PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO –...

163
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Rosane Santana Junckes AS RELAÇÕES DOS PROFESSORES FORMADORES COM OS SEUS SABERES PROFISSIONAIS PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO SÃO PAULO 2009

Transcript of PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO –...

Page 1: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

1

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP

Rosane Santana Junckes

AS RELAÇÕES DOS PROFESSORES FORMADORES COM OS SEUS

SABERES PROFISSIONAIS

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

SÃO PAULO 2009

Page 2: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Rosane Santana Junckes

As relações dos professores formadores com os seus saberes

profissionais

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Tese apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência para obtenção

parcial do título de Doutora em Educação –

Psicologia da Educação, sob a orientação

da Professora Doutora Marli Eliza Dalmazo

Afonso de André.

SÃO PAULO

2009

Page 3: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

3

______________________________________________

______________________________________________

______________________________________________

______________________________________________

______________________________________________

Page 4: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

4

O MUNDO

Um homem da aldeia de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir

aos céus. Quando voltou, contou.

Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas.

- O mundo é isso - revelou.

- Um montão de gente, um mar de fogueirinhas.

Cada pessoa brilha com luz própria

entre todas as outras.

Não existem duas fogueiras iguais.

Existem fogueiras grandes e fogueiras de todas as cores.

Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco,

que enche o ar de chispas.

Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros

incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar

perto pega fogo.

Eduardo Galeano

Page 5: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

5

Para o meu querido marido Jaime e meus filhos

Marcelo e Rafael por estarem sempre perto mesmo

estando longe. Por me incendiarem com suas

chispas loucas incentivando-me na busca dos meus

sonhos. Amo vocês!

Page 6: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

6

DEDICATÓRIA

Dedico esta tese à professora Marli André, que

além do profissionalismo, da firmeza e segurança,

sempre encontrei um doce sorriso pronto a

confortar. Muito obrigado por me ter dado a

oportunidade de fazer parte da sua vida como

aluna e orientanda. É um privilégio e uma honra ter

você ao meu lado nessa caminhada. Muito

obrigada pela alegria que me proporcionou por

estar ao meu lado!

Page 7: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

7

AGRADECIMENTOS

Ao meu querido e amado marido Jaime pelo carinho, paciência, incentivo e

confiança. Muito obrigada por ter proporcionado todas as condições

necessárias para que essa conquista fosse possível.

À querida professora Dra Marli André pelas orientações, correções, leituras e

trocas de experiência. Conhecê-la foi uma oportunidade ímpar em minha

vida.

À minha família pelo carinho e compreensão.

À professora Dra Maria de Fátima Barbosa Abdalla que me ajudou e

incentivou muito com seus carinhos e palavras de incentivo, além de uma

grande contribuição no desenvolvimento da tese. Foi muito importante poder

contar com sua ajuda e serenidade na construção dessa pesquisa. Tê-la

como amiga e companheira nesse processo foi um privilégio!

À professora Dra Vera Maria Nigro de Souza Placco, que pelo seu jeito

carinhoso e simpático de ser me amparou e tranqüilizou na entrevista para o

doutorado como também na qualificação. Obrigada pela oportunidade e por

todas as contribuições e sugestões!

À professora Dra Luciana Maria Giovanni, pela participação e contribuições

nessa banca de doutoramento.

À professora Dra Patrícia Albieri Almeida, pela participação e contribuições

junto a elaboração dessa tese.

Aos simpáticos professores do Departamento de Psicologia da Educação,

muito obrigada pelos ensinamentos e trocas de informações.

Page 8: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

8

Aos novos amigos que fiz na PUC, tantos...entre eles, deixo aqui o meu

carinho especial para Roberta Rotta e Marcia de Souza Hobold que me

incentivaram e me acompanharam nessa trajetória importante de minha

vida. Muito obrigada pelos incentivos e companherismo nas discussões,

principalmente por ocasião da qualificação desse trabalho.

Aos professores que, por meio de suas narrativas, ajudaram a constituir esta

tese de doutoramento.

À universidade que deu abertura para que os dados fossem coletados na

instituição, juntamente com seus professores formadores das licenciaturas.

À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pela concessão de bolsa

de estudos.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior – CAPES,

pela concessão de bolsa de estudos.

Enfim, a todos que atravessaram o meu caminho, nos períodos de estudo

nesta universidade. PUC SP.

Page 9: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

9

RESUMO

JUNCKES, Rosane S. As relações dos professores formadores com os

seus saberes profissionais

Esta pesquisa objetiva investigar a relação que os professores formadores estabelecem com os seus saberes profissionais nos cursos de licenciatura e tem como pressuposto que tais relações afetam a sua atividade no âmbito das universidades. Tem como base teórica os estudos desenvolvidos por André (2008), Roldão (2007), Pereira (2006), Charlot (2005; 2001;2000), Abdalla (2006), Pimenta e Anastasiou (2005), Lüdke (2004), Tardif (2008; 2002), Gómez (2001) entre outros, que pesquisam a formação de professores. Os dados foram coletados por meio da técnica do balanço do saber e de entrevistas recorrentes com professores formadores de diferentes áreas do conhecimento dos cursos de licenciatura de uma universidade da região Sul do Brasil. Tais dados revelam que as relações que os professores formadores estabelecem com seus saberes profissionais emergem principalmente da cultura institucional, tanto do período de pré-formação como da socialização profissional nas instituições na qual atuam profissionalmente. No ambiente da universidade os professores formadores estabelecem relações conflituosas com os saberes específicos e pedagógicos, que geram pontos de encontros e desencontros entre a teoria e a prática pedagógica e têm implicações na concepção de professor pesquisador/reflexivo. O estudo também revela que os professores formadores encontram-se ansiosos e decepcionados frente a deteriorização da imagem e do status social da profissão docente, o que os leva ao isolamento e em alguns casos à frustração profissional.

Palavras-chave: professor formador, relações com o saber, Licenciatura

Page 10: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

10

ABSTRACT

JUNCKES, Rosane S. The relations of teacher educators with their

professional knowledge

This research aims to investigate the relation that teacher educators establish with their professional knowledge in licensure courses, and it starts with the presumption that such relations affect their activity in the universities. The theoretical foundation of this research are the studies developed by André (2008), Roldão (2007), Pereira (2006), Charlot (2005; 2001; 2000), Abdalla (2006), Pimenta and Anastasiou (2005), Lüdke (2004), Tardif (2008; 2002), Gómez (2001) among others who investigate the teacher education. The data were collected by both balancing the knowledge and recurrent interviews made with teacher educators of different areas of knowledge from licensure courses of a university in the South of Brazil. Such data show that the relation the teacher educators establish with their professional knowledge emerge mainly from the institutional culture, as much in the period prior graduation as in the professional socialization in the institutions in which they act professionally. In the university atmosphere the teacher educators establish relations of conflict with the specific and pedagogical knowledge, which generate convergence and divergence spots between the theory and the pedagogical practice and they implicate in the conception of the reflective/searching teacher. The study also shows that the teacher educators are apprehensive and disappointed with the deterioration of the image and the social status of their profession, which leads them to isolation and, in some cases, to professional frustration.

Key Words: teacher educator, relations with the knowledge, Licensorship

Page 11: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

11

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................. 13

A relação pessoal com o saber e a escolha do tema ......................................

13

O contexto e os objetivos da pesquisa.............................................................. 16

CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA FORMAÇAO INICIAL DE PROFESSORES.....................................................

22

Formação de professores: resgatando elementos do passado para compreender o presente....................................................................................

22

A docência no ensino superior: modelos e paradigmas que orientam a atividade dos professores nas universidades...................................................

33

Os modelos que estruturam a universidade brasileira...................................... 37

Paradigmas contemporâneos na formação docente......................................... 41

As licenciaturas: problemas e alternativas........................................................ 47

A cultura institucional e a atividade do professor formador............................... 53

CAPÍTULO II - A RELAÇÃO COM O SABER E A ATIVIDADE DOS PROFESSORES FORMADORES....................................................................

61

A relação com o saber na perspectiva de Charlot............................................. 62 As pesquisas sobre relação com o saber..........................................................

66

A formação de professores e a relação com os saberes profissionais dos professores formadores.....................................................................................

80

CAPÍTULO III – METODOLOGIA.....................................................................

86

Campo e sujeitos da pesquisa...........................................................................

87

Procedimentos metodológicos .......................................................................... 89

Balanço do saber: uma técnica de coleta de dados.......................................... 89

Entrevistas recorrentes...................................................................................... 92

Page 12: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

12

CAPÍTULO IV - APRESENTAÇÃO DOS DADOS............................................

94

O Núcleo das licenciaturas ...............................................................................

94

Balanço do saber: caracterizando e desvelando os primeiros elementos sobre a relação com os saberes profissionais dos professores formadores.....................................................................................

100

Das Entrevistas recorrentes: destacando algumas das relações com os saberes profissionais dos professores formadores...........................................

111

A cultura institucional como espaço de relações sociais e profissionais: as experiências institucionais como elementos que influenciam nas relações com os saberes profissionais............................................................................

113

Ansiedade, decepção e conflitos: relações com os saberes profissionais que emergem da cultura institucional.......................................................................

119

A decepção frente a deteriorização da imagem e do status social que a profissão docente está sofrendo........................................................................

124

Relação com o ensino e a aprendizagem: sentidos decorrentes da cultura institucional .......................................................................................................

127

A relação com os saberes específicos e pedagógicos: pontos de encontros e desencontros entre a teoria e prática pedagógica.............................................

131

Implicações da concepção de professor pesquisador/reflexivo e as relações com os saberes pedagógicos e específicos......................................................

136

Os estágios supervisionados e as relações com a teoria e a prática pedagógica: imbricações da racionalidade prático reflexiva.............................

140

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................

144

REFERÊNCIAS ................................................................................................

151

Page 13: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

13

INTRODUÇÃO

A relação pessoal com o saber e a escolha do tema

A construção de uma trajetória profissional envolve situações que vão

desde as escolhas das brincadeiras que são feitas, ainda na infância, até o

exercício destas projeções na vida adulta, bem como na busca de suas

especificidades e aprofundamentos teórico-práticos. As razões que

encontramos para afirmar um pressuposto, uma proposição, uma idéia, na

vida profissional emergem dessas relações no mundo e com mundo. Este é

o entendimento que direciona esta pesquisa, principalmente por levar em

consideração a minha própria história de vida.

Acredito que minha trajetória profissional recebeu muita influência

familiar. Tanto de meus pais como de demais familiares: tios, primas e

primos que atuavam como professores na cidade onde nasci.

Lembro-me que nas escolas, principalmente de 5ª a 8ª série,

costumava entrar em conflitos com meus colegas e professores, quando

tinham atitudes com os demais estudantes que a mim pareciam injustas.

Como diziam, “comprava a briga dos outros”. Achava injusto um

professor chamar os estudantes de preguiçosos e molengas, entre outros

adjetivos. Atitudes como essas me irritavam e acabaram, a meu ver,

influenciando minha visão do trabalho docente.

Quando cheguei ao segundo grau (na época era assim que

chamávamos o ensino médio), optei por fazer magistério. Foi aí que

comecei a entender a complexidade dessa profissão, pois logo fui

convidada para atuar como professora substituta numa primeira série de

alfabetização, o que me deixou feliz e ao mesmo tempo desesperada

frente à responsabilidade e à imaturidade para trabalhar com aquelas

crianças.

Foi uma experiência encantadora e desafiadora, para a qual pude

contar com a ajuda de amigas professoras e de minhas primas. Nesse

período, preocupava-me com a aprendizagem dos estudantes, lia muito,

Page 14: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

14

procurava estratégias e metodologias de ensino que pudessem me

ajudar a alfabetizar as crianças.

No decorrer dos anos fui assumindo outros níveis de ensino, me

formei no curso de pedagogia, procurando sempre me aperfeiçoar,

fazendo cursos diversos para que de uma forma ou de outra pudessem

me favorecer na atividade docente. Sempre estive muito preocupada com

a aprendizagem dos estudantes. Não apenas uma aprendizagem de

conteúdos, mas uma formação do sujeito enquanto cidadão, capaz de ler

e interpretar a sua realidade. Sentia-me muito mal quando um estudante

era reprovado, perguntava-me o por quê da reprovação.

O fracasso escolar e o discurso dos colegas professores frente à

falta de pré-requisitos dos estudantes para estarem em determinadas

séries escolares, me incomodava. Na escola onde trabalhava constatei

um alto índice de repetência no ensino Fundamental e Médio, e quanto

mais buscava as causas, mais preocupada ficava com minha própria

atividade docente e a de meus colegas professores, principalmente

quando deparava-me com justificativas evasivas com relação a

repetência desses estudantes.

Essa preocupação bem como a preocupação com o

desenvolvimento do pensamento crítico nas crianças sempre esteve

presente nas minhas discussões e nos momentos de estudo,

principalmente ao ingressar no Mestrado, no qual desenvolvi como tema

da dissertação ―O desenvolvimento da consciência moral autônoma nas

relações pedagógicas‖.

A pesquisa na época tinha como foco a concepção de autonomia

que fundamentava o discurso e a prática pedagógica dos professores do

Ensino Médio de um colégio da cidade de Joinville/SC verificando a

existência de contradições ou coerências entre discurso e prática

pedagógica. A temática surgiu, por conta do que eu ouvia em diferentes

encontros de educadores, e dos discursos proferidos nas escolas que

seguiam idéias do livro recém lançado na época: Educação: um tesouro

a descobrir – Relatório da UNESCO da Comissão Internacional sobre

Educação para o século XXI (2000), organizado por Jacques Delors.

Nas rodas de discussão de professores discutia-se muito o

Page 15: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

15

aprender a conhecer, o aprender a fazer, o aprender a viver juntos e o

aprender a ser, o que em outras palavras reforçava, segundo esses

professores, a idéia de autonomia e a necessidade de formar um sujeito

crítico, criativo, ativo na sociedade.

Tais discussões suscitaram uma série de questionamentos,

principalmente sobre as relações entre o discurso proferido pelos

professores e suas práticas. Perguntava-me na época como isso

acontecia em sala de aula. Será que esses professores desenvolviam

práticas que vinham ao encontro de suas idéias? Será que percebiam

seus discursos em sua própria prática?

Constatou-se que as práticas docentes eram, apesar do discurso,

tradicionalistas, autoritárias e baseadas no repasse de conteúdos quase

que exclusivamente de forma autoritária, o que não favorecia o

desenvolvimento da autonomia dos estudantes, uma vez que as

atividades colocavam os estudantes numa situação de meros fazedores

de exercícios reproduzidos pelo professor, fotocopiados de fontes

diversas. Além disso, novamente o fenômeno da reprovação escolar

estava em evidência.

Muitas questões ficaram em aberto ao término de minha

dissertação de mestrado em decorrência dos resultados obtidos, como

por exemplo: o que impedia aqueles professores de mudarem suas

práticas, de forma que correspondessem aos seus discursos e a uma

formação emancipatória? Será que algumas idéias foram cristalizadas

em sua formação inicial? Que valores, práticas, e relações se

desencadearam nessa etapa de sua formação? Essas podiam interferi r

na forma como eles desenvolviam suas práticas? Houve mediação por

parte dos professores formadores? A que processos formativos os

professores foram submetidos em sua formação inicial?

Assim, diante dos questionamentos que surgiram ao término de

minha dissertação de mestrado, bem como de minhas reflexões ao longo

de minha trajetória profissional, decidi investigar a formação inicial de

professores. Em especial, decidi concentrar-me nos professores

formadores que têm um papel fundamental nos cursos de formação,

tanto pelos conteúdos profissionais que desenvolvem quanto pelas

Page 16: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

16

formas de atuação. Aprender segundo Charlot (2001,p.28),

[...] é uma relação entre duas atividades: a atividade humana que produziu aquilo que se deve aprender e a atividade na qual o sujeito que aprende se engaja, sendo a mediação entre ambas assegurada pela atividade daquele que ensina ou forma.

Cabe então refletir sobre a relação que os professores

formadores estabelecem com os seus saberes profissionais e que são

disponibilizados aos futuros professores.

O contexto e os objetivos da pesquisa

Na sociedade atual, contamos com uma pluralidade de opções no que

se refere às formas de convivência social, econômica, cultural e política.

Vivemos, segundo Imbernón (2000), em tempos difíceis e de grandes

incertezas, que procuramos resolver satisfatoriamente numa tentativa de

obter qualidade em nossas vidas. A sociedade brasileira tem assistido, ao

longo dos tempos, a intensas transformações em todos os campos da

convivência e conhecimento humano. Temos testemunhado e protagonizado

uma ambiência social em plena efervescência, que tem, por sua vez,

causado uma maior complexidade nas relações sociais.

Segundo Imbernón (2000, p. 18), ―deparamo-nos diante de uma nova

forma de ver o tempo, o poder, o trabalho, a comunicação, a relação entre

as pessoas, a informação, as instituições‖, e não poderia ser diferente, no

que se refere à educação, pois a cada dia percebemos que o pensamento e

a ação educativa, precisam passar por transformações que possibilitem o

desenvolvimento de um cidadão emancipado, sujeito crítico, que

compreenda as questões de seu meio e se disponha a agir para torná-lo

melhor.

Formar cidadão crítico e reflexivo não é uma tarefa fácil, por isso se

faz necessário entender, segundo o autor (2000), ―as formas de pensar e

agir do passado, as tramas do presente e as silhuetas possíveis do futuro‖,

para que a humanidade não fique alienada frente à realidade em que está

Page 17: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

17

inserida.

Assim entende-se que a educação constitui fonte de transmissão

cultural no sentido amplo do termo (valores, normas, atitudes, experiências,

imagens, representações). As escolas, por sua vez, deveriam ser veículos

de democracia e mobilidade social, capazes de desvelar a lógica do capital.

Por isso, acredita-se que as escolas não são simplesmente locais de

instrução, são também locais políticos e culturais, responsáveis pela

transmissão do patrimônio cultural, pela aprendizagem e formação de seus

estudantes. Como afirma Charlot (2005), a educação é:

[...] um movimento de humanização, de socialização e de subjetivação; é cultura como entrada em universos simbólicos, como acesso a uma cultura específica, como movimento de construção de si mesmo; é direito ao sentido, às raízes, a um futuro; é direito ao universal, à diferença cultural, à originalidade pessoal. (CHARLOT, 2005, p. 145).

Considera-se importante entender que a educação é também um

direito e não uma mercadoria. Isso afeta, de uma forma ou de outra, a

atividade dos professores, pois a esse profissional também são feitas

exigências frente ao mercado capitalista, que tem na educação, interesses

econômicos. Daí a importância do papel dos professores nos contextos de

suas escolas. É necessário que fiquem atentos aos interesses de certas

medidas e políticas públicas e saibam, pelo menos, como gerir as tensões

que surgem a partir delas. Giroux (1997) afirma que os professores são os

intelectuais transformadores e, como tal, devem assumir todo o seu

potencial como profissionais estudiosos, ativos e reflexivos.

Além de discutir a respeito da educação que queremos, bem como a

sociedade que desejamos, torna-se necessário refletir e compreender a

ação de ensinar nos dias de hoje. Como os professores em seus diferentes

níveis de ensino estão entendendo a ação de ensinar? Que sentido essa

ação tem para eles e para seus estudantes? Será que o fazem de forma a

transmitir informações levando a educação para o plano da instrução

apenas? Ou, como afirma Candau (1998), entendem essa ação de ensinar

como uma atividade e uma prática social complexa, carregada de conflitos

de valor, os quais exigem posturas éticas e políticas que requerem dos

Page 18: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

18

professores saberes e conhecimentos científicos, pedagógicos,

educacionais, além de uma dinâmica criativa e sensível, capaz de viabilizar

a administração de situações ambíguas, incertas e conflituosas nos

contextos escolares? Ou, ainda, como afirma Charlot (2005), será que esses

professores concebem ―que ensinar supõe saberes, para que os jovens

compreendam melhor o sentido do mundo, da vida humana, das relações

com os outros, das relações consigo mesmo‖?

Aprender é uma atividade que implica uma relação com os saberes

produzidos pela humanidade e, ao mesmo tempo, uma atividade

(trans)formadora, assim cabe ao professor atuar como mediador desses

saberes.

A atividade docente requer reflexão e crítica ou seja, questionamentos

dos modos de pensar, sentir, agir, produzir e distribuir conhecimentos,

problematizando, analisando as situações da prática social. Assim, torna-se

necessário investir na capacidade de reflexão crítica dos professores, para

que possam decidir principalmente sobre a aprendizagem de seus

estudantes.

Essas idéias remetem à problemática que envolve o processo de

formação inicial dos professores nas universidades. Segundo Marques

(2003, p. 37), esses professores têm se deparado com a fragmentação e

desarticulação dos currículos que se manifestam de várias maneiras e, por

sua vez, contribuem para que a formação de professores se torne precária.

Nesse sentido o autor cita:

o divórcio entre teoria e prática;

as muralhas que estabelecem entre si as disciplinas do ensino, confinadas cada qual nos limites auto-impostos;

a separação entre disciplinas de conteúdo e disciplinas pedagógicas, entre a Pedagogia, a Didática e as Tecnologias Educacionais;

os estágios curriculares e as práticas de ensino divorciadas do todo e postas à margem dos cursos;

a refrega entre os cursos de bacharelado e os de Licenciatura;

a separação entre as dimensões cognitivas, as dimensões éticas e as dimensões políticas da formação do educador. (MARQUES, 2003, p. 37).

Com base nas palavras de Marques (2003), e mesmo sabendo que a

Page 19: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

19

formação dos professores acontece num processo contínuo durante toda

sua vida profissional, deseja-se aqui trazer a discussão sobre a formação

inicial de professores e a atividade de seus formadores, pois considera-se

que são elementos importantes nos sistemas educacionais e de formação

profissional.

Vale também lembrar que, já na década de 90, em trabalhos

realizados por Gatti (1992) e Lüdke (1994) sobre as Licenciaturas, eram

apontados a inércia nas universidades, a ausência de um projeto de

formação e o desprestígio acadêmico profissional. Para Lüdke (1994), existia

sobre as Licenciaturas no Brasil uma vasta literatura educacional, com um

considerável conjunto de reflexões, idéias, análises e sugestões, sobre a

situação dos cursos de Licenciaturas, e de seus problemas.

Todavia, a autora alertava que, de modo geral, não havia naquela

época uma preocupação maior sobre a formação de professores nos cursos

de Licenciaturas. Podia-se considerar que as pesquisas eram ainda

insuficientes e em muitas das questões pesquisadas, havia lacunas. A

autora também já alertava para os mesmos problemas apontados por

Marques (2003) e que, aparentemente, nesses últimos quinze anos ainda

continuam sem solução.

O discurso da melhoria da qualidade do ensino em decorrência das

reformas educativas em curso pode ser facilmente identificado nos

documentos oficiais, nos artigos e entrevistas dos dirigentes educacionais

brasileiros e na publicidade levada ao ar pelos organismos estatais. Verifica-

se, contudo, por meio dos resultados obtidos na pesquisa realizada por

Marin e Giovanni (2007), que esse é um desafio que o Brasil ainda tem pela

frente, porque vivemos momentos de crise, de legitimação e de interesses

políticos sobre a formação de professores no Brasil, os quais perpassam

desde o espaço de formação e a compreensão do que é formar, constituir-se

professor, até as implicações ideológicas, legais e políticas existentes no

contexto da escolarização brasileira.

Dessa forma, questiona-se como tem ocorrido o processo de

formação de novos professores. Como estão sendo preparados para essa

tarefa? Qual o papel do professor formador frente aos problemas e à crise

Page 20: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

20

enfrentada atualmente no que se refere à profissionalidade e a

profissionalização docente?

É na formação inicial, que se constitui, em bases epistemológicas e

teóricas, a idéia de continuum que, por sua vez, fomenta e produz os

sentidos e explicita os significados ao longo de toda a vida do professor.

Essa formação garante ao mesmo tempo os nexos entre a formação inicial,

a continuada e as experiências vividas. Daí a importância de se refletir sobre

a formação inicial dos professores e principalmente sobre os diferentes

cursos que habilitam para o magistério, em especial os cursos de

Licenciatura, levando-se em conta as problemáticas já apontadas por

Marques (2003) anteriormente.

Charlot (2000), afirma que na educação a ação de ensinar e de

aprender refere-se também às formas de relações que os sujeitos envolvidos

nesse processo estabelecem com o objeto de seu conhecimento, as suas

expectativas, a forma como organizam essa ação.

Sabe-se que é o sujeito que faz o movimento para a busca do saber e

do conhecimento, contudo ele só aprende pela mediação do outro.

Pensando em como a mediação do professor formador pode afetar ou não a

formação dos futuros professores e considerando que a relação com o saber

é uma relação com o mundo, consigo mesmo e com os outros – nesse caso,

o futuro professor, essa pesquisa visa investigar as relações que os

professores formadores estabelecem com seus saberes profissionais.

Em termos mais específicos, busca-se

apreender os sentidos que os professores dos cursos de

Licenciaturas atribuem à sua disciplina e à profissão docente;

entender como o professor formador concebe o processo de

aprendizagem da docência;

investigar as concepções do professor formador sobre: o

aluno, o professor, o ensinar, o aprender e as práticas

escolares.

Considera-se que as relações que o professor formador estabelece

com seus próprios saberes profissionais (científicos e pedagógicos), assim

como a relação com os pares, estudantes e a própria instituição, podem

Page 21: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

21

contribuir (ou não) para a mobilização dos sujeitos frente ao

desenvolvimento do seu saber. Os processos formativos a que o futuro

professor é submetido, os saberes que são privilegiados, as estratégias

utilizadas na aprendizagem do futuro professor, os valores e os ideais são

elementos que norteiam o estudo da relação com o saber, pois os saberes

da docência e os sentidos a eles atribuídos são construídos também por

meio de certa relação com esse saber.

Nesses últimos anos, foram realizadas pesquisas em vários países,

como Brasil, França, Tunísia, República Tcheca e Grécia, sobre a relação

com o saber, com foco nos estudantes da Escola Infantil ou Ensino

Fundamental e Médio. Essas pesquisas buscaram elucidar as relações

desses estudantes com o saberes escolares a partir de seu capital cultural e

sua posição social. Além disso, foram realizadas pesquisas focadas na

relação com os saberes de professores que atuam na Educação Infantil,

Ensino Fundamental e Ensino Médio. Não foram encontradas pesquisas que

discutissem a relação com o saber de professores formadores.

A formação de professores nos cursos de Licenciaturas ainda carece

de reflexão e discussão, principalmente no que diz respeito às relações que

os professores formadores mantêm com os saberes profissionais e seus

reflexos nos processos formativos destinados aos futuros professores.

Page 22: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

22

CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA

FORMAÇAO INICIAL DE PROFESSORES

O conhecimento não se estende do que se julga sabedor até aqueles que se julga não saberem; o conhecimento se constitui nas relações homem-mundo, relações de transformação, e se aperfeiçoa na problematização crítica destas relações. (FREIRE, 2006, p.36)

Esse capítulo tem por finalidade trazer uma reflexão sobre a formação

dos professores partindo de uma retrospectiva histórica que possa ajudar na

apreensão das relações que os professores formadores estabelecem com

seus saberes profissionais, uma vez que essa relação está vinculada

também, aos processos históricos, sociais e políticos, vivenciados pelas

instituições de formação de professores ou universidades.

Vale ressaltar, no entanto, que não se pretende trazer a totalidade dos

fatos históricos que estão relacionados a formação de professores ou a

criação de universidades, mas deseja-se por meio de alguns fatos históricos

evidenciar como a formação dos professores ainda é negligenciada no

Brasil, bem como é influenciada por alguns modelos e paradigmas

importados de outros países e, que vem por sua vez, afetando a

compreensão de docência no ensino superior e a forma de produção de

saberes e conhecimentos, principalmente no que se refere ao ensino, à

pesquisa e à extensão.

Formação de professores: resgatando elementos do passado para

compreender o presente

Apesar de ouvirmos constantemente que a educação é prioridade

nacional, observamos que essa nunca deixou de ser tratada como apêndice

das políticas econômicas, que privilegiam o interesse das elites. Nesse caso,

não é de se estranhar que nos momentos de crise, setores do governo

acenem à possibilidade de redução de gastos públicos, colocando na

revisão da proposta orçamentária, cortes de verbas destinadas a educação,

Page 23: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

23

o que revela um descaso, que já é histórico em nosso país, visto que desde

o período da colonização do Brasil, já havia pouca preocupação com a

educação, apesar de sempre ter havido indivíduos ou grupos que se

contrapuseram a isso, inclusive nos momentos de autoritarismo mais atroz.

Os reflexos dessa desvalorização da educação podem ser

identificados por docentes, estudantes e pela própria sociedade de modo

geral, seja no âmbito escolar como também nas universidades, nos centros

universitários, faculdades e/ou institutos de ensino superior, pela forma como

se estabelecem dicotomias e ou hierarquizações entre pesquisa e ensino,

teoria e prática, bacharelado e licenciatura. Além disso, fica explícito em

algumas instituições e em alguns momentos históricos, que os eixos de

produção acadêmica são mediados pela racionalidade tecnoburocrática

subordinada apenas aos interesses de mercado, em vez de elucidar o

desconhecido na perspectiva de universalizar os direitos civis, políticos e

sociais.

Assim, a idéia de universidade ou de formação no ensino superior que

foi construída no decorrer de décadas no Brasil são ―pegadas da história‖,

em que ações foram praticadas, políticas públicas elaboradas, saberes

cristalizados, que por sua vez se desdobraram nas muitas formas de como a

educação ocorreu no Brasil. Por isso, busca-se discorrer sobre algumas

questões históricas que envolvem o processo de implementação do ensino

superior no Brasil, principalmente sobre a pouca valorização atribuída à

educação e à formação de professores.

Já no período colonial brasileiro, quem se ocupava com a educação

dos filhos homens das famílias tradicionais eram os jesuítas, por meio das

escolas de catecismo e, mais tarde, dos colégios criados e mantidos pela

Companhia de Jesus. Nesses colégios, o conteúdo e a didática empregada

seguiam o que estava prescrito no Ratio Studiorum, que consistia em um

código de conduta que recomendava aos professores, por meio da rígida

disciplina, evitar novidades, memorizar conteúdos clássicos e proceder

sempre de forma ordeira e calma.

Os jesuítas eram formados primeiramente para o sacerdócio e depois

para o ensino. Eram padres-professores, que trouxeram para o Brasil o

Page 24: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

24

estatuto religioso do catolicismo, como forma de impedir o avanço do

protestantismo. Segundo Possamai (2003, p. 19) ―[...] a estrutura econômica

presente na colonização do Brasil promoveu a importação de hábitos e

modos de vida europeus medievais preservados e reproduzidos pelas ações

educativas dos Jesuítas‖, ou seja, a formação escolástica não permitiu o

desenvolvimento do espírito crítico e científico e segundo a autora era um

ensino alienado e alienante. Na realidade, o que se ambicionava era

controlar todos os aspectos da vida social. A preocupação era com o espírito

expansionista em nome do poder representado pelo Papa e em nome do

poder político representado pela Coroa Portuguesa.

Segundo Bueno (2006), com a expulsão dos jesuítas, ocorreu uma

substituição dos jesuítas por membros de outras ordens religiosas instaladas

no Brasil, por capelães de engenho, padres pertencentes normalmente à

família dos senhores rurais e por alguns poucos mestres-escolas leigos,

nomeados para assumir os lugares vagos. Contudo, esses primeiros

mestres-escolas não tinham grande formação e deles só era exigido que

soubessem ler e escrever com boa letra.

O sistema educacional implantado pelos jesuítas acabou sendo

desmantelado, sem que houvesse na época grande preocupação com os

saberes necessários à docência ou à formação daqueles que exerciam a

profissão docente. Tal situação, porém, alterou-se, de certa forma, com a

permanência da família real ao Brasil, de 1808 até 1822, que passou a

investir no ensino universitário, deixando de lado a escola elementar e a

formação de professores, uma vez que a Coroa objetivava formar pessoas

para atender às necessidades que, naquele momento, eram prementes:

preencher o quadro político e administrativo do país e defender o Império.

Com a independência do Brasil, começam as preocupações com a

formação de professores. Em 1823, numa tentativa de seguir as idéias que

moveram a Revolução Francesa, houve a tentativa de construir um sistema

de educação nacional, o que só se concretizou em 1834, com o Ato

Adicional, que segundo Aranha (1996, p.152), visava:

[...] descentralizar o ensino, atribuindo à Coroa a função de promover e regulamentar o Ensino Superior, enquanto às

Page 25: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

25

províncias são destinadas a escola elementar e a secundária. Dessa forma a educação da elite fica a cargo do poder central e a do povo, confiada às províncias.

As províncias, sem condições de organizar um ensino nacional,

segundo Possamai (2003, p. 22), ―fragmentaram o ensino primário e o

secundário, sendo que o primeiro era destinado ao ensino da leitura, escrita

e da matemática, enquanto o ensino secundário era dedicado ao ensino

propedêutico, voltado para o Ensino Superior‖. Essa separação entre as

duas modalidade de ensino causou uma aceleração no processo de

privatização da educação e o descaso com a profissão de professor, como

relata Romanelli (1996, p.40):

O resultado foi que o ensino, sobretudo o secundário, acabou ficando nas mãos da iniciativa privada e o ensino primário foi relegado ao abandono, com pouquíssimas escolas, sobrevivendo à custa do sacrifício de alguns mestres-escolas que, destituídos de sua habilitação para o exercício de qualquer profissão rendosa, se viam na contingência de ensinar.

Assim, parece que desde essa época a profissão do professor não

era valorizada no Brasil. Aparentemente, dessas situações surge a idéia da

profissão docente como sacerdócio, vocação ou missão. Sempre havia

outras prioridades. Os mestres-escola tinham de exercer a profissão sem as

mínimas condições de trabalho e com poucas exigências sobre sua

formação. A precarização da profissão docente já se fazia visível.

O período pombalino foi marcado por muitas dificuldades no campo

educacional, mesmo sendo reconhecidas as vantagens de um ensino

moderno, com base em pensadores e conhecimentos novos. A substituição

do ensino religioso por um ensino denominado laico e sob o controle do

Estado, na prática não trouxe mudanças significativas. De acordo com Veiga

(1996, p.57), a nova organização instituída por Pombal representou

pedagogicamente um retrocesso, pois ―professores leigos começaram a ser

admitidos para as ‗aulas-régias‘ introduzidas pela reforma Pombalina‖.

Entretanto, segundo Nóvoa (1995, p. 17) foi a partir deste período que

se começou a traçar um perfil do professor ideal, já que a educação sendo

controlada pelo Estado devia controlar mais rigorosamente os processos

Page 26: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

26

educativos. O Estado tenderia a se preocupar com os processos de

reprodução e de produção. Nas palavras do autor ―o modelo ideal de

professores situa-se a meio caminho entre o funcionalismo e a profissão

liberal‖. Segundo ele:

a intervenção do Estado vai provocar uma homogeneização, bem como uma unificação e uma hierarquização à escala nacional, de todos estes grupos: É o enquadramento estatal que institui os professores, como corpo profissional, e não uma concepção corporativa do oficio (NÓVOA, 1995, p.17).

Após a promulgação do Ato Adicional de 1834, que colocou a

instrução primária sob a responsabilidade das províncias, estas tenderam a

adotar, para a formação dos professores, os ideais que vinham dos países

europeus: a criação de Escolas Normais.

A primeira escola normal brasileira foi criada na Província do Rio de

Janeiro, pela Lei n° 10, de 1835, que determinava:

Haverá na capital da Província uma escola normal para nela se habilitarem as pessoas que se destinarem ao magistério da instrução primária e os professores atualmente existentes que não tiverem adquirido necessária instrução nas escolas de ensino mútuo, na conformidade da Lei de 15/10/1827.

A escola seria regida por um diretor, que exerceria também a função

de professor e contemplaria o seguinte currículo: ler e escrever pelo método

lancasteriano; as quatro operações e proporções; a língua nacional;

elementos de geografia; princípios de moral cristã.

Nos anos que se seguiram à criação da primeira escola normal, a

experiência se repetiu em outras províncias, sendo criadas instituições

semelhantes em várias regiões do Brasil. Segundo autores como Possamai

(2003), Villela (1990), Monarcha (1999), Tanuri (1970), havia características

comuns entre as primeiras escolas normais instaladas no Brasil pois a

organização didática do curso era extremamente simples, apresentando, via

de regra, um ou dois professores para todas as disciplinas e um curso de

dois anos, o que se ampliou ligeiramente até o final do Império.

O currículo era bastante rudimentar, acrescido de uma incipiente

formação pedagógica, limitada a uma única disciplina (Pedagogia ou

Page 27: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

27

Métodos de Ensino), de caráter essencialmente prescritivo. Segundo os

autores, a infra-estrutura disponível, tanto no que se refere ao prédio, como

à instalação e equipamento, era objeto de constantes críticas nos

documentos da época.

Nessas condições, tais escolas foram frequentemente fechadas por

falta de alunos ou por descontinuidade administrativa e submetidas a

constantes medidas de criação e extinção, só conseguindo subsistir a partir

dos anos finais do Império. Desta forma, segundo Tanuri (2000, p. 65):

O insucesso das primeiras escolas normais e os poucos resultados por elas produzidos granjearam-lhes tal desprestígio que alguns presidentes de Província e inspetores de Instrução chegaram a rejeitá-las como instrumento para qualificação de pessoal docente, indicando como mais econômico e mais aconselhável o sistema de inspiração austríaca e holandesa dos ―professores adjuntos‖.Tal sistema consistia em empregar aprendizes como auxiliares de professores em exercício, de modo a prepará-los para o desempenho da profissão docente, de maneira estritamente prática, sem qualquer base teórica

Segundo Reis Filho (1981, p. 131), somente na terceira tentativa em

1880, já em plena propaganda republicana, e sob o impulso de seus

militantes é que a Escola Normal do estado de São Paulo. ―[...] passou a

desempenhar um papel de relativa importância na inovação dos processos

de ensino‖ e constituiu-se num foco de idéias republicanas que também

tinham como preocupação a melhor qualificação dos professores para o

ensino primário e secundário e a instalação do ensino público, leigo e

gratuito.

