentar suas decisões.60

Segundo Helena Omena Lopes de Faria e Mônica de Melo apesar de vários

Estados terem ratificado esta Convenção, o alcance e a extensão da ratificação são

comprometidos em face das reservas, que atingem a essência de seus valores. Esta

Convenção é o instrumento que mais recebeu reservas, dentre as Convenções

59 Disponível em http://www.planalto.gov.br . Acesso em 30 de abril de 2008. 60A mulher e os Instrumentos de Direito Internacional, p. 22 disponível no site http://www.planalto.gov.br . Acesso em 20 de dezembro de 2008

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Internacionais de Direitos Humanos, considerando que ao menos 23 dos 100

Estados-parte, fizeram no total 88 reservas substanciais.61

O preâmbulo da Convenção reafirma a indescritível necessidade do

firmamento da isonomia nas relações de gênero, propugnando cada artigo per si

pela dignidade e respeito nos mais variados temas, relacionados ao reconhecimento

da igualdade de direitos entre homens e mulheres nas esferas política, econômica,

social e familiar, capacidade civil, nacionalidade, seguridade social, saúde, em

especial à saúde reprodutiva, à habitação e às condições de vida.

Ainda, importa dizer que a grandiosidade da Convenção reside na previsão

das denominadas “ações afirmativas” que visam assegurar o fortalecimento da

igualdade real, cabendo ao Estado, nos termos do art. 4º da Convenção a

possibilidade de se adotar a “discriminação positiva” com a implementação de

medidas especiais e de cunho temporário para a garantia de um processo efetivo de

igualdade entre homens e mulheres.

Em seu art. 1º destaca que a expressão ‘discriminação contra a mulher’

significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por

objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela

mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e

da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político,

econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.”

1.4.4 Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência

contra a mulher - “Convenção de Belém do Pará” - 1994

A Convenção Americana, inova no cenário de proteção dos direitos humanos

ao estabelecer a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte

Internacional de Direitos Humanos.

61 Convenção Sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra a Mulher e Convenção par a Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, p. 382 In Direitos Humanos: Construção da Liberdade e da Igualdade. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria do Estado, 1998.

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O Brasil é membro da Organização dos Estados Americanos (OEA) desde

1951 e mediante Decreto Legislativo n. 27 de 25 de setembro de 1992.

No tocante à mulher, o sistema regional interamericano formulou a

Convenção temática de Belém do Pará ou Convenção Interamericana para prevenir,

punir e erradicar a violência contra a mulher de 1994. O tratado foi adotado pela

Assembléia Geral da OEA em 06 de junho de 1994, sendo ratificado pelo Brasil em

27 de novembro de 1995 e promulgada pelo Decreto 1973 de 01 de agosto de 1996.

A Convenção traz uma carta de direitos em que se reconhece que toda

mulher tem direito ao reconhecimento, gozo, exercício e proteção de todos os seus

direitos e às liberdades consagradas pelos instrumentos regionais e internacionais

sobre direitos humanos, dente eles: o direito a que se respeite a vida, a integridade

física, moral e psíquica, não ser submetida a tortura, à igualdade de proteção

perante a lei e da lei.

Fato relevante é a operacionalidade da Convenção Internacional que

apresenta mecanismos de acesso à jurisdição internacional nos termos dos art. 10 a

12 – conferindo legitimidade ativa a qualquer pessoa ou grupo de pessoas ou

entidade governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-membros

da Organização para apresentar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos

petições que contenham denúncias ou queixas de violação dos deveres dos

Estados.62

1.5 As grandes Conferências Internacionais e os direitos femininos

Um marco para o estudo do gênero feminino está ligado a I Conferência

Mundial sobre a Mulher, ocorrida na cidade do México, momento no qual se aprovou

um Plano de Ação proclamando os anos de 1975-1985, como a Década da Mulher.

62 TEIXEIRA, Carla Noura. A mulher e os Tratados Internacionais de Direitos Humanos. In BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins & ANDREUCCI, Ana Cláudia Pompeu Torezan (org.). Mulher, Sociedade e Direitos Humanos: Homenagem à Profa. Dra. Esther de Figueiredo Ferraz. São Paulo: Rideel, 2010,p. 655.

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Em tal evento foram definias metas a serem atingidas na próxima década

(1975/1985) definindo metas a serem atingidas na próxima década tento por

alicerces: a igualdade entre os sexos e a necessidade de integração da mulher

como núcleo essencial para o desenvolvimento social e paz mundial.

Merece destaque especial que nesta Conferência propugnou-se pela inserção

de novos organismos na ONU, entre eles, o Centro da Tribuna Internacional da

Mulher e o Instituto Internacional de Fundo Voluntário.

Na II Conferência Mundial sobre a Mulher – Copenhague’80, os governos são

convocados a promoverem a igualdade entre mulheres e homens na vida social,

econômica e política; e na III Conferência Mundial sobre a Mulher – Nairóbi’85,

foram aprovadas e adotadas as Estratégias Encaminhadas para o Futuro do Avanço

da Mulher

Em 1993, foi adotada a Declaração sobre a Eliminação da Violência Contra a

Mulher, o primeiro documento internacional com o objetivo específico de tratar da

violência contra a mulher, destacando o primordial papel do Estado no sentido de

coibir os atos atentatórios, no domínio público e privado.

Intitulada “Ação para a Igualdade, o Desenvolvimento e a Paz”, a Conferência

de Pequim partiu de uma avaliação dos avanços obtidos desde as conferências

anteriores, quais sejam, Nairobi, 1985, Copenhaguen, 1980; e México, 1975. A

participação do Brasil na Conferência de Pequim foi preparada em amplo diálogo

com a sociedade civil e incluiu a elaboração de relatório nacional que contou com

subsídios obtidos em seminários realizados em Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo,

Porto Alegre e Brasília. O Relatório sobre a Mulher na Sociedade Brasileira, enviado

à ONU, retratou avanços e dificuldades da situação da mulher no Brasil.63

63 Ruth Cardoso, primeira dama do Brasil, esposa do Ex- Presidente Fernando Henrique Cardoso no Seminário sobre as novas faces do feminismo e os desafios para o século XXI, realizado em Pequim, em 1995 destacou que :“O feminismo está propiciando uma transformação social, cultural e econômica, uma reformulação das relações pessoais, e das relações privadas. A questão de gênero ganha legitimidade e o reconhecimento de que para além da vida privada, introduz transformações que configuram uma sociedade mais criativa e mais igualitária. Para que a mulher possa conquistar um espaço de participação que não seja restritivo da vida privada é preciso que as relações pessoais caminhem na direção de uma maior compreensão do que é o papel de cada um dentro de casa, sem que nem o homem nem a mulher abandonem aquilo que sentem como importante, que é a educação dos filhos, que é a manutenção de uma relação afetiva com os mais velhos e entre os iguais”. Disponível no site http://www.plantalto.gov.br. Acesso em 16 de outubro de 2009.

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Identificaram-se doze áreas de preocupação prioritária, a saber: a crescente

proporção de mulheres em situação de pobreza (fenômeno que passou a ser

conhecido como a “feminização” da pobreza); a desigualdade no acesso à educação

e à capacitação; a desigualdade no acesso aos serviços de saúde; a violência contra

a mulher; os efeitos dos conflitos armados sobre a mulher; a desigualdade quanto à

participação nas estruturas econômicas, nas atividades produtivas e no acesso a

recursos; a desigualdade em relação à participação no poder político e nas

instâncias decisórias; a insuficiência de mecanismos institucionais para a promoção

do avanço da mulher; as deficiências na promoção e proteção dos direitos da

mulher; o tratamento estereotipado dos temas relativos à mulher nos meios de

comunicação e a desigualdade de acesso a esses meios; a desigualdade de

participação nas decisões sobre o manejo dos recursos naturais e a proteção do

meio ambiente; e a necessidade de proteção e promoção voltadas especificamente

para os direitos da menina.

Segundo Maria Luiza Ribeiro Viotti por meio da identificação dos objetivos a

serem atingidos nas doze áreas de atuação, busca-se orientar governos e a

sociedade na formulação de políticas visando o empoderamento da mulher como

chave para a superação dos padrões de desigualdade. Partindo-se da noção de

transversalidade busca assegurar que a perspectiva de gênero passe efetivamente a

integrar as políticas públicas em todas as esferas de atuação governamental.

Passariam os direitos das mulheres e a desigualdade entre os sexos ser tratada sob

a perspectiva dos direitos humanos e não apenas uma situação decorrente de

problemas econômicos e sociais a serem superados.64

1.6 Brasil: a marcha evolutiva da mulher na história e na legislação

1.6.1 A mulher e as Constituições Brasileiras

A Constituição de 1824, conhecida como Constituição do Império, dedicava-

se a omitir a proteção ao princípio da isonomia em relação às mulheres. Era

considerado “cidadão” apenas o homem.

64 Conforme informações obtidas no site www.planalto.gov.br. Acesso em : 06 de fevereiro de 2007.

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Concedia às mulheres a possibilidade de trabalharem em empresas privadas,

mas impedidas estavam do exercício de função pública, bem como do direito de

votar e de serem votadas.

Em 1891 com o advento da primeira Constituição republicana reiterou-se o

que já havia na Constituição anterior sem estabelecer a mulher como cidadã.

Podemos considerar como inovação nesse Texto Magno o reconhecimento do

casamento civil e a proteção à família pelo Estado.

A Constituição de 1934 foi inovadora ao estabelecer o princípio da isonomia

entre os gêneros, com o firmamento legal da proibição de salários desiguais para

uma mesma função por motivo de sexo, a proibição do trabalho das mulheres em

condições insalubres, bem como o fortalecimento da proteção à família e à

maternidade, garantindo à gestante assistência médica e sanitária, bem como à

gestante e descanso antes e depois do parto, por meio da Previdência Social.65

Mister se faz destacar que as Cartas Magnas de 1824, esta do Império, e a

Constituição de 1891, primeira Constituição da República, nada dispuseram acerca

da proteção à mulher no tocante à maternidade.

Ao se realizar uma análise histórica da evolução dos direitos da mulher, em

especial, no Brasil é interessante notar que foi também a partir da Constituição de

1934 que a mulher passou a ter “voz ativa” na sociedade e obteve o direito de

escolher seus representantes por meio do voto direto, direito este concedido

anteriormente apenas aos homens, assunto este que será mais detalhado a seguir. 65 “Art. 121 (...) § 1º.: “A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador: (...) h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurado a esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes do trabalho ou de morte”. (...) § 3º.: “Os serviços de amparo à maternidade e à infância, os referentes ao lar e ao trabalho feminino, assim como a fiscalização e a orientação respectivas, serão incumbidos de preferência a mulheres habilitadas”.

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No que diz respeito ao casamento civil estipulava-se a sua gratuidade, bem

como uma instituição de ordem indissolúvel, destacando para o casamento religioso

a produção de efeitos civis quando celebrado perante autoridade civil e na forma da

lei.

Estabeleceu a importância da educação como dever do Estado e também da

família, pois a educação integral dos filhos é o primeiro dever e o direito natural dos

pais, devendo ter a colaboração do Estado e os filhos naturais passaram a ter

facilitado seu reconhecimento, devendo a lei assegurar a igualdade com os filhos

legítimos.

Caminhando na história surge em 1937 a chamada Constituição do período

de Estado Novo, outorgada pelo Presidente Getúlio Vargas, seu artigo Art. 137, letra

“l”, determinou que :

Art. 137: A legislação do trabalho observará, além de outros, os seguintes preceitos: (...) l) assistência médica e higiênica ao trabalhador e à gestante, assegurado a esta, sem prejuízo do salário, um período de repouso antes e depois do parto.

Faz-se primordial destacar que a Constituição de 1937 não garantiu a efetiva

proteção à trabalhadora gestante, pois embora garantida assistência à sua saúde,

bem como segurança jurídica no período de descanso antes e depois do parto, não

lhe foi conferida estabilidade no emprego66.

Abrindo um parênteses é necessário dizer que a Consolidação das Leis do

Trabalho foi promulgada na vigência da Constituição de 1937, que omitira no art.

137, “I” a expressão “sem prejuízo do emprego”; desta forma, limitou-se a CLT a

estabelecer no seu art. 391 que “não constitui justo motivo para a rescisão do

66 CARDONE, Marly Antonieta. A mulher trabalhadora em face da Constituição Federal. Revista de Direito do Trabalho nº. 22, nov/dez, ano 4,1979, p. 62.

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contrato de trabalho da mulher o fato de haver contraído matrimônio ou de

encontrar-se em estado de gravidez”67.

Representou, de fato, um retrocesso para as mulheres uma vez que eliminou

a expressão "sem distinção de sexo", quando diz que "todos são iguais perante a

lei".

Estabeleceu assistência à maternidade, à infância e à adolescência

obrigatória em todo o território nacional; concedendo aposentadoria à mulher com 35

anos de serviços ou, compulsoriamente, aos 70 anos de idade; incorporando a

proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade,

sexo, nacionalidade ou estado civil e instituindo a prisão civil por falta de pagamento

da pensão alimentar.

No que tange à maternidade assegurava à gestante o descanso antes e

depois do parto, sem prejuízo do emprego e do salário68,

Na Constituição de 1967 houve a redução do prazo para a aposentadoria por

tempo de trabalho, de 35 para 30 anos de serviço para a mulher, estabelecendo

constitucionalmente pela primeira vez o tratamento diferenciado à mulher no que

tange à concessão de aposentadoria por tempo de serviço.

Destacava ainda pela primeira vez a expressão descanso remunerado da

gestante, antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego e do salário, a cargo da

previdência social.69

67 Idem, ibidem. 68 Art. 157 ( ...) X- direito da gestante a descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego e do salário; (...) XIV- previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da maternidade e contra as conseqüências da doença, da velhice, da invalidez e da morte”. 69 Art. 158: “A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição social: (...)

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A Emenda Constitucional n. 1 de 17 de outubro de 1969, em seus artigos 165,

XI e XVI reiterava os dispositivos anteriormente informados, garantindo descanso

remunerado, antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego e do salário, bem

como da proteção da maternidade como responsabilidade imposta à previdência

social.

1.6.2 A mulher e o Direito ao voto no Brasil

No Brasil, após 1850, surgiram as primeiras organizações de mulheres que

lutavam pelo direito à instrução e ao voto. Os clamores femininos encontravam

expressivo coro na luta de Nísia Floresta (1809-1885), abolicionista, republicana e

feminista nascida no Rio Grande do Norte, responsável por denunciar as agruras

cometidas contra as mulheres.

Em novembro de 1917 a Professora Leolinda Daltro, fundadora do Partido

Republicano Feminino, lidera uma passeata exigindo a extensão do voto às

mulheres.

No ano seguinte, Bertha Lutz foi uma das pioneiras na luta pelo voto feminino

e pela igualdade de direitos entre homens e mulheres no país. Filha de Adolfo Lutz,

ela nasceu em São Paulo em 1894. Cientista como o pai, ela formou-se bióloga pela

Sourbone em Paris. Em 1919 começa a se destacar na busca de igualdade de

direitos jurídicos entre os sexos, ao se tornar a segunda mulher a ingressar no

serviço público brasileiro, após ser aprovada em concurso do Museu Nacional, no

Rio de Janeiro. Em 1922, representou o Brasil na Assembléia Geral da Liga das

Mulheres Eleitoras, realizada nos Estados Unidos, sendo eleita vice-presidente da

Sociedade Pan-Americana. De volta ao Brasil, fundou a Federação para o Progresso

XI- descanso remunerado da gestante, antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego e do salário;

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Feminino, iniciando a luta pelo direito de voto para as mulheres brasileiras. 70

A primeira experiência com o voto feminino no Brasil acontece de fato no Rio

Grande do Norte, em 1928. Juvenal Lamartine, candidato ao governo do estado,

incluiu em sua plataforma a luta pelo voto feminino71. Ao se elaborar a lei eleitoral do

estado, Juvenal solicitou ao então governador, José Augusto Bezerra, a inclusão da

emenda que constou das disposições transitórias: "Art. 77 das Disposições Gerais:

No Rio Grande do Norte, poderão votar e ser votados, sem distinção de sexo, todos

os cidadãos que reunirem as condições exigidas por esta lei". Aprovada a Lei nº 660,

em 25 de outubro de 1927, várias mulheres requereram suas inscrições e, a 25 de

novembro de 1927, o juiz interino, Israel Ferreira Nunes, manda incluir na lista dos

eleitores a professora Celina Guimarães Vianna, que se torna a primeira eleitora,

não só do Brasil, mas da América do Sul. As eleitoras compareceram às eleições de

5 de abril de 1928, mas seus votos foram anulados pela Comissão de Poderes do

Senado.

Interessantes são as manifestações expostas por Ilca Labarte integrante da

Federação Brasileira pelo Progresso Feminino:

O direito do voto é o caminho que os homens nos apontam para a conquista dos demais direitos, pois a grande, a maxima questão é a capacidade para o trabalho honesto e consciente (...). Falta a educação, a alphabetização da mulher proletária, seja nos campos, seja nas cidades. (...) Enquanto a mulher não tiver autonomia civil, política ou não – estará sempre sujeita a uma capitis diminutio maxima – se for da sociedade chamada elevada, saberá sophismar tal incapacidade civil, pelas mil formas de garridice e sedução; mas da sociedade dita inferior, que para mim não existe nem póde existir ficará ainda mais sujeita ao domínio masculino e em peores condições pois se a mulher ainda não possue cultura mental, o homem proletário nada lhe fica a dever em ignorância. Como ponto capital direi que a legislação social, puramente proteccional nada

70 LEONARDO, Patrícia Xavier & MARMO, Ana Carolina. Adolpho Gordo e Bertha Lutz: A Luta pelo Voto Feminino. Disponível em www.centrodememoria.unicamp.br. Acesso em 22 de agosto de 2008, p. 4. 71 Idem, ibidem.

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adianta se não tomar, como complemento logico e único, a autonomia civil a educação vocacional e proficional da mulher.72

Em 1932, o governo de Getúlio Vargas formado após a Revolução de 1930,

promulgou o novo Código Eleitoral pelo Decreto nº 21.076, garantindo finalmente o

direito de voto às mulheres brasileiras. Foi incorporado à Constituição de 1934 e,

ainda assim, apenas às funcionárias públicas estabelecendo em seu Art. 109 que “o

alistamento e o voto são obrigatórios para os homens e para as mulheres, quando

estas exerçam função pública remunerada, sob as sanções e salvas as exceções

que a lei determinar”.

O referido Código Eleitoral Brasileiro, em seu art. 2o disciplinava que era

eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma do

Código. É de ressaltar que as disposições transitórias, no artigo 121, dispunham que

os homens com mais de 60 anos e as mulheres em qualquer idade podiam isentar-

se de qualquer obrigação ou serviço de natureza eleitoral. Denota-se assim a não

obrigatoriedade do voto feminino, mas que consagrou o Brasil como o quarto país da

América a disciplinar o voto feminino, estando ao lado de países, como Estados

Unidos, Canadá e Equador, respectivamente, em 1º, 2º e 3º lugares.

O direito ao voto feminino foi incorporado à Constituição de 1934, mas sendo

obrigatório apenas às mulheres que exercessem função pública remunerada nos

termos do art. 108. Verifica-se assim, a necessidade imperiosa de campanhas para

conscientização das mulheres sobre a importância do voto, um direito arduamente

conquistado, mas ainda de caráter facultativo para a maioria das mulheres.

72 Folha da Manhã 10 de junho de 1932. Direito político da mulher brasileira – uma entrevista interessante da senhorita Ilca Labarte apud KAMADA, Larissa Fabiana. As mulheres na História: do silêncio ao grito. In BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins & ANDREUCCI, Ana Cláudia Pompeu Torezan (org.). Mulher, Sociedade e Direitos Humanos: Homenagem à Profa. Dra. Esther de Figueiredo Ferraz. São Paulo: Rideel, 2010,p.57.

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1.6.3 Os direitos os da mulher na Constituição de 1988

Como resposta a um regime ditatorial imposto pelos militares desde 1964, a

Carta Cidadã de 1988, como foi batizada, representou um marco na história

brasileira.

No que tange às mulheres temos de maneira inédita uma mobilização social

em busca dos direitos femininos, história que se inicia no ano de 1985 com a criação

pelo Ministério da Justiça do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher –(CNDM)

institucionalizando de maneira inédita a pauta das reivindicações dos movimentos

feministas. O CNDM era composto por 17 conselheiras, nomeadas pelo Ministro da

Justiça, das quais 1/3 era advindo de movimentos de mulheres. A criação do CNDM

respondia às reivindicações do Seminário Mulher e Política, realizado em São Paulo

em 1984, liderado por feministas, entre elas, Ruth Escobar.

No período da Assembléia Nacional Constituinte, junto com o movimento

feminista autônomo e outras organizações do movimento de mulheres de várias

partes do Brasil, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, criado em 1985,

conduziu a campanha nacional “Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher”

com a edição do documento intitulado Carta das Mulheres à Assembléia

Constituinte, resultado de uma grande mobilização do Conselho Nacional dos

Direitos da Mulher, entregue ao Congresso Nacional em 26 de agosto de 1986,

pelas mãos de mais de mil mulheres.73 Segundo Jaqueline Pitanguy, ex-presidente

do CNDM:

Esta Carta, que é sem dúvida um documento histórico, apresenta as propostas das mulheres para uma ordenação normativa que traduzisse um patamar de igualdade entre homens e mulheres e afirmasse o papel do Estado na efetivação deste marco normativo. Algumas propostas das mulheres iam além do papel que o Estado exercera até então , expandindo o conceito de direitos humanos e atribuindo-lhe responsabilidades no âmbito da saúde reprodutiva advogando o reconhecimento do direito de mulheres e homens exercerem seus direitos reprodutivos escolhendo livremente o

73 Disponível em: [http://mulheres.org.br/violencia/planobnacional.html]. Acesso em: 25 set., 2007.

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numero de filhos e contando com informações e meios para tal, e conclamando o Estado para desempenhar um papel no sentido de coibir a violência no âmbito das relações familiares. 74

Segundo também assinala Silvia Pimentel “esta Carta, é no meu entender, a

mais ampla e profunda articulação reivindicatória feminina brasileira. Nada igual,

nem parecido. É marco histórico da práxis política da mulher, grandemente

influenciada pela teoria e práxis feminina dos últimos 10 anos” 75

O movimento feminista deste período que atuava por meio de uma ação

direta de convencimento dos parlamentares, ficou conhecido como o “Lobby do

Batom” representado pela bancada feminina composta por 26 congressistas e

conseguiu aprovar em torno de 80% de suas reivindicações, constituindo-se o setor

organizado da sociedade civil que mais vitórias conquistou. O “Lobby do Batom” foi

um movimento de sensibilização dos deputados e senadores sobre a relevância de

considerar as demandas das mulheres para a construção de uma sociedade guiada

por uma Carta Magna verdadeiramente cidadã e democrática. De 1996 à 1988 o

CNDM, juntamente com representações de organizações diversas de direitos das

mulheres da sociedade civil, visitou quase que diariamente as lideranças e os

diversos deputados , conversando, apresentando dados, estatísticas,testemunhos,

denuncias, propostas.76

Assim, diante do cenário exposto, e não apenas no tocante aos direitos das

mulheres, mas em relação aos direitos e proteções em geral, como marco jurídico da

institucionalização dos direitos humanos deve ser vista a Constituição Federal de

1988, também denominada de Carta Cidadã, a qual representou para as mulheres

brasileiras a ampliação de seus direitos de cidadania.

74 As Mulheres e a Constituição de 1988, disponível no site http:// www.cepia.org.br Acesso em: 25 de maio de 2010. 75 A mulher e a Constituinte: uma contribuição ao debate. São Paulo: Editora Cortez, 1987, p. 72. 76 As Mulheres e a Constituição de 1988, disponível no site http:// www.cepia.org.br Acesso em: 25 de maio de 2010.

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A pressão dos movimentos feministas, do movimento organizado de mulheres

e a articulação dos conselhos dos direitos das mulheres no processo constituinte,

resultou em importantes conquistas na Constituição Federal, na perspectiva da

igualdade de direitos entre homens e mulheres, como afirma o inciso I do art. 5º.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

A Carta de 1988 proclama ainda outros direitos específicos das mulheres, tais

como:

a) a igualdade entre homens e mulheres especificamente no âmbito da família (art.

226, § 5º);

b) a proibição da discriminação no mercado de trabalho, por motivo de sexo ou

estado civil (art. 7º, XXX, regulamentado pela Lei 9.029, de 13 de abril de 1995, que

proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização e outras práticas

discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de

trabalho);

c) a proteção especial da mulher do mercado de trabalho, mediante incentivos

específicos (art. 7º, XX, regulamentado pela Lei 9.799, de 26 de maio de 1999, que

insere na Consolidação das Leis do Trabalho regras sobre o acesso da mulher ao

mercado de trabalho);

d) o planejamento familiar como uma livre decisão do casal, devendo o Estado

propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito (art. 226,

§ 7º, regulamentado pela Lei 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que trata do

planejamento familiar, no âmbito do atendimento global e integral à saúde); e

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e) o dever do Estado de coibir a violência no âmbito das relações familiares (art. 226,

§ 8º).

Contudo, é imprescindível destacar que o mero reconhecimento formal da

igualdade entre homens e mulheres no plano legal não se torna suficiente para a

concretização da efetiva igualdade no plano fático. Infelizmente, conforme veremos

no capítulo 2, os direitos reconhecidos no ordenamento jurídico não encontram,

muitas vezes, eco na realidade prática. Há ainda, infelizmente, um grande hiato

entre a realidade e o ordenamento jurídico brasileiro.

1.6.4 Mulheres e o Novo Código Civil

Tão esperado por todos, em especial, pelos operadores do Direito, o novo

Código Civil em vigência desde 11 de janeiro de 2002, estabeleceu um

ordenamento jurídico compatível, principalmente no que se refere à igualdade entre

os sexos.

Logo nos dizeres propedêuticos do Novo Código Civil encontramos

importante inovação no tratamento conferido à mulher, tendo em vista a substituição

da expressão “homem” por “toda a pessoa”, ratificando as determinações do Texto

Magno de 1988.

A substituição ocorre nos diversos artigos do Código Civil no intuito de afastar

quaisquer alusões à superioridade masculina nas relações jurídicas.

A igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges no casamento

estabelecida pelo art. 226, parágrafo 5º da Carta Magna de 1988 é confirmado pela

inserção do art. 1511 do Código Civil de 2002. 77

77 Art. 1.511. O Casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.

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No Código anterior as mulheres eram consideradas até como relativamente

incapazes para a prática de determinados atos, dependentes da concordância do

marido. Assim, a confirmação deste artigo vai ao encontro dos clamores femininos

para a consolidação do princípio da isonomia entre os gêneros.

Quanto ao uso do nome, importantes modificações foram trazidas no

parágrafo primeiro do art. 1.565, pois qualquer dos cônjuges poderá, portanto como

faculdade78 e não obrigação, acrescer ao seu nome o nome de família do outro,

mais uma vez a igualdade foi instaurada juridicamente, em detrimento dos costumes

patriarcais próprios da legislação anterior.79

Interessante notar que alguns operadores do direito, de certa maneira, vêm

percebendo que a adoção do nome de família da mulher pelo marido poderá ser

considerado na legislação “letra morta”, ou seja, norma sem efetividade, pois o

preconceito ainda é reinante e precisamos mudar toda a cultura e educação para

que tal fato se torne mais corriqueiro.

Ademais, no que tange à chefia da Sociedade Conjugal estabeleceu-se no

novo Código Civil a igualdade de ambos os cônjuges para exercê-la, bem como para

gerar a subsistência. Não há mais prevalência, diga-se de passagem, na legislação,

de prevalência do homem sobre a mulher na condução da família e administração

dos negócios daquela entidade. Referida norma ratificou os ditames já estabelecidos

na Constituição Federal de 1988. Não há mais, portanto, a concepção de chefe de

família, anteriormente estatuída pelo Art. 233 do Código Civil de 1916.

Havendo igualdade para gerir e administrar a família, um dos itens que

merece destaque diz respeito à subsistência familiar como dever de ambos, marido

e mulher. O Novo Código Civil manteve o art. 240 com redação da Lei nº 6.515/77, o

78 O Art. 240 do Código Civil de 1916 determinava a obrigatoriedade da adoção do patronímico do marido pela mulher. 79 Conforme considera Silmara Juny de Abreu Chinelato. O nome da mulher no casamento, na separação, no divórcio e na viuvez: visão do novo Código Civil In Revista do Advogado, ano XXII, nº 68, São Paulo: dezembro/2002, p. 70/78 “Conservar o nome de solteira sempre foi e sempre será questão a ser ponderada e julgada como direito à identidade. Nada tem a ver com amor, nem com possível caracterização de “injúria” ao marido.”

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qual estabeleceu a condição da mulher após o casamento como colaboradora do

marido em tal mister, cumprindo-lhe assegurar e gerir a família do ponto-de-vista

moral e material.80

Confirmando os dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente, o

Código Civil de 2002 repetiu em seu texto a prevalência da melhor adaptação da

criança no que tange à guarda. Não há mais a figura da mãe como certeira na

concessão da guarda, os interesses da criança estarão em primeiro lugar.

Entretanto, tal dispositivo precisará ser incorporado nos costumes da sociedade

brasileira, que vê ainda a mãe como protagonista no cuidado e trato dos filhos,

questão essa que será absolutamente detalhada no capítulo 2 deste trabalho.

Finalmente para mais uma vez reiterar a isonomia de gêneros, prevista na

Carta Magna de 1988, a expressão “pátrio poder” foi substituída por “poder familiar”,

garantindo a condução e administração da família por qualquer dos consortes.

Em se concluindo o presente tópico, apesar de ainda carecedor de

mudanças, o Novo Código Civil representou uma grande conquista feminina ao

normatizar as disposições da igualdade preconizadas pelo Texto Magno. Tal

igualdade, supera o nível formal das normas, é uma força motriz desencadeadora de

uma nova ordem de pensamento nacional, voltada a uma moderna concepção

social. A aplicação pragmática nos casos concretos será a responsável pela

concretização de uma sociedade mais justa e digna para as mulheres.

80 Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família..” Art. 1.568. Os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e dos rendimentos do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja o regime patrimonial.”

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1.6.5 Maria da Penha: mais do que um simples nome de mulher. Uma Lei. Uma

história de vida.

Brasil. Século XX. Fortaleza, capital do Ceará. Biofarmacêutica, professora

universitária, casada com um também professor universitário. Vítima durante seis

anos de agressões, duas tentativas de homicídio. Na primeira tentativa datada do

ano de 1983, o agressor disparou um tiro em suas costas enquanto dormia, tendo

por alegação se tratar de um assalto. O incidente deixou-a paraplégica no corpo e

debilitada em sua alma. As agressões não pararam por aí. Duas semanas após a

primeira tentativa, houve nova tentativa de homicídio por parte de seu marido que

tentou eletrocutá-la enquanto tomava banho. À época, nossa personagem com 38

anos e três filhas entre dois e seis anos de idade tomou coragem e comunicou o fato

criminoso aos órgãos competentes e, em 1984 o Ministério Público formulou a

denúncia do agressor.

O caso foi julgado apenas oito anos depois por um Júri Popular que,

posteriormente, teve sua decisão anulada, sendo apenas em 1996 condenado a

uma pena de 10 anos, garantida sua liberdade para interposição dos recursos

previstos no ordenamento jurídico brasileiro.

Temerosa da morosidade do Judiciário brasileiro e da ocorrência da

prescrição punitiva possibilitando a não punição do agressor, nossa personagem,

com apoio de vários órgãos de luta pelos direitos das mulheres, ofertou denúncia à

Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados

Americanos (OEA) alegando que passados mais de 15 anos de suas agressões, seu

marido, Marco Antônio Herredia Viveros, ainda continuava em liberdade. Era a prova

cabal de que o Brasil, apesar de signatário tendo ratificado em 1995 os ditames da

Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a

Mulher de Belém do Pará, não fazia cumprir as exigências para a erradicação da

violência e punição dos agressores.

No ano de 2001 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos em seu

Informe n. 54 de 2001 responsabilizou o Estado brasileiro por negligência, omissão e

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tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres, ressaltando entre as

recomendações, a necessidade imperiosa da criação de leis visando o combate à

violência doméstica no Brasil.

O agressor foi preso em outubro de 2002 quase vinte anos após o crime e

poucos meses antes da prescrição da pena.81

Demonstrou-se para o Brasil e para o mundo a importância das Convenções

Internacionais e a sua força e efetiva aplicabilidade nos países signatários.

Traduzindo-se, não como meros instrumentos protocolares, mas sim, instrumentos

jurídicos com força cogente e imperativa.

A importância de toda esta conquista se deve a uma personagem que

“sobreviveu e pode contar”. Nossa personagem se chama Maria. Entre muitas

Marias, vítimas de agressões físicas, morais, psicológicas do cotidiano mundial.

Nossa Maria, Maria da Penha Maia Fernandes, transformou sua história de vida, em

um mote, um símbolo, representando em sua singularidade, histórias plurais, diárias

e freqüentes de mulheres que lutam contra as mazelas da violência doméstica e da

opressão masculina. Sua história de vida transformou-se em lei, a Lei 11.340 de 7

de agosto de 2006 batizada em sua homenagem como Lei Maria da Penha.

A Lei Maria da Penha trouxe à tona questões que merecem ser socialmente

discutidas, ou seja, apesar dos avanços legislativos há ainda uma situação de

desigualdade entre os gêneros na realidade pragmática, a violência doméstica tem

em sua grande maioria a mulher como vítima. Estudos das mais variadas ciências

contribuem para enaltecer o poderio masculino, a sociedade patriarcal que durante

séculos e, que infelizmente ainda perdura nos dias atuais, considerou a mulher

como posse, propriedade, valendo-se de todas as prerrogativas, até mesmo da

violência física ou psicológia para manutenção deste status quo. 82

81 Sobrevivi...o relato do caso Maria da Penha. Disponível em http://www.agende.org.br. Acesso em 29 de junho de 2010. 82 BARUKI, Luciana Veloso Rocha Portolese & BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. Violência e discriminação contra a mulher: finalmente o direito “mete a colher” In BOGGIO, Paulo Sérgio & CAMPANHÃ, Camila (org). Família, Gênero e Inclusão Social. São Paulo: Memnon, 2009, p. 91.

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Ressalta-se que a a Lei Maria da Penha apresenta características singulares

e que merecem ser informadas. Primeiramente, a lei preocupa-se sobremaneira com

a prevenção da violência doméstica. Seu objetivo não é apenas punir, mas também

educar e reeducar. É necessário o envolvimento dos homens para que não sejam

apenas e tão simplesmente “rotulados” mas sim que sejam levados a rever posições

e repensarem atitudes atitudes.83

A referida Lei cria mecanismos importantes para coibir a violência doméstica

e tipica o tipo penal, conceituando-o de forma pormenorizada e com matizes

vanguardistas ao declarar que a “violência doméstica contra a mulher independe de

sua orientação sexual”.

Para evitar reincidências a Lei Maria da Penha proibe a condenação do

agressor em penas pecuniárias, bem como possibilita um maior âmbito de atuação

do Judiciário com a ampliação da competência material a possibilidade do

magistrado definir, nos termos do art. 14, questões relacionados aos filhos,

alimentos, separação, divórcio, entre outros.

Visando a proteção integral da mulher, a lei disciplina a prisão em flagrante e

a decretação da prisão preventiva do agressor, bem como a fixação de uma

distância mínima de segurança entre a vítima e o agressor.

O Ministério Público passou a titular das ações de violência doméstica,

conjuntamente com as Associações Específicas na Temática de Gênero (art. 37 da

LMP), intervindo em causas cíveis e criminais, requisitando força policial e a

colaboração dos serviços públicos quando necessários

Louvável ainda a previsão legal de uma equipe multidisciplinar formada por

psicólogos e assistentes sociais responsáveis pelo atendimento do agressor, da

vítima e comunicação de tais dados aos juízes das causas concretas.

Para finalização do tópico em questão importante destacar que a Lei Maria da

Penha encontra-se fundamentada em princípios maiores, entre eles, o princípio da

83 Idem, ibidem.

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dignidade da pessoa humana e a proteção integral dos direitos humanos, fato este

positivado no art. 6º da referida Lei. Neste sentido são os ensinamentos de Carlos

Eduardo Nicoletti Camillo finalizando coroando o fechamento do presente tópico:

a violência doméstica e familiar contra a mulher é uma das possíveis formas de violação dos direitos humanos. E a violação dos direitos humanos não é apenas uma consequência marcada pela negilgência, ignorância ou mesmo inobservância de uma regra. Pior do que isso, quando nos deparamos como uma violação aos direitos humanos, todos os princípios, todas as regras, enfim, todas as diretrizes que traduzem, de alguma forma justiça, equidade, segurança e dignidade humana, se encontram dilacerados, e talvez nenhuma forma de sanção seja possível para cicatrizar as suas feridas.84

1.7 Ações Governamentais contemporâneas e conquistas femininas no Brasil

O Governo Federal do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, reconhecendo

que historicamente as mulheres são alvo de discriminação e seus direitos, embora

previstos na legislação, pragmaticamente não são aplicados, resolveu criar a

Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.

Com status de Ministério, foi criada a Secretaria, pela edição da Medida

Provisória n. 103, no primeiro dia do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva,

com o objetivo precípuo de desenvolver ações conjuntas com todos os Ministérios e

Secretarias Especiais, tendo como desafio a incorporação das especificidades das

mulheres nas políticas públicas e o estabelecimento das condições para a

efetividade de seus direitos.

Além de assessorar o Presidente possibilitou a formulação do Plano Nacional

de Políticas Públicas para a Mulher, aprovado pelo Decreto Presidencial nº 5.390, de

84 Compreendendo o significado da dignidade da pessoa humana em face da violência doméstica. In BOGGIO, Paulo Sérgio & CAMPANHÃ, Camila. Família(org.) Gênero e Inclusão Social. São Paulo: Memnon, 2009, p. 27.

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08 de março de 2005, tendo participado de sua elaboração vários ministérios.

Atualmente, a Secretaria tem como representante maior a Ministra Nilcéa Freire.85

A Secretaria tem por competências e diretrizes formular, coordenar e articular

políticas voltadas para as mulheres; implementar campanhas Educativas e não

discriminatórias de caráter nacional; promover a igualdade de gênero com a

promoção e acompanhamento sistemático das ações afirmativas e desenvolvimento

de políticas públicas com vistas ao cumprimento de todos os Tratados e Convenções

ratificados pelo Brasil, além de promover e executar programas de cooperação com

organismos nacionais e internacionais, públicos e privados, voltados à concretização

dos ideais das mulheres.86

A Lei 10.745 de 2003, sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva

instituiu o ano de 2004 como o “Ano da Mulher no Brasil” e teve como marco a

realização da I Conferência Nacional de Política para Mulheres, sob o slogan “Faz

diferença acabar com a indiferença”.

O objetivo de tal instituição fundamentou-se no escopo de “ Estimular a

reflexão permanente, para logo promover a adoção de novas atitudes, é uma das

grandes metas que vamos perseguir ao longo deste ano de 2004. Para tanto,

concebeu-se um conjunto orgânico de atividades especialmente articuladas, com a

firme intenção de alcançar todos os segmentos sociais. Assim, vamos tratar de

85 Nilcéa Freire é médica e professora universitária, tendo se graduado na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro em 1978. Devido à sua militância no movimento estudantil, foi obrigada a interromper seus estudos indo residir no México, entre 1975 e 1977.

Foi assessora da Sub-reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da UERJ e ao final de 1999 foi eleita Reitora da UERJ para o mandato de 2000 a 2003, sendo a primeira mulher a ocupar este cargo em universidades públicas do estado do Rio de Janeiro.

Em 2002, presidiu o Conselho Estadual de Educação do Estado do Rio de Janeiro e nos seus dois últimos anos de mandato na UERJ viveu a experiência pioneira da implantação do sistema de cotas para alunos das escolas públicas do Rio de Janeiro e para os afro-descendentes. Informações disponíveis no site http://www.planalto.gov.br . Acesso em 12 de agosto de 2006. 86 Informações disponíveis no site www.planalto.gov.br acessado em 12 de agosto de 2006.

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encaminhar as mudanças reclamadas por uma sociedade que tem o dever ético de

tornar-se contemporânea de si mesma”.87

Coordenada pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), da

Presidência da República, envolvendo mais de 120 mil mulheres, reunidas em

plenárias municipais e regionais em 2.000 municípios e Conferências Estaduais nos

26 estados e Distrito Federal, a I Conferência traduziu-se como um marco de

incontestável importância, pois efetivou o diálogo e integração de vários atores

sociais, das esferas públicas e privadas, na conscientização acerca da necessidade

de políticas integradas que garantam a consolidação da igualdade e a ampliação

dos direitos femininos.

Com a Conferência foi elaborado o Plano Nacional de Políticas para as

Mulheres (PNPM) realizado por um Grupo de Trabalho Interministerial composto por

7 ministérios e 2 secretarias especiais, além do Conselho Nacional dos Direitos da

Mulher. Contemplando as diversidades regionais, de raça, de etnia, de geração e de

orientação sexual, o Plano engloba 5 (cinco) eixos temáticos:

1. Enfrentamento da pobreza: geração de renda, trabalho, acesso ao crédito e

à terra:

2. superação da Violência contra a Mulher - prevenção, assistência e

enfrentamento;

3. promoção do bem-estar e qualidade de vida para as mulheres: uso e

ocupação do solo, saúde, moradia, infra-estrutura, equipamentos sociais, recursos

naturais, patrimônio histórico e cultural;

4. efetivação dos direitos humanos das mulheres: civis, políticos, direitos

sexuais e direitos reprodutivos; e

5. desenvolvimento de políticas de educação, cultura, comunicação e

produção de conhecimento para a igualdade.88

87 Informações disponíveis no site www.senado.gov.br/anoda mulher acessado em 10 de agosto de 2006. 88 Em uma entrevista à assessoria de imprensa da Universidade Nacional de Brasília, a ministra

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Desde então importantes programas têm sido subsidiados em diferentes

setores pelo SPM. Programas como o “Pró-equidade de Gênero”, em parcerias com

o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM) e a

Organização Internacional do Trabalho (OIT), que visa à promoção do compromisso

das empresas com a equidade de gênero no mundo do trabalho.

Como considerações finais, enfatizamos que no presente capítulo buscou-se

apresentar de forma sucinta um breve retrospecto histórico da mulher, seus avanços

e , suas lutas durante vários séculos, concluindo, para tanto, que apesar de muitas

conquistas, em especial, da positivação de direitos nos inúmeros instrumentos

internacionais e nacionais, a realidade e o cotidiano, demonstram que tais

conquistas legais não foram e não são efetivamente cumpridas e dotadas de eficácia

social, o que será demonstrado no próximo capítulo com a apresentação de dados

estatísticos que retratam a assimetria existente entre o direito posto e a condição

social da mulher em nosso país.

Nilcéa Freire acerca da temática destacou: “A organização das mulheres em torno de agendas específicas resultou na ocupação de espaços tradicionalmente reservados aos homens. As mulheres, hoje, ocupam postos da magistratura, na alta corte do judiciário, e têm espaços conquistados no Legislativo. A sociedade de 30 anos atrás poderia imaginar uma mulher no comando do Ministério das Minas e Energia? E de termos uma secretaria com status de Ministério somente para a promoção de igualdade de gênero? Isso é o resultado de todo um esforço que não foi em vão. Mas, ainda, existem muitas brasileiras que sofrem com as mais diversas formas de violência, discriminação e salários desiguais. A grande parte da população feminina ainda tem a cara da pobreza, da miséria e da falta de acesso. Isso reflete uma relação de poder desigual entre homens e mulheres na sociedade. Relação esta que deixa marcas duráveis, bastante difíceis de combater”. Informações disponíveis no site http://www.unb.br Acesso em 10 de agosto de 2006.

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2.OS DESAFIOS DE SER MULHER NA SOCIEDADE

CONTEMPORÂNEA: DADOS E NÚMEROS

Não existe uma definição completa da mulher.Uma mulher é uma experiência e uma energia feminina que tece, que é tecida, que é desfeita e que se movimenta.

Koltuv Black

2.1 Mulher e família: novos parâmetros, novos paradigmas

O presente capítulo visa analisar a situação da mulher nos tempos

contemporâneos contemplando os seus principais desafios e lutas. Começaremos

nossos estudos pela tríade mulher-família- tempos modernos. E assim,

indagaríamos qual seria o perfil atual da família moderna?

A indagação encontra resposta nos dados relatados no Censo Demográfico

do ano 2000 o qual apresenta alterações substanciais quanto à estrutura familiar em

relação ao Censo de 1991.

No Brasil, segundo dados dos IBGE/PNAD e Dieese89, no início dos anos

2000 é contínuo o decréscimo da taxa de fecundidade total, a qual passou de 2,6

filhos por mulher, em 1992, para 2,3 filhos, em 2001.

O tamanho médio das famílias, em 1980, era de 4,5 pessoas, enquanto em

1992 3,8 pessoas, e em 2001, foi reduzido para 3,3 membros. Ademais, cumpre

lembrar que em 1998, o número médio de filhos por família era de 2 no Norte, 1,9 no

Nordeste, 1,5 no Sudeste, 1,4 no Sul, 1,5 no Sudoeste e 1,6 em todo o Brasil.

89 Dados obtidos no site http:// www.ibge.gov.br. Acesso em 12 de agosto de 2006.

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No mesmo sentido, a pesquisa demonstrou o aumento do número de famílias

de apenas uma pessoa (9%) ou daquelas chefiadas por mulheres. Em 1991, as

mulheres eram responsáveis por 20,5% das famílias e, em 2000, por 26,7%. A

maioria (86%) das mulheres responsáveis por domicílios não tinham marido ou

companheiro.

No período, o número de uniões legais caiu de 57,8% para 50,1%, e a parcela

em união consensual cresceu de 18,3% para 28,3%. No mesmo período, o número

de divórcios aumentou de 10,9 para 13, para cada 100 habitantes e o número de

separações judiciais também se elevou de 10,3 para 11,6 para cada 100

casamentos.

Sublinhe-se que o Censo de 2000 evidenciou o incremento das separações,

novas uniões e de casamento não oficiais, com as uniões consensuais elevando-se

dos 18,3% registrados em 1991 para 28,3% do total de arranjos conjugais. Verificou-

se, ademais, que a família tradicional, qual seja, casal e filhos, apesar de ainda ser

dominante, aos poucos cede passo para as famílias unipessoais e monoparentais.

Esta realidade se confirma com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra

de Domicílio (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE) de 2008 houve um decréscimo na taxa de fecundidade: Entre as mulheres de

15 a 49 anos, para o período de 1991 a 2007, observa-se uma queda da taxa de

fecundidade de 2,9 para 1,95, ou seja, abaixo da taxa de reposição da população,

que é de 2,1.

Entre 1998 e 2008, observa-se um crescimento de casal sem filhos de 13,3%

para 16,6%, enquanto que diminuiu de 55,8% para 48,2% o número de casal com

filhos. Houve também um crescimento de 16,7% para 17,2% do número de famílias

com mulheres sem cônjuges com filhos.

Contudo, mesmo diante dos fatos e números acima assinalados a família se

reforça como uma conjugação de valores, costumes e crenças foi e sempre será a

celula mater da sociedade.90 Contudo, o conceito contemporâneo de família passa a

90 BALERA, Wagner & ANDREUCCI, Ana Claudia Pompeu Torezan. Salário-Família no Direito Previdenciário Brasileiro. São Paulo: LTr, 2006, p. 8.

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contemplar novas formas e também dimensões, entre eles, são vocábulos vigentes :

família monoparental, família socioafetiva, entidade familiar.

Neste cenário de mudanças podemos dizer que a mulher é a principal

protagonista da questão, pois deixou seu papel tradicional de mera “cuidadora” do

lar e seus consectários, filhos e afazeres domésticos, para ingressar, de forma

expressiva, no mercado de trabalho. Cada vez mais atuante no mercado de trabalho,

a mulher prioriza a carreira, em detrimento da maternidade, relegando para idades

mais avançadas a gravidez e optando por gerar menor número de filhos, questões

estão que serão visitadas no decorrer deste capítulo.

2.1.1 Um olhar crítico-reflexivo sobre o papel da mulher-mãe

Os tempos evoluíram. A maternidade enquanto atributo e dever natural da

mulher sofre novos delineamentos, desenhando-se de maneira absolutamente

diversa de tempos pretéritos.

O século XX notadamente é marcado pela ideologia da maternidade enquanto

opção, escolha de ordem feminina. A idéia de função inerente à mulher e/ou de

natureza vocacionada para tal mister vai sendo aos poucos substituídas. A mulher já

não se completa apenas enquanto existência e essência na maternidade. Ela almeja

muito mais. Sua auto-estima e sua legitimação enquanto cidadã passa por outras

formas do exercício da vida social. Carreira, estudos, promoções, poder são

vocábulos atualmente que fazem parte do cotidiano feminino. A mulher rompe com

os paradigmas impostos culturalmente e vai construindo sua nova história,

alicerçada no poder e possibilidade de um mundo novo.

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Judith Bardwick91 argumenta ainda que, historicamente, a preferência

feminina por uma carreira e uma remuneração mensal foram elementos que

contribuíram para pouco a pouco para que as funções de esposa e mãe fossem

relegadas a segundo plano, passando o sucesso profissional a forma de se obter o

auto-respeito

Ainda, oportuno frisar que além do ingresso no mercado de trabalho como um

dos motivos fundadores para o não exercício da maternidade, o avanço da ciência e

da medicina no campo da contracepção, possibilitou à mulher a mencionada opção.

Assim, nas sociedades modernas o planejamento da concepção se traduziu como

independência feminina, bem como possibilitou a maternidade como escolha. Como

motivos para a escolha podem estar elencados fatores de ordem biológica, social e

subjetiva, entre eles, o desejo de reprodução, a continuidade da própria existência,

busca de um sentido para a vida, a respeitabilidade e o reconhecimento pelo próprio

grupo social92.

Para muitos o “ser mãe” é um papel “glamuroso” codificado e traduzido de

maneira poética e muitas vezes até “romantizado” em demasia e aí está o dilema , a

opção de escolha diante desta construção histórico-cultural.93

As feministas mais radicais, por meio de suas associações, contribuíram para

profetizar a conscientização das mulheres acerca da maternidade responsável e

91 Mulher, sociedade, transição: como o feminismo, a liberação sexual e a procura da autorealização alteraram nossas vidas. São Paulo: DIFEL, 1981, p. 41. 92 SCAVONE, Lucila. Maternidade: transformações na família e nas relações de gênero, In Revista Interface: Comunicação, Saúde e Educação, v.5, n.8, 2001, p. 47. 93Citado por SILVA, Regina Tavares da. Maternidade : mitos e realidades , Comissão para a igualdade e para os direitos da mulheres, Cadernos Condição Feminina, p. 17. “a mãe – ditoso e santíssimo nome este! – deve ser educadora, instructora, tomando, como a ave no ninho, os filhos implumes, no seu seio, acompanhando-os com o seu alento, até ensaiarem vôo, seguindo-os, de longe ainda, com o seu olhar, por igual ansioso e amorável, para que não vão pousar nos espinheiros qos ferem, mas nos ramos de arvoredo onde há sombras e tranqüilidade que refrigeram e dulcificam as calmas e amargores da vida.De todos os seres da criação nenhum, como a mulher, tem missão tão delicada, tão constante, tão espinhosa; mas, por isso mesmo que essa tarefa é crivada de trabalhos, bordada de responsabilidades, cheia de sacrifícios, turbada de receios, mesclada de angústias, tantas vezes banhada de lágrimas, ansiada de soluços, escurecida por desalentos e abismadas de precipícios – por isso mesmo, é sublime, gloriosa, divina e santa”.

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entenderam, de certa forma, que a maternidade, como exercício único e exclusivo da

mulher, como responsável por delimitar a esfera de desigualdade entre homens e

mulheres ensejando a denominada “opressão feminina”

Para o combate desta situação fática, as feministas mais radicais recusavam

conscientemente a maternidade recusando a natureza como forma para se alcançar

a plenitude e a liberdade. Na França, destaca-se Simone de Beauvoir94 a mais

expressiva expoente intelectual desta corrente. A autora que foi companheira

durante anos do filósofo francês Jean Paul Sartre, em sua obra demonstrava que o

papel social da mulher era um estereótipo construído por homens e até mesmo por

mulheres que aceitavam a sua condição de “naturalmente” ser mulher. Seres

submissos que nasciam e cresciam para cumprir papéis moldados historicamente

pelos soberanos, considerados o primeiro sexo, detentor absoluto do conhecimento,

da educação e “proprietário” das mulheres, fossem elas, esposas, filhas, irmãs.

Eram o segundo frágil, o segundo sexo.

Sobre Simone de Beauvoir enaltece Gabriel Chalita:

Simone de Beauvoir nos convida a refletir apaixonadamente sobre o fato de que a mulher é inferiorizada pela sua própria situação: ela não tem passado, não tem histórico, nem sequer religião própria, uma vez que nunca mostrou sua voz na História. Subordinou-se sempre à voz do homem: códigos, leis, linguagem, tendo como algemas a sua alienação. A alienação, assim, passa a ser de ambos, assim como as vítimas que se tornam de si e do outro. A solução que Simone propõe é que mulher e homem se reconheçam como semelhantes, atingindo juntos a liberdade95.

De fato, passou-se das posições que ressaltavam as implicações sociais

negativas da maternidade para as que valorizavam seus aspectos psicoafetivos; de

94 BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: a experiência vivida. São Paulo: Difel. 1975, p. 9 95 Mulheres que mudaram o mundo. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005, p. 290.

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uma forte negação para uma vibrante afirmação, espelhando provavelmente as

ambigüidades concretas dessa experiência.96

2.1.1.1 Filhos e carreira : conciliação e maternidade tardia

Muitos doutrinadores na atualidade discutem com acuidade uma questão

geradora de indagações e angústias constantes, qual seja, enquanto mulher, a

escolha de uma vida com ou sem filhos. E ainda, ao se escolher uma vida com filhos

em que momento concebê-los e conjugá-los com as demais atividades inerentes ao

cotidiano feminino.

Ressalta-se que, a maternidade enquanto atributo necessário à completude

da existência da mulher, nada mais é do que uma construção histórico-cultural

estereotipada. Ser mulher, não significa ser mãe. Sua concretização atualmente

permeia outras intenções de vida como o trabalho, a carreira, o relacionamento com

os outros ou consigo própria.

