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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600)

Antnio Carlos Peixoto

PORTO BELOSanta Catarina (1500 1600)VOLUME I

DESCOBRIMENTO

Um (re)inventor de palavras e tradies

Rio de Janeiro1

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Antnio Carlos Peixoto

Porto Belo Santa Catarina (1500 1600) Copyright (c) Antnio Carlos Peixoto, 2009 Volume I - Descobrimento Todos os direitos autorais reservados ao autor Proibida a reproduo no autorizada

Peixoto, Antnio Carlos PORTO BELO Santa Catarina (1500 1600) Volume I Descobrimento I. Histria Brasil I. Ttulo PORTO BELO Santa Catarina (1500 1600) I. Subttulo - Descobrimento ISBN: 978-85-909516-0-5 1a. Edio Rio de Janeiro - 2009

Fundao Biblioteca Nacional Reg. 464256 - em 10/07/2005

Edio: Jacyra SantAna Reviso: Marco Antnio Corra Arte: Rafael Chacon e Vladimir Calado Impresso: MCE Grfica e Editora Rio de Janeiro - RJ - 2009

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minha neta Alcia, com muito amor

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Voc no pode ensinar nada a um homem; voc pode apenas ajud-lo a encontrar a resposta dentro dele mesmo.(Galileu Galilei)

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) APRESENTAO

primeiro volume desta obra dedicada ao descobrimento de Porto Belo/Santa Catarina 1500/1600, de Antnio Carlos Peixoto, um trabalho muito original em sua temtica e historicamente rico de fatos e instigante no contedo, alm de nos proporcionar um extraordinrio prazer em sua leitura, onde ressalta, de imediato, o estilo moderno e dinmico, quase jornalstico, aliado fecunda curiosidade do autor, s presente nos historiadores talentosos, verdadeiros e apaixonados. exatamente o caso do autor deste livro. Apaixonado por sua terra, por sua gente, em pleno gozo de sua maturidade intelectual, prximo de completar 50 anos de existncia. Ao nos oferecer esta bela obra, brinda os leitores, mxime aqueles catarinenses, seus amigos e o pblico leitor em geral, com uma viva narrativa, cronolgica, coerente, factual, mas, sobretudo, com sabor de aventura, ao descrever com preciso e dinamismo os eventos mais importantes relacionados com a sua linda e bela Santa Catarina, com foco mais intenso na cidade de Porto Belo, onde nasceu. Mais precisamente, Antnio Carlos Peixoto veio luz na pequena localidade de Santa Luzia, entre os municpios catarinenses de Tijucas e Porto Belo. Catarinense, portanto, o autor, hoje j com uma alma carioca, pai e av dedicado ao convvio familiar, em So Jos do Rio Preto (SP), contemporneo do esprito inquieto da globalizao. Iniciou sua formao profissional em So Paulo e, em seguida, bacharelou-se no Rio de Janeiro, onde, com sua versatilidade, alia a seus dotes de escritor e historiador

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Antnio Carlos Peixoto uma frtil atividade profissional no campo do direito, da informtica e da consultoria de negcios. preciso, pois, apreciar cada pgina do livro Porto Belo Santa Catarina (1500 1600) com a mesma disposio com que ele nasceu pelas mos de Antnio Carlos e com a mesma paixo que ele dedica ao seu solo natal, sobretudo porque, em breve, um segundo volume j em andamento estar conosco, permitindo-nos de antemo visualizar o porte e a grandeza da obra de envergadura com que nosso autor promete nos oferecer as suas mais belas razes e legtimas aspiraes.

Joubert Di Mauro Professor e escritor

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) PREFCIO

urante os ltimos anos, diversos projetos iniciei, sobre matria tributria, sobre direito e at mesmo genealogia, mas realmente o que sempre me fascinou e me apaixona histria. Principalmente a da minha terra, da minha gente, do Estado de Santa Catarina, que considero nico, com uma histria singular neste nosso amado Brasil. Esta a motivao para escrever este livro. Ao chegar cidade do Rio de Janeiro, uma gama de informaes e de conhecimentos comeou a chegar para mim, sem parar. Aqui realmente a capital intelectual do Brasil, a leitura est no cotidiano do carioca, alm das semelhanas culturais e geogrficas que existem entre ambos os estados. Realmente Santa Catarina e Rio de Janeiro so almas gmeas. Nosso objetivo definido o de escrever sobre parte da histria de Santa Catarina, baseado em vasto material sobre a regio de Porto Belo e Tijucas, repletos de personagens ligados, muitas vezes, por laos familiares ou de amizade a quem os escreveu, mas que, no contexto histrico, pouca importncia tinham. Neste trabalho no busco o conflito de ideias, colocoas; no fao anlises profundas sobre os porqus, mas talvez sirva meu trabalho, no presente ou no futuro, para que outros se sintam vontade ao discutir o assunto. O autor

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SUMRIO CAPTULO I - Os primeiros habitantes1.1 Perodo pr-colonial .................................. 14 1.2 O homem do sambaqui .............................. 14 1.3 Os Itarars ............................................17 1.4 Os Carijs ............................................... 18 1.5 O Caminho do Peabiru ............................... 20

CAPTULO II Os descobridores2.1 Tratado de Tordesilhas ............................... 28 2.2 O descobrimento do Brasil .......................... 28 2.3 Os primeiros a aportar ............................... 30

CAPTULO III Sebastio Caboto.. A viagem .................................................. 46 3.2 Mudana de rumo ..................................... 47 3.3 Chegada Santa Catarina .......................... 48 3.4 Destino: Rio da Prata ................................ 51 3.5 O retorno Espanha ................................. 53

CAPTULO IV A colonizao4.1 4.2 4.3 4.4 Novos aportamentos espanhis ................... 58 A escravido em Santa Catarina .................. 67 Unio Ibrica ........................................... 70 A colonizao espanhola ............................ 71

CAPTULO V Outros visitantes5.1 5.2 5.3 5.4 Os vrios nomes ...................................... 78 Os ingleses em Santa Catarina ................... 82 A Armada do Estreito (Diego Flores Valds)..... 83 A ltima expedio do sculo XVI ................ 85 Referncias Bibliogrficas .......................... 86