Entre 1932 e 1939, foram organizadas os Institutos de Educação que

foram concebidos, segundo Saviani (2009, p. 145),

[...] como espaços de cultivo da educação encarada não apenas como objeto do ensino, mas também da pesquisa. Nesse âmbito as duas principais iniciativas foram o Instituto de Educação do Distrito Federal concebido, estruturado e implantado por Anísio Teixeira, em 1932, e dirigido por Lourenço Filho; e o Instituto de Educação de São Paulo implantado, em 1933, por Fernando de Azevedo. Ambos, sob inspiração do ideário da Escola Nova.

Page 28: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

28

Tanto para o Instituto do Distrito Federal como o de São Paulo o

currículo incluía, já no primeiro ano, segundo Saviani (2009, p. 145), as

disciplinas de biologia educacional; sociologia educacional; psicologia

educacional; história da educação; introdução ao ensino, contemplando três

aspectos: a) princípios e técnicas; b) matérias de ensino abrangendo cálculo,

leitura e linguagem, literatura infantil, estudos sociais e ciências naturais; c)

prática de ensino, realizada mediante a observação, a experimentação e a

participação. Além disso,

[...] como suporte ao caráter prático do processo formativo, a Escola de Professores contava com uma estrutura de apoio que envolvia: a) Jardim de Infância, Escola Primária e Escola Secundária, que funcionavam como campo de experimentação, demonstração e prática de ensino; b) Instituto de Pesquisas Educacionais; c) Biblioteca Central de Educação; d) Bibliotecas escolares; e) Filmoteca; f) Museus Escolares; g) Radiodifusão‖ (SAVIANI 2009, P. 145).

Os Institutos de Educação foram pensados e organizados de maneira

que pudessem incorporar um conhecimento de caráter científico, buscavam

consolidar um modelo pedagógico de formação docente, que ―[...] permitisse

corrigir as insuficiências e distorções das velhas escolas normais‖. (TANURI,

2000, p.72).

Outra medida importante nesta história do ensino publico no país foi a

criação da Lei Orgânica das Escolas Normais de 1946, que caracterizava-se

pela centralização e pouca flexibilização uma vez que sua estrutura e sua

organização foram impostos a todo o território brasileiro apesar das enormes

diferenças regionais. Além de dar ao futuro professor uma formação geral,

humana e enciclopedística, essas escolas tinham também o objetivo de

formar administradores escolares e preparar o professor para a educação

infantil. O currículo dava mais ênfase às disciplinas pedagógicas do que a

aquelas de formação geral, inclusive português e matemática. Os críticos

dessa época costumavam dizer que os normalistas aprendiam como

ensinar, mas ignoravam o que ensinar.

Page 29: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

29

De 1939 a 1971, os institutos de educação do Distrito Federal e de

São Paulo são transformados em instituições de nível universitário, conforme

explica Saviani (2006, p. 6 -7):

Os Institutos de Educação do Distrito Federal e de São Paulo foram ambos elevados ao nível universitário, tornando-se a base dos estudos superiores de educação: o Instituto de Educação Paulista foi incorporado à Universidade de São Paulo, fundada em 1934 e o Instituto de Educação do Rio de Janeiro foi incorporado à Universidade do Distrito Federal, criada em 1935. E foi sobre essa base que se organizaram os Cursos de Formação de Professores para as escolas secundárias, generalizados para todo o país a partir do Decreto-Lei n. l.190, de 04 de abril de 1939 que deu organização definitiva à Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Sendo esta instituição considerada referência para as demais escolas de nível superior, o paradigma resultante do Decreto-Lei se estendeu para todo o país compondo o modelo que ficou conhecido como ―esquema 3+1‖ adotado na organização dos Cursos de Licenciatura e de Pedagogia.

Foi dessas faculdades que saíram os professores que eram

escolhidos com base em seu bom desempenho como alunos de Licenciatura

específica. Possamai (2003, p. 38) informa que, nessa época, eram

―contratados professores de outros países para disciplinas técnicas e para

as disciplinas didático-pedagógicas arrebanhava-se o que se tinha nas

proximidades‖. Tal fato nos alerta para a valorização excessiva das

disciplinas específicas, enquanto as disciplinas de cunho didático-

pedagógico foram deixadas em segundo plano.

No período entre 1930 a 1954, segundo Veiga (1996, p. 31), a

educação é ―marcada pelo equilíbrio entre as influências da concepção

humanista tradicional (representada pelos católicos) e humanista moderna

(representada pelos pioneiros)‖. Na concepção humanista moderna ―há

predomínio do aspecto psicológico sobre o lógico,‖ o que caracterizou o

escolanovismo, que defende os princípios democráticos, afirma a autora,

―[...] no entanto, isso é feito em uma sociedade dividida em classes, onde

são evidentes as diferenças entre o dominador e as classes subalternas‖.

Os pioneiros eram favoráveis a uma educação pública, gratuita,

obrigatória, laica e mista. Isto quer dizer que o Estado deveria se

Page 30: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

30

responsabilizar pelo dever de educar o povo, responsabilidade esta que era,

a princípio, atribuída à família.

Entre o começo e o final da década de 1950, são constantes os temas

como a industrialização, a escola, a democracia e a sociedade brasileira,

pensando numa civilização em mudança para a qual havia necessidade de

formação de hábitos e disposições democráticas. Para tanto era preciso, por

meio dos processos educativos, formar o homem consciente e crítico.

Movido por tais preocupações, ao final da década de 1960, Paulo

Freire, questionava-se sobre o porquê de não ter vingado ainda o espírito

democrático no homem brasileiro. Paulo Freire acreditava que era preciso

aumentar o grau de consciência do povo, para que esse pudesse dar conta

dos problemas de seu tempo e espaço, idéia essa que ganha o

reconhecimento de vários educadores.

De acordo com Libâneo (2005), Paulo Freire apresenta sua proposta

de reflexividade, assentada no processo da ação-reflexão-ação, que também

visa à formação da consciência política. Paulo Freire vem abrir caminhos ao

diálogo educador-educandos, criando assim oportunidades de análises

críticas em torno da realidade.

No entanto, logo que ocorreu a entrada dos militares no poder, houve

um silenciamento de tal proposta, pois o que se desejava era aumentar a

velocidade do avanço tecnológico do país, ao mesmo tempo em que se

reprimia toda e qualquer iniciativa de contestação ao militarismo. No que se

refere ao âmbito educacional, as vozes dos alunos e dos professores foram

silenciadas, ocorrendo simultaneamente um processo de privatização do

ensino como resultado da desestruturação do sistema.

No Ensino Superior, proliferaram as universidades particulares,

freqüentadas por uma quantidade razoável de estudantes de classes sociais

de baixa renda, recebendo um ensino inferior ao oferecido nas instituições

mantidas pelo governo, que, segundo Possamai (2003), conseguiram manter

uma boa performance até os decretos-lei de 1966-67, apesar do retrocesso

do regime militar.

As décadas de 1960 e 1970 do século XX foram marcadas pela

articulação da tendência tecnicista (assumida pelo grupo militar) e

tecnocrata. A ditadura militar como um movimento político retrógrado e

Page 31: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

31

autoritário veiculava ideologias do regime face à degradação de ideais

comunistas mostrados como ameaça para a saúde do Estado e da ordem

pública.

O conceito de modernização passara a caracterizar os processos de

transição que os países e nações consideradas ―atrasados‖, ou

―subdesenvolvidos‖, deveriam alcançar, atingindo os níveis de renda,

educação e produtividade tecnológica característicos dos países

industrializados. Assim, ocorreu o processo de modernização conservadora,

marcado por acelerados progressos da tecnologia e da economia, em

detrimento das esferas política e social. Priorizou-se principalmente, a

consolidação dos mercados de massa e a sofisticação do consumo que por

sua vez acelerariam o progresso da tecnologia e da economia.

A educação escolar passou a ser estruturada em função do mundo

empresarial (da mercadoria e do lucro), sobretudo, durante os anos 1960,

período marcado pelo empenho estatal em sistematizar a educação, por

meio de medidas como as promulgações da primeira Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional nº 4024/61 e de suas sucessoras, a Lei

5540/68 do Ensino Superior e a Lei 5692/71 para o Ensino Básico.

As políticas educacionais adotadas eram vinculadas aos objetivos

explícitos de desenvolvimento econômico, com acentuada valorização da

qualificação de mão-de-obra e formação de consumidores, que por sua vez

serviam de elemento disciplinador da sociedade brasileira.

. Com relação a esses aspectos Marques (2003, p.18), afirma que

ocorreu um ―processo de empobrecimento e degradação institucional e as

Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras se multiplicaram à margem da

dinâmica universitária, como escolas normais para formação de professores

secundários‖. Transformaram-se em centros de transmissão escolástica de

conhecimentos, sem nenhuma ou pouca relação com a pesquisa ou ligados

aos padrões de ensino considerados modernos.

Na década de 1980, surgiram movimentos de âmbito nacional em que

os professores buscavam a afirmação profissional, considerando-se

trabalhadores da educação, defendiam melhores condições de trabalho e de

salários, bem como a gestão democrática da escola de qualidade para

Page 32: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

32

todos. Essas questões, segundo Pereira (2006), continuam bastante

presente nas discussões atuais.

Na década de 1990, por meio do ―[...] ideário neoliberal surgiram

mudanças na educação influenciadas pelo movimento instaurado

mundialmente pela UNESCO e pelo BIRD/Banco Mundial, bem como pelo

Fundo Monetário Internacional‖ (PIETRI, 2005, p. 42). No Brasil houve

reflexos desse movimento que resultou na concretização do Plano Decenal

de Educação para Todos e nas reformas que levaram à formulação das

Diretrizes Curriculares e dos Parâmetros Curriculares Nacionais e na

implantação do sistema de avaliações dos diversos níveis do ensino, como

o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o Exame Nacional de Cursos

(ENC-provão) etc.

Para Pietri (2005 p. 43), os sistemas de avaliações, podem constituir,

em alguns casos e em algumas instituições, um ―novo liberalismo‖ político

que coloca o ensino, ―[...] a serviço das competências e habilidades, a fim de

que os indivíduos se adaptem à sociedade e às vicissitudes do mundo do

trabalho e estejam aptos a competir no interior da lógica do mercado,

fundamentada na exacerbação do individualismo‖.

Segundo Freitas (2003, 1108), a discussão sobre as habilidades e

competências escolares enfatiza excessivamente o que acontece em sala de

aula em termos de transmissão de conteúdos e a ação do professor, ―[...]

dando margem para definição de políticas educacionais baseadas

exclusivamente na qualidade da instrução e do conteúdo‖. Afirma ainda a

autora que:

A lógica das competências individuais passa a conformar as subjetividades, via formação de professores, e a educação das novas gerações. A fim de inseri-las desde a mais tenra idade na lógica da competitividade, da adaptação individual aos processos sociais e ao desenvolvimento de suas competências para empregabilidade ou laboralidade. É este processo de regulação do trabalho, de habilidades, atitudes, modelos didáticos e capacidades dos professores, que vem orientando as diferentes ações no campo da formação. (FREITAS, 2003, p. 1109).

A lógica das competências, prossegue Freitas (2003), induz à

responsabilização individual pelo aprimoramento profissional, o que afasta

Page 33: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

33

os professores de sua categoria profissional como corpo coletivo e, em

conseqüência fragiliza suas organizações.

Pode-se dizer que, apesar do aumento significativo dos debates em

torno da formação de educadores, é inegável a existência da crise

educacional brasileira. Segundo Gadotti (1987), a educação, a partir da

década de 1980, vive um período de deteriorização, como conseqüência da

política orientada para tecnoburocracia a serviço do estado burguês, que

não quer investir na qualidade, já que o lucro vem da quantidade e não da

qualidade.

Segundo Pereira (2006), nesses últimos anos, foram oferecidos

muitos cursos de Licenciaturas em faculdades isoladas, bem como foi dada

a permissão do exercício profissional para pessoas não habilitadas. Isso

vem ocorrendo por conta da expansão da rede de ensino, cujo número de

vagas e de matrículas nas escolas não vêm acompanhado, segundo o autor,

de investimentos correspondentes por parte do governo na área

educacional. Nesse contexto, o professor vem sendo paulatinamente

desvalorizado e até criticado no que tange ao seu fazer docente.

A docência no ensino superior: os modelos e paradigmas que orientam

a atividade dos professores nas universidades

Muitos temas polarizam as atenções dos pesquisadores, com relação

a docência no ensino superior no Brasil, no entanto, ainda há poucos

estudos sobre a atividade docente do professor universitário e sobre as

condições em que esses profissionais ingressaram e passaram a atuar na

vida acadêmica.

Além das questões que dizem respeito aos saberes pedagógicos e

epistemológicos mobilizados na docência, há muitas outras questões no

interior das universidades e instituições de ensino superior, principalmente

porque temos no Brasil uma gama de classificações institucionais1 em

1 A configuração da educação superior do Sistema Federal de Ensino Brasileiro,

estabelecida a partir da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, apresenta sucessivo decretos que classificam as instituições

Page 34: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

34

relação a esse nível de ensino, o que revela por sua vez, mais uma tensão

no bojo dessas instituições, principalmente no que diz respeito a três das

suas funções básicas: ensino, pesquisa e extensão.

Esse tem se configurado um campo de ação complexo, multifacetado,

que depende de inúmeras variáveis, a começar pelo reconhecimento da

docência no ensino superior enquanto profissão. Torna-se necessário

compreender o momento de mudanças pelo qual passa a educação

brasileira e, em especial, a reforma universitária, que se fundamenta na

reestruturação do mundo do trabalho e na legitimação das políticas

neoliberais, que inegavelmente têm reflexos na docência universitária.

Diante dessa conjuntura, é preciso considerar que as reformas universitárias

são mais que reformas pragmáticas2, são sim, paradigmáticas3, que

deveriam por sua vez aguçar nossa aptidão para organizar melhor as formas

de aquisição do conhecimento ou de formação dos estudantes. Como afirma

Morin, (1999, p. 15)

Uma reforma da Universidade suscita um paradoxo: não se pode reformar a instituição (as estruturas universitárias), se anteriormente as mentes não forem reformadas; mas se pode reformar as mentes se a instituição não for

desse nível de ensino, a saber: Decreto nº 2.207/97 Art. 4º I – universidades; II centros universitários; III faculdades integradas; IV faculdades; V institutos superiores ou escolas superiores. Decreto nº 3.860/01 Art. 7º - I universidades; II centros universitários; III faculdades integradas, faculdades institutos ou escolas superiores. 2 Pragmatismo - empregado inicalmente por William James, em 1898. Para ele o

Pragmatismo aborda o conceito de que o sentido de tudo está na utilidade - ou efeito prático - que qualquer ato, objeto ou proposição possa ser capaz de gerar. Uma pessoa pragmatista vive pela lógica de que as ideias e atos de qualquer pessoa somente são verdadeiros se servem à solução imediata de seus problemas. ( RUSS, 1994, P.225). 3Paradigma – Segundo Khun a palavra paradigma pode ser entendida como uma

concepção de mundo: pretende sugerir que "certos exemplos da prática científica atual - tanto na teoria quanto na aplicação - estão ligados a modelos conceptuais de mundo dos quais surgem certas tradições de pesquisa". Em outras palavras, uma visão de realidade atrelada a uma estrutura teórica a priorística, aceita, estabelece uma forma de compreender e interpretar intelectualmente o mundo segundo os princípios constantes do paradigma em vigor. (KHUN, 1996, p. 121). Para Kuhn (1962) o paradigma é como um veículo para a teoria científica. Ele informa ao cientista que entidades a natureza contém ou não contém, bem como as maneiras segundo as quais essas entidades se comportam. Estas informações fornecem o mapa cujos detalhes serão elucidados pela pesquisa científica amadurecida. Para Zeichner (1993, p. 3), em relação a formação docente, esse termo remete a ―uma matriz de crenças e concepções sobre a natureza e o propósito da educação escolar e da prática docente e, conseqüentemente, sobre as maneiras como deve ser educado o professor, modelando formas específicas de práticas na formação desse profissional‖.

Page 35: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

35

previamente reformada.

Entende-se que diante das reformas é necessário que se discuta os

modelos, os paradigmas, ou as formas de pensar das pessoas que estão

envolvidas nesses processos, pois tal contextualização ajuda a situar os

sujeitos.

Com relação a finalidade da universidade ou do ensino superior,

possivelmente nos deparamos com outro desafio que também está

relacionado com os paradigmas ou modelos que afloram culturalmente no

interior dessas instituições. Parece não haver um consenso entre aqueles

que discutem essa temática, como afirma Belloni (1992, p. 71), ―[...] apesar

de existir por vários séculos e em países profundamente distintos entre si,

não há um conceito único e universalmente válido de universidade, nem

suas funções são as mesmas em tempos e em espaços diferentes‖. Pode-se

dizer que há convergência de opiniões de que o lugar ocupado por estas

instituições na sociedade se insere no campo da geração e divulgação do

saber. Todavia, não há unanimidade quando se trata de discutir o conjunto

de funções de que essa se vale para cumprir seus objetivos.

Historicamente, as universidades vêm recebendo várias influências,

que se traduzem em concepções, idéias, ações, que são desenvolvidas no

âmbito da instituição e também na sala de aula pelos professores e, que

geram vários desafios relacionados à organicidade dessas instituições, bem

como aos três grandes processos que permeiam a atividade nesse nível de

ensino: processos de transmissão e apropriação do saber historicamente

sistematizado, que relacionam-se com as questões do ensino; processos de

construção do saber, ligados à Idéia de pesquisa; e processos de

objetivação ou materialização desses conhecimentos, que pressupõem por

sua vez, a intervenção sobre a realidade.

Aparentemente todos esses processos converteram-se em tensões

entre as instituições de ensino superior em geral, justamente por conta dos

sucessivos decretos que regulamentam a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional de 1996, relativos ao ensino superior no Brasil4.

4Decreto nº 3.860/01 – estipula que somente as universidades poderão desenvolver

atividades de ensino, pesquisa e extensão, atendendo os artigos 52, 53 e 54 da Lei 9.394,

Page 36: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

36

Principalmente o decreto de nº 3.860/01 abre uma discussão sobre a

indissociabilidade das atividades de ensino, pesquisa e extensão como

funções básicas das universidades, criando, por sua vez, um certo

desconforto no que se refere também aos objetivos ou funções básicas dos

estabelecimentos não universitários, isolados e voltados muitas vezes, a

modelos e racionalidades que pouco contribuem para a formação dos seus

estudantes. Com relação a isso, Claudio Moura e Castro, afirma que esse

decreto divide o ensino superior e sugere que as universidades plenamente

constituídas estão voltadas para as elites, pois a presença da pesquisa se

configura como critério diferenciador em relação a outras funções5.

Ao se transitar pelas bibliografias e pesquisas sobre a docência no

ensino superior constata-se que a universidade no Brasil segue alguns

modelos, ou idéias importados de outros países tais como a França, a

Alemanha e Estados Unidos. Isto sugere que os processos desenvolvidos no

interior dessas instituições estão alavancados em princípios que pouco têm

a ver com a realidade brasileira, mas que, conseqüentemente, vão

influenciando o contexto da vida profissional dos professores, as relações

entre ensino e pesquisa, os currículos e os posicionamentos dos sujeitos

envolvidos nesses processos.

Considerando que a universidade é a principal instituição de produção

e distribuição do conhecimento, como também, o lugar de reprodução dos

modos de fazer ciência, cabe nesse momento, refletir sobre a formação

acadêmica no interior dessas instituições uma vez que tal formação não se

faz com um único conteúdo, mas com a integração de vários conhecimentos.

A responsabilidade do docente por cada disciplina do currículo não se limita

ao cumprimento do plano de ensino, mas compreende também o

compromisso com a construção de conhecimento e com a aprendizagem

significativa dos seus estudantes.

de 1996. Sendo que com relação as outras instituições não consta dos decretos a obrigatoriedade de desenvolverem tais atividades. 5 Folha de São Paulo, 2 set. 1996, Caderno 3, p. 10.

Page 37: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

37

Os modelos que estruturam a universidade brasileira

A maior parte da literatura referente a fundação das universidades

no Brasil revela a grande influênciarecebida do modelo francês que na

primeira metade do século XIX apresentava uma grande singularidade em

relação a todos os outros países europeus: há que considerar-se que

Napoleão abolira as universidades pela Convenção do dia 15 de setembro

de 1793. A partir deste ato, as universidades eram mal vistas pelos

revolucionários franceses devido ao espírito corporativo - quase medieval -

nelas existente e à ênfase na cultura clássica, que impedia a entrada das

ciências experimentais e do enciclopedismo.

Em síntese: a universidade francesa era vista como um aparelho

ideológico do Antigo Regime. Nesse sentido, a primeira e principal idéia

adotada para o ensino superior brasileiro, desde a chegada da Corte

portuguesa ao Rio de Janeiro, foi a recusa da criação de uma universidade,

preferindo a fundação de faculdades isoladas. Essa posição foi assumida

por muitos governantes brasileiros, fazendo com que a Assembléia Geral

Legislativa deixasse de aprovar 42 projetos de criação de universidades no

período imperial. (CUNHA, 1986, p. 137). A universidade francesa, sob esta

ótica seguia um modelo anti-universitário, com características

profissionalizantes.

No modelo francês, o essencial era a busca do domínio e o controle

da natureza e da sociedade, via ciência, que é o fio condutor na busca

interessada do conhecimento a serviço do desenvolvimento e do progresso.

O domínio do conhecimento significa poder, que gera controle dos

processos naturais e sociais. Segundo Anastasiou (1998, p. 117), ―[...]

ciência é julgada pelos seus resultados e por sua eficácia‖. Nesse caso,

segundo a autora, a ciência está ligada a metas da sociedade representada

pelo Estado, qualquer que seja sua forma de constituição. Existe assim, uma

dependência do Estado, incluindo financiamentos e nomeações das

autoridades universitárias.

A universidade napoleônica não se preocupava com a pesquisa

científica, mas havia, segundo Anastasiou (1998), a preocupação com a

Page 38: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

38

preparação dos quadros superiores do país: médicos, juristas, professores,

engenheiros, técnicos de nível superior. Nesse caso a universidade educa

para assegurar, segundo a autora, o desenvolvimento e a sobrevivência do

Estado e da sociedade civil.

A autora explica que do ponto de vista metodológico, o ensino era

predominantemente centrado no professor repassador e no estudo das

obras clássicas de cada época, e de cada especificidade profissional, onde

destacava-se o papel da memorização do conteúdo pelo aluno. A avaliação

era essencialmente classificatória, decorrente das decisões dos professores,

revelando uma relação professor/ aluno extremamente autoritária. Havia

predominância de aulas expositivas, sem compartilhamento de situações de

aprendizagem ou pesquisas conjuntas, o que deixava uma série de lacunas

na relação teoria e prática. Havia ainda a preocupação com o cumprimento

do programa, por meio das aulas régias.

Além da influênciafrancesa é preciso considerar as influencias que a

universidade brasileira recebe do modelo alemão ou humboldtiano, que

valorizava a ciência e a auto-investigação empírico-indutiva. Neste modelo, a

ênfase estava na pesquisa, na produção do conhecimento como forma de

responder aos problemas nacionais, na busca da verdade, respaldados num

processo de reflexão filosófica, que ia além do utilitarismo ou da

profissionalização que vinham sendo realizados pelos institutos que seguiam

o modelo francês. O modelo humboldtiano tinha uma preocupação com a

pesquisa e com a unidade entre ensino e investigação científica, ênfase na

formação geral e humanista, ao invés da formação meramente profissional.

Court ( 1976, p. 216), explica que

[...] a docência nesse modelo é uma atividade livre, uma associação cooperativa entre professores e alunos, sem que ambos se submetam a um plano feito de antemão visando a profissionalização sob um currículo pré- determinado. Não se estabelece uma forma exterior de controle aos professores e alunos.

O professor não existia para o aluno, mas ambos para a ciência.

Diferenciava-se do modelo francês em que a docência buscava a obtenção

de um título reconhecido pelo Estado, que exigia por sua vez um plano de

Page 39: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

39

estudos detalhado, o que levava a uma regulamentação uniforme a que

estavam submetidos os docentes e os discentes.

No modelo alemão a pesquisa se tornou característica básica da

escola superior, ficando a transmissão do saber acumulado como

decorrência natural. Como afirma Anastasiou (1998), o foco não era o

ensino, mas a livre pesquisa, o que caracteriza:

[...] uma universidade elitista, assegurando uma relação seletiva do ponto de vista social quanto intelectual. Ao adentrar na universidade o estudante já portava sólida formação básica, tanto do ponto de vista humanístico quanto científico, o que lhe possibilitava um trabalho intelectual independente, assim como maturidade para orientar-se por conta própria nos seminários, onde o professor elaborava sua própria doutrina. (ANASTASIOU, 1998, p. 124)

Com relação a esse aspecto, Paula (2002) afirma que apesar das

diferenças existentes entre a concepção francesa e a alemã, havia em

ambas uma preocupação com a questão nacional, ou seja, com a afirmação

da nacionalidade. No primeiro caso, esta preocupação conduziu a uma visão

mais pragmática de universidade, voltada para os problemas emergentes de

ordem econômica, política e social, numa forma autoritária (de grande

centralização e controle estatais). No modelo alemão, a preocupação com a

constituição da nacionalidade se deu numa vertente mais liberal-elitista, com

maior autonomia da universidade diante do Estado, desembocando numa

concepção mais idealista e acadêmica.

Segundo essa mesma autora, a concepção alemã passou por várias

transformações e desvios ao longo da história, dentre os quais destaca-se a

diminuição da autonomia e da liberdade acadêmica, com conseqüente

vínculo dos intelectuais à política estatal, e uma guinada em direção ao

pragmatismo, sob influência do modelo norte-americano de universidade.

A concepção norte-americana influenciou não apenas as

universidades européias, como a alemã, mas também as universidades

latino-americanas, como as brasileiras. No Brasil, esta concepção foi

difundida a partir da Reforma Universitária de 1968, atingindo a estrutura

organizacional e as finalidades das universidades. Paula (2002) afirma que,

Page 40: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

40

a Lei 5540, responsável pela Reforma de 1968, incorporou várias

características da concepção universitária norte-americana, dentre as quais

se destacam:

vínculo linear entre educação e desenvolvimento econômico, entre

educação e mercado de trabalho;

estímulo às parcerias entre universidade e setor produtivo;

instituição do vestibular unificado, do ciclo básico ou primeiro ciclo

geral, dos cursos de curta duração, do regime de créditos e matrícula

por disciplinas, todas estas medidas visando uma maior

racionalização para as universidades;

fim da cátedra e incorporação do sistema departamental;

criação da carreira docente aberta e do regime de dedicação

exclusiva;

expansão do ensino superior, através da ampliação do número de

vagas nas universidades públicas e da proliferação de instituições

privadas, o que provocou uma massificação desse nível de ensino;

a idéia moderna de extensão universitária;

ênfase nas dimensões técnica e administrativa do processo de

reformulação da educação superior, no sentido da despolitização da

mesma. (PAULA, 2002)

No modelo norte-americano, a instituição universitária procura

associar estreitamente os aspectos ideais (ensino e pesquisa) aos funcionais

(serviços), estruturando-se de tal maneira, que possa ajustar-se às

necessidades da massificação da educação superior e da sociedade de

consumo. Ao adotar a forma empresarial, boa parte das universidades

procura atender aos interesses imediatos do setor produtivo, do Estado e da

sociedade, produzindo especialistas, conhecimento tecnológico e aplicado,

pesquisas de interesse utilitário, assim como serviços de uma maneira geral.

O ideal da concepção alemã de universidade, voltada para a formação

humanista, integral e ―desinteressada‖ do homem, tendo como base uma

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, é crescentemente substituído pela

racionalização instrumental e pela fragmentação do trabalho intelectual.

Page 41: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

41

Observa-se assim, que os problemas do ensino superior brasileiro

estão relacionados, sem dúvida alguma, às questões históricas que vêm

gradativamente alterando seus princípios éticos, políticos, bem como sua

dimensão didático-pedagógica. Todos, por sua vez, estão essencialmente

ligados às questões financeiras e gerenciais, tal como ocorre em tantas

outras sociedades cujos governos copiaram suas instituições educacionais

do exterior.

É consenso entre os muitos pesquisadores brasileiros, que não existe

um conteúdo cultural próprio, apesar das leis, normas e regulamentos que

são baixados periodicamente para reger as instituições educacionais.

Observa-se também, que o ensinar e o aprender, e as formas de se produzir

conhecimentos no ensino superior conservam, em sua estrutura atual,

elementos advindos desses modelos historicamente construídos e porque

não afirmar, impostos. Com relação a isso, pode-se afirmar que houve de

um lado contribuições importantes, mas por outro, a organização do

conhecimento acadêmico se tornou refém de seus próprios princípios que de

certa forma definiram a construção dos currículos e as práticas em sala de

aula.

É justamente nesse processo de construção dos currículos e das

práticas docentes, que surgem os entraves relacionados à indissociabilidade

entre o ensino, pesquisa e extensão como tarefa embrionária do ensino

superior. É possível que muitos dos problemas que vêm ocorrendo em

relação a atuação dos professores no âmbito universitário resida na visão

fragmentada e instrumental do trabalho intelectual adotado dos modelos

importados que influenciaram o ensino superior brasileiro especialmente,

nessas últimas décadas, em especial o do modelo norte-americano, que é

explicitado, por uma visão dicotômica, taylorista, que converte o ensino, a

pesquisa e a extensão, em atividades em si mesmas.

Paradigmas contemporâneos na formação docente

Ao longo dos capítulos anteriores, buscou-se apresentar os modelos

presentes nas universidades e instituições de ensino superior, tentando

Page 42: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

42

estabelecer uma relação entre esses modelos e as formas que os processos

e formação docente vão tomando no decorrer da historia, principalmente

sobre as imbricações existentes, na relação entre as políticas públicas e as

instituições, entre os modelos universitários existentes e a implantação e

manutenção dessas instituições.

Dessa forma, concorda-se com Morin (2000, p.81-82), quando esse

afirma que, ―[...] a universidade conserva, memoriza, integra e ritualiza uma

herança cultural de saberes, idéias e valores que acaba por ter um efeito

regenerador, porque a universidade se incumbe de reexaminá-la, atualizá-la

e transmiti-la‖. Por isso, a universidade é segundo o autor ―[...] conservadora,

regeneradora e geradora‖. Tendo assim, ―[...] uma função que vai do

passado ao futuro por intermédio do presente‖.

Pode-se dizer que no que se refere a formação docente, as

instituições conservam e transformam a realidade. Entende-se que há ainda

um espaço considerável para reflexões que tenham seu foco na formação de

professores, visto que essa questão é constituída por especificidades, como

a história da profissão e da educação no Brasil. Considera-se que a menor

variação de organização nas políticas públicas, no currículo institucional ou

na política econômica do país, interfere ou influênciaas tendências e/ou

concepções de formação de profissionais não só da área da educação, mas

também de outras formações.

Segundo Pimenta (2005), as distintas perspectivas, avanços e

tentativas de inovação que se encontram nos diferentes cursos de

licenciaturas no Brasil, muitas vezes, remetem-nos à possibilidade, mesmo

que estranhamente à nossa vontade, de repetirmos experiências já

superadas ou pior, incorrermos em deslizes que podem representar entraves

ao avanço e desenvolvimento da área.

As instituições de ensino superior, além dos modelos já descritos até

agora, defrontam-se com propostas curriculares para a formação de

professores, embasadas em diferentes paradigmas que se fundamentam

segundo Pereira (2007), ora na racionalidade técnica, ora no modelo de

racionalidade prática ou no modelo de racionalidade crítica.

Numa rápida revisão desses modelos de formação, pode-se observar

que essas dimensões compõem tanto os currículos de formação de

Page 43: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

43

professores quanto a própria constituição da profissionalidade dos

professores formadores, uma vez que sua atividade docente vincula-se as

suas experiências enquanto sujeito que, ao longo de sua trajetória

educacional e profissional sofre influências das formas de organização e da

lógica da instituição onde atua. A própria representação da docência no

ensino superior, assume traços que contribuem para a configuração da

profissionalidade do professor.

Assim, segundo Pereira (2007, p. 255), o modelo da racionalidade

técnica está relacionado com ―[...] o modelo de treinamento de habilidades

comportamental, no qual o objetivo é treinar professores para

desenvolverem habilidades específicas e observáveis‖. O autor salienta

ainda que o modelo leva à idéia de transmissão de conteúdo científico e

pedagógico, geralmente ignorando as habilidades da prática de ensino.

O modelo da racionalidade técnica segundo Santos (2007), é uma

herança do positivismo, que traz a idéia de que o desenvolvimento humano

se dá em decorrência do desenvolvimento científico, no sentido de criar

tecnologias para o bem estar da humanidade. A concepção positivista,

segundo Cunha (2006) foi responsável pela consolidação dos paradigmas

científicos ainda atuais, que de um lado trouxeram contribuições importantes

para a sociedade, e de outro lado tornaram a organização do conhecimento

acadêmico refém de seus princípios, ou seja, a comunidade científica

envolveu-se segundo a autora, ―[...] numa capa de neutralidade, como se o

seu fazer estivesse livre de interesses e despojado de vaidades‖ (CUNHA,

2006, p.20).

Com relação a essa concepção, Santos (2007, p. 238), aponta limites,

tais como a complexidade dos fenômenos na atualidade, repleta de

incertezas, instabilidades, singularidades e conflito de valores que colocam a

racionalidade técnica em xeque. Segundo a autora,

[...] na prática, os problemas não se apresentam já definidos ou dados ao profissional. A problematização da realidade vai depender do quadro de referências políticas e filosóficas do profissional que envolve a sua tomada de decisões no que se refere aos fins e os meios para atingi-los.

Page 44: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

44

Nem sempre isso se processa de forma simples, justamente por conta

das contradições que estão presentes no complexo contexto atual que entra

em choque com a valorização acirrada da especialidade. Santos (2007,

p.238), afirma ainda que ―[...] é preciso considerar a característica da prática

profissional, que é desenvolver uma série de ações que as pessoas não

sabem descrever com precisão‖. Isso evidencia que existem saberes que se

constituem no fazer. Com relação a isso, ainda Santos (2007,p. 238) afirma

que, muitas vezes a rotina e a repetição fazem o conhecimento prático se

tornar tão espontâneo que os profissionais não refletem sobre o que estão

fazendo.

Quando se trata do modelo da racionalidade prática a referência é

Donald Schön (2000), que valoriza a prática profissional como momento de

construção de conhecimento, o qual exige reflexão, análise e

problematização. Para o autor, a atuação do professor implica o

conhecimento prático (conhecimento na ação, saber-fazer); a reflexão-na-

ação (a transformação do conhecimento prático em ação); e uma reflexão-

sobre-a-ação e sobre a reflexão-na-ação (que é o nível reflexivo).

Segundo Contreras (2002, p. 114), as concepções de Schön, não são

novas no campo da educação, pois Stenhouse havia defendido tal idéia.

Contreras explica que Stenhouse concebe o ensino como arte, visto que

significa a expressão de certos valores e de determinada busca que se

realiza na própria prática do ensino. Para Stenhouse os docentes são como

artistas que melhoram a arte, experimentando e examinando-a criticamente.

Compara a busca e experimentação de um professor com a que realiza por

exemplo, um músico tentando extrair o que há de valioso em uma partitura

ao tentar experimentá-la, pesquisando possibilidades, examinando efeitos,

até encontrar o que para ele expressa seu autêntico sentido musical.

Surgiram críticas de pesquisadores do mundo inteiro, inclusive do

Brasil, sobre o conceito do professor como profissional reflexivo, inspirado

nas idéias de Schön. A principal crítica é que o autor concebe a reflexão

como processo psicológico individual.

Os que se contrapõem a perspectiva de Schön argumentam que é

necessário criar espaços e condições de formação que possibilitem ao

professor pensar, questionar, refletir sobre as questões do cotidiano, agindo

Page 45: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

45

sobre elas de forma coletiva. Essa formação deve ser vista como um

processo permanente integrado ao dia-a-dia dos professores – considerados

como protagonistas ativos nas diversas fases do processo de formação.

Associada a essa concepção, segundo Contreras (2002), surge a de

professor como pesquisador, que tem como foco principal a prática da

pesquisa enquanto expressão de determinados ideais educativos.

O terceiro modelo de formação de professores destacado por Pereira

(2007), é o da racionalidade crítica, que concebe o professor como

intelectual crítico, e visa a compreensão dos fatores sociais e institucionais

que condicionam a prática educativa. Segundo Contreras (2002), o

intelectual crítico está preocupado em potencializar aspectos da sua prática

que conservam uma possibilidade de ação educativamente valiosa e que

leve a uma situação de oposição ou de resistência a grande parte dos

discursos ideológicos e demagógicos que permeiam o sistema escolar.

No modelo da racionalidade crítica, o professor deve levantar os

problemas que emergem dos sistemas escolares de forma dialógica e

crítica, diferentemente do modelo técnico que tem uma concepção

instrumental de tais problemas e do modelo prático/ reflexivo que tem uma

perspectiva mais interpretativa. Ocorre, segundo Pereira et al (2007), que no

modelo crítico há uma perspectiva mais política, social e cultural, que nos

outros dois modelos. A educação tem como função principal, a formação do

homem, sem contudo, desvinculá-lo do contexto em que está inserido. Do

ponto de vista da interação professor-aluno, o modelo crítico propõe uma

relação próxima, positiva, amigável, ultrapassando o enfoque tecnicista, bem

como a concepção tradicional.

Na perspectiva crítica é possível vislumbrar dois princípios

organizacionais e de funcionamento: a convicção de que os espaços

institucionais devem ser democraticamente constituídos, por expressarem e

contemplarem a diversidade e a pluralidade de pensamento, e também

devem ser espaços legítimos para efetivar o processo educativo de

qualidade, resultado da participação dos sujeitos nos processos decisórios, o

que se traduz no fortalecimento de práticas colegiadas

Santos (2007, p 251), afirma que apesar da grande ―[...] popularidade

no meio acadêmico da chamada tendência crítica, esta tem exercido

Page 46: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

46

pequena influência na prática cotidiana das escolas‖. Segundo Nóvoa

(1995), tal tendência tem sido difícil de implementar no processo de

formação inicial docente. Parece existir uma tensão entre o medo e a

coragem de romper com as convicções construídas com base nas

experiências vivenciadas pelos professores formadores, o que gera

dualidades entre objetividade/subjetividade,processo/produto, razão/intuição,

teoria e prática.