Obviamente que a referida escolha, vista por um ângulo ou outro, é

permeada por inúmeros conflitos e pela angústia ao se optar pelo exercício ou não

96 Segundo BRUSCHINI, Cristina. Maternidade e trabalho feminino: Sinalizando tendências. In Family Health International. Reflexões sobre gênero e fecundidade no Brasil. Research Triangle Park: FHI, out.1995 (Projeto de Estudos da Mulher:Brasil) “A manutenção de um modelo de família segundo o qual cabem a elas as responsabilidades domésticas e socializadoras, bem como a persistência de uma identidade construída em torno do mundo doméstico, condicionam a participação da mulher no mercado de trabalho a outros fatores além daqueles que se referem à sua qualificação e à oferta de emprego, como no caso dos homens. A constante necessidade de articular papéis familiares e profissionais limita a disponibilidade das mulheres para o trabalho, que depende de uma complexa combinação de características pessoais e familiares. O estado conjugal e a presença de filhos, associados à idade e à escolaridade da trabalhadora, as características do grupo familiar, como o ciclo de vida e a estrutura familiar, são fatores que estão sempre presentes na decisão das mulheres de ingressar ou permanecer no mercado de trabalho, embora a necessidade econômica e a existência de emprego tenham papel fundamental. A atividade econômica exercida pelas mulheres não depende, portanto, apenas da demanda do mercado e das suas necessidades e qualificações para atendê-la, mas decorre também de uma articulação complexa, e em permanente transformação, dos fatores acima mencionados”.

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da maternidade. Ao optarem pela realização profissional poderão também encontrar

alguns estereótipos. Podendo citar:

Tudo se passa de fato como se as mulheres entrassem em organizações estruturadas, em princípio, em um modo de idealização masculinizado, isto é, segundo os costumes afetivos de um grupamento de homens [...] os heróis culturais da empresa, que, propondo modelos identificatórios, constituem entidades-chaves entre a identidade coletiva e identidade individual, permanecem majoritariamente construídos a partir de um genérico sexual masculino97 .

E assim, como a escolha é eivada de angústia, nada mais natural do que

adiá-la, concretizando-a após a consolidação da carreira e formação profissional.

Obviamente, este prazo será bastante delongando e muitas vezes não será

incomum se pensar na maternidade depois dos 35 (trinta e cinco) anos. Com a idade

mais avançada diminuem as tendências de engravidar naturalmente e, sendo tardia,

o processo gestacional fica cada dia mais dependente de intervenções médicas e

cirúrgicas para que tenha sucesso. A resultante desse conjunto de circunstâncias é a

baixa natalidade e a redução do número de componentes familiares.

Inclusive, quando da não possibilidade de gestação natural é fato comum as

mulheres recorrerem às intervenções artificiais como a inseminação artificial e a

reprodução assistida, trazendo inúmeras conseqüências às mulheres do ponto de

vista biológico98, social99 e econômico.

97 BELLE, Françoise. Executivas: quais as diferenças na diferença? In: CHANLAT, Jean François. (Coord). O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1993. v. 2, p 195- 229. . 98 Neste sentido ver a obra de SCALQUETTE, Ana Claudia Silva. Estatuto da Reprodução Assistida. São Paulo: Saraiva, 2010. 99 Acerca das implicações da maternidade por métodos artificiais e suas conseqüências que não se fizeram acompanhar pelo Sistema de Seguridade Social brasileiro, em especial, a Previdência Social ver ANDREUCCI, Ana Claudia Pompeu Torezan & DAMIÃO, Regina Toledo. Maternidade e previdência social: um processo de longa gestação In BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins & ANDREUCCI, Ana Cláudia Pompeu Torezan Andreucci (org.). Mulher, Sociedade e Direitos Humanos: Homenagem à Profa. Dra. Esther de Figueiredo Ferraz. São Paulo: Rideel, 2010, p. 485-409.

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Para coroar nossas afirmações cumpre assinalar que:

Ao escolher se afastar do trabalho para cuidar dos filhos, certamente, em seu retorno ao mercado, a mulher se deparará com um espaço vazio em seu currículo e provavelmente terá que se atualizar. Então, sentirá o impacto de possuir um projeto de vida associado ao desejo de trabalhar e de ter o trabalho como perspectiva pessoal de realização. A vida de uma mulher pode ter dimensões ampliadas no mundo contemporâneo, fora dos limites da função materna, até recentemente a única aceita. Assim, ser mãe não é mais condição necessária, nem suficiente para a maturidade e satisfação. É um potencial biológico e uma vocação psicológica que uma minoria significativa de mulheres, depois da reflexão, reconhece não serem adequados a elas.100

2.1.2 Mulheres e os modernos arranjos familiares

Como já dito no início deste capítulo a emancipação feminina101 aliada a

outros fatores fez surgiu novos arranjos familiares, podendo citar, entre eles, famílias

menores, famílias monoparentais e, muitas vezes, chefiadas por mulheres, fazendo

com que haja cotidianamente a necessidade de compartilhamento das tarefas

profissionais e familiares.

A emancipação feminina provoca o enfraquecimento dos laços familiares e

matrimoniais, e por via de conseqüência são mais recorrentes as dissoluções

conjugais, entre elas, separações e divórcios. Na mesma trajetória aumenta-se

significativamente o número de famílias monoparentais, quais sejam, as relações

familiares formadas por um dos cônjuges e os filhos advindos da união.

100 OLIVEIRA, Aracéles Frasson de. & PELLOSO,Sandra Marisa. Paradoxo e conflitos frente ao direito de ser mulher. Acta Scientiarum. Health Sciences , v. 26, n. 2, p. 279-286, Maringá, 2004. 101 GOMES, Orlando. O novo Direito de Família. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1984, p. 5 destaca que “ O terreno das relações de família está profundamente resolvido por fato novo, cujas conseqüências ainda não foram devida e precisamente medidas e apreciadas, mas que repercutem de modo decisivo na organização social e jurídica do grupo familiar. Esse fato novo é a emancipação da mulher”.

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A Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, § 4º, reconhece como

entidade familiar, a família monoparental102 como a “entidade familiar, a comunidade

formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.

Esse reconhecimento de outras formas de família feito pela Lei Fundamental

representou a repersonalização da família e a consagração do pluralismo dos

modelos familiares.E é esse pluralismo que marca a concepção contemporânea de

família, de cunho existencialista e que se baseia na realização afetiva de seus

integrantes.

Essa família plural foi reconhecida constitucionalmente, no art. 226, como

instituição social imprescindível, de tal sorte que o próprio Estado tornou-se obrigado

a conferir- lhe proteção especial.No Brasil, como não existe legislação

infraconstitucional que tenha por objeto o tratamento da família monoparental, não

há delimitação acerca da configuração da monoparentalidade em relação a

determinada idade do filho ou do fato da comunidade formada por pai ou mãe e seus

descendentes viverem isolada e independentemente ou com outros parentes.Neste

sentido:

Entretanto, apesar de saber que alguns homens tendem a buscar efetivar sua

função paterna, ainda predomina, na sociedade, a idéia de que a criança ou o

adolescente permanece melhor com a mãe, o que significa dizer que a maioria das

famílias monoparentais consecutivas ao divórcio ou separação judicial são formadas

por “mulheres chefes de família” 103

Há que se destacar também as possibilidades de constituição de entidade

familiar fruto dos métodos artificiais de reprodução, uma vez que mulheres podem

102 Segundo LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p.327 a 380. “A terminologia “família monoparental” só surge na França, em um estudo desenvolvido em 1981 pelo Instituto Nacional de Estatística e de Estudos Econômicos (INSEE), que utilizou o termo a fim de distinguir a comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos das uniões constituídas por um casal, tendo sido tal termo consagrado e mantido por toda Europa e outros países ocidentais”. 103 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica dos pais e mães solteiras, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 58.

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ser mães desde que haja material genético doado. Tais doações são feitas em sigilo,

o que torna essas mulheres mães independentes e únicas responsáveis pelos filhos.

Necessário se faz, pois, além da constância no texto constitucional desta

família como espécie de entidade familiar, a intervenção e proteção estatal a esta

espécie familiar afastando seus membros da marginalidade e da miséria104.

Conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)

realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2008 entre

1998 e 2008 aumentou de 25,9% para 34,9% a porcentagem de famílias chefiadas

por mulheres. As estruturas unipessoais passaram de 4,4% para 5,9%.

Na maioria das unidades da federação, predominam entre as chefes de

família as mulheres pretas e pardas e, invariavelmente, o rendimento mensal dos

domicílios chefiados por mulheres é inferior àquele dos domicílios cujos chefes são

do sexo masculino.

Os arranjos familiares das chefes femininas sem cônjuge, considerando os

momentos do ciclo vital familiar, concentram- se nas etapas mais avançadas deste.

Cerca de 40% das chefes femininas têm 50 anos ou mais. Nesta etapa a reprodução

biológica está completada e parte dessas mulheres dirige-se para a inatividade ou

aposentadoria.105

A investida profissional da mulher a condição de chefe de família contou com

algumas motivações como: a necessidade de sustentação econômica da família,

logo após a perda por morte do seu companheiro, as situações de divórcio e

separações, cujas pensões foram negadas ou insuficientes ao sustento, a própria

opção de conceber e educar filhos sozinha ou mesmo pela própria disposição

pessoal de buscar e viver só, novos desafios e espaços na sociedade.

104 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais In OLIVEIRA, José Sebastião. Fundamentos constitucionais do Direito de Família. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 218-219 “(...) `as famílias monoparentais – não é mais possível negar ou esconder – geram problemas de natureza jurídica (pensão alimentícia, direito de guarda ou de visita, convenção do divórcio, ausência de legislação no caso de separação de um concubinato) e, também, de natureza econômica (mães desqualificadas para o trabalho, mães sem trabalho, pais sem recursos, ausência de habitação, de seguro, de proteção social, de inserção profissional”. 105 Disponível no site http://www.ibge.gov.br. Acesso em 22 de agosto de 2006.

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De certa forma, a condição da mulher como chefe de família, por um lado

denuncia problemas em instituições tradicionais como casamento e família, por outro

lado é uma conquista das mulheres, pois tem autonomia e pode decidir os rumos de

sua vida106.

Conquista que também tem a influente pressão dos movimentos sociais de

mulheres e feministas que denunciavam ações discriminatórias e reivindicavam

práticas e decisões mais justas no âmbito dos canais institucionais como organismos

políticos, sindicais, confederações e associações comunitárias.107

A movimentação das mulheres nestes espaços ajudou a demarcar as linhas

básicas das mudanças estruturais nas sociedades contemporâneas no sentido de

provocar transformação na mentalidade e nos mecanismos legais das instâncias de

poder, com a devida inclusão de programas assistencialistas voltados à mulher

enquanto provedora familiar.

106 Quais são as implicações da mulher como chefe de família para o próprio conceito de família?Respondendo a essa pergunta a psicanalista Nelci Andregheto do Centro de Atenção Psicossocial da Infância e da Adolescência (CAPSi) de Carapicuíba-SP destaca que : “O conceito de família na visão psicanalítica está ligado a processo identificatório. Há necessidade que a criança seja reconhecida e se reconheça dentro de uma determinada herança familiar. O fato de uma mulher ser chefe de família não tem uma relação de causa e efeito para causar qualquer dano na formação de um indivíduo. É importante pensar que o fundamental é o reconhecimento e a transparência nas relações sendo um forte favorecedor da saúde da família. O que quero dizer é que se um membro cuidador (seja pai ou mãe) se sinta conflitante nas suas ações, isso sim é algo que interfere nas relações.Há a possibilidade de uma mãe fazer as duas funções, já que ela pode ter um pai internalizado? Isso por si só pode instrumentalizá-la para tal. Tudo isso não quer dizer que o pai real não seja importante. Muito pelo contrário. O ideal é que uma família se constitua com pessoas atuantes e fazendo suas funções de forma harmônica, inclusive às vezes transitando pelas duas funções. Veja, as pessoas necessitam de pessoas reais e ninguém nasce de uma pessoas só. Agora, já vi casos onde homens exercem a maternagem suprindo deficiências de maternagem da figura feminina presente na família e filhos sem grandes problemas por isso.” Disponível no site http://www.centrodametropole.com.br. Acesso em 20 de agosto de 2006.

107 MONTALI, Lilia. Provedoras e co-provedoras: mulheres-cônjuge e mulheres-chefe de família sob a precarização do trabalho e o desemprego. Revista Brasileira de Estudos da População, vol.23, no.2, São Paulo July/Dec. 2006.

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2.2 Mulher e mercado de trabalho

Muitos são os fatores que podem ser elencados como influenciadores do

incremento da mão-de-obra feminina nos tempos atuais. O controle da natalidade, a

busca de uma nova identidade feminina com o trabalho, a compreensão e a luta

feminina pela igualdade com os homens, e a necessidade da própria subsistência.

A educação, tópico que será analisado mais detalhadamente ao final desta

tese, representou um grande avanço para o ingresso da mulher no trabalho. A

mulher tornou-se consciente de sua situação no sentido de concretizar-se em

essência e existência na função profissional.

A maternidade modifica seu status para não mais se configurar como a única

forma de completude da mulher,e sim como opção, pois já não é mais vista para

procriar. Vislumbram-se neste diapasão conseqüências na ordem social, com a

queda da fecundidade, da prole reduzida, e do aumento das pequenas famílias.

Além do mais, a necessidade de contribuir para o sustento de si própria como

de sua família foram fatores de importância ímpar para o cenário atual, basta se

verificar o número de famílias chefiadas por mulheres. Desta forma, o trabalho não é

visto apenas como uma atitude de poder da mulher moderna, mas sim, caso de

extrema necessidade, alterando a constituição da identidade feminina, cada vez

mais voltada para o trabalho produtivo.

Neste sentido, pelo enaltecimento da igualdade e da não discriminação

documentos não faltam. Legislação. Constituição. Tratados Internacionais.

Recomendações. Entretanto, a questão da disparidade de gênero nas relações de

trabalho ainda parece existir em uma constante. Apesar do avanço da mão-de-obra

feminina, bem como o fenômeno recente da “feminização do trabalho”, temos ainda

muito sacramentado entre nós, a desigualdade nas relações de trabalho. Os

menores salários, a não promoção na carreira, o assédio moral e sexual, bem como

as exaustivas triplas jornadas de trabalho (carreira- casa- filhos) são uma realidade

factível na vida das mulheres brasileiras.

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Atualmente no Brasil as mulheres representam 51,3% da população

brasileira, sendo 46% pretas e pardas.

No Brasil em 2001 as mulheres que estavam no mercado de trabalho como

ocupadas ou desempregadas, equivaliam a 41,9% da População Economicamente

Ativa (PEA), segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio

(PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em

1995, o percentual era menor - correspondia a 40,1% da PEA.

Conforme dados da PNAD realizada pelo IBGE em 2008 dos 97 milhões de

pessoas acima de 16 anos presentes no mercado de trabalho, as mulheres

correspondiam a cerca de 42,5 milhões, ou seja, 43,7% do total.

Houve um declínio do desemprego de 10,8% em 2007 para 9,6% em 2008.

Houve uma elevação do emprego com carteira de trabalho assinada de 32,36% em

2007 para 33,58% em 2008, trazendo por via de conseqüência o crescimento da

participação feminina nas contribuições da Previdência Social

Nesta pesquisa comprovou-se um declínio do desemprego, contudo os

maiores níveis de desemprego estão entre as mulheres e os negros, sendo as

mulheres negras aquelas em pior situação, apresentando uma taxa de desemprego

de 10,8% comparada a 8,3% para as mulheres brancas.

.

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2.2.1 Trabalhos domésticos, informais e “femininos”

Existem espaços pré-determinados na sociedade para a ocupação de

homens e mulheres, formando-se “guetos femininos”, idéia já defendida pela

socióloga francesa Daniéle Kergoat,108

No que tange aos trabalhos domésticos 96% da mão-de-obra são de

mulheres, no universo feminino o trabalho doméstico representa 15,8%, e se

compararmos o grau de formalização do contrato de trabalho, os homens que se

encontram-se neste tipo de trabalho são formalmente contratados na base de 41,4%

e as mulheres em apenas 25,8%. Conclui-se, portanto, que as mulheres se

constituem como a maioria nos trabalhos domésticos exercidos informalmente, ou

seja, sem a proteção e os benefícios legais advindos da contratação formal

Um contingente expressivo das mulheres (34%) ocupam funções mais

vulneráveis no mercado quando comparado aos homens (9%), na condição de

trabalhadoras informais, em atividades domésticas ou até mesmo em atividades

consideradas como “femininas”.109

Algumas características da ocupação feminina nesses nichos mais

desfavorecidos ilustram a fragilidade dessa parcela da mão-de-obra, fenômeno

denominado de “precarização do trabalho feminino”.

Oportuno esclarecer que o menor poder combativo e de reivindicação se

justifica como argumento para relegar à mulher uma posição menos favorável no

mercado de trabalho.

Interessante também são as conclusões da socióloga Liliana Segnini que

estudou os trabalhadores nos bancos, demonstrando a ocorrência de uma

“feminização” desta atividade a partir da década de 60 e, segundo os dados

coletados pela autora as mulheres representam de 50% a 70%, ao só no Brasil, mas 108 Divisão Sexual do trabalho e relações sociais de gênero. In Trabalho e cidadania ativa para as mulheres. Caderno da Coordenação Especial da Mulher: São Paulo, 2003. 109 Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php. Acesso em 17 d junho de 2010.

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também, em outros países que forma estudados tais como Canadá, Estados Unidos,

Argentina, Chile, Espanha, França, Índia e Alemanha. 110

Convém ressaltar que os “guetos femininos” ocorrem já em um primeiro na

educação, com a escolha dos cursos pelas mulheres, os quais continuam a ser

tradicionalmente aqueles ligados aos Magistério, Enfermagem, Serviço Social e

Artes. Contudo, este cenário vem sendo alterado a partir da década de 90, momento

no qual as mulheres começam a avançar nos chamados “cursos masculinos”, entre

eles a ciências sociais, negócios e direito com um aumento de 50,6% para 54,6% ou

engenharia, produção e construção,em que aumentou de 20,8% para 30,8%, no

período de 1990 2002.

É importante notar que até mesmo na filosofia e na ciência (apesar de

grandes feitos) 111 as mulheres foram discriminadas112 em espaços, notadamente

110 Mulheres no Trabalho bancário: difusão, tecnologia, qualificação e relação de gênero. São Paulo: EDUSP/FAPESP, 1998, 216 pp. 111 Na ciência uma das histórias que merece ser conhecida é da cientista polonesa, Marie Curie Sklodowska (1867-1934) responsável por descobrir a substância química denominada rádio e as questões relativas a radiotividade. Neste sentido ver a obra CHALITA, Gabriel. Mulheres que mudaram o mundo. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.

112 No texto de TIBURI, Márcia. As mulheres e a filosofia como ciência do esquecimento. Disponível em http://www.comciência.br/reportagens/mulheres/15.shtml . Acesso em 10 de maio de 2007 declara que : “ A ausência histórica das mulheres da filosofia pode ser explicada de muitos modos. O primeiro motivo a ser levantado é, portanto, o silêncio feminino facilmente observável na um tanto escassa produção de livros e textos. As mulheres filósofas são poucas e de produção quase rara relativamente aos homens. É claro que falo aqui em termos quantitativos. Não é possível dizer que as mulheres escreveram muito para acobertar uma acusação de inferioridade intelectual - argumento que, mesmo comum, não encontraria sustentação -, nem é possível dizer, entretanto, que não escrevessem ou participassem da fundação da tradição da filosofia. É preciso enfrentar a questão do silenciamento. Apenas a desmontagem desse processo histórico, por meio de uma genealogia que procura verificar seus elementos originários sempre presentes e renascentes na atualidade, permitirá compreender, pela via negativa, a verdade oculta na produção do silêncio imposto. As mulheres, é certo, participaram da filosofia, mas pela porta dos fundos, assim como de todos os setores da vida produtiva e ativa das sociedades. A improdutividade das mulheres - que não se esqueça - não pode ser avaliada sem a procura por aspectos que tocam na fundamentação dos movimentos da história. A alegação de que as mulheres tenham sido, ao longo do tempo, seres do silêncio por sua própria natureza ou que, na divisão do trabalho, tenham ficado com as tarefas do corpo, da procriação, da casa, da agricultura, da domesticação dos animais, por questões sempre naturais, perde sua validade. A produção do ideal da "natureza feminina", assim como de uma "natureza do homem" ou mesmo uma "natureza humana" serve à delimitação do humano segundo a utilidade necessária à constituição e ao interesse do poder e seus guardiões. Os filósofos sempre tocaram com essa questão na produção do humano por meio de sua definição. As mulheres sempre representaram mais do que a cultura excluída da cultura, ou da cena dos meios de produção e do conhecimento: as mulheres representam a humanidade excluída da humanidade.”.

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reservados aos homens.113

Nas carreiras jurídicas114 percebemos um movimento crescente no sentido de

fortalecimento das mulheres, passando o sexo feminino a representar, em 2002,

mais de um terço das categorias profissionais jurídicas.

Na Magistratura brasileira, emblemática é a atuação das juízas, que

ocupavam 19% dos postos em 1990 e chegam a mais de 30% em 2002, coroadas

pelos exemplos das Ministras do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie Northfleet 115 e Carmem Lúcia Antunes da Rocha116.

113 Até mesmo na Ciência e Tecnologia as mulheres são discriminadas, bastando verificar o número de mulheres pesquisadoras em comparação aos homens, neste sentido ver o texto de ESTÉBANEZ, Maria Elina. As mulheres na ciência regional: diagnóstico e estratégias para a igualdade.(Trad. Sabine Righett) disponível em. Acesso em 10 de maio de 2007. 114 Sobre o tema interessante é a lição da Ministra do Superior Tribunal de Justiça(STJ), Eliana Calmon Alves em seu texto, A Ética e as mulheres de Carreira Jurídica na Sociedade Contemporânea, Disponível em http://www.bdjur.stj.gov.br. Acesso em 15 de agosto de 2007. 115 Conforme dados constantes e disponíveis no site http://www.stf.gov.br acessado em 4 de abril de 2007, resumidamente podemos dizer que a Ministra formou-se em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Em 1973 foi aprovada em concurso público para o cargo Procurador da República.Em 22 de março de 1989, foi nomeada para compor o Tribunal Regional Federal da 4a Região, pelo quinto constitucional.Em maio de 1997, foi eleita para exercer o cargo de Presidente do Tribunal Regional Federal da 4a/Região, no biênio 1997-1999. Por decreto de 23 de novembro de 2000, foi nomeada, pelo Presidente da República,Fernando Henrique Cardoso, para exercer o cargo de Ministra do Supremo Tribunal Federal, em razão da aposentadoria do Ministro Luiz Octavio Pires e Albuquerque Gallotti. Tomou posse em 14 de dezembro de 2000, tornando-se a primeira mulher a integrar a Suprema Corte do Brasil desde a sua criação. Eleita por seus pares, empossou-se no cargo de Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal, em 3 de junho de 2004; e também eleita por seus pares, em sessãoplenária de 25.03.2006, empossou-se no cargo de Presidente do Supremo Tribunal Federal,em 27 de abril de 2006,para o biênio 2006-2008.

116 Graduou-se em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais em 1977. Exerceu a advocacia e trabalhou como Procuradora do Estado de Minas Gerais. Professora Titular de Direito Constitucional da PUC/MG e Membro da Comissão de Estudos de Direito Constitucional da Ordem dos Advogados do Brasil. Foi nomeada para exercer o cargo de Ministra do Supremo Tribunal Federal pelo Presidente Luis Inácio Lula da Silva no ano de 2006. Autora de diversas obras e artigos científicas tem especial destaque para estudos relativos às ações afirmativas e a princípio da igualdade no ordenamento jurídico. Informações disponíveis no site http://www.stf.gov.br acessado em 4 de abril de 2008.

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Entre os guetos masculinos, as engenharias liderariam o quadro no país , na

década de 1990, a parcela feminina entre os empregos formais para engenheiros

não passou de 13% - 17 mil postos - enquanto na medicina, por exemplo, elas

respondiam por um terço dos empregos formais em 1990, e alcançaram os 40% em

2000, conforme conclusões expostas na tese de doutorado da socióloga Maria

Rosa Lombardi, considera que “é possível ver a presença mais forte das mulheres

em algumas especialidades. (...) a maior presença feminina em algumas

especialidades, e não em outras, começa desde os bancos escolares e se reproduz

no mercado de trabalho, reforçando o diferencial de gênero". Segundo a pesquisa,

no ano 2000, entre os empregos formais para engenheiro químico, de organização e

métodos a parcela feminina foi mais significativa - um em cada quatro cargos era

ocupado por mulheres -, sendo bem mais rara entre os engenheiros mecânicos e

metalúrgicos.117

Além de serem em menor número, as mulheres na engenharia ainda ocupam

cargos inferiores, não ultrapassando os níveis intermediários de chefia , supervisão e

diretoria, fenômeno conhecido como 'teto de vidro' para as carreiras das mulheres.

Considera a autora que a conquista feminina por espaço no mercado de trabalho

considerado tipicamente masculino dependerá da conjugação de várias ações entre

elas as políticas educativas e as transformações internas dentro das próprias

profissões.118

Finalmente, para coroamento do presente tópico precisa é a lição de Belle119

ao identificar que as escolhas profissionais da mulher configuram-se como

resultados de inúmeras negociações, entre trabalho e vida privada, podendo ser,

implícitas ou conscientes, serenas ou tensas, influenciadas também pelos grupos de

referência, cônjuge, família com seu meio profissional, influenciando, sobremaneira,

a escolha de sua carreira e seu destino profissional.

117 Dados disponíveis na reportagem Pesquisas revelam a generalização da informalidade entre as mulheres ocupadas site http://www.comciencia.br/reportagens/mulheres/05.shtml. Acesso em 20 de agosto de 2007. 118 Idem, ibidem. 119 BELLE, Françoise, Executivas: quais as diferenças na diferença? In CHANLAT, Jean François. (Coord). O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1993. v. 2, p 195 – 229.

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2.2.2 Discrepância salarial em razão do gênero

As desigualdades de gênero e raça são eixos estruturantes da matriz da

desigualdade afirmou Laís Abramo na condição de diretora do escritório da

Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil.120

As diferenças salariais entre homens e mulheres é um fenômeno de ordem

mundial, não cingido apenas aos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento,

como no caso do Brasil.

Em pesquisas publicadas pela OIT em 1999 indicam a Dinamarca (11,9%) e a

Suécia (13%), entre os países com pequena diferença salarial, já a Espanha (26%),

Reino Unido (26,3%), Portugal (28,3%), Países Baixos (29,4%) e Grécia (32%)

encontram-se entre aqueles com níveis de diferenciação bem mais acentuados.121

Pode parecer curioso, pois a Europa caminha para um progresso em termos

legislativos e também de cuidados com seus cidadãos, porém existe a desigualdade

salarial entre os gêneros em toda a Europa, significativamente menores para as

mulheres.

Além disso, acredita-se ainda de maneira equivocada que o trabalho e o

salário feminino são apenas complementares na família, o que se rebate pelos

dados do PNAD 2008 que comprovam o aumento da participação da mulher na

renda familiar que passou de 30,1% em 1992 para 40,6% em 2008, bem como a

proporção de mulheres que contribuem para a subsistência familiar, antes em 1992

39,1%, atualmente, 64,3%, num crescimento grandioso em 16 anos.

Verifica-se assim a imprescindibilidade do salário feminino para o equilíbrio

familiar. Entretanto, apesar do enorme avanço da presença feminina no mundo do

120 Desigualdades de gênero e raça no mercado de trabalho brasileiro, disponível no site http://www.oit.org.br. Acesso em 17 de outubro de 2006. 121 Informações disponíveis no site http://www.oitbrasil.org.br . Acesso em 10 de maio de 2007.

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trabalho, esse avanço foi marcado claramente por uma enorme “precarização” 122,

pois não se verificou a necessária compatibilização entre o mundo laboral

profissional e a esfera doméstica, assunto este que será tratado com maior detença

no decorrer do nosso trabalho, pois se faz absolutamente necessária para a

compreensão de nossa tese.

Afirma-se, em muitos círculos, que os menores salários das mulheres em

comparação com os dos homens não se deveriam à existência de qualquer tipo de

discriminação,mas sim estariam relacionados à necessidade que as empresas

teriam de compensar esse suposto maior custo de contratação, decorrente das

normas especiais que protegem o seu trabalho (especialmente a maternidade) e dos

“problemas” causados pelas responsabilidades familiares. Esse argumento tem sido

justificativa para limitar as oportunidades de emprego para as mulheres e manter

níveis de desigualdade salarial em relação aos homens.123

Para comprovar a veracidade de tais proposições a OIT realizou uma

pesquisa sobre o tema denominada "Questionando um mito: custos do trabalho de

homens e mulheres" lançado recentemente tomando por base 5 países (Argentina,

Brasil, Chile, México e Uruguai). Foram analisados os custos de contratação dos

assalariados de ambos sexos, excluindo o serviço doméstico.

Os resultados da pesquisa indicam que os custos monetários para o

empregador relacionados à contratação das mulheres são muito reduzidos. Eles

representam menos de 2% da remuneração bruta mensal das mulheres.

A pesquisa revela, em primeiro lugar, uma baixa incidência anual de

gestações, e, por tanto, de licenças maternidade e outras prestações a ela

associadas entre as trabalhadoras assalariadas. Essa incidência vai de um mínimo

de 2,8% na Argentina a um máximo de 7,5% no México. No Brasil, o número total de

licenças maternidade concedidas em 1999 corresponde a apenas 3,0% do total das

122 NOGUEIRA, Cláudia Mazzei. A feminização no mundo do trabalho: entre a emancipação e a precarização. Campinas: Autores Associados, 2004, p.31.. 123 Sobre a temática verificar ABRAMO, Laís Abramo, Questionando um mito: custos do trabalho de homens e mulheres na América Latina. OITBrasil: 2005.

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trabalhadoras assalariadas no setor privado (excluindo o serviço domestico). Esse

dado é importante, porque, muitas vezes, quando se fala nos “custos” das mulheres

associados à maternidade, a impressão que fica é que as mulheres trabalhadoras

teriam um número de filhos muito maior do que o que aparece nos dados acima

citados, ou que o “risco” da maternidade seria algo quase permanente.

Segundo a pesquisa, as contribuições das empresas para os sistemas de

seguridade social relativas à maternidade não estão relacionadas ao número nem à

idade de mulheres empregadas. Esse tipo de financiamento busca garantir um valor

fundamental: a proteção das mulheres com relação a uma possível discriminação

associada à maternidade, consagrada tanto nas legislações nacionais dos cinco

países analisados, como em Convenções da OIT de proteção à maternidade. Além

disso, a pesquisa revela uma incidência anual relativamente baixa de gestações

entre trabalhadoras assalariadas e, portanto, de licenças-maternidade e outras

prestações a ela associadas.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –PNAD 2008

Estudo Especial sobre a mulher o rendimento médio habitual das mulheres em

janeiro de 2008 foi de R$ 956,80 enquanto que o dos homens foi de R$ 1.342,70,

deduzindo-se pela pesquisa que as mulheres recebem, em média, 71,3% do

rendimento dos homens.124

Ainda, comparando trabalhadores com nível superior, o rendimento da mulher

é na faixa de 60% do rendimento masculino, ou seja, o aumento da escolaridade

não faz diminuir a diferença salarial entre os sexos.

Os níveis de educação têm sido um outro argumento constante para justificar

os menores salários para mulheres e negros, mas o estudo mostra que escolaridade

média das mulheres na grande maioria dos países da América Latina é superior à

dos homens no mercado de trabalho. Contudo, a realidade é que, mesmo quando

mulheres e negros possuem a mesma escolaridade que homens e não negros, o

124 Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias. Acesso em 17 d junho de 2010.

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salário não é igual no mercado de trabalho.125

Há de ser ressaltado que o Brasil ratificou a Convenção n. 100 da OIT que

preceitua o princípio da igualdade de remuneração entre a mão-de-obra masculina e

feminina, por um trabalho de igual valor.

Ainda, nos termos da CF/88 art. 7º, inciso XXX “proibição de diferença de

salário, de exercício de funções e de critério do admissão por motivo de sexo, idade,

cor ou estado civil, bem como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em seu

art.61 também institui que “ sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor

prestado ao mesmo empregado, na mesma localidade, corresponderá igual salário,

sem distinção de sexo, nacionalidade ou cor”.

Denota-se, assim, como já mencionado uma assimetria entre o texto positivo

e a realidade feminina, ora apresentada.

2.2.3 A sobrecarga laboral e compartilhamento na educação dos filhos

A inserção da mulher no mercado de trabalho de forma constante e contínua

trouxe inúmeras conseqüências ao atual cenário social.

Ratificando informações já trazidas, a sociedade está vivenciando inúmeras

alterações no conceito nuclear das famílias, na chefia dos lares, na criação dos filhos

e na própria existência e essência da mulher.

Entretanto, sobreleva ressaltar que o espaço público está sendo conquistado

pelas mulheres, agregando-se, assim, mais um campo para os desenvolvimento de

suas atividades. Todavia, o mesmo avanço não se vislumbrou na divisão das

múltiplas tarefas domésticas existentes no mundo privado.

125 Conforme pesquisa de ABRAMO, Laís. ABRAMO, Laís Abramo, Questionando um mito: custos do trabalho de homens e mulheres na América Latina. OIT/Brasil: 2005, p.32.

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Desta forma, queremos dizer que a mulher ao se inserir no mercado de

trabalhou, conjugou e aliou mais esta tarefa ao seu cotidiano diário, sem dividir com

seus maridos e companheiros o espaço da vida privada e as inúmeras tarefas

domésticas.

É fenômeno notório e corriqueiro entender como “natural” a existência da

tripla jornada para a mulher, responsável por reger de maneira impecável a carreira,

os filhos e a sua casa. Percebemos que tais transformações têm afetado

sobremaneira a saúde física e psíquica das mulheres, e já vêm sendo levantadas

como questão de ordem para as feministas do mundo todo, sociedade civil em geral,

bem como os atores governamentais.

O aumento de mulheres vitimadas pelo stress, o transtorno obsessivo

compulsivo pela luta contra o relógio, e principalmente, a eterna cobrança no

desenvolvimento de todas as atividades que lhe são impostas com excelência e

qualidade, ocasionaram à mulher o aumento e desenvolvimento de inúmeras

doenças de ordem psicossomática, câncer de mama e útero, cardiopatias e

obesidade.

Sendo assim, a divisão sexual do trabalho na esfera pública e privada deverá

ser repensada como questão imperativa e de ordem pública, no intuito de garantir à

mulher a real possibilidade de desenvolvimento de suas atividades profissionais,

bem como a necessidade de consolidação de um homem mais presente e preparado

para os novos tempos.

Neste sentido convém trazer à colação os ensinamentos de Rosiska Darcy de

Oliveira:

A equação da igualdade se complexifica. Não basta eliminar os vestígios de discriminação ainda existentes no espaço público. É na revalorização de vida privada para ambos os sexos que se anuncia uma nova definição da igualdade.

A articulação de questões envolvendo o mundo público e a vida privada é complexa, o que não quer dizer que seja de equacionamento impossível ou que devam ser ignorados os problemas que levanta, Tanto mais difíceis quanto imbricados estiveram, sempre, mundo público e vida privada, dependendo um

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do outro para se sustentarem. Esse equilíbrio rompeu-se. 0 mundo público foi invadido pelas mulheres, mas vida privada continuou estruturada em termos de emprego de tempo e de assunção de responsabilidades como se nada tivesse acontecido, como se as mulheres ainda vivessem como suas avós.

Como a história não anda para trás, não há força humana, disso, felizmente, podemos estar certos, capaz de levar as mulheres de volta às "prendas do lar". Assim também, num mundo em que tudo muda, o dia continua a ter 24 horas. 0 dom da ubiqüidade elas não têm. Portanto, estamos todos diante de um problema da sociedade que ela não foi capaz de resolver, e não, como muito pensam, de um problema das mulheres que se resoIve à custa da elasticidade de seus esforços e energias. 0 uso do tempo de homens e mulheres tem que ser revisto em função dos novos espaços que as mulheres estão ocupando, e isso constitui um desafio ao imaginário social.126

Assim sendo, imperiosas devem ser as políticas públicas promotoras da

salvaguarda dos direitos femininos no tocante ao trabalho, bem como na proteção e

desenvolvimento familiar.

A redução da jornada de trabalho, a oferta de creches e outros serviços para

cuidar dos membros dependentes da família como medidas para auxiliar na coesão

social são aspectos que têm que estar inseridos dentro da formulação de políticas

que visem compatibilizar o trabalho com o desenvolvimento da família.

Os homens, mulheres, governos, empresas e toda a sociedade têm de

compreender a importância da presença dos homens no campo da reprodução, até

mesmo, para liberarem as mulheres dessa responsabilidade solitária para que elas

também possam desenvolver suas carreiras, escolarização e outras potencialidades.

O compartilhamento nas funções domésticas, na educação dos filhos há de

ser socializado entre homens e mulheres, verdadeiro instrumental para o progresso

feminino e a inclusão do universo masculino na vida privada. O Estado deverá

126 Onde foi que eu errei? Seminário sobre as novas faces do feminismo e os desafios para o século XXI: Comitê Nacional Preparatório à Sessão Especial sobre Pequim + 5. Disponível em http:// www.planalto.gov.br. Acesso em 10 de maio de 2007.

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compreender o seu papel na produção de políticas públicas tendo a família como

ambiência privilegiada, e não mais, homens ou mulheres, considerados

singularmente. As práticas tradicionais e assimétricas nos papéis protagonizados por

homens e mulheres são as responsáveis pelo descompasso na vida laboral e na

vida privada, gerando desigualdades de renda, acúmulo de funções laborais,

desgaste físico, emocional, entre outros problemas.

Diante dessa constatação podemos afirmar que o ordenamento jurídico

trabalhista também reflete essa desigualdade. Maria Betânia Ávila sobre a

desvalorização do trabalho doméstico informa que:

(...) o tempo despendido pelas mulheres com a reprodução da vida, com o cuidado de pessoas que não podem se auto-cuidar (idosos, crianças, doentes, portadores de necessidades especiais), com ações essenciais para a própria manutenção das atividades produtivas como educação, vestimenta, alimentação, saúde e abrigo não é contabilizado como válido para a organização social do trabalho, tempo este fruto da expropriação do trabalho das mulheres!127

Exemplificando concretamente essa sobrecarga, confronte-se a grande

diferença existente entre a dedicação masculina e a feminina aos afazeres

domésticos: os homens gastam nessas atividades, em média, 9,2 horas por semana

e as mulheres, 20,9 horas, conforme dados do PNAD de 2008.128

Estando ou não no mercado, todas as mulheres são donas-de-casa e

realizam tarefas que, mesmo sendo indispensáveis para a sobrevivência e o bem-

estar de todos os indivíduos, são desvalorizadas e desconsideradas nas estatísticas,

que as classifica como "inativas, cuidam de afazeres domésticos". Numa perspectiva

conservadora, passando a considerar na taxa de atividade feminina o percentual das

mulheres que, em 2002, se dedicavam exclusivamente aos afazeres domésticos (ou

127 O Tempo e o Trabalho das Mulheres In Um Debate Crítico a partir do Feminismo – reestruturação produtiva, reprodução e gênero. São Paulo: CUT, 2002, p. 37-38. 128 Informações disponíveis no site http://observatoriodegenero.gov.br/destaquespnad2008. Acessado em 20 de janeiro de 2010.

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as donas-de-casa em "período integral") , a taxa de atividade global das mulheres

seria muito superior,_ 72,3%, praticamente empatando com a dos homens.

As atividades remuneradas não a desvinculam de suas tarefas domésticas,

do cuidado com os seus. A preocupação com os filhos é uma constante em seu

cotidiano, seja pela falta de acompanhamento mais amiúde de sua rotina, ou pela

cobrança que esses fazem de sua ausência em casa. Assim, embora valorize o

trabalho remunerado, como forma de manter sua independência, ainda permanece

arraigado, como parte de suas funções, acompanhar o desenvolvimento de sua

prole, sendo responsável por essa assistência mesmo que à distância.

É errôneo acreditar que o vínculo afetivo é diferente entre mãe e filho, ou pai

e filho, o que importa não é a condição natural de cada um, mas a existência da

vontade e da motivação para o exercício da criação dos filhos, fato este que não

escapa ao universo masculino. Nesta seara de raciocínio, a criação dos filhos não

esta adstrita apenas à mulher, mas sim à afetividade de quem se incumbir nesta

tarefa, com plenitude e amor, podendo ser desenvolvida por homem ou pela mulher,

ou ainda pelo pai ou pela mãe.

Interessante sinalizar que os dados da PNAD/IBGE de 2008 demonstram que

a ausência de políticas públicas para o equilíbrio e o compartilhamento entre

trabalho e família trazem impactos à reprodução, sendo observado que entre

mulheres de 15 a 49 anos, para o período de 1991 a 2007, observa-se uma queda

de fecundidade de 2,9 para 1,95, filho por mulher, estando este nível abaixo da taxa

de reposição da população, fixada em 2,1.129

Nesse sentido, engajar homens na construção de uma sociedade justa do

ponto de vista das relações de gênero significa, dentre outras questões, reconhecer

a importância da presença paterna no desenvolvimento afetivo da criança e do pai;

129 Informações constantes no documento Programa Interagencial da promoção da igualdade de Gênero, Raça e Etnia da Organização Internacional do Trabalho (Brasil) e do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNIFEM). Disponível no site www.oitbrasil.org.br/documentos_programa. Acesso em 21 de julho de 2010.

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e, dessa forma, compreender o mundo afetivo, doméstico e da reprodução como

algo a ser compartilhado e dividido igualmente.130

2.3 A mulher campesina

Oportuno esclarecer que as primeiras organizações relativas às mulheres

rurais teve início nos anos 80, com fortes atuações na Região Sul e Nordeste do

país, culminando com a fundação do “Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais

do Rio Grande do Sul – MMTR-RS” em 1989 e do “Movimento da Mulher

Trabalhadora Rural do Nordeste – MMTRNE” em 1986.

No núcleo das reivindicações das mulheres campesinas está a sua inserção

como trabalhadora rural, decorrendo daí os direitos civis, trabalhistas e

previdenciários correlatos.

Ademais, outra questão freqüente na pauta das reivindicações e a condição

de proprietária rural e o acesso à programas de crédito financeiro, como mola

propulsora para o desenvolvimento das atividades comerciais destas mulheres.

Finalmente, convém trazer à colação dois outros grandes movimentos de luta

das mulheres rurícolas.

O primeiro deles “A Marcha das Margaridas”131 realizada em sua 1ª edição no

ano 2000, representou a possibilidade de negociação direta entre o governo federal

e as mulheres do campo no que tange às suas necessidades.

130 SANTOS, Cláudia Amaral dos.Maternidades, paternidades e infâncias na mídia impressa contemporânea. Disponível em http://www.fazendogenero7.ufsc.br. Acesso em 25 de maio de 2007 destaca que : “(...) Além das motherns, outro novo conceito é o de fatherns – pais modernos. Para estes a nova concepção de paternidade implica sobretudo participar da educação dos filhos, embora a mãe seja citada como o elemento fundamental na vida da criança. Dessa forma, embora as motherns venham questionando algumas atribuições culturalmente impostas a elas no cuidado infantil, os pais seguem “participando” mais em termos de concessão, “modernidade” e moda”. 131 Tal denominação é uma homenagem a Margarida Maria Alves, líder sindical e ativista na questões pertinentes à mulher do campo, assassinada em 1983, em Alagoa Grande, Pernambuco.

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A partir do ano de 2000 e até os dias atuais o movimento tem reunido mais de

100 mil mulheres participantes em suas marchas.

Da igual modo, importante citar o Movimento Sem Terra (MST), que desde

sua origem tem se voltado à questão de gênero. O Movimento estimula a presença

do público feminino nos acampamentos e ocupações, bem como, favorece à mulher

campesina a efetiva participação nas discussões dos temas do movimento.

Ademais, vale frisar que o MST possui um setor de gênero voltado à a luta pela

igualdade, e entre outras atividades, possuem a denominada “ ciranda infantil”, uma

espécie de creche para os filhos das integrantes do MST para que possam se

engajar nas pautas de discussões e reivindicações.

2.4 “Feminização” da velhice: uma realidade mundial

É fato notório que o número de pessoas idosas vem crescendo sobremaneira

nos últimos anos. Pesquisas demonstram que com os avanços da medicina a taxa

média de expectativa de vida tem aumentado em países desenvolvidos e

subdesenvolvidos.

Atualmente 13,5 milhões são pessoas com mais de 60 anos e no cenário

mundial e até o ano de 2025 deverão ser cerca de 32 milhões.

O Brasil que é considerado um país jovem já nos últimos anos tem

demonstrado um crescimento na população de pessoas de idade avançada.

Segundo o IBGE (2002), o crescimento da população de idosos, em números

absolutos e relativos, é um fenômeno mundial e está ocorrendo em um nível sem

precedentes. Em 1950, eram cerca de 204 milhões de idosos no mundo. Já em

1998, quase cinco décadas depois, esse contingente alcançava 579 milhões de

pessoas; um crescimento de quase 8 milhões de pessoas idosas por ano. As

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projeções indicam que, em 2050, a população idosa será de 1.900 milhões de

pessoas, montante equivalente à população infantil de 0 a 14 anos de idade.

Atualmente uma em cada dez pessoas tem 60 anos e em 2050 estima-se que

será uma para cada grupo de cinco pessoas, e nos países desenvolvidos de uma

para cada três pessoas. No que tange aos cidadãos centenários, profetiza-se que o

aumento será de 15 vezes até o ano de 2050.

O IBGE segundo dados constantes até o ano de 2002 considerou que a

proporção de crianças para idosos diminuiu consideravelmente. Em 1980 existiam

cerca de 16 idosos para cada 100 crianças, já no início dos anos 2000, passou-se

para uma proporção de 30 idosos para cada 100 crianças.

Neste contexto, a maioria dos idosos brasileiros é do gênero feminino. Em

1991 de 5,7 milhões em 1991, passando para 8 milhões em 2000, estimando-se um

total de 8,5 milhões em 2002, contra um total de 4,9 milhões em 1991, 6,5 milhões

em 2000 e 6,9 milhões em 2002 para o gênero masculino.

Em nível mundial até o ano de 2050 a população idosa alcançaria 38,3

milhões de pessoas, dos quais 58,4% (22,4 milhões pessoas) seriam mulheres,

determinando uma razão de sexos de 0,71 e existiria 14 mulheres para cada 10

homens idosos. O aumento no segmento feminino dar-se-ia a uma taxa média mais

elevada (em torno de 3% ao ano) do que a do segmento masculino (2,8% ao ano).

Como resultado haveria um aumento na participação das mulheres idosas no total

da população feminina (20,8%) contra os 15,8% esperado para os homens.

Atualmente, os estudos especializados demonstram que esta já não é mais

uma tese defensável e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) no Relatório

de Estatística Sanitária Mundial de 2007 comprovou a longevidade das mulheres no

mundo. Na média mundial a expectativa de vida feminina é de 68 anos de idade e

dos homens, 64 anos.

O Japão é o país com maior expectativa com 86 anos para as mulheres,

figurando em 2º lugar o Principado de Mônaco com expectativa de 85 anos. As

mulheres da Espanha ocupam, junto às de Andorra, Austrália, França, Itália, San

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Marino e Suíça, o terceiro posto na lista, com 84 anos, depois de ganhar um ano em

relação às estatísticas publicadas em 2006.

As mulheres de Canadá, Islândia, Suécia vivem em média 83 anos. As de

Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Finlândia, Grécia, Israel, Luxemburgo, Nova

Zelândia, Noruega, Coréia do Sul e Cingapura têm expectativa de 82 anos. As

chilenas são as mulheres da América Latina com maior expectativa de vida (81

anos), seguidas de Costa Rica (80); Uruguai (79); Argentina, Panamá e Venezuela

(78); México (77); Paraguai (76); Brasil e Equador (75); El Salvador e Peru (74);

República Dominicana (72); Guatemala (71); Honduras (70); Bolívia (67) e Haiti (56).

No final da lista, estão as mulheres da Suazilândia (37 anos), depois as de

Zâmbia e Serra Leoa (40).

Quanto aos homens, os que têm possibilidades de viver mais são os de San

Marino, com uma média de 80 anos, um a mais que nas estatísticas de 2006.

Esse avanço lhes permitiu superar os japoneses, tradicionais líderes desse

tipo de ranking. No entanto, incluindo as mulheres, a sociedade japonesa continua

sendo a que vive mais.

Após San Marino, lideram a lista Japão, Austrália, Islândia, Suécia e Suíça,

todos eles com uma média de 79 anos. Em seguida, estão Canadá, Israel, Itália,

Mônaco e Cingapura (78); Andorra, Áustria, Chipre, Espanha, França, Reino Unido,

Grécia, Irlanda, Kuwait, Malta, Noruega, Nova Zelândia, Holanda, Catar e Trinidad e

Tobago (77).

Na América Latina, os que têm perspectivas de ter uma vida mais longa são

os cubanos e os costarriquenhos, com 75 anos.

Eles são seguidos por Chile e Panamá (74); Argentina, México e Venezuela

(72); Colômbia e Uruguai (71); Equador, Paraguai e Peru (70); El Salvador (69);

Brasil e Nicarágua (68); República Dominicana, Guatemala e Honduras (65); Bolívia

(63) e Haiti (53).

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Entre os homens, os que estatisticamente têm menor expectativa de vida são

os nascidos em Serra Leoa (37 anos), Suazilândia (38), Angola (39) e Zâmbia (40).

No nosso caso, as mulheres brasileiras têm expectativa de vida de 75 anos e

os homens de 68 anos, em média. Com referida pesquisa se concretiza a idéia da

maior longevidade feminina em relação à masculina no território brasileiro. 132

Na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2008 realizada

pelo IBGE constatou-se uma maior representação de mulheres na população de

pessoas com mais de 60 anos, na base de 56,2%. Também na Pesquisa da Tábua

da Vida de 2008, O IBGE confirma que nos anos de 1980 os homens viviam 6,1

anos menos que as mulheres, sendo que essa diferença subiu para 7 anos, 7 dias e

seis meses em 2004, mantendo-se em 2008. reforçando a tese da “feminização da

velhice”.133

Além da maior intensidade do envelhecimento nacional, a “feminização” do

processo de ampliação da população idosa requereria especial consideração para

com a situação social das mulheres idosas do Brasil por meio de políticas públicas

com o objetivo precípuo de assegurar os direitos sociais ao idoso e sua participação

efetiva na sociedade, garantindo-lhes mecanismos econômicos, educacionais e

instrumentais, a fim de integrá-los ao contexto social, conferindo especial atenção

àqueles que apresentam certas vulnerabilidades físicas.

A legislação vem avançando na busca da proteção social do idoso, tendo por

primados a preocupação com sua dignidade e bem-estar social. O princípio da

dignidade humana inserto na Carta Constitucional de 1988 constitui-se como diretriz

para o legislador infraconstitucional, bem como objetivo almejado pela República

Federativa do Brasil, estando o homem em qualquer idade em que se encontre, mas

132 Relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) apresentado na 60ª Assembléia Anual da Saúde realizada em Genebra no site http://www.oms.org.br. Acesso em 20 de julho de 2010.

133 Informações disponíveis no site http://www.ibge.gov.br/noticias_presidencia. Acesso em 21 de julho de 2010.

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em especial na velhice, assegurado com o mínimo de bens materiais necessários

para seu desenvolvimento.

Por todo o exposto, objetivamos no presente capítulo apresentar dados e

estatísticas advindas de órgãos especializados para concluirmos que percebe-se

claramente uma modificação na vida de homens e mulheres nos tempos

contemporâneos, entretanto, as informações trazidas refletem a práxis cotidiana

corroborando que apesar de toda a evolução social e jurídica há uma enorme

distância entre os direitos positivados e a realidade feminina.

No próximo capítulo faremos uma incursão sobre os princípios constitucionais

da igualdade e da dignidade da pessoa humana, corolários do Estado Democrático

de Direito. Propugnamos pela compreensão de tais princípios, bem como da adoção

de ações afirmativas para a implementação da igualdade, em nosso caso, da

igualdade entre homens e mulheres. O espírito crítico estará presente como forma

de demonstrar que ações afirmativas em prol das mulheres devem ser

constantemente pensadas e repensadas, e em determinados casos revistas e

substituídas por outras.

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3.MULHER: CONDIÇÃO JURÍDICA E AÇÕES AFIRMATIVAS À LUZ

DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA IGUALDADE E DA

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Falar da igualdade de gênero é romper com um universo restrito do não reconhecimento da alteridade, do outro, da diferença, para caminhar em direção ao espaço de eqüidade, da emancipação e do pertencimento. As mulheres emergem como alteridade feminina, sociocultural e política, passam a estar presente, reconhecidamente, nas arenas da vida cotidiana, onde se re-definem com base na cultura, na história, nas relações de trabalho e nas formas de inserção no mundo político, portanto, em um novo campo de possibilidades para estabelecer convenções capazes de vencer sua condição de desigualdade.

A Transversalidade da Perspectiva de Gênero nas Políticas Públicas

134

O presente capítulo tem por objetivo colaborar como alicerce para a tese que

será desenvolvida. Nosso trabalho acadêmico visa analisar a situação da mulher nos

dias contemporâneos, em especial, no que tange à diferença de idade e tempo de

contribuição na aposentadoria no regime geral de previdência social. Em função das

regras diferenciadas entre os gêneros entendemos cabível uma análise acerca do

princípio da igualdade em sede constitucional, bem como do princípio da dignidade

da pessoa humana, ambos correlacionados e analisados no âmbito do

estabelecimento da diferença entre os sexos nas aposentadorias, entendida como

uma ação afirmativa voltada à compensação da mulher em razão do seu desgaste

oriundo dos afazeres do trabalho profissional (esfera pública) e familiar (esfera

privada).

Nossa trajetória será no presente capítulo a leitura do princípio constitucional

da igualdade à luz das ações afirmativas infirmadas na questão de gênero.

134 Brasília: CEPAL/SPM, 2005, p.6.

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3.1 Princípio jurídico: uma definição necessária

O princípio é um vocábulo dotado de inúmeras significações, mas entre elas

está presente a idéia de origem, começo, base ou fundamento. O vocábulo

derivado do latim principium tem sua conotação ligada à terminologia própria da

ciência geométrica, designando as verdades primeiras. 135

Celso Antônio Bandeira de Mello considera princípio como um mandamento

nuclear do sistema com vistas a alicerçá-lo, bem como são responsáveis por dar

definição à lógica e à racionalidade do texto normativo, garantindo-se, assim o seu

desenvolvimento harmônico.136Trata-se de um enunciado lógico, podendo ser

implícito ou explícito, e tem por finalidade maior vincular o entendimento e aplicação

das normas jurídicas que com estes princípios se conectam.137

Para Miguel Reale,138 os princípios são considerados como verdades ou

juízos fundamentais que objetivam alicerçar e garantir um sistema de conceitos

aplicáveis a uma dada porção da realidade. Ademais, cumpre ressaltar a força

interpretativa dos princípios já que agasalham valores dotados de significação e

relevância jurídica.139

Paulo Bonavides considera os princípios – na atualidade - como o “oxigênio

das Constituições, pois graças a eles é possível serem alcançadas a unidade

constitucional e sua valoração normativa. Seu caráter contemporâneo estabelecido

em sede constitucional é responsável por encabeçar o sistema e orientar as demais

135 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 228. 136 Curso de direito administrativo. 5.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1994. p. 450-451 137 CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2002., p. 25-26. 138 Filosofia do Direito. 18ª ed.São Paulo: Saraiva, 1998, p. 60. 139 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional, São Paulo:Celso Bastos Editor, 1997, p. 134.