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) INTRODUO

tempo o sculo XVI, o espao, o oceano Atlntico; os personagens, portugueses e espanhis com suas naus e caravelas singrando os mares, em busca da conquista de terras e povos. Portugal no se interessou pelo Brasil a princpio, pois toda ateno estava voltada para o comrcio de especiarias e para a nova rota que Vasco da Gama descobrira paras as ndias. O interesse pelo novo continente surgiu da disputa entre Portugal e Espanha, quase levando s portas da guerra. Ajustes foram feitos, acordos e tratados assinados e a paz selada. A demarcao de territrio, a posse de donatrios, mas principalmente a busca de riquezas fizeram com que diversas expedies partissem desses pases, alm de Frana, Holanda e Inglaterra, rumo ao novo continente, sendo a regio do Plata, no extremo sul do novo continente, o destino de boa parte dessas expedies. Neste trajeto, estas expedies tinham que aportar, para que pudessem se abastecer de gua e mantimentos. Algumas paravam na regio da Cananeia (SP), onde j havia um pequeno ncleo de colonizadores, alguns dizendo j ter chegado ali antes do descobrimento, outros no conseguindo entrar na regio do Plata, devido s condies do tempo e, por isto, retornavam. Uma regio comeou a despontar como parada quase que obrigatria para essas expedies, pela tranquilidade de suas guas, clima ameno, facilidade de encontrar gua e mantimentos, mas tambm pela docilidade dos nativos, que com estes trocavam mercadorias e

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Antnio Carlos Peixoto utilizavam-se da mo de obra. Esta regio, conhecida a princpio por Ilha dos Patos, hoje o estado de Santa Catarina. Nesses aportamentos, muitos ficaram, alguns por vontade prpria, outros como castigo ou degredo. Muitos desses personagens passariam a ser parte integrante da histria de Santa Catarina. Encontraremos alguns dos protagonistas dos 100 primeiros anos do estado de Santa Catarina. Que homens eram aqueles? Como sobreviveram a tempos to difceis? Muitos voltaram, alguns ficaram, outros pereceram em solo catarinense de epidemias, executados por seus superiores ou trucidados pelos nativos.

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) CAPTULO I OS PRIMEIROS HABITANTES

1.1 Perodo pr-colonial 1.2 O homem do sambaqui 1.3 Os itarars 1.4 Os carijs 1.5 O caminho de Peabiru

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1.1 Perodo pr-colonialEntende-se como perodo pr-colonial o longo perodo que antecedeu a chegada dos europeus. Os vestgios de ocupao no estado de Santa Catarina datam de 8 mil anos aproximadamente. No litoral, as ocupaes dos sambaquis* datam de 5 mil anos. Segundo historiadores e antroplogos catarinenses, seguramente houve uma sucesso de povos prhistricos ocupando e disputando as terras do nosso estado. A certeza dessa ocupao adquirida atravs dos vestgios encontrados em stios arqueolgicos. certo que muitas dessas caractersticas perderam-se no tempo; outras delas foram resgatadas atravs de estudos arqueolgicos, e por meio de amostras recolhidas tentam desmitificar os aspectos da cultura do homem deste perodo. Estudos recentes demonstram que os povos que habitaram o litoral de Santa Catarina (h mil anos) tiveram a melhor qualidade de vida de toda a populao das Amricas, nos ltimos sete milnios, incluindo a descendentes de europeus que viveram nos sculos XVIII e XIX na Amrica do Norte. Supe-se que o perodo pr-colonial teve dois tipos de habitantes: o homem do sambaqui e os ndios.

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Sambaqui (do tupi tambak; literalmente monte de conchas) so depsitos criados pelo homem constitudos por materiais orgnicos, calcrios, empilhados ao longo do tempo e sofrendo a ao da intemprie, que acaba por promover uma fossilizao qumica, pois a chuva deforma as estruturas dos moluscos e dos ossos enterrados, difundindo o clcio em toda a estrutura e petrificando os detritos e ossadas porventura ali existentes.

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1.2 O homem do sambaquiAinda hoje, o litoral a regio que concentra os maiores conglomerados urbanos no Brasil. Suas belezas e seus recursos naturais continuam atraindo mais e mais pessoas. Essa atrao to forte que os primeiros registros prhistricos populacionais de que se tem notcia so de comunidades que escolheram o litoral como seu hbitat. Os sambaquieiros, como so conhecidos, eram um povo nmade e viviam em reas prximas do mar, onde a abundncia de recursos alimentares contribuiu para aumentar as chances de sucesso e garantiu, em alguns casos, a chance de permanecerem por at mil anos na mesma rea. As sociedades dos sambaquieiros eram sedentrias, viviam em reas de grande umidade, assentando-se sobre morros formados por acmulo de matria orgnica ao longo de centenas de anos. Dominavam algumas tecnologias de lapidao de pedras, alm de ossos de aves, mamferos e espinhas de peixes, usados como anzis ou na ponta de flechas e lanas. Peixes eram a base de sua alimentao, mas berbiges, crustceos, vegetais e pequenas caas tambm compunham sua dieta. Chegou-se a esta concluso analisando os restos de matria orgnica acumulados nos sambaquis, material preservado com idade mdia de 4 mil anos. Esses registros acusam coquinhos, sementes e pedaos de tubrculos carbonizados nas fogueiras e que se encontram fossilizados. Embora os sambaquis sejam muito estudados, pouco se sabe sobre os hbitos e culturas de seus construtores, simplestemente porque os dados culturais so mais difceis de serem desvendados, uma vez que no existem registros escritos, e os desenhos e esculturas em pedra

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Antnio Carlos Peixoto e osso so pouco frequentes. Mas, alguma coisa pode ser evidenciada a partir de informaes coletadas nos sepultamentos dos sambaquieiros. Foram encontradas mulheres e crianas, geralmente com adornos, como colorares de conchas. Os homens normalmente so acompanhados de algum artefato. Entender a diviso de trabalho ou hierarquias fica muito mais difcil. Com idades que variam de 1,5 a 8 mil anos, a maioria dos sambaquis brasileiros tem cerca de 4 mil anos. Muito se especula sobre o desaparecimento dos sambaquieiros, mas poucas so as certezas. A hiptese mais aceita teria sido de que, no contato com outras culturas, principalmente com os guaranis ou carijs, eles poderiam ter sido exterminados em lutas ou absorvidos atravs de casamentos ou escravido.