Daí também as visões dicotômicas que existem entre a formação de

bacharéis e licenciandos, entre ensinar e aprender. Desconsidera-se nesses

casos que toda a ação humana pressupõe a consciência de uma finalidade

que precede a transformação concreta da realidade natural ou social. A

atividade humana deve ser consciente e autocriativa, e necessita por sua

vez de uma mediação consciente por parte dos professores universitários o

que implica re-estruturação de suas formas de pensar, bem como das

atividades de ensino e aprendizagem.

Pensar a universidade a partir de seus objetivos básicos de formação,

da geração de novos conhecimentos e disseminação desses conhecimentos

é um processo complexo face à natureza e diversidade do trabalho

acadêmico, que apresenta também uma diversidade conceitual e prática que

interfere expressivamente no ―pensar‖ e no ―fazer‖ no interior da

Universidade.

Com relação a isso, é grande o desafio de formar um educador que

seja capaz de colaborar na construção de conhecimentos socialmente

significativos, principalmente se levarmos em consideração que na dinâmica

das atividades desenvolvidas nas universidades encontramos ainda um

espaço de poder que define limites e propriedades para os que o dominam.

Cada indivíduo ou departamento tem, segundo Cunha (2005), uma

especialidade e o respeito para com o campo do colega, mas também reage

quando sente invadido seu terreno de saber. Outras vezes, nos deparamos

com profissionais muito ligados aos títulos que qualificam as pessoas.

Ainda segundo a autora, os títulos obtidos pelos sujeitos devem ser

entendidos como uma forma de aprofundamento por parte das pessoas, em

se tratando de conhecimentos específicos, mas também devem proporcionar

aos sujeitos condições para que reflitam sobre outros campos de saberes,

Page 47: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

47

para que possam ajudar na estruturação de novas formas de pensar os

contextos em que estão inseridos, suas relações e seus princípios. Quando

os sujeitos ficam limitados aos seus saberes específicos, pode ocorrer certo

comodismo frente a esses saberes, levando-os a uma práxis repetitiva e não

a uma ―práxis inventiva, como afirma Lucarelli (1994, p. 11).

Assim, torna-se necessário uma significativa reflexão sobre a

compreensão do processo de distribuição/produção do conhecimento que

ocorre no interior das instituições de ensino superior, sejam elas instituições

universitárias ou não universitárias.

As licenciaturas: problemas e alternativas

Como explicitado anteriormente, a universidade é a principal

instituição de produção de conhecimento, mas também tem sido o lugar de

reprodução do ensinar, de fazer ciência e formar profissionais para o

mercado de trabalho das diferentes sociedades. É notório que muitos fatores

interferem nos processos de mudança da universidade, entre eles aqueles

que têm a ver com a organicidade das universidades, das atividades

docentes que são desenvolvidas no interior dessas instituições, com a visão

que se tem das atividades de ensino, pesquisa e extensão e do próprio

conflito, no que se refere a essas funções nas instituições não universitárias,

entre outras.

Nesse sentido, pergunta-se: como estão os processos de formação

de professores no interior das universidades e também nas faculdades

integradas ou institutos superiores? O que vem ocorrendo com os cursos de

formação de professores no Brasil, considerando os modelos e paradigmas

que pairam sobre a universidade e os cursos e licenciaturas?

Sabe-se que no bojo das discussões sobre a formação de professores

no Brasil ainda se escondem opções e visões de mundo que precisam ser

desveladas se quisermos ir além das primeiras impressões que surgem a

respeito da profissionalização e do profissionalismo dos professores. No

Brasil, segundo Marques (2003, p. 16), tornou-se comum encontrar críticas

Page 48: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

48

ao processo de formação de professores, o qual, por sua vez, vem sendo

discutido por muitos pesquisadores e até mesmo por aqueles que não estão

diretamente ligados à educação.

Não podemos criar a ilusão de soluções fáceis para problemas da

educação e da formação de professores, pois, segundo Freitas (2007, p.

1204), ―[...] as condições perversas que historicamente vêm degradando e

desvalorizando a educação e a profissão docente se mantêm em nosso

país, em níveis bastante elevados‖. Essa autora afirma ainda que:

A má qualidade da formação e a ausência de condições adequadas de exercício do trabalho dos educadores se desenvolvem há décadas, em nosso país, e em toda a América Latina, de forma combinada, impactando na qualidade da educação pública, em decorrência da queda do investimento público e da deterioração das condições de trabalho dos educadores e trabalhadores da educação. (FREITAS, 2007, p. 1204).

Tais idéias corroboram as de Gatti (1992), quando a autora apresenta

uma série de questões encontradas no âmbito da formação dos professores.

Entre elas, podem-se citar: a desvalorização do patrimônio de experiência e

conhecimento de que dispõem os professores com base em sua prática, o

que implicaria uma mudança na cultura profissional acadêmica; e as

relações que se estabelecem entre as áreas específicas de formação de

professores e a dos conhecimentos gerais que compõem essa formação. A

autora ainda afirma que ―[...] a crise que encontramos no sistema de

formação de professores não é uma crise apenas econômica, organizacional

ou de estrutura curricular, mas uma crise de finalidade formativa ou de

metodologia‖. (GATTI, 1992, p. 72).

A autora afirma que não se tem bem claro o ―[...] perfil desejável ao

professor, e surgem conseqüentemente críticas aos currículos dos cursos

apontados como enciclopédicos, elitistas e idealistas‖ (GATTI 1992, p. 70-

71). Tais críticas comprometem cada vez mais a organização dos currículos,

diluindo a formação geral e criando uma ―[...] formação específica cada vez

mais superficial‖.

Page 49: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

49

Dentre os problemas enfrentados em termos de formação docente,

depara-se, também, com a expansão desenfreada do ensino superior, na

década de 1990. Essa expansão desenvolveu-se principalmente em

instituições privadas, levando, segundo Freitas (2007) à diversificação e

flexibilização da oferta dos cursos de formação, tais como: Normais

Superiores, Pedagogia, Licenciaturas, Institutos Superiores de Educação e

cursos à distancia, que geraram por sua vez uma série de problemas, entre

eles, a desarticulação entre os centros de formação e a realidade da

atividade do professor nas escolas e entre as disciplinas específicas,

pedagógicas e de cultura geral.

Gatti (1992, p. 72) afirma também que há ainda ―muita desconfiança

quanto às possibilidades de contribuição formativa da universidade para com

as escolas‖. Para a autora, as relações entre universidade e escola

aparentemente acontecem num plano formal, no qual pesquisadores se

aproximam das escolas para desenvolverem suas pesquisas ou para que

seus estudantes façam uma carga horária específica de estágio curricular.

Tal situação contribui para uma desarticulação entre a formação acadêmica

e a realidade prática, impossibilitando ou dificultando a visão de propostas

para melhoria dos processos de formação de professores em âmbito

universitário.

Outro dilema que se destaca, diz respeito ao financiamento do ensino

superior, que segundo Avancini (2007), é o grande desafio dos gestores,

pois o montante arrecadado em termos de mensalidades nas muitas

universidades ou instituições de ensino superior mal cobre os custos de

manutenção do curso. Além disso, a procura é muito pequena no que se

refere aos cursos de Licenciaturas, devido às perspectivas de emprego no

futuro, ou seja, os candidatos não se vêem atraídos, segundo Avancini

(2007, p. 2), pela Educação Básica, em virtude dos ―[...] baixos salários,

péssimas condições de estrutura para o ensino e para aprendizagem [...]‖.

Tais condições, por sua vez, levam os egressos desses cursos a

optarem pela vida acadêmica, uma vez que as bolsas de mestrado, por

exemplo, atingem quase que um índice salarial maior que os salários dos

professores que atuam nas redes municipais e estaduais de ensino.

Segundo Avancini (2007, p.2), ―o Brasil é um dos países que menos pagam

Page 50: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

50

os professores‖, conforme informação divulgada em um relatório do

Conselho Nacional de Educação, que verificou também, por sua vez, a falta

enorme de professores no Ensino Médio. A autora afirma que corremos o

risco de um ―apagão do ensino médio‖, caso não sejam tomadas medidas

em caráter emergencial e estrutural, no campo da formação de professores.

Pereira (2006, p. 54) destaca também como mais um dos dilemas

enfrentados pelas Licenciaturas:

[...] a separação entre disciplinas de conteúdo e disciplinas pedagógicas, existente a partir do modelo 3 + 1 em que as disciplinas pedagógicas estavam justapostas às de conteúdo, sem haver nenhuma ou pouca articulação entre os dois universos.

Tal separação leva a um outro dilema, bastante comum nas

universidades, a dicotomia existente entre os cursos de Bacharelado e

Licenciaturas, questão que, segundo o autor, leva a uma fragmentação dos

cursos de formação de professores, assim como a um certo descaso para

com a Licenciatura, conforme segue:

A maioria dos autores acusa uma valorização maior do Bacharelado por sua relação com a formação do pesquisador e um certo descaso com a Licenciatura por sua vinculação com a formação do professor, refletindo, desse modo, o desprezo com as questões relacionadas ao ensino e, mais especificamente, ao ensino fundamental e médio. (PEREIRA, 2006, p. 59-60).

Além disso, segundo esse mesmo autor, nas faculdades de educação,

[...] existe uma certa passividade em relação aos cursos de Licenciaturas, no sentido de que muitas se contentam em dar apenas a complementação pedagógica, mínima e necessária , estipulada por lei aos diversos conteúdos específicos. (PEREIRA, 2006, p. 60).

Lüdke (1994), também afirma que os formadores dos futuros

professores não têm uma visão apropriada da realidade das escolas, o que

contribui para aumentar a distância entre os estudantes de Licenciaturas e a

realidade escolar. O diálogo entre universidade e instituições escolares,

Page 51: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

51

poderia permitir um melhor entendimento da realidade das escolas, e

diminuir o choque que enfrenta o professor iniciante.

Conforme Estrela (1997), a entrada de um jovem na carreira docente,

numa sociedade em mudança, é difícil, conflituosa e, por vezes, frustrante,

podendo provocar uma crise de identidade. Segundo a autora, essa é uma

fase de exploração e descoberta de sua profissionalidade docente, daí a

necessidade da aproximação entre a academia e a realidade escolar, pois é

chegado o momento de se apresentar aos estudantes, futuros professores e

mesmos aos que já atuam na profissão, possibilidades de trabalho

interdisciplinar, os determinantes sociais, políticos e técnicos que afetam o

currículo.

Também é necessário que os estudantes das Licenciaturas

compreendam, desde os primeiros meses de sua formação, os limites e as

possibilidades de sua atuação e de seu papel na transformação da

realidade.

As questões destacadas são difíceis de resolver, contudo algumas

ações propostas por pesquisadores valem ser destacadas, pois podem

ajudar a minimizar os problemas que giram em torno das Licenciaturas no

Brasil, e que se apresentam fortemente como desafios a serem superados.

Nesse caso, Gatti (1992, p. 73) já afirmava no início dos anos 1990,

que é preciso fazer uma análise profunda e integrada das seguintes

questões:

Necessidades formativas, face a situações existentes;

Formas de articulação entre a formação específica,

formação educacional geral e a formação didática

específica, levando em conta os níveis de ensino;

Formas de organização institucional que possam dar

suporte a essas necessidades e novas forma de

articulação;

Formação de formadores, ou seja, de pessoal

adequadamente preparado para realizar a formação de

professores a nível de 3º grau;

Novo conceito de profissionalização dos professores,

baseado na proposta de um continuum de formação.

Page 52: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

52

Além disso, é importante, ainda, segundo a autora, trazer para dentro

das universidades parceiros efetivos, tais como professores e técnicos que

estão na prática escolar, mas não trazê-los como se estivessem vindo a uma

reunião, e sim, integrando-os às discussões. Cabe lembrar que a

responsabilidade das universidades, no que diz respeito à formação de

professores, também está vinculada às suas formas de atuação, no entanto,

observa-se atualmente que essas questões são deixadas de lado,

justamente por conta de uma política sempre emergencial de formação de

professores em nosso país.

Tal situação, leva a refletir que não há como pensar numa formação

inicial de professores de forma dissociada das ações políticas de valorização

do docente formador, o que, por sua vez, traz implícita a melhoria das

condições de trabalho para esse profissional. Afinal o professor formador

pode contribuir significativamente com a qualidade da formação dos futuros

professores. Suas crenças e seus valores frente a todos os aspectos aqui

apresentados se refletem consideravelmente no tipo de formação destinada

aos licenciandos. Pereira (2006, p. 75), adverte que é preciso

[...] romper com uma visão simplista de formação de professores, negar a idéia do docente como mero transmissor de conhecimentos e superar os modelos de Licenciatura que simplesmente sobrepõem o ―como ensinar‖ ao ―o que ensinar.

Além disso, é preciso revalorizar o docente de forma que esse seja

percebido como profissional que se apropria de conhecimentos e de

tecnologias, construídos e difundidos especialmente pela instância

universitária, a qual, por sua vez, necessita acompanhar e aprofundar de

forma sistemática as oportunidades de formação e capacitação de

professores.

Em relação aos cursos de Licenciatura, existem debates intensos que

vêm propiciando inúmeras reflexões e discussões, em simpósios e

encontros de professores e pesquisadores.

Foi possível fazer um levantamento dos principais problemas das

Licenciaturas os quais foram aqui descritos. No entanto, a discussão sobre a

Page 53: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

53

formação de professores nos cursos de Licenciatura ainda requer muitas

análises e pesquisas a fim de se vislumbrar as alternativas possíveis no

cenário brasileiro. Dentre essas, pode-se destacar a questão dos saberes

profissionais docentes e a cultura institucional como matriz importante no

processo de desenvolvimento das atividades docentes.

A cultura institucional e a atividade do professor formador

Incontestavelmente o homem é um ser histórico, e nesse aspecto

pode-se afirmar que o homem é um ser de cultura, herdeiro de um longo

processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquiridos

pelas numerosas gerações que o antecederam. A cultura humana, constitui-

se num conjunto de regras, normas, valores, que o sujeito adquire por meio

das instituições6 das quais ele faz parte em determinada época.

Assim, longe de uma visão racional e determinista, pode-se

considerar que as instituições são elementos formadores do homem social e

contribuem para a constituição da sua subjetividade, lugar em que ele se

julga e age de acordo com seus conceitos, que são resultados de

apreciações de ordem moral e valorativa.

As instituições a que pertencem são permeadas por significações que

envolvem por sua vez: mitos, crenças, símbolos, que podem ser fonte de

alienação ou de criação em relação à sociedade e aos homens que

produzem sua realidade. É quase impossível imaginar a vida social fora de

uma rede simbólica padronizada de acordo com determinada época. As

instituições podem ao mesmo tempo, atuar sobre a psiquê (individual) do

sujeito e sobre sua vida social, que é regulada por meio de códigos de

condutas. As instituições levam à criação de um conjunto coordenado de

6 Instituição: ―[...] instituição é toda a cristalização e fixação que delimita nosso contato

ativo com o mundo exterior e assim dá uma constância previsível às nossas atividades.‖ (STEIN, 1981, p. 39). Muito embora algumas das citações retratem as instituições escolares de modo geral, pretende-se focar que muitas das relações podem ser vistas também nas instituições em que a educação superior acontece.

Page 54: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

54

representações, um imaginário social7, por meio do qual se reproduzem e

designam, em parte, os papéis que os sujeitos assumem. Expressam as

necessidades coletivas, bem como as formas que devem ser seguidas para

suprir tais necessidades. Gómez (2001, p. 131) afirma que,

A escola, como qualquer outra instituição social, desenvolve e reproduz sua própria cultura específica. [...] as tradições, os costumes, as rotinas, os rituais e as inércias que a escola estimula e se esforça em conservar e reproduzir, condicionam claramente o tipo de vida que nela se desenvolve e reforçam a vigência de valores, de expectativas e de crenças ligadas a vida social dos grupos que constituem a instituição escolar. É fácil compreender a influência que esta cultura tem sobre as aprendizagens vivenciais e acadêmicas dos indivíduos que nela vivem, independente de seu reflexo no currículo explicito e oficial.

Observa-se, que para além do que está prescrito em currículos

oficiais, a cultura institucional abre horizontes, como também limita as ações

do sujeito, proporcionando aos que dela fazem parte tanto um ambiente de

liberdade como de represália. Diante disto, a responsabilidade do docente é

―[...] submeter sua prática e seu contexto escolar ao escrutínio crítico, para

compreender a trama oculta de intercâmbio de significados que constituem a

rede simbólica em que se formam os estudantes‖. (GÓMEZ, 2001, p.17).

Considera-se a partir dessa afirmação, a importância de se refletir sobre as

representações e a cultura universitária que o professor constrói como

profissional nas relações que estabelece na instituição à qual pertence,

nesse caso, a universidade.

Não há como não se inquietar com as questões relacionadas a cultura

institucional e com o lugar que ocupa na atividade do professor formador,

visto que pode exercer influência tanto no desenvolvimento de inovações e

emancipação dos sujeitos como também na sua conformação frente a uma

cultura homogênea, fragmentada e pouco significativa. Questiona-se como

tais relações acontecem no âmbito da instituição universitária, uma vez que

7 Imaginário social: Ferreira (1992), imaginário social conta com ―[...] um conjunto

coordenado de representações, com uma estrutura de sentidos, de significados que circulam entre seus membros, mediante diversas formas de linguagem‖

Page 55: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

55

essa deveria ser em sua raiz epistêmica, uma instituição estruturada pelo

veio da pesquisa. No entanto, pode estar cultivando na academia e nos

cursos diversos, a idéia da ordem de produção que a cultura empresarial

geralmente impõe às instituições de ensino. Assim, o perfil de formação

pode estar se moldando à luz dessa visão social e cultural do trabalho.

Gómez (2001, p. 156), escreve que pode haver no âmbito das

instituições duas dimensões no que se refere ao seu funcionamento. Uma

dimensão instrumental e uma dimensão voltada para o desenvolvimento

sociocultural. Dependendo das situações e condições políticas e econômicas

das instituições, pode-se adotar uma ou outra perspectiva, ou ainda, ficar no

centro das duas perspectivas, o que gera tensões e conflitos quando se

discute a atividade docente no âmbito das universidades, visto que as ações

acabam por não levar a nenhum tipo de formação. Os sujeitos ficam

envolvidos num ambiente de ambigüidades, sem saber exatamente aonde

querem chegar.

No que se refere a dimensão instrumental, o conhecimento, em

termos de rendimento acadêmico serve de indicador de eficácia e

legitimação profissional, muitas vezes não importando a forma como são

adquiridos os conhecimentos que são considerados relevantes. Gómez

(2001) alerta que o conhecimento e a verdade se subordinam à busca da

eficácia, da utilidade, do bem estar, da rentabilidade, as quais nem sempre

se vinculam à satisfação e às necessidades coletivas. Nas palavras do autor:

Nesse jogo de pseudoautonomia e liberdade no livre cenário de intercâmbios mercantis, o sistema educativo, perde sua especificidade e sua autonomia real, como espaço de contraste, reflexão e crítica intelectual, convertendo-se em mero instrumento a serviço das exigências do sistema econômico e social. (GOMEZ, 2001, p. 140-141).

As aulas são regidas por rotinas-padrão derivadas de uma concepção

linear e mecânica de conhecimento acadêmico, explicitados segundo o

autor, na forma de transmissão de conteúdos informativos e avaliação

objetiva dos rendimentos, quase sempre voltada à eficácia. Parece não

haver a pretensão de exercer alguma função socializadora dos

conhecimentos, mas a mera transmissão, o que ainda para Gomez (2001, p.

Page 56: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

56

157) ―[...] exime a organização de outras experiências e outros espaços de

convivência informal distintos das aulas como cenários do preestabelecido

intercâmbio acadêmico‖.

Observa que há uma dimensão instrumental, na qual ocorre uma

descontextualização em que se despersonalizam as relações. Não há com

negar que no interior das instituições há um ―emaranhado‖ de situações

conflituosas e de dilemas que supõem um processo de reflexão dos sujeitos

sobre a ação em contexto. A cultura universitária e a formação acadêmica

não se constituem somente nos espaços formais do ensino.

Gómez (2001, p.156), destaca que a qualidade educativa depende

também, ―[...] da qualidade do julgamento e da deliberação reflexiva dos

docentes nas aulas, quando tomam decisões, intervêm e avaliam‖. Torna-se,

segundo o autor, uma contradição desenvolver ao mesmo tempo, um

discurso democrático de educação, de desenvolvimento humano e seguir as

exigências do mercado de trabalho, pois as instituições:

[...] não podem funcionar como mecanismos objetivos de precisão, nem mesmo quando se propõem a produzir eficazmente artefatos materiais, muito menos quando o conteúdo de sua atividade é a formação cultural das novas gerações, o desenvolvimento intelectual e emocional de sujeitos diferenciados (GÓMEZ, 2001,p. 160).

No que se refere a dimensão sociocultural, é preciso levar em

consideração, na formação das novas gerações, outros contextos variados e

a socialização dos conhecimentos, a riqueza e a diversidade de papéis e de

relações existentes na sociedade. No âmbito das instituições de ensino,

buscam-se relações entre docentes e discentes que sejam significativas, de

forma que possam romper com a rigidez das estratégias didáticas lineares,

preocupadas com a simples transmissão de conhecimentos e com a objetiva

avaliação de resultados. Busca-se sobretudo, o desenvolvimento autônomo

dos sujeitos, sua capacidade de pensar, sentir e atuar sobre a sociedade,

numa visão mais ativa de formação.

No que se refere às duas dimensões (instrumental e sociocultural),

considera-se grave, quando as instituições se propõem desenvolver

culturalmente os indivíduos dentro de uma visão mais ativa de formação,

Page 57: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

57

respaldada na dimensão sociocultural, mas têm sua estrutura organizacional

voltada para a dimensão instrumental, principalmente se considerarmos a

cultura docente8 que vai se instalando no interior dessas instituições. São

lógicas educacionais diferenciadas, instaladas como se fossem

convergentes. Tal situação gera diversas formas de estresse,

descontentamentos e ansiedade que podem, por sua vez, gerar estagnação

e isolamento docente.

A cultura docente pode ser discutida com base em duas dimensões,

segundo Hargreaves (1994): o conteúdo, que corresponde aos valores, às

crenças, às atitudes, os hábitos compartilhados pelo grupo de docentes. O

conteúdo tem a ver com a visão de ensino, aprendizagem, currículo,

educação, com a função da instituição, entre outros sentidos que possam

surgir no interior de sua atividade e, a forma que corresponde às condições

concretas em que se desenvolve a atividade docente, principalmente o modo

como os professores estabelecem relações com os seus estudantes e seus

colegas. [grifo nosso]

Dentre as várias características que definem a forma da cultura

docente nas instituições, Gómez (2001, p. 167) destaca o isolamento do

docente e a autonomia profissional; a colegialidade burocrática e a cultura

de colaboração; a saturação de tarefas e responsabilidade profissional; a

ansiedade profissional e o caráter flexível e criativo da função docente.

O isolamento dos docentes é bastante comum entre os professores e

é normalmente confundido com autonomia profissional, pois leva os

docentes a se considerarem soberanos e senhores da sala de aula, na qual

se sentem livres de qualquer pressão ou controle externo, com autoridade

para atuar de maneira como acharem mais interessante. Muitas vezes essas

ações se tornam arbitrárias e perdem o caráter formativo.

Gómez (2001) descreve três classes de isolamento: isolamento

psicológico em que o professor com medo da crítica se recolhe em suas

atividades de sala de aula, o que justamente causará maior insegurança e

isolamento. O isolamento ecológico, determinado pelas condições

8 GÓMEZ (2001,p. 164), define cultura docente como conjunto de crenças, valores, hábitos e normas dominantes que determinam o que este grupo social considera valioso em seu contexto profissional, assim como os modos politicamente corretos de pensar, sentir, atuar e se relacionar entre si.

Page 58: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

58

administrativas, físicas e arquitetônicas do local de trabalho do professor. E

o isolamento adaptativo, em que o professor desenvolve suas atividades

de forma ativa, preservando seu próprio espaço de intervenção, evitando

influencias prejudiciais do contexto.

O isolamento pode levar os docentes a cultivarem atitudes passivas,

de reprodução conservadora ou de aceitação acrítica da cultura social

dominante. A reflexão individual é importante por parte dos professores,

contudo, é necessário também um processo de reflexão coletiva com os

demais profissionais, para que possam juntos fazer análises do contexto em

que estão inseridos, bem como elaborarem e desenvolverem projetos em

comum. A falta de espaços polivalentes, de interação entre os profissionais,

bem como a forma como é estruturado o horário de disciplinas curriculares

dificulta tanto a comunicação inter pares como a renovação da atividade

pedagógica.

Gómez (2001) aponta a colegialidade e a cultura de colaboração

como elementos importantes, no processo de inovação e contraposição do

isolamento docente. Pode haver dois tipos de colaboração. Um tipo de

colaboração burocrática e artificial, que supõe ―[...] um controle artificial dos

riscos, da aventura e da incerteza‖ (GÓMEZ, 2001,p.171), que leva os

docente a debaterem as normas, valores e procedimentos que não

satisfazem, na maioria das vezes, as próprias expectativas. A colegialidade

burocrática surge por imposição da administração da instituição e

habitualmente é regida pelo autoritarismo, não havendo espaço para

liberdade ou criatividade dos docentes. O colegiado discute suas ações e

seu planejamento em conjunto, mas com base num sistema imposto pela

instituição.

A colaboração espontânea supõe a criação de uma cultura que busca

entender a instituição e os processos de ensino-aprendizagem, como

atividades do docente, não condicionadas a restrição administrativa. Requer

um espaço de liberdade e autonomia, para que os projetos desenvolvam-se

num processo de comunicação aberta para a diversidade e para a criação.

Logicamente, segundo Gómez (2001) é também um espaço de conflito e

discrepâncias, por isso deve ser objeto de reflexões entre os docentes.

Page 59: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

59

O autor alerta que nesse processo de colegialidade entre os

professores pode se desenvolver uma cultura de simulacro artificial de

consenso que esconde profundas e inevitáveis divergências de concepções

éticas e políticas sobre a educação, que são tão importantes quanto os

acordos. Por isso, pode-se afirmar que a cultura de colaboração ou

colegialidade é tão complexa quanto a própria educação, principalmente por

estar envolvida num contexto de ambigüidades, entre o discurso tradicional e

o emancipatório.

Outro ponto discutido por Gómez é a saturação de tarefas e

responsabilidade profissional. É possível identificar uma sensação de

sufocação por parte dos professores em relação às responsabilidades que

lhe são comumente atribuídas. As contínuas mudanças nos projetos

políticos destinados à educação, levam por sua vez a mudanças no trabalho

do professor, nos papéis profissionais que têm que assumir, exigências de

mercado, que dificultam o desenvolvimento de sua atividade, em termos

qualitativos. Essas demandas geram situações de angustia entre os

docentes, que podem reagir com certa estagnação frente a melhoria do

processo ensino aprendizagem. Uma das reações é justamente o isolamento

do professor que é provocado, de certa forma, pela ansiedade profissional,

por sentir-se incapaz de cumprir suas responsabilidades.

Tais incertezas e pressões levam os professores a um alto nível de

ansiedade e insatisfação profissional. Essas situações ou pressões muitas

vezes fazem os professores desenvolverem uma aceitação servil das

exigências exteriores ou administrativas, embora verbalizem o contrário.

Gómez (2001) afirma que são todas as incertezas que estão no entorno dos

professores, bem como, a saturação de tarefas burocráticas, a

hierarquização e o individualismo que podem conduzir ao conservadorismo.

O autor considera que o apoio afetivo e intelectual bem como a

estimulação da reflexão colegiada podem aliviar a angustia e melhorar a

qualidade educativa no interior das instituições. Pode-se afirmar que a

docência é marcada por sentimentos ambíguos, visto que o conhecimento,

os valores, as normas e a forma de comportamento que os professores

desenvolvem no interior da instituição de ensino podem favorecer ou não,

Page 60: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

60

um ensino de qualidade, necessário para que os sujeitos tornem-se mais

autônomos e possam atuar na sociedade.

Contreras (2002) afirma que, muitas vezes, os professores podem

reproduzir apenas a lógica capitalista, principalmente por serem submetidos

a processos de controle acadêmico, que são justificados em termos de

auxílio diante de sua suposta incapacidade, ou em termos de vigilância para

que cumpram suas funções profissionais, normalmente relacionadas a

valorização do cliente, no caso o aluno. Tais mecanismos levam os

professores também a se defenderem, responsabilizando os discentes,

pelos problemas que surgem no âmbito institucional.

Vale ressaltar que a cultura escolar também é formada pela cultura

dos discentes, muitas vezes representada em forma de resistência e

oposição em suas diversas e diferentes manifestações. Os alunos

geralmente compreendem a situação de ensino diferentemente dos

professores, visto que vêem a instituição de ensino como espaço de

socialização e não somente como um espaço de aprendizagem.

Goméz (2001, p. 165) afirma que ―[...] a cultura dos alunos, mostra-se

dependente da cultura dos docentes, encontra-se substancialmente mediada

pelos valores e pelas normas que os docentes impõem‖, isso porque o

docente possui maior poder na instituição, principalmente no espaço de sala

de aula.

Pode-se concluir que o conhecimento profissional do professor é um

conhecimento especializado, que se constitui no decorrer de sua história

pessoal, em um permanente intercâmbio com o meio, em um processo

dialético de acomodação e assimilação, principalmente, porque o ensino é

uma atividade complexa, que ocorre em um local singular, determinado

pelas circunstancias especiais, muitas vezes com resultados imprevisíveis e

cheios de conflitos, que exigem do professor tomadas de decisão imediatas

em situações inesperadas, ambíguas, incertas e conflitantes.

Page 61: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

61

CAPITULO II - A RELAÇÃO COM O SABER E A ATIVIDADE DOS

PROFESSORES FORMADORES

"Crescer como Profissional,significa ir localizando- se no tempo e nas circunstâncias em que vivemos,para chegarmos a ser um ser verdadeiramente capaz de criar e transformar a realidade em conjunto com os nossos semelhantes para o alcance de nosso objetivos como profissionais da Educação." “A educação tem caráter permanente. Não há seres educados e não educados. Estamos todos nos educando.” (Paulo Freire)

Nesses últimos anos, a noção da relação com os saberes se

enriqueceu por meio de pesquisas e de abordagens bastante diversificadas.

É utilizada por pesquisadores na área da sociologia, psicanálise,

psicossociologia, didática e também no campo da educação na qual se

destacam, segundo Lomônaco (2002), duas equipes francesas: a de Jacky

Beillerot e a de Bernard Charlot. A noção da relação com o saber também

tem se expandido para vários países, tais como Brasil, França, Tunísia,

República Tcheca e Grécia.

No centro da problemática da relação com o saber os pesquisadores

voltam sua atenção aos movimentos antropológicos de humanização, como

um conjunto de processos socioculturais e como um confronto com saberes

específicos e com práticas sociais determinadas. Trata-se, na verdade de

evidenciar as relações que os indivíduos estabelecem com esses processos

socioculturais, mediados por um saber específico que se desenvolve no

âmbito de sua historia.

Destaca-se a equipe ESCOL9 criada por Bernad Charlot10, que nessa

última década, vem se debruçando sobre a temática da relação com o saber

no campo da educação, principalmente no que diz respeito ao fracasso

escolar. No âmbito dessas relações que provocam o fracasso escolar não se

9 Equipe que estuda a educação, a socialização e as coletividades Locais (ESCOL) dos jovens de camadas populares da França, e pertence ao Departamento das Ciências da Educação da Universidade Paris VIII, Saint-Denis. 10

Bernard Charlot, pesquisador do CNPq e escritor da educação, criou a equipe ESCOL, e desenvolveu pesquisas que possibilitaram o quadro básico de elementos para uma teoria da relação com o saber.

Page 62: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

62

pode deixar de considerar a relação dos professores com seus saberes

profissionais, visto que, como nos alerta Charlot (2005), a lógica dos

professores não é a mesma dos seus estudantes, o que em geral provoca

uma série de conflitos e problemas que resultam no fracasso escolar, seja

em que proporção for.

Dieb (2007) explica que Charlot e seus colaboradores defendem que

os diversos objetos da aprendizagem implicam diferentes tipos de atividades

que são realizadas pelos sujeitos, o que atribui ao conceito de relação com o

saber uma considerável relevância na discussão em torno do ato de ensinar

e aprender, atentando, principalmente à produção, apropriação e

transformação dos conhecimentos.

Segundo Charlot (2005), é importante compreender a relação que os

professores estabelecem com a atividade do ensino, questão essa que fica

ainda mais complexa quando direcionamos nossas atenções ao âmbito da

formação de professores.

A relação com os saberes profissionais docentes evidencia-se desde

os processos de formação inicial dos professores, em que estão envolvidos,

segundo o autor, uma prática do discurso (práticas que permitem apropriar-

se dos saberes) e um discurso sobre as práticas ( e nesse caso, os

professores falam de suas práticas, e é, na verdade, essa fala que é

considerada, e não suas próprias práticas). Essas práticas provocam

freqüentemente, conflitos relacionados aos saberes teóricos e práticos dos

professores formadores.

A relação com o saber na perspectiva de Charlot

Charlot começou suas pesquisas no campo da educação discutindo a

mistificação pedagógica, que segundo ele tem a ver com o discurso

pedagógico que produz uma visão mistificada da realidade social, na medida

em que fala de tudo, menos de uma coisa muito importante: a educação leva

a um emprego, que leva também a uma divisão social do trabalho. Na

verdade essa é a idéia central de um livro que o autor publicou em 1980. Há

nele discussões que provocaram outras discussões em torno das políticas

Page 63: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

63

educacionais, que revelaram questões referentes ao fracasso escolar nas

classes populares, e a importância do sentido nas ações humanas.

Refletindo sobre sua atividade docente como professor formador no

ensino de matemática, Charlot observou que o fracasso escolar não tem

ligação direta com o capital cultural da família, o que o levou a pesquisar o

conceito de relação com o saber. Charlot (2005) afirma que quando um

aluno encontra dificuldades na escola, normalmente se levanta a questão

das supostas carências culturais dos alunos e de suas famílias. O autor

questiona se isso não depende mais do estilo pedagógico do professor.

Destaca que é importante saber o sentido que tem a escola para o

aluno, ou seja, que sentido ele vê em ir para escola. Nas pesquisas da

relação com o saber, o pesquisador e sua equipe insistem na compreensão

da lógica de vida dos alunos fracassados, atentando para o fato de que no

âmbito escolar deve-se levar em consideração essa lógica para que se

possa construir um percurso pedagógico apropriado que eleve os alunos

realmente a se apropriem do saber. Segundo ele, é importante

compreender, porque os estudantes não apreenderam os conhecimentos

disponibilizados pela escola e nesse caso não se trata de explicar o que

faltou, mas sim o que aconteceu.

É bastante comum as pessoas perguntarem o que é a relação com o

saber, e aí surge certo desconforto, porque quando se destaca a relação

com o saber, não existe um conceito fechado, acabado, mas existem

relações que precisam ser levadas em consideração.

Mais do que responder qual o conceito de relação com o saber é

importante discutir como ocorre a educação e o processo de humanização.

Segundo Dieb (2007), o homem, para se tornar humano, se educar, sempre

esteve em relação ―com‖, já que sua característica primordial é a

incompletude.

Para o autor, nascer é ―penetrar nessa condição humana‖ ( p.53), em

que o ser humano entra em uma história singular e também na história maior

da espécie humana. ―[...] é entrar em um conjunto de relações e interações

com os outros homens, onde ocupa um lugar e onde será necessário

exercer uma atividade‖ (p.53). Nascer e aprender é entrar em um conjunto

de relações que constituem um sistema de sentido, no qual o sujeito se

Page 64: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

64

percebe, percebe e interage com o mundo e com os outros. O sujeito se

constrói e é construído pelo outro, num longo processo que nunca chega a

ser completamente acabado, e o qual chamamos de Educação.

Charlot (2005, p. 45), explica o que é a relação com o saber.

A relação com o saber é a relação com o mundo, com o outro e consigo mesmo de um sujeito confrontado com a necessidade de aprender. [...] A relação com o saber é o conjunto das relações que o sujeito estabelece com um objeto, um ―conteúdo de pensamento‖, uma atividade, uma relação interpessoal, um lugar, uma pessoa, uma situação, uma ocasião, uma obrigação, etc.,relacionados de alguma forma ao aprender e ao saber – conseqüentemente, é também relação com a linguagem, relação com o tempo, relação com atividade no mundo e sobre o mundo, relação com os outros, relação consigo mesmo, como mais ou menos capaz de aprender tal coisa, em tal situação.

Charlot (2000) defende a idéia de que o sujeito experimenta três tipos

de relação com o saber. São elas: relação epistêmica, relação de identidade

e relação social. Essas relações podem ser explicadas em separado, mas,

em se tratando das experiências que o sujeito vivencia, não existem

separadamente, pois o sujeito é singular e social ao mesmo tempo, afirma

Dieb (2007).

A ―relação com o saber de natureza epistêmica‖ caracteriza tipos de

relações em que o saber assume a forma de um objeto e se manifesta por

meio da linguagem. Por isso pode também ser chamado de saber objeto, ou

seja, o próprio saber objetivado. Atrelados a essa relação, encontramos três

processos epistêmicos, segundo Charlot (2000) e Dieb(2007):

a) Objetivação-denominação – que se configura como um movimento que

constitui um saber-objeto. Nesse processo, a aprendizagem consiste

em saber externar conteúdos de pensamento por meio da linguagem

manifesta e por meio da modalidade escrita.

b) Imbricações do ―eu‖ na situação – a aprendizagem representa o

domínio de uma atividade que se encontra ―engajada‖ no mundo e

inscrita no corpo, como, por exemplo, o ato de saber nadar – o saber é

Page 65: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

65

produto da aprendizagem e a própria atividade.

c) Distanciação – regulação – é o processo em que o sujeito pode

construir de maneira reflexiva uma imagem de si mesmo, a partir das

emoções que sente frente ao mundo e aos outros, sendo capaz de

regular essa relação e encontrar uma distância entre si e os outros,

entre si e si mesmo, em uma situação.

Assim, aprender é dominar uma relação, de maneira que o produto do

aprendizado não possa ser automatizado, nem separado da relação em

situação, como, por exemplo, os estudantes que compreendem algo

somente em referência a situações, enquanto outros são capazes de

orientar-se em um universo de saberes-objetos.