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normas previstas no ordenamento jurídico.140

Da idéia de princípio correlacionamos partimos para a noção de sistema.

Derivado do grego systema, o vocábulo em estudo compreende a noção de reunião,

método, relações entre si, voltadas a uma unidade com vistas à realização de um

fim141 e deve ser compreendido como um conjunto de objetos e seus atributos,

denominada como repertório do sistema e, também as relações entre eles, conforme

certas regras, consideradas a estrutura do sistema. Os objetos são os componentes

do sistema, especificados pelos seus atributos, e as relações dão sentido de coesão

ao sistema. Ademais, os sistemas normativos são sistemas globais e coesos,

resultando que na variação de uma parte o todo estará afetado e vice-versa.142

Para Maria Helena Diniz a compreensão do conceito de sistema é

indispensável para o hermeneuta :

Relacionando-a com outras normas concernentes ao mesmo objeto. O sistema jurídico não se compõe de um único sistema normativo, mas de vários que constituem um conjunto harmônico e interdependente, embora cada qual esteja fixado em lugar próprio, Pode-se-á dizer que se trata de uma técnica de apresentação de atos normativos, em que o hermeneuta relaciona uma das normas a outras até vislumbrar-lhes o sentido e o alcance. É preciso lembrar que uma das principais tarefas da ciência consiste exatamente em estabelecer as conexões sistemáticas existentes entre as normas.143

É possível afirmar, com os conceitos até agora apresentados, que os

princípios jurídicos, hodiernamente, ocupam destacada posição na medida em que

vinculam enunciados lógicos, genéricos e dotados de fundamentalidade,

constituindo-se como vetores hermenêuticos para o intérprete Sua função

140 Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 229. 141 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 242. 142 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Teoria da Norma Jurídica. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 140. 143 Compêndio de Introdução ao Estudo do Direito. 12ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, p. 415.

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transformadora e construtiva contribuem para a evolução, unidade e coesão do

sistema jurídico.144

Consoante ensinamentos de José Renato Nalini os princípios:

(...) não constituem abstrações desprovidas de concreção. Exercem uma função ordenadora, apta a indicar rumo nos momentos de instabilidade. Mostram-se intocáveis quando da exegese de textos básicos, nos períodos de normalidade constitucional. São sempre atuais, mas também direcionados ao povo.145

Contudo, indispensável relatar que os princípios quando analisados em uma

trajetória histórica ocuparam status diversos e que merecem ser informados.

Segundo Paulo Bonavides o status conferido aos princípios desenvolveu-se na

história em três fases: a jusnaturalista, a juspositivista e a fase pós-positivista. Na

fase jusnaturalista os princípios eram concebidos como ideais inspiradores e normas

universais, advindos da lei divina e natural, considerados também como a expressão

dos ideais e de justiça. Na fase juspositivista passam os princípios a integrar os

textos normativos e os códigos visando preencher as lacunas das leis. Ressalta-se

não serem dotados de superioridade em relação às leis, mas sim delas são

derivados, cumprindo o seu papel de modo subsidiário, ou seja, só entram em ação

no caso de lacunas legais. E, finalmente, como visão mais contemporânea há a fase

denominada de pós-positivista garantindo aos princípios o status de vértice do

ordenamento jurídico, vinculando e integração todo o sistema.146

Por uma visão mais contemporânea do status galgado pelos princípios,

entendemos não ser possível considerar o sistema jurídico como tão somente as

normas elaboradas pelo legislador, mas também formado pela integração de regras

144 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: Constituição e inconstitucionalidade. 3. ed. Coimbra: Coimbra, 1996. t.2, p. 226-227. 145 Constituição e Estado Democrático. São Paulo: FTD, 1997, p. 41. 146 Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 232-235.

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e princípios, superando-se a visão da escola positivista que conduz ao entendimento

da subsidiariedade no uso dos princípios apenas no sentido de preenchimento de

lacunas.

Considerados os grandes expoentes da jus-positivismo temos os autores

Ronald Dworkin, americano e o alemão Robert Alexy. Ambos, Dworkin e Alexy são

responsáveis por inaugurar uma nova escola batizada de “pós-positivismo”

concedendo aos princípios valor normativo e status diferenciado em contraponto a

até então vigente tese da subsidiariedade principiológica em relação às normas.

Nesta nova corrente, o gênero norma pressupõe duas espécies, as regras e os

princípios.

Ronald Dworkin, em sua teoria dos princípios, ao contrariar a escola

positivista, abordou a questão asseverando a existência de uma estrutura lógica,

pautada em critérios de classificação, a diferenciar os princípios das regras.

Preenchida a hipótese de incidências destas, são as mesmas aplicadas sob a

modalidade do tudo ou nada (all-or-nothing): são válidas e aplicáveis para o caso

concreto, ou não, sendo certo que, ao entrarem em atrito, feito um juízo de validade,

uma será excluída do sistema por invalidade, mantendo-se a outra. Diversamente,

os princípios não se submetem ao jogo do tudo ou nada, mas sim a um sistema de

peso ou importância (dimension of weight), elementos estes que não são passíveis

de uma aritmética exata, mas que devem ser verificados face ao caso concreto.

Assim é que, ao colidirem, não se excluem, sendo que um deles, aquele com peso

relativo maior, se sobrepõem ao outro por ser mais adequado à questão a ser

solucionada,sem que este perca sua validade no sistema. 147

O propósito de sua obra é construir uma teoria que busque justificar o

exercício do poder coercitivo do Estado, assentado em uma perspectiva de

legitimidade que refuja à concepções convencionalistas e pragmatistas do direito,

construídas a partir da tradição jurídico-americana. O autor embasa sua teoria

147 ÁVILA, Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, . n. 4, julho, 2001, p. 8. Disponível em http://www.direitopublico.com.br. Acesso em 7 de agosto de 2010.

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tomando por base a atividade dos juízes na prática da decisão judicial, fundando a

sua crítica no convencionalismo que descreve o direito como convenções a serem

aplicadas e forjadas por instituições pretéritas. A prática jurídica estaria adstrita ao

cumprimento irrestrito de tais convenções gerando decisões de tudo ou nada, ou

seja, ou a convenção se aplica ao caso concreto que se encaixa perfeitamente na

hipótese prevista convencionalmente ou não se aplica. Ao se conjugar estas idéias

surge a necessidade moderna de se repassar a aplicabilidade de tais mandamentos

nos chamados casos difíceis (hard case) quando não há uma convenção a ser

aplicada ou até convenções divergentes, gerando assim, uma abertura discricionária

muito temerária na atuação dos magistrados libertos de quaisquer exigências ou

padrões racionais motivados para se decidir.148

No mesmo sentido são os ensinamentos de Robert Alexy na denominada

Teoria dos Direitos Fundamentais, publicada em 1985, sendo sua importância

incomensurável para a Ciência do Direito, na medida em que também oferta bases

racionais e motivadas para a decisão dos magistrados nos casos difíceis,

amparando-os e de certa forma limitando-os com vistas a serem evitadas

arbitrariedades. Ao estarem amparados pelos princípios jurídicos - concebidos por

esta teoria como normas - os magistrados cumpririam o seu papel oferecendo

respostas racionalmente fundamentadas.149

Para entendermos melhor enfatiza Willis Santiago Guerra Filho que as regras

possuem uma estrutura lógica dotada de tipificação com a descrição de um fato,

correlacionado a uma prescrição e uma sanção. Por seu turno, os princípios são da

mesma forma dotados de validade positiva presentes na Constituição, mas não

traduzem um fato específico o qual possa ser precisado com facilidade atribuindo-se

a conseqüência jurídica que dali decorre. Compreendem-se como indicadores

demonstrando a opção, a escolha e o valor escolhidos diante de várias opções

diante do caso concreto.150

148 PEREIRA, Rodolfo Viana. Hermenêutica Filosófica e Constitucional.Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 135-136. 149 CARACIOLA, Andrea Boari. O princípio da congruência no processo civil. São Paulo:LTr, 2010.

150 Teoria Processual da Constituição. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2000, p. 17.

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Para Alexy a principal distinção entre regras e princípios reside no fato de que

estes últimos são mandatos de otimização, ao passo que as regras são normas que

somente podem ser cumpridas ou não. Princípios são normas que ordenam que algo

seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais

existentes. Por isso, como mandados de otimização podem ser cumpridos em

diferentes graus e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das

possibilidades reais como também jurídicas relacionadas com os princípios mesmos

que se encontram em colisão e necessitam ser ponderados. 151

Buscando fornecer subsídios para diferenciar princípios e regras Alexy

debruçou-se na análise da resolução dos conflitos e as formas de solução quando

envolvidos princípios e regras. Considerou, assim, como uma das bases de sua

teoria o estudo dos conflitos apresentando como conclusão que o embate entre

regras pode ser solucionado partindo de duas possíveis formas de resolução, ou por

meio da instituição de uma cláusula de exceção ou pela via da invalidação de uma

das normas .152

Em se tratando de princípios, os conflitos não se resolveriam como base no

binômio tudo ou nada acima relatado como atributo próprio das regras jurídicas,

mas de modo diverso exigiria do intérprete uma valoração, sopesando e

ponderando os princípios colidentes a partir dos valores e do peso manifestado no

caso em concreto. Assim, diante do caso concreto e seu desenho específico os

princípios se apresentariam em diferentes graus de concretização, interligados e

interdependentes dos delineamentos próprios da situação apresentada,

consideradas as possibilidades fáticas e jurídicas in casu. Levantadas todas as

possibilidades, enfeixam-se de maneira a fornecer ao intérprete a melhor forma de

resolver. Os princípios são normas que impõem a realização de algo da melhor

maneira possível combinando-se, assim, as possibilidades fáticas e jurídicas no caso

concreto. A partir de critérios de ordem qualitativa os princípios seriam mandados de

151 Alexy, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002, p.82-87.

152 Idem, p.87-89.

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otimização. Não haveria hierarquização de princípios mas sopesamento diante da

melhor forma para solucionar aquele caso concreto. Havendo colidência de dois

princípios o de maior peso no caso concreto será aplicado sem que seja invalidado o

princípio de menor peso.

Verifica-se a partir deste momento a abertura para uma atividade

racionalmente executada e fundamentada pelo intérprete por meio do processo de

ponderação.153 Inaugura-se assim uma nova fase para a resolução dos conflitos

entre princípios partindo da ponderação, por meio do estabelecimento de um

princípio indispensável e norteador qual seja, o princípio da proporcionalidade. .

Considerados espécie de normas ao lado das regras, apresentam-se no

ordenamento constitucional sob o mesmo peso hierárquico, sendo que a sua colisão

somente ocorre nos casos concretos, quando um princípio limita a irradiação de

efeitos do outro, momento em que o intérprete deveria aplicar a ponderação em

busca da otimização, entra em cena, neste momento a necessidade de se balizar a

ponderação por meio de um princípio indispensável para a teoria em comento, qual

seja, o princípio da proporcionalidade. Indispensável declarar que diferentemente

das regras, em havendo colidência de princípios o acatamento de um não implica

desrespeito ao outro, mas sim no caso concreto há uma dimensão de peso.

Acerca do princípio da proporcionalidade cabe trazer à colação os

ensinamentos de Willis Santiago Guerra Filho:

A exata compreensão do significado do princípio da proporcionalidade requer uma transformação do próprio modo de conceber a tarefa da ciência jurídica, como diversa da mera interpretação e aplicação de normas com a estrutura de regras. As regras trazem a descrição de dada situação formada por um fato ou uma espécie deles, enquanto nos princípios há uma referência direta a valores. Daí se dizer que as regras se fundamentam nos princípios. Princípios têm um grau incomensuravelmente mais alto de generalidade ( referente à classe de indivíduos à que a norma se aplica) e abstração ( referente à espécie de fato a que a norma se aplica) do que a mais geral e abstrata das regras. Já os princípios trazem a noção de “determinações de otimização” isto é, um

153 Idem, p. 111-115.

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mandamento que sejam cumpridos na medida de possibilidades, fáticas e jurídicas, que se oferecem concretamente.154

Na mesma sequência de idéias considera o autor que os princípios são

normas com um alto grau de generalidade em comparação às regras dotadas de

grau de relatividade baixo. Não há princípio que venha a ser empregado de forma

soberana e absoluta em toda e qualquer hipótese, o que feriria a “pauta valorativa” e

cita como exemplo a pauta individual afrontando, por exemplo, a coletiva. Por meio

de um princípio de relatividade, no caso o princípio da proporcionalidade, seria

possível equacionar e balizar as incidências concretas operadas no Direito. O

princípio da proporcionalidade seria o responsável por fornecer a idéia de gradação

diante da colidência de princípios.155

Para resumir a teoria poderíamos dizer de uma maneira simples que validade

está para as regras assim como dimensão de peso está para os princípios, já que

não existem relações absolutas de preferência ou precedências no caso dos

princípios. Podemos dizer também que Alexy continua a teoria de Dworkin

reforçando a juridicidade dos princípios compreendidos como normas aos lado das

regras, e ainda, à teoria original do mestre americano Dworkin, institui o fenômeno

jurídico batizado de “mandado de otimização”.

Seguindo os ensinamentos das escolas americana e alemã temos a

contribuição do mestre português Joaquim Gomes Canotilho ao ofertar as principais

características diferenciadoras de princípios e regras, ambos catalogados na

categoria de normas.

Segundo Canotilho os princípios são normas com um grau elevado de

abstração, enquanto as regras possuem uma abstração reduzida. No que tange ao

grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto, os princípios por serem

vagos e indeterminados carecem de mediações concretizadoras, enquanto as regras

154 Proposta de Teoria Fundamental da Constituição (com uma inflexão processual) In ALMEIDA FILHO, Agassiz & MELGARÉ, Plínio. Dignidade da pessoa humana: fundamentos e critérios interpretativos. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 321. 155 Idem, p. 322.

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são suscetíveis de aplicação direta. No aspecto do grau de fundamentabilidade em

razão do papel que desempenha no ordenamento jurídico, estrurando-o.os

princípios possuem caráter axiológico pois derivam das idéias de justiça e de direito,

bem como possuem natureza normogenética fundamentando a edição de normas

jurídicas.

Ademais, enfatiza o mestre português as diferenças qualitativas que invocam

os princípios como normas jurídicas impositivas de uma otimização enquanto as

regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência podendo ser

cumprida ou não, a convivência dos princípios é conflitual e a das regras se dá em

razão da antinomia. Os princípios coexistem e as regras em antinomia se

excluem.Os princípios permitem o balanceamento de valores e interesse e as regras

submetem-se à lógica do “tudo ou nada” em caso de conflito entre princípios estes

deverão ser harmonizados e as regras por ensejarem fixações definitivas

pressupõem a impossibilidade de manutenção de regras contraditórias no sistema. 156

Conclui-se, portanto, para dizer que os princípios hodiernamente possuem

status diferenciado e galgam a categoria de normas indispensáveis para a

arquitetura do sistema jurídico, balizando-o e calibrando-o, - para usarmos aqui uma

expressão da lavra de Tércio Sampaio Ferraz Júnior – bem como garantindo ao

intérprete uma abertura e ao mesmo tempo uma limitação com vistas a ofertar

respostas otimizadas, fundamentadas e racionalmente definidas nos casos

concretos.

3.2 O princípio da igualdade: notas propedêuticas

A igualdade é a primeira base de todos os princípios constitucionais e

condiciona a própria função legislativa, há de se expressar, portanto, em todas as

156 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina. p.167-168.

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manifestações de Estado, as quais, na sua maioria, se traduzem concretamente em

atos de aplicação da lei, ou seu desdobramento, não havendo ato ou qualquer

mandamento que possa deste princípio posso escapar ou dele se subtrair. O

conceito que reflete a essência do princípio da igualdade é da lavra de Geraldo

Ataliba, com o qual nos coadunamos com vistas a iniciar o presente tópico, nuclear

para a compreensão de nossa tese.157

Partindo da trajetória percorrida pelo princípio em análise importa esclarecer

que seu nascedouro158 enquanto norma posta e positivada encontra dissonância na

doutrina. Para alguns doutrinadores são considerados como marcos de sua

positivação as Constituições dos Estados Unidos da América de 1787159 e da França

de 1791.

Fábio Konder Comparato considera como berço do nascimento do princípio

da igualdade a Revolução Francesa lastreada por seu tom libertário, edificado no

seu mote “Igualdade, liberdade e fraternidade” momento de proclamação dos ideais

para dignificação do homem em sua essência, considerando-os iguais em sua

essência não mais se justificam diferenças e discriminações em razão do

nascimento em determinada casta ou estamento. Da mesma forma a Declaração

dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 inaugura em seu texto com a

afirmação da mais alta valia de que os “homens nascem livres e iguais em direitos”,

compreendidos como “direitos” não a fortuna ou prestígio social, mas o fato de

serem homens, abolindo-se todas as ordens jurídicas estamentais, em especial, as

que se fundavam na prerrogativa do nascimento.160

157 República e Constituição. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 134. 158 Conforme leciona ARAÚJO, Luiz Alberto David. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 60 “os direitos fundamentais nasceram com o cristianismo,situação que elevou o ser humano à semelhança de Deus, indicando a igualdade como condição natural”.

159 Encontra-se expressa na Declaração de Independência dos Estados Unidos “Sustentamos como evidentes por si mesmas as seguintes verdades: todos os homens nascem iguais e são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis; entre esses direitos estão, a vida, a liberdade e a busca da felicidade”. 160 Igualdade, desigualdades. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 1, p. 73, 1993.

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Alguns autores, entre eles, Manoel Gonçalves Ferreira Filho 161 considera que

a igualdade enquanto texto positivado ocorreu com a Declaração Universal dos

Direitos do Homem e do Cidadão de 1789162, cabendo citar como exemplo os

ditames estabelecidos em seu art. 1º e 6º:

Art. 1º. Os homens nascem livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum. (...) Art. 6º. A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm direito a contribuir pessoalmente, ou pelos seus representantes, para a formação da lei. Ela deve ser a mesma para todos, quando protege e quando pune. Sendo todos cidadãos iguais a seus olhos, eles são igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos segundo sua capacidade e sem outra distinção além de suas virtudes e seus talentos.

Críticas à positivação do princípio da igualdade não faltaram como nos

informa José Afonso da Silva:

O conceito de igualdade provocou posições extremadas. Há os que sustentam que a desigualdade é a característica do universo. Assim, os seres humanos, ao contrário da afirmativa do art. 19 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, nascem e perduram desiguais. Nesse caso, a igualdade não passaria de um simples nome, sem significação no mundo real, pelo que os adeptos dessa corrente são denominados nominalistas. No pólo oposto, encontram-se os idealistas, que postulam um igualitarismo absoluto entre as pessoas. Afirma-se, em verdade, uma igual liberdade natural ligada à hipótese do estado de natureza, em que reinava uma igualdade absoluta.

No mesmo sentido é a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948

instituindo em seu preâmbulo o reconhecimento da dignidade inerente a todos os

membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis que se constitui

como o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Ademais, ressalta a

161 Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 19-20. 162 Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª ed. Malheiros: São Paulo, 2004, p.23

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referida Declaração de maneira expressa a fé nos direitos fundamentais do homem,

na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade dos direitos dos homens e

das mulheres, decididos a favorecer o progresso social e a instaurar condições de

vida melhores numa liberdade maior. (grifo nosso)

3.2.1 A igualdade nas Constituições Brasileiras

Analisando-se a positivação do princípio da igualdade em sede constitucional

no ordenamento brasileiro temos como marco a Constituição de 1824 outorgada por

D.Pedro I que previa em seu Art. 179, XIII – “A lei será igual para todos, quer proteja,

quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um.”

Ainda o inciso IV do mesmo artigo estabelecia que todo o cidadão poderia

ser admitido aos Cargos Públicos Civis, Políticos, ou Militares, sem outra diferença

que não fosse aquela derivada de suas virtudes e talentos.

Pimenta Bueno, quanto ao princípio da igualdade estampado na Carta de

1824 ditava que:

Qualquer que seja a desigualdade natural ou casual dos indivíduos a todos os outros respeitos, há uma igualdade que jamais deve ser violada, e é a da lei, quer ela proteja, quer ela castigue, é a da justiça, que deve ser sempre uma, a mesma, e única para todos sem preferência, ou parcialidade alguma.163

Na primeira Constituição da República de 1891 tratou de estabelecer a

equiparação de brasileiros e estrangeiros quanto à inviolabilidade de direitos

relativos à liberdade, à segurança individual e à propriedade, e em seu parágrafo 2º

declarou serem todos iguais perante a lei, não admitindo privilégios de nascimento,

foros de nobreza, bem como extinguiu as ordens honoríficas existentes e todas as

suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho. 163 PIMENTA BUENO, José Antônio. Direito Público Brasileiro e análise da Constituição do Império. Rio de Janeiro: Ministério da Justiça e Negócios Interiores, 1958, p.412.

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A Constituição de 1934 estabeleceu em art. 113, item 1 a igualdade de todos

perante a lei, vedando privilégios e distinções por motivo de nascimento, sexo, raça,

profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou idéias

políticas. Estabeleceu ainda no parágrafo 1º do supracitado artigo a proibição à

diferença de salário por um mesmo trabalho, por idade, sexo, nacionalidade ou

estado civil. Assim, temos na Constituição de 1934 de forma inédita não apenas o

proclamar do princípio da igualdade de todos perante a lei, mais o estabelecimento

expresso da proibição da discriminação em razão do gênero.

Entretanto, apesar de presente no Texto Constitucional a vedação às

discriminações entre os sexos, havia uma absoluta dissonância entre o texto

positivado e a práxis cotidiana, cabendo citar a reflexão acerca do assunto do

Ministro Marco Aurélio de Melo:

Na Constituição de 1934, Constituição popular, dispôs-se também que todos seriam iguais perante a lei e que não haveria privilégios nem distinções por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou idéias políticas. Essa Carta teve uma tênue virtude, revelando-nos o outro lado da questão. É que a proibição relativa à discriminação mostrou-se ainda simplesmente simbólica. O discurso oficial, à luz da Carta de 1934, foi único e ingênuo, afirmando-se que, no território brasileiro, inexistia a discriminação.164

Em 10 de novembro de 1937, baseada no modelo fascista europeu, foi

outorgada por Getúlio Vargas a Constituição de 1937, período também no qual se

institucionalizou o chamado “Estado Novo”.

Contrariamente à Constituição anterior, a Constituição de 1937 retrocedeu ao

fixar apenas a fórmula genérica da igualdade entre todos, expressa em Art.122, item

164 MELLO, Marco Aurélio. Ótica constitucional: a igualdade e as ações afirmativas. In Tribunal Superior do Trabalho, Discriminação e Sistema Legal Brasileiro – Seminário Nacional. Brasília: TST, 2001.

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1 suprimindo a menção expressa à proibição de discriminação entre os sexos.165

Interessante notar que o Preâmbulo da referida Carta Constitucional não faz

alusão alguma à justiça e à igualdade declarando o Presidente da República

“atendendo às legítimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social” que a

Nação está “profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem

resultantes da crescente agravação dos dissídios partidários, que o Estado não

dispunha de meios normais de preservação e de defesa da paz, da segurança e do

bem-estar do povo, e por isso resolvia assegurar à Nação a sua unidade, o respeito

à sua honra e à sua independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz

política e social, as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem-estar e à

sua prosperidade, decretando a Constituição”.

Seguindo nossa trajetória histórica pelas Constituições chegamos à

Constituição de 1946, promulgada e considerada um marco da retomada da

democratização no país. Apesar de enaltecer os valores e o rol de direitos

individuais, considerando em Art. 141, parágrafo 1º a igualdade de todos perante a

165 Sobre o assunto o Ministro Marco Aurélio de Mello se pronuncia fazendo um interessante paralelo sobre a Constituições e outros Textos Legais de grande importância: Na Constituição outorgada de 1937, simplificou-se, talvez por não se admitir a discriminação, o trato da matéria e proclamou-se, simplesmente, que todos seriam iguais perante a lei. Nota-se até aqui um hiato entre o direito -proclamado com envergadura maior, porquanto fixado na Constituição Federal - e a realidade dos fatos. Sob a égide da Carta de 1937, veio à balha a Consolidação das Leis do Trabalho, mediante a qual se vedou a diferenciação, no tocante ao rendimento do prestador de serviços, com base no sexo, nacionalidade ou idade. Essa vedação, porém, não pareceu suficiente para corrigir desigualdades. Na prática, como ocorre até os dias de hoje, o homem continuou a perceber remuneração superior à da mulher. Vigente a Constituição de 1937, promulgou-se o Código Penal de 1940, que entrou em vigor em 1942. Perdeu-se, à época de tal promulgação, a oportunidade de se tratar de maneira mais eficaz a discriminação. Foi tímido o nosso legislador, porque apenas dispôs sobre os crimes contra a honra e aqueles praticados contra o sentimento religioso. Já na progressista Constituição de 1946, reafirmou-se o princípio da igualdade, rechaçando-se a propaganda de preconceitos de raça ou classe. Introduziu- se, assim, no cenário jurídico, por uma via indireta, a lei do silêncio, inviabilizando-se, de uma forma mais clara, mais incisiva, mais perceptível, a repressão do preconceito. Sob a proteção dessa Carta, deu-se a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em dezembro de 1948. Proclamou-se em bom som, em bom vernáculo, que “todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, opinião pública ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição”. Admitiu-se, aqui e no âmbito internacional, a verdadeira situação havida no Brasil, em relação ao problema. Percebeu-se a necessidade de se homenagear o princípio da realidade, o dia-a-dia da vida em sociedade. Disponível no site http://www.stf.br. Acesso em 13 de agosto de 2009.

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lei, não estabeleceu qualquer declaração acerca da vedação às discriminações de

quaisquer espécies.166

A Constituição de 1967/1969 em art. 153 , parágrafo 1º declarou que todos

são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e

convicções políticas, e ainda estabeleceu que a lei puniria pelo preconceito de raça.

Assim, temos aqui, ainda de maneira tímida, uma intenção do legislador de

constitucionalizar o combate à discriminação, apenas racial.

3.2.2 O princípio da igualdade na Constituição Federal de 1988

Dita de maneira expressa o caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988:

"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se

aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à

vida, à igualdade, a segurança e a propriedade, (...)".

No atual Texto Constitucional o princípio da igualdade ganhou nova

concepção bastando para confirmar tal assertiva uma análise da sua inserção

topológica. Neste sentido, Carmem Lúcia Antunes, Ministra do Supremo Tribunal

Federal, destaca que nas Constituições anteriores o princípio da igualdade

apresentava-se entre os incisos ou parágrafos do artigo relativo aos direitos

166 Sobre o princípio da igualdade na Carta Constitucional de 1946 enfatizou o grande jurista Pontes de Miranda, na obra Questões Forenses, tomo I, Parecer n° 25, de 1948, p. 229,230 : “o princípio ‘todos são iguais perante a lei’, dito princípio de isonomia (legislação igual), é princípio de igualdade formal: apenas diz que o concedido pela lei a A, se A satisfaz os pressupostos a, deve ser concedido a B, se B também os satisfaz, para que se não trate desigualmente a B. Tão saturada desse princípio está a nossa civilização que causaria escândalo a lei que dissesse, e. g., ‘só os brasileiros nascidos no Estado-membro A podem obter licença para venda de bebidas no Estado-membro A. Só existem exceções ao princípio da igualdade perante a lei, que é direito fundamental, (...) quando a Constituição mesma as estabelece. A igualdade material é outra coisa. As concepções em torno dela enchem o nosso século, no plano político, desde as que postulam a igualdade de todos os homens e levariam à política do salário igual, norma que só seria justa se todos fossem iguais em tudo, até as que exageram as desigualdades psíquicas e sociais, descendo às concepções primitivas das estirpes ‘divinas’, ou ‘semidivinas’, ou ‘nobres’, das classes de servos e de escravos (...)” “No intervalo lógico está a concepção, cronologicamente posterior e sintética, de que os homens são ‘iguais’ e ‘desiguais’. A regra do salário mínimo é exemplo, como a da escola única, de política de igualdade material, posto que fique à lei fixar esse salário”.

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fundamentais reconhecidos e assegurados. O Texto Magno de 1988 instaura em art.

5º, caput, os direitos e garantias fundamentais com a referência expressa ao

princípio da igualdade jurídica, sinalizando, segundo a autora, um tratamento

diferenciado ao princípio como forma de estruturá-lo como alicerce na nova ordem

constitucional brasileira.167

Conclui-se, assim, um novo status ao princípio da isonomia objetivado pelo

Constituinte de 1988, devendo ser concebido como base para o sistema e norteador

da melhor hermenêutica e aplicação do Direito.

Convém destacar que no Preâmbulo da Carta de 1988 a igualdade, também

foi declarada como valor, cabendo citar: “a liberdade, a segurança, o bem-estar, o

desenvolvimento, a igualdade e a justiça, foram citados como valores supremos de

uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e

comprometida, na ordem interna e internacional.”

Acerca do Preâmbulo da Constituição Federal de 1988 destaca o Ministro

Ayres Brito:

A Constituição Brasileira de 1988 tem, no seu preâmbulo, uma declaração que apresenta um momento novo no constitucionalismo pátrio: a idéia de que não se tem uma democracia social, a justiça social,mas que o Direito foi ali elaborado para que se chegue a tê-los. Em texto sobre a Constituição relatava o Presidente da Assembléia Constituinte, Deputado Ulysses Guimarães, que a Constituição nasce do parto de profunda crise que abala as instituições e convulsiona a sociedade”. Já então se vê, que, pela positivação da Ordem Constitucional de 1988, reestruturando o Estado brasileiro e reorganizando a República Federativa, não apenas se pretendeu proibir o que se tem assentado em termos de desigualdades de toda ordem havidos na sociedade, mas que se pretende instituir, vale dizer, criar ou recriar as instituições segundo o modelo democrático, para assegurar, dentre outros, o direito à igualdade, tida não apenas como regra, ou mesmo como princípio, mas como valor supremo definidor da essência do sistema estabelecido. O princípio da igualdade resplandece sobre quase todos os outros acolhidos como pilastras do edifício normativo fundamental alicerçado. É guia não apenas de regras, mas de quase todos os princípios outros que informam e conformam o modelo

167 ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Ação afirmativa: o conteúdo democrático da igualdade jurídica. Revista de Informação Legislativa. Brasília: Editora Senado Federal, 1996, julho/setembro,1996, p. 93.

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constitucional positivado, sendo guiado apenas por um, ao qual se dá a servir: o da dignidade da pessoa humana. (art. 1º, III, da Constituição da República).168

O professor Willis Santiago Guerra Filho nos oferta lição acerca de uma

estruturação de espécies de princípios cabendo citar:

A ambiência natural dos princípios jurídicos, como é fácil deduzir, será o texto constitucional. Tendo por base a terminologia proposta por GOMES CANOTILHO ( 1989, p. 129, e s.), inspirado em modelo germânico, pode-se elencar, como espécies de princípios, em ordem crescente de abstratividade, “princípios constitucionais especiais”, “princípios constitucionais gerais” e “princípios estruturantes”. Esses últimos são aqueles que traduzem as opções políticas fundamentais, sobre as quais repousa toda a ordem constitucional e, logo, toda a ordem jurídica, e que seriam, no Direito brasileiro, como deflui já do “Preâmbulo” e o primeiro artigo de nossa Constituição, o princípio do Estado de Direito e o princípio democrático, bem como o princípio federativo. O princípio da isonomia pode ser apontado como um dos princípios constitucionais gerais, assim como a isonomia entre homens e mulheres, referida no Art. 5º, inc. I, seria exemplo de princípio constitucional especial.169

Importantíssimo salientar que o princípio da igualdade assegurado na Carta

Cidadã de 1988 comporta análise em suas duas dimensões, quais sejam, a

igualdade material e a igualdade formal.

Compreende-se por igualdade formal aquela estabelecida como ideal, perante

a lei. Prescreve o art. 5º da CF/88 "igualdade de todos perante a lei". A igualdade

formal garante o tratamento de todos os cidadãos de maneira isonômica, não sendo

admitidos privilégios e perseguições tendo por instrumento a lei. É conceito

destinado, entre outros, ao legislador, incumbido de garantir um tratamento

igualitário de todos perante o ordenamento legal.

Celso Ribeiro Bastos 170 considera que o princípio da igualdade formal é

168 Teoria da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 91. 169,.Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, p. 53. 170 Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002, p. 318-319.

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encontrado na maior parte das Constituições Ocidentais, e tem sua origem a partir

da Revolução Francesa, pautada como lema nos ideais de Liberdade, Igualdade e

Fraternidade171. Destaca o autor que referida igualdade consiste no direito de todo

cidadão não ser desigualado pela lei a não ser de acordo com critérios agasalhados

pelo ordenamento constitucional.

J. J. Gomes Canotilho, um dos grandes constitucionalistas da nossa

atualidade, assevera que haverá observância da igualdade "quando indivíduos ou

situações iguais não são arbitrariamente (proibição do arbítrio) tratados como

desiguais. Por outras palavras: o princípio da igualdade é violado quando a

desigualdade de tratamento surge como arbitrária". E segue o ilustre autor,

esclarecendo que "existe uma violação arbitrária da igualdade jurídica quando a

disciplina jurídica não se basear num: (I) fundamento sério; (II) não tiver um sentido

legítimo; (III) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável". 172

Seguindo a mesma linha de pensamento Celso Antônio Bandeira de Mello

apresenta em sua clássica obra, “Conteúdo Jurídico da Igualdade”, critérios para

aferição da discriminação, expondo:

(...) investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles. Em suma: importa que exista mais que uma correlação lógica abstrata entre o fator diferencial e a diferenciação conseqüente. Exige-se, ainda, haja uma correlação

171 ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 335, enfoca que “a igualdade, em contraste com tudo o que se relaciona com a mera existência, não nos é dada, mas resulta da organização humana, porquanto é orientada pelo princípio da justiça. Não nascemos iguais, tornamo-nos iguais como membros de um grupo por força da nossa decisão de nos garantirmos direitos reciprocamente iguais”.

172 CANOTILHO ,J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina. 1995, p.401.

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lógica concreta, ou seja, aferida em função dos interesses obrigados no direito positivo constitucional. E isto se traduz na consonância ou dissonância dela com as finalidades reconhecidas como valiosas na Constituição.173

Pela leitura detida aos ensinamentos acima transcritos podemos concluir que

para a instituição de um tratamento diferenciado deverá haver um fundamento

dotado de razoabilidade, assegurando uma relação lógica entre os meios e os fins

da norma desigualadora. Ademais, para a existência da norma desigualadora é

pressuposto indispensável a sua conformação aos valores Constitucionais, sempre

dentro de uma interpretação sistemática e teleológica174.

Carlos Roberto de Siqueira Castro 175 nos ensina que é incorreto acreditar

que o princípio da isonomia previsto constitucionalmente nos impede que se

estabeleçam desigualdades jurídicas entre os sujeitos de direito, muito pelo contrário

a lei pode tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, só é vedado

tratar de modo desigual os iguais, traduzindo-se em tratamento discriminatório a

situações idênticas. Esta liberdade conferida ao legislador lhe dá ampla margem de

discrição político-legislativa para a correção, minoração ou até agravamento de

situações sociais levando-se em conta as forças dominantes e a política vigente em

cada país.

173 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 1995, p.32. 174 TABORDA, Mauren Guimarães. O princípio da igualdade em perspectiva histórica. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 211, p. 241-268, jan-março 1998, p. 262-263 declara que: “ A conexão entre o critério de discriminação e a finalidade da norma deverá ser razoável e suficiente, e o elemento de discrímen não é autônomo em relação ao elemento finalidade. Pelo contrário, é uma decorrência e tem de ser escolhido em função deste. (...) A título de comparação , vale dizer, ainda, que atualmente, no Direito Alemão e Português, além da proibição de arbitrariedade, agrega-se à aplicação do Princípio da Igualdade a exigência de proporcionalidade, isto é, de adequação, necessidade, ponderação e proibição do excesso – medida de valor a partir da qual se procede a uma ponderação. Partindo dessas considerações, Canotilho constata existir uma violação arbitrária da igualdade jurídica quando a discriminação veiculada na norma não se basear: a) em um fundamento sério; b) não tiver sentido legítimo e c) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável”. 175 O princípio da isonomia e a igualdade da mulher no Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 45.

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Jorge Miranda destaca que176 :

O sentido primário do princípio é negativo: consiste na vedação de privilégios e de discriminações. (...) Mais rico e exigente vem a ser o sentido positivo:

a) Tratamento igual de situações iguais ( ou tratamento semelhante de situações semelhantes);

b) Tratamento desigual de situações desiguais, mas substancial e objectivamente desiguais – “impostas pela diversidade das circunstâncias ou pela natureza das coisas – e não criadas ou mantidas artificialmente pelo legislador;

c) Tratamento em moldes de proporcionalidade das situações relativamente iguais ou desiguais e que, consoante os casos, se converte para o legislador ora em mera faculdade, ora em obrigação;

d) Tratamento das situações não apenas como existem mas também como devem existir, de harmonia com os padrões da Constituição material (acrescentando-se, assim, uma componente activa ao princípio e fazendo da igualdade perante a lei uma verdadeira igualdade através da lei.

Finalmente, informa Fábio Konder Comparato que se a igualdade de

tratamento jurídico é reconhecida como um princípio constitucional inerente ao

regime democrático, quer isto significar que a força desse princípio se impõe a todos

os ramos do Estado; não só ao aplicador da lei, na esfera administrativa ou

judiciária, mas também ao próprio legislador. Em outras palavras, quando a

Constituição proclama todos são iguais perante a lei (art. 5º, caput) ela está

proibindo implicitamente, quer a interpretação inigualitária das normas legais, quer a

edição de leis que consagrem, de alguma forma, a desigualdade vedada. Ao lado,

pois de uma desigualdade perante a lei, pode haver uma desigualdade da própria

lei, o que é muito mais grave.177

Em outro aspecto, a Constituição de 1988 garante a aplicação do princípio da

igualdade material ou igualdade real que se constitui como a igualdade na realidade

fática, nas relações sociais e no seio da sociedade. Com base na igualdade material

o Texto Magno estabelece proteção e salvaguarda especial, por meio de políticas

176 Manual de Direito Constitucional. 3ª ed. rev e actual. Coimbra: Coimbra, 2000, Tomo 4, p. 238-240.

177 Precisões sobre os conceitos de lei e de igualdade jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 750, abril 1998, p. 17.

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públicas a situações que merecem ser igualadas.

Impende reiterar que o princípio da igualdade jurídica já não mais se encontra

cingido a uma igualdade formal ou isonômica, mas aos poucos vai se afirmando

como uma igualdade material, por meio da implementação consciente e necessária

de hábeis políticas públicas voltadas à minoração das desigualdades e a instauração

de uma isonomia real. A declaração da igualdade perante a lei é imprescindível no

campo do reconhecimento de direito, mas o efetivo exercício dos direitos sociais,

que garantem patamares mínimos de acesso a bens considerados essenciais,

garante a igualdade material.178

Pela análise do princípio da igualdade ao longo da História é forçoso concluir

que o simples enunciado formal da igualdade nos Diplomas Positivos dos diversos

países não assegurou, pragmaticamente, a aplicação da igualdade. Na verdade a

igualdade deve ser incessantemente buscada na realidade social, a cada dia

construída. A simples enunciação do princípio nos Textos Formais não garantiu a

aplicabilidade dos preceitos. Esta idéia nos remete à necessidade de instituição e

firmamento da igualdade no cotidiano.

Acerca do tema discorre Celso Antônio Bandeira de Mello:

o preceito magno da igualdade é a norma voltada quer para o aplicador da lei quer para o próprio legislador. Deveras, não só perante a norma posta se nivelam os indivíduos, mas, a própria edição dela assujeita-se ao dever de dispensar tratamento equânime às pessoas. A lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da igualdade e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes. Em suma: dúvida não padece que, ao se cumprir uma lei, todos os abrangidos por ela, hão de receber tratamento parificado, sendo certo, ainda que ao próprio ditame legal é interdito diferir disciplinas diversas para situações equivalentes.179

178 FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Construção da Igualdade e o Sistema de Justiça no Brasil: alguns caminhos e possibilidades. Rio de Janeiro:Lumen Iuris, 2007, p. 62. 179 Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 1995, p.9-10.

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No que tange ao tema discriminação quanto ao gênero a Constituição Federal

estabeleceu em inúmeros dispositivos a vedação à diferença entre os sexos e o

fortalecimento de ações afirmativas, tema que será tratado no próximo tópico,

visando reduzir as desigualdades180.

Quanto ao tema advoga Heleieth Saffioti:

Ora, a democracia exige igualdade social. Isto não significa que todos os socii, membros da sociedade, devam ser iguais. Há uma grande confusão entre os conceitos como: igualdade, diferença, desigualdade, identidade. Habitualmente, à diferença contrapõe-se a igualdade. Considera-se, aqui, errônea esta concepção. O par da diferença é a identidade. Já a igualdade, conceito de ordem política, faz par com a desigualdade. As identidades, como também as diferenças, são bem-vindas. Numa sociedade multicultural, nem deveria ser de outra forma. Lamentavelmente, porém, em função de não haver alcançado o desejável grau de democracia, há uma intolerância muito grande em relação às diferenças (...) As desigualdades constituem fontes de conflitos, em especial quando tão abissais como no Brasil.181

Oportuno sublinhar que nos tempos hodiernos o princípio da igualdade

jurídica congrega uma concepção mais ampla no sentido de instrumentalizar

condições de oportunidades e firmamento de um efetivo equilíbrio dos cidadãos no

Estado Social de Direito. A igualdade real alcançada nos remete a um dos

fundamentos proclamados pela República Federativa do Brasil, na CF/88 art. 1º,

inciso III da CF/88, a dignidade da pessoa humana.

Na interpretação do Direito Constitucional, o grande vetor incorporado em épocas recentes é aquele que aponta para a realização prática das normas constantes da Lei Maior. De fato,

180 A Convenção sobre a Eliminação de Todas as formas de Discriminação, 1979. Documento assinado pelo Brasil em 31/03/1981 e ratificado por meio do Decreto n. 89.460 exerceu grande influência sobre o Constituinte de 1988, em especial, os ditames estabelecidos pelo Art. 1º da referida Convenção, sendo oportuno transcrevê-lo: Art. 1º “ A expressão discriminação contra a mulher significa toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seus estado civil, com base na igualdade de homem e da mulher, dos direitos humanos, e liberdade fundamentais no campo político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.” 181

Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004, p. 37.

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partindo da premissa de que um dos principais fatores do fracasso institucional brasileiro tem sido a falta de concretização das regras e princípios constitucionais, a doutrina e a jurisprudência têm dirigido sua atenção para assegurar o seu real cumprimento. Neste processo de valorização da Constituição, a ênfase recai em procurar-se propiciar a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos constitucionais, fazendo com que eles passem do plano abstrato da norma jurídica para a realidade concreta da vida. A efetividade, significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho verdadeiro da função social.182

Podemos finalizar o presente tópico enfatizando que o trinômio igualdade,

dignidade da pessoa humana e ações afirmativas se fazem absolutamente

indispensáveis para a implementação de um Estado Democrático de Direito visando

eliminar toda e qualquer forma de discriminação, bem como aprimorar medidas para

a promoção da igualdade efetiva.183

Finalizando o presente item preciosas são as palavras de Encarnación

Hernandez para quem a igualdade jurídica é insuficiente por si só, posto que a

igualdade no sentido pleno pressupõe não somente a igualdade jurídica, isto é,

igualdade de tratamento perante à lei com vistas à eliminação da discriminação,

como também a igualdade de fato, isto é, a igualdade de oportunidades para exercer

os próprios direitos e desenvolver as próprias aptidões e condições potenciais, com

a necessária eliminação fática, entre elas, social, econômica, cultural e familiar.184

182 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas, Rio de Janeiro: Renovar, 1993, p. 344. 183 PIOVESAN, Flávia et al. Implementação do direito à igualdade.Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política n. 28. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. 184 Los derechos de lãs mujeres In Jesús Ballesteros (Org) Derechos Humanos. Madrid: Gráficas Molina, 1992, p. 156. No original em espanhol “La igualdad jurídica es insuficiente por sí sola. La igualdad em sentido pleno supone no sólo igualdad jurídica, esto es, la igualdad de trato ante la leyu y la eliminación de la discriminación de iure, sino también la igualdad de facto, esto es, la igualdad de oportunidades para ejercer los próprios derechos y desarrollar las próprias aptidudes y condiciones pontenciales, para lo cual es necessária la eliminación de la discriminación de facto: social, econômica, cultural y familiar.”

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3.3 Princípio da dignidade da pessoa humana na CF/88

Núcleo e finalidade última do Direito, eis a razão de ser da consagração do

princípio da dignidade da pessoa humana como norma constitucional positivada no

ordenamento jurídico brasileiro. Traduz-se o referido instituto como uma resposta a

todas as atrocidades vivenciadas ao longo da História da Humanidade, podendo

citar, em um passado não tão distante, como exemplo emblemático a nunca ser

esquecido como fonte de barbarismo e crueldade, os regimes fascistas e nazistas na

Europa.

Esclarece-se que é considerado um marco a instituição da dignidade da

pessoa humana como bem intangível , a Lei Fundamental de Bonn, de 23 de maio

de 1949, asseverando em seu art.1.1: “A dignidade do homem é intangível. Os

poderes públicos estão obrigados a respeitá-la e protegê-la”. A referida Lei

sacramentou em seu texto o que já vinha sendo manifesto pela Declaração

Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral das Nações

Unidas de 10 de dezembro de 1948.

A partir da Segunda Guerra Mundial, o valor fundamental da dignidade da

pessoa humana passou a ser reconhecido expressamente nas Constituições, de

modo especial, após ter sido consagrado pela Declaração Universal da ONU de

1948. Ainda assim, muitos Estados integrantes da comunidade internacional não

chegaram a inserir o princípio da dignidade da pessoa humana em seus textos

constitucionais.

No Brasil, o Texto Magno de 1988 proclama, de maneira inédita185, como

fundamento basilar do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa

humana, expresso no art 1º, inciso III :

185 Podemos dizer que é inédita da maneira como foi concebida no atual Texto Constitucional de 1988, ou seja, com caráter de fundamento do Estado Democrático de Direito e sobreprincípio. Contudo, nas Constituições anteriores havia a previsão da dignidade da pessoa humana podendo ser citados: a Constituição Federal de 1934 (art. 115, parágrafo único); a de 1946, em seu art. 145; a de

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Art. 1o A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Município e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: ( ...) III – a dignidade da pessoa humana;

A dignidade da pessoa humana tanto pode ser entendida como

sobreprincípio, como diretriz principiológica necessária para o operador do direito ou,

mais propriamente, como um valor. Para José Afonso da Silva a dignidade da

pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos

fundamentais do homem, garantindo uma densificação valorativa levando-se e conta

o seu mais amplo sentido normativo-constitucional.186

Sobre o tema Flávia Piovesan e Renato Stanziola Vieira destacam que:

Para além de se configurar em princípio constitucional fundamental, a dignidade da pessoa humana possui um quid que a individualiza de todas as demais normas do ordenamento aqui estudados, dentre eles o brasileiro. Assim, deitando seus próprios fundamentos no ser humano em si mesmo, como ente final, e não como meio, em reação à sucessão de horrores praticados pelo próprio ser humano, lastreado no próprio direito positivo, é esse princípio, imperante nos hodiernos documentos constitucionais democráticos, que unifica e centraliza todo o sistema; e que, com prioridade, reforça a necessária doutrina da força normativa dos princípios constitucionais fundamentais. A dignidade humana simboliza, deste modo, um verdadeiro superprincípio contemporâneo, dotando-lhe especial racionabilidade, unidade e sentido.187

1967, art. 157, inciso II, Emenda Constitucional de 1969 (art. 160). Considera MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana Principio constitucional fundamental. Curitiba: Juruá Editora, 2005, p.50 “Quando cotejada com as Constituições anteriores não deixa de ser uma ruptura paradigmática a solução adotada pelo constituinte na formulação do princípio da dignidade da pessoa humana. A Constituição brasileira de 1988 avançou significativamente rumo à normatividade do princípio quando transformou a dignidade da pessoa humana em valor supremo da ordem jurídica [...]”. 186 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1994, p.96.

187 A força normativa dos princípios constitucionais fundamentais: a dignidade da pessoa humana In PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos, 2a ed. revista ampliada e atualizada. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 393.

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No mesmo sentido são os ensinamentos de Carla Noura Teixeira reafirmando

o princípio da dignidade da pessoa humana como Norma-Origem como pilar primeiro

de uma ordem jurídica estruturante da própria vida humana em sociedade. Há que

se admitir, dogmaticamente, o princípio da dignidade humana como norma-origem

observando o seguinte binômio: por um lado, afirmação da liberdade do indivíduo;

por outro, limitador da atuação não só desse mesmo indivíduo, considerado em sua

humanidade – condição terrena -, como também das formas estruturantes de

manifestação e ordem como: organizações estatais, não-estatais, inter-estatais,

etc.188

É inegável o status diferenciado do princípio da dignidade da pessoa humana,

que se traduz como a origem e o fim do Direito atual nos ordenamentos jurídicos

nacional e internacional. Contudo, o princípio em questão necessita de uma

construção e análise permanentes tendo em vista sua utilização muitas vezes

imprecisa e sem o aprofundamento científico necessário.189

Convém esclarecer que sua colocação topográfica no Texto Constitucional de

1988 o consagra como um verdadeiro sobreprincípio estabelecendo-se como um

orientador para toda a atividade do hermeneuta. No mesmo sentido esclarece

Flademir Jerônimo Belinati Martins:

Ainda que esta opção não tenha sido consciente, e que até mesmo os constituintes não tivessem a exata noção do que pudesse ser um princípio fundamental, a inclusão do principio da dignidade da pessoa

188 Por uma nova Ordem Internacional: um proposta de Constituição Mundial. Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), 2009, p. 142. 189 ROCHA, Carmem Lúcia Antunes.Justiça e exclusão social. Anais da XII Conferência Nacional da OAB,p. 69-92, 1999, p. 70 preconiza que “ O princípio da dignidade da pessoa humana entranhou-se no constitucionalismo contemporâneo, daí partindo e fazendo-se valer em todos os ramos do Direito. A partir de sua adoção se estabeleceu uma nova forma de pensar e experimentar a relação sociopolítica baseada no sistema jurídico; passou a ser princípio e fim do Direito contemporaneamente produzido e dado à observância no plano nacional e internacional. Contudo, não por ser um princípio matriz no constitucionalismo contemporâneo se pode ignorar a ambigüidade e a porosidade do conceito jurídico da dignidade da pessoa humana. Princípio de freqüente referência tem sido igualmente de parca ciência pelos que dele se valem, inclusive nos sistemas normativos. Até o papel por ele desempenhado é diversificado e impreciso, sendo elemento em construção permanente mesmo em seu conteúdo”

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humana como principio fundamental colocou-o num patamar axiológico superior. Se é verdade que, do ponto de vista normativo, em razão do princípio, todas as normas constitucionais situam-se no mesmo plano, isso não impede que as normas de mesma hierarquia tenham funções distintas. Nem mesmo todos os princípios possuem o mesmo raio de atuação; ao contrário eles variam na amplitude de sua influência.190

Desempenha papel de importância ímpar para a compreensão e intelecção

normativa do sistema jurídico nacional. Estabelecendo a dignidade da pessoa

humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, inciso

III, da CF/88) quis o legislador reconhecer a função do Estado que existe em função

da pessoa humana, sendo o homem sua finalidade última para qual devem convergir

as medidas de ordem estatal.191 . Ademais, há de ser compreendido como o

legitimador de toda atividade estatal e privada, individual ou coletiva.

Depreende-se daí o potencial transformador da CF/88 ao eleger “valores-

guia” para a arquitetura do sistema jurídico, encontrando-se entre eles o princípio da

dignidade da pessoa, projetando e projetado como um texto de formação

fundamental da cultura dos direitos humanos dentro de uma sociedade pluralista.192

Joaquín Arce Y Flórez –Valdes193 informa que o o respeito à dignidade da

pessoa humana encerra quatro conseqüências básicas: a) a igualdade de direitos

entre todos os homens, na qualidade de pessoas e não de cidadãos; b) proteção e

garantia ao desenvolvimento da personalidade do ser humano coibindo-se todas as

formas de obstar referida finalidade; c) respeito e salvaguarda dos direitos

inalienáveis do homem; d) não permissão da negativa dos meios fundamentais à

190 Dignidade da pessoa humana. Principio constitucional fundamental. Curitiba:Juruá Editora, 2005, p. 98-99.

191 SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Fundamentais Sociais na Constituição de 1988.Revista

Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. 1, nº 1, 2001.

192 BITTAR, Eduardo Carlos . Hermenêutica e Constituição: a dignidade da pessoa humana como legado à pós-modernidade In ALMEIDA FILHO, Agassiz & MELGARÉ, Plínio. Dignidade da pessoa humana: fundamentos e critérios interpretativos. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 251. 193 Los princípios generales del derecho y su formulación constitucional. Madrid: Civitas, 1990.

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pessoa e seu desenvolvimento, evitando-se a existência de condições indignas e

subumanas de vida.