Porto Belo So conhecidos diversos sambaquis na regio, sendo a maioria em Bombinhas, onde foram encontrados diversos sepultamentos, artefatos, grande nmero de ossos de baleia, conchas, carvo vegetal e quebra-coquinhos. Esto hoje estes sambaquis, na sua grande maioria, localizados embaixo de prdios residenciais e comerciais: Praia do Embrulho, em Bombinhas, ocupando uma rea de 60x60x5m, a 50 metros da praia. Acha-se encostado estrada e do lado direito de um crrego. O Edifcio Zadrosny ocupa parte deste sambaqui. Trevo de acesso de Porto Belo: ocupando uma rea de 10x10x5m, no loteamento localizado no terreno pertencente a Joo Reipert. Praia da Sepultura: foram retirados do local diversos artefatos, que se encontram no museu de Azambuja, na cidade de Brusque-SC. Igreja de Zimbros, uma rea de aproximadamente mil metros quadrados, onde foram retirados diversos crnios que ali se encontravam sepultados.

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1.3 Os itararsUm segundo grupo, que habitou a regio da ilha de Santa Catarina, foi o dos Itarars, ndios do ramo da lngua j. Eram ceramistas que viviam da caa e da coleta, porm cogita-se a possibilidade de terem sido tambm horticultores, teoria que levantada devido ausncia de cries desta populao do litoral, podendo ser associada ausncia de carboidrato na alimentao. Sua cermica rudimentar e sem decorao, cuja cor varia de pardacento escuro a preto, tinha carter exclusivamente utilitrio, usada no preparo de alimentos. Esta cermica pode ser o indicador de que os itarars vieram do Planalto. Nos stios arqueolgicos dos itarars foram encontradas mudanas significativas de hbitos em relao aos primeiros habitantes dos sambaquis, como a expressiva diminuio de moluscos utilizados na dieta alimentar; a existncia de objetos de cermica; e uma suposta prtica de agricultura. Tal suspeita relaciona-se apenas produo de cermica, a primeira desenvolvida no litoral catarinense, pois se deduz que os povos ceramistas j se encontravam em processo de sedentarizao, e que, neste, o rumo atividade agrria j teria sido iniciada. Contudo, no foram encontrados quaisquer vestgios de vegetais cultivados para comprovar a teoria. Os objetos de cermica dos itarars, alm das utilidades cotidianas mais diversas, possuam tambm a serventia de urna funerria; prtica esta que tambm existiu entre os amerndios guaranis, os chamados carijs, que habitavam a ilha no momento em que chegaram os primeiros europeus no sculo XVI. Tal fato leva ao inevitvel estabelecimento de uma linha evolutiva cultu-

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Antnio Carlos Peixoto ral, e at gentica, que poderia ter existido na ilha. A suposta linha iniciada pelas comunidades dos sambaquis, teria tido continuidade com os itarars e culminada com os carijs. Contudo, dos pouqussimos estudos referentes aos trs grupos, no foram conseguidas quaisquer provas desta sucesso. Pelo contrrio, deixam apenas indcios de que o primeiro grupo no entrou em contato com o segundo, inclusive com evidncias de que os itarars tenham encontrado a Ilha j desabitada. Quanto transio itarar/carij, tambm pouco se conhece. Sabe-se que os itarars combateram inimigos, que poderiam ser os guaranis, pois esqueletos com perfuraes de flechas foram encontrados em seus sepultamentos.

1.4 Os carijsCarij* era como os bandeirantes chamavam os ndios de lngua guarani que viviam no litoral catarinense nos sculos XVI e XVII. Os carijs foram os ndios que tiveram contato com o europeu colonizador. Acredita-se que os carijs chegaram regio vindos da rea do atual Paraguai. Eles dominavam a agricultura e conheciam o fabrico da cermica, dominando e expulsando outros grupos. Os ndios carijs ocupavam o territrio que ia de Canania, estado de So Paulo, Brasil, at a lagoa dos Patos, no estado do Rio Grande do Sul, no sul do Brasil. Vistos como o melhor gentio da costa, foram receptivos catequese crist. Isso no impediu sua escravizao em massa por parte dos colonos de So Vicente.

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) Os carijs da regio de Florianpolis dividiam-se em chirips e phaim e viviam em quatro aldeias, conforme conta a tradio dos mbys de So Miguel, Biguau. As aldeias so: 1) Tekoa guass H H Kup, Itakuruii, PiraJumboai e Mossamby. Nomes que perfeitamente lembram as atuais localidades de 1) Cacupe (H H Kup), 2) Itacorubi (Itakuruii), Pirajuba (PiraJumboai) e 4) Moambique (Mossamby). Sobre esse ltimo, os ndios dizem que se tratava de uma ilhota onde situava-se um cemitrio indgena. Chirip significa escuro; j phaim claro. Eram duas tribos distintas com indivduos racialmente diferentes, mas falantes de dialetos guaranis mutualmente compreensveis. Dos casamentos entre gente dos dois grupos, surgiu um povo nativo da Ilha de Santa Catarina. Os carijs chamavam a ilha de Santa Catarina de Meiembipe, que quer dizer lugar acima do rio. Cultivavam a mandioca e o car, explorando paralelamente a caa, pesca e coleta. Sua cermica na ilha de Santa Catarina apresenta decorao corrugada, angular e pintada. Os carijs catarinenses conheciam a fauna e a flora, os acidentes geogrficos: rios, ilhas, campos. Tal conhecimento foi adquirido pelos europeus que o utilizaram para ocupar e explorar a regio. Com a chegada do homem branco, os carijs, assim como a maioria dos ndios do estado de Santa Catarina e do restante do Brasil, caminharam gradativamente extino. Aldeias foram aprisionadas e escravizadas.*

Carij vem de Cari-y, uma palavra derivada de Cari, que significa branco em Tupi, a lngua falada pelos bandeirantes vindos de So Paulo. Cari vem em aluso pele mais esbranquiada dos ndios guaranis do litoral catarinense.