A ―relação de identidade com o saber‖, por sua vez, caracteriza toda

relação com o saber que comporta uma dimensão de identidade11, pois

aprender, segundo Charlot (2000, p. 72), só faz sentido em ―referência à

história do sujeito, às suas expectativas, às suas referências, à sua

concepção de vida, às suas relações com os outros, à imagem que tem de si

e à que quer dar de si aos outros‖. Assim, a relação com o saber sempre

supõe estar em relação com o outro fisicamente em seu mundo, mas

também de forma virtual, pois cada um carrega dentro de si o outro como

interlocutor. Chauí (2004) afirma que nós somos a extensão do outro,

justamente pela relação que existe entre o eu e o outro, compondo-se

reciprocamente.

A ―relação social com o saber‖ é também uma relação social, pois

esse sujeito ocupa uma posição no mundo e tem uma história repleta de

eventos, encontros, esperanças, rupturas, aspirações. O sujeito encontra-se,

assim, envolvido em relações com os outros e consigo mesmo. Para se

compreender a relação que o sujeito estabelece com o saber é preciso levar

em consideração sua origem social e suas formas relacionais, que envolvem

11

No processo de entendimento do trabalho desenvolvido por Charlot, não buscou-se trabalhar com o conceito de Identidade, visto que isso implicaria num outra pesquisa, somente para desenvolver essa conceituação. Procura-se nesse caso, discutir a identidade a partir da relação que o sujeito estabelece com o mundo e com sua história ao passo que vai constituindo sua identidade. Conforme destaca Ciampa (1984), a construção da identidade é um processo que ocorre durante toda a vida do indivíduo, por meio da composição de igualdade e diferença em relação a si próprio e aos outros, constituída historicamente pela mediação entre a subjetividade e condições objetivas.

Page 66: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

66

a cultura, o mercado de trabalho, as instituições em que convive e se

relaciona com os outros.

Esses três tipos de relação com o saber não existem de modo

independente, pois a apropriação do mundo ocorre com base nessas três

dimensões que constituem o sujeito do saber. Conforme Charlot (2000), no

que se refere a essas dimensões, deve-se dar atenção especial às noções

de mobilização, atividade e sentido, visto que se está discutindo a respeito

de um sujeito singular e social ao mesmo tempo, que em sua relação com o

mundo desenvolve atividades e, para haver atividade, é preciso que o sujeito

se mobilize. Charlot (2000) afirma que mobilizar-se é ―pôr-se em

movimento‖, é engajar-se em uma atividade, originada por um móbil, que

nada mais é do que as ―boas razões‖ para fazê-lo. O autor explica a

interrelação entre mobilização e motivação:

A mobilização implica mobilizar-se (―de dentro‖), enquanto que a motivação enfatiza o fato de que se é motivado por alguém ou por algo (―de fora‖). É verdade que, no fim da análise esses dois conceitos convergem: poder-se-ia dizer que eu me mobilizo para alcançar um objetivo que me motiva e que sou motivado por algo que pode mobilizar-me. (CHARLOT, 2000, p. 55).

Segundo Charlot (2000), o móbil é distinto da meta, que é o resultado

que se obtém das ações que permitem alcançá-la. O móbil, na verdade, é o

desejo que esse resultado permite satisfazer e que desencadeou a

atividade. Para que o sujeito se mobilize é preciso que a situação vivida

tenha sentido. Ou seja, a atividade intelectual passa a ser mobilizada por um

sujeito a partir dos sentidos que ele atribui àquilo que está ouvindo ou às

situações que está vivenciando.

As pesquisas sobre relação com o saber

As primeiras pesquisas com as quais tivemos contato e que abordam

a relação com o saber são aquelas do livro organizado por Charlot et al.

(2001), e que se referem a pesquisas desenvolvidas em quatro países:

Page 67: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

67

França, Brasil, República Tcheca e Tunísia. O objetivo da obra era comparar

os estudos realizados na área e também verificar em que medida a noção de

relação com o saber pode se constituir como objeto de pesquisa em diversas

áreas. As pesquisas incluídas nessa obra investigam por que algumas

pessoas têm o desejo de aprender, parecendo, segundo Charlot et al.

(2001), sempre mais dispostas a aprender algo novo, apaixonadas por este

ou aquele tipo de saber ou, pelo menos, apresentam uma certa disposição

para aprender, enquanto outras não manifestam esse mesmo desejo.

Para explicar essas diferenças, costuma-se, segundo os autores,

invocar características que são imputadas ao próprio indivíduo: ele é

preguiçoso, ele não está motivado, etc. Mas trata-se na verdade, das

relações que os indivíduos mantêm com aquilo que tentam ensinar-lhes. Não

estar motivado, é estar em uma certa relação com a aprendizagem proposta.

No decorrer das pesquisas que foram descritas nessa obra, foi constatado

que entrar na escola é para as crianças e jovens entrar em um universo

novo; seja pelos conteúdos, seja pelas formas de atividades que vão ser

desenvolvidas, ou pelos tipos de relações e de condutas que a escola

implica e impõe.

Na escola, na visão dos estudantes envolvidos nas pesquisas

relatadas, desenvolve-se uma lógica de sobrevivência. Para esses

estudantes, será possível o direito a uma profissão se fizerem as atividades

propostas de acordo com o que seus professores determinarem. Essa lógica

muitas vezes não é compreendida pelos professores, o que resulta em

fracasso escolar, abandono e, até mesmo, em violência. São efeitos dos

conflitos oriundos das formas de aprender, das relações com o aprender,

das relações consigo mesmo e também com os outros.

Tais leituras podem influenciar, por exemplo, a forma como os

professores entendem o fracasso escolar. Para Charlot (2000), os

professores normalmente têm dificuldades de entender os motivos que

levam os estudantes a fracassar, porque compreendem o fracasso como

uma deficiência sociocultural, algo que falta. Ao fazer uma leitura negativa

do fracasso escolar, discute-se as carências, lacunas e deficiências dos

Page 68: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

68

estudantes, num verdadeiro processo de aniquilamento escolar12. Uma

leitura positiva seria mais prudente por parte dos professores, pois poderia

ajudar a entender o que está ocorrendo, e qual a atividade do estudante que

o levou ao fracasso, ajudando a compreender a relação do estudante com

os saberes, ou seja o que o levou ao fracasso escolar.

Para mapear o conhecimento já produzido, buscamos pesquisas que

discutem a temática da relação com o saber. Em especial buscamos

pesquisas que objetivaram apreender a relação que os professores

estabelecem com os saberes de sua profissão. Nessa busca, constatou-se

que existem poucas pesquisas as quais serão revistas a seguir.

A pesquisa de doutorado de Dieb (2007), Móbeis13, sentidos e

saberes: professor da Educação Infantil e sua relação com o saber

focalizou a relação com os saberes dos professores da Educação Infantil na

escola pública, desdobrando seus objetivos específicos na mobilização dos

professores frente a seu próprio aprendizado, no que se refere à sua

atividade de cuidar e educar crianças, às dificuldades encontradas no

trabalho docente, e na aprendizagem da docência na Educação Infantil no

dia-a-dia das escolas públicas. Tais desdobramentos levaram o pesquisador

a analisar os móbeis apresentados pelos professores em relação à função

que exercem, os sentidos que atribuem à atividade de cuidar e educar

crianças, bem como os processos e relações que promovem a construção

dos saberes utilizados em sua prática pedagógica.

O autor se apoiou nos escritos e nas pesquisas desenvolvidas por

Charlot, que segundo ele têm procurado explicitar e definir o conceito de

relação com o saber e fazer uma elaboração teórica capaz de lançar luzes à

compreensão dos processos de construção do sujeito. Dieb (2007) utiliza

esse referencial para refletir sobre o desenvolvimento pessoal e profissional

dos professores da Educação Infantil, sem esquecer das muitas correlações

que têm sido feitas na mídia e na academia entre esse objeto e a qualidade

do atendimento nas instituições educativas para a infância. Para Dieb

12 Aniquilamento (néantisation) – termo utilizado por Charlot (2000, p.30), oriundo do verbo néantiser. 13

Móbeis – para Charlot (2002,p.55), é entendido como razão de agir de um sujeito. É o desejo de um resuldo permite satisfazer e que desencadeou uma atividade.

Page 69: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

69

(2007), quando se discute tais questões torna-se importante também pensar

em tudo o que se refere ao que chamamos ―escolar‖: a família, o professor,

as atividades desenvolvidas no contexto escolar, o sistema educacional, os

gestores, a história de vida dos sujeitos, etc.

O autor utilizou um tipo de observação que se aproxima da

participante, pois adentrou o universo dos sujeitos e buscou conhecer o dia-

a-dia das atividades desenvolvidas pelas professoras da Educação Infantil

nas escolas observadas. Contudo, somente as observações, segundo o

autor, não foram suficientes para captar e analisar os elementos que lhe

interessavam. Assim, utilizou a técnica de pesquisa chamada por Charlot de

―Balanços do saber‖ para estudar a mobilização e aprendizagem em torno

da relação com o saber das professoras. Segundo Dieb, essa técnica é

utilizada pela equipe ESCOL14 na França e por outros grupos de pesquisa

espalhados pelo mundo, a fim de estimular os sujeitos a avaliarem os

processos e os produtos de sua aprendizagem. O autor criou uma situação

imaginária:

Imagine que na instituição em que você trabalha, está acontecendo a visita de uma estagiária do Curso de Pedagogia. Ela está prestes a se formar, mas não se considera preparada para assumir uma sala de crianças da Educação Infantil. O que você diria para ela? Como você a ensinaria a ser professora de crianças? O que a motivaria a ir todos os dias a escola? Como ela irá aprender a ser professora da Educação Infantil? O que ela deve ensinar às crianças? Por quê? Como deve cuidar e educar as crianças? Por quê? (DIEB, 2007, p. 114).

O objetivo foi proporcionar às professoras a oportunidade de

refletirem sobre suas práticas com crianças menores de seis anos, ao

mesmo tempo em que as faria pensar sobre onde buscar o saber necessário

ao desenvolvimento desse trabalho. Além disso, esse instrumento permitiu a

Dieb, acesso aos processos estudados e suas articulações, a fim de

identificar as contradições e conflitos que se manifestam no discurso dos

sujeitos.

14

ESCOL – Educação, Socialização e Coletividade Locais (Departamento das Ciências da Educação, Universidade Paris –VIII, Saint-Denis). (Charlot, 2000, p.11).

Page 70: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

70

Associada a essa atividade, Dieb (2007) desenvolveu também

entrevistas semi-estruturadas, na tentativa de conhecer as experiências das

professoras, tomando por base a entrada na docência como profissão, a

construção dos saberes no enfrentamento das dificuldades cotidianas e o

sentido atribuído à sua atividade com as crianças. Dieb (2007) justificou que

as entrevistas podem trazer informações valiosas, carregadas de emoções e

de sentidos, pois dizem respeito, principalmente, às experiências dos

sujeitos.

Para análise dos dados, o pesquisador construiu três etapas de

verificação e reflexão: a primeira se deu por meio da descrição de algumas

características do cotidiano da escola, com o objetivo de compreender o

contexto em que se desenvolviam as ações de cuidar e educar das

professoras e sob quais condições. Isso favoreceu a explicação de algumas

das atitudes e interpretações das professoras acerca das crianças, das

famílias, da escola e da própria Educação Infantil.

No segundo momento de análise, o pesquisador procurou descrever

os processos de mobilização das professoras quanto à escolha do

magistério e à entrada e permanência na Educação Infantil, que foram

analisadas com base nas histórias singulares de cada professora. A busca

era pelos motivos que as levaram a exercer a função docente, bem como a

permanência nessa função, apesar das dificuldades e contradições surgidas

no âmbito da escola pública.

Segundo Dieb (2007), compreeender a mobilização de um sujeito em

relação a uma atividade implica conhecer a disposição desse sujeito para

apreendê-la e para assumir sua execução, mediante o sentido e o valor que

lhe é atribuído. Por isso torna-se relevante estar atento aos elementos que

sustentam essa mobilização, que, segundo Charlot et al. (2001), são

elementos de diferentes ordens, tais como: de identificação, de interação,

processos cognitivos, lingüísticos, institucionais e sociais, que normalmente

apontam para uma dinâmica de identificação marcada pela convergência ou

pela contradição de fatos, idéias ou ações.

No terceiro momento, o pesquisador dedicou-se aos processos de

construção do saber das professoras da Educação Infantil. Buscou apreciar

as relações com os diversos saberes profissionais das professoras em suas

Page 71: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

71

práticas educativas. Dieb (2007) fez um mapeamento dos saberes que são

privilegiados pelas docentes no desempenho de suas atividades. Além

disso, buscou descrever tendências dominantes na relação com a atividade

de cuidar das crianças e educá-las.

Os dados da pesquisa mostraram que, quanto à escolha da profissão,

as professoras apontaram a necessidade financeira, a vontade de melhorar

a vida e a influência da família, a falta de opção de trabalho e o medo do

desemprego. Apenas um número mínimo atribuiu a escolha da docência a

um desejo de infância. Algumas das professoras afirmaram que não queriam

ferir ou decepcionar os familiares, que também eram da área educacional.

Para Dieb (2007), as professoras foram-se constituindo como

profissionais a partir de uma necessidade de sobrevivência. Sucumbiram

aos desejos da família ou a uma necessidade financeira e também

geográfica, mas ao longo de suas vidas foram percebendo o próprio

processo de constituição de sua profissionalidade.

Algumas se tornaram professoras num processo de negação,

negando a realidade vivenciada por elas até o momento de entrada na

docência. Para outras a motivação surgiu a partir de características

admiradas em suas professoras, e que poderiam assumir, uma vez estando

na mesma profissão. Dieb (2007) afirma que as escolhas que fazemos são,

em parte, movidas pela pressão das forças sociais e históricas que nos

rodeiam e, ao mesmo tempo, pelas reações que desenvolvemos em relação

a tais forças.

As professoras procuraram romper com a atividade profissional que

exerciam para se tornarem professoras e serem mais valorizadas pela

sociedade. Isso demonstra o desenvolvimento de um processo de

construção do ―eu‖ muito intenso, por meio do qual as professoras se

distanciaram e romperam com a pressão que sentiam em suas atividades

profissionais anteriores, o que representa para elas um esforço próprio e a

vontade de aprender como meio de melhorar sua qualidade de vida.

Os dados da pesquisa de Dieb (2007) também mostraram que das

nove professoras pesquisadas a maioria tinham uma forte convicção de que

os professores mais experientes é que deveriam estar atuando na Educação

Infantil, contudo sabiam que eles não fariam questão de assumir tal atividade

Page 72: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

72

por lhes dar muito trabalho. Além disso, afirmaram que os professores mais

experientes consideram essa uma tarefa sem prestígio, que deve ficar a

cargo de quem está começando sua carreira. Elas tomaram a própria

experiência como exemplo, claro que com algumas exceções.

Quanto à permanência na atividade de cuidar de crianças e educá-

las, os móbeis que conduziram as professoras a essa atividade passaram

com o tempo a ter na criança uma fonte de satisfação e alegria, seja pela

troca de carinhos, pelo desafio de aprender a lidar com elas ou pelas

relações afetivas desencadeadas no espaço da Educação Infantil. Assim, a

afetividade que aflora no contato com as crianças foi um elemento

mobilizador para a permanência na docência.

Para Dieb (2007), os saberes dos professores são os conhecimentos

que produzem, mobilizam e empregam na realização de suas tarefas

cotidianas. Com base em Tardif (2002), o autor afirma que esses saberes

estão enraizados na história de vida, na experiência de professor e nas

convicções pessoais, crenças e valores socialmente elaborados, a partir dos

quais analisam e organizam sua prática.

O autor considera que a relação do professor com o seu saber e sua

própria construção como sujeito aprendiz não parte de ausências

apresentadas por ele mesmo, mas de apropriações que se deram ao longo

de seu processo de desenvolvimento pessoal, educacional e profissional.

Como exemplo disso, o pesquisador cita uma das entrevistadas, para quem

estudar não tem razão de ser fora do âmbito escolar. Segundo ela, depois

de terminada a graduação, esqueceu-se de tudo, sentindo-se, por isso,

despreparada.

As entrevistas mostraram que para a maioria das professoras a

universidade estabeleceu relações que se revestiram declaradamente de um

caráter utilitarista, visto que o que elas queriam aprender estava relacionado

sempre com o que poderiam aplicar com seus alunos.

Aparentemente as professoras não conseguiam perceber que em

contato com os saberes sobre a educação e sobre a pedagogia, poderiam

encontrar instrumentos para se interrogarem e alimentarem suas práticas.

Buscou-se a pesquisa de mestrado de Beatriz Penteado Lomônaco

(2002), justamente por que tal pesquisa procurou compreender a relação

Page 73: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

73

que os professores das séries iniciais do Ensino Fundamental de uma

escola pública de São Paulo, tinham com os seus saberes profissionais.

A pesquisadora analisou a questão a partir de três eixos:

a) a relação dos professores com a profissão;

b) a construção de seus saberes e de seu saber-fazer;

c) a construção do sentido de sua prática.

A pesquisadora realizou entrevistas semi-dirigidas com trinta

professores e fez observação em sala de aula. As questões da entrevista

foram organizadas e agrupadas de forma a esclarecer as relações dos

professores com a profissão e com a sua prática. As perguntas referem-se à

história escolar e profissional dos professores, seu cotidiano profissional; à

relação com os alunos; o processo de ensino e aprendizagem,

representação de si e o sentido do trabalho docente.

No que se refere às observações, foram privilegiados quatro

aspectos:

a) o espaço ocupado pelo professor em sala de aula;

b) os conteúdos pedagógico e didático desenvolvidos;

c) a interação professor–aluno;

d) a interação aluno–aluno.

Os dados levaram Lomônaco (2002) a conclusões bem semelhantes

às de Dieb (2007), no que se refere ao olhar do professor sobre sua

aprendizagem e seu saber docente, bem como os sentidos atribuídos à

profissão docente.

A maioria dos professores estudou em escola pública e ingressou na

profissão docente por conta da ascensão social. Os entrevistados também

afirmaram que receberam aprovação e estímulo da família para entrar nessa

profissão. Alguns professores relataram a grande influência que receberam

dos seus professores durante sua história escolar. No que concerne às

qualidades desses profissionais, os entrevistados mencionaram o caráter

diferenciado de sua didática, fato que levava o aluno a pensar ou a

participar. Outros evocaram o domínio dos conhecimentos ou ainda seu

engajamento profissional.

No que se refere às lembranças negativas, destacaram a experiência

de humilhação (física e moral), a falta de respeito dos professores, um

Page 74: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

74

excesso de rigidez, injustiça ou discriminação. Nesses casos também

percebe-se uma correlação com os resultados da pesquisa de Dieb (2007),

no que se refere à questão afetiva na relação professor–aluno, fato que

também fez com que os professores permanecessem na Educação Infantil.

Os professores participantes da pesquisa de Lomônaco (2002) também dão

importância à afetividade quando se referem a suas lembranças da vida

escolar. Lomônaco afirma que a Escola fica na memória dos professores

como uma sensação de se sentir à vontade, de ser compreendido e

assegurado, dado este que segundo eles tem influenciado sua própria

prática pedagógica.

Os entrevistados também consideraram o início da profissão muito

difícil, principalmente pelo hiato existente entre a preparação que tiveram na

formação inicial em cursos de graduação e a realidade que encontraram na

escola pública. Segundo os professores, foram colocados em escolas

pobres da periferia, em salas de aula que foram rejeitadas pelos professores

mais experientes e antigos na docência, justamente naquelas em que a

presença de um professor experiente seria mais adequada. Receberam

turmas mais difíceis e não contaram com nenhum apoio institucional.

As insuficiências da formação inicial foram ressaltadas por quase

todos os entrevistados. A falta de preparo para o confronto com a realidade

de sala de aula, a inadequação das informações transmitidas, o caráter

excessivamente artificial dos estágios e a formação teórica, que forneceu

noções gerais dificilmente aplicáveis na prática, também foram apontados.

Consideraram, contudo, que a formação inicial foi importante para introduzi-

los na profissão e prepará-los nos primeiros passos da confirmação de suas

escolhas ou para motivá-los.

Charlot (2005) afirma que a aprendizagem do ofício diz respeito,

primeiramente, ao domínio das relações e das situações. O produto dessa

aprendizagem não está, portanto, separado da própria experiência.

Lomônaco (2002) afirma também que a formação inicial não é suficiente

para tornar alguém professor. É a partir do domínio do que se faz que se

pode vir a ser professor, pois a prática é a ação refletida, ainda que, às

vezes, ela possa ser intuída e mecânica. A prática é concebida como fonte

do saber e a experiência de um sujeito pode se tornar um saber se for

Page 75: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

75

enunciável em um discurso coerente e, portanto, passível de transmissão,

de verificação e de reflexão.

Para os professores, o problema existente entre sua formação inicial e

a atividade docente no início da profissão não está no currículo, baseado em

teorias e conceitos psicológicos, pedagógicos, filosóficos ou outros, mas no

fato de os conhecimentos não terem aplicabilidade imediata, não

encontrarem ressonância na experiência cotidiana. Parece que a

transmissão do saber profissional do professor foi feita, em larga medida,

pela transmissão oral dos conteúdos. A observação, a vivência e os

conselhos dos colegas são os meios mais utilizados para o desenvolvimento

de sua profissão.

Os professores se mostraram bastante críticos e angustiados diante

das dificuldades encontradas na profissão. A maior parte invoca vários tipos

de dificuldades: más condições de trabalho (são as mais citadas), assim

como a dificuldade de materiais, infra-estrutura, salários, falta de apoio, o

que, segundo esses professores, limita sua autonomia.

Os professores valorizam a atualização e a troca de conhecimentos e

o aperfeiçoamento pessoal. São críticos aos colegas que permanecem na

profissão por hábito, facilidade ou por falta de opção. Alguns acham que a

profissão é sacrificada e não se vêem em uma categoria profissional

engajada, mas em um grupo que sofre a falta de reconhecimento social e

que ganha mal. Por isso, para a maioria, a profissão docente é um desafio.

A pesquisadora percebeu grande conflito entre a vocação e profissão

por parte dos professores, visto que mesmo para aqueles que consideram o

ensino como profissão, a seus olhos seria uma carreira diferenciada, porque

requer atitudes especiais e, ainda que seja vista como missão, dom de si ou

compromisso, concentra vários papéis e funções.

Ao mesmo tempo, a pesquisadora aponta uma vontade de os

professores demarcarem seu papel e suas tarefas de modo a melhor definir

sua profissão, não somente em termos de vocação, mas também, quanto às

suas dificuldades particulares.

Na relação do professor com o seu saber profissional, segundo

Lomônaco (2002), o que está em foco é a relação existente entre a

apropriação e a adequação do saber profissional, ou seja, a aquisição de um

Page 76: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

76

saber e sua aplicabilidade. Nesse sentido, os professores dão testemunhos

de várias maneiras de aprender seu ofício e de colocar em prática seu

saber. Certos professores sentem-se capazes de tirar proveito de seu saber,

o que lhes dá satisfação e um sentimento de domínio do trabalho, uma

segurança frente a seu ofício. Mas, alguns professores sentem-se incapazes

de responder adequadamente a determinadas situações de ensino, o que

gera um sentimento de impotência, embora os desafie também.

As entrevistas permitiram à pesquisadora observar que a importância

dada aos conhecimentos varia segundo as concepções dos professores

frente ao seu papel ao ensinar. De um lado estão aqueles que privilegiam a

transmissão de valores e de comportamentos, concedendo um lugar

secundário aos conhecimentos formais e, do outro lado, encontram-se

aqueles que sempre dão prioridade aos conteúdos do programa, que são,

por sua vez, repassados sem considerar o nível da turma ou da capacidade

de aprendizagem dos alunos.

Pensando nas reflexões feitas por Lomônaco (2002), buscamos

pesquisas ou trabalhos que discutissem a relação com o saber nos cursos

de formação inicial de professores. Localizamos o artigo de Bicalho (2005),

da Universidade do Vale do Rio Doce, em Belo Horizonte. A autora discute a

formação de professores no Ensino Superior, especificamente no que se

refere à construção da relação acadêmica com o saber. Bicalho (2005) usa

como referencial teórico a noção de relação com o saber, de Bernard

Charlot. Como Lomônaco (2002), a autora também considera a formação

inicial de professores no Ensino Superior um espaço importante na

educação de professores.

Seu interesse pela pesquisa surgiu da sua própria relação com o

saber, na interação com os estudantes, visto que nesse espaço a professora

percebeu, por parte dos alunos, situações de extremo engajamento nas

atividades docentes, enquanto outros adotavam posturas de negação e

resistência. Numa tentativa de entender as relações dos alunos com o saber

e com a universidade, Bicalho (2005) utilizou como guia de entrevista a

trajetória escolar. A pesquisadora constatou que os estudantes

apresentavam diferentes tipos de trajetórias e formas de construírem

relações com o saber e com a universidade.

Page 77: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

77

Caracterizando os sujeitos, verificou que todos os entrevistados eram

oriundos de famílias com baixa condição financeira e baixo grau de

escolaridade (pais analfabetos ou que estudaram no máximo até a quarta

série do Ensino Fundamental). Todos eram dos cursos de Licenciaturas,

contudo a autora não esclarece de quais especificidades ou de quais

períodos eram seus entrevistados.

Bicalho (2005) trabalhou com a idéia de que o Ensino Superior

engendra formas de existência do saber e induz a uma determinada relação

com o saber, que ela denominou como ―relação acadêmica com o saber‖. A

pesquisadora julga que o tipo de saber desenvolvido no Ensino Superior é

um saber científico, mesmo nas instituições que não trabalham com

produção científica ou de preparação profissional, pois a relação com o

saber, nesse caso, é construída com base nas formas de raciocínio e

expressão próprias do conhecimento científico. Talvez venha daí a

dificuldade de articular as expectativas em relação à formação profissional

inicial com o cotidiano e as ementas da academia.

Os resultados da pesquisa revelaram a necessidade de um processo

de adaptação dos estudantes às práticas cotidianas da universidade, quanto

à relação acadêmica com o saber. Segundo os estudantes entrevistados, a

dificuldade começa a aparecer quando não conseguem entender o discurso

acadêmico, que, além de uma linguagem específica, tem um ritmo diferente,

o que os leva à dificuldade de ler e produzir textos nos ―moldes‖ acadêmicos.

O ritmo considerado aqui pelos estudantes refere-se às formas como os

professores transmitem os conteúdos. Os estudantes costumam dizer que

os professores ―jogam o conteúdo e o aluno tem que se virar‖. Segundo a

pesquisadora, essa é uma forma de os estudantes se relacionarem com os

saberes ainda não dominados e pode estar levando os sujeitos a uma

imobilidade frente aos saberes considerados científicos.

Os estudantes enfrentam essa situação de maneiras diversas.

Enquanto alguns parecem tentar estabelecer uma ponte com o cotidiano,

outros se fecham nessa relação, o que pode impedir qualquer aprendizagem

e a possibilidade de conexão entre os saberes que aprendem na

universidade e a vida profissional.

Por fim, encontramos também referências à relação dos professores

Page 78: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

78

com o saber, na pesquisa de doutorado de Ana Lúcia Manrique (2003), que

teve como objetivo principal compreender como se realizam as mudanças

em concepções e prática pedagógica de professores de matemática,

participantes de um processo de formação docente continuada em

Geometria. Embora o foco inicial não fosse a relação com o saber, ao

investigar as mudanças decorrentes da formação, Manrique (2003) detectou

a importância das relações do professor com o saber. Segundo a autora, ao

investigar tais relações, pode-se descobrir os diferentes dilemas enfrentados

pelos professores no cotidiano escolar.

Ao buscar a referência sobre os saberes docentes Manrique (2003)

sentiu a necessidade de resgatar os fundamentos teóricos de Bernard

Charlot, principalmente quanto às relações nas quais o sujeito se envolve

em processos de mudança. Apóia-se na definição de Charlot (2000, p. 61)

de que ―[...] a idéia de saber implica a de sujeito, de atividade do sujeito, de

relação do sujeito com ele mesmo, de relação desse sujeito com os outros

(que constroem, controlam, validam, partilham esse saber)‖, que, segundo a

pesquisadora, explicita o caráter dinâmico do saber bem como, a sua

constante transformação.

A pesquisadora observou que para alguns professores as relações

consigo próprio, com o outro e com o mundo são importantes por

propiciarem à pessoa interrogar-se sobre os valores e sentidos de seu

saber; pensar sobre as intervenções dos outros e sobre o meio no qual

estão inseridos. Nos relatos de alguns professores, foi possível, segundo a

pesquisadora, perceber a importância dos encontros de formação para a

mudança de concepção do papel do professor no ensino da geometria. O

encontro com pessoas que possuem idéias e sentimentos diferentes sobre o

ensino pode funcionar como propulsor de mudanças, fato que muito se

assemelha aos resultados obtidos nas pesquisas de Lomônaco (2002) e

Dieb (2007): a importância da relação com os outros como fonte de

construção dos saberes.

A partir das dificuldades que alguns professores encontraram em

compreender os conteúdos matemáticos e manusear materiais didáticos, a

pesquisadora verificou que essas dificuldades tinham relação direta com os

sentidos e valores que os pesquisados atribuíam à postura e às ações

Page 79: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

79

docentes. Nesse caso, precisaram alterar sentidos e valores para processar

suas mudanças.

Manrique (2003) afirma que a pessoa que está em uma relação com o

saber pertence a um momento histórico, vive em uma sociedade e possui

uma determinada cultura. É a esse mundo que devemos nos referir quando

investigamos relações com o saber, daí a necessidade de se pensar os

relacionamentos que os professores estabelecem com os estudantes nas

escolas, com a direção, coordenadores, pais e comunidade em geral.

Para a pesquisadora, o estudo das relações desses professores com

o saber propiciou uma reflexão sobre a realidade de forma mais ampla, o

que implicou conhecimentos das lógicas específicas utilizadas em situações

de aprendizagem, que, por sua vez, são afetadas por variáveis intrapessoais

e por fatores internos dos sujeitos, algo potencialmente significativo nos

processos de mudança.

Todas essas pesquisas aqui relatadas fazem refletir ainda mais sobre

o papel do professor formador no contexto da formação inicial,

principalmente no que se refere às relações com o saber na aprendizagem

inicial da docência. As pesquisas de Manrique (2003) e Bicalho (2005)

indicam a importância do reconhecimento das relações que os professores

formadores desenvolvem no contexto das Licenciaturas.

Surge assim, uma preocupação com a questão da teoria e prática que

aparece nas análises dos pesquisadores, visto que as relações que se

estabelecem com o saber no âmbito profissional das pessoas que

participaram das pesquisas podem ser influenciadas pelas práticas que os

professores formadores desenvolvem nas universidades, e que levam, por

sua vez, à falta de entendimento dos processos constitutivos da formação

docente. Desta forma deve-se insistir na idéia de verificar em que medida ou

de que forma a relação que o professor formador mantém com o saber

profissional pode ou não afetar a formação dos futuros professores nos

cursos de Licenciaturas.

Page 80: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

80

A formação de professores e a relação com os saberes profissionais

dos professores formadores

A universidade poderia ser o lócus privilegiado, para se desenvolver a

compreensão da noção de relação com o saber, bem como levá-la em

consideração nas próprias práticas dos professores formadores junto aos

futuros professores. A universidade é uma instituição de produção e de

discussão da ciência, da cultura, da tecnologia, da política, da economia,

entre outros. Entretanto, as pesquisas sobre a formação docente têm

demonstrado que ainda há muito por fazer, pois segundo pesquisadores tais

como Pimenta (2005), Ludke (2004), Roldão (2007), Pereira (2006), entre

outros, os cursos de formação, não vêm respondendo às necessidades

profissionais que o contexto social exige. Como afirma Pimenta (2005, p.

16):

As pesquisas em relação à formação inicial, têm demonstrado que os cursos de formação, ao desenvolverem um currículo formal com conteúdos e atividades de estágios distanciados da realidade das escolas, numa perspectiva burocrática e cartorial que não dão conta de captar as contradições presentes na prática social de educar, pouco têm contribuído para gestar uma nova identidade profissional docente

A ação do professor formador constitui, como afirma Imbernón (2000),

um eixo central na formação do conhecimento profissional básico do futuro

professor, bem como na constituição da sua profissionalidade docente. Isso

implica entender com profundidade a natureza da atividade docente que de

uma forma ou de outra é a ação de ensinar, mas como afirma Pimenta

(2005,p.18), [...] ensinar como contribuição ao processo de humanização dos

alunos historicamente situados. Espera-se dos cursos de ―[...] Licenciatura

que desenvolvam nos alunos conhecimentos e habilidades, atitudes e

valores que lhes possibilitem permanentemente irem construindo seus

saberes-fazeres docentes a partir das necessidades e desafios que o ensino

como prática social lhes coloca no cotidiano‖. (PIMENTA, 2005,p.18)

Roldão (2007) afirma que a ação de ensinar está no centro das

Page 81: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

81

atividades do professor e é isso que caracteriza a profissão docente,

distinguindo o professor de outros profissionais. A noção de ensinar assume

a cada período histórico um novo conceito. Houve um tempo, segundo a

autora, em que a ―ação de ensinar‖ tinha como propósito propiciar

conhecimento àqueles que não tinham acesso a ele. Assim, ensinar

significava professar um saber, ou seja, transmitir um saber, disciplinar

alguém. O entendimento de ensinar referia-se, segundo Roldão (2007, p.

95), ao ―sinônimo de transmissão de um saber, que atualmente deixou de

ser socialmente útil‖, principalmente se levarmos em consideração que as

informações estão disponíveis nas sociedades como um capital global.

Nas sociedades atuais, a função de ensinar segue outra linha de

interpretação, que, segundo Roldão (2007, p. 95) é

[...] antes caracterizado pela figura da dupla transitividade e pelo lugar de mediação. Ensinar configura-se assim, nesta leitura, essencialmente como a especificidade de fazer aprender alguma coisa (a que chamamos currículo, seja de que natureza for àquilo que se quer ver aprendido) a alguém‖, numa leitura mais pedagógica e alargada a um

campo vasto de saberes e conhecimentos, incluindo os disciplinares.

Essa concepção vem ao encontro das idéias de Sacristán (1995,

p.68). Para o autor, quando o professor desenvolve a ação de ensinar,

mobiliza não somente ações metodológicas, avaliações psicológicas de

diferentes processos de aprendizagem ou partilha competências, mas

exprime, sobretudo, ―[...] avaliações epistemológicas do professor sobre a

importância dos conteúdos, demarca normas de comportamento na aula;

reflete valores sociais, etc.‖

Segundo o autor, a essência da profissionalidade docente reside nas

relações dialéticas existentes entre conhecimentos e destrezas profissionais

que o professor desenvolve ao longo de suas atividades docentes. O autor

afirma que a conduta profissional do professor pode ser uma conduta de,

[...] simples adaptação às condições e requisitos impostos pelos contextos preestabelecidos, assim como também pode assumir uma perspectiva crítica, estimulando o seu pensamento e a sua capacidade para adotar decisões

Page 82: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

82

estratégicas inteligentes para intervir nos contextos. (SACRISTÁN, 1995, p. 74).

A ação de ensinar remete à análise de várias questões que circundam

o ato de educar e que envolve, por sua vez, uma complexidade de relações.

Assim, pensar a educação significa pensar, segundo Charlot et al. (2001),

um movimento antropológico de humanização, como um conjunto de

processos socioculturais e como um confronto com saberes específicos,

com práticas sociais. Os sujeitos envolvidos nesse processo exercem

atividades no mundo e sobre o mundo, perseguem objetivos e realizam

ações nesse mundo.

Para Charlot (2001), discutir a formação dos sujeitos leva a indagar as

relações com o saber e com o aprender que são requeridas e mobilizadas

em situações distintas por esse sujeito. Tais relações são múltiplas e

variadas, por isso afirma que não há como abordar a relação com o saber

apenas por uma tendência teórica. Em Charlot et al ( 2001), há um consenso

entre os autores quando afirmam que quando o sujeito aprende no seio de

uma instituição (instituições não são apenas escolas), estabelece uma

relação com os saberes subjacentes a ela. Essa relação com o saber

permite abordar problemas diversos, de amplitude variável, presentes nos

vários campos disciplinares.

Por isso, quando discutimos a formação docente e o desenvolvimento

da profissionalidade15 docente, estamos pensando no sujeito que

desenvolve um certo tipo de relação com um conjunto de saberes que

compõem essa profissionalidade. Pesquisar a relação com os saberes

profissionais implica compreender como os sujeitos, no caso, o professor

formador e o estudante futuro professor, categorizam e organizam o seu

mundo, que sentidos dão à sua experiência, especialmente, a sua

experiência de formação profissional.

Para Charlot et al. (2001), a amplitude dessas questões leva a

analisar os modos de pensar, ser, comportar-se, representar e interpretar o

15 SACRISTÁN (1992, p.2), define profissionalidade como ―expressão da especificidade de uma atuação dos professores na prática, ou seja, o conjunto de atuações, habilidades, conhecimentos, atitudes e valores ligados a elas, que constituem a prática específica de ser professor‖.

Page 83: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

83

mundo, assim como perceber o outro e comunicar-se com ele. Tem a ver

com o conjunto de necessidades que são percebidas por um coletivo de

professores. Implica, segundo Abdalla (2006), pensar nas ações do dia-a-dia

e na compreensão das diferentes necessidades/expectativas dos

professores.

Segundo Mellouki e Gauthier (2004) é importante superar certos

discursos que não contribuem para a formação do senso crítico. Não

podemos nos referir à formação de professores e às relações que esses

estabelecem com os saberes da profissão, apenas levando em consideração

os conceitos forjados pela prática, pois essa concepção pode levar, segundo

Sacristán (1995), a uma acepção mais imediata da prática, constituindo o

conteúdo dessa formação um sentido técnico restrito.

A formação de professores não requer somente discussões

relacionadas à transmissão e transposição do conhecimento, mas também

às condições de aprendizagem dos sujeitos envolvidos no processo, pois,

segundo Charlot (2005, p. 77), ―[...] a educação supõe uma relação com o

outro, e não há educação sem algo de externo àquele que se educa‖. O

outro pode ser o professor, mas também um conjunto de objetos intelectuais,

situações, valores ou práticas.