Consoante lições de Jorge Addame Goddard o princípio da dignidade humana

reforça o caráter da pessoa como ser inalienável:

Do ponto de vista jurídico, a dignidade da pessoa fundamenta a grande diferença de tratamento entre as pessoas e as coisas. As coisas (qualquer ser corpóreo, incluindo seres vivos), como não têm domínio de si, podem ser objeto do domínio de outros e podem ser, em conseqüência, objeto dos atos jurídicos: podem ser comprados e vendidos, arrendados, cedidos, doados etc; ao contrário, as pessoas não podem ser objeto de domínio nem podem ser objeto de um ato jurídico. Por isso se diz que a pessoa é inalienável [...] É uma dignidade que todos possuem pelo simples fato de terem a natureza humana, independentemente de qual seja o grau de desenvolvimento ou de perfeição de cada pessoa em particular. Têm-na os varões o mesmo que as mulheres, as crianças a mesma que os adultos, o estrangeiro igual à dos nacionais [...] em suma, tem-na qualquer ser humano, porque seja qual for o seu desenvolvimento ou perfeição, é um ser corpóreo de natureza racional ou, como se tem preferido dizer, é um espírito encarnado.194

Finalmente, cotejando e elaborando uma correlação necessária entre os

princípios estudados, quais sejam, da igualdade e da dignidade da pessoa humana

podemos asseverar que ambos se correlacionam e de maneira dependente, nos

levam à conclusão que a igualdade em sua essência nos conduz a dignidade da

pessoa humana195, igualdade esta compreendida a fim de se evitar distorções e

194 Naturaleza, Persona y Derechos Humanos. Cuadernos Constitucionales México-Centroamérica n° 21, 1 ed., Instituto de Investigaciones Juridicas, Universidad Nacional Autónoma de México, 1996, pp. 150/154: "Desde el punto de vista jurídico, la dignidad de la persona fundamenta la gran diferencia de tratamiento entre las personas y las cosas. Las cosas (cualquier ser corpóreo incluyendo seres vivos), como no tienen dominio de sí, pueden ser objeto del dominio de otros y pueden ser, en consecuencia, objeto de los actos jurídicos: pueden comprarse y venderse, arrendarse, cederse, donarse, etcétera; en cambio, las personas no pueden ser objeto de dominio ni pueden ser objeto de un acto jurídico. Por eso se dice que la persona es inalienable... Es una dignidad que poseen todas por el mero hecho de tener la naturaleza humana, independientemente de cuál sea el grado de desarrollo o de perfección de cada persona en particular. La tienen los varones lo mismo que las mujeres, los niños lo mismo que los adultos, los extranjeros al igual que los nacionales. en suma, la tiene cualquier ser humano, porque sea cual sea su desarrollo o perfeccionamiento es un ser corpóreo de naturaleza racional o, como se ha preferido decir, es un espíritu encarnado". 195 Interessante notar que a Constituição da República Italiana, de 27 de dezembro de 1947, estabeleceu no art. 3º, a igualdade e a dignidade, conjugando-os no espaço reservado aos princípios fundamentais declarando “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a

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discriminações injustas. Desequiparações arbitrárias e injustificadas nos conduzem

à indignidade e ao desrespeito ao ser humano196.

Noberto Bobbio197 destaca que liberdade e igualdade se enraízam na

consideração do homem como pessoa e que ambos são características essenciais

do conceito de pessoa humana. A este conceito externado por Noberto Bobbio

acrescentamos aqui o ideário de respeito à pessoa humana e sua dignidade. Não há

como se falar em condição humana, em pessoa se não houver a dignidade

enquanto atributo e valor.

Como coroamento do presente tópico e também relacionando o liame

existente entre os dois princípios Ingo Wolfgang Sarlet salienta que :

o princípio da igualdade encontra-se diretamente ancorado na dignidade da pessoa humana, não sendo por outro motivo que a Declaração Universal da ONU consagrou que todos os seres humanos são iguais em dignidade e direitos. Assim, constitui pressuposto essencial para o respeito da dignidade da pessoa humana a garantia da isonomia de todos os seres humanos, que, portanto, não podem ser submetidos a tratamento discriminatório e arbitrário, razão pela qual não podem ser toleradas a escravidão, a discriminação racial, perseguições por motivo de religião, sexo, enfim, toa e qualquer ofensa ao princípio isonômico na sua dupla dimensão formal e material.198

Tanto isto é verdade que o bom exercício e o respeito aos princípios da

igualdade e da dignidade da pessoa humana demonstram a maturidade de uma

sociedade, e a instrumentalização necessária de meios de proteção social para o

lei”. 196BARROSO, Luis Roberto Barroso. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 1ª ed.: 1996, p. 150, destaca também que “ (...) que esses mesmos princípios funcionam como limites interpretativos máximos, com o condão de neutralizar os sentimentos pessoais e as conveniências políticas, reduzindo a discricionariedade do aplicador da norma e impondo-lhe o dever de motivar seu convencimento”.

197 Igualdade e Liberdade. 4ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000, p. 07.

198 Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2001. p. 89.

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firmamento deste próprio homem, quanto maior a proteção aos Direitos Humanos

maior será o grau de desenvolvimento de uma sociedade, alicerçada no homem

como começo e fim das políticas desenvolvimentistas sociais primando pela

solidariedade e pela justiça.

3.4 Ações afirmativas e a consagração do princípio da igualdade

Affirmative action foi a expressão utilizada pela primeira vez pelo Presidente

John F. Kennedy, no ano de 1961, instrumentalizada na Ordem Executiva Federal

norte-americana número 10925 de 6 de março de 1961, instituindo a Comissão

Presidencial da Igualdade de Emprego, e obrigando as empresas empreiteiras

contratadas pelos entes públicos a aumentar a contratação de minorias

desprivilegiadas e discriminadas. Estatuía também em sua Seção 301 a proibição de

acesso ao emprego em função de raça, credo ou nacionalidade.

Passagem histórica de importância ímpar se deu no governo do presidente

Lyndon Johnson, nos idos de 1963 com a adoção do Civil Right Act (Lei dos Direitos

Civis) vedando a segregação no mercado de trabalho199 em razão de raça, sexo, cor

ou nacionalidade, bem como a utilização dos lugares públicos.200 O questionamento

199 Sobre a temática conferir GILLIAM, Ângela. Um necessário instrumento de inclusão publicado no Jornal Folha de São Paulo, 3/11/1996, p. 5-3.:“ (...) a ação afirmativa não foi uma preferência. Foi um instrumento por meio do qual puderam ser minimizadas as preferências antes concedidas a outros grupos. Ela representava a oportunidade de se competir por empregos com outros grupos demográficos, por meio do “nivelamento do campo de ação”. Ela nunca representou a garantia de empregos, apenas a oportunidade de se obtê-los.Mas os conservadores redefiniram a ação afirmativa de modo a significar “preferências raciais” (seleção baseada exclusivamente numa identidade racial específica) cotas (um número fixo) e “discriminação inversa”. Mas a ação afirmativa nunca significou “cotas” , conceito este que possui uma relação histórica com o passado norte-americano e que foi aplicado pela primeira vez às políticas imigratórias excludentes durante a década de 1920. As pessoas que eram objeto das políticas imigratórias restritivas do governo naquela época eram imigrantes gregos, italianos e portugueses, europeus orientais, como católicos poloneses e judeus russos, e os irlandeses racialmente discriminados. Durante esse período, o ingresso de alguns grupos populacionais asiáticos nos EUA foi excluído. Assim, quando se denigre a ação afirmativa, retratando-a como um sistema excludente de cotas – quando, na realidade, representa uma luta pela inclusão – o que se está fazendo é virar a história de ponta-cabeça”. 200 Mister assinalar o famoso discurso do Presidente Lyndon Johnson na Howard University considerada a universidade da elite negra “Liberdade não é o bastante. Não se apagam as cicatrizes de séculos dizendo: agora você é livre pra ir aonde quiser, fazer o que desejar e escolher os líderes que lhe agradem. Você não pega uma pessoa que por anos, esteve presa por correntes e a liberamos, a levamos para o início da linha de partida de uma corrida, e então dizemos “você está livre para competir com todos os outros, e ainda acrescentamos que fomos completamente justos. Assim não é o bastante apenas para abrir as portas da oportunidade. Todos os cidadãos devem

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da igualdade real de condições, ocorrido nos EUA, após o pronunciamento histórico

do Presidente Lindon B. Johnson, em 1965 na Howard University, desencadeou e

incentivou a adoção da ação afirmativa norte-americana, tendo em sido aprovado

em 1964 o Título VII da Lei dos Direitos Civis proibindo a discriminação no emprego

de minorias raciais, sobretudo os negros, e mulheres.

O primeiro critério de definição de ação afirmativa ocorreu, sob a

administração de Nixon, na orientação a empregadores, situados em áreas

demográficas estratégicas, de ofertar empregos a pessoas qualificadas pertencentes

a diversos grupos raciais, dentro de objetivos flexíveis e por um tempo também

flexível. Desta maneira, a representação racial de tais grupos dentro da empresa

seria melhorada. A Suprema Corte referendou o plano e em 1974 foi assinada

ordem executiva colocando também a mulher sob a proteção da Lei de 1964,

proibindo a discriminação no ambiente de trabalho por questões de gênero. Também

estão incluídas as questões de idade (The Age Discrimination in Employment Act),

de portadores de deficiência (The American with Disabilities Act) e de remuneração

igual para igual trabalho (The Equal Pay Act)201.

No Brasil, o primeiro registro histórico de ação afirmativa datado de 1968 e

destinado a população negra é relatado pelo pesquisador Hélio Santos202 em

Relatório produzido para a Organização das Nações Unidas (ONU) em 1999.

Referida ação afirmativa diz respeito à manifestação de técnicos do Ministério do

Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho (TST) favoravelmente à criação de uma

lei que compelisse as empresas privadas a manter uma percentagem mínima de

empregados negros, na ordem de 20%, 15% ou 10% de acordo com o ramo de

atividade e a demanda, visando, assim coibir a discriminação racial. Tem-se também

como registro histórico a Lei n. 5465/68 a qual disciplinou reserva de vagas na

ordem de 50% nos estabelecimentos de ensino Médio Agrícola para candidatos

possuir a habilidade necessária para atravessar essas portas”. Disponível em http://www.uol.com.br. Acesso em 20 de setembro de 2007. 201 Informações disponíveis em http://www.uol.com.br. Acesso em 20 de setembro de 2007. 202 SANTOS, Hélio Santos et al. Políticas Públicas para a população negra no Brasil. Relatório da ONU, 1999, p. 222.

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agricultores ou seus filhos.

No ano de 1983 por meio do Projeto de Lei n. 1.332 de 1983 o Deputado

Federal Abdias Nascimento propôs ações destinadas aos negros, qual seja, a

reserva de 20% de vagas a mulheres negras e 20% par homens negros candidatos

ao serviço publico, criação de instrumentos de incentivo para as empresas privadas

no combate à discriminação, produção de folheteria e literatura para o fortalecimento

e inclusão de afro-brasileiros, e, finalmente a inclusão de uma disciplina acerca da

história dos afro-descentes, suas origens e estabelecimento no solo brasileiro203.

O conceito de igualdade material pressupõe o dinamismo do Estado que

buscará empreender esforços com o intuito de promover a igualdade de

oportunidades que se justificam na medida em que visam mitigar as desigualdades

econômicas e sociais existentes em certos grupos fragilizados ao longo da história.

Tais ações são batizadas de “ações afirmativas” também denominadas no Direito

Europeu de “discriminações positivas”, propugnando pela igualação promovida pelo

fomento de oportunidades.

Guilherme Machado Dray assevera que a noção de “igualdade de

oportunidades” surge como um ponto de encontro entre duas grandes tradições

jurídico-ideológicas existentes a propósito da igualdade: a liberal, que ao assentar na

neutralidade do Estado, concebe a igualdade de oportunidades como uma igualdade

de condições jurídicas independentemente da existência de desigualdades de meios

factuais; e a social, que assenta no restabelecimento da própria igualdade factual,

como condição necessária para a promoção de uma igualdade real. Assim,

enquanto que a primeira vê a igualdade de oportunidades de um ponto de vista

estritamente “formal” , a segunda, pelo contrário, concebe a igualdade de um ponto

de vista “material” apelando por isso a uma visão “positiva” e “intervencionista” da

igualdade.204

203 Dados obtidos no texto de MOEHLECKE, Sabrina. Ação Afirmativa: história e debates no Brasil. Cadernos de Pesquisa – FCC. São Paulo, n. 1, fasc. 117, p. 197-217, nov. 2002, p.222. 204 O princípio da igualdade no direito do trabalho: sua aplicabilidade no domínio específico da formação de contratos individuais de trabalho. Coimbra: Almedina, 1999, p. 89.

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Considera ainda o autor que a “igualdade de oportunidades” de contorno

absolutamente formal e própria de um Estado Liberal, vem sendo, em razão do

Estado Social de Direito, substituída por uma noção de igualdade material atenta à

correções das desigualdades por meio das discriminações positivas.205

No mesmo caminho seguem as ponderações de José Joaquim Gomes

Canotilho asseverando que:

Uma das funções dos direitos fundamentais ultimamente mais acentuada pela doutrina (sobretudo a doutrina norte-americana) é a que se pode chamar de função de não-discriminação. A partir do princípio da igualdade e dos direitos de igualdade específicos consagrados na constituição, a doutrina deriva esta função primária e básica dos direitos fundamentais: assegurar que o Estado trate seus cidadãos como cidadãos fundamentalmente iguais. (...) Alarga-se [tal função] de igual modo aos direitos a prestações (prestações de saúde, habitação). É com base nesta função que se discute o problema das quotas (ex.: parlamento paritário de homens e mulheres) e o problema das affirmative actions tendentes a compensar a desigualdade de oportunidades (ex.: quotas de deficientes).206

Há de ser salientado que o termo “discriminação positiva” é tido por inúmeros

autores como sinônimo de “ação afirmativa”.A discriminação denominada de positiva

se afina com o Texto Constitucional de 1988 em especial com os ditames

estabelecidos no art 3º, incisos I, III e IV da CF/88, cabendo citar:

Art. 3o. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...) III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. IV -promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

205 Idem, p. 111. 206 Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3a ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 385.

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Acerca do dispositivo constitucional supracitado se manifesta o Ministro

Marco Aurélio de Mello :

Do artigo 3º vem-nos a luz suficiente ao agasalho de uma ação afirmativa, a percepção de que o único modo de se corrigir desigualdades é colocar o peso da lei, com a interatividade que ela deve ter no mercado desequilibrado, a favor daquele que é discriminado, que é tratado de forma desigual. Nesse preceito são considerados como objetivos fundamentais de nossa República, construir – prestem atenção a esse verbo – uma sociedade livre, justa e solidária; segundo, garantir o desenvolvimento nacional- novamente temos aqui o verbo a conduzir, não a uma atitude simplesmente estática, mas a uma posição ativa; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e, por último, nos que nos interessa, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Posso asseverar, sem receio de equívoco, que se passou de uma igualização estática, meramente negativa, no que se proibia a discriminação, para uma equalização eficaz, dinâmica, já que os verbos “construir, garantir` erradicar e promover, implicam, em si, mudança de óptica, ao denotar ação. Não basta discriminar. É preciso viabilizar – e encontramos na Carta da República, base para fazê-lo – as mesmas oportunidades. Há de ter-se como página virada o sistema simplesmente principiológico. A postura deve ser, acima de tudo, afirmativa.”207

A escolha do verbo promover presente no inciso IV do art. 3º da Carta Magna

de 1988 demonstra a postura assumida pelo legislador constituinte objetivando uma

atitude pró-ativa, gestora e produtora de resultados. Não basta apenas conclamar a

igualdade, é preciso ir além buscando instrumentos fomentadores da concretização

cotidiana da igualação.

O vocábulo promover pressupõe movimento, impulso, trabalho, realização,

fomento, proposição, acepções estas encontradas como sinônimas no Dicionário da

Língua Portuguesa.208 A promoção do bem de todos deve ser compreendida como

uma ação afirmativa vedando a discriminação e buscando a igualdade por meio da

adoção de condutas para a construção de uma nova roupagem no cenário nacional.

A concepção moderna de Estado há de ser dinâmica, deixando de lado a

passividade, na busca da concretização da igualdade substancial, devendo ser

207 O Direito ao Trabalho da Pessoa Portadora de Deficiência. São Paulo : LTr, 2004. p. 135-136. 208 Dicionário Prático da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1993, p. 742.

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citado o entendimento de Joaquim Barbosa Gomes e Fernanda Duarte Lopes Lucas

da Silva:

Significa que se universaliza a igualdade e promove-se a igualação: somente com uma conduta ativa, positiva, afirmativa,é que se pode ter a transformação social buscada como objetivo fundamental da República... Se fosse apenas para manter o que se tem, sem figurar o passado ou atentar à história, teria sido suficiente, mais ainda, teria sido necessário, tecnicamente, que apenas se estabelecesse ser objetivo manter a igualdade sem preconceitos, etc. Não foi o que pretendeu a Constituição de 1988. Por ela se buscou a mudança do conceito, do conteúdo, da essência e da aplicação do princípio da igualdade jurídica, com relevo dado à sua imprescindibilidade para a transformação da sociedade, a fim de se chegar a seu modelo livre, justa e solidária.209

Verificamos também a busca pela igualdade material como princípio

aclamado pela Ordem Econômica Constitucional estabelecendo em seu art. 170,

inciso VII:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) VII – redução das desigualdades regionais e sociais (...) IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Ainda, em seu art. 37 preceitua o Texto Constitucional a salvaguarda e a

proteção ao mercado de trabalho ao deficiente ditando em seu inciso “VIII – A lei

reservará percentual210 dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras

209 As Ações Afirmativas e os processos de promoção da igualdade efetiva, Série Cadernos do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal n. 24, p. 86 por ocasião do Seminário Internacional As minorias e o Direito ocorrido em Brasília (DF) nos dias 12 a 14 de setembro de 2001. Disponível no site http://www.ufsm/afirme/artigos. Acesso em 12 de maio de 2008. 210 Cota constitui-se como um dos instrumentos para efetivação das ações afirmativas e firmamento da igualdade material. Trata-se de reserva de número ou porcentagem de vagas ou lugares previstos legalmente.

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de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”.

Importante repisar o papel desempenhado pelas ações afirmativas que devem

ser utilizadas pra a efetivação do equilíbrio e da igualdade de oportunidades, não se

perdendo de vista os limites garantidores da inclusão da minoria, visando romper

preconceitos e não criar novos.211 Vale trazer à colação os ensinamentos do Ministro

Joaquim Barbosa Gomes:

Atualmente as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero, por deficiência física e de origem nacional, bem como para corrigir ou mitigar os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego. Diferentemente das políticas governamentais antidiscriminatórias, baseadas em leis de conteúdo meramente proibitivo, que se singularizam por oferecerem às respectivas vítimas tão somente instrumentos jurídicos de caráter reparatório e de intervenção ex post facto, as ações afirmativas têm natureza multifacetária. Visam a evitar que a discriminação se verifique nas formas usualmente conhecidas – isto é, formalmente por meio de normas de aplicação geral ou específica, ou através de mecanismos informais, difusos, estruturais, enraizados nas práticas culturais e no imaginário coletivo. Em síntese, trata-se de políticas e mecanismos de inclusão concebidos por entidades públicas, privadas e por órgãos dotados de competência jurisdicional, com vistas à concretização de um objetivo constitucional universalmente reconhecido – o da efetiva igualdade de oportunidades a que todos os serem humanos têm direito.212

Como conclusão acerca do conceito de ações afirmativas podemos defini-las

como medidas excepcionais e temporárias, destinadas aos grupos historicamente

segregados, oprimidos e discriminados visando por meio de políticas públicas,

possibilitar possibilidades para que atinjam a igualdade material, resgatando valores

como a justiça, o bem-estar social e a cidadania de tais grupos. Ressalta-se que um

traço de importância ímpar das ações afirmativas traduz-se como a temporariedade

211 VILAS-BOAS, Renata Malta. Ações Afirmativas e o princípio da igualdade. Rio de Janeiro: Editora América Jurídica, 2003, p. 30. 212 O Debate Constitucional sobre as Ações Afirmativas In Santos, Renato E; Lobato, Fátima (org.) Ações Afirmativas: políticas públicas contra as desigualdades raciais. Rio de Janeiro: DP & A, 2003, p. 27.

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das medidas, não se legitimando a manutenção perpétua das medidas de cunho

estritamente emergencial.

Segundo Maria Aparecida Gugel 213 são identificados três modelos de

atuação Estatal visando eliminar as variadas formas de discriminação.

No primeiro paradigma há a concentração de políticas públicas voltadas para

leis e regulamentos vedando e punindo condutas consideradas discriminatórias. São

criados mecanismos de controle e instrumentos facilitadores da ação jurisdicional

em casos concretos. Já no segundo modelo as políticas públicas encaram o

fenômeno de forma mais abrangente, reconhecendo que a discriminação é resultado

de um complexo sistema de relações, manifestando-se de maneira múltipla. tem

múltiplas manifestações. Neste modelo são verificadas as instituições de cotas como

forma de recuperação dos efeitos discriminatórios havidos em tempos passados em

relação aos grupos segregados.

Já no terceiro paradigma há a ciência e o reconhecimento que as

discriminações têm origem fora do mercado de trabalho e as políticas públicas

buscam ampliar o cardápio de oportunidades, com a adoção de serviços de apoio

visando enfrentar e recuperar as desigualdades dos grupos discriminados.

Entende a autora que no Brasil adota-se o segundo paradigma de ação

afirmativa o qual pode ser verificado pela previsão de política nacional de proteção

às mulheres (art. 7º, XX, Constituição), estabelecida no artigo 373-A, CLT e, de

pessoas com deficiência (art. 37, VIII, Constituição, Leis 7.853/89 e 8.112/90), com

políticas públicas instituídas e medidas legais de proteção e correção de distorções

que afetam o acesso ao trabalho.

Carmem Lúcia Antunes Rocha considera que por meio da desigualação

positiva há a promoção da igualação jurídica de forma efetiva fazendo com que os

grupos histórico e culturalmente discriminados encontrem a igualação social. Por

meio das ações afirmativas tem-se a possibilidade de serem superados o isolamento

213 Ação Afirmativa é um dever do Estado. http://www.uol.com.br. Acesso em 10 de maio de 2009.

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e o rebaixamento social das minorias segregadas.214

Finalmente, oportuno destacar que as ações afirmativas não buscam apenas

proibir, mas vão além, no sentido de promover, diversificar e trazer ao mundo o

pluralismo. Importante ratificar a natureza educativa das ações afirmativas visando

transformar o contexto sócio-político-cultural, induzindo transformações no

imaginário coletivo acostumado com a idéia de supremacia e opressão de uma raça

sobre a outra, do homem sobre a mulher. Por meio da exemplaridade as ações

afirmativas alcançariam um caráter mais perene congregado à uma maior

“diversidade” e “representatividade” dos grupos minoritários nas esferas públicas e

privadas, engajados na luta de se eliminar os efeitos pretéritos da discriminação que

custam a ser esquecidos.215

3.5 Gênero e discriminação positiva na Constituição Federal de 1988

Encontramos no Texto Constitucional exemplos de discriminações voltadas à

mulher. Como já dito anteriormente, ao serem promovidas discriminações o que se

deve observar é o liame lógico entre o fato e a necessidade de desigualação216.

214 ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Ação Afirmativa: o conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 33, n. 131, jul;set, 1996, p.283-295. 215 GOMES,Joaquim Barbosa. O Debate Constitucional sobre as Ações Afirmativas In Santos, Renato E; Lobato, Fátima (org.) Ações Afirmativas: políticas públicas contra as desigualdades raciais. Rio de Janeiro: DP & A, 2003, p.29-30. 216 Sobre o assunto sábias são as lições de BENEVIDES, Maria Vitória Benevides. Democracia de iguais, mas diferentes. In Mulher e Política: gênero e feminismo no Partido dos Trabalhadores. São Paulo: Fundação Perseu Abramo,1998, p. 140-141: “É evidente que não se supõe a igualdade como “uniformidade” de todos os seres humanos – com suas saudáveis diferenças de raça, etnia, sexo, ocupação, talentos específicos, religião e opção política, cultura no sentido mais amplo. O contrário da igualdade não é a diferença, mas a desigualdade, que é socialmente construída, sobretudo numa sociedade tão marcada pela exploração classista. As diferenças não significam, necessariamente, desigualdades, isto é, não existe uma valoração hierárquica inferior/superior na distinção entre pessoas diferentes. Homens e mulheres são obviamente diferentes, mas a desigualdade estará implícita se tratarmos essa diferença estabelecendo a superioridade masculina, por exemplo. O mesmo pode ser dito das diferenças culturais e étnicas. Em outras palavras, a diferença pode ser enriquecedora, mas a desigualdade pode ser um crime”.

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O art. 7º em seus incisos XVIII e XIX enuncia duas discriminações positivas

necessárias para o universo feminino:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário e com a duração de cento e vinte dias; (...) XIX – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei.

A necessidade de estabelecer à gestante o direito à licença, bem como o

salário-maternidade, garantindo-lhe garantia do emprego e do salário é de ordem

imperiosa, compreendida a maternidade como direito social, previsto no art. 6º da

CF/88. A proteção da mulher neste caso se faz clara tendo em vista ser a

maternidade biológica atributo próprio e inerente à condição feminina.

Quanto à criação de incentivos específicos para a proteção do mercado de

trabalho da mulher, os dados já colacionados no Capítulo 2 do presente trabalho

comprovam a efetiva discriminação da mulher no mundo laboral, traduzida como

menores salários, maior vitimização nos assédios morais e sexuais, bem como seu

afastamento das atividades profissionais quando da gestação e da criação dos

filhos, tarefas ainda de natureza essencialmente femininas, não compartilhadas na

práxis cotidiana com seus companheiros.

Contudo, a Constituição Federal de 1988 assinala como uma ação afirmativa

a possibilidade de aposentadoria pelas mulheres em idade e tempo inferior àquela

concedida aos homens.

Este é o objeto da nossa tese e sobre o qual nos deteremos de maneira mais

aprofundada nos próximos capítulos, convindo, por agora, apenas mencionar que

esta ação afirmativa idealizada em um primeiro momento pelo Constituinte de 1967

no que tange ao tempo de contribuição e, posteriormente, por idade e por tempo de

contribuição pelo constituinte de 1988 não apresenta mais razões lógicas para a sua

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manutenção, configurando-se como uma “pseudoproteção” fomentadora de

desigualdade entre os gêneros e ratificação de estereótipos que não mais se

coadunam com os tempos hodiernos.

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4. AS APOSENTADORIAS POR IDADE E POR TEMPO DE

CONTRIBUIÇÃO NO REGIME GERAL DA PREVIDÊCIA SOCIAL

BRASILEIRA: APORTES NECESSÁRIOS

Onde começam os direitos humanos? Em pequenos lugares, próximos de casa - tão próximos e tão pequenos que não podem ser vistos em nenhum mapa do mundo. No entanto eles formam o mundo da pessoa, o bairro em que a pessoa mora (...) a fábrica, a fazenda ou o escritório onde ela trabalha. Esses são os lugares onde cada homem, mulher e criança procuram a igualdade na justiça, a igualdade nas oportunidades, a igualdade na dignidade, sem discriminação. Se esses direitos não significarem nada nesses lugares, eles terão muito pouco significado em qualquer lugar.

Eleanor Roosevelt

4.1 Conceito de seguridade social e sua trajetória histórico-legislativa

É da racionalidade humana o pensar sobre a sua existência. O homem é o

único ser que detém a capacidade de raciocinar sobre a sua própria vida, bem

como, saber que tal existência é finita. A projeção para o futuro faz com que o

homem se amedronte com o porvir, com as incertezas. A preocupação com a

segurança é vivenciada por todas as sociedades das mais arcaicas às mais

modernas, cada qual exercitando mecanismos e instrumentos de proteção217

próprios para cada época.

Esta idéia, escolhas individuais pautadas na preocupação com o grupo,

coincide com a origem da passagem da proteção individual para a proteção coletiva

217 Segundo RUSSEL, Bertrand. Ética e Política na sociedade humana. Rio de Janeiro: Zahar, 1977 p. 167, “quando um homem primitivo nas brumas da pré-história guardou um naco de carne para o dia seguinte depois de saciar a fome, aí estava nascendo a Previdência”.

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em sociedade para fins de compreensão do fenômeno da seguridade social.

Neste trilhar histórico é possível concluir que a evolução da seguridade

social consubstancia-se na história da transferência constante e gradual de

responsabilidades a pessoas e/ou grupos mais fortes218, e neste cenário estará a

família assumindo a sua tarefa. Contudo, a capacidade financeira e econômica da

família contra os imprevistos é limitada.

Corroborando tal assertiva Maurice Stack interpreta estar na família, como

núcleo essencial, as raízes da seguridade social, tendo em vista a existência de

solidariedade entre as gerações, o poder e responsabilidade do chefe em relação

aos demais entes familiares, bem como a existência de atividades de planejamento

e previsão para o seu próprio funcionamento. Esclarece ainda o citado autor que

nos tempos antigos até meados do século XVIII a família recebia a colaboração de

vizinhos; (instituições religiosas locais e o município) pelas associações

profissionais e pelo empregador ou proprietário das terras, para a proteção nos

casos de imprevistos e infortúnios.219

Mozart Victor Russomano220 informa que os agrupamentos profissionais da

Índia, dos Hebreus e dos Árias, presentes no Código de Hamurabi, possuíam

interesses assistenciais, e da mesma forma, eram os colégios gregos e romanos.

Os romanos se reuniam em associações denominadas collegia compostas

por produtores e artesãos com objetivos mutualistas de cooperação e

218 DAIBERT, Jefferson. Direito Previdenciário e acidentário do trabalho urbano. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 17 “Na hora do perigo, o homem volve instintivamente o olhar para seu semelhante, à espera de que o próximo socorra em seu auxílio, remediando-lhe a debilidade. Se assim é, por que não penar nisso antes que as coisas aconteçam, propondo aos outros um sistema em que esse auxílio seja não um favor, mas o resultado de esforços e compromissos realizados em conjunto? Em outros termos: se a economia efetuada individualmente não satisfaz, por que não realizá-la em comum”. 219 História e evolução da Seguridade Social. Revista dos Industriários. São Paulo: Fev/1953, n. 31, p. 05-16. 220 RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de previdência social. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p.3-13.

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solidariedade.Na Grécia, em especial, em Atenas vislumbram-se as associações

mutualistas de ordem profissional nominadas de hetérias.

Tais ocorrências no estudo histórico podem ser conceituadas como as

sementes originárias para a evolução da salvaguarda de cunho individual e,

posteriormente, após a constatação da sua fragilidade a necessidade de

institucionalização de uma proteção coletiva e social.

Nesta seara sobreleva dizer que a proteção social evoluiu para combater a

precariedade das iniciativas individuais, bem como o caráter voluntário e moral de

tais atitudes dos componentes do grupo diante das adversidades. Ao ser atribuída à

sociedade, a proteção e salvaguarda dos membros do grupo deixa de ter caráter

moral, passando a ser dotada de juridicidade, como norma cogente e imperativa221.

Considera-se como marco da institucionalização da proteção social a Poor

Relief Act, ou Lei dos Pobres, do ano de 1601, na Inglaterra, no reinado da rainha

Isabel I, estabelecendo auxílios públicos aos necessitados. Por meio de tal

determinação, os necessitados recebiam seus auxílios das Paróquias responsáveis

pela distribuição.

Convém citar ainda a nos idos de 1891 a edição da Encíclica222 Rerum

Novarum do papa Leão XIII, considerado como marco inaugural da Doutrina Social

da Igreja, ditando as principais ações e atividades necessárias à consolidação da

justiça e do bem-estar social.

221 BALERA, Wagner & ANDREUCCI, Ana Claudia Pompeu Torezan. Salário Família no Direito Previdenciário Brasileiro. São Paulo: LTr, 2007 p. 20.

222 Encíclicas eram consideradas como cartas enviadas pelos bispos a seus colegas de uma mesma região, como forma de fortalecer a doutrina da Igreja. Contudo, com o pontificado do Papa Bento 14 o documento passou a ser considerado como manifestação da Sé Apostólica para toda a Igreja.

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Indispensável destacar na Alemanha a criação por Otto Von Bismarck, o

Chanceler de Ferro, da primeira norma de caráter protetivo dirigida aos

trabalhadores em 17 de novembro de 1881, estabelecendo seguros aos

trabalhadores atingidos por infortúnios, tais como a doença, a velhice, a invalidez e

os acidentes, ocasionando o afastamento do trabalho e a diminuição dos seus

numerários para a sua sobrevivência e de sua família. No ano de 1883 foi editada na

Prússia a primeira lei do Seguro-Doença também de sua autoria.223

Estabelecendo a tríplice contribuição dos empregados, empregadores e do

Estado também em 1883, foi criado o seguro-doença obrigatório para os

trabalhadores da indústria e em 1889 os seguros de invalidez e velhice.

Bismarck é de absoluta importância para a história da seguridade social

considerado como o germinal da evolução de uma proteção individual de ordem

caritativa para uma proteção coletiva própria dos grupos de trabalhos. Batizado de

Plano Continental a referida estrutura de normas inaugurou uma das grandes bases

do sistema de seguridade social calcado no planejamento do custeio tendo por início

a comunhão de esforços, com a tríplice contribuição de empregados , empregadores

e do Estado. Suas idéias serviram de paradigma influenciando diversos países entre

eles, a Áustria, que instituiu o seguro-enfermidade em 1888; a França e sua

legislação relativa a acidentes de trabalho, a Hungria em 1907 e os Países

Escandinavos, em 1911 disciplinando o seguro-enfermidade.

Destacando a singularidade do modelo alemão enfatiza Ilídio das Neves:

Como se sabe, ocorreu na Alemanha, nos últimos 20 anos do século XIX, a primeira iniciativa sistematizada e organizada, de protecção social obrigatória e garantida pelo Estado, embora dirigida apenas a determinados grupos de cidadãos(trabalhadores). Esta medida,

223 Enfatizando a importância do modelo alemão para a compreensão do instituto o autor português NEVES, Ilídio das. Direito da Segurança Social. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 149 informa que “Como se sabe, ocorreu na Alemanha, nos últimos 20 anos do século XIX, a primeira iniciativa sistematizada e organizada, de protecção social obrigatória e garantida pelo Estado, embora dirigida apenas a determinados grupos de cidadãos(trabalhadores). Esta medida, histórica em si, na sua concepção e nos seus efeitos na Europa, já que deu início aos modernos sistemas de previdência e segurança social, partiu da idéia de uma nova responsabilidade do Estado, para além da tradicional actuação em matéria de assistência social., na promoção e na garantia desse protecção social mediante a utilização de técnicas igualmente novas”.

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histórica em si, na sua concepção e nos seus efeitos na Europa, já que deu início aos modernos sistemas de previdência e segurança social, partiu da idéia de uma nova responsabilidade do Estado, para além da tradicional actuação em matéria de assistência social., na promoção e na garantia desse protecção social mediante a utilização de técnicas igualmente novas.224

Atravessando o Oceano Atlântico temos outro fato histórico de importância

ímpar para a seguridade social: a Grande Depressão de 1929 ocorrida nos EUA em

razão da “Quebra da Bolsa de Valores” gerando para os americanos desemprego,

miséria e condições precárias de vida.

Em 1932 a perda contínua do poder aquisitivo, as demissões em massa,

falência de empresas trouxeram aos americanos angústia, medo e descrédito. Neste

cenário em 1932 temos a eleição do Presidente Franklin Delano Roosevelt, que já

em seu primeiro discurso de tomada de posse alertou aos americanos que “A única

coisa que temos de temer é o próprio medo”.

Roosevelt objetivava formas de expandir o país e proteger a grande massa,

agora em uma situação de flagelo total. Criou-se assim um pacote de medidas

denominadas de New Deal (Novo Acordo) visando a criação de empregos pelo

próprio Estado o que foi efetivando gerando a construção e restauração de 400 mil

quilômetros de estradas, 40 mil escolas, contratação de 50 mil professores,

instalação de mais de 3,5 milhões de metros de tubulações de água e esgoto, entre

outros no

Criou-se o denominado Estado do Bem-Estar social (Welfare State) com o .

Estado intervindo na economia e também devemos lembrar a importância do o

Social Security Act criando um programa de seguro social destinado ao pagamento

de aposentadorias a trabalhadores com 65 anos ou mais, bem como o auxílio-

desemprego.225

224 Idem, p. 149 225 Informações obtidas no texto do historiador Renan Garcia Miranda New Deal dá vida nova aos EUA, Especial para a Folha de S.Paulo. Disponível em http://www.uol.com.br. Acesso em 10 de março de 2008.

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Continuando nosso trilhar histórico no ano de 1941 temos os planos

idealizados pelo Lorde William Beveridge. Sob o mote “Do berço ao túmulo” (Social

security from the cradle to the grave) tal plano instituía a mais ampla proteção aos

cidadãos e suas famílias diante de necessidades sociais e, para tanto, unificava os

seguros sociais existentes; estabelecia a universalidade de proteção social para

todos os cidadãos; impunha a igualdade de proteção social e determinava a tríplice

forma de custeio, com maior predominância do custeio estatal.226

Como já salientado no Capítulo 1 com o final da 2ª Grande Guerra Mundial

(1939-1945) estabelece-se paras os Estados a necessidade de reconstrução do

mundo e do próprio homem, fragilizado pelos terrores da guerra. Neste desiderato

há a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) visando estabelecer paz,

vínculo e solidariedade entre os homens, este último a base e o esteio da

seguridade social para se alcançar justiça e bem-estar social.

Para instrumentalização das intenções acima expostas aprovou-se pela

Resolução nº 217 da Assembléia Geral da ONU, a Declaração Universal dos Direitos

Humanos positivando-se a preocupação com o homem como objeto central,

226 STACK, Maurice, Ob. Cit. p. 11-12 destacava que “O plano Beveridge (1942) e as Recomendações da OIT sobre garantia dos meios de vida e assistência médica(1944) atraíram a atenção geral quanto à oportunidade:

a) de estender a Seguridade Social à totalidade da população;

b) de reconhecer a unidade essencial das funções de garantia dos meios de vida, que até então figuravam em regimes diferentes;

c) de reconhecer a unidade essencial dos serviços sanitários preventivos e curativos;

d) de conceder benefícios iguais pelo menos ao mínimo vital, compreendidos os salários-família;

e) de manter os princípios do seguro e, especialmente, o da contribuição dos segurados;

f) de reconhecer que a Seguridade Social torna-se impossível sem uma política de pleno emprego e não constitui mais que uma parte da campanha total para a liberação da necessidade;

g) de prever serviços complementares de assistência social a fim de cobrir as necessidades não satisfeitas pelo seguro social”.

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destinatário de direitos e garantias protetivas necessárias ao seu desenvolvimento

digno.

Em seu art. 85 vislumbramos a proteção integral ao ser humano, dignificado,

e amparado em suas necessidades, cabendo citar:

Artigo 85. Todo o homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos os serviços sociais indispensáveis, o direito à seguridade social no caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice, ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

Devemos citar também e com objetivos mais específicos à seguridade social

a instituição no ano de 1952 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) da

Convenção n. 102 denominada Norma Mínima de Seguridade Social, preceituando

a efetivação de uma proteção mínima de proteção a todos os membros da

sociedade, o que denominamos de princípio da universalidade. o princípio da

universalidade.

A partir da edição da Norma Mínima de Seguridade Social passamos a

perceber a instituição nos Textos Constitucionais dos direitos sociais, entre eles, os

direitos trabalhistas e previdenciários, podendo citar como exemplo do chamado

“Constitucionalismo Social” a Constituição do México, de 1917 a primeira a incluir

em seu art. 123 a previdência social em suas disposições, seguida em 1919 pela de

Weimar que em seu art. 163 disciplinou ao Estado a responsabilidade de proteção

nas necessidades do povo alemão quando atingido pelo desemprego e ausência de

subsistência.

A partir da análise histórica do instituto da seguridade social é possível

depreender sua importância bem como conceito e objetivos. A seguridade social

visa por meio da comunhão de esforços dos diversos atores sociais, entre eles,

empregados, empregadores, Estado e sociedade em geral, comunhão a que se dá o

nome de solidariedade social um dos princípios norteadores e fundantes do sistema,

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a proteção ao homem diante dos infortúnios, libertando-o da miséria e das

necessidades.

Manuel Alonso Olea e José Luis Tortuero Plaza com precisão declaram a

seguridade social como um conjunto integrado de medidas públicas ordenadas em

um sistema de solidariedade e que visam prevenir e remediar os riscos pessoais

por meio de prestações individuais agregando a idéia de que tais medidas são

voltadas para a proteção geral de todos em situações de necessidade, garantindo

assim um nível mínimo de rendimento. 227

Ainda resta declarar que o conceito de seguridade social na atualidade está

interagido com a idéia de necessidades do indivíduo e não como no início,

contemplado que era, como proteção para aqueles que exerciam atividade

profissional. Ademais, na medida em que a seguridade social se torna um serviço

de ordem pública, dever do Estado, congregando uma solidariedade social e não

apenas profissional, própria das origens do seguro social, o conceito de seguridade

social como garantia de renda cede espaço para uma conceituação mais ampla

como garantia de um mínimo vital aos membros da sociedade.228

Pelo o que foi exposto, resta claro o papel desenhado a ser cumprido pela

seguridade social, que por meio de objetivos definidos e políticas públicas

articuladas, visa estabelecer a proteção do homem, salvaguardando-o das

necessidades sociais, garantindo assim, a consolidação do bem-estar e da justiça

social.

4.2 Da noção de risco social à moderna concepção de contingência social:

incursões evolucionistas

Dotado de racionalidade e responsabilidade, pela consciência do seu

próprio existir, individualmente ou em grupos, o Homem se mostrou preocupado

227 Instituciones de Seguridad Social. 11ª ed. Madrid: Ed. Madrid, 1988, p. 38. 228 DUPEYROUX, Jean Jacques. O Direito à Seguridade Social. Revista dos Industriários. São Paulo: 1963, n. 94, p. 27.

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com a própria sobrevivência e preservação de sua vida diante das ameaças

conhecidas ou ignoradas. Os temores que afligem o homem em seus diversos

momentos históricos poderiam ser catalogados como riscos, em razão da sua

ameaça, imprevisibilidade, incerteza e condicionada ao futuro.

Diante de tais ameaças mais uma vez o Homem aprimorou-se para tentar

compreender os eventos danosos, estabelecendo e implementando condutas ativas

que mesmo sem afastá-los, buscavam minorar seus efeitos.

Em muitos casos tornou-se consciente que existem riscos previsíveis, mas

inevitáveis, tais como a morte e a velhice. Assim, correlata à idéia de libertação do

temor da necessidade está plasmado o conceito do seguro social buscando

condições exeqüíveis que garantissem ao indivíduo a proteção contra os riscos

comuns da vida.229

Nos primórdios da proteção social a salvaguarda dizia respeito aos riscos,

compreendidos como eventos futuros, incertos e sem previsibilidade. A evolução do

instituto da proteção social foi sendo aos poucos modificado para abranger a

concepção de assecuratória das necessidades sociais e não apenas dos riscos.

Mas, qual seria a diferença? Temos casos em que as necessidades sociais são

eventos intencionados pelo agente230, por exemplo, a constituição de uma família, a

maternidade biológica ou adotiva, o casamento, entre outros, e que são objeto de

proteção da seguridade social.231

Importa ressaltar ainda que a análise histórica da seguridade social

229 ASSIS, Armando de Oliveira. Em busca de uma concepção moderna de risco social. Revista IAPI, 1975, vol. 17, p. 25. 230 Como fortalecimento de nossa argumentação podemos citar as sábias palavras de Armando de Oliveira Assis, Ob. Cit, p. 29: “O risco social conforme pretendemos modelar, é o perigo, é a ameaça a que fica exposta a coletividade diante da possibilidade de qualquer de seus membros, por esta ou aquela ocorrência, ficar privado dos meios essenciais à vida, transformando-se, destarte, num nódulo de infecção no organismo social, que cumpre extirpar (...) “Hoje em dia é muito freqüente usar-se a expressão no plural – riscos sociais – porque a cada uma das eventualidades suscetíveis de causar desequilíbrio na vida do trabalhador e de sua família, se dá o nome de “risco”: doença, invalidez, morte e até maternidade”. 231 BALERA, Wagner & ANDREUCCI, Ana Cláudia Pompeu Torezan. Ob. Cit., p. 26.

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demonstra que as primeiras leis previdenciárias tiveram como gênese a proteção do

trabalhador. E assim constata-se não ter sido qualquer tipo de trabalhador que

inspirou a criação do seguro obrigatório, mas sim o chamado proletário ou operário,

isto é, aquele que trabalhava na indústria, submetido a horário, a ordens e

percebendo salário mensal. Era este trabalhador, em razão das suas atividades

diárias, que encontrava-se mais sujeito a vicissitudes da miséria e da falta de

provimentos no caso de ser atingido pelos eventos danosos, denominados naquele

momento histórico, de riscos. Assim, ocorrendo o risco estaria o operário fadado ao

estado de necessidade e impossibilidade de subsistência de si próprio e de sua

família.232

No entanto, há de se mencionar que o Seguro Social apesar de seu

nascimento com o Direito do Trabalho buscou transformar e ultrapassar a proteção

do homem enquanto trabalhador, ampliando o seu horizonte e compreendendo-o

como “um ser digno de segurança e credor da solidariedade de seus

semelhantes”.233 Protegia-se o trabalhador, e na verdade o homem, enquanto

cidadão, deveria ser protegido. Esta mudança de conceito foi de indescritível

importância para a nossa disciplina, pois enalteceu a verdadeira missão do sistema

de seguridade social, qual seja, o de proteger o indivíduo diante das necessidades

sociais, enquanto cidadão e componente de uma determinada coletividade234.

A idéia de risco social como algo de acontecimento futuro, imprevisível e

incerto aos poucos vai cedendo lugar para as denominadas “necessidades sociais”

que não significam em um primeiro plano, riscos na acepção técnica do termo, mas

configurar-se-ão como fatos influenciadores na subsistência do cidadão e

merecedores de uma proteção social, a fim de garantir uma sobrevivência saudável

e moralmente digna. Desta forma, do conceito de risco como base do seguro social,

passou-se à noção de contingência humana, mais ampla.235

232 CARDONE, Marly Antonieta. Seguro Social e Contrato de Trabalho. São Paulo: Saraiva, 1973, p.13. 233 DERZI, Heloisa Hernandez. Os beneficiários da pensão por morte. São Paulo, Lex Editora, 2004, p. 63. 234 ASSIS, Armando de Oliveira. Ob. Cit, p. 29. 235 Idem, p. 14.

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É o que acontece, por exemplo, no momento de constituição da família. O

segurado, desejando perpetuar laços de amor e de descendência, ampliará suas

situações de necessidade em razão do incremento do número de componentes do

núcleo familiar. Visando ampará-lo surgem os benefícios familiares.

Constitui-se, assim, o salário-família a tradução mais vanguardista de que o

conceito de risco, sinônimo de prejuízo e incerteza, evoluiu. Os filhos, comemorados

e festejados, são centelha divina e não trazem consigo o malfadado prejuízo, mas

sim uma sobrecarga financeira para o núcleo familiar, razão pela qual existem os

abonos familiares colaborando na provisão de numerários.236

No decorrer de todo o trabalho destacamos que o sistema de seguridade

social vem sendo cenário de constantes mutações. Neste diapasão o denominado

“risco social” como aquele evento futuro, incerto e imprevisível que geraria um

eventual dano ou prejuízo ao segurado, aos poucos vai sendo substituído para ser

considerado como “necessidades sociais” as quais são algumas vezes voluntárias e

pré-concebidas.

Outro exemplo para melhor compreensão da evolução do conceito de

necessidade social é o benefício instituído pela Lei 10.421/2002 denominado

salário-maternidade à mãe adotiva. Neste cenário de hodiernas transformações

resta evidente que a adoção não se configura como um ato incerto e imprevisível,

muito pelo contrário, depende do querer, da vontade e do agir do interessado em

proceder à adoção, que dependerá de um processo judicial para sua concretização.

A adoção se traduz como verdadeiro ato de fraternidade e assim sendo,

somos sabedores de que o sistema de seguridade social está absolutamente

alicerçado no princípio da solidariedade, na busca pela justiça social e promoção da

dignidade humana. Portanto, ao selecionar esta necessidade como merecedora de

proteção social o legislador infraconstitucional dignificou o instituto da adoção no

236 BALERA, Wagner Balera & ANDREUCCI, Ana Claudia Pompeu Torezan.Ob. cit., p. 122.

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Brasil, exatamente no momento em que percebemos muitas crianças abandonadas

na busca de um lar.237

Neste sentido sábias são as palavras de Armando de Oliveira Assis

pontificando que :

Completadas tôdas as eventualidades que representavam perda de salário independemente da vontade do trabalhador, o seguro social culminou com a atenção dada a determinadas eventualidades que, em verdade, não podem ser classificadas nem como eventos imprevistos, nem como riscos. Essas eventualidades se referem aos casos em que em virtude de fatos normais da existência humana, o trabalhador se vê a braços com um acréscimo de responsabilidade econômica, como sejam o matrimônio, o nascimento de um filho, ou a existência de uma prole numerosa. Como se nota, nem o matrimônio, nem a maternidade são riscos, na acepção técnica do têrmo. Mas, não obstante, foi possível incluir êsses fatos, geradores de sobrecarga econômica para os trabalhadores, no número de eventualidades componentes de sistemas de seguro social. 238

Paul Durand239 considera que o risco é um acontecimento desafortunado na

maioria das vezes, como na doença, na morte, no incêndio considerado nessa

acepção como sinistro. Mas qualificativo risco também pode ser aplicado a

acontecimentos futuros: a sobrevivência do segurado, nos casos de seguro de vida,

o matrimônio, o nascimento de um filho, nos seguros de casamento ou nascimento.

Finalmente, devemos compreender apoiando-nos nos ensinamentos de Ilídio

das Neves que a missão fundamental do sistema é a de assegurar de forma

organizada a salvaguarda dos cidadãos contra determinados riscos da existência,

tendo em vista que os efeitos danosos afetam não apenas às pessoas

individualmente consideradas, mas sim a sociedade em seu conjunto, cabendo ao

Estado a responsabilidade nas políticas sociais.240

237 Neste sentido é a nossa obra Salário-Maternidade à mãe adotiva no Direito Previdenciário Brasileiro. São Paulo: LTr, 2005. 238 Idem, ibidem. 239 La Politica Comtemporánea de seguridad social. Madrid: Ed. Ministério do Trabajo Y Seguridad Social. Madrid: Ed. Ministerio do Trabajo y Seguridad Social, 1991 (Colleción Seguridad Social, n. 4), p.22. 240 NEVES, Ilídio das. Ob. Cit., p. 19.

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4.3 A seguridade social na Constituição Federal de 1988

Na Constituição Federal de 1988 temos insculpido o conceito de seguridade

social em Art. 194 estabelecendo que: “A seguridade social compreende um

conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade,

destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência

social”.

Portanto, é a seguridade social241 formada pela tríade assistência social,

saúde e previdência social.

A seguridade social constitucionalmente engendrada por princípios previstos

no art. 194 tem por objetivos principais a consolidação de um Estado de Bem-Estar

Social, cumprindo seu papel institucional de busca pela justiça e paz social, com a

redução das desigualdades, promoção da dignidade da pessoa humana e proteção

do homem diante vicissitudes e necessidades sociais.

Em razão de melhor delimitação do objeto de nosso estudo que se insere na

previdência social optamos pela simples conceituação de ordem constitucional dos

demais elementos da seguridade social que são a assistência social e a saúde.

O art. 203 da CF/88 disciplina a assistência social ditando que:

Art. 203 A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

241 OLIVEIRA, Moacyr Velloso Cardoso de. Previdência Social. Rio de Janeiro: Freitas, 1987. p. 21 considera a seguridade social como : “Conjunto de medidas adotadas pelo Estado, por meios de organizações próprias ou subvencionadas, destinadas a prover as necessidades vitais da população do país, nos eventos básicos previsíveis e em outras eventualidades, variáveis segundo as condições nacionais, que podem verificar-se na vida de cada um, por meio de um sistema integrado de seguro social e de prestação de serviços sociais, de cuja administração e custeio participam direta ou indiretamente, os próprios segurados ou a população mesma, as empresas e o Estado”.

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II – o amparo às crianças e adolescentes carentes; III – a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV – a habilitação e a reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

A assistência social está regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência

Social (Lei n. 8.742 de 7 de dezembro de 1993) e um dos principais traços distintivos

em relação à previdência social é o seu caráter não-contributivo, ou seja, sem a

devida contraprestação contributiva do hipossuficiente visando apartar as situações

de pobreza e miserabilidade mediante a atuação concreta do Estado.

Nesse sentido, Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen242 consideram a

assistência social como uma das vias de proteção destinada aos sujeitos não

assegurados pela Previdência Social, que é dotada de caráter contributivo, visando

oferecer condições de sobrevivência frente às necessidades e à miséria com

dignidade.

Considera Damião Alves de Azevedo243 que o conceito e a definição de

assistência social deve ser reforçado nos dias atuais não como elemento caritativo,

historicamente assim considerado, mas sim como dever e obrigação do Estado por

meio da implementação de políticas públicas engajadas no enfrentamento da

pobreza, na redução das desigualdades regionais e conclamação do bem-estar e da

justiça social. Os objetivos propugnados pelo art. 203 da Constituição e reafirmados

no art. 2º da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), nº 8.742/93. ratificam ser a

242 Direito da Seguridade Social: prestações e custeio da Previdência, Assistência e Saúde. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 264.

243 Por uma compreensão constitucionalmente adequada da Assistência Social. Disponível em: http;//www.mj.gov.b. Acesso em 14 de abril de 2008.

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assistência social um dos instrumentos de promoção dos direitos sociais, elemento

da seguridade social, visando garantir oportunidades para aqueles cidadãos

desprovidos e necessitados. A assistência visa em análise última a efetivação do

Estado Democrático de Direito Brasileiro.

Quanto à saúde estabelece a Constituição Federal de 1988 em seu art. 196:

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e

econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao

acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e

recuperação”.

Importa ressaltar que a saúde, assim como a assistência social, se distingue

da previdência social pela sua não contributividade, sendo compreendida como

compreendida direito público subjetivo alicerçada no princípio da universalidade,

pois se constitui como um direito de todos e dever do Estado, atuando na esfera

prevencionista, bem como recuperadora.

Em razão da relevância das ações e dos serviços de saúde caberá ao Poder

Público, nos termos do art. 197 do Texto Magno de 1988, promover as atividades de

regulamentação, fiscalização e controle.244

4.3.1 Previdência Social e sua evolução histórico-legislativa

O doutrinador Augusto Massayuki Tsutiya245nos oferta uma didática

contribuição para a compreensão das fases do desenvolvimento da legislação

previdenciária, denominadas:

244 No mesmo sentido ressalta TESSLER, Marga Inge Barth em seu artigo O direito à saúde: A saúde como direito e como dever na Constituição Federal de 1988. Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 78 : “Não há dúvida da fundamentalidade do direito à saúde. Foi a Constituição de 1988 a primeira das nossas Cartas políticas a reconhecer explicitamente e assegurar este direito. É o segundo dos direitos sociais, logo após a educação. O artigo 196 da Carta de 1988 inscreve a saúde como ‘direito de todos e dever do Estado’. Este dever do Estado será garantido através de políticas sociais e econômicas, objetivando a redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços públicos para a sua promoção, proteção e recuperação”.

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a) Fase da Implantação (1923- 1933)

b) Fase da Expansão (1933-1960)

c) Fase da Unificação (1960-1977)

d) Fase da Reestruturação (1977-1988)

a)Fase da Implantação (1923- 1933)

Com o governo de Getúlio Vargas ocorre enorme expansão do direito social

mediante a criação das diversas caixas e institutos de proteção de categorias

profissionais determinadas.246

No Brasil, a Revolução de 1930 ensejou o reconhecimento de diversos

direitos sociais, inclusive seguros obrigatórios contra velhice e doença. Neste

momento o sistema deixou de ser estruturado por empresa sendo extensivo às

categorias profissionais, como o Instituto de Aposentadorias em Pensões dos

Marítimos (IAPM), dos Comerciários (IAPC), dos Bancários (IAPB), dos Industriários

(IAPI), dos empregados em Transporte de Carga (IAPETC), dos Servidores Públicos

do Estado (IPASE).