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Antnio Carlos Peixoto Doenas desconhecidas (gripe, sarampo, varola, tuberculose, clera) e as lutas de resistncia indgena levaram no sculo XVII ao desaparecimento dos carijs do litoral catarinense. Segundo os relatos do explorador Binot Palmier de Gonnoville, em 1504, ao aproximar-se da ilha de So Francisco do Sul, este se deparou com ndios de ndole pacfica, sedentrios e que tinham na agricultura, embora rudimentar, um meio de sobrevivncia. Eram os tupi-guarani, tambm conhecidos como carijs do litoral. Os Carijs construam suas casas cobrindo-as com cascas de rvores e j fabricavam redes e agasalhos com o algodo que cultivavam, forrando-as com peles e ataviando-as com plumas e penas. Acostumaram-se a ajudar todos os navios que lhes solicitassem auxlio. Naufragando nas proximidades da ilha de Santa Catarina um navio portugus, seus tripulantes conseguiram atingir a terra, ento campeada pelos ndios guaranis. Como sucedeu a Caramuru e a Joo Ramalho, esses homens acabaram unindo-se s ndias, adotando um novo regime de vida. Resultado de tal fato foi o nascimento de inmeros mestios, mamelucos e cafuzos, que de algum modo alterou o aspecto dos indgenas, que passaram a constituir uma sub-raa com a denominao de Carijs, que significa arrancado do branco o mestio. Da vem o costume de chamarmos de carijs s galinhas de colorao preta e branca.

1. 5 O Caminho do PeabiruOs Peabirus* so antigos caminhos, utilizados pelos indgenas sul-americanos desde muito antes do descobrimento

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) pelos europeus, ligando o litoral ao interior do continente. A designao Caminho do Peabiru foi empregada pela primeira vez pelo jesuta Pedro Lozano, em sua obra Histria da Conquista do Paraguai, Rio da Prata e Tucumn, no incio do sculo XVIII. O principal desses caminhos, denominado como Caminho do Peabiru, constitua-se numa via que ligava os Andes ao Oceano Atlntico, mais precisamente Cusco, no Peru, altura do litoral da Capitania de So Vicente (atual estado de So Paulo), estendendo-se por cerca de trs mil quilmetros, atravessando os territrios dos atuais pases: Peru, Bolvia, Paraguai e Brasil. Em territrio brasileiro, um de seus troos ou ramais era a chamada Trilha dos Tupiniquins, no litoral de So Vicente; outro partia de Cananeia; troos adicionais partiam do litoral dos atuais estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Em 1524, o nufrago portugus Aleixo Garcia, numa expedio integrada por dois mil indgenas carijs, partindo da ilha de Santa Catarina, percorreu essa via para saquear ouro, prata e estanho, tendo atingido o territrio do Peru, no Imprio Inca, nove anos antes da invaso espanhola dos Andes em 1533. Outros relatos do conta de que Martim Afonso de Sousa, fundador da Vila de So Vicente, s se fixou naquele trecho do litoral porque, de antemo, dispunha de informaes de que dali se teria acesso ao caminho que o levaria s minas do Potos, na Bolvia, e aos tesouros dos incas. Por sua determinao, uma expedio partiu de Cananeia (litoral capitania de So Vicente),*Peabirus (na lngua tupi, pe: caminho; abiru: gramado amassado).

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Antnio Carlos Peixoto em 1531, com o mesmo destino, sob o comando de Pero Lobo, tendo Francisco das Chaves como guia. Seguindo por um antigo caminho indgena que entroncava com o Caminho do Peabiru, esta expedio desapareceu, chacinada pelos indgenas guaranis, nas proximidades de Foz do Iguau, quando da travessia do rio Paran. O espanhol lvar Nez Cabeza de Vaca acompanhou um de seus troos, tendo descoberto, em 1542, as cataratas de Iguau. Na mesma poca, o aventureiro Ulrich Schmidel percorreu-o em 1553. Os jesutas batizaram esse caminho de Caminho de So Tom, tendo-o utilizado nas suas atividades de evangelizao e aldeamento de indgenas, na regio do rio Paran, ainda em meados do sculo XVI. No sculo XVII, bandeirantes paulistas, como Antnio Raposo Tavares, trilharam essa via para atacar as misses jesuticas. O caminho tinha diversas ramificaes utilizadas pelos guaranis, que atravs delas se deslocavam pelas diversas partes do seu territrio, mantendo em contato as tribos confederadas por uma espcie de correio rudimentar que ligava o Norte e o Sul do Brasil, da lagoa dos Patos at a Amaznia, e a rota no sentido Leste-Oeste, ligando a parte andina ao litoral sul-americano. Pesquisas iniciadas desde o sculo XIX, pelo baro de Capanema, levaram formulao da hiptese de que este caminho foi criado pelos incas, numa tentativa de trazer a sua cultura at os povos da costa do Oceano Atlntico, abrindo o caminho no sentido Oeste-Leste, portanto. Como apoio a essa linha, refere-se o testemunho, de mais de um cronista, de que os incas chamavam seu territrio de Biru. Desse modo, a denominao do caminho poderia resultar do hbrido pe-biru, que equivaleria a caminho para o Biru.

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) Embora no existam informaes acerca da razo pela qual o projeto inca no foi levado a cabo, entre as evidncias de sua presena em territrio brasileiro, cita-se o chamado correio dos guarans. Restam ainda, em pontos isolados de mata e em algumas localidades, reminescncias desse caminho, que se caracterizava por apresentar cerca de 1,40 metro de largura e leito com rebaixamento mdio em relao ao nvel do solo de cerca de 40 centmetros, recoberto por uma gramnea denominada puxa-tripa. Nos seus trechos mais difceis, o caminho chegava a ser pavimentado com pedras. Em alguns trechos era sinalizado por inscries rupestres, mapas e smbolos astronmicos de origem provavelmente milenar. O Caminho foi descrito desde o sculo XVI como possuindo cerca de oito palmos de largura, uma profundidade de 40 centmetros e forrado por gramneas que impediam o crescimento do mato. Os estudiosos ainda no sabem quem abriu o Caminho do Peabiru. H diversas hipteses, mas h duas mais aceitas: 1 - A primeira hiptese supe que o Peabiru tenha sido aberto pelos guaranis ou por povos anteriores talvez os itarars. Originria do Paraguai, a tribo teria se deslocado para o litoral sul do Brasil entre os anos 1000 e 1300. O Peabiru teria sido aberto nessa migrao, cujo objetivo era a procura de um paraso, a Terra Sem Mal. 2 Supe a construo da trilha como uma iniciativa inca ou pr-inca. Neste caso, o Peabiru seria uma via aberta para a prospeco de territrios do Atlntico, visando o comrcio com as tribos selvticas do Paraguai, MS, PR, SP e SC. Primeiro uma estrada de comrcio; depois, quem sabe, uma estrada de penetrao definitiva das poderosas civilizaes andinas no Atlntico Sul.