Adquirir um saber, para Charlot (2000), equivale a assegurar-se de

um certo domínio do mundo ou sociedade em que se vive, comunicar-se

com os outros e partilhar esse mundo com os outros, viver certas

experiências e tornar-se mais seguro de si, mais independente. Procurar um

saber é instalar-se num certo tipo de relação com esse saber e, por isso,

pode-se utilizar a expressão ―o homem enquanto sujeito do saber‖. Charlot

explica:

O sujeito do saber acaba por desenvolver uma atividade que lhe é própria: argumentação, verificação, experimentação, vontade de demonstrar, provar, validar. Essa atividade é também ação do sujeito sobre ele mesmo: tomar o partido da razão e do saber é endossar exigências e proibições relativas a si próprio. (CHARLOT, 2000, p. 60).

A discussão sobre a formação de professores requer compreender

Page 84: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

84

não somente a relação com o saber dos sujeitos envolvidos no processo de

formação, mas implica verificar a relação desses sujeitos com o ensino (com

a situação e com a atividade de ensino), pois formar e formar-se professor é,

ao mesmo tempo, apropriar-se dos discursos (dos saberes teóricos) e

tornar-se capaz de realizar práticas, que se fazem necessárias a cada

momento ou situação.

O problema é que justamente pela forma com que o sujeito

estabelece as relações no âmbito da educação também se institucionalizam

certas ideologias, crenças, valores, condutas, formas de se relacionar com

os saberes diversos, que hoje, apesar dos discursos, ainda se fazem

presentes nas instituições escolares e universitárias. Por isso, a discussão

da formação de professores implica necessariamente uma discussão sobre

os professores formadores, assim como uma discussão sobre as relações

que eles estabelecem com os saberes da profissão docente e,

principalmente, com os saberes implícitos na sua atividade como formador.

Afinal, é bom lembrar que existe no âmbito das instituições

educacionais um discurso sobre a prática e a própria prática, que emerge

desse discurso, os quais normalmente segundo Charlot, não convergem.

Ou seja, o discurso muitas vezes é um e a atividade dos professores é outra.

Desta forma, questiona-se, como apesar de tantos encontros, discussões,

debates em torno de uma formação crítica, emancipatória, ainda nos

deparamos com situações em que não se fez ―[...] o rompimento com a visão

etnocêntrica que somente concebe como cultura as formas culturais

dominantes‖(ALVES, 2004, P. 40). Quando ainda percebemos que o

professor, apesar de seus discursos, não considera de fato, a experiência

prévia de seu aluno.

Para Charlot (2005), é preciso pensar e analisar alguns itens

relacionados à atividade dos professores, que por sua vez vão instituindo ou

engendrando certas maneira de ―ler― as coisas, as pessoas e os

acontecimentos, ou melhor, que vão constituindo a relação que os

professores estabelecem com os seus saberes profissionais:

É imprescindível, quando se reflete sobre a formação dos professores, distinguir bem esses quatro níveis de análise: o

Page 85: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

85

saber como discurso constituído em sua coerência interna, a prática como atividade direcionada e contextualizada, a prática do saber e o saber da prática. Formar professores é trabalhar saberes e as práticas nesses diversos níveis e situar, a partir dos saberes e das práticas, os pontos em que podem se articular lógicas que são e permanecerão heterogêneas. (CHARLOT, 2005, p. 94)

No que se refere a lógica dos discursos constituídos, o autor destaca

que os professores assimilaram alguns discursos que, segundo ele, não

podem mais ser utilizados no contexto atual e se transformaram numa

mistificação pedagógica sobre a realidade social. Dessa forma, adotando-se

certas atitudes e práticas relacionadas aos discursos, muitas vezes

fundamentados pelos modismos que surgem inevitavelmente nas

sociedades, esses vão se tornando um saber-discurso. Entretanto para que

o saber-discurso se constitua é necessário uma prática do saber que

segundo Charlot (2005, p. 94), é ―[...] uma forma de mediação entre a lógica

das práticas e aquela dos discursos eruditos, mediação, e não integração

das duas lógicas: prática e teoria‖. Nesse caso, ―[...] a prática do saber é

uma prática e não um saber‖ (p.94).

Para o autor, existem tensões, entre a lógica das práticas e o saber

constituído em discurso que afeta não somente a atividade do professor,

mas também os próprios alunos, visto que encontram-se muitas vezes em

conflito com as lógicas dos professores.

Na sociedade atual, por exemplo, os professores querem transmitir

saberes aos seus estudantes, no entanto os alunos, não questionam o valor

particular desses saberes, mas só conferem legitimidade ao saber se ele é

útil. Tais considerações destacam, segundo Charlot, a complexidade do

―métier‖ dos professores. Charlot (2005, p. 98) afirma que:

Formar professores é dotá-los de competências que lhes permitirão gerir essa tensão, construir as mediações entre as práticas e saberes através da prática dos saberes e do saber das práticas. Para formar educadores, é preciso ser igualmente capaz, como formador de educadores, de gerir a mesma tensão.

Portanto, a formação inicial de professores deve também buscar

refletir sobre tais tensões junto aos licenciandos.

Page 86: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

86

CAPÍTULO III - METODOLOGIA

Quando ouço, verdadeiramente, uma pessoa e apreendo o que mais lhe importa, em dado momento, ouvindo não apenas as suas palavras, mas a ela mesma, e quando lhe faço saber que ouvi seus significados pessoais privados, muitas coisas acontecem. (Carl R. Rogers - 1973:210)

Para compreender a relação que os professores dos cursos de

licenciaturas estabelecem com os saberes profissionais é preciso buscar

compreender como concebem o processo de aprendizagem para a

docência, os sentidos que atribuem à sua disciplina e à profissão docente;

as suas concepções sobre o aluno, o professor, o ensinar, o aprender e as

práticas escolares, que se configuram como relações pertinentes à atividade

do professor, segundo Charlot ( 2005).

As pesquisas que envolvem a relação com o saber procuram,

segundo Charlot (2001, p. 63), compreender como o sujeito categoriza,

organiza, dá sentido à sua experiência e a seu mundo. Por isso é preciso

buscar como ―[...] o sujeito apreende o mundo, constrói e transforma a si

próprio‖.

Charlot (2000, p. 63) afirma que não há saber que não esteja inscrito

em relações de saber, desta forma as relações com o saber são relações

sociais. Segundo o autor um saber só tem sentido e valor por referência a

essas relações. Para compreender a relação que um sujeito estabelece com

um saber seja ele qual for, deve-se levar em consideração as relações com

os lugares, com as pessoas, com os conteúdos de pensamento, com a

questão do aprender e do saber, os valores, crenças, expectativas e

mobilizações frente a sua atividade no mundo.

As pesquisas focadas na relação com o saber podem ser

desenvolvidas sob várias perspectivas (antropológicas, sociológicas,

didáticas...), desde que levem em consideração que o sujeito é

indissociavelmente humano, social e singular. Segundo Charlot (2001, p.

19),

Qualquer que seja a entrada disciplinar, a questão da mobilização do sujeito, da sua entrada na atividade

Page 87: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

87

intelectual, parece central na problemática da relação com o saber: por que ( motivo) e para que ( fim, resultado) o sujeito se mobiliza? Que desejo sustenta esta atividade? Por que ela não se produz com a mesma freqüência, nem sobre os mesmos objetos, nas diferentes classes sociais? Que postura (relação com o mundo, com os outros e consigo mesmo) assume o sujeito que aprende. [...] a questão é sempre compreender como se opera a conexão entre um sujeito e um saber ou, mais genericamente, como se desencadeia um processo de aprendizagem, uma entrada no aprender. Se o sujeito já está em atividade, a questão é compreender o que sustenta a sua mobilização.

As questões propostas por Charlot são extremamente instigantes e

nos conduziram a desenvolver a presente pesquisa

Campo e Sujeitos da Pesquisa

A definição do campo e dos sujeitos da pesquisa baseou-se em

alguns elementos considerados relevantes no processo de formação de

professores nos cursos de Licenciatura.

Primeiro, levou-se em consideração os problemas discutidos por

Marques (2003), relacionados à fragmentação e desarticulação dos

currículos que se manifestam de várias maneiras e por sua vez, concorrem

para que a formação de professores se torne precária.

O segundo aspecto considerado foi o escasso número de pesquisas

centradas, segundo Andrade (2007), na figura do professor formador, um

dos principais agentes de transformação nos processos formativos do futuro

professor.

Por considerar as universidades o epicentro de formação de

professores principalmente no que se refere aos cursos de Licenciaturas,

optou-se por desenvolver o estudo com professores de uma das

universidades da região Sul do Brasil. A universidade em questão é

considerada uma das maiores instituições de ensino dessa região e possui

uma estrutura multicampi que permite atender às comunidades das várias

cidades da região, assim como às mais variadas áreas do conhecimento

humano, por meio da produção e socialização do conhecimento pelo ensino,

Page 88: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

88

pela pesquisa e pela extensão. Atualmente, possui mais de cinqüenta cursos

superiores, trinta e seis cursos de especialização/aperfeiçoamento, oito

mestrados e dois doutorados. Além disso, abrange a educação de jovens e

adultos e a educação básica, com o Colégio de Aplicação.

Os cursos de graduação da universidade estão organizados em seis

centros de atividades: centro das ciências da saúde; das ciências humanas;

das ciências sociais e jurídicas; das ciências sociais aplicadas à gestão; das

ciências aplicadas a comunicação, turismo e lazer; das ciências tecnológicas

da terra e do mar, sendo que os cursos de formação inicial de professores,

especificamente as Licenciaturas estão vinculadas ao centro de ciências

humanas.

O centro de ciências humanas atualmente congrega oito cursos de

Licenciatura em diferentes áreas do conhecimento — Música, Pedagogia,

Letras, História, Geografia, Ciências Biológicas, Psicologia e Educação

Física. Ao reunir essas graduações, o centro integra também a pesquisa e a

extensão, na inovação tecnológica e na formação e capacitação de

alunos, buscando que seus estudantes possam transitar pelas diferentes

áreas do conhecimento. Além disso, o centro também abriga o Núcleo das

Licenciaturas, que oferece formação pedagógica para todos os cursos da

universidade que formam o professor para atuar na Educação Básica.

A existência desse núcleo foi mais um dos motivos que contribuiu

para a escolha dessa universidade como campo de pesquisa. O núcleo das

licenciaturas tem como objetivo a integração entre as disciplinas específicas

e as disciplinas de formação pedagógica.

Para um maior entendimento a respeito do núcleo das licenciaturas,

foi realizada uma entrevista com a coordenadora do núcleo, bem como com

a Gerente de Ensino e Avaliação, co-responsáveis pela elaboração,

implementação e manutenção do projeto. Além disso, foi analisado o

documento que constituiu o núcleo. As informações fornecidas foram muito

ricas e ajudaram a entender os depoimentos dos professores formadores.

Houve inicialmente um contato com os coordenadores dos cursos de

licenciaturas para indicação dos professores. Assim, foram convidados a

participar da pesquisa vinte e cinco professores responsáveis tanto pelas

disciplinas específicas como pelas pedagógicas.

Page 89: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

89

O contato inicial, com os coordenadores e com os professores, foi

difícil. Aparentemente suas agendas estavam muito comprometidas com

muitas atividades tanto na vida profissional como particular. Assim, dos vinte

e cinco professores, apenas nove devolveram o registro escrito com o

balanço do saber. Entre eles, um professor16 de Educação Física; uma

professora de Letras; dois professores de Biologia; uma professora de

História; duas professoras de Artes; uma professora de Música e uma

professora de Didática e Prática de Ensino.

Os participantes, de ambos os sexos estavam na faixa etária de 30 a

50 anos, com experiência docente entre 10 e 30 anos, e como professores

formadores o tempo de experiência variou entre 6 a 23 anos. Todos atuam

nesta universidade há pelo menos 4 anos.

Procedimentos Metodológicos

Balanço do saber: uma técnica de coleta de dados

Na coleta de dados, procurou-se seguir o caminho já percorrido por

outros estudos, que investigaram a relação com o saber. Assim, numa

tentativa de apreender os sentidos que os professores dos cursos de

Licenciaturas atribuem à sua disciplina e à profissão docente e como

concebem o processo de aprendizagem da docência, recorreu-se

primeiramente a técnica do balanço do saber, utilizada pela equipe ESCOL,

da França e também por pesquisadores brasileiros como Dieb (2007) e

Lomônaco (2002).

O objetivo dessa técnica, segundo Charlot (2001), é estimular as

pessoas que participam da pesquisa a avaliarem os seus processos de

aprendizagem. Consiste na produção de um texto com base em um

enunciado que é elaborado especialmente para obter dados a respeito do

objeto de pesquisa. No caso da presente pesquisa, o objetivo foi

proporcionar aos professores formadores uma oportunidade de refletirem

16

Para manter o anonimato dos professores e da instituição, serão utilizados na descrição dos dados, nomes fictícios.

Page 90: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

90

sobre suas práticas e sobre o que consideram importante ensinar no curso

de formação de professores.

Dessa forma, elaborou-se um enunciado que pudesse revelar tais

intenções. Para possibilitar o atendimento às expectativas ou questões de

pesquisa, foram aplicados pré-testes a professores formadores de uma

universidade que não fez parte dessa pesquisa. Essa experiência foi

bastante interessante, pois pôde-se observar os comportamentos dos

professores bem como as falhas do instrumento, o que levou à reformulação

do enunciado até que pudesse dar informações a respeito do objeto de

pesquisa. Assim, chegou-se ao enunciado que segue:

Desde que pensou em ser professora (professor) você aprendeu muitas coisas com relação à atividade docente. Pense bem que coisas são essas e escreva aquelas que considera mais importantes. Depois escreva o que você ainda gostaria de aprender sobre essa atividade. Diante do que você escreveu, o que é ser professor para você hoje?

Na primeira etapa da pesquisa, além da técnica do balanço do saber,

também foram acrescentadas algumas perguntas para caracterizar e

conhecer um pouco mais os professores envolvidos, pois segundo Charlot

(2005,p.23), numa pesquisa sobre relação com o saber é importante

considerar a singularidade e a história dos indivíduos; as suas atividades

efetivas, suas práticas; a especificidade dessa atividade e o significado que

conferem às situações vivenciadas. Dessa forma, perguntou-se aos

professores:

A idade;

O tempo de profissão docente;

O que o levou a ser professor;

O tempo em que atua como professor formador;

O tempo em que trabalha como professor na universidade.

Os dados foram submetidos à análise de conteúdo, que segundo

Franco (2007, p. 12), tem como ponto de partida ―[...] a mensagem verbal

Page 91: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

91

(oral ou escrita), gestual, silenciosa, figurativa, documental ou diretamente

provocada‖. A autora afirma ainda que:

As mensagens expressam as representações mentais construídas socialmente, a partir da dinâmica que se estabelece entre a atividade psíquica do sujeito e o objeto do conhecimento. Relação que se dá na prática social e histórica da humanidade e que se generaliza via linguagem. Sendo constituídas por processos sociocognitivos, têm implicações na vida cotidiana, influenciando não apenas a comunicação e a expressão das mensagens, mas também os comportamentos. (FRANCO, 2007, P. 12)

Para a autora, toda mensagem escrita, falada ou sensorial, contém

uma grande quantidade de informações sobre o sujeito emissor: ―[...] suas

filiações teóricas, concepções de mundo, interesses de classe, traços

psicológicos, representações sociais, motivações, expectativas, etc‖.

(FRANCO, 2007, p. 25).

Seguindo a guisa metodológica da análise do conteúdo, buscou-se

fazer uma leitura dos dados coletados com o objetivo de organizar as

unidades de análise. Essa pré-análise corresponde a um período de

intuições sobre os dados e tem por objetivo operacionalizar as idéias iniciais

de maneira que essas possam levar a um plano de análise. Assim, de posse

dos registros com os balanços do saber, elaborados pelos professores

formadores, buscou-se fazer a leitura, deixando-se invadir por impressões

sobre as relações que os professores estabelecem com seus saberes

profissionais.

Foi possível conhecer assim, um pouco da história da formação

profissional do professor formador, os valores atribuídos a essa formação,

pois na medida em que o professor escrevia sobre o que aprendeu, pôde-se

perceber o que é importante para ele. Essa ordem de importância ajudou

também a entender que tipo de relação esse professor mantém com a sua

profissão e com os saberes necessários ao exercício profissional.

Outro fator que chamou a atenção nessa primeira etapa foram as

contradições presentes no conteúdo dos textos do balanço do saber.

Contradições essas que foram constituindo o principal objeto de análise

nessa pesquisa, pois à medida que essas contradições se evidenciavam, se

Page 92: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

92

explicitavam também alguns pontos chaves de análise.

Entrevistas recorrentes

O balanço do saber ajudou a apreender alguns dos sentidos

atribuídos pelos professores aos saberes profissionais, mas foi apenas uma

aproximação inicial. Para complementar as análises recorreu-se à técnica da

entrevista recorrente.

Antes de voltar ao campo e fazer as entrevistas recorrentes com os

professores formadores procedeu-se à análise de alguns temas ou pontos

chaves, em especial que apareceram de forma reincidente nos textos dos

professores, os que evidenciavam relações com os saberes profissionais e

os que apresentavam contradições. Também foram destacados elementos

que precisavam ser esclarecidos ou aprofundados.

Segundo Tunes (1981), Simão (1989), Zanelli (1992) e Contini (1998),

que discutem os princípios básicos da ―entrevista recorrente‖, a interação

entre o pesquisador e o entrevistado é fundamental para a construção do

conhecimento acerca de uma situação problematizada. Sendo assim,

buscou-se entrevistar os professores, numa espécie de interação social

planejada que se dá entre ―um ator que pretende ‗conhecer‘ o fenômeno e o

outro ator que detém a experiência cotidiana daquele fenômeno‖ (SIMÃO,

1989, p.37), havendo, para tanto, a repetição de encontros entre esses

atores (pesquisador e participante), até que se considere a questão ou o

problema suficientemente esclarecido.

Não houve um roteiro único para todos os participantes da pesquisa,

mas um roteiro especialmente elaborado para cada um dos entrevistados.

As perguntas feitas aos professores, buscavam aprofundar pontos obscuros

ou pouco esclarecidos na primeira etapa da investigação. Também não

houve preocupação em esgotar os tópicos de interesse em uma única

seção. Entretanto, apenas com dois professores, foi necessário mais de um

encontro, para aprofundar questões relevantes.

Nesse processo de investigação, à medida que os professores tinham

a possibilidade de rever o que haviam escrito, foi possível observar que os

Page 93: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

93

mesmos mudavam seus posicionamentos e as formas de expor seus

pensamentos. Essa possibilidade de mudança está relacionada [...] à

produção desse conhecimento ativo. Conhecimento e ação, portanto,

apresentam-se dialeticamente associados (ZANELLI, 1992, p.58). Foi

possível, nesse processo, a aproximação aos significados manifestos e

latentes produzidos pelos professores formadores acerca da formação inicial

de professores e suas relações com os saberes profissionais.

Todas as sessões de entrevista foram gravadas e transcritas. Em

seguida foram conferidas de modo a comparar as transcrições e suas

respectivas gravações. De posse desse material, foi feita uma análise

preliminar dos depoimentos dos professores organizando-os em função dos

conteúdos.

As análises apresentam algumas limitações visto que estamos

investigando os sentidos que os sujeitos atribuem aos seus saberes

profissionais, o que envolve uma série de questões que vão, desde as suas

concepções em relação ao processo de aprendizagem da docência, às

concepções de ensino/aprendizagem, ao papel do aluno, do professor e das

práticas escolares. Nem sempre é possível desvelar tais concepções

principalmente porque o professor formador encontra-se envolvido num

contexto histórico repleto de instabilidades e ambigüidades, políticas,

econômicas, sociais e profissionais.

Além disso, em alguns casos, tais concepções não se encontram

claras nem mesmo aos próprios formadores, principalmente por conta da

cotidianidade de sua atividade que ao mesmo tempo esclarece e dificulta a

percepção clara dos conhecimentos que divulgam, os compromissos que

assumem, as informações que oportunizam aos estudantes e as habilidades

cognitivas que exigem.

Page 94: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

94

CAPITULO IV - APRESENTAÇÃO DOS DADOS

“Nosso verdadeiro estudo é da condição humana”.

(ROUSSEAU, Emílio)

O Núcleo das Licenciaturas

Com base nas entrevistas, foi possível entender o que provocou a

elaboração do projeto do núcleo das licenciaturas, assim como o processo

de implantação e funcionamento do mesmo.

A universidade em questão funcionava até 2004, em forma de centros

de formação nos diferentes cursos, tais como, Centro das Ciências da

Saúde, Ciências Humanas e da Comunicação, Historia e Geografia,

Pedagogia, Educação Física, entre outros, sendo que cada centro

desenvolvia a sua própria formação pedagógica para os licenciandos.

O problema segundo a Gerente de Ensino e Avaliação, eram os

grandes conflitos que surgiam em virtude da importância atribuída aos

cursos de bacharelados. Havia uma forte tendência, segundo ela, de

valorização da formação específica, relegando a licenciatura para o segundo

plano. Havia muitos problemas relacionados aos estágios, ao

relacionamento com a comunidade, às escolas e às práticas pedagógicas.

Havia ainda, muitas críticas ao sistema 3 + 1, uma vez que esse não

facilitava a aproximação da universidade à comunidade nem às escolas, e

críticas que se estendiam ao tipo de formação de professores propiciada

pela universidade. O distanciamento entre comunidade, escolas e

universidade foi um ponto forte na argumentação para criação do núcleo das

licenciaturas, e para as mudanças que ocorreram na matriz curricular dessa

modalidade de curso, como explica a Gerente de Ensino e Avaliação:

[...] porque a universidade tem uma virtude nesse sentido assim, a gente sempre desviou as ações muito para a comunidade, e nós tínhamos uma reclamação da comunidade, em relação a isto, a formação dos nossos professores, naquele esquema de três mais um, não atendia as necessidades das escolas, e as escolas diziam isso para nós, que a formação estava deixando a desejar, no sentido

Page 95: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

95

de efetivamente, formar um professor. [...] Então, nós fomos juntando todos os argumentos, para poder discutir, e poder pensar no núcleo, o que a gente espera é que o núcleo se fortaleça e encontre um espaço que efetivamente discuta essa formação do professor, junto com as escolas, junto com a comunidade, junto a um conjunto de pessoas.

Assim, aproveitando-se desses argumentos bem como das mudanças

ocorridas na Lei de Diretrizes e Bases – Lei 9394/96, que recomenda a

estruturação de currículos de Licenciatura pautados em eixos norteadores

como: unidade teoria e prática, gestão democrática da escola, compromisso

social e ético, sólida formação teórica e interdisciplinar, trabalho coletivo e

articulação da formação inicial e continuada, foram dados os primeiros

passos para implantação de uma Matriz Curricular Integrada, como eixo

central da formação dos professores da Educação Básica, buscando a

unidade de ação no desenvolvimento da formação docente, conforme se

pode observar no quadro fornecido pela universidade:

MATRIZ CURRICULAR INTEGRADA DA UNIVERSIDADE – BASE PARA OS CURSOS DE LICENCIATURA

Período

Curricular

Formação

Geral

Conhecimentos Técnico-

Científicos da Área +

Fazer Pedagógico

Disciplinas

Optativas

1

Prática Docente:

projetos

integrados

90 h/a

2

Metodologia do

Ensino de (Área

Específica)

60 h/a

Processos de

Ensino e

Aprendizagem

60 h/a

Prática Docente:

projetos

integrados

90 h/a

3

Prática Docente:

projetos

integrados

90 h/a

4

Prática Docente:

projetos

integrados

75 h/a

Estágio

Supervisionado -

Pesquisa da

Prática

Pedagógica

60 h/a

5

Prática Docente:

projetos

integrados

60 h/a

Estágio

Supervisionado -

Pesquisa da

Prática

Pedagógica

90 h/a

6

Estágio

Supervisionado -

Pesquisa da

Prática

Pedagógica

120 h/a

7

Estágio

Supervisionado -

Pesquisa da

Prática

Pedagógica

135 h/a

Educação, Comunicação e

Tecnologia

60 h/a

Prática de Ensino + Estágio

Supervisionado

LIBRAS

60 h/a

Ati

vid

ad

es C

om

ple

men

tare

s 2

00 h

/a

Currículo

60 h/a

Políticas Públicas em Educação

60 h/a

Educação Inclusiva

60 h/a

Conhecimentos de Formação

Pedagógica

Realidade Socioeducacional

Brasileira

60 h/a

Page 96: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

96

A organização dessa nova matriz curricular, para os cursos de

licenciaturas surgiu da análise de matrizes curriculares dos vários cursos:

Geografia, História, Música, Letras, Educação Física, Artes, Matemática,

Biologia. Segundo a coordenadora do núcleo, o que se observou foi que as

matrizes curriculares anteriores revelavam uma organização curricular que

realmente privilegiava o bacharelado. Segundo ela, a organização curricular

era pouco consistente e desarticulada do profissional da educação, com falta

de referenciais que articulassem os saberes científicos aos saberes

pedagógicos. A análise das matrizes curriculares mostrou que ao final da

formação o perfil profissional estava mais próximo ao de um biólogo,

geógrafo, historiador ou lingüista que do professor de biologia, de geografia,

de história ou de línguas.

A partir dessa análise sentiram a necessidade de dar novos

encaminhamentos aos cursos de licenciaturas. Pelo que consta no projeto

do núcleo, bem como em seu organograma, os professores, a Gerente de

Ensino e pesquisadores da instituição, apoiados na Lei de Diretrizes e Bases

– Lei 9394/96 repensaram a estrutura de oferta e organização de seus

cursos de formação de professores, objetivando a superação da dicotomia

teoria-prática e o distanciamento entre as diferentes áreas, de forma a

corresponder, em extensão e profundidade, aos princípios que orientam a

reforma da educação básica. Conforme consta no projeto do núcleo, a

intenção foi buscar modalidades de organização pedagógica e espaços

institucionais que favorecessem a constituição das competências docentes

requeridas para ensinar.

A matriz foi constituída de forma que os núcleos específicos cuidem

das disciplinas específicas, e o núcleo das licenciaturas, da parte

pedagógica, mantendo a articulação entre os mesmos por intermédio de

professores que atuam tanto nas disciplinas específicas como nas

disciplinas pedagógicas e que fazem parte do grupo núcleo.

Para manter essa matriz curricular articulada, as coordenações e

professores dos cursos de licenciatura atuam de forma colegiada,

conservando os espaços coletivos de discussão, produção de saberes e

competências necessárias ao exercício da docência e à consolidação de

políticas institucionais que contribuam para a qualificação de docentes.

Page 97: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

97

Fazem parte do núcleo das licenciaturas vinte e cinco docentes,

especialistas, mestres e doutores, com formação em diferentes áreas do

conhecimento, que juntamente com a coordenadora do núcleo constituem o

colegiado, que busca desenvolver atividades que propiciem formação

integrada aos estudantes, o que ocorre tanto pela forma como a matriz está

organizada, como pelas reflexões e replanejamento contínuo das atividades

sistemáticas do núcleo.

Com base nas discussões e reflexões ocorridas nas reuniões de

colegiado desse núcleo foram organizados 3 seminários, no período entre

2005 a 2008, envolvendo todos os professores da universidade que atuam

com cursos das licenciaturas, numa tentativa de agregar mais professores

ao núcleo. Segundo as entrevistadas, ainda é muito grande a resistência por

parte dos professores das disciplinas específicas com relação a criação do

núcleo, pois esses alegam que as aulas ou disciplinas, organizadas na nova

matriz, tomam um espaço de tempo que poderia ser destinado às disciplinas

ou conteúdos das áreas específicas, tais como matemática, biologia,

química, história, geografia, entre outras. Segundo a coordenadora do

núcleo, alguns professores não entendem que pode haver uma articulação

entre as disciplinas.

Para a coordenadora do núcleo, ―[...] é necessário por exemplo, não

apenas um historiador nas escolas, mas um bom professor de História‖.

Para ela essa nova organização ajuda na formação do futuro professor,

porque os licenciandos conseguem perceber a relação entre o saber

específico e o pedagógico, pois em muitos casos quem trabalha com as

disciplinas pedagógicas é também um professor de Historia, de Geografia,

de Biologia, que por sua vez consegue estabelecer essa relação.

Segundo a coordenadora do núcleo, apesar do desenvolvimento das

atividades e do envolvimento dos professores ainda é muito difícil

conscientizar os demais professores dos diferentes núcleos, da importância

dessa reflexão sobre a profissão docente dentro da universidade. É o que

afirma a Gerente de Ensino e Avaliação, que também esclarece que:

As ações de integração são várias, mas dependem também, da... Eu diria da responsabilidade do colegiado do curso,

Page 98: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

98

quanto mais o colegiado do curso se identifica com a proposta, melhor e mais fácil as coisas funcionam, a gente vê isso nitidamente, tem cursos em que isso vai muito bem, em que as pessoas compreendem, lidam bem, tratam, se integram, agora tem áreas mais duras, que essa relação é muito mais truncada. Eu diria que em educação física e música, isso é um pouco mais fácil, história e biológicas, isso é um pouco mais difícil, pelas características das áreas, que a gente não pode menosprezar, mais basicamente a gente tem tentado fazer ou por meio de seminários ou projetos pedagógicos, por meio das ações de apresentações de trabalhos, atividade definidas nas práticas docentes, a gente vem forçando esse dialogo, não no sentido de impor mas, tentado conquistar o espaço, para... Materializar esse diálogo, mas não é simples, é um espaço a ser conquistado, e ser conquistado o tempo todo, não tem como dizer cumpriu-se, você não consegue dizer isso, o tempo todo você tem que estar lutando e brigando, conforme vão mudando as pessoas, saem professores entram professores, e você tem que de novo conquistar, de novo trabalhar.

Assim, do ponto de vista da Gerente de Ensino e Avaliação como da

coordenadora do núcleo, o projeto ainda é recente, tem apenas quatro anos

de implementação, mas já traz mudanças significativas na formação de

professores, fato que já é reconhecido pela comunidade e mesmo por parte

dos grupos resistentes que alegam que não querem voltar ao que era antes:

Do ponto de vista da comunidade, como um todo, uma coisa que é inegável, mesmo as áreas mais duras, não conseguem negar, que o núcleo ajuda a formação, no sentido de trabalhar com uma conscientização do que é carreira do professor, os meninos que se formam, os formados que passaram pelo núcleo, eles têm uma consciência muito maior do que é ser professor, eu acho que essa é a grande conquista do núcleo, você vê os alunos se formando de um outro jeito, mais conscientes da sua tarefa como professores, e isso inegavelmente é o trabalho que o núcleo realizou neste período, essa é uma fala dos professores que o tempo todo reafirmam, é o contato desde o primeiro período com as escolas que facilita a definição da profissão, os meninos vão para a escola desde o primeiro período.(Gerente de Ensino e Avaliação)

Percebe-se que a idéia da formação do três mais um, não atrai nem

mesmo os professores formadores mais resistentes, pois esses atribuem

Page 99: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

99

pontos positivos tanto ao estágio de observação, quanto à disciplina

chamada Prática Docente, que insere os alunos desde o primeiro período no

ambiente escolar, de forma que esses possam desenvolver projetos

integrados com as escolas. Os professores verbalizam, segundo a pró-

reitora de pesquisa, que esse contato desde o primeiro período, vai tornando

os alunos mais conscientes de sua futura profissão.

Para entendermos melhor como o núcleo funciona foi-nos fornecido o

organograma desse setor da universidade:

ORGANOGRAMA DO NÚCLEO DAS LICENCIATURAS

Núcleo das Licenciaturas – Projeto de Criação.

Pró-Reitoria

1.1.1.1.1.1.1.1.1 de Ensino

Departamento de

Ensino e Avaliação

CEHCOM

Colegiado das

Licenciaturas

Cursos de

Licenciatura

Núcleo das

Licenciaturas

Page 100: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

100

Por meio do organograma e também das explicações concedidas

pelas entrevistadas, percebe-se que o colegiado das diferentes licenciaturas

mantém ou deveria manter uma comunicação bem próxima com o núcleo

das licenciaturas, para a formação do futuro professor para a educação

básica. No entanto, por conta das resistências encontradas em alguns

departamentos esse trabalho ainda precisa ser solidificado. Segundo a

coordenadora do núcleo, ainda há professores que chegam a ser

categóricos com relação aos saberes pedagógicos, considerando esse um

espaço perdido para o curso. No caso das áreas de História, Biologia,

Geografia, Matemática, por exemplo, alguns professores chegam a afirmar,

segundo ela, que as atividades desenvolvidas pelo núcleo ou pelos

professores do núcleo são muito fáceis.

Balanço do saber: caracterizando e desvendando os primeiros

elementos sobre a relação com o saberes profissionais dos

professores formadores

Ao serem questionados sobre os motivos que os levaram à escolha

da profissão docente, os professores fizeram referências à identificação com

a docência, à influência dos amigos, professores e familiares, à falta de

opção de cursos nas localidades onde moravam e até mesmo à questão

financeira. Alguns professores explicaram que faziam o curso superior e

precisavam pagar seus estudos, daí a escolha da docência, pois segundo

uma professora “era possível trabalhar meio período, arrumar tempo para

estudar e fazer as aulas na graduação‖ (Maria).

Os professores de Educação Física e Biologia responderam que a

opção pela docência surgiu no próprio curso. Foram ―se apaixonando pela

profissão‖, principalmente no período do estágio. O contato direto com o

ambiente escolar acabou por atrair os professores para a docência,

conforme afirmações que seguem:

Para minha sorte, essa passagem pelas escolas na época do estágio fez com que eu me apaixonasse pela docência. Poderia ser técnico de futebol, ter uma academia, mas a

Page 101: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

101

docência me atraia. A recreação, a possibilidade de trabalhar com o elemento lúdico, as contribuições que eu poderia levar às comunidades carentes com que eu trabalhei, fizeram com que eu optasse pela parte pedagógica. Sempre gostei dessa parte no curso de graduação (José, Prof. Ed. Física).

Acho que foi no próprio curso, eu entrei pra fazer biologia e me encontrei professor. Mas, não um bom professor de biologia, porque eu podia dar aula de ciência, de saúde, então faltou aquele aprofundamento na própria graduação, na própria área específica, que a gente imaginava, era aquele sistema tradicional do três mais um. Você tinha as disciplinas específicas e no final você fazia as pedagógicas, a prática de ensino, a metodologia, que ensinava a ser professor. E acho que a minha primeira experiência de dar aula, era sobre aparelho digestivo, foi tão ruim que eu acho que aquilo se tornou um desafio pra mim, entendi que não é isso que é ser professor. É uma coisa muito mais séria muito mais complexa (Antônio, Prof. Biologia).

Algumas professoras declararam que desde criança se viam como

professoras. Quando crianças brincavam de dar aulas para as colegas, para

os vizinhos e até para os animais domésticos. Gostavam de ensinar os

colegas na escola quando seus professores solicitavam. Dessa forma, a

docência foi acontecendo, quase automaticamente. Afirmaram que não

tiveram de pensar sobre o que iriam fazer profissionalmente. As experiências

de vida as conduziram para a docência.

A admiração pelos professores também foi algo que se destacou nos

textos:

Eu fui fazer o magistério, porque sempre fui uma aluna que admirava a professora, sempre gostei de ensinar os outros, brincar de escolinha, daí fiz o magistério. Na verdade o dia-a-dia é que vai te conquistando. Eu me via no lugar de minhas professoras. (Juliana, professora de Didática). Eu não sei explicar o que me levou a ser professora. Pelo menos não assim. Eu tive exemplos, os exemplos me levaram a ser professora. Por exemplo, no ensino fundamental eu tive uma professora que eu adorava. Ela tinha um domínio, um jeito de trabalhar conosco que me encantava. Então quando eu tinha aula com ela eu sabia que queria ser professora. Embora eu não soubesse ainda

de que. (Beatriz, professora de Letras)

Page 102: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

102

As professoras Juliana e Beatriz, indicaram como afirmam André e

Passos (2008, p 4), ―[...] uma fonte importante de saber dos docentes

formadores para o exercício da profissão: os mestres-modelo‖. Como afirma

Tardif (2002), ao longo de sua história de vida, o sujeito interioriza certos

conhecimentos, competências, crenças, valores, que por sua vez estruturam

a sua personalidade e suas relações com os outros, de forma que esses são

utilizados e reutilizados com grande convicção em suas atividades

profissionais.

Existe, nesse sentido, uma relação ativa do sujeito com o mundo à

medida que desenvolve suas atividades sobre esse mundo. E esse processo

de apropriação implica reproduzi-lo, mas também produzi-lo e transformá-lo.

É uma relação temporal porque o processo de apropriação do mundo, a

construção de si mesmo, e a relação com os outros requerem tempo e

jamais acabam. Como afirma Charlot (2000, p, 79) ―[...] É o tempo da

história, o tempo ―(...) ritmado por ‗momentos‘ significativos, por ocasiões,

por rupturas; é o tempo da aventura humana, a da espécie, a do indivíduo‖.

Foi possível também constatar quais os aspectos que os professores

consideram importantes na formação do futuro professor, aspectos esses,

que podem ajudar a entender suas relações com os saberes profissionais.