Tem-se como marco histórico da Previdência Social no Brasil a Lei Eloy

Chaves, Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923, disciplinando a criação da

Caixa de Aposentadorias e Pensões para os trabalhadores nas estradas de ferro do

em âmbito nacional. Entre os benefícios elencados estavam a aposentadoria por

invalidez, ordinária (tempo de serviço), pensão por morte e assistência médica. Em

1926 os benefícios previdenciários foram estendidos aos portuários, empregados

dos serviços de telégrafos e radiotelégrafos, serviços de força, luz e bondes.

245 Curso de Direito da Seguridade Social. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 10-11. 246 Entre as categorias estão: IAPETEC – Instituto de Aposentadoria de Pensões dos empregados em transporte de Carga; IAPM – Instituto de aposentadoria e pensões dos marítimos; IPC – Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários.

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Outra mudança foi o sistema de financiamento. Como ocorria na lei Eloy

Chaves o sistema era custeado pelos empregados, empregadores e usuários do

sistema ferroviário, mas sem a participação do Estado. A partir de 1930 a

contribuição para o sistema era feita pelos empregados, pelos empregadores, cuja

contribuição incidia sobre a folha de pagamentos, bem como de financiamento do

Estado com recursos obtidos através de taxa cobrada sobre artigos importados. A

Constituição Federal de 1934 estabelecia esta forma de custeio tripartite, tornando a

contribuição obrigatória.

b) Fase da Expansão ( 1933-1960)

A Constituição de 1934 disciplinava a cobertura de algumas contingências,

entre elas, velhice, invalidez, maternidade, morte e acidentes do trabalho. No

tocante à aposentadoria estabelecia a compulsoriedade aos servidores públicos

aos 68 anos de idade, aposentadoria integral aos servidores com 30 (trinta) anos

de serviço ou em decorrência de acidente, estabelecendo como limite da

aposentadoria os vencimentos da atividade.

A Constituição de 1937 manteve o que já vinha sendo disposto na

Constituição de 1934.

Em 1943, em pleno período da vigência do Estado Novo de Getúlio Vargas,

foi editada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sendo assegurados diversos

direitos aos trabalhadores brasileiros.

Na Constituição de 1946 o termo “previdência social” foi alterado para

“seguro social” e o custeio mantinha-se financiado pela tríplice fórmula

empregados, empregadores e Estado. Na vigência da Constituição de 1946 houve

uma unificação e uniformização das políticas legislativas, em especial com o

Regulamento Geral dos Institutos de Aposentadorias e Pensões implementado por

meio do Decreto nº 35.448, de 1º de maio de 1954, unificando os princípios gerais

relativos aos institutos de aposentadorias e pensões.

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b) Fase da Unificação ( 1960-1977)

O ano de 1960 foi marcado pela instituição da Lei Orgânica da Previdência

Social (LOPS) Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, que unifica os textos esparsos

sobre a matéria. A LOPS padronizou o sistema implementando novos benefícios

como auxílio-natalidade, auxílio-funeral e auxílio-reclusão, elevou o teto do salário-

de-contribuição para cinco salários mínimos.

Muito importante para a estabilidade financeira do sistema foi a criação da

Emenda Constitucional n. 11 de 31 de março de 1965 instituidora do princípio da

preexistência do custeio em relação ao benefício, determinando que “nenhuma

prestação de serviço de caráter assistencial ou de benefício compreendido na

previdência social poderá ser criada, majorada ou estendida sem a correspondente

fonte de custeio total”.

Em 21 de novembro de 1966, pelo Decreto nº 72/66, ocorreu a unificação de

todos os Institutos e criação do INPS Instituto Nacional de Previdência Social, que

iniciou suas atividades em 2 de janeiro de 1967.

Em 1967 já sob a égide da chamada “Ditadura Militar” o Texto Supremo

vigente à época não inovou, apenas ratificou os direitos estabelecidos na

Constituição anterior.

No ano seguinte, regulamentou-se a previdência social do trabalhador rural

(decretos-lei nº 564, de 1º de maio de 1969, e 704 de 24 de julho de 1969).

A Emenda Constitucional nº 1, de 1969, não inovou muito em termos dos

direitos à previdência social. O que não se pode falar da Emenda Constitucional nº

18, de 30 de junho de 1981, que fez a previsão da concessão de aposentadoria

integral para o professor após 30 anos e, para a professora após 25 anos de efetivo

exercício em funções de magistério.

Os rurícolas foram alvo de proteção social a partir da Lei Complementar

11/71 denominada de FUNRURAL.

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Os empregados domésticos passaram a integrar a Previdência Social

brasileira a partir da edição da Lei n. 5.859/72.

O Ministério da Previdência e Assistência Social foi criado em 25 de junho de

1974, através da Lei nº 6.136, desmembrando-o do Ministério do Trabalho e da

Previdência Social.

A Lei n° 6.226, de 14 de julho de 1975, dispôs sobre a contagem recíproca,

para efeito de aposentadoria, do tempo de serviço público federal e de atividade

privada.

d) Fase da Reestruturação (1977-1988)

Por meio da Lei nº 6.435, de 15 de julho de 1977, foram regulamentadas as

entidades de previdência privada. Tem-se esta data como o início das entidades de

previdência complementar, justamente porque neste período, após a unificação dos

sistemas com a criação do INSS em 1966/1967, bem como do Fundo de Garantia

por Tempo de Serviço (criado pela Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966) ocorreu

uma espécie de intervenção pública no mercado de trabalho, abrindo espaço para a

criação dos fundos de pensão, nos modelos preconizados pela Lei nº 6.435/77.

O Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS), foi

instituído através da Lei n° 6.439, de 1° de setembro de 1977, criado com o objetivo

de reorganizar a Previdência Social integrando assistência médica, farmacêutica e

social. Era dividido entre o INPS Instituto Nacional de Previdência Social; INAMPS

Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social; LBA Fundação

Legião Brasileira de Assistência; FUNABEM Fundação Nacional do Bem-Estado do

Menor; DATA-PREV Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social;

IAPAS Instituto de Administração Financeira da Previdência Social; e CEME

Central de Medicamentos (que foi transferido para o Ministério da Saúde em 1985).

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4.3.2 Tempos modernos: A Previdência Social a partir da CF/88

Para melhor intelecção do assunto nos tempos contemporâneos

pretendemos analisar a Previdência Social da Constituição Federal de 1988 e as

diversas Emendas Constitucionais que foram implementadas desde a sua

promulgação. Declara o art. 201 do Texto Constitucional:

Art. 201 A previdência social será organizada sob a forma geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá nos termos da lei, a : I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II – proteção à maternidade, especialmente à gestante; III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego voluntário; IV- salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; e V- pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes.

É, portanto, a previdência social a institucionalização estatal de um seguro,

destinado à pessoa, filiada ao sistema, e vitimada pela necessidade social. Pode

ainda ser entendida como meio dotado de eficácia do qual se utiliza o Estado no

intuito de proceder à distribuição da riqueza nacional, objetivando o bem-estar da

coletividade. 247

Consoante as disposições do art. 201 da CF/88 percebemos as

características básicas da previdência social: caráter contributivo, filiação obrigatória,

proteção a riscos determinados pela legislação e equilíbrio financeiro e atuarial.

Mister se faz salientar que filiação é ato prévio e obrigatório que consiste no 247 BALERA, Wagner & ANDREUCCI, Ana Cláudia Pompeu Torezan. Ob. Cit, p. 32.

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ingresso do indivíduo no sistema. Para tanto é suficiente o início da prestação de

serviços quer seja como empregado, autônomo, empresário ou rurícola. A filiação é

operada de modo automático posto que dotada de caráter cogente e de ordem

pública. A filiação investe o indivíduo na qualidade de segurado da Previdência

Social. Entretanto, tal regra comporta uma única exceção, a da filiação facultativa de

quem queira ingressar no sistema por vontade própria.

O sistema da previdência social protege riscos determinados especificados na

lei. Tais riscos encontram-se delimitados nas leis que regem o sistema e os incisos

do art. 201 da Carta Magna de 1988 traduzem as contingências que são objeto de

amparo social. Cumpre transcrevê-lo:

Art. 201 ( ...) I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II – proteção à maternidade, especialmente à gestante; III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego voluntário; IV- salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; e V- pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes.

Verifica-se, portanto, que a Constituição Federal de 1988 relaciona os

eventos merecedores de proteção social e neste intuito devem ser entendidos

como aqueles capazes de colocar em situação de necessidade os que vierem a ser

atingidos por tais ocorrências.

Finalmente, a garantia do bom funcionamento do sistema exige o respectivo

equilíbrio financeiro e atuarial, mediante coordenação dos ingressos e de saídas,

nos termos da regra da contrapartida, expressa no art. 195, § 5o da Constituição

Federal de 1988.

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4.4 Princípios Constitucionais da seguridade social na CF/88

4.4.1 O princípio da solidariedade como regente do sistema de seguridade

social

A Carta Magna de 1988 elege como um dos objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil, em seu art. 3º, inciso I a construção de uma

sociedade livre, justa e solidária.

Mais adiante em seu art. 195, ao tratar do custeio da Seguridade Social

declara que o financiamento do sistema será feito por toda a sociedade, direta e

indiretamente. Encontra-se, portanto, o princípio da solidariedade, umbilicalmente

ligado a outro princípio da seguridade social, de notada grandeza previsto no art.

194, inciso VI da CF/88 o da diversidade da base de financiamento.

Denota-se assim, que o legislador constituinte objetivou firmar como propósito

da sociedade brasileira a instituição dos laços de solidariedade necessários à

construção de uma sociedade livre, justa, desenvolvida, com a promoção do bem de

todos e apartamento das desigualdades regionais.

A solidariedade para o Estado Democrático de Direito Brasileiro deve ser

concebida como sinônimo de desenvolvimento, justiça social, bem-estar e paz.248

O vocábulo solidariedade nos remete à concepção de ligação entre pessoas,

responsabilidade mútua, congregação de interesses individuais para o

248 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de Direito Previdenciário. São Paulo: LTr, 2001, p. 90, enfatiza que “A solidariedade social é projeção de amor individual, exercitado entre parentes e estendido ao grupo social. O instinto animal de preservação da espécie, sofisticado e desenvolvido no seio da família, encontra na organização social amplas possibilidades de manifestação. Pequeno o grupo social, a solidariedade é quase instintiva. Vencendo o natural egoísmo, aquele que ajuda o próximo sente que um dia poderá ser ajudado. Essa ajuda, sem perspectiva de reciprocidade, é moral; com certeza de reciprocidade, é seguro social. A solidariedade familiar é a primeira forma de assistência que o ser humano conhece e à qual recorre quando da instalação da necessidade; só depois intervêm técnicas de proteção social mais elaboradas”.

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desenvolvimento comum, vinculação de indivíduos em prol de um bem maior,

comunhão de responsabilidades.249

A doutrina social da Igreja trabalha com um dos pilares para a instauração da

justiça social e do desenvolvimento, a noção de solidariedade, cabendo citar:

O termo “solidariedade” exprime em sua síntese a exigência de reconhecer, no conjunto dos liames que unem os homens e os grupos sociais entre si, o espaço oferecido à liberdade humana para prover ao crescimento comum, compartilhado por todos. A aplicação nesta direção se traduz no positivo contributo que não se há de deixar faltar à causa comum e na busca dos pontos de possível acordo, mesmo quando prevalece uma lógica de divisão e fragmentação; na disponibilidade a consumir-se pelo bem do outro, para além de todo individualismo e particularismo. O princípio da solidariedade implica que os homens do nosso tempo cultivem uma maior consciência do débito que têm para com a sociedade em que estão inseridos: são devedores daquelas condições que tornam possível a existência humana, bem como do patrimônio, indivisível e indispensável, constituído da cultura, do conhecimento científico e tecnológico, dos bens materiais e imateriais, de tudo aquilo que a história da humanidade produziu. Um tal débito há de ser honrado nas várias manifestações do agir social, de modo que o caminho dos homens não se interrompa, mas continue aberto às gerações presentes e às futuras, chamadas juntas, umas e outras, a compartilhar a solidariedade do mesmo Dom.250

O ano de 2000 foi eleito pela Conferência Geral das Nações Unidas como o

“Ano Internacional por uma Cultura de Paz” tendo por escopo estabelecer diretrizes

para uma “cultura da paz” no novo milênio. Como resultado dos esforços

comungados por diversos países e capitaneados pela ONU e pela UNESCO foi

elaborado o “Manifesto 2000 por uma Cultura de Paz e Não-Violência”, o qual

ressalta a cota de responsabilidade individual comprometendo-se com o futuro da

Humanidade.

249 Pequeno dicionário brasileiro da língua portuguesa 11ª. ed., supervisionada e consideravelmente aumentada, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1996, p. 1127.

250 Compêndio de Doutrina Social da Igreja. São Paulo: Paulinas, 2009, p. 117-118.

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Entre outros, o documento estabelece o respeito à vida, à digna, à

diversidade, ao pluralismo, e em especial estabelece novas formas de construção da

solidariedade251.

No campo da seguridade social a solidariedade é concebida como princípio

necessário e indispensável para o funcionamento do sistema e considera Wagner

Balera:

Quaisquer que sejam os direitos sociais de quem cuida o Direito Previdenciário, a peculiaridade inerente a esse conjunto de modalidades de proteção jurídica e social é a idéia de cooperação entre os membros da sociedade para que o bem comum seja alcançado. E, anexa a esta, a idéia segundo a qual não existe bem comum sem que para seu alcance concorram todos e cada um dos partícipes da comunidade. Ora, para a compreensão dos direitos sociais, não sendo possível olvidarmos a noção de bem comum, é fundamental que aceitemos – também como prévia- a noção de solidariedade. A existência do edifício social decorre, em nosso entender, dessa noção de solidariedade, inerente à vida social.252

A solidariedade social corresponde, portanto, a um princípio que estrutura os

Estados Sociais, notadamente, conhecidos como Estados Providência, possui

caráter político, econômico e social na medida em que cabe ao Estado promover o

bem de todos, e na união de forças individuais os enlaces tornam-se vínculos

jurídicos atrelados à implementação da proteção social. Desta forma, a solidariedade

se processa não por motivações caritativas ou sentimentos altruístas, mas sim visam

implementar o financiamento de benefícios destinados aos cidadãos mesmo em

razão de uma diminuta ou até mesmo nula capacidade contributiva.253

251 O Manifesto se preocupa com a proteção à mulher destacando como uma de suas diretrizes “Contribuir para o desenvolvimento de sua comunidade, com a ampla participação da mulher e o respeito pelos princípios democráticos, de modo a construir novas formas de solidariedade. 252 Noções preliminares de Direito Previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 20

253 SCHWARZ, Rodrigo Garcia. Sistema de seguridade social e o princípio da solidariedade: reflexões sobre o financiamento dos benefícios. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre: ago. 2008, n. 25, p. 12.

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Portanto, a solidariedade social traduz o reconhecimento das desigualdades

existentes no ambiente social. É por meio da troca institucionalizada pelo Estado

que, de acordo com a capacidade contributiva de uns em favor da necessidade de

outros, o princípio da solidariedade se efetiva.254 Finalmente, por meio da

solidariedade se consolidam os objetivos do Estado Democrático de Direito, quais

sejam, a efetivação da justiça e do bem-estar social255.

4.4.2 Princípios expressos da seguridade social : análise do art. 194 da CF/88

Partiremos agora para a análise dos princípios expressos no art. 194 da

Carta Maior de 1988 destacados pelo legislador constituinte como objetivos

explícitos do sistema de seguridade social. Disciplina o Texto Constitucional:

Art. 194. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I – universalidade da cobertura e do atendimento; II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV- irredutibilidade do valor dos benefícios; V- eqüidade na forma de participação no custeio; VI – diversidade da base de financiamento; e VII – caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.

254 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de Direito Previdenciário. São Paulo: LTr, 2001, p. 90. 255 BALERA, Wagner & ANDREUCCI, Ana Claudia Pompeu Torezan. Ob. Cit., p. 38-39.

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a) Princípio da universalidade da cobertura e do atendimento

O art. 194, I da CF/88 que alberga o princípio da universalidade da cobertura

e do atendimento, topologicamente dá início ao leque dos princípios, escolhido pelo

legislador constituinte como ferramenta para intelecção e norteamento de todo o

sistema.256

O princípio em questão contempla dois aspectos: o da universalidade

objetiva e da universalidade subjetiva. Por universalidade subjetiva compreendem-

se os sujeitos de direitos a serem protegidos nas necessidades sociais, havendo a

universalidade no atendimento. Já a universalidade de cobertura, universalidade

objetiva, enfoca as necessidades sociais que serão contempladas para proteção

social. 257

O dispositivo em comento inaugura o novo ideário do legislador constituinte

de 1988 na garantia da satisfação das necessidades vitais, firmando no texto

positivado a seguridade social em seu viés mais contemporâneo.

b) Princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às

populações urbanas e rurais

257 Acerca do assunto cabe citar o entendimento de Zélia Luiza Pierdoná no artigo intitulado A inclusão previdenciária dos trabalhadores informais brasileiros: uma proposta para amenizar o problema. Disponível no site http://www.mackenzie.com.br/faculdadedireito/publicação. Acesso em 18 de agosto de 2008: “O princípio enunciado no art. 194, parágrafo único, inciso I da Constituição, revela a adoção de um sistema protetivo amplo, o único capaz de atingir o bem-estar e a justiça sociais, que são objetivos da ordem social, conforme art. 193, já comentado. O princípio em apreço está em consonância com o sistema adotado - seguridade social, uma vez que esta amplia a idéia de seguro social,o qual é dirigido apenas aos trabalhadores. O princípio em comento prevê a universalidade da cobertura e do atendimento. A universalidade da cobertura corresponde às situações de riscos (objetos da seguridade social). É o elemento objetivo da universalidade. Constitui um vir a ser, uma vez que somente haverá a universalidade propriamente dita quando todas as situações de risco forem atendidas. Já a universalidade do atendimento, que é a dimensão subjetiva do princípio, está ligada aos destinatários das prestações de seguridade social”.

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O princípio em questão contemplado pelo art. 194, inciso II compreende-se

como um desdobramento do princípio da igualdade amplamente trabalhado no

capítulo 3 e considerado como um dos esteios do Estado Democrático de Direito

Por meio de tal imposição visou o legislador constituinte corrigir as inúmeras

injustiças de tratamento dadas à população rurícola. A Carta Cidadã de 1988

buscou por meio da seguridade social, minorar tais efeitos nocivos.

Salienta-se que até a Constituição Federal de 1988 os rurícolas não estavam

protegidos previdenciariamente de maneira ampla, o que havia era uma limitada

proteção prevista no Programa de Assistência ao Trabalhador Rural – PRORURAL,

instituído pela Lei n. 11/71.

c) Seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços

Ao pesquisarmos os vocábulos “selecionar” e “distribuir” algumas

considerações de ordem semântica se fazem necessárias.

Contudo, em primeiro plano já é possível afirmar que o voluto do legislador

constituinte foi o de intencionalmente agregar estes conceitos em um mesmo

dispositivo, restando clara, a ligação e a interdependência que deverá nortear a

atuação do hermeneuta responsável por sua aplicação.

Assim, “selecionar” e “distribuir” são vocábulos que encerram concepções

semânticas que se integram, mas cada qual possui a sua especificidade.

“Selecionar” segundo o dicionário é o ato ou efeito de escolher, separar.

Referida escolha possui sempre um fundamento que a norteia. Salienta-se que é

da essência humana o ato de selecionar, escolher.

No início do presente capítulo destacamos que a racionalidade humana em

seu aspecto mais filosófico aponta para um homem conhecedor de sua finita

existência e a sua propulsão pela realização de projetos. Ao realizar determinadas

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tarefas cada homem escolhe e seleciona de acordo com suas vocações pessoais,

desejos, crenças e valores os objetivos preferidos. O ato de projetar-se por meio da

racionalidade comunga escolha, intenções e projetos.

No campo da seguridade social o ato de selecionar é atribuído ao legislador

que entre as necessidades e contingências sociais deverá escolher aquelas mais

propícias e indispensáveis para serem implementadas. Traduz-se como um

comando de imperativa aplicação e que deverá estar pautado na implementação de

políticas públicas que atendam aos objetivos conclamados no Texto Constitucional.

Hão de ser escolhas legítimas, fundamentadas e voltadas à produção de bem-estar

e justiça social

Partindo, do binômio necessidade-possibilidade caberá ao legislador

identificar as contingências e verificar as possibilidades financeiras para a criação e

implementação de novos benefícios.

Consideramos também que a seletividade impõe ao legislador um molde a

ser cumprido levando-se em conta o contexto social, cultural, político e econômico

como esteio e fonte motivadora para a seleção das contingências sociais.

Deve o legislador no momento da escolha atentar para o momento histórico

priorizam as contingências sociais que reflitam em absoluto as necessidades a

serem prestigiadas.

“Distribuir”, por seu turno, conceitua-se como repartir, espalhar, dar ou

entregar a diversas pessoas.

Assim, no campo da seguridade social o binômio seletividade-distributividade

traduz-se como a escolha das necessidades sociais mais imperativas e a

distribuição de tais benefícios/serviços aos indivíduos mais necessitados, de forma

a abranger o maior número de destinatários, visando a produção efetiva da

promoção de justiça e bem-estar social.

Adriana Zawada Melo trabalhando o tema com maestria em sua tese de

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doutoramento considera que a conjugação da seletividade e da distributividade

levam à produção da igualdade material no ordenamento brasileiro, cabendo citar:

(...) Considerando, pois, todos esses elementos e, sobretudo, o propósito a que se destinam, os princípios da seletividade e da distributividade são projeções da igualdade no sistema de proteção social. E da igualdade entendida em seu sentido positivo, de prescrever, em certas situações, discriminações ou restrições com o objetivo de impedir que as conseqüências derivadas das desigualdades fáticas, relacionadas à renda dos indivíduos atinjam a dignidade intrínseca de cada ser humano ou o pleno exercício de seus direitos civis, políticos e mesmo sociais. O ponto central dessas considerações é que a atuação conjunta dos princípios da seletividade e da distributividade foi expressamente desejada e consignada pela Constituição de 1988, de modo a atingir aquelas finalidades definidas constitucionalmente e a preservar e promover os valores prestigiados como base do ordenamento jurídico brasileiro, os quais se reconduzem, em última instância, à igualdade em seu sentido positivo. Tal conclusão é perfeitamente coerente com a relevância que o constituinte de 1988 atribuiu à igualdade, dando-lhe um conteúdo bem mais denso que nas constituições anteriores, voltado à consecução da igualdade material, e por isso, projetando-a em vários campos, especialmente nos direitos sociais. A igualdade, dirigida a preservar e promover a dignidade da pessoa humana, passou a ser o elemento de unidade da Constituição, dando um forte viés promocional ao direito constitucional.258

Como encerramento do presente tópico cabe dizer que a aplicação de

referido dispositivo constitucional na práxis concreta sofrerá muitas vezes

limitações de ordem econômica, o que não significa renunciar ao ideal, mas sim

adaptar às circunstâncias que incutem um ritmo diferente de implantação.259

d) Irredutibilidade do valor dos benefícios

258A igualdade no sistema de proteção social: os princípios constitucionais da seletividade e da distributividade. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo (USP), 2004, p. 262-263. 259 BALERA, Wagner. Noções preliminares de Direito Previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 86-87.

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Este princípio tem por finalidade precípua garantir o poder real de compra de

bens e serviços dos indivíduos na qualidade de cidadãos, em face das constantes

desvalorizações da moeda, resultado de um longo processo histórico de inflações a

que está sujeita a economia no Brasil.

É princípio análogo ao expresso no art. 7º, inciso VI, da Constituição Federal

o qual delineia a irredutibilidade dos salários aos trabalhadores. No que diz respeito

ao direito previdenciário, a esta garantia (art. 194, IV) acresce-se o princípio da

manutenção do valor real dos benefícios, previsto no parágrafo 4º do art. 201 da

CF/ 1988 e também no art. 14 da Emenda Constitucional n. 20/98, tratando, em

essência não ser a simples irredutibilidade do valor nominal, mas também

preservação efetiva do poder aquisitivo, como salvaguarda do cidadão em razão do

processo inflacionário presente em nosso país.260

e) Eqüidade na forma de participação no custeio

O princípio em comento tem por finalidade assegurar o princípio da

igualdade substancial, qual seja, o custeio efetivar-se-á nos termos da capacidade

contributiva de cada sujeito social. É norma análoga ao princípio da capacidade

contributiva previsto no Direito Tributário. Sua aplicação no Direito Previdenciário

diz respeito aos participantes no custeio do sistema de seguridade social de acordo

com suas possibilidades financeiras.

Traduzindo de uma maneira simples “quem pode mais, paga mais”

percebermos as maiores contribuições voltadas às empresas e de outro ponto a

facilitação de pagamento de contribuições com alíquotas menores, exemplo da

dona de casa, visando a inclusão previdenciária.

260 FORTES, Simone Barbisan & PAULSEN, Leandro. Direito da seguridade social: prestações e custeio da previdência, assistência e saúde. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 35-36.

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f) Diversidade da base de financiamento

O legislador magno de 1988 inovou ao incluir o novo financiamento da

Seguridade Social até então custeado de maneira tríplice, qual seja, pelos

empregadores, trabalhadores e Estado.

A diversidade da base de financiamento consolida-se como a instauração da

solidariedade social, ou seja, haverá a participação de todos direta ou indiretamente

para o custeio do sistema de seguridade social.

Para implementar os ideários de universalização da cobertura e do

atendimento, especificamente proposto no inciso I do art. 194 do cardápio dos

princípios da seguridade social, imperiosa se faz a participação de todos os atores

sociais para implementação de tais políticas públicas.

Declara o art. 195 da Constituição Federal de 1988:

Art. 195 A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a)folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b)a receita ou o faturamento; c)o lucro; II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; III – sobre a receita de concursos de prognósticos; IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.

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Salienta-se que o sistema anteriormente adotado pela legislação brasileira e

que se baseava no custeio tríplice, suportados por trabalhadores, empregadores e

União já não mais atendia aos clamores da seguridade social, e na Carta Magna de

1988 o constituinte fez por bem instituir a “diversidade da base de financiamento” a

qual, conjugada com os demais instrumentos, implementará plenamente a

seguridade social, alicerçada no fundamento da universalidade da cobertura e do

atendimento.

Em considerações iniciais é de se destacar a seguridade social constituída

com base no princípio da universalidade da cobertura e do atendimento é ideário

esculpido na Carta Magna de 1988 é o que irá orientar o legislador como um

horizonte a ser alcançado.

Comungando esforços para a obtenção deste ideário tratou o legislador

constitucional de estabelecer o financiamento para se alcançar tal objetivo, e para

tanto ditou regras no sentido de serem estabelecidas diversas bases de

financiamento do Sistema de Seguridade Social. Contudo, estamos ainda em uma

fase de transição e a universalidade não se encontra devidamente implementada.

Entretanto, vale dizer que caminhamos para atingi-la e nesse desiderato o

financiamento será de suma importância para instituição do plano de proteção

social universal.

Resta claro e convém repisar que, um dos primeiros passos para se alcançar

os objetivos traçados é estabelecer um custeio calcado no planejamento, na

previsão, no estudo, pois a partir deste necessário planejamento estará

engendrado um plano com suporte atuarial para implementação da política de

Seguridade Social.

g) Caráter democrático e descentralizado da administração mediante órgãos

colegiados

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Transparência, participação popular, cidadania e fortalecimento da

Democracia devem ser consideradas as razões principais que motivaram a inclusão

de tal princípio no rol do sistema de seguridade social.

Com certeza clara e cristalina é possível asseverar que o legislador

constituinte considerou de extrema importância a participação democrática dos

atores sociais envolvidos nas questões pertinentes ao sistema de seguridade

social.

Assim, associações e órgãos colegiados formados por trabalhadores,

empresários, aposentados e representantes do Poder Público são chamados a

intervir nos processos, analisando e decidindo políticas públicas de seguridade

social. O princípio garante maior transparência ao sistema, gerando, por

conseguinte, controle e fiscalização das atividades desenvolvidas pelos órgãos

responsáveis. Tal mandamento está intimamente ligado à idéia de cidadania,

participação popular e fortalecimento do Estado Democrático de Direito.

4.5 O custeio e a regra da contrapartida: indispensável para o equilíbrio

financeiro e atuarial

A intenção do legislador ao incluir este princípio foi precipuamente a de

planejar e controlar o equilíbrio necessário para a concessão de benefícios e a

existência de dotação orçamentária apta à cobertura das contingências sociais.Tal

comando é denominado por muitos doutrinadores como princípio da preexistência

do custeio em relação ao benefício ou serviço.

Sua origem no ordenamento jurídico brasileiro se deu pela edição da

Emenda Constitucional n. 11, de 31 de março de 1965 que acrescentava o § 2o ao

art. 157 da Constituição de 1946 para estabelecer que “nenhuma prestação de

serviço de caráter assistencial ou de benefício compreendido na previdência social

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poderá ser criada, majorada ou estendida sem a correspondente fonte de custeio

total”.

Na Constituição de 1988 encontra-se disciplinado no § 5o do art. 195 da

Constituição de 1988 com a seguinte redação: “nenhum benefício ou serviço da

seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente

fonte de custeio total”.

O dispositivo em comento guarda absoluta relação com o art. 201 da Carta

Cidadã de 1988 que delimita a necessidade de equilíbrio financeira e atuarial e

propõe :“Art. 201 A previdência social será organizada sob a forma de regime geral,

de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem

o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá nos termos da lei (...)”. ( grifos nossos)

Configura-se o plano de custeio como o pressuposto necessário para a

criação, modificação (aumento/redução) e cobrança de qualquer contribuição. A

seguridade, assim como a segurança e a certeza, forma parte do patrimônio jurídico

dos segurados, de seus dependentes e, também, do contribuinte.

Ao nos debruçarmos na análise dos anseios propugnados pelo art. 201 da

CF/88 combinado com o art. 195, parágrafo 5o, percebemos que os dispositivos

pretendem o equilíbrio financeiro e atuarial do Sistema tomando-se por base a

regra da contrapartida dentro de um contexto global e não individualmente

considerados cada espécie de contribuição ou benefício. Assim sendo ao se

estender, majorar ou até diminuir benefícios a análise deverá ser feita de maneira

global e sistemática e como corolário deste pensamento fazemos nossas as

palavras de Marcus Orione Gonçalves Correia:“ Frise-se que o equilíbrio financeiro

desejado pelo dispositivo deve ser considerado dentro de um contexto de

globalidade de política previdenciária e não de forma isolada”261.

Se raciocinarmos de maneira diversa e não dentro de um Sistema

constituído pelas mais variadas formas de financiamento, a cada criação,

261 Digressões a respeito da inconstitucionalidade do fator previdenciário. Revista do Advogado. São Paulo: set/2000, n. 60, p. 61.

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majoração ou extensão de benefícios deveria ser criada uma nova fonte de custeio,

sem se pensar no fundo que já vem sendo constituído.

Por todo o exposto, asseveramos que a função precípua do presente

capítulo foi a de estabelecer as premissas e os aportes teóricos acerca do

funcionamento da seguridade social no ordenamento jurídico brasileiro, em

especial, pela análise do subsistema de Previdência tendo em vista que o objeto

nuclear de análise desta tese está cingido à compreensão dos benefícios

previdenciários denominados aposentadoria por idade e por tempo de contribuição

e suas fórmulas “protecionistas” das diferenças de requisitos entre homens e

mulheres para a sua obtenção.

Enunciamos que metodologicamente iremos dissertar sobre a

“pseudoproteção” dada à mulher na ordem constitucional e infraconstitucional

brasileira ao estabelecer a diferença de idade e tempo de contribuição para fins de

aposentadoria em comparação aos homens.

Iniciaremos nossos estudos trazendo à luz de maneira mais abrangente o

instituto da aposentadoria, em especial, nos detendo nas aposentadorias por idade e

por tempo de contribuição, nucleares para a compreensão de nossa tese.

Para a concretização de nossos entendimentos, focalizaremos as

necessidades imperativas para mudanças de paradigmas em prol de objetivos

maiores: a manutenção do sistema, a solidariedade, o bem-estar social e a

consagração efetiva do princípio da igualdade entre homens e mulheres.

4.6 Considerações propedêuticas sobre o instituto da Aposentadoria no Brasil

Entre as necessidades sociais, a aposentadoria foi uma das primeiras

preocupações na legislação previdenciária pátria. A preocupação com o porvir, a

necessidade de se estabelecer uma segurança para o futuro no período de

inatividade, consubstanciou-se desde sempre uma das maiores aflições do Homem.

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Considera-se a aposentadoria262 como a “prestação por excelência da Previdência

Social, juntamente com a pensão por morte, pois ambas substituem o rendimento do

próprio segurado ou de seus dependentes.263

Eloy Chaves, responsável pela primeira legislação previdenciária do país, nos

idos de 1923 em seu de apresentação do projeto de lei que foi batizada em sua

homenagem reforçou a tese acima dizendo:

O homem não vive só para si e para a hora fugaz, que é o momento de sua passagem pelo mundo. Ele projeta sua personalidade para o futuro, sobrevive a si próprio em seus filhos. Seus esforços, trabalho e aspirações devem também visar, no fim da áspera caminhada, ao repouso, à tranqüilidade.264

Nesta seara importante salientar que o vocábulo aposentadoria nos remete à

idéia de retirar-se para os aposentos, deixar de trabalhar, repousar e “colher os

frutos” da época laboral.

São presentes no ordenamento jurídico brasileiro as aposentadorias por

invalidez, especial, idade e tempo de contribuição. No entanto, para a intelecção do

262 Neste sentido sábias são as lições de Lawrence Thompson na obra Mais velha e mais sábia : a economia dos sistemas previdenciários. (Trad. Celso Barroso Leite) Brasília : Ministério da Previdência Social, (Coleção Previdência Social), p. 37 : “A miopia ocorre porque algumas pessoas dão muito pouca importância à utilidade de consumo futuro quando tomam decisões econômicas. Para os fins dessa discussão, a preocupação é que os jovens dão insuficiente atenção às suas necessidades de consumo na aposentadoria e poupam muito pouco. Com a idade eles perceberiam as conseqüências dessas ações anteriores e concluiriam que erraram. Julgariam, porém, que ao compreenderem o erro já seria tarde demais para corrigi-lo. Erros sistemáticos de julgamento como esse não seria problema importante sob muitos aspectos da vida econômica. Quase todas as decisões econômicas ocorrem num ambiente em que as conseqüências de decisões passadas não lhes agradam, as pessoas tomam decisões diferentes quando surge de novo a oportunidade de decidir. Assim, quaisquer conseqüências de erros sistemáticos de julgamento são limitadas. As decisões sobre rendimentos de aposentadoria são únicas. São tomadas no começo da vida, mas as conseqüências só aparecem bem mais tarde, quando descobrem que cometeram um erro não poupando o suficiente enquanto trabalhavam, e as pessoas já não podem mais fugir das conseqüências. Uma intervenção coletiva para anular os efeitos da miopia levará as pessoas a poupar uma parte maior dos seus ganhos enquanto trabalham, para poderem ter um padrão de vida melhor na aposentadoria. A intervenção melhora os resultados do mercado livre na medida em quem está perto da idade de aposentadoria vem a compreender que a intervenção anterior obrigou a proceder de uma maneira que agora acredita ter sido correta”. 263 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de & LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2004, p. 503. 264 Informações disponíveis em http://www.consultorgov.br. Acesso em 30 de agosto de 2009.

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objeto do nosso trabalho, qual seja, a análise de tempos diferenciados para os

gêneros, nos ateremos ao estudo das aposentadorias por idade e por tempo de

contribuição.

4.6.1 Aposentadoria por idade na previdência social brasileira

Adverte Eliane Romeiro Costa:

O processo de envelhecimento e a velhice são riscos, problemas essenciais que orientam a formação do seguro das pessoas. A idade para a aposentadoria, a aposentadoria por idade ou a idade avançada no sistema de seguridade social representam questões sociais e econômicas. A idéia de risco social admite como valor fundante da seguridade social o predomínio da noção de humanidade, da integridade humana, da coesão, da solidariedade social sobre o valor do individualismo, do egoísmo, do interesse privatístico. O seguro orienta-se, por conseguinte, na seleção dos melhores, dos piores, dos menores e dos maiores riscos, distintos na organização, na concepção de valor e integrados ou não nos conteúdos de direitos sociais em um ordenamento jurídico.265

Pelos dizeres acima expostos confirmamos que a velhice se traduz como uma

preocupação de ordem social. Conceito elástico e derivativo das inúmeras

modificações sociais, a velhice vem ganhando novos contornos e roupagens.

Cumpre observar preliminarmente que, a velhice nunca foi um conceito

absoluto no decorrer dos tempos, seja do ponto de vista biológico, psicológico ou

cronológico.

À medida que ocorre um avanço tecnológico-científico são percebidas

claramente como conseqüências, mudanças nos índices de mortalidade mundial e,

via de regra, aumento da expectativa de vida.

265 Previdência Complementar na Seguridade Social: o risco velhice e a idade para a aposentadoria. São Paulo: LTr, 2003, p. 139.

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Resta claro, portanto, que há uma inter-relação absoluta entre o progresso da

humanidade nas ciências biológicas e a determinação do conceito de velhice, idade

avançada, terceira idade, fase de pessoa idosa, podendo todos os vocábulos citados

ser considerados sinônimos.

Deve ser dito que a velhice sempre preocupou a Humanidade como um todo,

mas atualmente preocupa de modo formal, razão pela qual ao Estado é incumbida a

tarefa de proteger as pessoas nesta fase da vida.

Como conceituar a velhice? Há inúmeras formas, mas nenhuma estabelece

de maneira absoluta a essência do conceito.Em função da dificuldade de

determinação, deve ser frisado que o conceito de velhice é algo em transição, ou

seja, de acordo com os tempos e os progressos científicos; seu conceito é

redirecionado, como forma de encaixe nas novas necessidades.

Do ponto de vista médico, a Organização Mundial da Saúde (OMS), define a

velhice através de um critério cronológico, sendo para aqueles cidadãos que

atingem a idade de 65 (sessenta e cinco) anos, sem diferenciação de sexos.

A Organização Internacional do Trabalho, (OIT) na Convenção 102,

utilizando-se do mesmo critério da OMS disciplina como velhice os cidadãos que

atingem 65 (sessenta e cinco) anos.

Resta claro, que no presente conceito a idéia de velhice está relacionada ao

critério de forças para o trabalho e a concessão de aposentadoria. Tal conceito tem

um tratamento jurídico previdenciário, estabelecendo critérios cronológicos para a

velhice e a obtenção do benefício. Em função de seu caráter lógico-dedutivo e

generalista não cabe à lei estabelecer critérios subjetivos para classificação de quem

é considerado inserido na fase de velhice. Cabe apenas à lei definir critérios

cronológicos para a conceituação, não sendo convenientes elocubrações

discricionárias para a definição de cada ser humano.

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Com relação à denominação usada pela Constituição Federal de 1988, em

seu princípio foram usadas as palavras velhice e idoso, e é sabido que um dos

constituintes responsáveis pela elaboração do texto, Ulisses Guimarães, teve muitas

dificuldades em encontrar o melhor sinônimo para a conceituação.

Após uma década, a Emenda n. 20 de 15 de dezembro de 1998, em seu

artigo 201 optou por conceituar como idade avançada, nos termos definidos no

Dicionário Aurélio, quando tratava do tema aposentadoria, questão a ser tratado de

forma mais detalhada no próximo tópico do presente trabalho.

Importa ressaltar que o tema velhice e os direitos a ela concernentes ainda

engatinham. Conforme visto somente a partir de 1970 a sociedade brasileira

conscientizou-se da necessidade de estabelecer uma política específica de atenção

às pessoas de idade avançada.

Entretanto, há inúmeros dispositivos nacionais e internacionais preconizando

o direito do idoso, como categoria de direito fundamental.

4.6.2 Previsões internacionais de seguridade social acerca da velhice como

necessidade social

Como já apresentado na trajetória histórico-legislativa da Seguridade Social,

oportuno ratificar que em 1893 Otto von Bismark, Chanceler da Alemanha, implantou

um seguro social destinado à invalidez e velhice.

A doutrina social da Encíclica Rerum Novarum foi considerada como

“documento social do século” e o papa Leão XIII, em 1891, assim preconizava:

É necessário prover de modo especial a que em nenhum tempo falte trabalho ao operário e que haja um fundo de reserva destinado a fazer face, não somente aos acidentes súbitos e fortuitos

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inseparáveis do trabalho industrial, mas ainda à doença, à velhice e aos reveses da fortuna.(grifo nosso)

Destaca-se que a Rerum Novarum , consubstanciada em regras de Direito

Natural, firmou seus objetivos essenciais de justiça social, em especial destacando a

importância do Estado na proteção da necessidade social, velhice.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 definiu a proteção à

velhice, assim determinando em seu artigo 85 :

Todo Homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família bem-estar social, inclusive, alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, o direito à seguridade no caso de desemprego, doença, viuvez, velhice, ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.” (grifo nosso)

A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem refere-se à

velhice, bem como as Convenções n. 35, 36 e 37, todas da OIT, delimitando o

seguro-velhice na indústria, comércio e agricultura.

As prestações de velhice estão previstas na Convenção 102 da OIT nos

artigos 26 a 30. Antes de 1952 a OIT já havia se preocupado com a velhice. O tema

foi tratado na 17ª Conferência em 1933 e na Convenção n. 128 e na Recomendação

131 de 1967. Ademais, a Convenção 102 da OIT exige que todos os países que

adotem garantam prestações que protejam a velhice.

A velhice será fixada em razão do critério cronológico. A idade exigida não

deveria ser superior a 65 anos. Todavia, poderá ser fixada uma idade mais elevada,

considerando a capacidade de trabalho das pessoas com mais idade de um

determinado país.

Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em

Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, conhecido como “Protocolo de

San Salvador” que ao tratar da previdência social elenca, entre os benefícios

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previdenciários, a aposentadoria por idade:

Toda pessoa tem direito à previdência social que a proteja das conseqüências da velhice e da incapacitação que a impossibilite, física ou mentalmente, de obter os meios de vida digna e decorosa. No caso de morte do beneficiário, as prestações da previdência social beneficiarão seus dependentes.(grifo nosso)

Entretanto, alguns textos normativos apesar de atuais silenciam quanto à

proteção à velhice, entre eles: Declaração de Estocolmo (1972), Declaração da

Filadélfia (1944), entre outros.

4.6.3 Velhice e Previdência Social: evolução histórica pátria

Na legislação infraconstitucional o Decreto Legislativo n. 4.682 de 24 de

janeiro de 1923 – Lei Elói Chaves já trazia a previsão do benefício. O art. 10

estabelecia os benefícios de duas ordens: aposentadoria ordinária e aposentadoria

por invalidez.

O art. 12 estabelecia a aposentadoria ordinária ditando que complete com

tantos trinta avos quantos forem os anos de serviço até o máximo de 30, ao

empregado ou operário que, tendo 60 ou mais anos de idade, tenha prestado 25 ou

mais, até 30 anos de serviço. Salienta-se que não havia diferenciação na idade entre

homens e mulheres.

Foi a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), Lei 3.807 de 26 de agosto

de 1960, a primeira legislação a estabelecer no ordenamento brasileiro a diferença

de idade de aposentadoria por velhice entre homens e mulheres conforme ditames

do art. 30 que dita:

Art. 30 A aposentadoria por velhice será concedida ao segurado que, após haver realizado 60 (sessenta) contribuições mensais, completar 65 (sessenta e cinco) ou mais anos de idade, quando do sexo masculino, e 60 (sessenta) anos de idade, quando do feminino e consistirá numa renda mensal calculada na forma do parágrafo 4º do

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Art. 27. Parágrafo 1º A data do início da aposentadoria por velhice será a da entrada do respectivo requerimento ou a do afastamento da atividade por parte do segurado, se posterior àquela. Parágrafo 2º Serão automaticamente convertidos em aposentadoria por velhice o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez do segurado que completar 65 ( sessenta e cinco) ou 60 (sessenta) anos de idade, respectivamente, conforme o sexo. Parágrafo 3º A aposentadoria por velhice poderá ser requerida pela emprêsa, quando o segurado houver completado 70 (setenta) anos de idade ou 65 (sessenta e cinco) conforme o sexo, sendo, neste caso compulsória garantida ao empregado a indenização prevista nos arts. 478 e 497 da Consolidação das Leis do Trabalho, e paga, pela metade.

No Brasil, a Constituição de 16 de julho de 1934 e em seu art. 121, parágrafo

1º, alínea h foi a primeira a incluir as aposentadorias por idade e por invalidez,

ditando seu art.121:

Art. 121. A Lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições de trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do país.

Par. 1º A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador: (...) h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou morte. (grifo nosso)

A Constituição de 1937 manteve a proteção à velhice em seu art. 137

topograficamente inserido no capítulo da Ordem Econômica:

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Art. 137 . A legislação do trabalho observará, além de outros, os seguintes preceitos: (...) m) a instituição de seguros de velhice, de invalidez, de vida e para os casos de acidentes do trabalho.

Em seu art. 157, inciso XVI a Constituição de 1946 ditava que:

Art. 157 A legislação do trabalho e da previdência social obedecerão aos seguintes preceitos, além de outros que visem à melhoria da condição dos trabalhadores: (...) XVI previdência mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da maternidade e contra as conseqüências da doença, da velhice, da invalidez e da morte.

Ainda, a Carta Magna de 1967 catalogava em seu artigo 158, XVI

“previdência social nos casos de velhice”, devendo ser citado:

Art. 158. A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição social: (...) XVI – previdência mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, para seguro-desemprego, proteção da maternidade e nos casos de doença, velhice, invalidez e morte.

A Constituição Federal de 1988, antes da Emenda n. 20, em seu artigo 201,

inciso I relatava que os planos de previdência iriam cobrir os eventos decorrentes

da velhice. Contudo, com a edição da Emenda n. 20, houve substituição da

expressão velhice, por idade avançada, cabendo citar:

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Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei a: I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (grifo nosso).

Percebe-se assim, que o termo velhice, foi substituído pela expressão idade

avançada. Ademais, a Constituição de 1988 foi a primeira a “constitucionalizar” a

diferença de idade para aposentadoria entre homens e mulheres, estatuindo em

seu art. 202, parágrafo 7o, inciso II :

Art. 202 (...) 7o É assegurada a aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: II – 65 ( sessenta e cinco) anos de idade, se homem e 60 (sessenta) anos de idade, se mulher, reduzido em 5(cinco) anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.

A razão da mudança na terminologia se deve ao fato que o termo “velhice”

ainda é entendido por alguns como vexatório e preconceituoso. Sérgio Pinto Martins,

assim se manifesta acerca da nova terminologia:266

a denominação utilizada atualmente é mais correta, pois o fato de a pessoa ter 60 ou 65 anos não quer dizer que seja velha. Há pessoas com essa idade que têm aparência de dez, vinte anos mais moça, além do que a expectativa de vida das pessoas hoje tem atingido muito mais de 60 anos. Daí porque se falar em aposentadoria por idade, quando a pessoa atinge a idade especificada na lei.

O mestre Celso Barroso Leite destacava que o benefício da aposentadoria

por idade até 1991, época da aprovação do atual Plano de Benefícios, se

266 Direito da Seguridade Social. São Paulo: Atlas, 1997, p. 123.

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denominava aposentadoria por velhice. A nova denominação se destinou a atenuar

a conotação negativa. 267

A Lei 8.213/91 disciplina os critérios para a concessão do benefício, cabendo

ressaltar que a partir deste diploma legal, a aposentadoria por velhice, passou a

denominar-se aposentadoria por idade.

Na aposentadoria por idade temos as espécies relativas aos segurados

urbanos, aos segurados rurais e uma terceira modalidade denominada

aposentadoria compulsória.

Nos termos do artigo 51 da Lei 8231/91 a aposentadoria compulsória por

idade pode ser requerida pela empresa desde que o segurado empregado tenha

cumprido o período de carência e completado 70 (setenta) anos de idade se do sexo

masculino ou 65 (sessenta e cinco) anos se do sexo feminino.

Importante destacar que no Regime Próprio de Previdência Social, relativo

aos funcionários estatutários, não houve a diferenciação de idades na aposentadoria

compulsória de homens e mulheres, a qual ocorrerá quando o servidor ou servidora

completar 70 anos de idade.

Ressalta-se que todas as informações acima expostas têm aplicabilidade para

os trabalhadores urbanos, e a partir de agora, em razão das especificidades

trataremos dos trabalhadores rurais.

O trabalhador rural até a Constituição da República de 1988 estava excluído

do sistema previdenciário brasileiro, restando-lhe apenas um benefício assistencial

ou integrar-se à Previdência Social Rural, no caso de empregador ou trabalhador

rurais.

O Programa de Assistência Rural (PRORURAL), ligado ao FUNRURAL, foi

criado no ano de 1971 e previa a aposentadoria por velhice e por invalidez para

trabalhadores rurais maiores de 70 anos de idade, no valor de ½ salário mínimo;

267 Dicionário Enciclopédico de Previdência Social. São Paulo: LTr, 1996, p. 12.

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pensão, equivalente a 70% da aposentadoria, e auxílio funeral, para dependentes do

beneficiário; serviços de saúde, incluindo assistência médica, cirúrgica, jospitalar e

tratamento odontológico, além dos serviços sociais.

Destaca-se que no caso do FUNRURAL as mulheres só seriam beneficiadas

diretamente caso fossem chefes de família ou assalariadas rurais268.

Com a Constituição de 1988 e instituição da seguridade social e seus

princípios magnos temos no art. 194, inciso II a uniformidade e equivalência dos

benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, este dispositivo consagra com

sabedoria o respeito ao princípio da igualdade ou isonomia, afastando

discriminações em razão do local onde a pessoa trabalhar.

De acordo com as modificações introduzidas, as mulheres trabalhadoras

rurais passaram a ter direito à aposentadoria por idade, a partir dos 55 anos,

independentemente de o cônjuge já ser beneficiário ou não, ou receberem pensão

por falecimento do cônjuge, bem como salário-maternidade.

A aposentadoria por velhice era concedida somente ao trabalhador rural (e

não à trabalhadora) que completasse 65 anos de idade, sendo cabível à mulher

apenas se fosse chefe ou arrimo de família da unidade familiar, num valor único de

50% do maior salário mínimo do país.

O atual Texto Constitucional assim se encontra redigido:

Art. 202: (....) I – aos sessenta e cinco anos de idade, para o homem, e aos sessenta, para a mulher, reduzidos em cinco anos o limite de idade para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, neste incluído o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.

268 Na legislação anterior, nos termos do parágrafo único do art. 4º da Lei Complementar n.11/71, a unidade familiar compunha-se de apenas um trabalhador rural, os outros membros eram seus dependentes. Desta forma, apenas o chefe ou arrimo da unidade familiar era devida aposentadoria por idade, posto que era ele o único considerado como segurado especial da Previdência Social, sendo reservada aos demais membros do grupo familiar a condição de dependentes daquele .

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Esse reconhecimento, por sua vez, era de difícil comprovação, tendo em vista

que grande parte do trabalho feito por elas é invisível, sendo geralmente declarado

como 'ajuda' às tarefas executadas pelos homens e, com freqüência, restrito às

atividades domésticas, mesmo que essas incluam atividades vinculadas à produção.

Assim, no início consideradas como 'dependentes', seja dos pais ou dos maridos,

passam paulatinamente a serem vistas como 'autônomas', portadoras de direitos

individuais, o que lhes permite serem incorporadas como beneficiárias da

previdência social.269

O enquadramento das mulheres como beneficiárias da previdência social

rural era dificultado pela incompatibilização da organização do trabalho familiar

relativamente ao enquadramento individual da regulamentação. Todo o raciocínio e

argumentação, tanto das lideranças como dos trabalhadores rurais, seja 'homem' ou

'mulher', é pautado no caráter familiar e interdependente do trabalho, ao passo que a

legislação enquadra o indivíduo 'trabalhador', 'chefe da família', etc. e seus

'dependentes'270.

As mudanças advindas para a mulher campesina, infelizmente de maneira

tardia, trouxeram sua maior valorização enquanto mulher e cidadã, pois passou a ser

destinatária de direitos fundamentais de proteção social, não apenas na condição de

dependente, mas também de titular de direitos e figura pró-ativa na ordem social.

Não foi só merecimento, mas sim o seu reconhecimento enquanto cidadã

Por todo o exposto, denota-se pelo firmamento do Texto Constitucional de

1988 uma diferenciação nas idades de aposentadoria para urbanos e rurais e,

consideramos que tal disparidade não significa uma afronta ao princípio da

igualdade, mas sim uma maneira de atenuar a penosidade dos serviços no campo.

269 BRUMER, Anita Brumer. Previdência social rural e gênero. Revista Sociologias. Porto Alegre: jan./jun. 2002, n. 7, p.2.

270 Idem, ibidem.

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Na mesma linha de raciocínio, esclarecedoras são as palavras de Adriane

Bramante de Castro Ladenthin:

Quanto à diferença entre as idades de aposentadoria por idade da população urbana e da população rural há justificativa congruente, diante da natureza da filiação. Num primeiro momento, visualizando o princípio constitucional trazido pelo art. 194, parágrafo único, inciso II, em que é determinada a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, pode-se pensar que a Constituição Federal (art. 201, parágrafo 7º) ao estabelecer idades distintas para os dois tipos de trabalhadores, teria infringido o princípio em comento. Se assim fosse entendido, ou a idade do trabalhador rural deveria se igualar à idade do trabalhador urbano, ou a deste último teria que se igualar à do primeiro para que fosse cumprido o mandamento constitucional de uniformizar os benefícios e os serviços entre eles. Contudo, se fossem iguais as idades exigidas de trabalhadores urbanos e rurais, não haveria uniformidade na forma exigida pelo princípio constitucional. (...) O legislador constituinte não infringiu nenhum princípio quando estabeleceu idades diferentes para as populações urbanas e rurais. Na verdade, essa diferença busca exatamente a igualdade. Se as idades fossem iguais, estaríamos diante de uma desigualdade.271

Encerrando a presente análise salientamos que é noção cediça que o

trabalhador rural exerce atividade extremamente penosa, desgastante, justificando a

idade antecipada para o direito à aposentadoria previdenciária. Seria possível até

considerar a atividade dele especial, pois seu trabalho, que o expõe às condições

variáveis do tempo e aos raios solares, sujeitando-o a sofrer doenças malignas,

pode ser considerado prejudicial à sua saúde e à sua integridade física. 272

271 A aposentadoria por idade no regime geral de Previdência Social, Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), 2007, p. 74. 272

Idem, ibidem.

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4.6.4 Aposentadoria por tempo de contribuição

A aposentadoria por tempo de serviço existe no Brasil desde a Lei Elói

Chaves, Decreto n. 4.682 de 24 de novembro de 1923 e era disciplinada em seu art.

12.