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Antnio Carlos Peixoto Como via de mo dupla, o Peabiru permitiu a chegada dos guaranis aos Andes. Mesmo sem relaes duradouras, as idas e vindas de guaranis e incas pelo Caminho deixaram vestgios de uma certa influncia cultural na astronomia (leitura e uso de manchas da Via Lctea), estatstica (semelhana do ainh, cordo de cip guarani com o quipu dos incas), msica (flauta de p), armamento (semelhana da macan, borduna guarani com a maqana incaica), denominao de fauna e flora: sara (espiga, em guarani; milho em quchua), cui (animal roedor, nos dois idiomas), jaguar (felino, nos dois idiomas), mandioca e ioca/iuca, suri (ema, nos dois idiomas). O Caminho do Peabiru tem toda uma parte ligada cultura indgena. Um aspecto interessante que ele tambm pode ser relacionado com a astronomia indgena. Observando o mapa do Peabiru percebemos que ele inclui, na verdade, diversos caminhos. Vamos nos ater a um s, que foi percorrido pelo pioneiro Aleixo Garcia. Este se inicia em Florianpolis, no Oceano Atlntico e vai at Potos, na Bolvia, pegando depois as estradas dos ncas e indo terminar no Oceano Pacfico. Ou seja, um caminho transcontinental pr-colombiano. O Caminho do Aleixo talvez o mais importante de todos no na direo norte-sul e nem leste-oeste, mas sim inclinado. Ele vai aproximadamente de sudeste para noroeste. Ao notar essa inclinao, a primeira pergunta que se coloca : por que os primeiros ndios escolheram essa direo ao abrir a trilha? E como eles se orientaram para percorrer esse caminho? espantoso constatar que os cuaranis de Florianpolis falaram para Aleixo Garcia que conheciam Potos, nos Andes. Que sabiam como ir e como voltar. Isso tudo a p,

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) em 1524, mais de 2.000 km em linha reta naturalmente seguiam os acidentes naturais, rios e tudo o mais , mas a direo inicial-final era sudeste-noroeste. Ao olhar para o cu, em condies propcias, vemos a Via Lctea, que chamada pelos guaranis de Caminho da Anta (Tapirap), ou Morada dos Deuses. natural supor que o caminho da Terra Sem Mal, para eles, era aquele caminho que estava l em cima, no cu, que o Caminho dos Deuses, dos espritos, a prpria Via Lctea. No so s os nossos ndios que viam assim. Pesquisando na Histria notamos que egpcios, os gregos, os indianos, todos viam a Via Lctea como um caminho. Os antigos nos falavam que havia um tesouro no fim e outro no comeo do arco-ris. E a gente vivia sonhando em encontrar o comeo e o fim dele. Fazendo uma comparao, os ndios brasileiros e tambm os peruanos queriam saber onde comeava ou terminava o arco-ris celeste, ou seja, a Via Lctea. Seguindo a Via Lctea, por terra, viam que o fim do Caminho ia dar no mar, no Oceano Atlntico. E a Terra Sem Mal ficava ali, ou l, em algum lugar. Por isso que os ndios foram na direo do mar. Por isso que, na maioria dos mitos indgenas, o profeta, o Sum, vem do mar. Porque ele vem daquela ponta da Via Lctea qual o ndio no tem acesso.

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) CAPTULO II OS DESCOBRIDORES

2.1 Tratado de Tordesilhas 2.2 O descobrimento do Brasil 2.3 Os primeiros a aportar

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2.1 Tratado de TordesilhasPelo Tratado de Tordesilhas, firmado entre Portugal e Espanha em 1494, a maior parte do sul do continente americano pertencia Espanha. Isso explica a presena de tantos navegadores espanhis por essas bandas. Cristvo Colombo, navegando em nome da Espanha, descobria a Amrica em 12 de outubro de 1492, alcanando-a na Amrica Central, na Ilha de So Domingos. Imediatamente se movimentaram as cortes da Espanha e de Portugal, no sentido de estabelecer os direitos sobre as terras que se descobrissem no Ocidente. Dai resultou o Tratado de Tordesilhas, firmado em 7 de junho de 1494, cuja linha veio, eventualmente, coincidir com o meridiano que corta a costa catarinense, at Laguna, de onde penetrava o oceano.

2.2 O descobrimento do BrasilPedro lvares Cabral, a servio de Portugal, atingiu a costa brasileira em Porto Seguro (Bahia) em 22 de abril de 1500. No demorariam novas expedies martimas, quer espanholas, quer portuguesas, para reconhecimento tambm da costa sul. E assim, poucos anos depois, tambm Santa Catarina passou a ser conhecida, integrando-se na histria. Do ponto de vista geopoltico, trs pontos da costa catarinense se destacaram como adequados aos primeiros acessos dos navegadores: ilha de So Francisco, ilha de Santa Catarina, Laguna, e com o passar do tempo nunca perderam sua importncia.

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) No espao cronolgico de 1500 ao incio do povoamento propriamente dito, se alternaram os aportamentos espanhis e lusitanos, escrevendo uma prhistria com episdios dos mais interessantes. No somente aconteciam aportamentos, mas tambm se alternaram moradores, que de tempos em tempos se substituam. Ora eram nufragos, ora desterrados dos navios, ora deixados com vistas a dar apoio aos navios em trnsito. Embora ao tempo das grandes descobertas martimas no houvesse de imediato ocorrido sua ocupao, Santa Catarina exerceu, contudo, funes significativas em virtude das quais assumiu a posio de regio estratgica, integrando-se como pea representativa, no todo da histria do Atlntico Sul. Aps a descoberta oficial do Brasil, em 22 de abril de 1500, uma das caravelas que compunha a frota de Pedro lvares Cabral voltou para Portugal com a famosa carta de Pero Vaz de Caminha, endereada ao rei Dom Manuel (o Venturoso). Ao tomar conhecimento do fato, El Rei enviou s novas terras, em 1501, uma expedio formada por trs naus para fazer um levantamento da costa brasileira. Em 10 de maio de 1501, parte de Lisboa a expedio de Gaspar de Lemos, encarregada de percorrer a costa brasileira. Aportou de volta na capital portuguesa em 7 de setembro de 1502 e nela vinha como piloto o florentino Amrico Vespcio. O comando dessa frota ainda hoje motivo de controvrsias. Alguns autores portugueses o atribuem a Gonalo Coelho, que s partiu de Lisboa no ano seguinte, tambm acompanhado de Vespcio.