Dentre eles pode-se destacar: a preocupação com a realidade e o cotidiano

escolar; o distanciamento existente entre o que se ensina nas instituições de

formação e a realidade escolar; entre teoria e prática; e as formas de ensinar

e aprender, os quais podem ser observados nos depoimentos abaixo:

A gente sente necessidade de ter mais um tempo, justamente de voltar a ser um professor mais investigador, mais questionador, ser um professor que investigue mais a realidade. Acho que é importante desenvolver uma prática também inter e multidisciplinar dentro da universidade, para que possamos entender a realidade da escola que nossos alunos estão fazendo o estágio, para ter uma coesão entre escola e o que ensino em sala de aula. [...] A gente nota pelos questionamentos de nossos alunos, sobre a falta de condições de trabalho, que na escola não tem muitas vezes, uma quadra, não tem bola, não tem tempo, não tem nada. Gostaria de aprender ainda mais sobre isso. Como trabalhar e ensinar o futuro professor a lidar com essas dificuldades. Às vezes a escola não tem uma política de educação física, mas uma política voltada para o desporto, ai não tem material ou condições física para isso. Assim nos

Page 103: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

103

deparamos com muitas situações que nos levam a pensar que ainda temos que evoluir muito em termos de reflexão dentro das escolas principalmente pública no Brasil.(José/Ed. Física)

Então, ser professor é sempre estar atrás do conhecimento. Cito sempre que é preciso fazer uma leitura, de onde você vai trabalhar e disso buscar se inserir nessa comunidade para que a escola realmente seja algo de transformação daquela comunidade. A escola não deve simplesmente repassar os conteúdos, repassar os fundamentos básicos, ou repassar conhecimentos sem alterar essa comunidade, sem efetivar mudanças aonde ela está inserida. Por isso devemos conhecer a realidade na qual nossos alunos estão fazendo estágio ou estão trabalhando. (Profª Célia/Artes)

Alguns professores destacaram a aprendizagem voltada para a

interpretação da realidade onde atuam como professores, bem como onde

seus alunos fazem os estágios ou onde atuam como professores. Observa-

se que os formadores têm preocupação em tomar conhecimento da

realidade, pois na própria formação houve um distanciamento muito grande

entre aquilo que aprenderam e a realidade das escolas nas quais foram

trabalhar, como é possível também constatar no texto do professor José:

Bom, como eu já desde a graduação trabalhei no estágio com população carente, acho que o meu grande aprendizado foi isso. Como trabalhar com essas pessoas, na diversidade. Na verdade eu sempre procurei entender, ler sobre como trabalhar com esses sujeitos que tinha todas essas carências. O estágio possibilitou isso. Na graduação falava-se de um sujeito ideal, mas nas escolas a gente estava recebendo o sujeito real, e o sujeito real era sempre muito carente. Desde a parte alimentar até saúde, parte social e econômica. Então como dar conta disso? Então o que eu achei mais importante foi procurar entender o contexto onde eu estava inserido como professor. Para ir busca desenvolver meu trabalho.( José/Ed. Física)

Considera-se que tais preocupações dos formadores sejam

fundamentais, pois a exemplo das experiências de estágio vividas no seu

período de formação, podem rever suas estratégias de supervisão de

Page 104: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

104

estágio para minimizar o hiato existente entre as escolas em que seus

alunos vão estagiar e os conhecimentos trabalhados nas universidades.

Outro aspecto salientado pelos professores formadores, nos balanços

do saber envolve discussões relativas à contraposição entre teoria e prática,

que é permeada por tensões e dificuldades, o que pode ser ilustrado no

texto da professora Juliana/didática:

Hoje eu posso dizer que uma coisa importante é saber interpretar as realidades, os cotidianos e fazer essa interação, essa interlocução com a teoria, acho que esse é o grande saber, aquele que me mobiliza todos os outros quando você consegue estar sempre se questionando, sobre a prática e a teoria, saber que isso é interativo, indissociável.

Essa professora aparentemente entende a teoria numa perspectiva

que envolve a reflexão, o desenvolvimento de um saber e a própria

intervenção no cotidiano. Como afirmam Pimenta e Lima (2004), nos cursos

de formação de professores tanto as disciplinas de fundamentos quanto as

didáticas devem contribuir para sua finalidade, que é formar o professor a

partir da análise e da crítica, assim como da proposição de novas maneiras

de fazer educação, pois não há como negar que todas as disciplinas são ao

mesmo tempo ―teóricas‖ e ―práticas‖. Afinal a ação docente é uma prática

social que envolve capacidades complexas, que por sua vez envolvem

diferentes perspectivas intelectuais, afetivas e culturais.

As professoras Célia e Beatriz revelam uma preocupação com a

articulação entre teoria e prática. Como atestam suas palavras:

Acho que ainda preciso aprimorar minhas técnicas, preciso dinamizar mais. Sou muito teórica, eu acho importante essa base, mas eu não consigo atingir os alunos. Eu digo pro alunos: olha vocês tem as disciplinas específicas de formação docente, de metodologia de ensino, então meu papel aqui é dar uma base pra vocês, porque vocês precisam saber mais que seus alunos, mas eles não entendem a teoria. (Beatriz/Letras). Eu vejo que os fundamentos teóricos são importantes, são os que dão significado a minha prática, e também não

Page 105: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

105

adianta você saber teoria se não sabe aplicar na prática. Hoje eu vejo os absurdos que eu fazia com as crianças no início da profissão, aquela coisa do construtivismo, de deixar a criança fazer o que ela queria, pois eu entrei nessa. Faltou o conhecimento teórico. (Célia/Artes)

Por meio dessas afirmações, é possível verificar, uma relação

conflituosa dos professores com os saberes teóricos/ práticos da profissão.

Pela forma como escrevem sobre os saberes que consideram mais

importantes em sua própria aprendizagem, é possível perceber que ora

teoria e prática se entrecruzam como práxis, ora se relacionam, mas parece

que pertencem a caminhos diferentes.

Para alguns dos formadores há lacunas abertas em relação aos

saberes que adquiriram ao longo de sua formação acadêmica, visto que

para eles essa foi uma formação muito ―teórica‖, desconectada da realidade.

Acho que na minha época era muito fragmentado, havia muito pouco saída de campo, cada professor vinha entrava e dava a sua aula e ia embora. Justamente a ecologia que na época estava iniciando, aparecendo os primeiros problemas ambientais, dava essa possibilidade de ir a campo. Mas isso não acontecia. Nosso conhecimento era mais restrito a sala de aula, nos conhecimentos teóricos. O campo... era só no último ano. No antigo sistema três mais um, com o estágio. Nem sempre dava tempo de ver a realidade das escolas, ou dos ambientes. Aí, no inicio eu dava aula de ecologia mesmo achando que estava fazendo educação ambiental. (Antônio/Biologia)

O professor Antonio indica explicitamente a separação entre os

conteúdos específicos e os pedagógicos, entre teoria e pratica na sua

formação. Por que então agora reforça o valor dos conteúdos entre as

aprendizagens importantes para a formação do futuro professor? Essa

contradição também foi evidenciada no estudo piloto quando ao

descreverem o que aprenderam, os professores se ativeram mais

freqüentemente a conteúdos disciplinares.

A professora Letícia/Letras descreve seu processo de aprendizagem

da docência:

Page 106: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

106

Desde que pensei em ser professora com certeza aprendi muitas coisas com relação à atividade docente: Conteúdos de disciplinas que eu poderia lecionar; Formas de ensinar (procedimentos, metodologias);Concepções sobre ensino e aprendizagem; Concepções de linguagem; Concepções de infância; Concepções de currículo, didática, metodologia; perspectivas teóricas (de caráter sociológico, filosófico, psicológicos) que embasaram essas concepções. Ainda há muitas coisas que gostaria de aprender, por exemplo, estudar um pouco mais a área de psicologia do desenvolvimento e a área de artes. Penso que quanto mais aprendemos, mais nos damos conta que precisamos aprender muito mais!

Observa-se que os professores escreveram muito a respeito dos

conteúdos dispostos na matriz curricular. Aparentemente dão atenção

especial às questões que estão prescritas em um determinado documento,

que enuncia regras ou conteúdos a serem ensinados.

Com relação a isso, Charlot (2005), afirma que a constituição do

profissional tem a ver com as maneiras de ver e ler as coisas, as pessoas,

os acontecimentos, o mundo. Para o autor o mundo não é um lugar apenas

em que se atua, mas um universo de sentido. A formação não é somente

uma relação de eficácia com uma tarefa. Afirma ainda, que o ensino não é a

simples transmissão de um saber, mas sim uma intenção cultural. Do

mesmo modo, a formação não é simples aprendizagem de práticas, ela é

também acesso a uma cultura específica.

Há também nos relatos escritos, referências aos fundamentos

filosóficos, sociológicos, políticos voltados para o desejo de ampliar o olhar

frente à formação dos futuros professores, o que foi explicitado pela

professora Helena/História:

A formação ampla em fundamentos sociológicos, filosóficos e políticos alem da própria história seria muito bom e contribuiria muito na formação dos futuros professores. Isso eu ainda tenho que aprofundar, mas é muito difícil e complicado levando em consideração as atividades que faço como professora.

Como aprendizagens futuras foi mencionada pelos professores a

necessidade de entender as novas tecnologias, entre elas a educação a

Page 107: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

107

distancia – EAD - a avaliação e o aprender a ensinar. Nesse sentido,

escreveram sobre as aulas serem muito ―expositivas e teóricas‖ ou como um

dos professores escreveu ―(mono) dialogadas‖.

Entre os saberes que ainda gostariam de aprender, destaca-se a

busca de estratégias para que o aluno possa aprender. Parece haver um

sentimento de angústia e até mesmo certa decepção frente ao desejo de

realmente ensinar os alunos e as dificuldades que ainda percebem ter em

termos de metodologias, como é possível constatar nas palavras que

seguem:

Gostaria muito, muito mesmo, de aprender como ensinar, ou melhor, como fazê-los aprender de forma que não seja através de aulas expositivas (mono) dialogadas. Estratégias de ensino em que o professor não dá aulas, mas o aluno usa as aulas para aprender a buscar o conhecimento, e o professor orienta esse movimento. (professor Paulo – Biologia)

Tais afirmações, convergem com as palavras de Roldão (2007, 95),

quando afirma que ensinar nas sociedades atuais é caracterizada ―[...] pela

figura da dupla transitividade e pelo lugar de mediação‖. E ―[...] é

essencialmente como a especialidade de fazer aprender alguma coisa ( que

chamamos de currículo, seja de que natureza for aquilo que se quer ver

aprendido) a alguém ‖.

Libâneo (2003) afirma que o ensino precisa ajudar o aluno a

desenvolver habilidades de pensamento e identificar procedimentos

necessários para apreender. A metodologia de ensino, não diz respeito

unicamente às técnicas de ensino, mas sobretudo ao fato de você ajudar o

aluno a pensar com os instrumentos conceituais e os processos de

investigação da ciência que você ensina. O autor afirma ainda que,

[...] o modo de lidar pedagogicamente com algo, depende do modo de lidar epistemologicamente com algo, considerando as condições do aluno e o contexto sociocultural em que ele vive (vale dizer, as condições da realidade econômica, social, etc.) [...] No meu ponto de vista, o ensino hoje, em todos os níveis, precisa unir a lógica do processo de investigação com os produtos da investigação. Ou o contrário, dá na mesma. Trata-se de nem só aprender a

Page 108: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

108

lógica do processo nem só os conteúdos. (LIBÂNEO, 2003, p. 2)

Daí a preocupação do professor, quando afirma: ―[...] os alunos

chegam na universidade sem saber pensar. Precisamos ensinar a pensar.

Como vão tomar decisões, organizar suas atividades pedagógicas se não

sabem pensar?‖ (professor Paulo de Biologia).

Perguntou-se também, aos professores formadores o que é ser

professor hoje? Aparentemente, as idéias dos professores em alguns

aspectos convergem com a idéia de Charlot (2005, p. 75), quando afirma

haver ―universais17da situação de ensino18 [...] características que estão

relacionadas à própria natureza da atividade e da situação de ensino,

quaisquer que sejam‖. Entre as respostas dadas pelos professores

formadores foram observadas muitas semelhanças no que se refere a idéia

do que seja formar o professor na atualidade, ilustradas pelos depoimentos

das professoras Juliana e Helena:

A função do professor não é diferente hoje daquela que foi ontem. É auxiliar as novas gerações na apropriação do acervo cultural organizado em pensamento científico para dar a eles bases de continuação, crítica ou decisão de acordo com que essas novas gerações resolvam ter e fazer. (Helena/História)

Acho que a função do professor sempre foi a mesma, as demandas, as necessidades mudam, mas a função sempre é a mesma. Buscar de alguma forma estar contribuindo com o desenvolvimento humano de outras pessoas. Acho que isso sempre foi e vai continuar sendo. O dia que isso mudar, deixar de ser importante, não há porque da existência dessa função. (Juliana/Didática)

Os depoimentos indicam que para os formadores, o professor deixa

de ser apenas um transmissor de conteúdos para voltar-se à formação do

sujeito no seu sentido mais amplo. O professor contribui seja em que tempo

17

Universais:Características relacionadas à própria natureza da atividade docente e da situação de ensino ( CHARLOT, 2005,p75). 18

Situação de ensino: atividades dos professores: ―o professor trabalha numa instituição de ensino, recebe um salário,colegas, respeita um programa curricular e dá aulas para vários alunos‖( CHARLOT, 2005, p.75).

Page 109: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

109

for para a formação do aluno em sua totalidade - consciência, caráter,

cidadania, tendo como mediação fundamental o conhecimento, visando à

emancipação humana.

Considera-se que essa emancipação está relacionada

indubitavelmente com o triplo processo de desenvolvimento humano

mencionado por Charlot (2000, p 53), que implica processos de hominização

( tornar-se homem), de singularização ( tornar-se um exemplar único de

homem), de socialização (tornar-se membro de uma comunidade,

partilhando seus valores e ocupando um lugar nela).

Os professores também revelam sentimentos ambíguos sobre a

profissão, pois consideram que a docência é um projeto de vida, um trabalho

que tem como objetivo maior a transformação do estudante e da sociedade,

mas lembram da precarização por que vem passando a profissão docente:

É um projeto de vida, porque não é muito fácil. Você é desvalorizado, a proletarização do trabalho é muito grande, a gente tem visto por meio de pesquisas que tem professor aí trabalhando em três escolas, carga horária de 40, 50 horas. É no município, no Estado e a rede privada, com salários baixos. Como o professor vai estudar, já que isso é fundamental na vida de um professor?[...] Mas, esse é o meu sonho é o meu trabalho, e é no que eu acredito. Na transformação, que é possível. Como se diz se é impossível cabe a nós torná-lo possível. Esse é um dos lemas que eu tenho, apesar de ver os professores desmotivados,

revoltados. (Prof. Antônio/Biologia)

As palavras do professor Antônio remetem a questões bem visíveis da

precarização do trabalho docente, conforme denunciam Marin e Sampaio

(2004). A situação salarial do professor e as condições de trabalho, refletem-

se significativamente sobre sua vida pessoal e profissional.

Também a professora Juliana/Didática afirma que “a profissão

docente é instigante e ao mesmo tempo estressante‖, alega que o professor

trabalha muito, tem que estar constantemente se atualizando, e que é

“fundamentalmente uma profissão que lida com emoção”:

A profissão professor é instigante, ao mesmo tempo estressante, acho que a gente trabalha muito embora você tenha que se atualizar em conteúdo tecnologia, estratégias,

Page 110: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

110

em teorias, aspectos epistemológicos e filosóficos ela é uma profissão que fundamentalmente lida com emoção. Eu estou convencida disso. Que no fundo a gente lida com emoção. Que aquele que melhor lida com as emoções das pessoas, mais gera aprendizagem, mais gera desenvolvimento, a emoção ainda é base. Essa emoção não pode ser esquecida e nem deixada de lado nessas novas ferramentas de ensino, novas tecnologias.

As palavras da professora mostram que para ela a afetividade tem um

papel importantíssimo na aprendizagem dos alunos. Saber lidar com as

emoções é uma habilidade necessária segundo essa professora.

Não há como negar que o processo de ensinar e aprender é muito

mais complexo que apenas transmitir informações, o que está em jogo são

as relações humanas. Nesse sentido, a docência por si só define-se como a

mais pura dessas relações, baseada na afetividade, sociabilidade e

comprometimento de quem ensina e de quem aprende.

Outro aspecto bastante comum nos relatos dos professores frente à

profissão docente foi a relação com o estudo, com a pesquisa. Para a

maioria dos professores ser professor hoje é estar voltado para o estudo

contínuo, é estar em permanente formação como sujeito ―inacabado e

consciente‖ como afirma Freire (1999, p.55). Tais preocupações são

explicitadas pela professora Letícia/Letras:

Ser professor é não ter medo de enfrentar o inesperado, de lidar com as incertezas. Significa ser criativo e lidar com as diferentes formas de linguagem, e aceitar, acima de tudo, que tem tudo e muito mais para aprender. Ser professor significa estar inacabado. Ser professor significa saber lidar com questões de ensino e pesquisa.

Das palavras da professora Letícia surge também a idéia do professor

pesquisador, que também estava presente nos textos dos demais

professores. Considera-se importante perguntar, qual o sentido que tem para

o professor formador a idéia do professor pesquisador? É possível

vislumbrar dois sentidos nos textos dos professores conforme escrevem as

professora Beatriz e Célia:

Page 111: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

111

Uma das coisas que eu acho que foi extremamente importante aprender foi a perspectiva de aprender a pesquisar e ser esse professor pesquisador. Mesmo que muitas vezes eu não seja só pesquisadora só. Mas no sentido de pesquisar para a docência, foi muito importante para o meu crescimento pessoal e profissional. (Beatriz/letras)

Acho que isso a gente nunca para de aprender quando se é professor. Mas, hoje estou me sentido muita ―dadora‖ de aula. Preparar para aula, escolher conteúdo... Só sala de aula, isso acho que não ajuda na aprendizagem do professor. Vejo que eu tenho muito pouco tempo para ler, para buscar outros conhecimentos. Eu preciso fazer alguma coisa porque eu estou agoniada. Vou fazer um doutorado, sei lá. Quero pesquisar! Hoje eu não tenho tempo pra isso. Estou só na sala de aula. (Célia/artes)

Com base nas palavras das professoras, observa-se que para a

professora Beatriz foi importante aprender a pesquisar para dar sentido à

docência. Para a professora Célia no entanto, dar aulas, resolver os

problemas da prática nem sempre permite buscar novos conhecimentos,

estudar, pesquisar, o que deixa claro que para as professoras ensino e

pesquisa são atividades distintas e se complementam.

Das Entrevistas recorrentes: destacando algumas das relações com os

saberes profissionais dos professores formadores

A análise de conteúdo dos balanços do saber permitiu identificar

alguns dos saberes profissionais que para o professor formador apresentam-

se como fundamentais na sua atividade, tais como os saberes da formação

profissional; saberes disciplinares; saberes curriculares; saberes da

experiência, e fazer aproximações no que se refere às relações que eles

estabelecem com esses saberes. A primeira etapa da pesquisa mostrou a

necessidade de se refletir sobre o repertório de saberes mencionados pelos

formadores.

Page 112: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

112

Abordar a relação dos professores com os saberes profissionais

significa analisar os processos de construção de seus saberes, seu modo de

agir, pensar, transformar, sentir e compreender o mundo a seu entorno.

As relações com o saber, segundo Charlot (2000), são relações

indissociáveis com o EU, com os outros e com o mundo e nesse caso

específico da atividade do professor formador, dizem respeito à relação do

professor com os conhecimentos exigidos pela profissão. A relação com o

Eu faz referência à história de vida do profissional, à sua perspectiva de

vida, às expectativas frente a sua profissão, à imagem que quer ter e passar

de si e que influência a tomada de decisão no âmbito profissional. Por isso,

vale ressaltar que esse conjunto de relações estão circunscritas à realidade

investigada, podendo em outros contextos surgir outras relações.

Terminando a 2ª fase da coleta de dados por meio das entrevistas

recorrentes, prosseguiu-se na análise, de forma que os depoimentos dos

professores fossem organizados com base nos tipos de saberes

profissionais docentes e suas respectivas relações. Dentre essas destacam-

se as relações frente aos saberes pedagógicos; disciplinares e de conteúdo,

que por sua vez estão associados à discussão sobre a relação entre teoria e

prática, o sentido atribuído ao estágio supervisionado e o papel do professor

formador.

Embora se tenha organizado a análise das entrevistas recorrentes

com base nos tipos de saberes profissionais, conforme explicitou-se

anteriormente, num estudo de relações com os saberes, Charlot (2000),

afirma que não se pode estabelecer categorias estanques e delimitadas,

pois essas podem se tornar amplas e ambíguas. Além disso, em se tratando

dos saberes profissionais docentes, depara-se com vários elementos que se

entrecruzam e produzem múltiplas relações sociais que nutrem, sustentam,

bloqueiam ou mobilizam os professores formadores em suas atividades

profissionais.

Page 113: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

113

A cultura institucional como espaço de relações sociais e

profissionais: as experiências institucionais como elementos que

influenciam as relações com os saberes profissionais

Partindo dos balanços do saber e posteriormente das entrevistas

recorrentes, identificou-se elementos dos intercâmbios acadêmicos que

permitiram conhecer a teia de significados que os professores formadores

vão incorporando com base nas relações estabelecidas no ambiente

profissional. Considera-se que os ambientes profissionais produzem

crenças, hábitos, valores e normas que determinam o que é valioso aos

seus profissionais, ou seja, os modos de pensar, sentir, atuar e se

relacionar. Em conformidade com Gómez (2001), considera-se todos esses

elementos como parte da cultura institucional e que de uma forma ou de

outra condicionam e pressionam o comportamento dos indivíduos que

atuam na universidade.

Com relação a essa cultura institucional, cumpre destacar as relações

com os saberes profissionais que emergem das experiências que os

professores vivenciam no âmbito da universidade, seja no período de sua

formação profissional como também no período em que atuam como

professores formadores.

Nesse aspecto, Tardif (2002, p. 61) qualifica os saberes docentes

como temporais no sentido de que dependem da história de vida escolar do

professor e são construídos ao longo de sua carreira, e heterogêneos no

sentido de que exigem mobilização de conhecimentos de diferente natureza.

Tardif (2002, p.63), destaca as fontes desses saberes, que podem ser

provenientes seja da história de vida do sujeito, seja da socialização pré-

profissional, da socialização nas instituições de formação ou da prática do

trabalho.

Com base nessas considerações pode-se afirmar que a profissão

docente é também um processo de socialização, que segundo Tardif (2002,

p. 70), ocorre num ―[...] processo de marcação e de incorporação dos

indivíduos às práticas e rotinas institucionalizadas‖.

Embora a procedência dos saberes profissionais docentes não seja

exatamente o problema dessa pesquisa, esses fenômenos temporais se

Page 114: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

114

configuram como elementos importantes nas discussões sobre a relação

com os saberes profissionais, visto que podem levar os professores a

compreenderem o sentido de terem escolhido a profissão docente como

também podem influenciar suas atividades pedagógicas ou mesmo suas

representações acerca do papel que desempenham enquanto profissionais.

Como afirma Charlot (2000), o saber é construído na história coletiva e as

relações não são somente epistemológicas, são amplamente relações

sociais que possuem por sua vez um valor, um sentido.

Nos depoimentos dos professores formadores destacam-se a

importância que os saberes provenientes das socializações pré-profissionais

e da formação universitária têm em suas práticas profissionais atuais.

Eu me lembro que em determinado momento quando eu fiz a graduação e também no curso de magistério, era tirada do professor a responsabilidade de ensinar o aluno. No sentido de que se o aluno não aprendia era um problema que acontecia com ele. Às vezes se dizia que o aluno tinha um distúrbio. Outras vezes dizia-se que ele não queria nada com nada. Quer dizer o problema nunca era com o professor. Sempre era com o aluno. Aquilo me incomodava profundamente, era como se não coubesse ao professor a responsabilidade do processo ensino/aprendizagem e de formação. Isso foi me provocando ao ponto de quando eu comecei a trabalhar com os futuros professores, eu comecei a pensar um pouco, opa! agora a responsabilidade é minha e eu não posso perder essa dimensão, eu preciso de fato discutir isso com os alunos e foi de fato uma das discussões iniciais que fiz com meus alunos. (Beatriz/Letras)

Com relação às experiências pré-profissinais, Tardif (2002, p. 73-74),

afirma que,

Diversos trabalhos biográficos, a maioria das vezes realizada por formadores no âmbito das disciplinas da formação inicial permitem identificar experiências familiares, escolares ou sociais, citadas pelos alunos-professores como fontes de suas convicções, crenças ou representações e apresentadas freqüentemente como certezas, relacionadas com diversos aspectos do ofício do professor: papel do professor; aprendizagem, características dos alunos, estratégias pedagógicas, gestão da classe, etc.

Page 115: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

115

Tal afirmação leva a pensar também nos depoimentos dos

professores formadores a respeito dessas experiências e sua influência na

vida profissional. Influências que serviram tanto para a opção pela docência,

como também como ponto de referência para suas atividades em sala de

aula, após o período de formação docente.

Nos balanços do saber os professores explicitaram que sua opção

pela docência se deu por influências recebidas de familiares, de amigos e

também de professores do Ensino Fundamental e Médio, que lhes

permitiram por meio das relações sociais, atribuir significados a sua

existência e à profissão docente.

No entanto, quando buscou-se aprofundar as relações que os

professores formadores estabelecem com os saberes profissionais da

docência, nesse caso os saberes oriundos das experiências, por meio das

entrevistas recorrentes, observou-se que deram mais ênfase às experiências

vivenciadas no período em que eram estudantes na universidade, bem como

às experiências oriundas dos primeiros anos de docência no ensino superior.

Freqüentemente mencionavam essas experiências para dar exemplos ou

justificar suas atitudes ou encaminhamentos junto a seus alunos, conforme

os exemplos que seguem:

[...] eu nunca rejeitei essas experiências de culturas deles, como acontecia com professores meus até na academia, ―ah! eu li tal coisa, isso não é literatura, não me interessa!‖, eu nunca rejeitei essas experiências, porque era através delas que eles tiravam os nortes para fazer as perguntas dos tipos de leitura que eu propunha, então em relação a isso, eram saberes que eu não podia simplesmente renegar, e dizer não interessa. Eu também li Sabrina! A minha mãe dizia, minha filha pelo amor de Deus! Mas eu li na minha adolescência, não posso ignorar, pois são esses saberes, são experiências de leitura. (professora Beatriz /Letras)

[...] vou dar exemplos referentes à minha formação, bom eu lembro de ir para a aula muito curiosa, se o professor tinha dado um material para ler, eu tinha ele comigo, mesmo, em casa, no ônibus, para eu chegar à aula, sabendo o que era para discutir, então é isso que eu sinto falta dessa curiosidade em alguns, dessa vontade de procurar saber, essa é uma das dificuldades em relação, que eu sinto, nos meninos e nas meninas, e eu sinto que esse é um desafio para mim fazer com que eles se mobilizem, a ficar curiosos,

Page 116: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

116

ir além daquilo que eu estou levando, levarem outras coisas, se mobilizarem dentro do que eu estou fazendo. (professora Maria/Música/arte)

Nos exemplos destacados, observa-se que as experiências escolares

e da formação inicial estão fortemente presentes em suas atividades

docentes, ou seja, eles procuram reproduzir ou evitar as experiências que

viveram. Tais experiências segundo Tardif (2002, p 68), permitem que os

professores atribuam, ―[...] muitas vezes a posteriori, um significado e uma

direção à sua trajetória de vida‖. Esses referenciais podem alicerçar o seu

desenvolvimento profissional, pois em situações de ensino similares os

professores reativam essas experiências para solucionar seus problemas

profissionais.

Esses elementos experienciais são importantes, porque é também

com base nessas experiências pessoais que os professores formadores

evocam qualidades desejáveis ou indesejáveis no contexto de suas aulas.

Tais lembranças podem também gerar expectativas frente aos estudantes,

conforme expressa a professora Maria/Arte/Música, lembrando que seus

alunos não vão para a sala de aula com as leituras feitas, diferentemente de

sua própria postura enquanto em processo de formação. Sua preocupação

é mobilizar os seus estudantes para o compromisso com as atividades que

ela realiza, idéia que reforça nas palavras que seguem:

[...] às vezes eu fico pensando, meu Deus, mas eles vivem aonde? (risos), quando eu estava na universidade, eu era mais atenta, apesar de quando eu estava na universidade eu já dava aula, e a minha família é uma família que exige muita informação, eu acho que isso também diferencia por conta do contexto, da realidade que cada um vive então tem que se fazer uma leitura do lugar de cada um. (Maria/Musica/arte)

As experiências vividas pelos professores no período de sua

formação, normalmente são incorporadas como disposições para a ação

docente e podem também promover reflexões relacionadas à formação de

seus próprios alunos, principalmente no que se refere a sua aprendizagem e

Page 117: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

117

suas dificuldades. Maria aponta claramente a importância de capturar a

realidade em que os alunos vivem hoje, que é muito diferente do período de

sua formação. Nesse caso específico, a professora explicita diferenças e

semelhanças entre si e os outros, e entre os contextos. As lembranças dos

professores sobre sua formação são fontes de comparação com a vida

profissional atual, assim como entre sua formação e a dos seus alunos.

Para Charlot (2000, p. 70), aprender significa também ―[...] entrar num

dispositivo relacional, apropriar-se de uma forma intersubjetiva, garantir um

certo controle de seu desenvolvimento pessoal, construir de maneira

reflexiva uma imagem de si mesmo‖. Considera-se nesse sentido, que a

socialização no período de formação profissional, principalmente das

experiências que emergem desse contexto têm uma grande importância

para o professor formador, pois se configuram como fonte de aprendizagem,

e tornam-se fonte balizadora de suas atividades docentes.

No que se refere às experiências oriundas da socialização profissional

no ambiente de trabalho, os professores formadores também atribuíram

grande importância às mudanças que ocorreram ao longo de sua atividade

profissional assim como evocaram características que consideram

importantes na relação professor aluno e que se constituem como desafios

de sua atividade docente.

Evocaram características tais como a paciência para ensinar, a

valorização do conhecimento do aluno, aulas criativas que façam os alunos

pensarem, o respeito às diferenças, o incentivo, a negociação frente ao

conteúdo e a flexibilização. Esses se configuram como indicadores que

devem ser levados em conta nesta análise, pois apontam para o

compromisso dos professores frente a aprendizagem e a formação dos

licenciandos, principalmente porque os professores não ignoram seus

limites e os de seus alunos. É o que nos afirma o professor Antônio/Biologia:

Olha uma das coisas importantes é a tolerância, hoje, eu sou bem mais tolerante e democrático do que eu era há alguns anos atrás, não deixei de lado o rigor. Alguns alunos da educação física disseram em uma das avaliações deles, o Antônio é... Mas, a gente aprende, (risos), então para mim isso é um elogio, porque eles têm que estudar, tem que produzir, então que o rigor é visto não como uma atitude

Page 118: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

118

autoritária, mas que eles reconhecem, não é porque eles estão pagando que a gente vai passar a mãozinha na cabeça deles e vai aceitar qualquer coisa, mas por outro lado tem que conhecer as dificuldades que eles têm, muitos deles trabalham, e é caro o curso, e a gente trabalha muito com as tecnologias, usamos o ambiente virtual, mas que alguns têm dificuldades no acesso, então eu tenho sido mais tolerante, mas tenho aprendido.

[...] a gente está aberto a aprendizagem e saberes diferentes que eles estão nos trazendo, que realmente o dialogo, tem que ser vivenciado, a todo momento, as coisas tem que ser negociadas. [...] hoje eu me vejo, me vendo há dez anos atrás, meu aprendizado vem crescendo nesse sentido. vivenciar essas coisas, porque eles também se sentem livres para criticar o trabalho da gente, hei professor...., vamos parar por ai a gente não entendeu, coisas que às vezes a gente atropelava, então ainda acho que eu preciso ouvi-los mais, por isso me preocupa esse aligeiramento da formação.( Antonio/ Biologia)

As palavras do professor Antônio revelam que as experiências vividas

no ambiente de sala de sala de aula levaram-no a entender que o aprender

a ser professor na ação, na interação com os alunos, significa realizar uma

prática reflexiva e também relacional. O respeito, a negociação, o saber

fazer concessões aos alunos, põe em evidência também a preocupação dos

professores formadores com o domínio de relações interpessoais.

No que se refere a prática reflexiva, destaca-se que as experiências

anteriores no âmbito da sala de aula servem de referencial na tomada de

decisões ou na transformação da atividade profissional, o que pode ser

observado nos depoimentos que seguem:

[...] quando eu comecei a trabalhar, com 17 anos, lembro que quando eu estava estudando, fazendo magistério, e até na própria universidade, na hora de você fazer um planejamento, você pensa na idéia de um aluno ideal, e não na de um aluno real, então quando eu fui trabalhar, em um lugar em que me exigiam pensar em um aluno real, eu tive que repensar todo o meu processo de revisão de conteúdo, de planejamento, de ter uma idéia de que aquele livro didático funcionaria, pensar que um determinado conteúdo tivesse um significado na minha história, porque estudei em um determinado lugar, e chegar lá é perceber que para eles aquilo não era real, e eu lembro que isso aconteceu em diversos momentos. (Maria/Música/arte)

Page 119: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

119

[...] minha primeira experiência de dar aula, era sobre aparelho digestivo, foi tão ruim que eu acho que aquilo se tornou um desafio pra mim, entendi que não é isso que é ser professor. É uma coisa muito mais séria muito mais complexa. (Antônio/Biologia)

Concorda-se com Tardif (2002) que as discussões sobre a

experiência docente não podem ser limitadas ao momento do curso de

formação inicial, pois a socialização é um processo de formação do indivíduo

que se estende por toda a vida e comporta rupturas e continuidades. Pode-

se dizer que a docência permite ao professor ressignificar também todos os

saberes, por meio das experiências vivenciadas no interior das instituições.

Dentre eles os saberes curriculares, disciplinares, da teoria e prática, entre

outros necessários à profissão docente.

Essas relações experienciais de pré-formação, de formação docente e

dos anos iniciais na docência são de certa forma bases importantes no

desenvolvimento profissional dos professores, visto que a aprendizagem de

modo geral não é neutra, pois está intimamente relacionado com a cultura

que também é transmitida pelas instituições de formação e pelos agentes

educacionais. Quando os professores nomeiam essas experiências,

significa, de modo implícito, que valorizam o papel das instituições de

formação e também o papel dos docentes no processo de formação dos

futuros professores.

Ansiedade, decepção e conflitos: relações com os saberes

profissionais que emergem da cultura institucional

As relações oriundas das experiências vivenciadas no interior das

instituições universitárias mostram-se como base fundamental no

desenvolvimento do docente. Conforme Tardif (2007, p.52), ―[...] As certezas

que são produzidas no dia-a-dia, subjetivamente, devem ser objetivadas

sistematizadas, organizadas, para como diz este mesmo autor ―[...] se

transformarem em um discurso da experiência capaz de informar ou formar

outros docentes e fornecer uma resposta aos seus problemas.

Page 120: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

120

Imbernón (2004) diz que a aquisição de conhecimento por parte dos

professores é um processo amplo e não linear e que ocorre de forma

interativa, refletindo sobre as situações práticas já vivenciadas. O autor

afirma ainda que está também condicionada pela forma de organização da

instituição educacional em que exerce sua profissão.

Assim, foi possível por meio dos depoimentos dos professores

formadores identificar alguns elementos implícitos na cultura institucional,

sobre os quais se considera relevante discorrer e refletir, visto que esses são

também citados pelos próprios professores como desafios, dificuldades e

embates que influenciam sua atividade profissional. São relações que

surgem no interior da instituição e que determinam comportamentos e ações

dos professores formadores nesse contexto. Conforme comenta a

professora Maria/Arte e Música:

Nós estamos vivendo hoje entre as exigências do mercado e as exigências das escolas entre as diferenças de espaço, públicos e espaços privados, então a licenciatura precisa discutir isso. É preciso entender as relações que têm ai, em relação ao mercado em relação ao contexto que está vivendo, e que me parece, está muito frágil, me parece que ainda está muito difícil mexer nestas feridas, porque está muito difícil para a gente conseguir lidar com isso. Quando a gente pensa uma transformação curricular como aconteceu aqui na universidade, em que se abriu nas licenciaturas mais espaços para as discussões pedagógicas, você se depara por outro lado com uma certa negação por parte das pessoas e da instituição. Pela força do mercado que vem na contramão de qualquer mudança mais emancipada.

Observa-se nas palavras da professora Maria que apesar das

mudanças que vem ocorrendo no âmbito da universidade ela ainda se

depara com mecanismos de contraposição, sejam eles em termos de

exigências do mercado como também da instituição ou dos seus colegas de

profissão.

Muitas vezes a idéia de mudança não é bem absorvida pelas pessoas

que convivem no interior das instituições universitárias. Nesse aspecto são

muitos os conflitos e incertezas vivenciados pelos professores formadores

Page 121: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

121

que por sua vez estão relacionados às condições do desenvolvimento de

sua atividade profissional.

Nos depoimentos de quase todos os professores, observou-se

significados que são construídos coletivamente pela cultura institucional,

pois como afirma Gómez (2001, p. 17), no espaço institucional as culturas se

entrecruzam e ―[...] impregnam o sentido dos intercâmbios e o valor das

transações em meio às quais se desenvolve a construção de significados de

cada individuo‖, como no caso da professora Célia/Artes:

Eu acho a universidade um espaço de gente, eu gosto da universidade. Eu vejo a universidade como um espaço de transformação social, se a gente percebesse o valor dela na sociedade, a gente poderia ter uma grande revolução não armada, por meio da educação. Mas, infelizmente eu não vejo hoje a universidade articulada com num projeto pedagógico, de forma integrada. Assim, enquanto um grupo tem a clareza do que quer, nas ações individuais surgem às questões dos seus egos, das suas vontades, e daí não se cumpre o que se decidiu coletivamente. E pior. Muitas vezes as vozes individuais ganham corpo e a gente fica meio sem saber o que fazer. Outro dia, fiz até terapia. Te juro, quase desisti da profissão. A gente tem um desejo, coletivo, de dar sentido ao que fazemos em sala de aula, mas vem o aluno cliente, o professor que ainda não se deu conta de seu papel, a instituição que visa o lucro... [...] não adianta dizer que mudou, quando no fundo tudo é igual a antes. Só se articula de forma diferente, mas no fundo tem o mesmo sentido.

As palavras da professora Célia revelam sua angústia frente a

realidade prescrita e o que realmente se concretiza no âmbito institucional.

Em seu depoimento fica evidente uma relação de conflito com a profissão

quando essa ainda enfatiza os momentos em que precisou fazer terapia e

quase desistiu da profissão. São aspectos que revelam as implicações,

necessidades, dificuldades e emoções dos sujeitos em sua relação com os

saberes, implícitos na atividade do professor formador.