A denominação aposentadoria por tempo de serviço, em substituição à

terminologia aposentadoria ordinária prevista anteriormente na Lei Elói Chaves, foi

instituída pela Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) Lei n. 3.807/1960 e sua

redação original exigia além do tempo de serviço, o cumprimento do requisito idade.

Para fazer jus ao benefício, o segurado deveria comprovar o tempo de serviço de 35

ou 30 anos, tratando-se de aposentadoria integral ou proporcional e a idade mínima

de 55 anos.

Em 1962 houve o advento da Lei nº 4.130, de 28/08/1962 e inovou ao eliminar

o requisito da idade mínima, independendo assim, da idade do segurado, bastando

apenas o preenchimento do requisito tempo de serviço, idênticos para homens e

mulheres, ou seja, 35 anos para aposentadoria integral e 30 anos para a

aposentadoria proporcional.

Com o Decreto-lei n. 66/1966 houve mais uma inovação, fundada na

necessidade de equilíbrio financeiro do sistema com a instauração do instituto da

carência, conceituado como o lapso de tempo no qual o segurado contribui para o

sistema, quantificado de acordo com cada tipo de benefício, mas não pode receber

os benefícios mesmo diante da contingência social. O referido Decreto estabeleceu

carência de 60 meses para as aposentadorias.

A constitucionalização da diferença de tempo de serviço entre homens e

mulheres - que se traduz como temática central de nosso trabalho- efetivou-se na

Constituição de 1967 declarando:

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Art 158 - A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria, de sua condição social:

(...)

XX - aposentadoria para a mulher, aos trinta anos de trabalho, com salário integral;

A aposentadoria por tempo de contribuição está prevista na Carta Magna de

1988 no art. 201, parágrafo 7º, inciso I tendo sofrido grande modificação com a

Emenda n. 20 de 15 de dezembro de 1998 com a alteração da aposentadoria por

tempo de serviço para a aposentadoria por tempo de contribuição.

Ressalta-se que tal modalidade de aposentadoria não está prevista na

maioria dos sistemas previdenciários. Celso Barroso Leite retrata o benefício em

nosso país e no resto do mundo:

A aposentadoria por tempo de serviço como benefício previdenciário é uma virtual peculiaridade brasileira; e talvez isso explique o afinco com que nos aferramos a ela. No resto do mundo ela a bem dizer não existe; ou melhor, existe apenas na Itália, onde pode ser concedida aos 35 anos de contribuição, mas sem direito de continuar trabalhando ou de voltar ao trabalho; e no Kuwait e no Líbano, onde bastam 20 anos de contribuição, também com afastamento obrigatório da atividade.273

Muito se discute acerca do risco na aposentadoria por tempo. Existe uma

corrente que nega o tempo de serviço como risco ou contingência social merecedora

de salvaguarda previdenciária. Não se trata de uma contingência social porque não

acarreta supressão ou diminuição do ganho normal, bem como fomentaria

aposentações precoces e prejuízos ao Sistema Previdenciário. A outra corrente

defende que este benefício foi instituído desde a Lei Eloy Chaves, marco legal da

previdência brasileira, e corresponde a uma esperança aguardada por grande parte

da população, haja vista a expectativa de sobrevida do brasileiro que é baixa, bem

como as condições penosas de trabalho, fazendo com que o trabalhador decorridos

273 O século do desemprego. São Paulo: LTr, 1994, p. 105.

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vinte e cinco ou trinta anos de trabalho, já se encontre com sua capacidade física e

mental muito diminuída.274

Ademais, além do desgaste outro argumento a comprovar a manutenção do

benefício é a dificuldade do trabalhador ser absorvido pelo mercado de trabalho

absolutamente preconceituoso em relação à idade nos tempos contemporâneos.

Entretanto, como solução do bom senso necessário se faz estabelecer um limite

mínimo de idade para o gozo do benefício com vistas a não serem incentivadas as

aposentadorias precoces as quais poderiam gerar prejuízos aos cofres da

Previdência.275

Da mesma forma, acerca do risco que envolve o benefício em questão

doutrina Zélia Luiza Pierdoná:

na aposentadoria por tempo de serviço ou de contribuição, o risco protegido, de certa forma, é a velhice, não a biológica, mas a “laboral”276. A conjuntura e a tecnologia, dentre outros fatores, têm contribuído para o desemprego, o qual se agrava ainda mais no caso do trabalhador idoso e de meia idade. Esses trabalhadores são considerados velhos pelo mercado de trabalho, quando se aproximam dos cinqüenta anos. Dessa forma, embora um trabalhador de meia idade não seja velho biologicamente, o é para

274 VIDAL NETO, Pedro. Natureza Jurídica da Seguridade Social. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo (USP), 1993, p. 123. 275 ROCHA, Daniel Machado da. Regime Geral de Previdência Social e prestações previdenciárias In FREITAS, Wladimir Passos de. Direito Previdenciário: aspectos materiais, processuais e penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 91. 276 No mesmo sentido é o entendimento de VASCONCELLOS, Marisa. Aposentadoria por Tempo de Contribuição: estrutura e princípios constitucionais aplicáveis. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) 2004, p. 144: “Na aposentadoria por tempo de serviço, atual aposentadoria por tempo de contribuição, o fator tempo de serviço seria a origem do direito ao benefício.Ao questionamento de haver ou não risco na aposentadoria por tempo de contribuição, propomos, com base na doutrina nacional e estrangeira que a palavra “contingência” deve ser compreendida em sentido genérico, podendo ser subdividida em: risco e evento”.

O primeiro, o risco, estaria relacionado aos aspectos físicos ou naturais a qualquer indivíduo – o segurado- independentemente da idade.

No segundo, no evento, estariam presentes situações relacionadas aos aspectos concretos da realidade que de certa forma podem implicar com a parte fisiológica, mas não de forma absoluta. São entre outras hipóteses a de desemprego, a de impossibilidade de emprego depois de certa idade e o próprio desgaste das pessoas, o qual divergirá de pessoa a pessoa. Assim, no evento o que se protege é a capacidade laboral”.

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fins de obtenção de um posto de trabalho.277

É definida como benefício previdenciário tendo por hipótese normativa a

exigência de 35 anos de contribuição, se homem e 30 anos de contribuição, se

mulher, ou seja, estabelecendo menor tempo para o público feminino. Havia também

a possibilidade da aposentadoria com proventos proporcionais sendo de 30 anos

para o homem e 25 anos para a mulher, opção que foi extinta com a edição da

Emenda Constitucional n. 20/98, respeitadas as regras de transição. 278

Tal regra de privilégio às mulheres também se estabelece na aposentadoria

por tempo de contribuição do professor, sendo exigidos 30 anos se do sexo

masculino e 25 anos se do sexo feminino. Salienta-se que os professores e

professoras universitárias devem comprovar o tempo de 35 anos se homem e 30

anos se mulher.

Feitos os aportes propedêuticos necessários, partiremos no próximo capítulo

para análise dos critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria por

idade e tempo de contribuição às mulheres, considerados, em nossa opinião, como

“pseudo-proteções” fomentadores da desigualdade de gênero e reprodução do

estereótipo feminino do “sexo frágil” e responsável pelos cuidados familiares e

domésticos, próprios dos espaços privados.

277 PIERDONÁ, Zélia Luiza. A velhice na seguridade social brasileira. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), 2004, p. 186. 278 Foram delimitadas pela Emenda Constitucional n. 20/1998 as seguintes regras de transição: a) para a aposentadoria integral, cinqüenta e três e quarenta e oito anos de idade, combinados com trinta e cinco e trinta anos de contribuição (respectivamente, para homens e mulheres), mais um tempo adicional de contribuição, equivalente a vinte por cento do tempo de contribuição que, em 16/12/1998, faltava para que o segurado atingisse aquele mínimo de trinta e cinco ou trinta, conforme o caso; b) para a aposentadoria proporcional, cinqüenta e três e quarenta e oito anos de idade, combinados com trinta e vinte e cinco anos de contribuição (respectivamente, para homens e mulheres), mais um tempo adicional de contribuição, equivalente a quarenta por cento do tempo de contribuição que, em 16/12/1998, faltava para que o segurado atingisse aquele mínimo de trinta ou vinte e cinco, conforme o caso

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5.A CONCESSÃO DA APOSENTADORIA POR IDADE E POR TEMPO

DE CONTRIBUIÇÃO COM CRITÉRIOS DIFERENCIADOS À MULHER:

UMA AÇÃO AFIRMATIVA QUE MERECE SER REVISTA

A capacidade transformadora da segregação não está no homem que é, inclusive, partícipe da própria identidade feminina, mas na rejeição da auto-reprodução da segregação pelas próprias mulheres, em especial no ambiente familiar. Antes de criar mecanismos externos de promoção de igualdade, é necessário sentir-se igual, desejar ser igual, crer na igualdade, convertendo a consciência de si mesma em um motor que propulsiona por diversos mecanismos de pressão social a igualdade de oportunidades e o reconhecimento da dignidade e o orgulho de ser mulher. Aldacy Rachid Coutinho

279

Nos deteremos no presente capítulo a indagar acerca de uma ação afirmativa

destinada à mulher na Carta Magna de 1988.

O tema comporta debates acirrados entre os que pretendem a reforma do

Sistema Previdenciário Brasileiro e de outro lado, muitos são aqueles que defendem

a manutenção do benefício nos termos expressos pelo Constituinte Originário de

1988.

Trabalharemos com a ação afirmativa exposta no art. 202 da CF/88 que

estabelece critérios diferenciados a homens e mulheres, concedendo a

aposentadoria por idade e por tempo de contribuição, com idade e tempo reduzidos

em cinco anos ao público feminino filiado ao sistema previdenciário brasileiro.

Partiremos da idéia de “pseudoproteção” trazida pela ação afirmativa que já

279 Relações de gênero no mercado de trabalho: uma abordagem da discriminação positiva e inversa, p. 2. .Disponível em http: www.internetlex.com.br acesso em 20 de agosto de 2004.

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está em nosso ordenamento desde a Constituição de 1967 e que demonstra a

necessidade de modificação, acompanhando, assim, o caráter emergencial das

medidas afirmativas com vistas à igualação.

Defenderemos que as mudanças caminham no sentido de se efetivar a

verdadeira igualdade entre homens e mulheres, e o benefício diferenciado à mulher,

longe de implementar a igualdade entre os gêneros, firma-se como uma “pseudo-

proteção” repisando o espaço privado, filhos e afazeres domésticos, como próprio

do universo feminino.

Veremos na seqüência que não há argumentos para a manutenção de tal

discrimen sob pena de serem mantidos os estereótipos tão combatidos, mas ainda

recorrentes, de preconceito à mulher.

Muitos são os fatores que permeiam o tema e merecem uma análise dotada

de acuidade e detalhamento e, neste caminhar, iniciaremos nosso tópico como uma

indagação e que para ser respondida deve ser analisada por múltiplas vertentes.

Trata-se de proteção ou “pseudoproteção” destinada à segurada da

previdência social brasileira a diferença favorável em relação aos homens de 5 anos

de idade ou tempo nas aposentadorias por idade e por tempo de contribuição?

Para responder a esta indagação percorreremos vários argumentos de ordem

interdisciplinar entre eles, sociológicos, psicológicos, econômicos, políticos e,

principalmente, jurídicos que embasam a imperiosa necessidade de revisão da

matéria.

Os argumentos tradicionalmente utilizados para a manutenção desse

diferencial são, entre outros, a compensação pelo tempo de afastamento do

mercado de trabalho, quando do nascimento dos filhos bem como a sua

responsabilidade quase que exclusiva pelas responsabilidades familiares; sua

fragilidade física em relação ao homem; a dupla jornada ao ter que conjugar vida

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profissional e vida doméstica280.

Partiremos para a análise de todos os pressupostos que envolvem a questão,

tendo por escopo precípuo afastá-los, demonstrando ao final que a manutenção de

tal privilégio às mulheres não deve mais subsistir no ordenamento jurídico brasileiro.

Sigamos então este caminho.

5.1 Inexistência de Instrumentos Normativos Internacionais contemplando

critérios diferenciados

Como primeiro argumento é oportuno afirmar que não encontramos nos

Diplomas Internacionais, tais como, Convenções, Tratados ou Recomendações que

estabeleçam ou incentivem a criação de diferenças na idade ou no tempo de

contribuição nas aposentadorias.

Ao nos debruçarmos na análise dos principais Instrumentos Internacionais

podemos perceber que todos propugnam pela igualdade entre os gêneros e o

desenvolvimento de políticas para a redução das desigualdades em geral.

Entre os diversos documentos internacionais que garantem a igualdade de

gênero podemos citar:

a) Convenção Interamericana sobre a Concessão dos Direitos Civis à Mulher e a

Convenção Interamericana sobre Concessão de Direitos Políticos à Mulher, ambas

de 1948.

b) Convenção n. 100 de 1951: que estabelece a igualdade de remuneração de

homens e mulheres;

280 Idem, ibidem.

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c) Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher, de 1952

d) Convenção 111 sobre Discriminação em Emprego e Profissão de 1958, todos

ratificados pelo Brasil.

e) Convenção sobre a Eliminação de Todas as formas de Discriminação, 1979.

Documento assinado pelo Brasil em 31/03/1981 e ratificado por meio do Decreto n.

89.460, que teve influência absoluta sobre o Constituinte. Em tal Convenção

devemos destacar o exposto no art. 1º:

Art. 1º. A expressão discriminação contra a mulher significa toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seus estado civil, com base na igualdade de homem e da mulher, dos direitos humanos, e liberdade fundamentais no campo político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.

No mesmo sentido são as Convenções Internacionais relativas aos conteúdos

de seguridade social, as quais não estabelecem diferenciações de idade em prol das

mulheres.

Portanto, como conclusão do presente tópico depreende-se que a idade

diferenciada para a aposentadoria não encontra respaldo nos Documentos

Internacionais, muito pelo contrário, as Convenções Internacionais reforçam a tese

da igualdade e do fundamento da redução das desigualdades sociais.

5.2 Aposentadoria diferenciada: o “ninho vazio” e o valor social do trabalho

Segundo estudiosos do tema quando atingida a maturidade a mulher se vê

abarcada por diversos fenômenos psicológicos, entre eles, e o que nos interessa no

presente trabalho o fenômeno denominado “ninho vazio”.

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O “ninho vazio”, conhecido como a época em que os filhos se emancipam,

partem para seus novos destinos e as mães se sentem em grande parte

abandonadas e deprimidas. Há inúmeros estudos mostrando uma grande relação

entre os processos depressivos e a partida dos filhos. Em conseqüência dessas

mudanças, a mulher tende a realizar uma revisão de sua vida e do papel que passa

a ocupar na dinâmica familiar e em suas demais relações interpessoais. Ela poderá

se questionar sobre suas escolhas, considerando-as desfavoráveis a si e a sua

família, depreciando seu valor pessoal. A menopausa, o crescimento dos filhos, a

sobrecarga em suas responsabilidades quando necessita cuidar de seus pais e a

aposentadoria são eventos que lhe indicam as perdas inevitáveis da maturidade. 281

Em tal época, as mulheres que já trabalhavam costumam encontrar nos

afazeres profissionais a saída e a sua complementação para o espaço vazio deixado

pelo crescimento de seus filhos. A emancipação dos filhos em relação às mães é um

processo doloroso e angustiante para ambas as partes. Neste sentido:

As dificuldades das mães em deixar os filhos crescerem e se tornarem independentes podem ser do mesmo teor das delas mesmas poderem crescer o suficiente para serem autônomas no mundo. De um modo geral, mulheres sempre têm um medo atávico (às vezes pânico) de não ter quem cuide delas. Quando transportamos essas idéias para o mundo contemporâneo de aparente independência feminina, ao trabalho, aos estudos e também às famílias em que a ausência dopai é um fato (filhos criados pela mãe, avó, tias, irmãs) e até em “produções independentes”,nos perguntamos se o mito ficou para trás, no passado ou se sutilmente ainda o passamos de pais para filhos. Entra geração e sai geração, os problemas parecem que mudam, mas apenas na aparência. Os valores masculinos e femininos sobrevivem às máquinas, à tecnologia de comunicação, ao computador de última geração, ao celular, às viagens interplanetárias. Todo mundo ainda procura seu par (grande parte das vezes em inúmeras tentativas – casa e descasa e volta a descasar). No fundo todos nós, homens e mulheres, por mais independentes e “bem resolvidos”, buscamos alguém com quem compartilhar nossas alegrias, nossos medos e esperamos que aquele ou aquela que escolhemos satisfaça nossos desejos e aspirações e nos dê segurança e crédito para sermos o que somos. Daí os conflitos, pois é missão quase impossível um satisfazer as necessidades do outro (a). E aí tudo isso parece que vira traição.

281 CARVALHO, Isalena Santos & DECNOP, Vera Lúcia. Mulheres na maturidade e queixa depressiva: compartilhando histórias, revendo desafios. Revista PSICOUSF, v. 11, n. 1. Disponível em http://www.scielo.br. Acesso em 12 de fevereiro de 2007.

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Tantas promessas não cumpridas, expectativas e sonhos frustrados. Na verdade não somos emancipados enquanto seres. Assim também reagem os filhos, cujas expectativas de amor incondicional, de segurança e de que sejam providas suas necessidades (de criança, até perder de vista) frustram e resultam em conflitos entre pais e filhos. De um modo geral os pais, especialmente as mães, esperam que os filhos (principalmente os filhos homens) realizem todos os sonhos e expectativas de suas vidas e que eles se tornem autônomos e independentes. Daí o paradoxo, porque este é o grande medo dos pais - o ninho vazio. O crescimento e emancipação dos filhos, em grande parte dos casos, causam solidão.282

Em outros casos, as mulheres tradicionalmente afetadas aos afazeres do lar

tentam se lançar no mercado de trabalho para novas realizações e algumas

dificuldades são encontradas, cabendo citar:

Mulheres que nunca trabalharam fora de casa podem se sentir defasadas no que se refere às capacidades necessárias para lidar com o mundo externo, caso decidam ou necessitem enfrentar o mercado de trabalho. No momento em que os filhos não dependem mais delas como antes e quando estão começando a ser definidas como "velhas demais", é que precisam aventurar-se lá fora. A organização do trabalho remunerado ainda "não reconhece seus esforços de maneira proporcional às suas contribuições. E as mulheres, tipicamente, não foram socializadas para esperar ou exigir o reconhecimento que merecem". Contudo, muitas mulheres, após a dificuldade inicial diante do novo contexto, adquirem confiança e prazer com sua nova independência. Podem descobrir em si competências que até então não puderam desenvolver em razão do tempo dedicado aos filhos ou a outras atividades, com a valorização de seu potencial. Desse modo, percebe-se que as mulheres tendem a enfrentar muitos desafios na maturidade.283

Desta maneira, estando no mercado de trabalho ou na iminência de

adentrar nos quadros profissionais, em torno dos 50 aos 55 anos, a mulher se

deparará com uma grande dificuldade, por se aposentar mais cedo que o homem,

ou seja, 5 anos antes, estará fadada a ser preterida nos postos de trabalho, bem 282 Mulher e filhos : duas faces do mesmo problema das dificuldades de emancipação. Revista Mulher e Família, Unicamp/São Paulo - ANO III - nº 8. 283 Idem, ibidem.

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como nas promoções profissionais. Não há dúvidas que neste momento o universo

masculino se apresentará como o mais indicado para contratações e incentivos na

carreira, pois ainda terão mais tempo de atividade laboral até a aposentadoria.

Traduzindo a problemática em questão, não há dúvidas que as empresas

vêem as mulheres como aptas à aposentadoria em idade inferior ao homem.

Já nos idos de 1976 Evaristo de Moraes Filho ao se debruçar sobre o estudo

das diferenças que privilegiavam as mulheres na Lei Orgânica da Previdência Social

(LOPS) e na Constituição de 1967 destacava:

Ao fim da vida, mãe ou não, é menos necessária a presença da mulher no lar, já com os filhos ( se os teve) adultos e com vida independente. Na mocidade ou idade madura, até os 40 ou 45 anos, é que se tornava mais exigida a presença da mulher em casa, como o fizera a legislação francesa com o movimento de femme au foye”, dando alocações previdenciárias à mulher que, por motivos domésticos, pretendesse ou se visse obrigada a permanecer em casa, deixando ou ajustando-se do trabalho fora do lar.284

Imperativo salientar que o trabalho representa o papel de regulador da

organização da vida humana, em que horários, atividades e relacionamentos

pessoais são determinados conforme as suas exigências, sendo fundamentais para

a vida social. As atividades exercidas, ao longo da vida, servem de ponto de

referência para as pessoas, sendo difícil desarticular-se dessas referências .O ser

humano cresce preparando-se para o trabalho e necessita dele, não só por uma

questão de sustentabilidade, como de crescimento pessoal. Para o homem, o

trabalho representa a própria vida.285 Tanto é verdade que a Constituição Federal de

1988 enalteceu como um dos princípios da ordem social: o primado do trabalho.

João Paulo II, em 1981, na Encíclica Laborem exercens compreende o

trabalho humano, como indispensável para o funcionamento coerente e engrenado

284 O trabalho feminino revisitado. Revista LTr, v. 40, n. 7, São Paulo, julho de 1976, p. 856-857. 285 BULLA, Leonia Capaverde & KAEFER, Carin Otilia. Trabalho e aposentadoria: as repercussões sociais na vida do idoso aposentado.Revista Textos & Contextos. N. 2, ano II, São Paulo: dez. 2003, p. 3.

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da ordem social, bem como para a promoção da dignidade do trabalhador e de sua

família. Dignidade e trabalho são lados da mesma moeda, que se interpenetram e

coexistem para a solidificação da paz e da justiça social, preconizando:

O trabalho, de alguma maneira, é a condição que torna possível a fundação de uma família, uma vez que a família exige os meios de subsistência que o homem obtém normalmente mediante o trabalho. Assim, trabalho e laboriosidade condicionam também o processar-se da educação na família, precisamente pela razão de que cada um « se torna homem » mediante o trabalho, entre outras coisas, e que o facto de se tornar homem exprime exactamente a finalidade principal de todo o processo educativo. Como é evidente, entram aqui em jogo, num certo sentido, dois aspectos do trabalho: o que faz dele algo que permite a vida e a manutenção da família, e aquele outro mediante o qual se realizam as finalidades da mesma família, especialmente a educação. Não obstante a distinção, estes dois aspectos do trabalho estão ligados entre si e completam-se em vários pontos.286

No mesmo sentido é a Carta Magna de 1988 ao estabelecer como objetivo o

valor social do trabalho ditando em seu art. 1º:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e dos Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V- o pluralismo político. ( grifo nosso)

Ademais imperativo destacar que a Carta Magna de 1988 inscreve o valor

social do trabalho em mais dois artigos, dotados de notada grandeza, quais sejam,

inserindo-o como fundamento da ordem econômica no art. 170 e da mesma forma,

como fundamento da ordem social.

286 JOÃO PAULO II, Carta Encíclica Laborem Exercens, sobre o trabalho humano no nonagésimo aniversário da Rerum Novarum, de 14 de setembro de 1981, ponto 10.

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E é justamente neste momento de adaptação à nova vida sozinha, sem o

encargo da criação dos filhos e sem a presença do companheiro, que a mulher será

desprezada como força de trabalho ativa. Assim, em nossa opinião afirmamos que a

aposentadoria em tempo inferior será uma norma prejudicial às mulheres.

5.3 O argumento da “fragilidade” física da mulher e a “feminização” da velhice

Outro argumento a ser analisado para em nossa concepção ser descartado

como hipótese autorizante da aposentadoria diferenciada para a mulher, é a

fragilidade biológica do sexo feminino e, portanto, merecedora de maior proteção do

ordenamento.

Segundo dados expostos no segundo capítulo deste trabalho e já catalogados

pela Organização Mundial da Saúde (OMS), vislumbramos no século XX e início do

XXI um fenômeno batizado pelos especialistas de “feminização da velhice”,

compreendido como a maior longevidade da mulher em relação ao homem. No

Brasil convém relembrar que a média de vida chega a ser de 8 anos a mais para as

mulheres.Tais dados coletados mundialmente afastam a idéia de “sexo frágil” da

mulher.

Neste sentido, Zélia Luiza Pierdoná destaca:

A razão do nosso entendimento é que a diferença não se justifica, uma vez que o benefício previdenciário é o substitutivo dos rendimentos do trabalho, quando diante da incapacidade laboral. Os dados estatísticos demonstram justamente o contrário, ou seja, a mulher vive mais e mantém, por mais tempo, a capacidade laboral. Assim, se considerássemos a justificativa da existência de um benefício previdenciário, a idade e o tempo deveriam ser iguais para homens e mulheres, ou, ao contrário, um tempo maior à mulher. Além disso, entendemos que não se pode utilizar a proteção previdenciária como compensação de uma dupla jornada de trabalho. Ao contrário, referida justificativa, ou seja, a dupla jornada, demonstra a existência, ainda maior, de capacidade laboral.287

287 A proteção previdenciária da mulher como exercício de cidadania. In ARAÚJO, Adriane Reis &

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Na mesma esteira de pensamentos o professor Evaristo de Moraes Filho já

nos idos de 1976, advogava a tese de ser inconcebível a diferença de idade de

aposentadoria entre os gêneros, tendo em vista a longevidade feminina e as

responsabilidades familiares não tão presentes para a mulher após os 50

(cinqüenta) anos:

Mas é na questão da aposentadoria, na idade mínima para poder requerer aposentadoria por velhice, que a nosso ver, se dá a maior discriminação a favor da mulher. (...) Honestamente, não encontramos fundamento para este favor à mulher, com uma diferença de cinco longos anos. Constitui dado pacífico, que a mulher é mais resistente, menos frágil biologicamente do que o homem, em suma, é mais longeva. O número de viúvas no mundo é cada vez maior do que os dos viúvos. 288

Analisando todos os dados expostos reforçamos a tese confirmativa da

longevidade e capacidade laborativa da mulher, não estando mais configurada a

necessidade de aposentadoria em tempo inferior a dos homens. Consubstanciada

na máxima da necessidade social a ser protegida pelo sistema previdenciário

estaríamos diante de uma hipótese legal a ser modificada, homens e mulheres

devem se aposentar na mesma idade.

No mesmo sentido é a opinião de Wagner Balera:

Como se sabe, o sistema previdenciário da maior parte dos países do mundo teve inspiração no modelo alemão, de Bismarck. Pois bem, a lei alemã, tida ainda em nossos dias como das mais avançadas do mundo, estabelece idade mínima de 63 anos para o homem e de 60 para a mulher. O segundo sistema modelar, o do Reino Unido, inspirado nas conhecidas propostas do Lorde Beveridge, exige a idade mínima de 60 anos para ambos os sexos.

Nem se diga que estamos buscando comparar nossa realidade com a de países de economia avançada, nos quais a situação dos trabalhadores é bem mais confortável. Quem se detiver no perfil

FONTENELE-MOURÃO, Tânia (org.) Trabalho de Mulher: mitos, riscos e transformações. São Paulo: LTr, 2007, p. 164. 288 O trabalho feminino revisitado. Revista LTr, v. 40, n. 7, São Paulo, julho de 1976, p. 856-857.

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daqueles que chegam à aposentadoria por tempo de contribuição não estará diante da imensa massa marginal da população que, mesmo dispondo de formal enquadramento no sistema previdenciário, só logra obter a aposentadoria por velhice.

Comparemo-nos com dois dos nossos vizinhos do Mercosul, os únicos dois que podem ser considerados paradigmáticos em tema de previdência: o Uruguai, no qual a idade mínima está fixada em 60 anos e a Argentina que, mais rigorosa, exige 65 anos dos homens e 60 as mulheres. Aliás, a Argentina, seguindo os modelos já vigentes em diversos países da União Européia, estabeleceu um gradiente progressivo na implantação da idade mínima.

Talvez deva ser esse o itinerário a ser percorrido pelo Brasil. Que se fixe, desde logo, a idade mínima de 55 anos para ambos os sexos e que, de tanto em tanto tempo, tal idade venha a ser aumentada como decorrência da melhoria das expectativas de vida da população. A diferença de idade entre homens e mulheres não encontra qualquer justificação demográfica ou estatística. Portanto, que também se busque a igualdade neste ponto, em período de tempo razoável.

Eis aí alguns pontos de um debate que é, ao mesmo tempo, necessário e inadiável.289

Outro argumento a ser mencionado é que na aposentadoria especial,

considerada por muitos doutrinadores como espécie de aposentadoria por tempo de

contribuição em atividades especiais, quais sejam, sujeito o segurado a eventos

nocivos e penosos, em hipóteses previstas em 15, 20 ou 25 anos para a

aposentação, não há previsão legal para a diminuição destes tempos em se tratando

de segurada mulher.

Verifica-se assim que se realmente a mulher é considerada mais frágil no que

tange à idade e ao tempo de serviço, deveria o ser, necessariamente, nas condições

de aposentadoria especial, merecendo o tratamento diferenciado, o que não se

verifica.

289 Terceira Idade: é preciso estabelecer uma idade mínima para a aposentadoria publicado no site http://www.consultor jurídico.com.br. Acesso em 28 de fevereiro de 2007.

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5.4 A aposentadoria diferenciada como medida compensatória da dupla

jornada de trabalho

Compreendemos o argumento em questão como o núcleo de nosso trabalho

e que sustenta a nossa tese, bem como nos faz refletir sobre a necessidade

preemente de alteração do ordenamento, o que faremos ao final deste capítulo

apresentando não apenas a proposta de retirada de um benefício do sistema

jurídico, mas sim, efetuando uma troca com vistas à efetivação da igualdade entre

homens e mulheres.

Indispensável esclarecer que quando da criação da norma diferenciadora dos

critérios de concessão para aposentadorias por idade e por tempo de serviço

(nomenclatura da época) favoravelmente às mulheres o fundamento maior para tal

direito foi a sobrecarga laboral, o acúmulo de trabalho em razão da dupla formada

advinda dos afazeres profissionais e domésticos, compreendendo-se aqui, os

cuidados com a família, marido e filhos.

Culturalmente, e isto se encontra enraizado até hoje, a mulher destinatária da

norma seria uma mulher sobrecarregada pelo espaço doméstico, eis aí a razão da

ação afirmativa, beneficiando-a.

Desta feita devemos analisar nos dias hodiernos a mulher sob duas óticas,

quais sejam, as mulheres sem marido ou filhos e as mulheres com encargos

familiares.

5.4.1 A mudança comportamental das mulheres em relação à reprodução e ao

casamento

Partiremos para a análise do benefício às mulheres sem maridos ou filhos, ou

seja, sem a chamada dupla jornada.

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Um dos argumentos comumente utilizados para a existência da aposentadoria

da mulher em idade diferenciada diz respeito à tradicionalmente denominada “sobre-

jornada”, em razão do cuidado com os afazeres domésticos, marido e filhos.

Contudo, este é um argumento a ser revisto, pois estabelece que toda mulher

estará diante de responsabilidades familiares. Este fato vem sendo redesenhado

pela sociedade, e é crescente no mundo atual o número de mulheres que optam por

uma vida sem relacionamentos conjugais ou a presença de filhos.

Há mulheres que, por escolha, priorizam outras áreas e nelas se realizam.

Assim, não há que se falar em excesso de trabalho, bem como sobrejornada

autorizante de aposentadoria em idade inferior a do homem. Cresce o número de

mulheres, mesmo casadas, que não têm filhos.

Para relembramos os dados já colacionados neste trabalho no capítulo 2, no

Brasil, segundo dados dos IBGE/PNAD e Dieese290, no início dos anos 2000 é

contínuo o decréscimo da taxa de fecundidade total, a qual passou de 2,6 filhos por

mulher, em 1992, para 2,3 filhos, em 2001.

O tamanho médio das famílias, em 1980, era de 4,5 pessoas, enquanto em

1992 3,8 pessoas, e em 2001, foi reduzido para 3,3 membros. Ademais, cumpre

lembrar que em 1998, o número médio de filhos por família era de 2 no Norte, 1,9 no

Nordeste, 1,5 no Sudeste, 1,4 no Sul, 1,5 no Sudoeste e 1,6 em todo o Brasil.

Esta realidade se confirma com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra

de Domicílio (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE) de 2008 houve um decréscimo na taxa de fecundidade: Entre as mulheres de

15 a 49 anos, para o período de 1991 a 2007, observa-se uma queda da taxa de

fecundidade de 2,9 para 1,95, ou seja, abaixo da taxa de reposição da população,

que é de 2,1.

290 Dados obtidos no site http:// www.ibge.gov.br. Acesso em 12 de agosto de 2006.

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Entre 1998 e 2008, observa-se um crescimento de casal sem filhos de 13,3%

para 16,6%, enquanto que diminuiu de 55,8% para 48,2% o número de casal com

filhos. Houve também um crescimento de 16,7% para 17,2% do número de famílias

com mulheres sem cônjuges com filhos.

Em relação à temática pronunciava Evaristo de Moraes Filho:

Já é tempo de separar-se o sexo do estado civil e da maternidade, logo nem todas as mulheres que trabalham chegam a ser mães; ademais se houver inaptidão, a causa da aposentadoria não será mais por tempo de serviço nem por velhice, e sim por invalidez. Não seria também uma forma de discriminação fazer a mulher se aposentar cinco anos mais cedo do que os homens? Não se pretende que seja ou continue a ser vítima de qualquer preconceito ou mau julgamento, e sim que se deseja coerência no tratamento da matéria.291

No que tange à nupcialidade observou-se nas últimas décadas decréscimo

significativo no volume de casamentos legais. No período, o número de uniões legais

caiu de 57,8% para 50,1%, e a parcela em união consensual cresceu de 18,3% para

28,3%. No mesmo período, o número de divórcios aumentou de 10,9 para 13, para

cada 100 habitantes e o número de separações judiciais também se elevou de 10,3

para 11,6 para cada 100 casamentos292.

Sublinhe-se que o Censo de 2000 evidenciou o incremento das separações,

novas uniões e de casamento não oficiais, com as uniões consensuais elevando-se

dos 18,3% registrados em 1991 para 28,3% do total de arranjos conjugais. Verificou-

se, ademais, que a família tradicional, qual seja, casal e filhos, apesar de ainda ser

dominante, aos poucos cede passo para as famílias unipessoais e monoparentais.

Oportuno mencionar que com os rompimentos conjugais na idade madura do

casal, há a necessidade do ingresso da mulher no mercado de trabalho tardiamente

e a idade para a aposentadoria em tempo inferior ao homem poderá representar um

291 O trabalho feminino revisitado. Revista LTr, v. 40, n. 7, São Paulo, julho de 1976, p. 856-857. 292 Dados obtidos no site http:// www.ibge.gov.br. Acesso em 12 de agosto de 2006.

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obstáculo para sua inserção.293

Vale ressaltar que tanto o aumento dos declarados “sozinhos” quanto a

diminuição do tamanho da família não decorrem apenas dos divórcios. As

prioridades em outros ramos da vida social, levando ao adiamento do casamento,

junto com a dificuldade de encontrar parceiros(as) no mercado matrimonial, resultam

em aumento dos sem-cônjuges, destacando-se neste caso o sexo feminino.

No mesmo diapasão são os ensinamentos de Mauro Antônio de Paiva:

Cremos necessário e oportuno, por ocasião de uma próxima e eventual reforma, rediscutir-se a discriminação dos sexos no tocante aos requisitos para obtenção de benefícios previdenciários. O fato de a mulher moderna ter menos filhos do que suas antecessoras, aliado à sua maior expectativa de vida em relação ao homem, parece minimizar o impacto psicológico que, em outros tempos, causava nas pessoas a tese da dupla jornada.294

Sendo assim, os encargos familiares resultantes do casamento e da prole não

podem ser mais os fundamentos autorizantes para a dita “compensação” na

aposentadoria para a mulher. Em razão dos novos contornos contemporâneos no

que tange à reprodução e ao casamento, tais fundamentos perderam sua

cientificidade e, portanto, merecem ser revistos.

Finalmente, o voluto de proteção do legislador baseado na compensação da

293 VIEIRA, Priscila Faria & PEDRO, Mônica Varasquim no artigo denominado Gênero: multiplicidade de representações e práticas sociais. Disponível em http://www.centrodametropole.org.br. Acesso em 30 de maio de 2008 destacam que “Gênero: Diversidade de discursos e práticas sobre trabalho e desemprego: Após longo período de inatividade, cuidando da família e da casa, será um outro evento familiar que as fará voltar à procura de trabalho: a separação ou o abandono de seus companheiros. Trabalhar fora de casa passa a ser, então, uma necessidade à sua sobrevivência e de seus filhos. Mas, nesse momento, quando as encontramos em nosso trabalho de campo, elas se deparam com um contexto de acentuado e crescente desemprego na Região Metropolitana de São Paulo. Com baixa qualificação e escolaridade, idade por volta dos 47 anos e grande período de inatividade, isto é, sem experiência recente de trabalho, a volta ao mercado de trabalho passa a ser um ideal inatingível.” 294 Aposentadoria por tempo de contribuição: um benefício em extinção? Disponível no site http://www.academia.adv.br. Acesso em 10 de julho de 2010.

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dupla jornada não se justifica na mulher sem encargos familiares. Não há o que se

compensar, razão pela qual não há que se pensar em aposentadoria diferenciada,

5.4.2 Mulheres com encargos familiares e a dupla jornada

O segundo argumento e importância central para a escolha de nosso tema de

Doutorado e confecção do trabalho diz respeito à aposentadoria diferenciada como

forma de compensar a mulher sobrecarregada pelos encargos familiares.

Ao se inserir no ordenamento jurídico brasileiro uma norma de caráter

protecionista à mulher supunha-se à época que se tratava de uma forma de

compensação pelo acúmulo de suas funções, compreendidas como o espaço

público de suas atividades profissionais e o espaço privado de sua vida doméstica,

educação de seus filhos e manutenção de sua família.

Tal medida foi inserta como ação afirmativa com vistas à igualação entre os

sexos. Entretanto, a própria norma parte de uma premissa com vistas a reforçar a

desigualdade entre os sexos, assinalando ser o espaço da vida doméstica próprio do

universo feminino.

À época, ou seja, nos idos de 1960, momento da edição da primeira norma

diferenciadora prevista, como já informado anteriormente na Lei Orgânica da

Previdência Social (LOPS) pouco se advogava a favor da paridade entre os sexos

nas funções exercidas na família, muito pelo contrário, a família era obrigação da

mulher, e, assim, nada mais justo do que ser esta mesma mulher “compensada” pela

legislação quando exercesse também uma atividade profissional.

Na verdade, ainda hoje, primeira década do século XXI, muitos são aqueles

que consideram o espaço doméstico próprio das mulheres, o que se depreende da

análise dos dados estatísticos trazidos confirmando a superioridade do número de

horas gastas semanalmente pelas mulheres nos afazeres domésticos em relação

aos homens.

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Acreditamos que tal privilégio em tela se configura como uma

“pseudoproteção”, pois à relega ao plano de “sexo frágil”, inferior, submisso e

tradicionalmente responsável pelos afazeres domésticos.

Contudo, ao nos debruçarmos na análise de discriminações e diferenciações

a homens e mulheres nos textos positivados, devemos sempre nos questionar há

razões justificadas para tal diferenciação? Entendemos que são apenas justificadas

as diferenças de tratamento entre homens e mulheres no que tange às normas

relativas à gravidez e maternidade .

Comungando das mesmas idéias Lucy Mary Marx Gonçalves da Cunha:

(...) desconhecemos qualquer estudo sério e bem fundamentado com dados estatísticos que autorize a conclusão de prematura incapacidade feminina em relação ao homem. (...)São admissíveis diferenças apenas quando indispensáveis para proteger a mulher, diante de certas peculiaridades, como a gestação, porém jamais medidas que venham exclusivamente em detrimento de seus direitos. (...). 295

Assim, a adoção de privilégios ou de discriminações injustificadas podem

significar a opressão da própria mulher e não a sua emancipação, posto que, na

medida em que as mulheres têm mais regalias jurídicas, não há porque se intentar

uma busca pela igualdade no cotidiano, tendo em vista a compensação de

desequilíbrios culturais pela própria norma jurídica.296

Fortalecendo a tese da isonomia entre os gênero e a não concessão de

critérios diferenciados nas aposentadorias por idade e por tempo de contribuição

Nogueira defende que “qualquer que fosse a causa, tal cavalheirismo legislativo

agora se afigura anacrônico, duvidoso e até ofensivo na medida em que insiste na

295 A aposentadoria compulsória feminina. Revista de Direito do Trabalho. São Paulo, n. 077, p. 58-63, jan./mar -1995. 296 CARDONE, Marly Antonieta Cardone. Previdência, Assistência e Saúde na CF/1988. São Paulo: LTr, 1989, p. 76.

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velhice ou incapacidade produtiva das sexagenárias, ou menospreza a pugna

feminista pela repartição igualitária dos direitos e deveres humanos, entre estes os

encargos domésticos.297

O objetivo de uma política de paridade deve ser promover a igualdade de

homens e mulheres no exercício da cidadania, e não sancionar as desigualdades

por meio de medidas protecionistas como esta da aposentadoria, que tende a

reforçar uma diferença na perspectiva da igualdade a ser indagada no cotidiano da

vida doméstica, tanto nos espaços públicos quanto nos espaços privados.

Salienta-se que, para que o bem-estar social e coletivo se mantenha devemos

pensar em termos globais e na ordem sistêmica livre de preconceitos e tabus. Para

tanto é importante repensar efetivamente a questão de gênero nos dias

contemporâneos, garantindo a disparidade quando esta realmente for necessária, e

afastando as proteções que longe de representarem uma salvaguarda aos sujeitos

de direito os mantém cristalizados como hipossuficientes, trazendo as mais diversas

conseqüências.

Pretendemos demonstrar que somente pelo esforço e cooperação de todos

os atores sociais será possível consagrarmos a verdadeira igualdade e justiça

social e as mulheres devem compreender sua nova inserção social e colaborar para

tal mister, lutando contra as discriminações e as “pseudo-proteções” previstas no

ordenamento jurídico, bem como na sua realidade pragmática cotidiana.

Somos defensoras que a aposentadoria em tempo inferior à mulher está

longe de ser uma medida compensatória nos dias atuais, e pode se configurar como

uma “proteção” exacerbada e inibidora do desenvolvimento profissional desta própria

mulher.

Como conclusão, não se defende a simples instituição de critérios iguais para

homens e mulheres nas aposentadorias aqui tratadas, isso nada resolveria no

297 A crise moral e financeira da Previdência Social. São Paulo: DIFEL, 1985, p. 68.

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tocante à igualdade de gênero. Propugnamos pela revisão do cenário atual com a

implementação de um benefício que preconize a consagração da igualdade de

gênero com a inclusão de homens e mulheres. Devemos tornar homens e mulheres

iguais nos espaços públicos e nos espaços privados. A mulher avançou e vem

conquistando os espaços públicos, mas o mesmo não pode ser dito em relação à

população masculina quanto aos espaços privados, afazeres domésticos e cuidados

com a família.

Ser igual é igualar-se em todos os sentidos, exceção feita apenas às

diferenças de ordem biológica. No mais, ser igual é ocupar a dimensão da vida de

maneira similar, é exercer papéis que são próprios das pessoas, quer sejam,

homens ou mulheres.

No próximo tópico avançaremos para apresentar uma nova discussão

preconizada nos mais diversos sistemas de seguridade social do mundo, a

rediscussão dos benefícios às mulheres para a implementação de benefícios

visando como objetivo principal as famílias, asseguradas por uma combinação de

políticas sociais que ampliam as oportunidades de comunhão do espaço público e

do espaço doméstico, redefinindo e reafirmando os papéis de homens e mulheres

na sociedade contemporânea.

5.5 A “pseudoproteção” e os princípios constitucionais da solidariedade,

seletividade e distributividade.

Conforme já explicitamos anteriormente a solidariedade é valor fundante de

todo o sistema de seguridade social. Assim, o legislador constituinte propugnou pelo

ideário da universalidade consubstanciada e alicerçada nos esforços comuns de

todos os atores sociais, de forma direta e indireta.

Sendo assim, e como já comprovam os dados relativos às condições das

mulheres no século XXI, inadmissível se faz a manutenção de proteções que não

apresentam qualquer fundamento de ordem científica.

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Muito pelo contrário, a ação afirmativa estabelecida no tocante à diferença de

idade e de tempo em prol das mulheres tornou-se perene desnaturando o próprio

instituto da ação afirmativa, já vislumbrado no capítulo 3, e que visa a solução

temporária e emergencial no intuito de oferecer respostas a grupos historicamente

discriminados. A medida de diferença de idade para aposentadoria vem se

perpetuando no cenário brasileiro e fazendo com que as mulheres, em sua grande

maioria, acreditem que se trata de uma proteção, quando na verdade o que se

fomenta é o fortalecimento das diferenças entre os gêneros e firmamento da classe

feminina como de somenos relevância.

Imprescindível asseverar ainda que inadmissíveis devam ser as garantias e

os privilégios de determinadas categorias, sem qualquer fundamento científico, em

detrimento do conjunto da coletividade298. Neste sentido, os legisladores, em

primeiro momento, e os operadores do direito devem sempre questionar que a

seguridade social se mantém como uma engrenagem bem tecida e em

funcionamento graças aos princípios contidos no art. 194 da CF/88.

Solidariedade, seletividade e distributividade devem ser analisadas de forma

conjugada, orientadas pelos valores maiores da República Federativa do Brasil entre

eles, a dignidade da pessoa humana, a redução das desigualdades e a promoção da

justiça social.

Ao selecionar e distribuir deverá ter o legislador como diretriz a necessidade

de amparar as contingências necessárias que reflitam as reais necessidades

daquele momento. É da história da previdência social a transformação contínua da

seleção de contingências sociais, espelhando cada qual ao seu tempo, as

necessidades oriundas daquele momento social.

Assim sendo, quando estabelecida a diferença de idade e de tempo de

298 JHERING, Rudolf Von. A finalidade do Direito. (Trad.) Heder K. Hoffman. São Paulo: Bookseller, 2002, p. 98-99: “Na teoria social há lugar para o indivíduo, mas na teoria individualista não existe lugar para a sociedade – o todo contém a parte, mas a parte, que quer existir só para si, exclui o todo. Se a parte coloca como fim a sua prosperidade particular, então o todo pode arruinar-se. Já se o todo coloca como fim a sua prosperidade, deflui necessariamente a preocupação com a parte, pois que o todo não pode estar são se a parte estiver doente”.

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contribuição em prol das mulheres, havia o entendimento acerca do maior desgaste

feminino da mulher em relação ao homem, referido argumento já não mais se

justifica em razão da maior longevidade das mulheres, merecendo a necessária

revisão.299

A solidariedade é um dos princípios presentes no Estado Democrático

Brasileiro enuncia na CF/88, e em especial, constitui-se como uma das diretrizes

indispensáveis ao funcionamento da seguridade social. Dotado de importância ímpar

para a arquitetura do sistema, o princípio da solidariedade estrutura e dignifica as

relações sociais promovendo a redução das desigualdades e no entende de Willis

Santiago Guerra Filho, com quem encerramos o presente tópico:

Os direitos humanos – e os direitos fundamentais, no plano do direito posto, positivo – vêm adquirindo uma configuração cada vez mais consentânea com os ideais projetados pelas revoluções políticas da modernidade, tão bem representados pela tríade “liberdade, igualdade e fraternidade”. Atualmente, já se pode perceber com clareza a interdependência destes valores fundamentais: sem a redução de desigualdades, não há liberdade possível para o conjunto dos seres humanos, e sem fraternidade – ou melhor, “solidariedade” para sermos mais “realistas” visto que a fraternidade às vezes não existe sequer entre os verdadeiros irmãos-, sem o reconhecimento de nossa mútua dependência, não só como indivíduos, mas como nações e espécies naturais- também dependemos do ambiente natural – não atinamos para o sentido da busca de liberdade e igualdade.

Pode-se dizer que o Direito, nessa conjuntura, há de assentar-se em uma ordem constitucional que, em sendo aquela própria de um Estado Democrático, impõe deveres de solidariedade aos que compõem uma comunidade política, a fim de minorar os efeitos nefastos da desigualdade entre eles em relação à sua liberdade e ao respeito à dignidade humana.300

299 Consoante entendimento de ASSIS, Armando de Oliveira. Compêndio de Seguro Social. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1963, p. 154 “não devem imperar para o operador do direito interpretações que privilegiem grupos em detrimento da coletividade, cabendo citar : “ Qualquer interpretação generosa, de cunho individualista, que imponha à instituição gravames não previstos, torna-se em verdade, vantagem pessoal sustentada pela coletividade segurada. Destarte, por muito que se comova o humano coração do interpretador, o do julgador ante um caso pessoal, terá que ser contido pela indelével lembrança de que o seguro social é uma instituição de direito público – onde o social é a palavra de ordem – e em conseqüência não pode, não deve, sob hipótese alguma, ser deformado por interesses privados, de pessoas ou de grupos”. 300 Proposta de Teoria Fundamental da Constituição (com uma inflexão processual) In ALMEIDA FILHO, Agassiz & MELGARÉ, Plínio. Dignidade da pessoa humana: fundamentos e critérios interpretativos. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 319-320.

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5.6 Problemas para a previdência social: a necessidade de equilíbrio financeiro

e atuarial

O planejamento em matéria de previdência social constitui-se como diretriz

indispensável para a manutenção do sistema.A própria Constituição Federal ao

tratar do tema estabelece:

Art. 201 A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá nos termos da lei (...)”. ( grifos nossos)

Depreende-se, assim, que para o bom funcionamento do sistema necessário

se faz um equilíbrio nas contas públicas. Para o futuro, a garantia da efetividade do

pagamento dos benefícios depende de um Plano de Custeio bem engendrado,

concomitantemente, com a manutenção dos benefícios. Esta é uma equação que

não deve ser relegada a segundo plano.

Impõe sublinhar que na pauta do dia das discussões entre os mais variados

atores sociais está o orçamento da previdência social e as perspectivas de futuro.

Temos, o financiamento da Seguridade Social disciplinado na Constituição de

1988 em seu artigo 195, incisos I a III, parágrafos 1o ao 11, verifica-se assim que a

Seguridade Social, a partir de 1988 será custeada direta e indiretamente.

Quando mencionamos o financiamento direto, verificamos o emprego da

tríplice fórmula, ou seja, a cargos dos trabalhadores, empregadores e do Poder

Público, fórmula esta que vem se mantendo no texto constitucional desde os idos da

Constituição de 1934.

Quanto à fórmula indireta de custeio temos a sociedade como um todo com

as dotações orçamentárias das pessoas de direito público que fazem parte da

estrutura fundamental do Poder: a União, os Estados e Territórios, o Distrito Federal

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e os Municípios, apostadores de concursos de prognósticos e demais

contribuições.301

Também há de se mencionar, como já visto alhures no Capítulo 4 que a

seguridade social constituída com base no princípio da universalidade da cobertura

e do atendimento é ideário esculpido na Carta Magna de 1988 é o que irá orientar

o legislador como um horizonte a ser alcançado. Comungando esforços para a

obtenção deste ideário tratou o legislador constitucional de estabelecer o

financiamento para se alcançar tal objetivo, e para tanto ditou regras no sentido de

serem estabelecidas diversas bases de financiamento do Sistema de Seguridade

Social. Contudo, estamos ainda em uma fase de transição e a universalidade não

se encontra implementada como gostaríamos. Entretanto, vale dizer que

caminhamos para atingi-la e nesse desiderato o financiamento será de suma

importância para implementação do plano de proteção social universal.

Resta claro e convém repisar que um dos primeiros passos para se alcançar

os objetivos traçados é estabelecer um custeio calcado no planejamento, na

previsão, no estudo, pois a partir deste necessário planejamento estará

engendrado um plano com suporte atuarial para implementação da política de

Seguridade Social.

Ao atendermos os anseios propugnados pelo art. 201 da CF/88 combinado

com o art. 195, parágrafo 5o, também já analisado, considerado como a

necessidade de prévio custeio para a existência de benefícios, o equilíbrio almejado

pelo dispositivo deve ser considerado em um contexto global de política

previdenciária.302

Consideramos que se as mudanças nas condições sociais se operam as

mudanças jurídicas devem acompanhá-las. É o que ocorre na aposentadoria

diferenciada entre os gêneros, por todos os argumentos analisados, e garantia do

301 BALERA Wagner. A Seguridade Social na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 48. 302 CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Digressões a respeito da inconstitucionalidade do fator previdenciário. Revista do Advogado/AASP, n. 60, São Paulo: Setembro/2000, p.61.

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equilíbrio atuarial, não há sentido em se manter aposentadorias precoces da

mulher, tendo por bases científicas a ampliação da sua longevidade.

Em um encontro futuro de contas públicas, as mulheres que atualmente já se

constituem em grande parte, gerarão um ônus e um déficit para os caixas da

previdência social brasileira.Há que se repensar a idade e a longevidade feminina

em termos de gastos públicos, partindo-se do pressuposto da solidariedade,

também insculpido no Texto Constitucional.

Pode-se dizer que a diferenciação de idades para aposentadoria em privilégio

às mulheres não merece continuar existindo, tendo em vista a mudança dos

comportamentos sociais e o afastamento da falsa idéia de fragilidade física e

biológica do sexo feminino, nos termos dos últimos dados divulgados cientificamente

pela Organização Mundial de Saúde no ano de 2007.

Coroando a mesma linha de raciocínio anteriormente exposto cumpre trazer à

baila os ensinamentos do economista Fábio Giambiagi:

Uma olhada na tabela ajuda a entender a questão. No Brasil, uma mulher de 60 anos de idade tem uma expectativa de viver até os 82 anos, enquanto que na mesma época da vida, um homem espera viver, na média, até os 79 anos. A diferença entre um caso e outro é de três anos. Isto é, se homens e mulheres se aposentassem à mesma idade, a mulher receberia a aposentadoria por um número maior de anos. Como, além disso, a mulher se aposenta antes, ela é beneficiada de forma tríplice em termos atuariais, já que a alíquota que paga é a mesma que a dos homens. Primeiro, na contagem do tempo de contribuição ganha um adicional de cinco anos: se contribuiu por 30 anos, tem o seu fator previdenciário contabilizado como se tivesse contribuído por 35. Segundo, se aposenta antes que o homem. E terceiro, vive mais. As regras deveriam se tornar um pouco mais restritivas, minimizando esse conjunto de vantagens. Estamos falando de um favor fiscal, que tem um custo: continuar a permitir que as mulheres se aposentem por tempo de contribuição, conforme indicam as estatísticas, na média, aos 52 anos, implica ter menos recursos disponíveis para atividades importantes que estarão sendo negativamente afetadas pela proporção crescente do Orçamento consumida pela Previdência. A falta de recursos para investimentos é parte desse enredo303.

303 Proposta para a Previdência (III): a regra das mulheres, artigo publicado no Jornal O Valor Econômico, acesso em 24 de fevereiro de 2007.

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Por todos os argumentos expostos resta claro que as mudanças legislativas

se fazem imperiosas. Entretanto, há de ser salientado que são necessárias regras

de transição para todos aqueles que já se encontram filiados ao sistema. Enfatiza-

se, que as regras de transição, em matéria de direito previdenciário no Brasil, já não

são mais novidade.