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Antnio Carlos Peixoto Primeiro de janeiro de 1502. Trs naus portuguesas, comandadas por Gonalo Coelho, chegavam baa de Guanabara, durante a primeira expedio exploratria do litoral brasileiro, aps o descobrimento oficial do nosso pas. Porm, a figura mais importante nesta expedio Amrico Vespcio, o lendrio navegador italiano que deu nome a todo o continente americano, anos mais tarde. Durante a expedio pelo litoral brasileiro, os portugueses foram batizando os acidentes geogrficos encontrados, de acordo com o calendrio e com os nomes dos santos dos dias, como se estes locais j no tivessem nomes dados pelos ndios. Entre os lugares descobertos, podemos apontar a foz do rio So Francisco, na divisa dos estados de Sergipe e Bahia; a baa de Todos os Santos, em Salvador (BA), em 1 de novembro de 1501; a baa de Guanabara, em 1 de janeiro de 1502; e Angra dos Reis, em 6 de janeiro do mesmo ano.

2.3 Os primeiros a aportarQuem foram os primeiros a aportarem na costa catarinense os portugueses ou espanhis? Da parte dos portugueses se sabe somente que teriam descoberto a costa catarinense, principalmente as ilhas de So Francisco e Santa Catarina, sem que deixassem qualquer indicao expressa do episdio. Os espanhis, ainda que sejam profusos em suas descries, fizeram, todavia, suas cheganas um pouco aps. Talvez sejam os portugueses os autores do nome ilha dos Patos, que, com os espanhis, passaria a se chamar ilha de Santa Catarina.

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) Das expedies portuguesas, nem a de Andr Gonalves (1502) nem a de Cristvo de Haro (1514) deixaram relato de sua estada e ao na costa catarinense e em suas ilhas. Entretanto, pode-se calcular, por outras razes, que Andr Gonalves tenha estado na regio e que Cristvo de Haro tenha dado baa e ao porto da ilha de Santa Catarina o nome de Patos, referncia certamente aos bigus pretos existentes no local. At o estabelecimento das Capitanias Hereditrias, a presena mais constante no litoral brasileiro seria a dos franceses. Estimulados pelo rei da Frana, que no reconhecia o Tratado de Tordesilhas, corsrios daquele pas passam a frequentar a baa de Guanabara a procura de pau-brasil e outros produtos da terra. Os franceses ganharam a simpatia dos tamoios e viraram aliados durante anos contra os portugueses. Devido s primeiras informaes dos viajantes no conterem a descoberta de ouro e a populao brasileira (os ndios) no formar um mercado consumidor para seus produtos, Portugal naquele momento no tinha interesse na colonizao do Brasil.

BINOT PAULMIER DE GONNEVILLE Foi o primeiro a deixar registros detalhados sobre um aportamento em Santa Catarina, que ocorreu em 1504, na ilha de So Francisco. Todavia, especulativamente, podemos determinar que j antes portugueses e espanhis por aqui passaram, ainda que no tenham deixado notcias to claras quanto s que deixou o meticuloso francs.

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Antnio Carlos Peixoto Alm disso, a presena do francs foi pouco mais do que episdica, ao passo que os portugueses e espanhis aqui arribavam com propsitos definidos, aos quais deram continuidade. A primeira referncia expressa, ainda que meramente descritiva, ao territrio catarinense a Declarao de Viagem (Relation du voyage), do navegador francs Binot Paulmier de Gonneville, do veleiro Espoir, de 120 toneladas. Interessante notar que tambm em Sa, na parte continental do municpio da So Francisco, seria estabelecida mais tarde uma colnia francesa de utpicos socialistas. Tal como os portugueses e espanhis, tambm os franceses tentaram novos caminhos martimos. O Espoir seguia rumo s ndias, e j ia muito alm das Canrias, em direo ao Sul da frica, quando teve de recuar em vistude de uma tempestade. No retorno, o Espoir veio parar na costa sul do Brasil, quando ento aportou na ilha de So Francisco, o que se sabe apenas pelo modo como a regio foi descrita. Havendo partido da Frana em junho de 1503, avistava a Ilha em 5 de janeiro de 1504; nela permaneceu at 3 de junho, em contato cordial com os naturais da terra. Um ms de boas relaes com os ndios possibilitou o reabastecimento do navio. No domingo da Pscoa (em maro ou abril?) foi levantada uma cruz num outeiro diante do mar. Talvez na atual Ponta da Cruz. Levava o nome do papa, do Rei da Frana, do almirante, do capito e dos homens da tripulao, em nmero de 60, entre os quais dois portugueses. Anotou-se o nome do cacique Arosca e do filho Essomericq ou I-mirim. Esse foi levado para a Frana, com a promessa de ser depois devolvido, o que nunca aconteceu.

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) O texto descreve os ndios carijs como semidespidos, com aldeias de 30 a 80 casas. Os homens tinham os cabelos soltos e as mulheres tranados. Na viagem de retorno ao seu pas, atracou o barco francs tambm em alguns pontos do Nordeste brasileiro. O texto referente aos ilhus representa hoje um dos mais importantes documentos da situao humana dos incios do povoamento de Santa Catarina: o documento Relao Verdadeira da Declarao de Viagem, de 1505. O escrito, que um documento em francs, leva originariamente o nome de Declarao de Viagem, feita perante o almirante da Normandia, em 1505. O texto chegaria primeiramente ao grande pblico em forma adulterada, que acompanhava um memorial de 1663, apresentado ao Papa Alexandre VII, pelo Cnego Jean Paulmier de Gonneville, descendente do Navegador e do cacique Arosca. Erros do texto, alguns parecendo propositais, sucitaram a procura do documento na sua forma autntica. Este foi reencontrado em 1847 e publicado em 1869, como redao autntica da Declarao de Viagem. JUAN DIAS DE SOLIS A servio da Espanha, acredita-se que de Solis fosse um portugus de Oviedo. Segundo Medina e outros, de Solis seria mesmo espanhol, nascido talvez em 1474. Em 8 de outubro de 1515, ele parte de San Lucas com trs caravelas toscas e de pouco calado e to somente com 60 homens, com vistas ao rio da Plata, onde efetivamente chegou, j em 1516. Considerado o descobridor do rio da Plata, de Solis ali