Possivelmente as palavras da professora Célia também têm a ver

com as preocupações presentes nos depoimentos dos professores em

relação a implementação do EAD (ensino a distancia), em algumas áreas

das Licenciaturas, visto que percebem que ao mesmo tempo que estão

implementando uma proposta de núcleo das licenciaturas onde se discute

Page 122: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

122

temas importantes para a melhoria da educação em especial do futuro

professor, não conseguem compreender como tais discussões se encaixam

numa proposta de EAD, como afirma José/Ed. Física:

[...] agora eu fico pensativo com a questão da educação a distancia, apesar de que a gente reconhece que aqui na Universidade a proposta é de sete aulas semi-presenciais, eu fico muito preocupado com esse futuro profissional que vai se formar na educação a distância, as vezes teoricamente,ele pode estar deslumbrado mas, como é que você vê os estágios? Como é que você vê as práticas, essa é uma das grandes dificuldades que depois virão à frente. Além disso, também como a gente já sabe hoje né... Tem empresas que fazem os trabalhos para alunos de educação a distância, aí o aluno vai postar isso, como tarefa. Então o professor não conhece esse aluno, não sabe se foi ele que fez se foi ele que produziu esse trabalho, então essa é uma das questões que me preocupa, na educação a distância. Isso vai desembocar lá na prática e no estágio, se tiver esse estágio, né.

O que interessa na narrativa dos professores não é discutir os

aspectos positivos ou negativos da EAD, mas o que esse movimento ou

mudança tem provocado nos professores formadores, que sentimentos, que

emoções, quais as resistências?

Os professores sabem que as mudanças no âmbito profissional são

inevitáveis, principalmente por conta do contexto neoliberal em que vivemos,

entretanto, não conseguem compreender como a proposta do núcleo das

licenciaturas pode convergir com a proposta da EAD. Consideram que as

duas propostas se contrapõem entre si, pois se de um lado a instituição

busca uma formação de qualidade, de outro não sabem como atingir tal

qualidade no trabalho com a EAD.

Os professores formadores encontram-se em meio a um conflito de

reformas. De um lado a implementação do núcleo das licenciaturas que visa

integrar as áreas ou disciplinas específicas de formação de professor para

que os futuros professores possam se preparar melhor para a profissão

docente. Do outro lado os professores se deparam também com os

interesses da instituição que por questões econômicas implementou também

Page 123: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

123

o ensino em forma de EAD, o que para os professores formadores, caminha

na contramão das idéias existentes no projeto do núcleo das licenciaturas.

Esses dois projetos que se entrecruzam trazem muitas incertezas aos

professores, principalmente pela importância que dão ao campo pedagógico,

no processo de formação de professores. Seus depoimentos revelam o

conflito e a incerteza frente aos processos de mudança que estão ocorrendo

na instituição, como se pode observar a seguir:

Eu vejo os cursos de licenciatura em extinção, por conta do EAD. Talvez porque eu trabalho em uma universidade privada, pode ser que em uma universidade publica esta relação não esteja tão próxima. [...] quando inventaram a luz elétrica, a revolução industrial, como é que a população se sentia, nesse conflito da não certeza. Assim eu percebo que estou vivendo um momento, de mudanças, e não sou só eu, mas uma mudança, social na questão de professor X aluno, da própria forma de ensino, agora o meu problema é aonde eu vou me encaixar nisso, se eu vou na onda do novo, ou se me apego as minhas antigas concepções, nas práticas antigas. Daí essa incerteza de se que eu ainda quero continuar na educação. (Célia/Artes)

É possível verificar, que os professores vivem momentos de ansiedade

frente às decisões que precisam tomar no que se refere a sua atividade

pedagógica. Eles se perguntam o tempo todo se devem fazer rupturas ou

adaptarem-se as mudanças, conforme se verifica nas palavras das professoras

Célia/artes e Maria/música e artes:

Acho que eu vou citar um pouquinho de Paulo Freire, ―quem ensina, tende a aprender‖, então eu vejo que meu ensino está muito articulado, eu vejo o ensino como uma relação de troca, entre o aprender do aluno, e o meu aprender, claro que hoje eu vejo que o ensino está, num processo de transformação e eu tenho que me adequar. Principalmente com relação as mudanças da EAD, onde passamos de uma aula presencial, para uma semi-presencial, então tenho que gostar daquela coisa. Às vezes, no ambiente virtual, a gente pensa presencialmente mesmo sendo à distância, porque você não pode e não consegue projetar diferente. Por outro lado, ontem quando eu corrigi a tele-duc, eu via algumas coisas muito significativas nesse ensinar e outras nem tanto. Célia/Artes)

Page 124: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

124

[...] a gente está vivendo hoje, em relação à informação ao conhecimento uma grande transformação. Temos hoje, uma quantidade de elementos que vem aparecendo para serem trabalhados com os alunos. Irei dar um exemplo: agora eu estou trabalhando com educação à distância, organizando o material para a educação a distancia, é um super desafio, assim como trabalhar em sala de aula também era outro desafio. Assim, como quando eu comecei a trabalhar como professora, jamais imaginei que eu pudesse aceitar isso. E hoje me vejo inserida diante de uma outra realidade, então aquela idéia de ser professor que eu tinha, de estar sempre na sala de aula, naquela relação constante, se transformou radicalmente. Maria /Artes e música).

A análise de todos esses elementos permite a apreensão de alguns

aspectos importantes, visto que tais situações podem provocar

comportamentos ou atitudes conservadoras, pragmáticas ou emancipatórias,

por conta das forças culturais do ambiente profissional. Segundo Gómez

(2001, p. 180),

Tal cultura impõe sobre os indivíduos que vivem nela períodos tão prolongados como estudantes e docentes, uma maneira de pensar, sentir e atuar, em especial sobre a educação e escola, fortemente arraigada, que perdura no tempo e sufoca tanto as tentativas individuais de inovação como as possibilidades de crítica teórica.

Assim, é importante considerar a cultura institucional um princípio

norteador das atividades que o professor formador desenvolve, visto que sua

caminhada profissional também se constitui a partir dessa convivência.

A decepção frente a deteriorização da imagem e do status social que a

profissão docente está sofrendo

.A falta de reconhecimento profissional e a deteriorização da imagem

e do status social da profissão docente é outro aspecto que merece atenção,

principalmente porque se verificou que isso vem gerando nos professores

muita decepção. É possível relacionar o problema da resistência em relação

às mudanças no interior da universidade com esse processo de

Page 125: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

125

deteriorização da profissão docente, uma vez que ao estarem

decepcionados com a própria condição do mercado de trabalho, não

conseguem ver perspectivas futuras para sua atividade, conforme seguem

as afirmações da professora Beatriz/Letras:

Hoje eu me sinto decepcionada, porque eu estou em um país em que a licenciatura não serve para nada, literalmente, eu digo por uma experiência que eu vivo agora, eu sou formada em letras, tenho mestrado em literatura, doutorado em literatura, e hoje eu não tenho mercado de trabalho, hoje as universidades não tem curso de letras, e as que têm já estão com quadros fechados, e bem fechados. As universidades particulares não investem, porque acreditam que importantes são os cursos técnicos seqüenciais, as Administrações, os Direitos, e tal, eu não tenho nada contra esses pelo contrário, mas o que eu quero deixar claro é assim, há uma desvalorização total do licenciado, em todas as instâncias, as vezes até por parte do próprio licenciado. então o salário não é bom, mas não é só o salário que não é bom, o contexto em que a gente está não é bom, a gente não tem nenhuma prioridade, não tem nenhum incentivo, a gente não tem nenhuma motivação. Então hoje eu vejo o licenciado como uma questão muito complicada, eu sinto, isso, nesse momento, pode ser que você me faça essa entrevista daqui um mês, e eu sinta diferente, mas nos últimos anos, eu tenho sentido isso.

Nota-se a frustração nas palavras da professora, que aparentemente

se vê a mercê das situações de mercado. Em seus escritos, Gatti (2000)

afirma que a precariedade da atividade docente gera reflexos negativos para

o exercício da profissão, promovendo a desvalorização do professor. A

autora aponta aspectos que evidenciam a precarização e desvalorização do

trabalho docente, tais como: aumento da evasão e diminuição da procura

pela formação em Magistério, Licenciaturas e cursos de Pedagogia; o

aumento do grau de frustração dos professores, afetando o clima e as

expectativas depositadas no seu exercício profissional; baixa auto-estima do

professor, interferindo na sua relação com os alunos e comunidade.

As idéias de Gatti (2000), vêm ao encontro do que a professora

explicitou, levando a pensar que a desvalorização provoca no educador uma

desmotivação para assumir um compromisso com a educação de qualidade

e pode culminar numa atitude de acomodação.

Page 126: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

126

Essa desmotivação e/ou acomodação pode levar o professor

formador a se isolar. O isolamento profissional dos professores, por sua vez

limita o acesso a novas idéias e soluções para problemas cotidianos.

Considera-se que as melhorias, as inovações não se dão apenas pela

compreensão intelectual, mas pela vontade de romper com determinadas

culturas que herdamos (conservadora, reprodutora, acrítica). Segundo

Charlot (2000, p. 81), o desejo do mundo, do outro e de si mesmo é que se

torna desejo de aprender e de saber. Considera-se, nesse aspecto que

quando o sujeito se isola ou se encontra decepcionado, desenvolve-se

pouco como profissional.

Entre os saberes profissionais docentes encontra-se a capacidade de

crítica, de articulação entre os conhecimentos específicos e pedagógicos, no

entanto questiona-se, como o professor poderá se tornar um sujeito crítico e

fazer tais articulações quando se encontra em situação de isolamento, sem o

desejo de estabelecer qualquer forma de diálogo com seus companheiros?

A necessidade de diálogo foi observada nos relatos dos professores

apesar da existência do núcleo das licenciaturas, conforme segue nas

palavras do professor José/Ed. Física:

A dificuldade maior que eu vejo na licenciatura, primeiro é o pouco tempo que nós temos como professor. Nós comentamos nos nossos encontros que os nossos projetos sejam mais interdisciplinares e tenham uma interface muito maior em todas as disciplinas para que esse aluno a ser formado perceba que as coisas não estão desconexas. Não adianta aprender só determinada atividade, ela está sempre ligada a uma outra disciplina, um outro conhecimento, e isso vai agregar melhores formas de ele trabalhar aquilo que ele conhece, então esse é um desafio institucional, de ter as pessoas para conversar, para planejar junto.

A importância da troca, do planejamento conjunto, evidenciada pelo

professor Antônio, parece ser uma realidade que ainda não se tornou

realidade nesse contexto institucional. Tal preocupacão também está

presente no relato que segue:

Sobre a licenciatura, percebo em algumas conversas recorrentes, não só na biologia, mais nos demais cursos,

Page 127: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

127

que a pratica docente esta roubando espaço e carga horária, das disciplinas específicas [...] nos cursos, os professores ainda estão muito presos no modelo do três mais um, que a gente, foi formado, é difícil, eles enxergarem inclusive, o próprio colegiado. (Antônio/Biologia)

Observa-se também, no depoimento do professor Antônio uma

dificuldade para implantar as inovações e a falta de equilíbrio entre

responsabilidade individual e responsabilidade compartilhada. Toda vez que

os meios de aprendizagem são tidos como um fenômeno individual e não

coletivo, cria-se um clima impróprio à colaboração e relacionamento

cooperativo, como afirma Gómez (2001).

Concorda-se com Gómez (2001) considera a cultura da colaboração

uma condição reflexiva capaz de proporcionar aprendizagem significativa,

relevante e eficaz, entre os professores, pois a integração facilita a seleção

dos conteúdos do currículo de ensino, bem como a elaboração de projetos

valiosos no interior da universidade.

Nas narrativas dos professores fica evidente que a interação entre as

áreas do conhecimento e dos próprios professores é uma necessidade,

embora ainda esteja em processo de construção.

Relação com o ensino e a aprendizagem: sentidos decorrentes da

cultura institucional

Observa-se, nesses últimos anos, que a cada dia se valoriza mais o

caráter construtivo do processo ensino-aprendizagem, priorizando objetivos

que levem o aluno a selecionar, assimilar, processar e interpretar

informações, conferindo significado a sua aprendizagem. Não se concebe

mais a figura do professor e do aluno como simples transmissores e

receptores de conhecimentos. Valorizam-se os processos de interação

professor-aluno, desencadeando e promovendo a aprendizagem.

Na análise dos aspectos relativos ao ensino e a aprendizagem

verificou-se que os professores se apropriam das idéias de Paulo Freire,

uma vez que tais idéias fazem parte do convívio social e cultural da

Page 128: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

128

universidade. Verificou-se que quase todos os professores entrevistados

citavam frases celebres do autor como: ―[...] quem ensina aprende ao

ensinar e quem aprende ensina ao aprender (FREIRE, 1999, p. 25).

Essa constatação reforça o fato de a cultura institucional influenciar as

idéias dos professores quase que de forma generalizada. Os professores

explicitaram em vários momentos das entrevistas, idéias, frases,

pensamentos desse autor. Considerando as afirmações dos professores,

percebe-se que esses não entendem o ensino como uma transmissão de

conteúdos, mas como algo mais amplo que envolve transformação social e

política e formação para a cidadania, conforme observa-se nos depoimentos

que seguem:

O ensino é aprendizagem, então essa relação com a aprendizagem eu acho que uma das coisas mais legais é aprender e ensinar e ensinar a aprender. (José / Educação Física)

Eu não consigo imaginar um processo deslocado do outro, então para mim, ensinar é aprender, é apropriar-se dos elementos da cultura. É apropriar-se daquilo que as pessoas pensam, daquilo que as pessoas fazem, entender isso, fazer uma leitura clara do mundo. Ensinar nesse sentido é conseguir mediar a formação em outro ser humano, as questões culturais, aquilo que as pessoas pensam, enfim. (Maria/Artes) Me preocupa muito a questão das normas e regras, que a educação se reduza ao ensino tradicional. Vejo que o ensino é muito tradicional, com transmissão dos conceitos, do conhecimento. E muitas vezes são esquecidos os valores. O ensino deve ter uma dimensão mais ampla. E o aluno é na verdade um aprendente – usando Paulo Freire – ao mesmo tempo em que ele estuda também constrói conhecimento. (Antônio/Biologia)

Os depoimentos indicam que mesmo repetindo idéias de uma

educação dialógica, há algumas contradições nas falas dos professores, em

especial quanto a seu papel de mediador no desenvolvimento de seus

―alunos aprendentes‖ – usando a expressão do professor Antônio –

percebendo que os alunos justamente por serem aprendentes, não chegam

à universidade, prontos. Os próprios professores afirmaram que os sujeitos

Page 129: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

129

estão sempre aprendendo uns com os outros. No entanto, enfatizam muito

as dificuldades com que os alunos chegam à universidade, conforme os

depoimentos dos professores José/ Ed. Física e Célia/Artes:

O aluno da licenciatura tem muitas deficiências, já pelo problema de atendermos alunos que provém, a grande maioria, das classes C e D, que trabalham para se sustentar eles tem praticamente trabalhado todo o dia e chegam a noite na universidade já cansados. Mesmo os que não trabalham, vem com pouca disponibilidade para estudo. O aluno está tão acostumado a ter uma base tecnicista na escola que ele quer prova, ele quer todos os dados de maneira racional e quando a gente vê está trabalhando dentro da sala de aula com instrução de material. O aluno quer aquela educação bancária ainda, né, então, essa é uma dificuldade que tem na licenciatura, além disso, como o aluno fica pouco na universidade ele não se aprofunda em projetos, tanto de pesquisa, quanto de extensão. Como trabalhar como isso? (José/Ed. Física)

Nosso aluno da escola publica, do ensino médio, infelizmente vem com pouco aporte, desde as disciplinas básicas de português, de interpretação e construção de texto, até as disciplinas que serviriam para fazê-los refletir melhor sobre a realidade, porque eles têm filosofia, sociologia, chegam aqui e parece que não tem lá, essa é uma dificuldade que ao mesmo tempo em que eles querem... é uma dificuldade então nós temos que nos adequar e resgatar, mas se ficarmos trabalhando várias questões, vem a dúvida ―você vai dar conta de passar alguma coisa além disso? (Célia/Artes)

Nas explicações sobre os problemas com que os alunos chegam à

universidade, os professores revelam também uma dificuldade sobre como

atuar frente a esse aluno. A preocupação com essas dificuldades dos alunos

poderia levar os professores a terem um outro posicionamento, como afirma

Charlot (2000), verificando os porquês de tais dificuldades e as

possibilidades de superá-las. Na verdade, segundo Charlot, um

posicionamento positivo frente às necessidades dos alunos, pode evidenciar

possibilidades de mudanças e melhorias.

Diante de tais dificuldades, como considerar a lógica dialética, no que

Page 130: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

130

se refere ao processo ensino aprendizagem? Nesse caso há uma

contradição nos depoimentos dos professores, ou seja. Se de um lado

considera-se que “ensinar é conseguir mediar a formação em outro ser

humano, as questões culturais, aquilo que as pessoas pensam”, nas

palavras da professora Maria/Artes; como os professores podem ter tanta

dificuldade em lidar com o não saber dos seus alunos? Quando tais relações

não são claras aos professores, é possível que eles não se assumam como

sujeitos que também aprendem.

Afinal, se o perfil de alunos que os professores estão recebendo, é de

um aluno aparentemente desinteressado, sem ―pré-resquisitos‖, como

afirmam alguns professores, algo precisa ser feito, principalmente por

considerarem que o aprendiz aprende a todo o momento, em constante

processo de construção e reconstrução dos conhecimentos e de si mesmo

enquanto sujeito cidadão. Isso significa, sobretudo, mostrar a relação dos

conhecimentos entre si e com os conhecimentos anteriores.

[...] a gente discutia qual é o perfil, do futuro professor, aquele que chega nos cursos de pedagogia e licenciatura. São alunos com uma cultura intelectual limitada, pouquíssima leitura, muitos deles tiveram o ensino médio muito rápido, alguns passaram pela educação de jovens e adultos, popular EJA, passaram pelo seletivo especial e adentraram no curso de graduação, são alunos que tem limitação de escrita, de compreensão, de leitura, sem pré-requisitos nenhum. Alguns deles até sem interesse de aprender. Esses são os nossos futuros professores. Nós estávamos questionando como é que é formar esse professor. ( Profa. Letícia/Letras)

Ao encontrar alunos com tais dificuldades torna-se necessário fazê-

los retornar a algum ponto anterior de sua aprendizagem, para que possam

estruturar e organizar os elementos que constituem a base para a nova

aprendizagem.

O saber que a universidade produz não pode ser visto como algo

pronto, dado, sem história, pois é um saber produzido por sujeitos situados

Page 131: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

131

historicamente, na medida em que o desenvolvimento da sociedade passa

necessariamente pela formação do homem. Daí também a função formadora

da universidade, que precisa por sua vez levar em consideração as

condições que os indivíduos necessitam para sua formação.

Por fim, considera-se que o professor universitário é de certa forma

regulado ao passo que também regula sua vida de acordo com as normas

da vida social que estabelece com os outros, com seu ambiente profissional,

com suas crenças e com seus ideais de formação. É neste sentido que se

configuram seus discursos e práticas que estão no entorno do que é a

docência universitária para si e para a instituição.

A relação com os saberes específicos e pedagógicos: pontos de

encontro e desencontros entre a teoria e prática pedagógica

Na história dos cursos de formação de professores, é grande a

discussão sobre os saberes e conhecimentos necessários para o exercício

da docência. Nesse caso o saber profissional dos professores é constituído

não por um saber específico, mas por vários saberes, de diferentes matizes

da educação, que por sua vez são de diferentes origens, aí incluído,

também, o saber da experiência. Dessa forma há uma pluralidade de

saberes, que embora possam ser identificados de maneira fragmentada, na

prática se apresentam articulados aos contextos e às situações de ensino

onde impera a complexidade (CHARLOT,2005).

Assim, em virtude dessa complexidade e dos relatos dos professores

sobre esses saberes, busca-se refletir sobre as relações que os professores

formadores estabelecem com os saberes pedagógicos, disciplinares e de

conteúdo, de forma articulada, visto que nas palavras dos professores não

há uma delimitação ou um linha que separe os mesmos, justamente, porque

no desenvolvimento da atividade docente, esses saberes emergem

simultaneamente.

É fundamental levar em consideração que a educação é um processo

de humanização, que ocorre na sociedade com a finalidade explicita de

Page 132: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

132

tornar os indivíduos participantes do processo civilizatório. Assim, o trabalho

do professor, segundo Pimenta (2005), deve buscar contribuir com esse

processo pelo trabalho coletivo de ―[...] forma interdisciplinar, com

conhecimentos numa perspectiva de inserção social, crítica e

transformadora‖ (p. 23). É preciso assim, entender que os saberes docentes

estão presentes na vida do professor de forma integrada, implícitos no

estudo dos conteúdos transmitidos, na maneira como o professor os

compreende, os organiza, os apresenta, em suma, utiliza-os para ‗interatuar‘

com os alunos. Todos esses processos se configuram como saberes fazeres

da profissão docente que vão se articulando conforme as necessidades dos

professores em seu contexto de atuação.

No que se refere aos saberes disciplinares, de conteúdo e

pedagógicos, destaca-se a partir dos depoimentos dos professores: a

preocupação com o processo de ensinar. Nesse caso, duas perspectivas

precisam ser analisadas: uma refere-se à orientação propedêutica na qual o

professor tem grande preocupação em trabalhar preliminarmente conteúdos

que possam embasar a prática de seus alunos, seja no estágio como

também nas escolas em que atuam como professores.

A outra perspectiva diz respeito à transposição didática. Alguns

professores formadores explicitam que existe entre teoria e prática uma

relação dialética, na qual e pela qual tanto os conhecimentos em produção

quanto o sujeito produtor estão intrinsecamente implicados e não podem por

sua vez ser vistos como pólos justapostos. É o que pode ser ilustrado pelas

palavras da professora Letícia/Letras:

Tem alguns alunos que vem com a experiência do estágio ou mesmo da escola onde já atuam como professores e dizem: ―aqui nós temos muitas teorias que não condizem com as nossas praticas‖. Nesse caso, muitas vezes a gente não consegue quebrar essas concepções que eles trazem, de que aqui na universidade é uma coisa, e na prática é outra. Então eles não conseguem ver que a teoria na verdade é uma leitura de uma prática, a teoria não cai do céu, você não vai falar sobre a realidade escolar, buscando uma inspiração divina, é preciso se debruçar sobre uma realidade, o sujeito vai estudar, vai pesquisar... para depois poder montar o trabalho dele, refletir sobre as concepções teóricas, ou vice versa. Não tem como a gente separar essas duas coisas.

Page 133: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

133

A exemplo das palavras da professora Letícia, os demais professores

demonstram preocupação em fazer com que os alunos entendam que a

prática e a teoria são elementos que estão interligados, principalmente no

que se refere a formação docente. Essa concepção tem apoio em Pimenta (

2005, p. 47), para quem ―[...] a prática docente é expressão do saber

pedagógico, que constitui-se numa fonte de desenvolvimento da teoria

pedagógica. As necessidades práticas que emergem do cotidiano da sala de

aula demandam uma teoria‖.

Para alguns professores formadores, a aquisição de conhecimentos

acumulados pela humanidade é importante no sentido em que esses podem

contribuir para a análise e intervenção no ambiente profissional e social. A

teoria e a prática são consideradas núcleos articuladores da formação de

professores e devem ser trabalhadas de forma integrada, constituindo-se

assim uma unidade dialeticamente indissociável, como explica a professora

Célia, de Música e Artes:

Eu penso que o aluno precisa consegui se apropriar dos aportes teóricos, para fazer uma reflexão mais fundamentada, dessa realidade. Hoje, se a gente não tem esse aporte teórico não consegue fazer relação com o espaço da escola, esse é o desafio desse aluno. E para teorizar essa pratica, esse espaço tem que ter um olhar mais critico, uma critica fundamentada mais coerente. Daí eu tenho que trabalhar com a teoria. Por eu te disse que hoje eu dou valor pra fundamentação teórica que antes eu não dava. Ia pra sala de aula sem saber nada. Os alunos hoje são muito imediatistas também querem aplicar amanhã o que eu trabalho hoje na teoria. É com isso que a gente tem para trabalhar. O aluno não quer saber muito da teoria.

Todavia, apesar do relato da professora Célia vir ao encontro de

outros professores no que se refere a essa indissociabilidade entre teoria e

prática, verificou-se também que esse entendimento não é comum a todos

ou à maioria dos professores entrevistados, pois no decorrer das entrevistas

alguns professores manifestavam certa confusão frente ao significado dessa

integração, como se pode apreender das palavras do professor Paulo

/Biologia, nas quais há certa ambigüidade.

Page 134: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

134

Com o projeto do núcleo das licenciaturas a carga teórica ficou reduzida. Não tenho tempo para trabalhar todos os conteúdos da área da Biologia que tem uma carga muito grande de conhecimentos. Acho bacana quem entende da área de pedagogia trabalhar os conteúdos pedagógicos, mas como fica a teoria? Eu tento correr com o meu assunto, mas às vezes não consigo passar tudo para meus alunos.

O professor Paulo atribui grande importância aos conhecimentos

científicos, ou fundamentos teóricos e critica a redução do tempo dos

conteúdos específicos para ampliar a formação pedagógica.

Quando consideramos a teoria isolada da prática ou a prática isolada

da teoria, consideramos igualmente que o homem é destituído de sua

capacidade de agir de forma consciente, como afirma Vasquez (1977).

Quando os professores formadores isolam a teoria da prática ou a prática da

teoria, nos processos de formação, indubitavelmente limitam também a

capacidade do seu aluno, futuro professor de pensar sobre a ação

pedagógica de forma integrada, de modo que compreendam a estrutura da

escola e os propósitos da educação, principalmente no que se refere à sua

complexidade histórica e social.

Como afirma Charlot (2005), não basta o professor saber, mas deve

necessariamente desencadear o fazer saber, ou seja, o saber deve estar

impregnado no corpo, nas atividades, nas suas relações com os alunos,

para que possa ser considerado um conhecimento. Assim, a noção da

relação com o saber está enraizada no próprio indivíduo, pois trata-se do

modo de questionar seus modelos, suas expectativas em face à vida

pessoal e profissional.

Para superação da dicotomia entre teoria e prática, Vasquez (1977,

p.3) propôs, o conceito de práxis, atribuindo-lhe um sentido transformador. O

autor afirma que a práxis ―[...] marca as condições que tornam possível a

passagem da teoria à prática e assegura a íntima unidade entre uma e

outra‖ (p. 6). A práxis utiliza-se da consciência reflexiva para unir

consciência, pensamento e ação, em um sentido social e histórico.

O modo como os professores concebem a relação entre teoria e

prática em suas atividades docentes evidencia não só as relações que

estabelecem com os saberes disciplinares, de conteúdos e pedagógicos,

Page 135: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

135

mas também evidenciam aquilo que afirma Pimenta (2005, p. 21): os

sentidos que os professores atribuem à ciência e à produção material; à

ciência e à produção existencial; à ciência e à sociedade. Além disso, tais

concepções permitem fazer aproximações a respeito das formas com que os

professores fazem a transposição didática dos conhecimentos teóricos ou

como esses transformam os conhecimentos teóricos em conteúdos

pedagógicos, como pode ser ilustrado pelas palavras da professora

Beatriz/Letras:

Olha na verdade é assim, eu venho trabalhando, principalmente os clássicos da literatura brasileira, ou toda a obra literária dentro de um contexto ocidental. Eu sempre dizia: agora, como a gente pode levar isso para a sala de aula? Porque a gente pode. Não subestimem os alunos de vocês, não pensem que eles só gostam de ler gibi, pense como é que eu posso levar um conto do Machado, para a sala de aula e tornar isso uma experiência produtiva, sem que eles fiquem pensando qual é o sujeito predicado, o advérbio, o adjunto, né. A literatura como pretexto para estudar gramática, então a gente fazia muito esse tipo de trabalho, de reflexão, até nós tivemos algumas experiências de tentar transpor o texto para outros tipos de comunicação, para a comunicação visual, para a comunicação verbal, então eles tinham que pensar em algumas estratégias para motivar essa leitura. Essa era minha preocupação, porque eu sempre fui muito teórica, que é muito importante, mas eu tenho que pensar, porque eu estou formando profissionais que vão ter que atuar em sala de aula, então eu fazia muitas discussões nesse sentido, além de discutir textos e algumas questões de profundidade do texto, daí eles diziam: Ah, não posso levar isso para a sala de aula. Realmente não pode, mas você tem que saber que isso é possível. Alguém pode te perguntar, o teu aluno pode te perguntar, ai você vai dizer o quê?

A professora Beatriz, se mostra bastante preocupada com a

transposição didática dos conteúdos, principalmente com a forma com que

os futuros professores vão ensinar aos seus alunos nas escolas.

É também possível verificar o medo da professora em ―não ser muito

teórica‖. Nesse aspecto há a possibilidade da professora estar vivendo uma

tensão entre a pedagogia tradicional e a progressista. Não é raro

encontrarmos professores confusos em relação a isso, pois ainda nos

Page 136: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

136

deparamos com pressões dos cursos de Licenciatura de que não se deve

ser ―tradicional‖. Quanto a esse aspecto Libâneo (1989, p.20) afirma que,

[...] os professores têm na cabeça o movimento e os princípios da escola nova. A realidade, porém, não oferece aos professores condições para instaurar a escola nova, porque a realidade em que atuam é tradicional. A essa contradição se acrescenta uma outra: o professor se vê pressionado pela pedagogia oficial que prega a racionalidade técnica e a produtividade do sistema e do seu trabalho.

Conforme as palavras de Libâneo, ainda vivenciamos essa

contradição no interior das instituições de ensino brasileiras, o que pode

levar os professores a usar certos posicionamentos ou discursos de crítica.

Muitas vezes não conseguem vislumbrar que na atividade docente essas

tendências se mesclam constantemente, e uma não afasta a possibilidade

da outra.

Na relação do professor com os saberes teóricos e práticos ou

específicos e pedagógicos, parece estar presente o medo de ser tradicional,

ou tecnicista, porque há uma pressão frente a isso, o que gera muitas vezes,

conflitos e insegurança frente às próprias mudanças e inovações que vão

ocorrendo no interior da universidade. Com relação a essa situação Libâneo

(2002) afirma que ―[...] teorizar não significa, entender e impregnar nossas

ações com tais teorias‖. Por conta disso, os professores formadores acabam

desenvolvendo certos discursos em relação às racionalidades pedagógicas.

No entanto, nem sempre são incorporados às suas atividades docentes.

Implicações da concepção de professor pesquisador/reflexivo e as

relações com os saberes pedagógicos e específicos

Nos depoimentos dos professores formadores surgiram alguns

elementos relacionados ao ―paradigma‖ do professor pesquisador em

associação com o do professor reflexivo. A idéia do professor reflexivo

configura uma relação com os saberes teóricos e práticos uma vez que é

Page 137: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

137

com base nessa concepção que os professores desenvolvem sua atividade

docente. As formas como encaminham suas atividades, as reflexões feitas

com seus alunos, as tarefas, as intervenções, possivelmente estão

impregnadas por esse discurso pedagógico que consideram o mais

adequado no momento.

Surgem nos depoimentos dos professores afirmações que valorizam o

papel da reflexão e da pesquisa na prática docente. A maioria dos

professores formadores afirma que o professor pesquisador é que mantém

uma atitude reflexiva permanente. O professor Antônio/Biologia expõe sua

opinião sobre o assunto:

Prefiro não ver diferença dentre as duas abordagens: do reflexivo e do pesquisador, em alguns momentos passa a ser uma contradição. Poxa, tiveram que criar um nome para professor reflexivo, como se diretamente a gente não tivesse que pesquisar sobre a prática, então eu creio que essas nomenclaturas principalmente no Brasil, acabam virando um modismo pedagógico, agora todo mundo vai ser professor pesquisador. Isso me deixa intrigado, pois a gente sente que os professores estão confusos com relação a isso. Tem professor que às vezes não quer ser pesquisador, ele quer melhorar a pratica dele, ou ele quer acender um pouco mais na carreira, ganhar um pouco melhor no estado, ou trabalhar em um centro universitário aí deseja, mas não quer ser pesquisador. No entanto o próprio sistema CAPES, nos avalia em função de nos tornarmos pesquisadores em educação, mesmo querendo fazer outra coisa. Por isso, eu digo que ser professor é ser pesquisador, pois você reflete sobre a sua prática. Não entendo a dicotomia entre ambos. Isso pode ser mesmo um modismo.

As palavras do professor Antônio remetem à idéia de que a reflexão é

inerente à profissão docente e que todo professor pesquisa a sua prática.

Nesse caso, de acordo com Pimenta (2002, p. 20) é o movimento

representado pela ―reflexão sobre a reflexão na ação‖ que ―abre

perspectivas para a valorização da pesquisa na ação dos profissionais,

colocando as bases para o que se convencionou denominar o professor

pesquisador de sua prática‖.

A polêmica do professor reflexivo e do professor pesquisador divide

opiniões entre os que discutem a metodologia de pesquisa no ensino, e exige

Page 138: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

138

que o professor formador assuma um posicionamento na forma como vai

orientar seus alunos, o que o leva muitas vezes a ficar confuso. As palavras

da professora Beatriz ilustram essa dificuldade, quando tenta explicar as

duas concepções do professor pesquisador:

Teoricamente teriam duas perspectivas, a perspectiva da ciência mesmo, que seria assim, todas as vezes que algo me incomoda eu vou procurar saber por que me incomoda, a idéia da inquietação, e isso pode vir através de uma pesquisa formal ou não, mas o ser pesquisador é não acomodar-se, ou seja, eu tenho a duvida, eu tenho a inquietação, o problema está ali instalado, e eu não vou simplesmente cruzar os braços, e esperar que alguém resolva, e depois eu digo que fulano resolveu. Não vou fazer isso, eu vou correr atrás eu vou sanar as minhas duvidas, vou propor soluções e através disso, também promover debate, então a minha idéia de professor pesquisador vai nessa linha. (Beatriz/ Letras)

A professora Célia tenta mostrar que as duas perspectivas são

distintas, mas não deixa claro qual é uma e qual é a outra posição.

Aparentemente considera o professor pesquisador aquele que segue a

―perspectiva da ciência‖, contudo, ao explicar refere-se ao professor reflexivo

como um solucionador de problemas.

Moraes e Torriglia (2003), ao discutirem a configuração desse novo

paradigma de formação de professores (professor pesquisador-reflexivo),

evidenciam o risco de supervalorização das práticas. Os autores alegam que

pode haver um ―recuo da teoria‖. Afirmam que as práticas de formação de

professores, embora possam e devam estar diretamente articuladas às

vivências da docência devem se fundamentar nas teorias

pedagógico/educacionais, em estreito diálogo com as ciências sociais e

humanas.

Assim, mesmo que o professor apresente uma maior autonomia de

ação frente às opções que tem dentro do espaço de trabalho, poderia

encontrar dificuldade para compreender que as soluções para os problemas

não advêm apenas da reflexão sobre sua prática, especialmente quando se

encontra tão envolvido e fechado no espaço da sala de aula ou limitado

pelos muros escolares.

Page 139: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

139

Não há como negar que a docência requer conhecimentos específicos

relacionados ao ensino e a aprendizagem, sem contar com inúmeras

situações complexas em que o professor precisa rever conhecimentos,

teorias, informações, ou seja, aprender novamente. Como afirma Charlot

(2001), o ensino envolve uma dimensão axiológica e política que ocorre num

contexto específico e tem metas a atingir.

No entanto, a pesquisa requer inteligibilidade própria sendo preciso

que o professor produza conhecimentos a partir de bases teóricas já

produzidas, de coleta e análise sistemática que a ciência exige. Para essa

tarefa, o professor tem algumas necessidades conforme palavras de André

(2001, p. 60):

Querer que o professor se torne um profissional investigador de sua prática exige que se pense nas exigências mínimas para sua efetivação, ou seja: é preciso que haja uma disposição pessoal do professor para investigar, um desejo de questionar; é preciso que ele tenha formação adequada para formular problemas, selecionar métodos e instrumentos de observação e de análise; que atue em um ambiente institucional favorável à constituição de grupos de estudo; que tenha oportunidade de receber assessoria técnico pedagógica; que tenha tempo e disponha de espaço para fazer pesquisa; que tenha possibilidade de acesso a materiais, fontes de consulta e bibliografia especializada. Esperar que professores se tornem pesquisadores, sem oferecer as necessárias condições ambientais, materiais, institucionais implica por um lado, subestimar o peso das demandas do trabalho docente cotidiano e, por outro, os requisitos para um trabalho científico de qualidade.

Concordando com a autora, parece-nos fundamental levar em

consideração as condições necessárias para a efetivação do professor

pesquisador. Como podemos verificar nas palavras da professora

Letícia/Letras, o conceito de professor pesquisador confunde-se com o de

professor reflexivo:

Talvez a gente tenha que cuidar com essa nomenclatura, de professor reflexivo, porque também é algo que está vindo na literatura, inclusive também fala do professor pesquisador, então o professor pesquisador que a gente tem trabalhado é

Page 140: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

140

o professor indagador, reflexivo, o professor que sempre questiona a sua prática, então é aquele professor que não está realizado com aquilo que fez e está sempre questionando aquilo que esta fazendo. Eu tenho trabalhado muito com as meninas. Então ser pesquisador, é estar se perguntando o porquê, é não se contentar com essa normalidade. Por exemplo: agora está se tornando normal o aluno não aprender, já que isso é algo estranho, então é olhar para aquilo com olhar de estranheza, não é comum, não é normal? Então, ser pesquisador é estar se indagando, é estar investigando, e não se contentar como aquilo que está sendo imposto como padrão da normalidade. Apesar das literaturas, eu considero que o professor vai ser sempre o pesquisador de sua prática. Caso contrário como ele vai evoluir profissionalmente? (Letícia/Letras)

Observa-se que a professora reconhece a existência de duas

concepções que emergem de literaturas diversas, no entanto, ela reafirma a

importância do professor reflexivo como aquele que pesquisa sua própria

prática.

Considera-se importante a atitude reflexiva sobre a prática, no entanto

é igualmente importante esclarecer a diferença entre os modelos de professor

pesquisador e professor reflexivo o não está claro aos professores. Além

disso, a pesquisa que se restringe à reflexão sobre os problemas de sala de

aula ou mesmo da escola, pode não atender aos critérios e rigor que qualquer

pesquisa requer.

Os estágios supervisionados e as relações com a teoria e a prática

pedagógica: imbricações da racionalidade prático reflexiva.

Nas entrevistas com os professores formadores, o estágio

supervisionado também foi um tema que emergiu e está relacionado com os

anteriores, ou seja, com a relação entre a teoria e a prática e o conceito de

professor reflexivo/pesquisador.