Imprescindível salientar que em reunião no Fórum Nacional da Previdência

Social, ocorrida em 10 de abril de 2007 destacou-se que dos 23 países que

compõem a Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico

(OCDE), sete manifestaram a intenção na convergência de a convergência de idade

entre homens e mulheres.

À título de exemplo podemos apresentar as mudanças que vêm sendo

operadas na Inglaterra que está equiparando a idade de homens e mulheres em 65

anos. Esta idade será implementada a partir de 6 de abril de 2020. Esta alteração se

dará gradualmente num período de 10 anos entre 2010 e 2020. O tempo de

contribuição irá conseqüentemente aumentar para as mulheres, atingindo o mesmo

patamar que os homens, para quem são exigidos 49 anos de contribuição.

Em Portugal, Alemanha, Espanha a idade de aposentadoria de homens e

mulheres se dá aos 65 anos. Na França há proposta do governo tramitando no

Parlamento para que a idade mínima seja alterada e fixada em 62 anos para

homens e mulheres.

Nos Estados Unidos a idade é de 66 anos para homens e mulheres. Da

mesmo forma se dá no Canadá e no México aos 65 anos para homens e mulheres,

respeitados outros critérios também exigidos de carência e tempo de contribuição

idênticos para ambos os sexos..

Na América do Sul podemos citar o exemplo do Uruguai e Paraguai, ambos

pertencentes ao MERCOSUL, assim como o Brasil, concedendo aposentadoria por

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idade para homens e mulheres aos 60 anos.304

No Peru o Instituto de Previdência Social por meio das disposições legais

estabelece 60 anos para aposentadoria por idade para homes e mulheres. Na

Bolívia 65 anos para homens e mulheres e no Equador é possível a aposentadoria,

segundo uma escala de critérios, a partir dos 60 anos levando-se em conta o tempo

de contribuição até se atingir os 70 anos de maneira idêntica para homens e

mulheres.305

No mesmo sentido são as lições do economista Fábio Giambiaggi acerca da

necessidade de regras de transição:

Alguém pode alegar que regras diferenciadas em favor das mulheres existem em outras legislações nacionais. É verdade. Porém, é preciso considerar duas coisas. Primeiro, que muitos países que tinham regras diferenciadas estão migrando para a igualdade entre os sexos em matéria de aposentadoria, como é o caso dos países da União Européia. E, segundo, que embora de fato ainda existam muitos países com regras mais favoráveis para as mulheres, isso ocorre em relação a um parâmetro em que as regras de aposentadoria para os homens são bastante rígidas. O caso típico é o de ter uma norma conforme a qual os homens se aposentam aos 65 anos e as mulheres aos 60. O que confere singularidade ao caso brasileiro é que aqui as mulheres podem se aposentar por tempo de contribuição cinco anos antes em relação aos homens que, por sua vez, também se aposentam, por esse regime, muito cedo. O resultado é que, enquanto em diversos países as mulheres se aposentam antes dos homens, mas aos 60 anos, no Brasil podem se aposentar aos 50 ou 51 anos, o que é um exagero. Qual é a solução? Adotar uma regra pela qual a diferença entre os requisitos para as aposentadorias masculina e feminina diminua dos atuais cinco anos para dois anos, na base de uma redução de um ano a cada cinco anos. Assim, cinco anos depois de uma certa data, a diferença cairia para quatro anos e em dez anos para três, até completar a transição em 15 anos, quando a diferença entre os sexos cairia para dois anos. Trata-se de uma regra razoável, gradual e que afetaria apenas moderadamente as mulheres de meia idade que hoje estão no mercado de trabalho, incidindo mais severamente sobre as jovens - que creio que aceitariam a medida com

304 Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e Associação Internacional de Seguridade Social publicados no Jornal O Estado de São Paulo, Caderno Economia, datado de 29 de junho de 2010, p. B 3. 305 Todos os dados coletados acerca das aposentadorias nos países selecionados acima estão disponíveis no site da Associação Internacional de Seguridade Social http://www.issa.int. Acesso em 18 de junho de 2009.

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naturalidade. O país deveria pensar seriamente em uma regra como essa.306

Seguindo o mesmo entendimento oportuna é a lição de Vivian Aranha Sabóia:

Com efeito, o direito à proteção social deve estar na base de um sistema previdenciário amplo e inclusivo. Por essa razão, a reforma da previdência deve ser capaz de garantir a solidariedade, promover justiça social, ampliar e incluir direitos, eliminar eventuais privilégios e contribuir para a redução das desigualdades de classe e de gênero. Uma reforma previdenciária justa deveria incorporar uma lógica igualitária e redistributiva, diferentemente da lógica individualista e famialista que orienta e reforça o seu caráter de seguro, reproduzindo desigualdades tanto de classe quanto de gênero. Isso envolve a implementação de políticas específicas de emprego e de previdência social que promovam a igualdade sexual no mercado de trabalho e a divisão das tarefas domésticas sem distinção de gênero.307

Finalmente, é oportuno concluir que o estabelecimento de critérios

diferenciados pelo próprio Texto Constitucional não se configura como violação ao

princípio da igualdade. O que pretendemos é a modificação dos critérios para

concessão dos benefícios acima relatados – aposentadoria por idade e por tempo de

contribuição- a serem alterados por meio de Emenda Constitucional.

Ressalta-se que a Emenda Constitucional, em nosso entender, deverá

extinguir os benefícios paulatinamente, garantindo às seguradas já filiadas ao

sistema, o direito a usufruírem das regras de transição, comumente já empregadas

no ordenamento previdenciário brasileiro.

Ademais, propugnamos também que haja na própria Emenda Constitucional a

previsão de uma “troca de benefícios” com a inserção em nosso sistema de

seguridade social do benefício denominado de licença-parental, com vistas à efetiva

igualdade de gênero e desconstrução de estereótipos historicamente arquitetados.

306 Proposta para a Previdência (III): a regra das mulheres, artigo publicado no Jornal O Valor Econômico, acesso em 24 de fevereiro de 2007. 307 As desigualdades de gênero na Previdência Social na França e no Brasil. Caderno CRH, Salvador, v. 19, n.46. p. 123-131, jan/abr.2006, p.125.

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Passamos então a apresentá-lo no próximo tópico.

5.7 Efetuando trocas: a implementação da Licença-Parental como garantia da

igualdade de gênero e firmamento dos direitos de co-responsabilidade

familiares de homens e mulheres.

De tudo que foi exposto, percebe-se que a seguridade social é chamada a

cumprir importante papel, alicerçada em seus objetivos e instrumentos, de instância

redutora das desigualdades sociais. Mediante a promoção social da pessoa

humana; buscando a paz e a proteção dos eventos que geram necessidades, o

sistema arma a sociedade com importantes e claras salvaguardas, pois a

concretização dos direitos sociais e das questões atinentes à igualdade de gênero

conclamam a efetiva atuação do Estado por meio de políticas públicas inclusivas,

trazendo para a prática todo o arcabouço normativo.

Consideramos que a previdência social, como um dos elementos formadores

da seguridade social em nosso país, desempenha papel de extrema relevância

mediante a promoção social da pessoa humana, protegendo-a dos eventos que

geram necessidades.

Os mecanismos promocionais para se garantir a devida compensação devem

ser oferecidos na idade das necessidades sociais, qual seja, na época de criação e

educação dos filhos pequenos, época em que se demanda maior atenção dos pais.

Razão pela qual, mecanismos para o comprometimento na criação dos filhos devem

ser oferecidos a homens e mulheres. Ao falarmos nas questões femininas também

estamos falando na participação masculina na criação dos filhos, muitas vezes

excluídos por papéis e arquétipos estereotipados.

Desta feita, percebemos que o conceito de família nos dias atuais passa por

novas roupagens acrescendo em seu seio a igualdade de gênero. Por esta ótica,

podemos dizer que a educação e sustento dos filhos já não cabe prioritariamente a

um dos cônjuges, mas sim a ambos.

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Apesar das modificações havidas com o universo feminino, em especial seu

maciço ingresso no mercado de trabalho, a maternidade, o lar e a criação dos filhos

ainda é um estereótipo de cunho feminino. Muitas vezes, devemos nos indagar que

somos criados para desenvolver nossa vida desta ou daquela maneira, sem nos

questionar se tais fatos não são produtos culturamente e historicamente construídos.

Ademais, importante pensarmos que ao incluir apenas as mulheres em tais tarefas

ditas domésticas, por ordem lógica estamos excluindo os homens.

Convém reafirmar que os benefícios previdenciários previstos no

ordenamento brasileiro, enfocam, primordialmente, os direitos reprodutivos das

mulheres, oferecendo mínimas possibilidades aos homens de se comprometerem

com o exercício da paternidade responsável, bem como ignorando a existência de

famílias homoafetivas e monoparentais masculinas. Nesse contexto, nota-se que o

aparato legal contribui no mínimo para a manutenção e a reprodução de uma

realidade bastante desigual no que diz respeito à divisão sexual do trabalho

reprodutivo308.

O cuidado das crianças está previsto na Constituição Federal, art. 227, como

um dever e um direito do Estado, da sociedade e da família - das mães e dos pais -,

ou seja, homens e mulheres têm o mesmo dever e a mesma capacidade de cuidar

de seus filhos, sendo necessário o reconhecimento de uma licença para os dois.

No entanto, timidamente, os dados atuais demonstram homens mais

participativos e conscientes no engajamento em tais tarefas. Oportuno dizer, que

apesar de tais avanços sociais, mais acentuados no “Velho Continente”, e ali estão

as legislações mais vanguardistas sobre o assunto, no Brasil ainda a legislação

sobre incentivos para o compartilhamento das tarefas domésticas pelos homens é

absolutamente escasso.

Defendemos que mudanças legislativas são de ordem imperiosa, posto que

308 PINHEIRO, Luana; GALIZA, Marcelo; FONTOURA, Natália. Novos arranjos familiares, velhas convenções sociais de gênero: a licença-parental como política pública para lidar com essas tensões. Revista de Estudos Feministas, vol.17 n..3 Florianópolis Sept./Dec. 2009, p.12.

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ao se estabelecer uma licença aos homens para cuidado dos filhos, estar-se-á

estabelecendo a igualdade entre os gêneros, e facilitando o ingresso, permanência e

real estabilidade da mulher no mercado de trabalho. Tal licença, já constante na

Europa, denomina-se licença-parental.

Esta seria na verdade a medida compensatória e igualadora dos direitos da

mulheres em relação aos homens. Nunca será a aposentadoria em idade

diferenciada. Precisamos de igualdade no momento em que os problemas de

sobrecarga estão acontecendo efetivamente, ganhar 5 anos de presente para um

eventual descanso, por tudo que já dissemos é levar a mulher a uma posição

reiterada de cidadã de 2ª classe, bem como oferecer-lhe a inatividade precoce, a

criação de medos e transtornos de ordem psicológica.

Contudo, na idade de criação dos filhos pequenos, muitas vezes coincidente

com o firmamento de suas atividades profissionais é que precisará da salvaguarda

familiar, bem como das políticas Estatais voltadas à proteção da família.

O ideal seria a instituição também da licença-parental, dada a necessidade de

proteger a criança, de atenuar as desigualdades provenientes dos encargos

familiares e de tornar o pai co-responsável pelos cuidados e educação dos filhos.

Sucede que o progresso nessa área só será atingido se vier acompanhado de uma

infra-estrutura social capaz de proporcionar à família maior disponibilidade de

creches e pré-escolas, com longa duração da jornada escolar, aliada à modificação

da mentalidade da mulher e do homem, conscientizando-os de que os encargos

domésticos também deverão ser repartidos.309

A divisão das responsabilidades no âmbito familiar é um aspecto significativo

de uma evolução cultural e, dada a sua lentidão, clama por um início imediato, que

poderá ser retardado por concessão de vantagens ou proteções especiais à

mulher.310

309 BARROS, Alice Monteiro. Direito do Trabalho da Mulher. São Paulo:LTr, 1995, p.23. 310 Idem, p. 498.

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Ana Maria Goldani destaca a real necessidade de compartilhamento entre a

vida doméstica e laboral por meio da propositura de novos modelos de participação

de homens e mulheres, em seus trabalhos e na vida doméstica. Este modelo,

denominado de Universal Caregiver Model of Gender Equity, tem sido implementado

em países da Comunidade Européia, com políticas públicas que ofertam benefícios

financeiros, serviços e outras ajudas para famílias com crianças cujos pais trabalham

fora. O escopo maior de tais políticas é a proteção social das famílias, dos filhos e da

continuidade das relações de emprego dos genitores, muitas vezes obrigados a se

desvincularem de seus postos de trabalho para criação dos filhos.311

Mudar a divisão sexual do trabalho doméstico é, enfim, uma pré-condição para concretizar essa cidadania mundial através de uma efetiva igualdade social e sexual. Enquanto a divisão do trabalho doméstico for assimétrica, a igualdade será uma utopia. Se o papel das políticas públicas em favor da igualdade entre homens e mulheres pode ter conseqüências positivas, apenas a mudança da correlação de forças no interior da esfera dita “privada” poderá contribuir para uma melhor distribuição do trabalho invisível, do trabalho de compaixão e de dedicação, de altruísmo, de disponibilidade permanente, tornando abordável às mulheres – e não apenas virtualmente aos homens e a um punhado de “mulheres excepcionais” – um espaço próprio, um tempo “para si”, e o acesso à criatividade, que é possível apenas a partir de uma afirmação de si enquanto sujeito autônomo.312

5.7.1 Instrumentos Internacionais instituidores dos benefícios familiares

Convém informar que desde os idos de 1960 a noção de “responsabilidades

familiares” está na agenda da OIT, devido à maior inserção das mulheres no

mercado de trabalho. Em 1965, foi aprovada a Recomendação nº 123 sobre o

emprego de mulheres com responsabilidades familiares. No entanto, essa

recomendação trata dos “problemas enfrentados por mulheres na tentativa de

conciliar família e trabalho, sem questionar a maior carga de trabalho doméstico das

311 Família, gênero e políticas: famílias brasileiras nos anos 90 e seus desafios como fator de proteção. Revista Brasileira de Estudos de População, v.19, n.1, jan./jun. 2002. 312 HIRATA, Helena. O universo do trabalho e da cidadania das mulheres – um olhar do feminismo e do sindicalismo. In COSTA, Ana Alice et. al. Reconfiguração das relações de gênero no trabalho. São Paulo : CUT, Brasil, 2004, p.20.

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mulheres”.313

A Recomendação n. 123 foi aprimorada posteriormente pela Convenção no.

156 sobre trabalhadores e trabalhadoras com Responsabilidades Familiares e pela

Recomendação no. 165, ambas de 1981.

A Convenção nº 156 enfoca a necessidade dos Estados desenvolverem

mecanismos dentro do sistema de seguridade social de apoio e assistência à família

e à criança, considerando as necessidades dos trabalhadores e trabalhadoras com

responsabilidades familiares. Define também que os Estados deverão promover

medidas de orientação e formação profissional para possibilitar a inserção, a

manutenção e a reintegração desses trabalhadores e trabalhadoras ao setor

produtivo.

A referida Convenção enaltece a “mudança nos papéis tradicionais atribuídos

aos homens, de modo que a crescente presença da mulher no mercado de trabalho

teria que ser acompanhada pela maior participação masculina na vida familiar e nos

afazeres domésticos”, bem como dispõe sobre o direito à licença parental, a ser

usufruída, pelo homem ou pela mulher, após o gozo da licença-

maternidade.Determina também o direito a períodos de afastamento, a cargo da

Previdência Social, para cuidar de filhos doentes, e, finalmente, destaca o papel do

Estado na promoção da educação de homens e mulheres, preparando-os para o

compartilhamento das atividades profissionais e familiares.

A Recomendação no. 165, tem por objetivo complementar a Convenção no.

156, reafirmando a importância da ampliação da oferta de serviços de proteção

social e da melhoria de sua infra-estrutura para garantir o bom desempenho das

responsabilidades familiares e fomentar a repartição equilibrada das

responsabilidades no grupo familiar. Em seu art. 22, 1 disciplina que qualquer dos

313 GOMES, Ana Virgínia Moreira. A OIT e a disseminação do combate à discriminação contra a mulher no trabalho: indo além das convenções e recomendações. In BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins & ANDREUCCI, Ana Cláudia Pompeu Torezan (org.). Mulher, Sociedade e Direitos Humanos : Homenagem à Profa. Dra. Esther de Figueiredo Ferraz. São Paulo: Rideel, 2010, p.168.

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pais deve ter a possibilidade, após a licença pós-natal, de tirar a licença parental,

garantida sua estabilidade no emprego nas mesmas condições anteriores à licença.

A Convenção no. 156 e a Recomendação no. 165 avançam em comparação à

Recomendação no. 123, em dois aspectos principais. Primeiro, porque não

consideram a conciliação trabalho e família como um problema enfrentado apenas

pelas mulheres, e segundo porque definem o direito à igualdade de oportunidades

para os trabalhadores e trabalhadoras com responsabilidades familiares.314

E em segundo lugar porque a Recomendação nº 123 compreendia que as

responsabilidades familiares eram aquelas adstritas ao cuidado com os _filhos,

enquanto na Convenção nº 156 amplia essa definição, incluindo também aquelas

relacionadas a outros membros da família que dependam do cuidado ou sustento

do trabalhador ou trabalhadora, preocupando-se com o contexto atual do índice

crescente de envelhecimento da população.

Importante destacar ainda 98ª Sessão da Conferência Internacional do

Trabalho, reunida em Genebra em junho de 2009 com uma importante contribuição

da América Latina com a elaboração do Relatório Regional Trabalho e Família: rumo

a novas formas de conciliação com co-responsabilidade social, em um trabalho

conjunto entre a Organização em um trabalho conjunto entre a Organização

Internacional do Trabalho (OIT) e o Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD), e a contribuição de diversos países latino-americanos.

Esse Relatório tem por objetivo o aprofundamento das discussões de políticas

propostas na Agenda Hemisférica de Trabalho Decente, lançada em maio de 2006,

durante a XVI Reunião Regional Americana da OIT.

Com o título “Organizar o trabalho a favor da co-responsabilidade social”, um

dos capítulos do Relatório estabelece as principais diretrizes para o enfrentamento

314 Trabalho e Família: rumo a novas formas de conciliação com co-responsabilidade social. Relatório da Organização Internacional do Trabalho-2009(OIT), p. 506. Disponível no site http://www.oit.org.br com acesso em 15 de abril de 2010.

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de um dos maiores desafios contemporâneos: a noção de co-responsabilidade e

compartilhamento da vida pessoal, familiar e o trabalho, devendo citar:

• a necessidade de legislação sobre licenças paternidade por nascimento de um

filho ou filha, remuneradas e de duração adequada, com o objetivo de permitir o

convívio dos pais com seus filhos e filhas desde os primeiros dias de seu

desenvolvimento.

• a avaliação das licenças paternidades já existentes na legislação de diversos

países, com a análise aprofundada de sua efetividade na prática social;

• a recomendação de se incluir no ordenamento legislativo de cada país a licença

parental, remunerada e de duração adequada, que pode ser tirada após o término

da licença maternidade,por ambos os cônjuges de modo seqüencial e de forma

compartilhada,

.

• a recomendação de se legislar sobre licenças familiares remuneradas por motivos

de responsabilidades familiares (por exemplo, em caso de enfermidade de filhos ou

filhas ou outras pessoas dependentes), para que possam ser gozadas por um

determinado período ou como flexibilização do horário de trabalho.

• E ainda a possibilidade de licenças não remuneradas, com garantia do posto de

trabalho, para criação ou cuidado de outros dependentes.

Finalmente, oportuno afirmar que tais direitos estariam cingidos à categoria de

benefícios previdenciários, a serem cobertos pelos sistemas de seguridade social.

5.7.2 Experiências de direito comparado

Podemos citar ainda a experiência modelar da Suécia com legislação datada

de 1974, outorgando-lhe o título de primeiro país do mundo a transformar a licença

maternidade em um sistema de licença remunerada tanto para a mãe como para o

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pai, com o objetivo de reafirmar a igualdade de gênero, o acesso da mulher ao

mercado de trabalho, o fortalecimento dos homens no compartilhamento das tarefas

domésticas e criação dos filhos, e por via de conseqüência direta, o fortalecimento

da família como núcleo social privilegiado e destinatário de políticas públicas. 315

O sistema sueco de seguridade para os pais parece também marcar o início

de uma época em que, paralelamente à ênfase dada à redução dos diferenciais

econômicos e de bem-estar relativos às classes sociais, a questão de gênero passa

a assumir um lugar cada vez mais destacado na agenda pública do país. O grande

ingresso das mulheres no mercado de trabalho prenunciava a debilitação do

tradicional modelo familiar do provedor e da dona-de-casa, e o Estado sueco

começa a implementar políticas formuladas não apenas com o intuito de reduzir as

diferenças nas médias salariais e nas condições de trabalho entre homens e

mulheres, mas também visando a tornar mais igualitária a divisão de tarefas no

âmbito doméstico.316

Entre os auxílios podemos citar:

• Auxílios para os pais (Föräldrapenning): após o nascimento do filho ou a adoção de uma criança que ainda não tenha dez anos, os pais têm direito a uma licença remunerada de até um máximo de 450 dias (quinze meses). A licença é sujeita à tributação, sendo considerada quando dos cálculos para a aposentadoria. Os pais podem escolher quando tirar a licença remunerada, mas o benefício não é mais concedido após a criança ter terminado o primeiro ano da escola compulsória, o que geralmente acontece aos onze anos de idade. Se ocorrerem nascimentos múltiplos, os pais têm direito a mais 180 dias

315 Neste sentido trazemos à colação as informações obtidas no texto de FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de. Entre marido e mulher, o estado mete a colher: reconfigurando a divisão do trabalho doméstico na Suécia. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v.17, n.48, São Paulo, fev. 2002 disponível no site http://www.scielo.br com acesso em 15 de março de 2009, cabendo citar: “ Em países como a Áustria, Holanda, Japão e Austrália, por exemplo, legislações similares foram introduzidas apenas no início dos anos de 1990 (OECD, 1995). Nos países nórdicos, os pais passaram a ter direito a compartilhar a licença remunerada após o nascimento da criança nos seguintes anos: Suécia (1974), Noruega e Finlândia (1978), Islândia (1980) e Dinamarca (1984). Na Escandinávia, somente na Suécia e na Noruega uma parte da licença é reservada exclusivamente para o pai (licença remunerada como um direito individual, não apenas como um direito da família); e somente na Suécia (1979) e na Finlândia (1988) os pais de crianças pequenas têm o direito de optar por uma jornada de trabalho de seis horas (com redução proporcional dos salários)”. 316 Idem, ibidem.

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de licença no caso de gêmeos, a mais 360 dias no caso de trigêmeos e assim por diante. A forma de usufruir a licença pode variar: por tempo integral, por meio expediente ou apenas durante um quarto da jornada diária de trabalho. Quando os pais têm a custódia conjunta da criança, cada um tem direito à metade do total dos dias de licença remunerada. Se um dos pais não tiver condições de cuidar da criança, devido a doença, incapacidade física ou outras razões similares, o outro tem direito a todo o período de licença remunerada. Também é possível transferir a licença remunerada para o parceiro(a), garantindo-se, entretanto, trinta dias que são intransferíveis; essa transferência deve ser formalizada junto ao escritório do seguro social mais próximo. Pais solteiros têm direito a todos os 450 dias de licença. Esse auxílio para os pais pode ser concedido antes do nascimento da criança para compensar o fato de o auxílio gravidez não ser concedido durante os dez dias que precedem o parto e/ou para que os pais possam freqüentar cursos de puericultura e congêneres. Após o nascimento, o auxílio para os pais é pago para aquele que toma conta da criança. Ambos os pais podem receber o auxílio simultaneamente, relativo a meio expediente de licença, se assim desejarem. Auxílios temporários para os pais (Tillfällig Föräldrapenning): quando a criança ou a pessoa que geralmente toma conta dela está doente, os pais têm direito a uma licença remunerada por um máximo de sessenta dias anuais por criança, período esse que, excepcionalmente, pode ser prolongado até 120 dias. O benefício está disponível até que a criança atinja os doze anos de idade. Se a criança tem necessidade de cuidados especiais, o auxílio temporário pode ser estendido até que a criança tenha dezesseis anos. Os benefícios auferidos também são proporcionais à renda. Em 1995, os primeiros catorze dias da "licença para cuidar de uma criança doente" eram compensados com 80% dos rendimentos daquele que se licencia.317

Importante documento acerca do tema foi lançado neste ano, trata-se da

Diretiva da União Européia, n. 2010/18 do Conselho de 8 de março de 2010 que

aplica o acordo revisto sobre a licença-parental aos países congregados. Trata-se a

Diretiva de fonte do direito comunitário, não possuindo caráter obrigatório, mas são,

entretanto, fontes inspiradoras com importância cabal para as diretrizes internas de

cada país, no fomento de ações e públicas.

Nas motivações e fundamentos da Diretiva n.18 estão ressaltados pontos de

extrema importância considerando “que as políticas da família devem contribuir para

a concretização da igualdade entre homens e mulheres a ser encarados no contexto 317 Idem, ibidem.

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da evolução demográfica, dos efeitos do envelhecimento da população, da

aproximação entre as gerações, da promoção das mulheres na vida ativa e da

partilha das responsabilidades de cuidados entre homens e mulheres”.

Houve, assim, a instituição da licença-parental em um período não inferior a

quatro meses, aos trabalhadores de ambos os sexos, com filhos naturais ou

adotivos, com até 8 anos de idade, critério a ser definido por cada Estado Membro,

para exercerem as responsabilidades familiares cuidando de seus filhos de forma

compartilhada.

Em Portugal sob a égide do Decreto n. 91/2009 há o benefício da licença-

parental, cabendo transcrever trechos selecionados da exposição de motivos do

texto legal que reforçam a adoção de tal medida visando a efetivação da igualdade

de gênero:

XVII Governo Constitucional reconhece, no seu Programa, o contributo imprescindível das famílias para a coesão, equilíbrio social e o desenvolvimento sustentável do País. Reconhecendo a importância e a necessidade de criar medidas que contribuam para a criação de condições favoráveis ao aumento da natalidade, por um lado, mas também à melhoria da conciliação da vida familiar e profissional e aos cuidados da primeira infância,

(...) a adopção de medidas e acções destinadas a combater as desigualdades de género, promover a igualdade entre mulheres e homens bem como a conciliação entre a vida profissional, familiar e pessoal, elegendo-se como prioridade, nomeadamente, a criação de condições de paridade na harmonização das responsabilidades profissionais e familiares.

No âmbito da protecção à parentalidade, que constitui um direito constitucionalmente reconhecido, a segurança social intervém através da atribuição de subsídios de natureza pecuniária que visam a substituição dos rendimentos perdidos por força da situação de incapacidade ou indisponibilidade para o trabalho por motivo de maternidade, paternidade e adopção.

O novo regime de protecção social elege como prioridades o incentivo à natalidade e a igualdade de género através do reforço dos direitos do pai e do incentivo à partilha da licença, ao mesmo tempo que promove a conciliação entre a vida profissional e familiar e melhora os cuidados às crianças na primeira infância através da

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atribuição de prestações pecuniárias na situação de impedimento para o exercício de actividade profissional.

Importante é o exemplo latino americano de Cuba que em 2003 atualizou o

Decreto Lei 234 com o objetivo de instituir a Licença Parental visando o

compartilhamento familiar na criação dos filhos naturais ou adotivos até 1 ano de

vida. Concluída a licença maternidade, a mãe e o pai podem decidir qual deles

cuidará do filho ou filha, a forma que distribuirão esta responsabilidade até o primeiro

ano de vida e quem receberá o benefício equivalente a 60% da base de cálculo da

licença maternidade. O período no qual a mãe ou o pai estejam recebendo este

benefício para o cuidado das crianças é considerado como tempo de serviço para os

efeitos da previdência social.

5.7.3 Brasil: ecos de proposituras legiferantes

No Brasil, esse debate vem se ampliando na esfera pública. A II Conferência

Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em agosto de 2007, colocou na

pauta algumas questões relativas ao tema que foram incorporadas ao II Plano

Nacional de Políticas para as Mulheres (SPM).

O equilíbrio entre trabalho e família foi o tema da OIT para as comemorações

do Dia Internacional da Mulher de 2009 e também para a discussão que se realizou

na 98ª Conferência Internacional do Trabalho, realizada em junho de 2009, em

Genebra.

Esse tema também vem sendo tratado desde 2005 pela Comissão Tripartite

de Igualdade de Oportunidades e de Tratamento de Gênero e Raça no Trabalho

(CTIO), presidida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que é composta por

representantes do governo, trabalhadores e empregadores.

Como pauta central do debate está a apreciação da Convenção 156 da OIT

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sobre trabalhadores e trabalhadoras com responsabilidades.A Convenção 156 traz

importantes orientações para a elaboração de políticas nacionais que contribuam

para uma compatibilização satisfatória dos trabalhos remunerados e não

remunerados, que promovam o compartilhamento de responsabilidades entre

homens e mulheres, bem como a igualdade de oportunidades e não discriminação

de trabalhadores e trabalhadoras com responsabilidades familiares. Além disso,

coloca a necessidade de serem adotadas medidas que levem em consideração as

necessidades deste grupo de trabalhadores/as, incluindo o desenvolvimento de

serviços comunitários, públicos e privados de assistência à infância e às famílias.

Contudo, começamos a perceber prenúncios de mudanças, tendo em vista o

tema responsabilidade familiares e igualdade de gênero ter sido incluído como

discussão geral na agenda da 98ª Sessão da Conferência Internacional do Trabalho,

reunida em Genebra em junho de 2009.

Convém ressaltar que houve uma importante contribuição da América Latina

com a elaboração do Regional Trabalho e Família: rumo a novas formas de

conciliação com corresponsabilidade social, em um trabalho conjunto entre a

Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Programa das Nações Unidas para

o Desenvolvimento (PNUD), e a contribuição de diversos países latino-americanos.

No Brasil, foram realizados dois eventos, com a parceria do Escritório da OIT

no Brasil e a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da

República: um seminário nacional tripartite e um estudo nacional sobre o tema.

Realizado em Brasília no mês de março de 2009, o Seminário Nacional

Tripartite O Desafio do Equilíbrio entre o Trabalho, Família e Vida Pessoal teve por

principal resultado a aprovação de um documento com os principais pontos dos

debates, resumindo as propostas e as estratégias para o equilíbrio entre trabalho,

família e vida pessoal no país.

A segunda atividade foi a realização do estudo nacional Políticas de Equilíbrio

de Trabalho, Família e Vida Pessoal no Brasil: avanços e desafios no início do

século XXI, apresentando um levantamento das políticas conciliatórias entre trabalho

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e família existentes no país, a partir das múltiplas estruturas e arranjos familiares da

atualidade, evidenciando quais os grupos que têm acesso a tais benefícios e quais

estão excluídos, e fazendo recomendações de medidas para sua inclusão.

A Comissão Tripartite de Igualdade de Oportunidades e de Tratamento de

Gênero e Raça no Trabalho (CTIO) encaminhou à discussão da Conveção 156 para

a Comissão Tripartite de Relações Internacionais, visando a sua submissão ao

Congresso Nacional.

Em janeiro de 2010, o Ministro de Estado do Trabalho e Emprego solicitou ao

Ministro de Estado das Relações Exteriores o encaminhamento da Convenção 156 à

Casa Civil com vistas à sua submissão ao Congresso Nacional. Durante os meses

de janeiro e fevereiro, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), realizou atos de

lançamento do “Abaixo Assinado pela Ratificação da Convenção 156” em todos os

estados em que a entidade atua, convidando os seus sindicatos filiados a

conhecerem a referida Convenção e assim se engajarem pela sua ratificação.

Mais do que proteger homens e mulheres iniciativas legiferantes neste sentido

são responsáveis por firmar o intuito de fortalecimento da família objetivado pelo

legislador constituinte ao ditar em seu artigo 226 que a “A família, base da

sociedade, tem especial proteção do Estado”.

Neste sentido, há projeto de lei do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-

SE) acrescentando à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e à Lei 8.213/91, o

benefício da licença parental (PLS 165/06), O projeto garante aos pais o direito à

licença parental nos primeiros seis anos de vida de cada filho, inclusive os adotivos

ou sob guarda judicial. Importante trazer à colação as razões justificadores expostas

no intróito da propositura do referido projeto de Lei:

JUSTIFICAÇÃO A questão afeta ao trabalho da mulher, especialmente àquelas que têm filhos, deve sempre ser analisada com todo o cuidado, pois elas estão entre os trabalhadores mais atingidos pela informalidade e pela discriminação no ambiente de trabalho, tendo menos acesso a cargos de chefia e recebendo,em média, salários menores.

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No Brasil, a desigualdade entre homens e mulheres no acesso, progressão e remuneração no mercado de trabalho é uma dura realidade. A mulher é mais atingida pela informalidade e, até mesmo nesse meio, aufere uma remuneração menor que a do homem. A forte concentração na informalidade e em contratos de trabalho temporários, terceirizados e precários, assim como o fato de ser vista como responsável principal pelos afazeres domésticos e pela criação dos filhos, faz com que a trabalhadora que se encontra nessas condições não se veja como tal. Não há conscientização e, portanto, mobilização na luta por melhores condições de trabalho, inserção no mercado formal e filiação ao sistema previdenciário. A mulher entrou em larga escala no mercado de trabalho nos idos da revolução industrial para atender ao imperativo da lógica de mercado que exigia maior produção a um custo mais baixo. Seu trabalho era mal remunerado e explorado em condições degradantes, em jornadas estafantes. Assim, a legislação teve que vir em seu socorro, estabelecendo uma série de medidas de proteção, buscando, por intermédio do tratamento normativo diferenciado, realizar, materialmente, o princípio da igualdade. Modernamente, se discute, entretanto, se tais medidas não se voltam contra a própria trabalhadora, constituindo óbice à sua inserção no mercado de trabalho, contribuindo para a manutenção do estigma da “força de trabalho de segunda categoria”. Nesse contexto, é muito importante discutir se as ações afirmativas, que têm se traduzido num tratamento legislativo diferenciado e de proteção, por seu caráter de onerar a mão-de-obra feminina, devem ser extintas ou se, apesar desse ônus, por uma necessidade pedagógica, devem ser mantidas. As iniciativas legislativas mais afinadas com o momento atual do mercado de trabalho e com o papel da força de trabalho feminina têm optado pela segunda hipótese, qual seja, manter a proteção, mas com a fundamental diferença de que se tem optado por retirar o foco da mulher e centrá-lo na família, ampliando a noção de que a responsabilidade pelo lar é de homens e mulheres, indistintamente. Assim sendo, apontamos que as legislações mais avançadas, de países como Itália, Portugal e França, para nomear somente alguns, prevêem,além da licença-maternidade propriamente dita, fundada em questões biológicas inafastáveis da figura feminina, períodos de afastamento para o cuidado com a prole que podem ser gozados tanto pelo pai, quanto pela mãe. Esse tipo de previsão legal, chamada de Licença-Parental,diminui o custo da mão-de-obra feminina, porque ameniza a discriminação de gênero no mercado de trabalho. Nessa ótica legislativa, os filhos são vistos omo responsabilidade do casal e não da mulher, exclusivamente. A proteção é direcionada para a família e não para o mercado de trabalho da mulher, de modo a evitar mais exclusão e discriminação salarial em relação às obreiras. Por essas razões e por serem justos os propósitos que nortearam a apresentação da proposta, esperamos contar com o apoio dos nossos pares para que a iniciativa venha a merecer o acolhimento e aprovação desta Casa do Congresso Nacional. Sala das Sessões, Senador ANTONIO CARLOS VALADARES

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Assim sendo, a maneira “compensatória” para promoção da mulher não seria

o seu afastamento do trabalho em idade inferior na maturidade, mas sim, a presença

de seu companheiro no momento mais árduo das tarefas cotidianas, qual seja, na

criação dos filhos e formação da sua família. Trata-se, desta feita, de norma

imperativa que irá propiciar às mulheres seu fortalecimento e não-discriminação na

vida profissional, e aos homens, a atribuição de um papel que muitas vezes não lhe

é concedido, o de ser pai em sua plenitude.

Finalmente, a equidade deve ser vista como o objetivo maior de uma

sociedade democrática e caberá ao Estado em comunhão com diversos atores

sociais a atuação pró-ativa na busca de políticas públicas, que objetivem não

apenas a salvaguarda das famílias nos aspectos legais, mas o crescente e contínuo

estímulo do processo de transformação das convenções sociais de gênero na

direção de uma sociedade mais igualitária.

Com a manutenção de benefícios que reforçam os tradicionais papéis

vivenciados pela mulher ao longo da história, longe de protegê-la estamos

construindo a sua exclusão, o mesmo podendo ser dito em relação aos homens.

A previsão de licenças compartilhadas representa uma ação proativa do

Estado na garantia da aplicação do mesmo dever e do mesmo direito de cuidado

com os filhos a mães e pais, garantidos em diversos diplomas legais em nosso

ordenamento. A mudança de perspectiva contribuirá para a construção de novos

modelos de masculinidade e feminilidade que irão valorizar os direitos de co-

responsabilidade, o compartilhamento de tarefas por homens e mulheres no espaço

privado e o exercício da paternidade responsável. 318

318 PINHEIRO, Luana; GALIZA, Marcelo; FONTOURA, Natália. Novos arranjos familiares, velhas convenções sociais de gênero: a licença-parental como política pública para lidar com essas tensões. Revista de Estudos Feministas, vol.17, n.3, Florianópolis Sept./Dec. 2009.

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233

6.O FEMININO E O MASCULINO ENQUANTO CONSTRUÇÕES

HISTÓRICO-CULTURAIS: OS ATORES SOCIAIS

INSTRUMENTALIZADORES DA CONCRETIZAÇÃO DA IGUALDADE

DE GÊNERO

Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. Simone de Beauvoir

319

6.1 Sensibilização e mudança cultural

Educação e Direito caminham juntos. De nada adianta mera edição de

normas se não houver a preocupação em preparar a sociedade para recebê-la e

torná-la efetiva.

Atualmente, no campo da Sociologia Jurídica muito se discute o papel do

Direito se seria o de mero controlador das relações sociais ou indo além, o de

transformador destas mesmas relações.

É fato recorrente que os fatos sociais caminham absolutamente de forma

mais rápida do que a edição de normas, fazendo com que haja um descompasso

grandioso entre os fatos do mundo e os fatos regulados pelo Direito.

319O segundo sexo: a experiência vivida. São Paulo: Difel, 1975, p.9.

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Entretanto, mudanças são implementadas pelas normas mas os valores

culturais arraigados em dada sociedade as impedem de prosperar.

Temos noção inequívoca que a mera instituição da licença-parental no Brasil

por meio de legislação não será o bastante para garantir a sua efetividade no seio

social.

Vivemos, por tudo que já relatamos no decorrer deste trabalho, em uma

sociedade patriarcal, com valores culturais construídos no binômio homem-provedor,

mulher-cuidadora.

É possível a mudança gradual, contínua e de longo prazo para a

implementação da igualdade de gênero, momento no qual não falaremos mais em

atributos do homem ou da mulher, mas sim, atributos da pessoTais transformações

sociais dependeram de uma rede de atores sociais que em comunhão irão traçar as

diretrizes a curto, médio e longo prazo para tais modificações.

Acreditamos que a transformação está estritamente relacionada à

“sensibilização cultural”, expressão esta escolhida pela Organização Internacional do

Trabalho para nominar e empreender esforços na busca pela igualdade de gênero.

As atitudes em relação às desigualdades e discriminações entre homens e

mulheres só sofrerão alteração quando se instaurarem mecanismos de

sensibilização e conscientização social. Lembrando-se, todavia, que a discriminação

não é uma decorrência apenas das leis, mas dos condicionamentos psicoculturais

advindos de mitos e crenças enraizados na estrutura da sociedade patriarcal em que

vivemos, contra os quais homens e mulheres devem-se insurgir.320

Desta forma, com a finalidade de promover estas mudanças e em

consonância com a Convenção nº 156 da OIT (Art. 6), o Estado deve promover uma

320 Trabalho e Família: rumo a novas formas de conciliação com co-responsabilidade social. Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 2009, p. 506. Disponível no site http://www.oit.org.br com acesso em 15 de abril de 2010.

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política de sensibilização e transformação cultural, que se constitui como uma tarefa

planejada a longo prazo e que envolvem inúmeras instâncias e setores para a sua

implementação.

Informação é a palavra-chave necessária para o desenvolvimento de todo

este processo. Alerta a Organização Internacional do Trabalho a necessidade

imperiosa de Campanhas de informação com vistas a divulgar a temática da

igualdade de gênero, envolvendo a sociedade como um todo, e em especial,

trabalhadores, sindicatos, empresários, educadores, os meios de comunicação,

para promover a melhor compreensão sobre o princípio de igualdade de

oportunidades e tratamento, e da instauração de políticas em prol dos direitos de

conciliação.

Tais mudanças podem ser desencadeadas de inúmeras formas por meio de

campanhas educativas, construção de parcerias sociais, engajamento dos veículos

de comunicação, sindicatos, empresas, organizações, associações e a atuação pró-

ativa do Poder Público sublinhando-se a importância ímpar na articulação de

políticas públicas e o fomento de normas legisladas com vistas à promoção da

igualdade e dos direitos de cidadania.

6.2 Mulheres no poder: a participação política como forma de igualdade real,

progresso e fortalecimento de gênero

Por razões histórico-culturais acreditamos que na política se vislumbra a

menor participação das mulheres. Apesar de estar aumentando em uma boa

proporção, pois desde o final da 2ª Grande Guerra Mundial, 1945, a presença de

mulheres no parlamento aumentou mais de cinco vezes, mas ainda é insuficiente.

Sendo assim, constitui como um dos objetivos do milênio pela UNICEF o

incremento da atuação feminina no poder político.

Para comprovar tais assertivas nos valemos dos dados fornecidos no

Relatório da UNICEF que seguindo o ritmo atual de crescimento da proporção de

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mulheres em parlamentos nacionais – cerca de 0,5% no mundo todo –, a paridade

de gênero nas legislaturas nacionais só será alcançada em 2068.

Em todos os parlamentos mundiais as mulheres estão sub-representadas: em

julho de 2006, representavam pouco menos de 17% dos parlamentares do mundo.

Em dez países não há mulheres no parlamento, e em mais de 40 outros as mulheres

constituem menos de 10% dos legisladores.

Os países nórdicos têm as taxas mais altas de participação, com 40% de

mulheres entre o Senado e a Câmara. Os Estados Árabes têm a posição mais baixa,

com média regional de menos de 8%.

As mulheres estão menos representadas no nível ministerial do que no

parlamento. Em janeiro de 2005, mulheres ocupavam 858 posições ministeriais em

183 países, representando apenas 14,3% dos ministros governamentais do mundo.

Dezenove governos não tinham nenhuma mulher à frente de ministérios; e entre

aqueles que incluíam mulheres nas pastas ministeriais, na maioria dos casos

tratava-se apenas de uma representação simbólica, envolvendo uma ou duas

mulheres ministras. Em março de 2006, apenas três países – Chile, Espanha e

Suécia – tinham alcançado paridade de gênero em pastas ministeriais.

Nesse contexto devemos indagar: por que é tão importante a participação das

mulheres na política?

O envolvimento de mulheres nas etapas iniciais da formulação de políticas

ajuda a garantir que os programas levem em conta as necessidades femininas e

outras decorrências ligadas à família e à criança, ajudam a transformar o ambiente

político. Sua influência não é sentida apenas em leis mais vigorosas em favor da

criança e da mulher: elas contribuem também para que os organismos decisórios

tornem-se mais democráticos e sensíveis às questões de gênero.

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Aumentar a participação de mulheres na política é fundamental para

promover igualdade de gênero, fortalecer a mulher e garantir os direitos da criança.

As barreiras de ingresso formal que ainda se mantêm devem ser derrubadas, e as

mulheres devem ser estimuladas e apoiadas pelos partidos políticos para que

permaneçam no cargo.

Grupos de mulheres precisam ser reconhecidos como agentes importantes de

aumento de poder e de desenvolvimento. Governos e agências de desenvolvimento

devem incluí-los em suas estratégias de redução de pobreza e encorajar parcerias

de longo prazo. Trabalhando com organizações de mulheres no nível da

comunidade, e canalizando recursos de desenvolvimento por meio delas, as

agências internacionais de desenvolvimento podem ajudar a aumentar a

probabilidade de que os recursos atinjam os membros mais vulneráveis das

comunidades pobres – mulheres e crianças. Envolver as mulheres nos estágios

iniciais de políticas de desenvolvimento contribui para assegurar que os programas

serão planejados visando às necessidades de mulheres e crianças321.

Muitos países têm se utilizado do sistema de cotas para garantir a presença

feminina no espaço político322, contudo, para que sejam realmente eficazes devem

as cotas estar alicerçadas em leis bem engendradas, além de contar com a

participação consciente e motivada de todos os atores sociais da política, entre eles,

partidos políticos, juristas, legisladores e até mesmo o eleitorado.

Resultados são colhidos em todo o mundo com a implementação de cotas

para mulheres, Ruanda, passou do 24º lugar, em 1995, para o 1º lugar, em 2003;

321 Relatório da UNICEF A situação mundial da infância 2007. Disponível no site http://www.unicef.org/brazil/smi/dest4.htm. Acesso em 17 de junho de 2009.

322 Conforme informações obtidas no Relatório da UNICEF A situação mundial da infância 2007. Disponível no site http://www.unicef.org/brazil/smi/dest4.htm. Acesso em 17 de junho de 2009. “O número de parlamentos constituídos por pelo menos 30% de mulheres – uma medida de participação parlamentar feminina reconhecida pela Plataforma para a Ação de Pequim, de 1995 – aumentou quatro vezes ao longo dos últimos dez anos. Algumas das mudanças mais dramáticas na representação política feminina ocorreram em países anteriormente devastados por conflitos, tais como o Afeganistão, onde as mulheres, antes excluídas da política, representam hoje 27,3% dos legisladores. Burundi e Timor Leste também são exemplos de países pós-conflito onde hoje as mulheres representam uma proporção apreciável dos parlamentares (30,5% e 25,3%, respectivamente). Os níveis de representação de mulheres nesses três países são exemplos do sucesso na introdução do sistema de cotas durante suas transições políticas”.

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Costa Rica avançou do 25º lugar, em 1994, para o 3º lugar, em 2006. O Afeganistão,

que não era nem sequer classificado, e as estatísticas de sucesso compreendem

países tais como África do Sul, Argentina, Burundi, Iraque e Moçambique.

Ainda, cumpre dizer que entre os 20 países que têm mais mulheres no

parlamento, 17 (ou 85%) estão utilizando algum tipo de sistema de cotas.

No Brasil, temos as Leis 9.100/1995 e 9.504/1997, responsáveis por

disciplinar cotas mínimas destinadas às candidatas do sexo feminino nas eleições.

Sobre o assunto se manifestou Joaquim Barbosa Gomes e Fernanda Duarte Lopes

Lucas da Silva relatando que :

As mencionadas leis representam,em primeiro lugar, o reconhecimento pelo Estado de um fato inegável: a existência de discriminação contra as brasileiras,cujo resultado mais visível é a exasperante sub-representação feminina em um dos setores-chave da vida nacional – o processo político. Com efeito, o legislador ordinário, consciente de que em toda a história política do País foi sempre desprezível a participação feminina, resolveu remediar a situação através de um corretivo que nada mais é do que uma das muitas técnicas através das quais, em Direito Comparado,são concebidas e implementadas as ações afirmativas: o mecanismo das cotas. As Leis nos 9.100/1995 e 9.504/1997tiveram a virtude de lançar o debate em torno das ações afirmativas e, sobretudo,de tornar evidente a necessidade premente de se implementar de maneira efetiva a isonomia em matéria de gênero em nosso país. As cotas de candidaturas femininas constituem apenas o primeiro passo nesse sentido. Se é certo que é preciso tempo para se fazer avaliações mais seguras acerca da sua eficácia como medida de transformação social, não há dúvida de que já se anunciam alguns resultados alvissareiros, como o incremento significativo, em termos globais, da participação feminina nas instâncias de poder. Assim, as mencionadas leis consagram a recepção definitiva pelo Direito brasileiro do princípio da ação afirmativa.Ainda que limitada a uma forma específica de discriminação, o fato é que essa política social ingressou nos moeurs politiques da Nação, uma vez que foi aplicada sem contestação em dois pleitos eleitorais323.

323 As Ações Afirmativas e os processos de promoção da igualdade efetiva, Série Cadernos do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal n. 24, p. 86 por ocasião do Seminário Internacional As minorias e o Direito ocorrido em Brasília (DF) nos dias 12 a 14 de setembro de 2001. Disponível no site http://www.ufsm/afirme/artigos. Acesso em 12 de maio de 2008.

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No Brasil, o II Plano Nacional de Política para Mulheres do ano de 2008

estabeleceu diretrizes para a participação das mulheres nos espaços de poder e

decisão. Partindo de um número ínfimo e assustador o Plano relata que no Brasil as

mulheres representam apenas 8,9% do total de deputados federais e senadores.

Entre os objetivos do Plano está o fortalecimento da participação igualitária,

plural e multirracial das mulheres nos espaços de poder e decisão, a promoção

cultural da sociedade com vistas à formação de novos valores e atitudes em relação

à autonomia e empoderamento das mulheres.

Busca-se com o referido plano estimular a ampliação da participação das

mulheres nos cargos de decisão dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em

todos os níveis, respeitando-se os recortes de raça/etnia. Contudo, esta ampliação

precisará contar inicialmente com o estímulo da participação feminina nas bases de

representação, tais como movimentos sociais,sindicatos, conselhos de naturezas

diversas, entre outros.

Entre as metas para se alcançar o fim proposto estão a garantia de efetiva

aplicação da Lei 9.504/97, considerando a proporção das mulheres negras e

indígenas na população, ampliar em 20% nas eleições de 2010 o número de

mulheres no Parlamento Nacional (Câmara e Senado Federal), bem como

Assembléias Legislativas Estaduais e Câmara de Vereadores, considerando a

proporção das mulheres negras e indígenas na população.

Contribuir para a criação e o fortalecimento de conselhos estaduais de

promoção e defesa dos direitos das mulheres nas 27 Unidades da Federação, bem

como nos Conselhos Municipais referentes a salvaguarda dos direitos da mulher na

totalidade dos municípios com mais de 100 mil habitantes;

22

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6.3 A importância da participação feminina nos sindicatos

Pode parecer curioso, mas todos os aspectos ligados à questão feminina e

que já foram abordados anteriormente se comungam e contribuem para explicar o

porquê da inexpressiva presença da mulher nos órgãos sindicais.

O desempenho de inúmeras responsabilidades, traduzidas pelo excesso de

carga laboral oriunda do exercício profissional, bem como na esfera doméstica, faz

com que as mulheres coloquem a participação em movimentos sindicais como algo

de menor importância.

Somado a tudo isso encontramos também a herança histórica que

obstaculizou a presença da mulher no espaço público, bem como o exercício de

poder e tomada de decisões. Apesar de recorrente, esta idéia deveria ser repensada

e combalida pelas próprias mulheres, as protagonistas e maiores interessadas na

disseminação da igualdade no mundo do trabalho.

Mulheres engajadas são sinônimos de maior conscientização e reivindicação

nas questões de gênero. Podem se configurar como essenciais para que os homens

reavaliem a sua própria condição.

Concluímos assim que em um primeiro momento as mulheres ainda não

estão cientes de seu poder de luta e persuasão, razão pela qual os números

demonstram a tímida participação do universo feminino nos movimentos sindicais.

O Censo Sindical do IBGE, realizado em 2001, indicou que esta baixa

participação acontece tanto na composição do quadro de associados quanto nas

diretorias sindicais. Mesmo quando estão presentes nas diretorias, as mulheres

geralmente não estão nos cargos considerados mais importantes, que são: a

presidência, a secretaria geral e a tesouraria. Em 1995, elas representavam apenas

1/3 dos associados a sindicatos profissionais, em 1998, 35,7% e em 2002, 37,4%.

Nesse último ano, a maior concentração de sindicalizadas era vinculada ao setor

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Social (31%),_ onde têm grande peso estabelecimentos de ensino e da área da

saúde e ao setor agrícola (23,5%),.

Contudo, as convenções coletivas são de absoluta importância para o

aprimoramento dos direitos e a introdução de inúmeras garantias trabalhistas,

consolidando às mulheres a eqüidade de gênero.

Em agosto de 2003, o DIEESE publicou um estudo denominado "Negociação

Coletiva e Eqüidade de Gênero no Brasil - Cláusulas relativas ao trabalho da mulher

1996-2000", no qual apresenta dados analisados de 94 documentos entre

convenções e acordos coletivos, abrangendo 30 categorias profissionais,

pertencentes aos setores industrial, comercial e de serviços de catorze unidades da

Federação das diferentes regiões geográficas do país,com o objetivo de localizar,

sistematizar e analisar as cláusulas que abordam o trabalho da mulher e as relações

de gênero no trabalho. Foram analisados 94 documentos por ano, entre 1996 e

2000, abrangendo, aproximadamente, trinta categorias profissionais.

As cláusulas localizadas foram agrupadas em sete temas: gestação,

maternidade/paternidade, responsabilidades familiares, condições de trabalho,

processo e exercício do trabalho, saúde da mulher e eqüidade de gênero.324

A grande maioria das garantias está relacionada à gestação, maternidade e

responsabilidades familiares - cerca de 80% do total. Os outros 20% estão

distribuídos entre os temas condições de trabalho (com 8%), exercício do trabalho

(menos de 2%), saúde (em torno de 5%) e eqüidade de gênero (próximo a 4%).

Embora os resultados não apontem para uma melhoria significativa da

situação da mulher no mercado de trabalho, é preciso reafirmar a importância da

negociação coletiva na regulamentação das relações de trabalho, tanto no que se

refere à introdução de garantias ausentes da legislação como à ampliação de

direitos já previstos. É nesse processo que se asseguraram conquistas como

324 SANCHES, Solange; GEBRIM, Vera Lúcia Mattar. O trabalho da mulher e as negociações coletivas. Estudos Avançados USP, São Paulo, v. 17, n. 49, p.99-116, set./dez. 2003.

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estabilidade ao pai, liberação para o acompanhamento de filhos, extensão dos

prazos legais de estabilidade da gestante e de utilização de creches325.

É interessante observar que todas as cláusulas que têm por finalidade dar

garantias relativas à gestação referem-se apenas à trabalhadora, excluindo o futuro

pai do processo de gestação. Garantias como o abono de faltas do pai para

acompanhar a gestante nos exames pré-natais ou sua estabilidade no emprego

durante a gravidez da companheira não foram negociadas nos contratos coletivos

pesquisados.