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Antnio Carlos Peixoto desceu terra com alguns homens para no mais retornar com vida. Alcanados que foram desprevenidos pelos naturais, foram mortos. O rio La Plata, cujo nome lembra que por ele se buscava descobrir as minas de prata, foi por muitos denominado rio de Solis, lembrando seu infeliz descobridor. Em consequncia da morte do chefe Juan Dias de Solis, assumiu o comando da flotilha o piloto Francisco de Torres, que bateu de retorno. Uma das embarcaes, que era um galeo, com 15 homens, dos remanescentes da expedio, agora no comando de Francisco de Torres, bateu na costa catarinense, afundando. Onze sobreviventes se instalaram em terra, em carter mais ou menos permanente, havendo tomado contato com futuras outras expedies espanholas, talvez sendo estes o primeiro grupo de habitantes europeus de Santa Catarina. Da expedio de Juan Dias de Solis, efetuada pelos litorais sulamericanos, em 1515, um nico ponto da costa catarinense mereceu ser assinalado: a Baa dos Perdidos que corresponde s guas interiores entre a ilha de Santa Catarina e o continente fronteiro com designao do local em que se perdeu uma embarcao da sua esquadra e que, dos 15 homens da tripulao, 11 se salvaram. Destes, temos os nomes de: o alferes espanhol Melchior Ramirez; o marujo portugus Henrique Montes encontrado, posteriormente, em 1526, no Porto dos Patos, quando se incorporou esquadra de Sebastio Caboto, passando-se, em seguida, para servio de Portugal, e servindo, em 1531, a Martin Afonso de Souza e Francisco Pacheco, negro os primeiros aliengenas do litoral catarinense.

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) Levando-se em conta o contexto geral da malograda expedio de de Solis, resta determinar se ela teve contato anterior com esta costa e o que mais aconteceu depois do retorno. No h elementos suficientes para estabelecer que tenha aportado na ilha de Santa Catarina no trnsito para o Sul. Mas era bvio que o fizesse. O antigo texto de Herera, ao se referir chegada Cananea, continua dizendo apenas: e dali tomaram a derrota para a ilha que disseram de La Plata, fazendo o caminho de sudoeste e surgiram em uma terra que est em 27 graus da linha, qual Juan Dias de Solis chamou a Baa dos Perdidos. Com referncia ainda ao nome de Baa dos Perdidos, ele uma possvel meno aos homens de de Solis, que retornaram do Prata para a costa de Santa Catarina. Mas, neste caso, no teria sido o nome criado por de Solis, porquanto perecera no mesmo Prata. E a ilha de La Plata? Na verdade, a referncia dos 27 graus confere com a ilha de Santa Catarina, que, na extremidade Norte, em Ponta do Rapa, se encontra em 27o 22' 31' S. No contexto da frase a ilha de La Plata poder ser mesmo a ilha de Santa Catarina onde surgiram em uma terra que est em 27 graus .... FERNO DE MAGALHES No muito depois do malogro de de Solis, em 1516, passava para o Sul, com vistas ao Prata e a seguir ao Pacfico com volta ao mundo, em 1519, a expedio espanhola de Ferno de Magalhes. No existem registros se tocou a costa de Santa Catarina.

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Antnio Carlos Peixoto O famoso navegador que empreendeu a primeira circumnavegao da Terra nasceu em Portugal, em 1480. De famlia nobre, foi criado como pagem da rainha D. Leonor, em Lisboa. Aos 25 anos, embarcou na esquadra de Francisco de Almeida, o primeiro vice-rei portugus na ndia e, depois, com Afonso de Albuquerque, fundador do Imprio portugus na sia. Quando regressou a Portugal, em 1512, atingira o posto de capito e foi promovido a fidalgo escudeiro, um escalo de nobreza mais elevado. Ferido em combate no Norte da frica, ficou coxo para o resto da vida. Tratado com indiferena pelo rei ao reivindicar o aumento de sua penso, solicitou ao mesmo que o desobrigasse de sua lealdade a Portugal para que pudesse servir a outro monarca. O rei deu-lhe permisso e Ferno de Magalhes foi para Sevilha, na Espanha, de onde partiu, em 20 de setembro de 1519, para a primeira viagem de circum-navegao da histria, sob a bandeira da Espanha. Com cinco naus San Antonio, Trinidad (nau-capitnia), Victoria, Concepcin e Santiago e uma tripulao de 267 homens de vrias nacionalidades, sob o comando de Ferno de Magalhes, a Armada das Molucas partiu de Sevilha com o objetivo de encontrar uma passagem no Sul do continente americano e estabelecer um caminho mais rpido para as ilhas das Especiarias, uma rota alternativa para o trajeto at ento conhecido, que era contornar a frica. Pela primeira vez na histria da navegao, uma esquadra cruzou o Oceano Atlntico em direo ao Pacfico, passando pelo Estreito que recebeu o nome do navegador. A expedio usou tcnicas avanadas para a poca, mas mesmo assim apenas 18 tripulantes sobreviveram.

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) A rota de Ferno de Magalhes, percorrida entre 1519 e 1522, foi sem dvida a primeira grande circum-navegao feita pelo homem. A expedio de Ferno de Magalhes foi um sucesso de muitas descobertas: a Zona do Tempo, o Estreito de Magalhes que liga o Atlntico ao Pacfico, a prova definitiva de que a Terra redonda. Alcanou seu objetivo de encontrar uma nova rota para as ndias, possibilitando, assim, maiores lucros para os patrocinadores da expedio. Trs anos mais tarde, quando ningum na Espanha se lembrava mais daquela esquadra, surgiu no porto a pequena Victoria, sem mastros, com o casco avariado, fazendo gua. A bordo, 18 sobreviventes. Um deles era Antnio Pigaffeta, que escreveu os acontecimentos daqueles trs anos. Ferno de Magalhes havia falecido em Mactan, nas Filipinas, em combate com nativos, em 27 de abril de 1521 e, alm de dar seu nome ao estreito no extremo Sul das Amricas, batizou a estrela na base de Cruzeiro do Sul. No existem registros que comprovem que Ferno de Magalhes tocou a costa de Santa Catarina. CRISTVO JAQUES Navegador portugus que nasceu no Algarve, em 1480, filho bastardo de Pedro Jaques, legitimado por D. Joo II, e nomeado fidalgo da casa de D. Manuel, era casado com uma das filhas de Francisco Portocarrero, mas pesquisas genealgicas realizadas em 1924, por Esteves Pereira, provaram que ele era de origem espanhola: os Jaques eram originrios do reino de Arago e seu nome provinha das vizinhas montanhas de Jaca. Em 1503, Cristvo Jaques veio pela primeira vez ao Brasil, na frota de Gonalo Coelho. Retornaria mais trs vezes, mas j no comando de expedies.