Os professores formadores referem-se ao estágio como ponto de

apoio para as teorias que apresentam aos alunos em sala de aula. Afirmam

que é por esta via que os alunos concebem as práticas pedagógicas de

Page 141: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

141

―risco‖ e, pelas quais conseguem refletir sobre a realidade nas escolas.

Portanto o estágio configura-se como uma forma de aproximar a realidade

das escolas às teorias ministradas no âmbito da universidade, conforme

pode ser ilustrado pelas palavras das professoras Beatriz/Letras e

Juliana/Didática:

Eu diria como professora, que o aluno é sempre uma caixinha de surpresa. Às vezes dá impressão que não querem saber de nada, mas de repente, voltam do estágio querendo aplicar as teorias em determinadas práticas. Quando ele (aluno) vem do estágio, vem com um monte de observações a respeito do que viram lá na escola, e querem uma solução para os problemas vivenciados pelos professores daquela escola. Eles querem as fórmulas prontas. Perguntam: como é que eu trabalho Machado de Assis na sala de aula, e faço isso de uma maneira interessante? Mas como é que eu vou explicar para o meu aluno, que existe um narrador, que não é só em primeira e terceira pessoa? Então o que eles querem é assim, a aula de hoje, eu já quero aplicar na minha aula de amanhã. Embora isso não funcione desse jeito, a gente sabe, o estágio faz com que eles percebam na prática o que nós trabalhamos em sala de aula. Aí não se trata de teoria pela teoria. Eu quero assim... que meu aluno reflita sobre a escola que ele visitou e, com base nisso, discuta as teorias, pois elas podem dar respostas a ele.( Beatriz/Letras).

Aqui a gente tem uma proposta, em que o aluno vá desde o primeiro período observar na escola. Assim, logo ele vai saber como é o espaço e o cotidiano da escola e a vida de professor. Eu trabalho assim... No espaço da escola eles identificam um problema, uma situação que lhes chama atenção, depois, eles apresentam algumas questões de pesquisa sobre o que viram e desenvolvem um projeto de pesquisa de forma que possam procurar soluções para os problemas apresentados por eles mesmos. Acho isso bem legal. A gente vê o aluno envolvido com a escola e com a pesquisa, ao passo que vão aprendendo. Claro que eu cuido, com aquela coisa... de só ver problemas na escola. Isso é comum nas primeiras vezes que eles comentam o que viram. Aí eles vem... Meu Deus professora lá acontece assim... entendeu? Não dá para deixar os alunos com essa visão, quem tá de fora é fácil criticar não é? (Juliana/didática).

Pelas palavras da professora Beatriz fica claro que o estágio abre

possibilidades para os professores orientadores proporem pesquisas, que os

Page 142: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

142

alunos possam ampliar como afirma Pimenta (2004, p. 51), ―[...] a

compreensão das situações vivenciadas e observadas nas escolas, nos

sistema de ensino e nas demais situações ou estimularem a, a partir dessa

vivencia, a elaboração de projetos de pesquisa a ser desenvolvidos

concomitantemente ou após o período de estágio‖.

Por intermédio do estágio busca-se a sistematização de propostas na

perspectiva reflexiva e investigativa, de forma que haja relação entre escolas

e universidade, pois se considera que as escolas são espaços fundamentais

de aprendizagem profissional. Considera-se também o estágio como uma

possibilidade de promoção da articulação ensino, pesquisa e extensão.

Observa-se, que mesmo em relação ao estágio, os professores

formadores organizam-se dentro da concepção prático reflexiva, que por sua

vez determina as formas de supervisão e orientação do estágio e as suas

atividades na sala de aula.

É importante ressaltar que alguns professores encontram-se

insatisfeitos com a relação que as escolas estabelecem com os

universitários, principalmente pela distancia entre o que é trabalhado na

universidade e aquilo que os professores e coordenadores das escolas

querem que os alunos desenvolvam em seus estágios, conforme afirma a

professora Beatriz

Na atual conjuntura do curso de letras, o estágio ele atrapalha, (por quê?), porque ele está no formato do... três mais um, na concepção das pessoas, apesar da mudança no projeto da universidade. Não que ele esteja propriamente dito no formato, mas as pessoas ainda agem como se estivesse. Olha, algumas pessoas (professores das escolas), fazem assim: leve um texto, faça uma motivação inicial, trabalhe interpretação e gramática, e se der tempo faça os alunos produzirem alguma coisa, aí cai por terra todas as questões que eu comento com os alunos em sala de aula, às vezes eles mesmos, sem querer acabam me dizendo: ―ah! Professora, mas não adianta, porque lá no estágio eles só querem que a gente trabalhe, gramática, gramática, gramática..., a professora de estágio quer que a gente trabalhe gramática, o professor na sala de aula, quer que a gente cumpra o cronograma que ele tem, que é só de gramática, a gente não tem muita possibilidade‖. Veja, embora a professora de estagio tenha conseguido já uma abertura bem bacana com as escolas, conseguiu parcerias com colégios, até fechando a escola uma semana inteira de

Page 143: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

143

estágios, ainda nos deparamos com essas situações. Eu vejo o estagio ainda, como uma coisa muito engessada, muito, no tal do micro ensino, aplica lá, e depois eu te digo se funcionou (Beatriz/Letras).

Nas palavras da professora, observa-se que há vontade de

desenvolver uma atividade mais integrada com a escola, que esteja mais de

acordo com o projeto instituído na universidade, no entanto ainda há

insatisfação com o sentido que os professores das escolas atribuem ao

estágio. Nesse caso pode-se ver a força da cultura profissional atuando

sobre as atividades dos professores formadores, o que gera um sentimento

de impotência frente a realidade social, tanto no que diz respeito aos alunos

licenciandos como também aos professores formadores.

Page 144: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

144

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ninguém avança pela vida em linha recta. Muitas vezes, não paramos nas estações indicadas no horário. Por vezes, saímos dos trilhos. Por vezes, perdemo-nos, ou levantamos vôo e desaparecemos como pó. As viagens mais incríveis fazem-se às vezes sem se sair do mesmo lugar. No espaço de alguns minutos, certos indivíduos vivem aquilo que um mortal comum levaria toda a sua vida a viver. Alguns gastam um sem número de vidas no decurso da sua estadia cá em baixo. Alguns crescem como cogumelos, enquanto outros ficam inelutavelmente para trás, atolados no caminho. Aquilo que, momento a momento, se passa na vida de um homem é para sempre insondável. É absolutamente impossível que alguém conte a história toda, por muito limitado que seja o fragmento da nossa vida que decidamos tratar. (texto de Henry Miller)

Ao tecer as considerações finais dessa pesquisa, resgata-se o texto

de Henry Miller (acima), que oportunamente descreve um pouco da história

dos sujeitos no mundo. Não há como deixar de considerar que as pessoas

se constituem no e para mundo. E nessa passagem vão tecendo sentidos,

se apropriando, criando e transformando o mundo com seus semelhantes.

Justamente pelo fato de os sujeitos estarem o tempo todo tecendo

essa rede de relações, que se pode afirmar: ―nada se encerra, sempre há

um novo começo‖, como também afirma Miller, ―é impossível que alguém

conte a história toda, por mais limitado que seja o fragmento da vida que

decidamos tratar‖. Além disso, o menor fragmento da vida de um sujeito

contém inúmeras relações, que vão tecendo sem parar a história de cada

um.

Portanto, essa pesquisa constitui de certa forma um fragmento da

história dos professores formadores no qual se buscou apreender as

relações que impregnam a sua vida profissional e que, como tal, desvelaram

uma série de entrelaçamentos, nem sempre passíveis de apreender ou

compreender. Por isso, muitas indagações ainda devem surgir e com

certeza levar a outros processos de investigação. Desta forma, o ponto de

chegada é sempre um ponto de partida.

Page 145: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

145

Buscar apreender as relações que os professores formadores

estabelecem com seus saberes profissionais, seguindo os princípios

teóricos-metodológicos de Charlot, foi um grande desafio, primeiramente

pela necessidade e dificuldade de entender a idéia de relação com o saber,

desenvolvida por Charlot, o que só foi possível, também pela mediação e

interlocução com os demais autores que estudam e pesquisam os processos

de constituição da profissionalização e profissionalidade docente. Em

segundo lugar, o desafio de sistematizar uma forma de apreender as

relações dos professores formadores com os saberes profissionais. E em

terceiro lugar o desafio de apreender e analisar tais relações.

Charlot (2000) afirma que a análise da relação com o saber implica a

interpretação que o sujeito faz sobre o mundo, sobre sua atividade, seus

modos de agir, pensar e sentir. E nesse sentido, nem sempre é possível

fazer essa leitura. Assim, durante todo o andamento da pesquisa procurou-

se ficar atento aos elementos que pudessem revelar as relações dos

professores com seus saberes profissionais.

À medida que se adentrava nesse universo, percebeu-se o quanto é

possível também ao pesquisador ressignificar alguns posicionamentos, rever

os caminhos percorridos e os que ainda tem a percorrer. Como afirma

Freitas (2002, p. 26), ―o pesquisador que não sendo um mero objeto,

também tem oportunidade de refletir, aprender e ressignificar-se no processo

de pesquisa‖.

É com base nessas reflexões que se apresentam algumas notas de

arremate haja vista que as conclusões são sempre transitórias. Busca-se

sobretudo resumir alguns pontos relevantes a respeito do que foi abordado

nessa tese, assim como apresentar algumas discussões a respeito dos

resultados e possibilidades futuras.

Considera-se que o saber profissional é também relação com o

contexto, com a história, com o outro, consigo mesmo. Por isso, nos

primeiros capítulos dessa tese houve a necessidade de fazer uma

retrospectiva sobre alguns elementos da história da educação no Brasil,

assim como também da licenciatura, uma vez que esses elementos da

história dão origem aos paradigmas também presentes na formação de

professores bem como no exercício da docência.

Page 146: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

146

Adentrar no universo dos professores formadores na universidade não

foi uma tarefa fácil, visto que houve dificuldade de conseguir professores que

se dispusessem a escrever os balanços do saber, conforme técnica também

utilizada por Charlot (2000). Dos 25 professores, que faziam parte do núcleo

das licenciaturas apenas nove retornaram o instrumento preenchido. Cabe

ressaltar, que esses nove professores se mostraram bastante solícitos

inclusive nas entrevistas realizadas, o que também foi um aspecto positivo

no sentido de poder apreender as relações que estabeleciam com seus

saberes profissionais.

Dentre as relações mais enfatizadas pelos professores formadores

em seus depoimentos, pôde-se identificar as relações oriundas da cultura

institucional da qual emergem experiências, que geram relações com os

saberes pedagógicos, específicos, com a teoria e a prática, relações com o

estágio supervisionado, e que por sua vez, vão configurando as atividades

do professor formador no contexto da universidade.

Observou-se que a cultura institucional funciona como base

fundamental nas relações que os formadores estabelecem com seus

saberes profissionais, tanto no período de pré-formação, quando ainda eram

estudantes, como no contexto de socialização profissional.

Assim, dentre as experiências vivenciadas pelos professores

formadores no âmbito da instituição universitária, destaca-se a importância

que os professores formadores atribuem aos mestres modelos (ANDRÉ e

PASSOS, 2008), como ponto de referencia para sua atividade docente. As

lembranças que os professores formadores têm do período de pré-formação

são consideradas fontes de comparação com a sua vida profissional,

principalmente no que se refere às relações que esses estabelecem com os

seus alunos, com a instituição onde atuam ou mesmo com seus colegas

professores. As experiências, as formas de condução das aulas, os modos

de aprender, os encaminhamentos das atividades, as formas de

compartilhamento que ocorreram no período da sua formação são

considerados fatores importantes no desenvolvimento de suas atividades

profissionais atuais, pois essas afetam significativamente as atividades dos

professores formadores.

Outro elemento que se destaca é a cultura acadêmica experiencial

Page 147: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

147

(GÓMEZ, 2001), que adquire especial significação na vida dos professores

formadores visto que passam a elaborar significados e comportamentos

profissionais induzidos por esse contexto, mediante os intercâmbios que

ocorrem no interior da universidade. As experiências vivenciadas nesse

ambiente cultural, de certa forma funcionam como balizadores que afetam a

conduta e os sentimentos dos indivíduos e dos grupos em sua atividade

profissional.

A cultura institucional induz de uma forma ou de outra a determinados

tipos de relações sociais e profissionais tanto no sentido de potencializar

como de frear a forma de conceber e desenvolver as tarefas acadêmicas e

profissionais. O clima psicossocial, os hábitos de conduta, a definição de

papeis e esteriótipos, são reflexos dos influxos que mediam, potencializam

ou impedem a realização de determinadas intencionalidades pedagógicas.

Com base nesses influxos culturais vivenciados na universidade, os

dados revelaram que os professores estabelecem uma relação afetiva com

seus alunos, o que lhes traz satisfação e os leva a se preocupar com sua

aprendizagem e com o seu desenvolvimento profissional. Contudo,

encontram-se ao mesmo tempo desmotivados frente às dificuldades

encontradas tanto para atender ao aluno que estão recebendo no curso de

licenciatura como também pelas mudanças nas condições de trabalho, tais

como a implementação do EAD (ensino a distancia).

Os professores consideram que precisam se adaptar às novas

exigências econômicas da instituição, mas estão preocupados com o

comprometimento do processo ensino aprendizagem. Observou-se que a

relação do formador com o processo ensino aprendizagem se caracteriza

pelo compromisso com a formação de qualidade junto aos futuros

professores, por isso a preocupação com o ensino a distância. Ensinar para

os professores formadores implica fazer com que o aluno verdadeiramente

aprenda e não simplesmente obtenha informações sobre as áreas do

conhecimento. No caso do ensino a distância sentem-se inseguros, temem

que a formação possa vir a se tornar mais uma vez um sistema de repasse

de informações, vinculado ao currículo pautado no paradigma cartesiano,

fragmentado e acrítico.

Vale ressaltar que para os professores formadores o ensino a

Page 148: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

148

distância caminha também na contramão da nova proposta de

implementação do núcleo das licenciaturas. Se o objetivo do núcleo era

integrar as disciplinas específicas e pedagógicas, consideram que a EAD,

não possibilita essa integração.

Pode-se concluir que o professor formador dessa instituição

desenvolve uma relação de insegurança e dúvida frente ao uso das novas

tecnologias. Tal insegurança pode estar associada à preocupação com a

qualidade da formação dos alunos, mas também pode estar relacionada ao

próprio sentimento de decepção frente a desvalorização e precarização da

atividade docente que o EAD, de certa forma impõe.

No que se refere aos saberes específicos e pedagógicos, os dados da

pesquisa revelaram que os professores formadores ora valorizam os

saberes específicos, ora os saberes pedagógicos, identificados por eles

como saberes práticos, explicitando, assim, uma relação de ambigüidade no

que se refere a importância atribuída a esses saberes. Resulta daí certa

confusão por parte dos professores, pois ao mesmo tempo negam a idéia do

professor como aquele que transmite informações e super valorizam a

prática em detrimento dos conhecimentos teóricos. Poucos são os

professores, que como Roldão (2007), consideram o saber científico

integrador de todos os saberes.

Um aspecto que chama atenção nos depoimentos dos professores

formadores diz respeito à (des) articulação entre teoria e prática. Os dados

mostram uma valorização dos saberes práticos, da análise da experiência e

da problematização da realidade escolar. Ao lado disso, nota-se uma

concepção tácita de que o embasamento teórico deve preceder a prática.

Percebe-se ainda que alguns professores formadores consideram

haver uma relação linear entre o conhecimento cientifico-técnico e suas

aplicações práticas posteriores.

A racionalidade prático-reflexiva, metaforicamente se transforma

numa espécie de condutor da atividade docente. Os professores verbalizam

que os conhecimentos não são verdades absolutas e que precisam ser

contextualizados. Nesse sentido, o estágio supervisionado se constitui como

uma das formas pelas quais podem situar a realidade escolar. Contudo, os

Page 149: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

149

professores podem estabelecer uma relação pragmática com o saber, visto

que podem, limitar a reflexão apenas ao que ocorre na sala de aula.

Ao coletar os depoimentos dos professores formadores foi possível

vislumbrar algumas das relações que estabelecem com os seus saberes

profissionais. Nessa pesquisa, assim como afirma Charlot (2000), as

relações apresentaram-se de forma ampla e muitas vezes ambígua, pois, os

saberes profissionais se entrecruzam e produzem múltiplas relações sociais

e profissionais que por sua vez, nutrem, sustentam ou mobilizam as práticas

dos professores.

Acredita-se que as relações que os professores formadores

estabelecem com os saberes profissionais encontram-se associadas à

cultura institucional que produz uma trama de relações nos espaços de

trabalho. Pode-se dizer que as instituições são permeadas de significações.

E nesta perspectiva podem também ser fonte de alienação ou de criação no

que se refere à atividade profissional.

Assim, pode ocorrer que os professores questionem ou coloquem em

dúvida a instituição na qual atuam, instaurando-se uma ruptura com os

processos formativos instituídos nem sempre considerados adequados ou

pode ocorrer igualmente um processo de adaptação e/ou acomodação no

que tange a formação docente.

Ao estabelecer-se como ser individual, sendo parte de uma

coletividade, os professores podem ficar afetados por essa coletividade e

pelos seus discursos, o que pode levá-los a desenvolverem um processo de

―mitificação pedagógica‖, que como afirma Charlot (2005), nada mais é que

a defasagem entre o discurso e a realidade social ou nesse caso, entre o

discurso e a realidade vivenciada no interior da universidade. Esses

discursos levam os professores a desenvolverem determinados significados

e sentidos frente a educação e a formação de professores, levando-os

também a agirem muitas vezes inconscientemente no seu dia-a-dia

profissional.

O problema da mitificação pedagógica no âmbito das instituições

universitárias é que essa pode levar os professores formadores a

desenvolverem expectativas frente a essa formação que muitas vezes não

se concretizam. Os professores podem submeter-se a determinados

Page 150: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

150

processos que nem sempre são adequados a uma formação de qualidade.

Pode ocorrer uma contradição entre os discursos e as expectativas dos

professores formadores o que por sua vez, pode levá-los ao desanimo, ao

conflito consigo mesmo, com os colegas e com a instituição, o que muitas

vezes provoca stress ou apatia frente às situações vivenciadas.

Nesse sentido, é preciso que tanto a universidade enquanto

instituição como os professores que nela desenvolvem suas atividades

estejam conscientes de suas ações. Entender a dinâmica institucional

universitária, compreender o estatuto de saber e poder e a possibilidade de

encontrar seu papel profissional é também poder efetivar ações mais

significativas e positivas junto a formação dos professores.

Ao finalizar esse trabalho cumpre também afirmar que pesquisar a

temática da relação com os saberes profissionais dos professores

formadores abre outras possibilidades de pesquisa e aprofundamento, haja

vista que esse estudo não teve a pretensão de bastar-se a si mesmo.

Portanto, deseja-se discorrer nesse momento sobre algumas lacunas ou

possibilidades futuras de aprofundamento sobre a temática da relação com

os saber.

Uma delas refere-se à discussão da mitificação pedagógica, pois

segundo Charlot (2005), essa mitificação pedagógica impregna a atividade

dos professores e está presente na cultura institucional, que por sua vez,

poderia ser um aspecto a ser aprofundado em termos da relação com os

sabres profissionais docentes, já que observou-se a existência de poucas

referências que tratam da cultura institucional voltada às universidades.

Sugere-se, como mais uma possibilidade de ampliar a pesquisa e dar-

lhe continuidade, o estudo das representações sociais e dos imaginários

presentes na atividade dos professores formadores, pois o sujeito constrói

representações que estão em geral inclusas em sua relação com o saber e

que por sua vez são compostas por conteúdos de pensamento que são

postos em relação.

Page 151: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

151

REFERÊNCIAS

ABDALLA. Maria de Fátima Barbosa. O Senso prático de ser e estar na

profissão. 1ª Ed. São Paulo. Cortez Editora, 2006.

ALVES, Neila Guimarães. Formação de professores: possibilidade do

imprevisível. Rio de Janeiro: Editora DP&A, 2004.

ALVES, Nilda. Formação de professores: pensar e fazer. São Paulo:

Cortez, 1999.

ANDRADE, Roberta Rotta Messias de. Pesquisas sobre formação de

professores: uma comparação entre os anos 90 e 2000. 30ª Reunião Anual

da ANPED, Caxambu, 2007.

ANDRE, Marli. E. D. A. (org.). O papel da pesquisa na formação e na

prática dos professores. Campinas: Papirus, 2001

ANDRÉ, Marli. E. D. A. PASSOS, Laurizete Ferragut. Professor formador,

mestre modelo. GT-20: Psicologia da Educação, 2008

ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos. Metodologia do Ensino

Superior: da prática docente uma possível teoria pedagógica. Curitiba,

IBPEX Autores Associados, 1998.

ARANHA, Maria Lúcia de A. História da educação. 2. ed. São Paulo:

Moderna, 1996.

AVANCINI, Marta. Licenciatura:Ensinar saiu da moda. Ensino Superior:

Revista mensal.n.108. São Paulo: Editora Segmento, 2007.

BELLONI, Isaura. Função da Universidade: notas para reflexão. In.:

Page 152: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

152

BRANDÃO, Zaia et. al. Universidade e Educação. Campinas, SP: Papirus:

Cedes; São Paulo: Ande: Anped, 1992

BICALHO, Maria G. Parenti. Construção de uma relação acadêmica com o

saber na formação de professores no ensino superior. Educação em

Revista, v. 42, p. 123-134. Belo Horizonte, 2005.

BRANDÃO, José Ernani de Aragão. A evolução do ensino superior

brasileiro: uma abordagem histórica abreviada. In: MOREIRA, Daniel et al.

(Org.). Didática no ensino superior: técnicas e tendências. São Paulo:

Pioneira, 1997

BRASIL (1946), ―Decreto-lei n. 8.530‖, de 2 de janeiro de 1946 (Disponível

no ―site‖ www.soleis.adv.br). BRASIL (1971), ―Lei n. 5.692/71‖, de 11 de

agosto de 1971. Brasília, Diário Oficial de 12/08/1971.

BRASIL-MEC-CFE (1972), ―Parecer n. 349/72‖. Documenta, n. 137, abril de

1972, p. 155-173.

BRASIL. Atos do Poder Executivo. Decreto n. 6.096, de 24 de abril de 2007.

Institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das

Universidades Federais – REUNI, Diário Oficial da União, Brasília, 2007.

BRASIL/MARE (Ministério da Administração e Reforma do Estado). Plano

Diretor de Reforma de Aparelho de Estado. Brasília: Presidência da

República, Câmara de Reforma do Estado, Ministério da Administração

Federal e Reforma do Estado, 1995.

BRASIL. MEC/MPOG ( Ministério da Educação e Cultura/ Ministério do

Planejamento, Orçamento e Gestão). Portaria Interministerial n. 22, de

24/04/2007. Institui um banco de professores-equivalentes nas

universidades

federais, Brasília, 2007.

Page 153: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

153

BUENO, Luzia. Projeto de intervenção e a formação do aprendiz de

professor de Português. (Doutorado em Lingüística). Universidade

Pontifícia Católica. São Paulo, 2006.

CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria.

Tradução Bruno Magne. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.

______. et al. (Org.). Os jovens e o saber Perspectivas Mundiais.

Tradução Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2001.

______. Relação com o saber, Formação dos professores e

Globalização: Questões para educação hoje. Porto Alegre: Artmed, 2005.

CHAUI. Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo. Ática, 2004.

CIAMPA, A. C. Identidade. In: LANE,S.T.M.: CODO,W. (org.) Psicologia

Social: o homem em movimento. São Paulo, Brasiliense, 1984.

CONTRERAS, José. A autonomia dos professores; tradução de Sandra

trabucco Valenzuela. São Paulo. Cortez, 2002.

COURT, John. In: SHERZ, L. Seminário Latino-americano sobre a

universidade Latino americana na década de 80: possíveis estratégias

de desenvolvimento. Santiago do Chile: Educiones C.P.U. ,1976.

CUNHA, Maria I. Docência na universidade, cultura e avaliação institucional:

saberes silenciados em questão. Revista Brasileira de Educação, Rio de

Janeiro, v. 11, n. 32, 2006

__________; MOROSINI, Marilia ; FERNANDES, Cleoni Maria . Produção

científica sobre educação superior no RS: um estudo das dissertações

e teses, periódicos e livros. Porto Alegre : Educação, 2005.

__________, A Área Afetiva na Avaliação da Educação Física. In: Alfredo

Page 154: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

154

Faria Jr. (Org.). Fundamentos pedagógicos da educação física. RIO DE

JANEIRO: AO LIVRO TECNICO, 1986.

DELORS, J. Educação, um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez, 2000.

DIEB, Messias H. Móbeis, sentidos e saberes: o professor da Educação

Infantil e sua relação com o saber. Tese (Doutorado em Educação).

Universidade Federal do Ceará -Faculdade de Educação – FACED.

Fortaleza, 2007.

ESTRELA. Maria T. et al. (org.) Viver e construir a profissão

docente.Portugal. Ed. Porto, 1997.

FERREIRA, N.T. Imaginário Social e Educação. Rio de Janeiro: Gryphus,

1992.

FRANCO, Maria Laura P. B. Análise do conteúdo. Brasília, 2ª edição: Liber

Livro Editora, 2007.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à pratica

educativa. 34a edição. São Paulo: Paz e Terra, 2006.

________, Pedagogia da Autonomia. 11ª edição. São Paulo: Paz e Terra,

1999.

________. A importância do Ato de Ler. São Paulo, Cortez, 1987.

________. Política e Educação. São Paulo, Cortez 1995

FREITAS, Helena C. L. de. A (nova) Política de Formação de Professores: a

prioridade postergada. Educação e Sociedade, v. 28, n. 100, p. 1203-1230,

out. 2007.

________. Certificação docente e formação do educador: regulamentação e

Page 155: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

155

desprofissionalização.In Educação & Sociedade: revista quadrimestral de

Ciência da Educação/Centro de estudos Educação e Sociedade (Cedes), n.

85, v. 24, Campinas, p. 1089 – 1092, dez. 2003.

__________. Formação de professores no Brasil: 10 anos de embate entre

projetos de formação. In Educação & Sociedade, Campinas, v. 23, n.

80, set. 2002

GADOTTI, Moacir. Educação e Poder: Introdução à Pedagogia do

Conflito. 7ª ed. São Paulo: Cortez & Associados, 1987.

GATTI, Bernadete A. A formação dos docentes: o confronto necessário

– professor x academia. Cadernos de Pesquisa, n.81, maio,1992. 70-74.

_________. Formação de professor e carreira: problemas e movimentos

de renovação. Capinas: Autores Associados, 2000.

Mellouki, M‘hammed; Gauthier, Clermont. O professor e seu mandato de

mediador, herdeiro, intérprete e crítico. In. Educação e Sociedade, v.25, n.

87, p. 537-571, maio/ago, 2004.

GIROUX. Henry A. Os professores como Intelectuais: rumo a uma

pedagogia crítica da aprendizagem. Tradução Daniel Bueno. Porto Alegre:

Artes Médicas, 1997.

GÓMEZ, A. P. O. O Pensamento Prático do Professor – A formação do

Professor como profissional reflexivo. IN: NÓVOA. A. (Org.) Os Professores

e a sua Formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.

GÓMEZ, A. I. Pérez. A Cultura Escolar na Sociedade Neoliberal. Porto

Alegre: Artmed, 2001.

HARGREAVES, A. (1994). Changing Teachers, Changing times. Londres,

SAGE. trad. Cast. Profesorado, cultura y postmodemidad. Cambian los

Page 156: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

156

tiempos, cambia el profesorado. Madrid, Morata, 1996

HUMBOLDT, Guillermo. Sobre a organização interna e externa dos

estabelecimentos científicos superiores em Berlim. In: La idea de la

universidad en Alemania. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1959.

IMBERNÓN. Francisco et al. (Org.) A educação no século XXI: os desafios

do futuro imediato. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.

__________, Formação docente e profissional – formar-se para

mudança e incerteza. Coleção questões da nossa época, v. 77. São Paulo:

Cortez, 2000.

__________, Formação docente e profissional – formar-se para

mudança e incerteza. Coleção questões da nossa época, v. 77. 4ª Ed. São

Paulo: Cortez, 2004.

KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. Trad. B.V. Boeira

e N. Boeira.São Paulo: Perspectiva, 1996.

__________, A estrutura das revoluções científicas, Ed. Perspectiva, São

Paulo, 1962 (tradução, 1975),

LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e Pedagogos, para quê. São Paulo,

Cortez, 2005.

LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, J. F. de; TOSCHI, M. S. Educação

Escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2003.

__________, Ainda as perguntas: o que é pedagogia, quem é o pedagogo, o

que deve ser o curso de Pedagogia. In: PIMENTA, Selma Garrido (Org.).

Pedagogia e Pedagogos: caminhos e perspectivas. São Paulo: Cortez,

2002

Page 157: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

157

___________, Democratização da escola pública: a pedagogia crítica-

social dos conteúdos. 8. ed. São Paulo: Loyola, 1989.

LOMÔNACO, Beatriz P. A relação com o saber de crianças e jovens de

zona rural: dados preliminares de pesquisa. In: COLÓQUIO DO LEPSI, 4.

São Paulo. Anais. São Paulo: IP/FE-USP, 2002.

LUCARELLI, Elisa. Teoria e practica como inovación em docência,

Investigación y atualización pedagógica. Cuadernos de Investigación 10.

Buenos Aires, 1994.

LÜDKE, Menga; BOING, L. A. Caminhos da profissão e da profissionalidade

docente. Educação e Sociedade. v. 25, n. 89, p. 1159-1180, 2004.

LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação:

abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

LÜDKE, Menga. Contribuição da sociologia da avaliação para a formação de

professores: duas experiências de investigação e formação no Brasil e em

Portugal. In: Moreira, A. F. B. (org). (Org.). Conhecimento educacional e

formação do professor: questões atuais. 1 ed. Campinas: Papirus, 1994,

v. 1, p. 71-84.

MARIN, A. J. ; GIOVANNI, L. M. Expressão escrita de concluintes de

curso universitário para formar professores. Cadernos de Pesquisa

(Fundação Carlos Chagas), v. 37, p. 15-41, 2007.

MARIN, A. J.; SAMPAIO, M. M. F. Precarização do trabalho docente e seus

efeitos sobre as práticas curriculares, Educação & Sociedade, v. 25, n. 89,

2004.

MANRIQUE, Ana Lúcia. Processo de Formação de Professores em

Geometria: Mudanças em Concepções e Práticas. Tese (Doutorado em

Page 158: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

158

Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/ PUC. São

Paulo, 2003.

MARQUES, Mario Osório. Formação do profissional da educação. 4. ed.

Ijuí: Unijuí, 2003.

MELLOUKI, M‘ Hammed.; GAUTHIER. Clermont. O professor e seu

mandato de mediador, herdeiro, intérprete e crítico. Educação &

Sociedade: revista quadrimestral de Ciência da Educação/Centro de

estudos Educação e Sociedade (Cedes), n. 87, v. 25, Campinas, p. 537 –

571. Maio/ago.2004

MELLO, GUIOMAR NAMO DE. Formação inicial de professores para a

educação básica: uma (re)visão radical. São Paulo Perspec. [online]. 2000,

vol.14, n.1, pp. 98-110. ISSN 0102-8839.

MORAES, Maria C. M.; TORRIGLIA, Patrícia L. Sentidos de ser docente e

da construção de seu conhecimento. In: MORAES, Maria C. M. (Org.).

Iluminismo às avessas: produção de conhecimento e políticas de

formação docente. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

MONARCHA, Carlos, Escola Normal da Praça : o lado noturno das luzes.

Campinas: Editora da UNICAMP, 1999.

MORIN, Edgar. Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro. São

Paulo/Brasília, Cortez/UNESCO, 2000.

________, A Cabeça Bem-Feita: repensar a reforma, reformar o

pensamento. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2000

________, Complexidade e Transdisciplinaridade: a reforma da

universidade e do ensino fundamental. Natal, EDUFRN, 1999.

Page 159: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

159

NÓVOA, A. (Org). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote,

1995.

________, As Organizações Escolares em análise. Portugal: Publicações

Dom Quixote, 1999.

_________, ―O Passado e o Presente dos Professores‖. In: ______.

Profissão Professor. 2° ed. Portugal, Porto Editora, p. 13-33, 1995.

PAULA, Maria de Fátima. A perda da identidade e da autonomia da

universidade brasileira no contexto do neoliberalismo. Avaliação,

Campinas; Sorocaba, v. 8, n. 4, p. 53- 67, dez. 2003.

_______, A modernização da universidade e a transformação da

inteligencia universitária. Florianópolis: Insular, 2002.

Pereira, Júlio Emilio Diniz. Multiculturalismo, Currículo e Formação

Docente - Ideias de Wisconsin Volume I. Didáctica Editora, 2007.

_______, Júlio Emílio Diniz; MARQUES, Carlos Alberto. Fóruns das

licenciaturas em universidades brasileiras: construindo alternativas para a

formação inicial de professores. Educação e Sociedade, ano XXIII, n. 78, p.

171-183, abr. 2002

PIETRI, Émerson de. Concepções de língua e escola e propostas de

ensino de língua portuguesa: discussões sobre reprodução/

transformação social. Falla dos Pinhaes, Espírito Santo dos Pinhais, SP:

v.2, n.2, p. 35-52, jan./dez. 2005.

PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e

docência. São Paulo: Cortez, 2004.

Page 160: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

160

PIMENTA, Selma G. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In:

PIMENTA & GUEDIN, Evandro (Orgs.). Professor reflexivo no Brasil:

Gênese e crítica de um conceito. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

_______, Selma Garrido. O Estágio na Formação de Professores:

Unidade Teoria e Prática?. São Paulo: Cortez, 2002.

________, et al. (Org.) Saberes pedagógicos e atividade docente. 4. ed.

São Paulo: Cortez, 2005.

________; ANASTASIOU, Graças C. Docência no ensino superior. 2. ed.

São Paulo: Cortez, 2005.

________, Selma Garrido; ANASTASIOU, Lea das Graças C. Docência no

ensino superior. São Paulo: Cortez, 2002.

POSSAMAI, Fabíola. A pedagogia do Bacharel: A práxis do ensaio e

erro: um estudo de caso na Universidade da região de Joinville. Joinville/SC:

UNIVILLE,2003.

REIS FILHO, Casemiro. A educação e a ilusão liberal. São Paulo:

Cortez/Autores Associados, 1981.

ROLDÃO. Maria do Céu. Função docente: natureza e construção do

conhecimento profissional. Revista Brasileira de Educação. v. 12, n. 34. P.

94 -103. jan./abr. 2007.

ROMANELLI, O. de Oliveira. História da educação no Brasil. 18. ed.

Petrópolis, RJ: Vozes,1996.

RUSS, Jaqueline. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Editora Scipione,

1994.

Page 161: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

161

SACRISTÁN, J. Gimeno. Consciência e ação sobre a prática como

libertação profissional dos professores. In Nóvoa, A. (org.) Profissão

Professor. Porto, Porto Editora, 1995.

SANTOS, L. C. P. Dilemas e perspectivas na relação entre ensino e

pesquisa. In: ANDRÉ, M. (Org.). O papel da pesquisa na formação e na

prática dos professores. Campinas: Papirus, 2004. SANTOS 2007

SAVIANI, Dermeval. Formação de professores: aspectos históricos e

teóricos do problema no contexto brasileiro. Revista Brasileira de

Educação. v.14, n. 40. Rio de Janeiro. Jan./Abr.2009.

________, Pedagogia e formação de professores no Brasil: vicissitudes dos

dois últimos séculos.In Anais IV congresso de História da Educação: a

educação e os sujeitos na história. Universidade Católica de Goiás, 2006.

SCHÖN, Donald A. Educando o profissional reflexivo: um novo design

para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2000.

SCHÕN, D. A. Educando o Profissional Reflexivo: design para o ensino e

aprendizagem: In: NÓVOA, A. (Org.) Os Professores e a sua Formação.

Lisboa, Dom Quixote, 1995.

SIMAO, Livia Mathias . Interação pesquisador-sujeito: a perspectiva da

ação social na construção de conhecimento. Ciência e Cultura (SBPC),

São Paulo, SP, v. 41, n. 12, p. 1195-1202, 1989.

STEIN, E. A. cultura e as instituições. In: E. STEIN. História e ideologia.

Porto Alegre, Movimento, 1981.

TANURI, Leonor Maria. História da formação de professores. Revista

Brasileira de Educação, Marília, n. 14, p. 61-88, maio/ ago. 2000.

Page 162: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

162

________,Contribuição para o Estudo da Escola Normal no Brasil.

Pesquisa e Planejamento, Brasília: v. 13, n. 13, p. 7-98, dez.1970

TARDIF, Maurice. O oficio de professor: história, perspectiva e desafios

internacionais. Ed. Vozes, 2008.

_________. A profissão docente face à redução da educação à

economia. VERTENTES, Ribeirão Preto: n. 29, p. 11-27, jan./jun., 2007.

_________. Saberes docentes e formação profissional. Rio de Janeiro:

Vozes, 2002.

_________.Saberes docentes e formação inicial. Petrópolis: Vozes, 2002

TUNES, Elizabeth. Identificação da natureza e origem das dificuldades

de alunos de pós-graduação para formularem problemas de pesquisa,

através de seus relatos verbais. Tese de Doutorado. São Paulo, USP,

1981.

VASQUEZ, Adolpho Sanchez. Filosofia da Práxis. Rio de Janeiro, Paz e

Terra, 1977.

VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Projeto Político Pedagógico da Escola:

uma construção possível. Campinas. Papirus, 1996

VILLELA, Heloisa de O.S. A primeira escola normal do Brasil: uma

contribuição à história da formação de professores. Mestrado em Educação.

Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense. In: NUNES,

Clarice (org.). O passado sempre presente. São Paulo: Cortez,1990.

ZEICHNER, K. M. A Formação Reflexiva de Professores, Idéias e

Práticas. Lisboa: EDUCA, 1993.

Page 163: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ... CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA ...

163

ZANELLI, José Carlos. Formação profissional e atividades de trabalho: a

análise das necessidades identificadas por psicólogos organizacionais.

Tese de Doutorado. Campinas, UNICAMP, 1992.