No que tange ao respeito à eqüidade de gênero, a pesquisa realizada pelo

DIEESE destacou 16 categorias, que significam 17% do total que estabelecem

garantias contra a discriminação. A maioria das Convenções reforçam

determinações legais, enfocando a igualdade de remuneração quando decorrente do

exercício de mesma função. Nove referem-se à igualdade de remuneração entre

todos os trabalhadores e dois explicitam as diferenças salariais que serão aceitas.

Outra assegura que haverá igualdade de oportunidade à mulher para concorrer a

cargo de chefia e outra, ainda, igualdade de condições de trabalho, salário e

progressão funcional. Duas categorias afirmam que não haverá distinção de

qualquer natureza.

Importante notar que as Convenções Coletivas em nada inovam, pois se

limitam a descrever os comandos legais cogentes sobre a matéria, sem nada

acrescentar acerca de punições, penalidades ou medidas afirmativas gerando a

reversão do quadro de desigualdades presentes no espaço laboral brasileiro.

Conforme o Relatório da OIT denominado “Trabalho e Família: rumo a novas

formas de conciliação com co-responsabilidade social” tendo por foco a América 325 Sobre a igualdade de gênero e o direito à creche para filhos, citamos decisão proferida pela Desembargadora Relatora Dra. Jane Granzoto Torres da Silva do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região – S.P Proc. º 01463200644402009 – originário da 4ª Vara do Trabalho de Santos/SP. “Ementa: Auxílio-creche previsto em norma coletiva para todos os empregados. Devido ao trabalhadores do sexo masculino. Estabelecer o auxílio-creche somente para os empregados do sexo feminino, contém traços discriminatórios, diante do teor do artigo 5º, I, da Constituição Federal, sobretudo na sociedade contemporânea, onde os núcleos familiares são formados por homens e mulheres, em igualdade de condições sociais e profissionais. Ademais, institutos como o auxílio-creche, os afastamentos decorrentes de nascimento e adoção de filhos e tantos outros, visam acima de tudo o bem estar da criança, como beneficiário direto, independentemente de quem o perceba indiretamente, pai ou mãe”.

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Latina, desde os idos de 1990 muitas são as organizações sindicais à frente da

inserção de debates acerca da igualdade de gênero para o fomento de estratégias

de ação.

Tomando-se por base as Convenções e Recomendações da OIT a tendência

geral é em diversos países é da ampliação dos ampliação dos conteúdos relativos à

situação das mulheres trabalhadoras e a promoção da igualdade de gênero.

Também menciona o referido Relatório que estão sendo criadas “Unidades da

Mulher Trabalhadora” dentro das estruturas sindicais, bem como reformas

estatutárias para o estabelecimento de cotas de participação feminina nos órgãos de

representação e decisão sindical.

O Relatório da OIT acima citado elenca as estratégias de negociações

coletivas de diversos países ampliando os direitos e as ações relativas à igualdade

de gênero. Cabendo citar:

Atualmente, os marcos legais de países latino-americanos cumprem com os pontos centrais das convenções da OIT em matéria de proteção à maternidade e a negociação coletiva tem sido um poderoso instrumento para alcançar estas conquistas. Ao analisar as cláusulas relativas a temas de gênero, o estudo mencionado aponta que 91% delas se referiam à proteção à maternidade e às responsabilidades familiares. Pouco mais da metade (55%), delas representavam um avanço em relação ao estabelecido na legislação trabalhista do respectivo país. Os 45% restantes reafirmavam os dispositivos dessa mesma legislação. No Caribe, os sindicatos têm conquistado acordos sobre temas não cobertos pela legislação com vistas a ampliar o período de licença maternidade. O sindicato de bancos e seguros (Banking, Insurance and General Worker´s Union, BIGWU) de Trinidad e Tobago, que representa os trabalhadores de mais de 60 empresas, em sua maioria mulheres, conseguiu negociar o período de 14 semanas de licença maternidade em 75% das convenções coletivas (uma semana adicional); e no caso de uma companhia de seguros, se conquistou o período de 16 semanas. Nos países do Caribe de língua inglesa, não existem leis sobre licença maternidade e, com relação a este tema, vários sindicatos têm conquistado avanços, que variam desde dois dias até duas semanas de licença, no caso de algumas empresas em Antigua e Barbuda. Em Barbados, a duração da licença paternidade negociada nas convenções coletivas é, normalmente, de cinco dias e está

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incluída em aproximadamente 15 instrumentos. A já mencionada BIGWU de Trinidad e Tobago conseguiu negociar a licença paternidade de três dias em 75% de suas convenções coletivas; e de cinco dias, em 25% dos casos.326

O papel ativo das organizações sindicais em matéria de conciliação entre

trabalho e vida familiar não apenas contribui para fortalecer estas políticas, mas

também resulta em maior força perante a população trabalhadora.

Ademais, oportuno destacar a importância da negociação coletiva como um

instrumento às mãos dos trabalhadores e trabalhadoras para que negociem direitos

e normas mais favoráveis. A presença de mulheres nos sindicatos faz com que as

Convenções Coletivas, resultado das mencionadas negociações tragam direitos

relacionados à consolidação da igualdade de gênero, afastando discriminações ao

público feminino.

6.4 Políticas públicas de enfrentamento da discriminação nas questões de gênero

É forçoso reconhecer a necessidade da atuação pró-ativa do Estado na

implementação de Políticas Públicas e neste sentido podemos dizer que o governo

federal brasileiro demonstrou no início do século XXI um sinal indescritível de apoio,

proteção e ratificação da importância dos direitos da população feminina, com a

criação da Secretaria da Mulher com status de Ministério Federal. Tal secretaria

constitui-se como um marco irradiador de propostas e políticas voltadas à igualdade

de gênero.

Entre os inúmeros documentos, debates, propostas e publicações advindas

da referida Secretaria, algumas iniciativas e instrumentos merecem ser ressaltados

abaixo. 326 Trabalho e Família: rumo a novas formas de conciliação com co-responsabilidade social. Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 2009, p. 506. Disponível no site http://www.oit.org.br com acesso em 15 de abril de 2010.

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a)Plano Nacional de Políticas para as Mulheres

O Plano Nacional de Políticas para as Mulheres tem sua origem I

Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (CNPM) convocada pelo

Presidente da República no ano de 2004.

Estruturado em quatro áreas de atuação:autonomia, igualdade no mundo do

trabalho e cidadania; educação inclusiva e não sexista;saúde das mulheres, direitos

sexuais e direitos reprodutivos; e enfrentamento à violência, visa desenvolver

políticas e mudanças na ordem contemporânea com o fito de efetivar o bem-estar, a

justiça social e a igualdade da população feminina nas relações de gênero.

Ademais, o Plano considerando a diversidade de raça e etnia, encontra-se

organizado sob cinco eixos temáticos:

Eixo 1 – Enfrentamento da pobreza: geração de renda, trabalho, acesso ao crédito e

à terra.

Eixo 2 – Superação da violência contra a Mulher – prevenção, assistência e

enfrentamento.

Eixo 3 – Promover o bem-estar e qualidade de vida para as mulheres: uso e

ocupação do solo, saúde, moradia, infra-estrutura, equipamentos sociais, recursos

naturais, patrimônio histórico e cultural.

Eixo 4 – Efetivação dos Direitos das Mulheres: civis, políticos, direitos sexuais e

direitos reprodutivos.

Eixo 5 – Desenvolvimento de políticas de educação, cultura, comunicação e

produção de conhecimento para a igualdade.

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Entre os objetivos perpetrados pelo Plano Nacional de Políticas para as

Mulheres, podemos citar :

a) Capacitação e qualificação dos agentes públicos em gênero, raça e direitos

humanos;

b) Produção, organização e disseminação de dados, estudos e pesquisas que

tratem das temáticas de gênero e raça;

c) Criar e fortalecer os mecanismos institucionais de direitos e de políticas para as

mulheres.

b)Programa Brasil, Gênero e Raça

Cumpre destacar a criação de um programa de cooperação técnica entre a

OIT e o Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil, com o objetivo de melhorar as

condições de cumprimento e observância dos princípios e diretrizes das Convenções

nº 100 e nº 111, referida parceria resultou no Programa Brasil, Gênero e Raça, o

qual por meio de Núcleos de Promoção de Igualdade e de Combate à

Discriminação (em seus diversos aspetos: gênero, raça, pessoas com deficiência,

portadoras de HIV e doentes de Aids, assédio moral, entre outros), organizados nos

estados da Federação nas Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs) vem

implementando atividades de promoção e fiscalização no mundo do trabalho e as

relações de gênero.

O Ministério do Trabalho e Emprego tem buscado incorporar à sua missão

institucional o princípio da igualdade de oportunidades e do combate a todas as

formas de discriminação, considerando três eixos principais entre eles: 1)

desenvolvimento de programas e ações integradas;2) formação de gestores

públicos; 3) apoio institucional às ações governamentais e privadas;

Entre as prioridades de objetivos estão a qualificação dos profissionais nas

temáticas de promoção da igualdade de oportunidades e de combate à

discriminação no mundo do trabalho junto às Delegacias Regionais do Trabalho e

nas Secretarias do Ministério do Trabalho e do Emprego.

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c)1º Programa Pró-Eqüidade de Gênero

O Programa Pró-Eqüidade teve início no ano 2005/2006 pela Secretaria

Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, em uma

parceria com OIT- Organização Internacional do Trabalho e UNIFEM - Fundo de

Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher. O Referido programa teve pó

slogan inicial Práticas de equidade de gênero tecendo a política de igualdade de

oportunidades no mundo do trabalho, resultando na sua primeira edição na outorga

do selo Pró-Equidade a onze empresas, exclusivamente às empresas públicas e de

economia mista.

O objetivo do programa é a promoção da igualdade de oportunidades entre os

gêneros em empresas e instituições por meio do desenvolvimento de novas

concepções na gestão de pessoas e na cultura organizacional, e lançado como

forma de cumprimento das diretrizes fixadas pelo Plano Nacional de Políticas para

as Mulheres (PNPM), já mencionado anteriormente.

As empresas participantes foram analisadas no seu cotidiano de trabalho e no

que tange ao tratamento dispensado às questões inerentes às relações de gênero,

com vistas a identificar os possíveis problemas e ações de combate à discriminação.

Por meio dos dados colhidos, elaborou-se um diagnóstico objetivando

fortalecer e reconstruir as novas estratégias sócio-culturais que devem ser

disseminadas no mundo coorporativo, tomando-se por base as mudanças de

paradigmas e a contemporaneidade da inclusão e incentivo à colaboração entre os

gêneros, transformando assim a cultura organizacional e a gestão de pessoas.

Conforme dizeres do 1º Relatório do Programa Pró-Eqüidade de Gênero:

Isso significa a migração da produção de leis sobre eqüidade de gênero para a aplicação de legislação com o foco na mudança de práticas já existentes, considerando que não há neutralidade das empresas em seus atos de: organizar, contratar, formar e promover

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as/os empregadas/os. Às empresas cabe a responsabilidade de alterar a tradicional estrutura da divisão assimétrica entre homens e mulheres nas relações de trabalho, a partir da formação, recrutamento, promoção e remuneração de pessoal.

Nesse programa, as empresas que promoverem e difundirem práticas

exemplares de eqüidade de gênero receberão o Selo Pró-Eqüidade de Gênero, o

qual possibilita medir os avanços do compromisso da empresa com a eqüidade de

gênero e poderá ser utilizado pelas empresas em seus documentos, em expedientes

internos e externos, em campanhas e peças de promoção institucionais.

O referido programa muito elogiado é a exata tradução de uma ação

afirmativa com o intuito de mudar o paradigma da vida laboral das mulheres e

estimular a adoção de novas práticas no âmbito da gestão de pessoas e da cultura

organizacional de empresas, contribuindo para a eliminação de todas as formas de

discriminação no ingresso, remuneração, conquistas e estabilidade no emprego.

Como breves considerações podemos dizer que alguns passos são

necessárias à efetivação da igualdade real e formal, bem como consolidação da

justiça social no que tange à problemática das relações de gênero:

- Identificação do problema;

- Discussão do tema em grupos nacionais e internacionais;

- Fortalecimento da legislação dos países;

- Fortalecimento da fiscalização e do papel da mídia como divulgadora de

dados sobre o assunto;

- Ações e campanhas governamentais destinadas aos mais variados

segmentos da sociedade no sentido de denunciar e disseminar informações

no combate à discriminação.

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Como conclusão do presente capítulo trazemos à colação os ensinamentos

profetizados no Seminário As Novas Faces do Feminismo e os Desafios para o

Século XXI Comitê Nacional preparatório à Sessão Especial da AGNU sobre Pequim

+ 5, pelas pesquisadoras Sônia Onufer Corrêa e Maria Betânia de Melo Ávila, no

texto Movimento de mulheres - Uma Definição Possível destacando que para o

feminismo e o exercício efetivo da democracia e da cidadania necessária se faz uma

relação harmoniosa entre as esferas público e privada no sentido de um olhar mais

crítico e voltado para o combate à herança histórico e cultural da mulher, cabendo

citar :

As novas gerações constituem a materialização mais concreta do futuro que se precipita. São mulheres, são iguais e são diferentes. As vezes, as vemos felizes e auto-determinadas. Freqüentemente, as consideramos menos solidárias. Sentimo-nos "piores", mas também "melhores". Preservamos, não sem razão, o gosto de nosso heroísmo. Nosso heroísmo as aborrece, ou até mesmo ameaça. Tanto nós quanto elas estamos, sobretudo, apegadas a experiência do mundo que nos coube, que lhes cabe. Há aí extensos problemas de comunicação, entendimento, transferência de saber, tolerância, aceitação da alteridade: há aí dilemas e dramas da transmissão. À diferença dos homens, que desde muito apreenderam as tecnologias do transmitir -- heranças, poderes, dons -- nós mulheres estamos apenas estamos tocando os contornos deste desafio. Mas já não há como iludir as dores e complexidades da tarefa.327

6.5 O papel da educação e da mídia na efetivação da igualdade de gênero

6.5.1 A educação328 como via de acesso para a transformação social

Qual a finalidade da Educação? Em nossa concepção traduz a educação,

singularmente, como a força motriz de uma sociedade, o sustentáculo para as ações

dos indivíduos, o esteio necessário para a consolidação de uma vida digna e

327 Informações disponíveis no site http://www.spem.gov.br. Acesso em 15 de maio de 2009. 328 FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996 salienta que “Ai de nós, educadores [e educadoras] se deixamos de sonhar sonhos possíveis [...]Os profetas são aqueles ou aquelas que se molham de tal forma nas águas da sua cultura e da sua história da cultura e da história do seu povo, que conhecem o seu aqui e o seu agora e, por isso, podem prever o amanhã que eles [elas] mais do que advinham,realizam”.

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instrumento para a concretização da cidadania329.

A educação está prevista no Texto Constitucional no art. 6º como um direito

social e reiterada no Título da Ordem Social em seu art, 205 como um direito de

todos e um dever do Estado.

Quando aplicamos as diretrizes constitucionais devemos compreender que o

voluto do legislador constituinte foi além da garantia de educação formal, mas sim

contemplou a educação como o instrumento propiciador da formação do

cidadão.Sintetizando a referida intenção destaca Gabriel Chalita:

Em obediência à Carta da ONU e a Constituição Federal de 1988. Trata-se de formar um cidadão – não um mero receptor passivo -, um membro da sociedade com visão de liderança, de participação, de intervenção que não esteja alijado de processos decisórios porque sabe como intervir em questões de seu interesse e de sua comunidade, que por isso é crítico, é atuante, é responsável. Um cidadão que lute para que o profundo abismo entre incluídos e excluídos seja diminuído e, quem sabe um dia eliminado. Um cidadão que não seja iludido com promessas vãs nem tentado a vender sua consciência, ou seja, homens e mulheres livres.330

Comungando das mesmas idéias discorre Márcia Cristina de Souza Alvim:

Para a Educação, segundo e se pode perceber no texto constitucional, os legisladores abriram um horizonte ampliado, que vai além da garantia à educação formal e qualificação para o trabalho. O objetivo parece ter sido o de alcançar e atender ao pleno desenvolvimento do ser humano, reiterando, com seu conteúdo, uma das formas de concretude do Princípio Dignidade da Pessoa Humana, o nosso chamado supraprincípio (art. 1º, inciso II, da Constituição Federal) e, ao mesmo tempo, demonstrando também a preocupação com a formação do homem como ser social, facultando-lhe condições para o exercício da cidadania.331

329 MORIN, Edgar. A cabeça bem feita. 10ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004, p. 65 esclarece sobre a indissociável ligação entre educação e cidadania discorrendo que: “Deve contribuir para a autoformação da pessoa (ensinar a assumir a condição humana, ensinar a viver) e ensinar como tornar cidadão. Um cidadão é definido, em uma democracia, por sua solidariedade e responsabilidade em relação a sua pátria. O que supõe nele o enraizamento de sua identidade nacional”. 330 Educação: a solução está no afeto. São Paulo: Editora Gente, 2001, p.126. 331 ALVIM, Márcia Cristina de Souza. Educação, Cidadania e acesso à justiça. Revista Mestrado em Direito – UNIFIEO – Centro Universitário FIEO, ano 4, n. 4, Osasco:EDIFIEO, 2001, p. 98.

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Diante deste cenário o sistema educacional tem um papel fundamental na

socialização de papéis de gênero e o dever de propiciar uma educação que valorize

meninos, meninas e jovens. Por isso, constitui uma instância privilegiada para a

promoção de modelos democráticos e de eqüidade de gênero, por meio de

modificações nos currículos escolares e nas práticas docentes. A discussão sobre a

vida profissional e familiar deve ser parte dos programas educativos, para o que se

faz necessária a capacitação daqueles que os desempenham nos distintos âmbitos

da educação e da formação profissional.

O Tratado de Amsterdam introduz o caráter transversal ou horizontal de

igualdade de gênero no Tratado da Comunidade Européia, em seus arts. 2º e 3º. O

artigo 3-2 determina que “ em todas as atividades contempladas no presente artigo,

a Comunidade terá o objetivo de eliminar as desigualdades entre homem e mulher e

promover sua igualdade.”

A transversalidade é considerada hoje um dos critérios mais importantes para

o alcance da igualdade efetiva, mais especificamente, a igualdade efetiva entre

homens e mulheres. Em verdade, para haver uma real igualdade de gênero, é

necessária uma mudança em outros ramos do direito e em outras ciências, como a

educação, uma vez que na maioria dos países, junto com a desigualdade jurídica e

econômica, também existe um grande problema cultural, já que, mesmo atualmente,

a idéia de que são as mulheres as únicas (ou as principais) responsáveis pela vida

familiar332 e pelo cuidado dos filhos, das pessoas mais velhas e deficientes da

família, é, ainda, muito forte.

A mudança de tais estereótipos só será possível no nosso entender pela

educação. A educação é força matriz neste processo. Envolver meninos e meninas

332 Gabriel Chalita inaugura nas primeiras linhas de sua obra Educação: a solução está no afeto, São Paulo: Editora Gente, 2001, p. 17-20 a necessidade de discutir o tema educação tendo por início a instituição família e destaca : “Não se experimentou para a educação informal nenhuma célula social melhor do que a família. É nela que se forma o caráter. Qualquer projeto educacional sério depende da participação familiar: em alguns momentos, apenas do incentivo; em outros, de uma participação efetiva no aprendizado, ao pesquisar ao discutir, ao valorizar a preocupação que o filho traz da escola(...) A preparação para a vida, a formação da pessoa, a construção do ser são responsabilidades da família. É essa a célula- mãe da sociedade, em que os conflitos necessários não destroem o ambiente saudável”.

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para novos desenhos nas questões de gênero se faz urgente e necessário.

Os próprios Pactos Internacionais sinalizam sobre esta questão. Neste

sentido, o artigo 13 do Pacto Internacional das Nações Unidas, relativo aos direitos

econômicos, sociais e culturais datado de 1966 reconhece não apenas o direito de

todas as pessoas à educação, mas que esta deve visar ao pleno desenvolvimento

da personalidade humana, na sua dignidade; deve fortalecer o respeito pelos direitos

humanos e as liberdades fundamentais; deve capacitar todas as pessoas a

participar efetivamente de uma sociedade livre. Temos aí, portanto, um marco

jurídico importante para a reivindicação da educação para a cidadania.

Outro importante marco jurídico de abrangência mundial é a Convenção

para a eliminação de todas as formas de discriminação contra mulheres da ONU de

1979. Em seu artigo 5º estabelece que os Estados membros devem tomar as

medidas necessárias para "modificar os padrões sociais e culturais na conduta de

homens e mulheres, visando a eliminação de preconceitos e práticas derivadas da

crença na inferioridade ou superioridade de um dos sexos". No artigo 10º estabelece

que devem ser tomadas todas as medidas para implementar programas de

educação mista, garantindo direitos iguais às mulheres e promovendo revisão nos

textos didáticos preconceituosos e na própria metodologia do ensino. Nos dois casos

trata-se de estimular iniciativas de educação para a democracia, nos termos aqui

defendidos.

Ainda a Resolução n. 34/180 da Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU)

propugna pela igualdade entre homens e mulheres disciplinando “as mesmas

condições de orientação profissional, de acesso aos estudos e de obtenção de

diplomas nos estabelecimentos de ensino de todas as categorias, nas zonas rurais e

urbanas. Enfatiza ademais a Resolução que “essa igualdade deverá ser assegurada

na educação pré-escolar, geral, técnica e profissional, assim como em qualquer

outra forma de capacitação profissional, finalmente propõe a “ eliminação de

qualquer concepção estereotipada dos papéis masculino e feminino em todos os

níveis e em todas as formas de ensino mediante encorajamento à educação mista e

a outros tipos de educação que contribuam para alcançar este objetivo e em,

particular mediante a revisão dos livros e programas escolares e adaptação dos

métodos pedagógicos.

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A educação para a cidadania democrática consiste na formação de uma

consciência ética que inclui tanto sentimentos como razão; passa pela conquista de

corações e mentes, no sentido de mudar mentalidades, combater preconceitos e

discriminações e enraizar hábitos e atitudes de reconhecimento da dignidade de

todos, sejam diferentes ou divergentes; passa pelo aprendizado da cooperação ativa

e da subordinação do interesse pessoal ou de grupo ao interesse geral, ao bem

comum. Se falamos em ética, trata-se de confirmar valores; nesse sentido, a

educação para a democracia inclui o desenvolvimento de virtudes políticas

decorrentes dos valores republicanos e democráticos333

No mesmo diapasão são os ensinamentos de Hannah Arendt:

A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum. 334

Os homens devem ser educados como poderosos aliados na luta pela

igualdade, por meio da implementação de iniciativas educacionais que demonstrem

a necessidade do compartilhamento diário das atividades, anteriormente entendidas

como femininas, ou de mulher, decidindo e cooperando conjuntamente.

Homens e mulheres desde a sua criação devem ser educados para a vida em

sua plenitude. A clássica divisão de tarefas femininas e masculinas, as quais são

apreendidas já na tenra infância, não mais podem prosperar.

Importante salientar que muitas das construções culturais relativas aos papéis

333 BENEVIDES, Maria Victoria A cidadania ativa In BORBA, Ângela; FARIA, Nalu & GODINHO, Tatau (org). Mulher e política – Gênero e feminismo no Partido dos Trabalhadores. São Paulo : Editora Fundação Perseu Abramo, 1998, p. 27.

334 Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 247.

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desempenhados por homens e mulheres têm início na infância, e sendo assim, faz-

se imprescindível a implementação de mecanismos que rompam com tais diretrizes

no momento de formação da personalidade das crianças, consideradas seres em

desenvolvimento consoante as diversas ciências e também consolidado em textos

positivados nos ordenamentos nacionais e internacionais, cabendo citar em solo

pátrio o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90). Para compreender

melhor a questão trazemos interessante análise da psicóloga Rosely Sayão:

[...] TODOS OS ESTEREÓTIPOS PRESENTES NO PAPEL DA MULHER SÃO TRANSMITIDOS DE MANEIRA SUTIL E SEDUTORA

O problema maior da educação de meninas é que todos os estereótipos ainda presentes no papel da mulher são transmitidos de maneira sutil e sedutora. Por mais que já se tenha tratado do assunto, na primeira infância a escolha dos brinquedos para as meninas, por exemplo, reflete a maneira como a sociedade responsabiliza a mulher pelas tarefas domésticas. Enquanto as meninas ganham réplicas de utensílios domésticos, muitas adultas ainda carregam esse estereótipo. Já ouvi, por exemplo, jovens mulheres declararem que seus maridos as ajudam muito nos trabalhos domésticos. Ora, ajudar não é se corresponsabilizar. Aliás, é na escola de educação infantil que podemos testemunhar que a atribuição social pela educação de crianças pequenas é dada às mulheres. É rara a presença de homens nessa função, não é? A construção da identidade feminina é um processo social que não podemos naturalizar, ou seja, ninguém nasce mulher, se comporta de tal maneira por ser do sexo feminino. A mulher é construída e, nesse mundo em transformação, os pais precisam saber que é deles grande parte dessa função.335

Neste cenário, as mulheres-mães, principalmente, genitoras de filhos meninos

devem desempenhar um papel social ainda mais importante, qual seja, o de Criar os

seus “meninos” como cidadãos e homens preparados ao companheirismo com sua

335 A construção da mulher, texto disponível para consulta site http://www.gabrielchalita.com.br. Acesso em 20 de março de 2010.

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futura mulher. Apenas na colaboração mútua nos afazeres domésticos, na criação

dos filhos, entre outras atividades anteriormente relegadas às mulheres, farão com

que a igualdade se instale de maneira digna e plena.336

O acesso à educação deve ser entendido como garantia aos homens e

mulheres, como arma no combate à discriminação. Meninas educadas serão

melhores conhecedoras de sua condição como titular de direitos, terão melhores

condições de reivindicar, bem como planejar sua vida profissionalmente e em razão

da família. Com maior nível educacional as mulheres terão gestações planejadas,

famílias planejadas e suas próprias vidas não estarão à mercê de outros, mas de si

própria. No que tange aos aspectos de saúde pública, mulheres mais informadas

são mulheres mais cientes de suas responsabilidades no cuidado e trato com os

filhos.

Em uma nova era de desafios, a escola pode e deve lidar concretamente com

essas questões e trabalhar, de forma corajosa, com as diferenças que unem (e

nunca separam) meninos e meninas. Desse trabalho, será possível construir uma

condição em que o masculino e femininos se mantenham singulares e, sobretudo,

plurais337.

O Relatório Pró Mulher em seu Eixo Temático 5 denominado

“Desenvolvimento de políticas de educação,cultura, comunicação e produção do

conhecimento para a igualdade” estabelece ações afirmativas voltadas à educação

para a igualdade de gênero, tendo por base:

a) Contemplar ações estratégicas nas instâncias de decisão e execução de políticas

educacionais para uma pedagogia não sexista, anti-racista e anti-homofóbica, em

direção a uma educação para a igualdade, respeitando as diferenças.

336 Conforme defendemos em artigo denominado Mulheres e aposentadoria diferenciada: será mesmo um justo diferencial? In Anais do 19º Congresso Brasileiro de Previdência Social promovido pela Editora LTr em São Paulo em junho/2006, p. 52-53. 337 VIANNA, Cláudia. Depoimento inserido na matéria jornalística denominada Masculino e feminino:plural In Revista Educação, n. 109. Disponível no site http://www.revistaeducacao.com.br/textos. Acesso em 13 de agosto de 2008.

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b) Propiciar e estimular a abordagem das questões de gênero em suas interfaces

com a educação nos processos de formação continuada fornecendo informações

regulares sobre como tais questões se relacionam com o desenvolvimento do

currículo, tornando tais questões pauta permanente do trabalho pedagógico.

c) Atuar para interferir nos conteúdos programáticos e curriculares e nas práticas de

ensino, de avaliação e de gestão escolar, visando a formação teórica e prático-

reflexiva em questões de gênero e educação enquanto elemento fundamental para a

sua qualidade.

d) Avaliar os livros didáticos e recursos pedagógicos, integrando a dimensão de

gênero,raça, etnia, orientação sexual, de geração e deficiência visando não só

eliminar estereótipos e preconceitos, mas principalmente construir e orientar

parâmetros de análise quanto aos textos e imagens.

e)Traçar diretrizes para que os cursos profissionalizantes não reproduzam

estereótipos de aptidões supostamente naturais para as mulheres e os homens,

possibilitando as mulheres, especialmente as jovens, terem acesso a formação nas

diversas áreas, ampliar o universo profissional das mulheres, bem como romper com

a cultura tradicional de que a mulher não precisa estudar.

Compreendemos que não se faz uma educação de qualidade sem uma

educação cidadã, uma educação que valorize a diversidade. Assim, se querermos

pensar na solidez desta e das futuras gerações o preparo para o exercício da

cidadania se torna indispensável, conforme destaca Gabriel Chalita:

Trata-se de formar um cidadão – não um mero receptor passivo -, um membro da sociedade com visão de liderança, de participação, de intervenção que não esteja alijado de processos decisórios porque sabe como intervir em questões de seu interesse e da sua comunidade, que por isso é crítico, é atuante, é responsável. Um cidadão que lute para que o profundo abismo entre incluídos e excluídos seja diminuído, e quem sabe um dia, eliminado. Um cidadão que não seja iludido com promessas vãs nem tentado a vender sua consciência, ou seja, homens e mulheres livres.338

338 Educação: a solução está no afeto. São Paulo: Editora Gente, 2001, p. 126.

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Quanto ao tema há inúmeros projetos que visam a democratização do tema e

como paradigma podemos citar o Guia Ensino e Educação com Igualdade de

Gênero na Infância e na Adolescência – Guia prático para educadores e educadoras

elaborado pela equipe do Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de

Gênero (Nemge/USP). No discurso de lançamento da 2ª edição do referido Guia Eva

Alterman Blay Coordenadora Cientifica do NEMGE destacou :

. O que quer dizer o título Guia: Ensino e Educação com Igualdade de Gênero na Infância e na Adolescência? O que está sob este título? Qual a pressuposição? Que vivemos numa sociedade onde não existe igualdade entre homens e mulheres, que esta é uma sociedade machista, onde de modo geral existe uma relação de dominação dos homens sobre as mulheres o que pode ser verificado numa leitura quase diária dos jornais ou pela TV: a violência contra as mulheres, seja a violência interpessoal, doméstica ou numa relação afetiva entre homens e mulheres. Como se formam estas relações desiguais?Como se organizam as relações na vida cotidiana? Este Guia mostra exatamente como socializamos uma criança – menino ou menina numa desigual relação social de gênero. Vejam que não se confunde gênero como sinônimo de sexo. Meninos e meninas tem sexos biológicos diferentes. Ótimo. O problema surge quando a partir das diferenças biológicas construímos diferenças sociais. Nada legitima que a partir de diferenças biológicas sejam construídas relações sociais de gênero desiguais, hierárquicas e de poder. Construção e desconstrução. Esta desigualdade é construída e, portanto, pode ser desconstruída. O que este Guia pretende é desconstruir, na raiz educacional, a formação das relações de desiqualdade e dominação-subordinação. È mostrar como elas se formam e como podem ser modificadas. Nossos e nossas docentes não escapam desta socialização machista, que prega o patriarcado, que a mulher não seja autônoma, não possa decidir sua carreira, seu trabalho. Ao contrário, mostra que pode e deve haver uma divisão sexual do trabalho ao invés de uma divisão desigual que destina todas as tarefas domésticas, o cuidado dos filhos, dos doentes, dos Idosos à mulher. Neste Guia são abordadas varias formas de preconceito:de gênero, de etnia, de idade,de classe social, com relação ao corpo, etc. Observe-se que cada tipo de preconceito se traduz numa forma de relação hierárquica, ou seja, numa expressão de Poder339.

339 Disponível no site http://www.usp.br/nemge/guia.doc. Acesso em 15 de agosto de 2009.

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Como coroamento do presente tópico consideramos a educação como base

para a formação do cidadão e da sociedade, trata-se de uma conquista, de um

processo de busca constante de construção do conhecimento e nos dizeres de

Márcia Alvim “não se nasce cidadão, torna-se cidadão”.340

6.5.2 A mídia na promoção da igualdade de gênero

“Mercadoria. Exploração. Irresponsabilidade. Preconceito. Exclusão. Objeto.

Mercado. Agressão. Utilitária. Produto. Lucro. Falta de respeito. Violência.

Mercadoria. Imagem deturpada. Lastimável. Sexo. Exploração. Produto. Horror.

Estereótipo. Coisificação. Inclusão deformadora. Opressão. Consumo. Mercadoria.

Corpo. Ditadura. Objeto. Desvalorização. Objeto. Violência. Banalização.

Desigualdade. Discriminação glamourizada. Violência.” Com estas palavras as

participantes da Roda de Conversa “Mulher Mídia e Controle Social”, realizada pelo

Observatório da Mulher no FSM 2009, definiram a relação mídia e mulher, ao se

apresentarem ao grupo.341

No mesmo sentido são os dados trazidos e colacionadas na sequência pela

jornalista Christina Brandão no texto “ A imagem da Mulher na mídia: TV, cultura,

ficção, crítica, história e teatro na TV”342 destacando os estudos da também jornalista

americana G. Tuchmann, realizados em Nova York, em 1988, para se comprovar a

“aniquilação simbólica” das mulheres nos meios de comunicação, os quais

contribuem para reforçar valores estereotipados e discriminatórios presentes na

sociedade. Interessante notar que a pesquisa realizada enfoca o conceito de

340 ALVIM, Márcia Cristina de Souza. Os Direitos da Mulher e a Cidadania na Constituição Brasileira de 1988 In BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins & ANDREUCCI, Ana Cláudia Pompeu Torezan (org.). Mulher, Sociedade e Direitos Humanos: Homenagem à Profa. Dra. Esther de Figueiredo Ferraz. São Paulo: Rideel, 2010, p.75. 341 Informações disponíveis no site http://observatoriodamulher.org.br. Acesso em 12 de agosto de 2010. 342 Informações disponíveis no site http://www.oclick.com.br/colunas/brandao. Acesso em 12 de agosto de 2010.

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“representação simbólica”, ou seja, não como a sociedade realmente se apresenta,

mas como deveria ser representada.

Apesar de as mulheres norte americanas representarem 51% da população e

mais de 40% da força de trabalho, proporcionalmente, poucas mulheres são assim

retratadas. Muito pelo contrário, são vistas como pessoas desprotegidas, carentes e

frágeis sendo o trabalho profissional um adversário na construção da família feliz.

Ao analisar a televisão e a imprensa norte-americanas entre as décadas de

50 e 70, Tuchmann observa que na televisão, as mulheres são notadamente sub

representadas, pois são retratadas como ineficazes ou menos competentes que os

homens, enfocando paras as mulheres notadamente as “profissões femininas”, tais

como, enfermeiras, professoras do ciclo básico, entre outros.

Os homens representados são geralmente dominantes, ativos, agressivos e

autoritários, desempenhando papéis importantes e variados que quase sempre

exigem profissionalismo , eficiência, racionalidade e força. Ao contrário, as mulheres

são geralmente subordinadas, passivas, submissas e marginais , desempenhando

um número limitado de tarefas secundárias e desinteressantes, confinadas em sua

sexualidade , em suas emoções em sua domesticidade.

Em 1990, uma pesquisa britânica realizada para Broadcasting Standars

Council, revelou que existem duas vezes mais homens do que mulheres nos

anúncios publicitários; 89% dos anúncios tinham narração com voz masculina,

mesmo quando a propaganda retratava proeminentemente as mulheres: as

mulheres retratadas nos anúncios publicitários eram sempre mais jovens e mais

atraentes do que os homens .Uma entre três apresentava aparência de modelo

.50% das mulheres possuíam de 21 a 30 anos em comparação a 30 % dos homens .

Os homens eram representados em empregos assalariados duas vezes mais que as

mulheres e o trabalho era descrito como crucial para a vida deles, ao passo que para

as mulheres os "relacionamentos"eram mais importantes .Apenas 7% da mostra

exibia mulheres sozinhas fazendo o serviço doméstico . mas representava duas

vezes mais do que os anúncios com homens lavando e limpando.Quando o homem

aparecia cozinhando tratava-se de uma ocasião muito especial que exigia

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habilidades e não era retratado como um trabalho doméstico . Também as mulheres

casadas eram retratadas duas vezes mais que os homens casados. 343

No Brasil, a cada início de verão os veículos de comunicação são invadidos

pelas propagandas de cerveja, em sua grande maioria as produções estão

baseadas no binômio mulher-cerveja. Utilizando de linguagem direta, ou até mesmo

de nuances subliminares os publicitários abusam e expõem as mulheres como

produtos a serem “consumidos” pelos homens, como se cerveja fossem. São

retratadas com alto apelo sexual e extrema submissão. Em alguns casos o próprio

slogan dos produtos são “mulheres objeto”. Felizmente, tem havido uma crescente

pressão da sociedade em geral para que tais propagandas sejam retiradas do

mercado e cumprindo este papel temos inúmeros relatos expostos no site do

CONAR.344

Atualmente, no sentido de “tentar” afastar os preconceitos relativos às

mulheres as agências em seus comerciais, e até mesmo os programas televisivos

procuram apresentar uma “mulher moderna” considerada aquela com múltiplas

atividades e compromissos, mas pecam ao defini-la como um ser desprovido de

emoção e de certa forma “masculinizado”. A chamada “mulher moderna” para ser

343 Idem, ibidem.

344 Sobre o assunto ver o artigo publicado no Jornal “O Valor Econômico” de 14 de julho de 2008 Para alguns, é impossível vender cerveja sem mulher “Enquanto isso, o velho truque de associar mulher e cerveja passou a ser usado com alguma parcimônia, embora ainda seja o principal apelo nos cartazes em pontos-de-venda. A dupla "mulher e cerveja" permanece forte em pelo menos duas grandes marcas: Kaiser, da Femsa, e Antarctica, da AmBev. O viés machista das campanhas de cerveja é um calcanhar-de-aquiles para a publicidade. "Fico especialmente incomodado com as ações do mercado de bebidas que usam a mulher como objeto sexual", diz Dalton Pastore, presidente da Abap. "Não precisa ser assim". Nas novas restrições a anúncios de bebidas, ditadas pelo Conar e em vigor desde 10 de abril, é definido que o apelo à sensualidade não deve ser a tônica da mensagem e modelos não podem ser tratados como objetos sexuais.As mudanças não são simples de seguir, dizem alguns publicitários. "Mulheres bonitas fazem parte do código (de comunicação) da categoria cerveja", afirma Antonio Fadiga, presidente executivo da Fischer América. "Mas estamos atentos à dose de sensualidade na propaganda". No final de junho, o filme da Kaiser "Garotas nas tampinhas" foi suspenso por determinação do Conar. Calebe Ferres, superintendente de contas da agência Almap BBDO, responsável pela campanha da Antarctica, não sabe dizer se a marca continuará explorando o tema "Bar da Boa". "Não acredito que seja difícil fugir disso (mulher e cerveja), mas se esse apelo continua sendo usado é porque está arraigado na cultura brasileira”.

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aceita no campo profissional precisa masculinizar-se, criando novamente outro

estereótipo.

Consideramos que a mulher não pode ser mera expectadora no processo

midiático, mas sim, produtora de conhecimentos e comunicação. As Políticas

Públicas de cultura e produção do conhecimento devem estar consubstanciadas na

construção de práticas para a igualdade, potencializando as ações comunicativas e

educacionais promovidas por mulheres como referência cultural e científica e neste

sentido estão estruturados os planos da Secretaria de Políticas para Mulheres do

Governo Federal visando a igualdade de gênero na Comunicação, cabendo ao

Estado democratizar os meios de comunicação e promover a implantação de

políticas públicas de comunicação de caráter regulador e fiscalizador, garantindo o

acesso efetivo dos diferentes segmentos da população a informação e a liberdade

de expressão das mulheres.

.

“Promover uma cultura de igualdade: desafio ou utopia?” Esta é a pergunta

que inaugura o título VIII – Cultura, Comunicação e Mídia igualitárias, democráticas

e não discriminatórias do II PNAD – estabelecendo diretrizes para a igualdade de

gênero.

O Relatório estabelece eixos de atuação focando objetivos e metas a serem

desenvolvidas para se alcançar como resultado final a igualdade de gênero na

produção da cultura e na difusão das informações pela mídia em geral.

Entre os objetivos encontramos elencados podemos citar a construção de

uma cultura igualitária, democrática e não reprodutora de estereótipos de gênero,

raça/etnia, orientação sexual e geração, bem como a promoção da visibilidade das

mulheres com a divulgação de suas inúmeras formas de expressão.

Estabelece-se ainda na categoria de objetivos gerais a facilitação do acesso

das mulheres aos meios de produção cultural e de conteúdo para todos os veículos

de comunicação e mídia e ainda, de importância absoluta para o tema, a elaboração

de um marco regulatório para o sistema de comunicação visando conscientizá-los e

inibi-los quanto à veiculação de comunicações discriminatórias e abusivas.

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No que tange aos objetivos específicos o plano visa incentivar

comportamentos e atitudes que não reproduzam conteúdos discriminatórios e que

valorizem as mulheres em toda a sua diversidade, nos veículos de comunicação,

valorizando as iniciativas e a produção cultural das mulheres e sobre as mulheres e,

assim, contribuindo para ampliar a presença feminina nos diferentes espaços de

poder e decisão na mídia nacional.

Finalmente, são definidas como metas a elaboração de um diagnóstico sobre

a representação da mulher na mídia, em todas as regiões do país; Promover a

articulação de cinco redes de monitoramento, uma para cada região do país, para

denúncias de abordagens discriminatórias de gênero, raça/etnia e orientação sexual

na mídia em geral;

Entre as muitas ações, imperiosa se faz a elaboração de um código de ética

para os meios de comunicação de massa com o objetivo de coibir e punir os

excessos nas exibições que envolvam as relações de gênero, bem como a

confecção em conjunto com o CONAR, órgão de auto-regulamentação da

publicidade, diretrizes para a divulgação da imagem feminina na publicidade.

Concluímos pois que os diversos atores sociais aqui expostos, interagidos e

interligados, poderão contribuir de maneira decisiva na superação dos estereótipos

de gênero, promovendo o debate público sobre os mais variados temas

correlacionados à igualdade entre homens e mulheres e, em especial, que nos

interessa no presente trabalho, a discussão acerca da distribuição do trabalho

produtivo e as responsabilidades de cuidados na esfera privada. Entendemos que

somente a partir da conscientização da sociedade como um todo, por meio de um

esforço permanente de sensibilização com vistas às mudanças culturais teremos um

solo fecundo para a recepção de normas mais vanguardistas com a certeza de sua

aplicação e eficácia no seio social.

Finalizamos o presente tópico com os ensinamentos de Gabriel Chalita sobre

a necessidade de transformação, de mudanças e de “correção das rotas” em busca

da expansão do ser humano que no futuro aprenderá com o passado, mas sempre

buscando as melhores formas para continuar e evoluir :

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A ampliação do universo remete o homem a um outro momento da história, não havendo propriamente uma ruptura, mas um processo de constante transformação. O homem debruça-se sobre os ensinamentos dos antepassados, podendo acatá-los, corrigi-los e expandi-los, imprimindo-lhes novo sentido. Ao ser humano é possível corrigir a rota, buscando melhores maneiras de prosseguir. Por isso pode até mudar totalmente o caminho. No entanto, só é capaz de arriscar um novo caminho por conhecer o passado. Há, dessa maneira, em certos momentos históricos, um conflito de cosmovisões. Como um desenlace. A busca de novas metas parece negar o passado Não creio que isso aconteça. Ao ser humano é dado inventar e descobrir. Esse movimento de descobrir e redescobrir está na base do dinamismo histórico. O que o passado havia encoberto o presente descobre. Mas o fato já estava em germe no passado, semeado nele, e no entanto, escondido.345

345 O Poder. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 22.

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CONCLUSÃO

Submissão, maternidade, beleza, religiosidade, e, principalmente, “sexo

frágil”, são vocábulos inerentes à mulher ao se visitar a história da humanidade. A

conotação de “sexo frágil”, que atualmente está sendo revista, foi arquitetada como

“mito” na evolução histórica feminina. Consideramos que a construção de um

estereótipo fragilizado e submisso perpassa por inúmeros aspectos, entre eles,

culturais, ideológicos, sociais, políticos, econômicos, que por sua vez, interligados se

espraiam para o sistema jurídico.

A condição da mulher nos tempos contemporâneos evoluiu. Destaca-se que,

a maternidade, historicamente considerada atributo e dever natural da mulher, sofre

novos delineamentos e, no século XXI, a mulher já não se completa apenas

enquanto existência e essência na maternidade. Sua auto-estima e sua legitimação

enquanto cidadã passa por outras formas do exercício da vida social. A maternidade

enquanto atributo necessário à completude da existência da mulher, nada mais é do

que uma construção histórico-cultural estereotipada. Ser mulher, não significa ser

mãe. Para o universo feminino o ser mulher contemporâneo está permeado de

inúmeras outras intenções como fundamentos da existência, entre eles, o trabalho, a

carreira, o relacionamento com os outros ou consigo própria.

A emancipação da mulher e seus múltiplos interesses ensejam significativas

alterações nos vários campos da vida social, em especial, na família. As famílias

contemporâneas comungam arranjos diferenciados, proporcionados por estas

modificações na filosofia de vida das próprias mulheres. Há um aumento de famílias

menores, famílias monoparentais e, por via reflexa, família chefiadas por mulheres,

as quais conciliam a vida profissional e a vida familiar, buscando sustento de seus

entes.

Na história da luta feminina no Brasil temos marcadamente vitórias

culminando nos tempos hodiernos com uma Carta Cidadã de 1988 que confere às

mulheres a igualdade nas questões de gênero, bem como o Código Civil de 2002

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afinado sobremaneira com o Texto Constitucional, reforçou os direitos femininos

delineados à luz da igualdade de gênero

Atribui-se, atualmente, ao princípio da isonomia um novo status objetivado

pelo Constituinte de 1988, devendo ser concebido como base para o sistema e

norteador da melhor hermenêutica e aplicação do Direito. O princípio da igualdade

jurídica já não mais se encontra cingido à igualdade formal ou isonômica, mas aos

poucos vai se afirmando como uma igualdade material, por meio da implementação

consciente e necessária de hábeis políticas públicas voltadas à minoração das

desigualdades e a instauração de uma isonomia real.

O princípio da igualdade alberga uma concepção mais ampla no sentido de

instrumentalizar condições de oportunidades e firmamento de um efetivo equilíbrio

dos cidadãos no Estado Social de Direito. A igualdade real alcançada nos remete a

um dos fundamentos proclamados pela República Federativa do Brasil, a dignidade

da pessoa humana, sobreprincípio e diretriz principiológica necessária para o

operador do Direito ou, mais propriamente, como um valor. Define-se como

fundamento da República Federativa do Brasil, como a origem e o fim do Direito

atual nos ordenamentos jurídicos nacional e internacional.

Igualdade e da dignidade da pessoa humana se correlacionam e de maneira

interdependente, nos levam à conclusão que a igualdade em sua essência nos

conduz à dignidade da pessoa humana, visando evitar distorções e discriminações

injustas.

A promoção do bem de todos deve ser compreendida como uma ação

afirmativa vedando a discriminação e buscando a igualdade por meio da adoção de

condutas para a construção de uma nova roupagem no cenário nacional. A

concepção moderna de Estado há de ser dinâmica, deixando de lado a passividade,

na busca da concretização da igualdade substancial. A escolha do verbo promover

presente no inciso IV do art. 3º da Carta Magna de 1988 demonstra a postura

assumida pelo legislador constituinte objetivando uma atitude pró-ativa, gestora e

produtora de resultados. Não basta apenas conclamar a igualdade, é preciso ir além

buscando instrumentos fomentadores da concretização cotidiana da igualação.

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Igualdade, dignidade da pessoa humana e ações afirmativas se fazem

absolutamente indispensáveis para a implementação de um Estado Democrático de

Direito visando eliminar toda e qualquer forma de discriminação, bem como visando

aprimorar medidas para a promoção da igualdade efetiva.

Conceito novo incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pela Carta

Magna de 1988, a seguridade social formada pela tríade Previdência, Assistência e

Saúde por meio de objetivos definidos e políticas públicas articuladas, visa

estabelecer a proteção do homem, salvaguardando-o das necessidades sociais,

garantindo assim, a consolidação do bem-estar e da justiça social.

A aposentadoria e os meios de subsistência do cidadão no momento de sua

inatividade sempre se consubstanciaram como um preocupação acerca do

porvir.Verificamos que, atualmente, as Aposentadorias por idade e tempo de

contribuição comportam requisitos privilegiados às mulheres para sua concessão,

premiando-as com 5 anos em relação aos homens.

Os privilégios concedidos às mulheres têm status constitucional, previstos na

Carta Magna de 1988. Entretanto, os Documentos Internacionais, tais como,

Convenções, Declarações, Recomendações e outros, não estabelecem como

parâmetro a referida diferença para concessão de aposentadoria às mulheres. Os

documentos, em geral estabelecem como valor maior a igualdade de gêneros e o

combate à discriminação.

A diferença de 5 anos outorgada às mulheres, no próprio Texto Constitucional

desafia outros artigos também de natureza constitucional quais sejam, em seus

artigos 5º, a isonomia entre homens e mulheres, bem como em seu art. 3º, o

fundamento da não-discriminação e redução das desigualdades sociais.

A aposentadoria em idade e tempo diferenciados é de ser considerada um

privilégio e uma “pseudo-proteção”, pois representa um retrocesso na análise

sistemática e histórica da vida das mulheres, que lutam pela isonomia e para serem

consideradas um “sexo forte e igual”. Admitirmos a referida “pseudo-proteção” é

aceitar a fragilidade feminina, e, por via de conseqüência, uma menor capacidade

perante os homens.

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Dados estatísticos e científicos são responsáveis na contemporaneidade para

demonstrar as mudanças operadas no sexo feminino e que não mais justificam a

aposentadoria em tempo precoce.

Ademais, indefensável também a tese de que a aposentadoria em tempo ou

idade inferior às mulheres deve ser uma maneira de compensar a “dupla jornada”,

constituída por vida profissional e responsabilidades familiares (casa, marido e

filhos). Este é um argumento a ser revisto, pois estabelece que toda mulher estará

diante de responsabilidades familiares. Este fato vem sendo redesenhado pela

sociedade, e é crescente no mundo atual o número de mulheres que optam por uma

vida sem relacionamentos conjugais, bem como filhos. Há mulheres que por opção

priorizam outras áreas e se realizam nelas. Dados demonstram que têm diminuído o

número de casamentos, filhos por família, e a maternidade como vocação, mas sim,

escolha.

Contudo, consideramos que no caso de mulheres com famílias, marido e

filhos, a compensação ao final de sua vida por meio de aposentadoria diferenciada

nada representa. Os mecanismos de compensação devem ser oferecidos na idade

das necessidades sociais, qual seja, no momento de criação e educação dos filhos

pequenos, época em que se demanda maior atenção dos pais. Ao falarmos nas

questões femininas também estamos falando na participação masculina na criação

dos filhos, muitas vezes excluídos por meio de papéis e arquétipos histórico e

culturalmente estereotipados.

Nesse sentido, engajar homens na construção de uma sociedade justa do

ponto de vista das relações de gênero significa, dentre outras questões, reconhecer

a importância da presença paterna no desenvolvimento afetivo da criança e do pai;

e, dessa forma, compreender o mundo afetivo, doméstico e da reprodução como

algo a ser compartilhado e dividido igualmente. Envolver os homens nestas questões

é liberar as mulheres dessa responsabilidade solitária para que elas também

possam desenvolver suas carreiras, escolarização e outras potencialidades

Esta seria na verdade a medida compensatória e igualadora dos direitos das

mulheres em relação aos homens, nunca a aposentadoria em idade ou tempo

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diferenciados. Ganhar 5 anos “de presente” para um eventual descanso, por tudo

que já dissemos, é levar a mulher a uma posição reiterada de cidadã de 2ª classe,

bem como oferecer a ela a inatividade precoce, a criação de medos e transtornos de

ordem psicológica, interiorizando a submissão, a servidão e a inferioridade como

vocábulos próprios do mundo feminino.

À exemplo de países europeus que estão revendo seus critérios para as

aposentadorias de homens e mulheres, não está em no benefício da aposentadoria

diferenciada à mulher, a efetiva compensação da sobrecarga feminina, mas sim, no

estabelecimento de políticas que enalteçam as famílias, por meio do fortalecimento

do pai na criação dos filhos e divisão das responsabilidades familiares. Este

fenômeno, vem sendo chamando de co-responsabilidade, traduzindo-se em

benefícios previdenciários e medidas assistenciais aos homens denominadas de

licenças-parentais.

Contudo, a mera edição de normas para os chamados direitos de

compartilhamento ou de co-responsabilidade, que vêm despontando nos fecundos

solos do Direito Europeu, não é suficiente para a efetividade e aplicabilidade de tais

direitos em solo brasileiro, pois deve estar devidamente acompanhada de um

preparo cultural da sociedade para lhe garantir a eficácia e efetiva construção da

igualdade de gênero.

Nesse sentido, diversos os atores sociais que deverão ser chamados à

preparação desta mudança cultural.

No campo da política e das organizações as mulheres ainda não se

conscientizaram que quanto maior o seu engajamento nas questões de gênero,

maior será seu poder de reivindicação e obtenção de direitos. Ainda é tímida esta

participação de mulheres nas pautas de reivindicações e somos da opinião que em

um primeiro momento as mulheres ainda não estão cientes de seu poder de luta e

persuasão.

Por meio da implementação de políticas públicas, homens e mulheres desde

a sua criação devem ser educados para a vida em sua plenitude. O acesso à

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educação deve ser entendido como um poderoso instrumento de combate à

discriminação.

Cabe ao Estado democratizar os meios de comunicação e promover a

implantação de políticas públicas de comunicação de caráter regulador e

fiscalizador,garantindo o acesso efetivo dos diferentes segmentos da população à

informação e à liberdade de expressão das mulheres.As Políticas Públicas de cultura

e produção do conhecimento devem estar consubstanciadas na construção de

práticas para a igualdade, potencializando as ações comunicativas e educacionais.

Ressalta-se que a mulher não pode ser mera expectadora no processo midiático,

mas sim produtora de conhecimentos e informação.

A educação e a comunicação têm papel ímpar no aprimoramento das

questões ligadas ao sexo feminino. Na medida em que a mulher tem acesso à

educação e à informação, seu poder de reivindicação e decisão sofre significativo

aumento, gerando às próprias mulheres garantias e direitos antes denegados.

Finalmente, consideramos que a previdência social se traduz como

importante instrumento para a consolidação do Estado de Bem-Estar Social e para

que haja o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema, bem como a manutenção do

princípio da solidariedade necessária se faz a conjugação de esforços para tal

mister. Cabe às mulheres compreenderem a necessidade de colaboração e esforço,

bem como de seus novos contornos na sociedade contemporânea. Atingir a

igualdade significa querer ser igual. Há que se querer ser igual e não se admitir

privilégios indevidos, propugnando-se sempre pela edição de normas vanguardistas

que com o tempo representarão a verdadeira igualdade de gênero, do ponto de vista

formal e também material em nosso ordenamento jurídico.

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