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Antnio Carlos Peixoto Em 1516 empreende a segunda viagem ao Brasil, no comando de duas caravelas, com licena de D. Manuel, com a incumbncia de policiar a costa brasileira e expulsar os franceses. Em 1519, ao chegar a Portugal de volta do Brasil, Cristvo Jaques denunciou piratas franceses que andavam perto de um grande rio, contrabandeando madeira, macacos e papagaios. Com a denncia, D. Joo III recomendou a Tom de Souza, primeiro governador-geral do Brasil, que enviasse gente de confiana para a rea e lhe mantivesse informado. Em 21 de julho de 1521, zarpou de novo da foz do rio Tejo com destino ao Brasil, fundando em Pernambuco a feitoria de Itamarac, num dos ancoradouros mais conhecidos do litoral brasileiro, onde havia abundncia de pau-brasil e frequentes contatos entre indgenas e europeus, antes de prosseguir para o Sul at ao Rio da Prata. Registros da viagem de Cristvo Jaques informam que em 1 de novembro de 1521 se encontrava na baa de Todos os Santos e que um ms aps aportava no litoral de Santa Catarina, em dezembro de 1521, onde levou consigo o piloto Melchior Ramires, com destino ao rio da Prata, onde encontrou nove companheiros de Joo Dias de Solis. Ao retornar do rio de Santa Maria (atual rio da Prata) rumo a Lisboa, Cristvo Jaques carregou as suas caravelas com pau-brasil, na feitoria de Pernambuco, onde desterrou o piloto portugus Jorge Gomes, por desentendimentos, e seguiu para Portugal onde chegou em setembro de 1522. Com o falecimento do rei D. Manoel, em 13 de dezembro de 1521, cai o prestgio do navegador na corte. Cristvo Jaques procurou por diversas vezes D. Joo III, sucessor de D. Manoel, para que este financiasse uma nova viagem ao Brasil. Mas o novo rei no lhe deu ouvidos. O monarca

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) mudou de ideia quando o embaixador portugus na Frana comunicou-lhe sobre os preparativos franceses para uma viagem costa brasileira. D. Joo III mandou preparar uma armada guarda-costa. Para comand-la, escolheu Cristvo Jaques, homem duro, sem escrpulos e que conhecia bem a costa brasileira. No incio de 1527, partiu Cistvo Jaques de Portugal em sua quarta e ltima viagem com destino ao Brasil. A frota comandada por ele no era das maiores, mas impunha respeito. Compunha-se de uma nau e cinco caravelas. No meio do caminho, uma das caravelas foi enviada para a Guin. Os cinco navios restantes seguiram para o Brasil. Ao aportar na feitoria de Pernambuco em maio de 1527, Cristvo Jaques encontrou o espanhol Don Rodrigo. Este informou-lhe do ataque que havia sofrido por parte dos corsrios franceses um pouco mais ao Sul. Antes de partir para a caa aos corsrios, Jaques mandou carregar a nau Hieros com pau-brasil. Enquanto faziam o carregamento, uma das caravelas foi enviada em misso de reconhecimento. Algumas informaes do conta de que, ao retornar a caravela, trouxe notcias de uma suposta troca de tiros entre a nau So Gabriel e os corsrios franceses na baa de Todos os Santos. Caso o combate realmente tenha acontecido (narrado posteriormente por Don Rodrigo em sua carta a Cristvo de Haro), este foi o primeiro combate naval em guas brasileiras. No entanto, pouco ou nenhum significado teve para o futuro da colnia ou para a coroa portuguesa. Aps a partida da Hieros, Jaques seguiu para Sul com uma esquadra composta por quatro caravelas. Disposto a encontrar e afundar as embarcaes francesas, o portugus tinha o fator surpresa ao seu lado, alm de conhecer o nmero de naves inimigas. O encontro entre

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Antnio Carlos Peixoto as duas frotas ocorreu em fins de julho de 1527, no litoral baiano. Numericamente o combate estava equilibrado, pois a esquadra francesa tambm era composta por quatro embarcaes. Para a surpresa de Cristvo Jaques, a quarta embarcao da frota francesa era exatamente a caravela que ele havia enviado para a Guin. A esquadra portuguesa atacou os corsrios de forma impiedosa. Os combates foram violentos e duraram um dia inteiro. Entre os invasores, muitos tripulantes morreram. Possivelmente mais de uma centena, incluindo os pilotos. Os navios franceses estavam quase indo a pique quando muitos marinheiros os abandonaram e se refugiaram em terra. Um grupo se entregou aos portugueses. Conforme o relato de alguns sobreviventes, Cristvo Jaques mandou enforcar uma parte. Outros foram enterrados at os ombros e tiros de espingarda foram disparados. No final, Jaques ainda conseguiu capturar um galeo de nome Leynon, de Saint Pol de Leon, e o conduziu at Pernambuco juntamente com alguns prisioneiros. Os franceses capturados foram enviados para Portugal, onde permaneceram presos e foram condenados morte. O grupo que se refugiou em terra, foi posteriormente resgatado (possivelmente por outros navios franceses) e repatriado. Ao chegarem na Frana, relataram ao rei Francisco I sobre as brutalidades sofridas e as crueldades com que foram tratados. Uma carta de protesto foi enviada a D. Joo III, exigindo o pagamento de reparaes. O rei de Portugal negociou por seis semanas com os franceses mas no fez concesses. No entanto, Cristvo Jaques, que j no gozava de tanto prestgio na corte como no reinado anterior, foi destitudo de seu cargo em funo das acusaes de crueldade cometidas com os prisioneiros.

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) DON RODRIGO ACUA A embarcao de Don Rodrigo Acua fora parte de uma expedio maior, de sete unidades, do comando superior de Don Francisco Garcia Jofr de Loaysa, com destino a Molucas (na rota de Ferno de Magalhes, de 1519), com partida a 24 de dezembro de 1525, tendo como piloto mor Joo Sebastio Elcano, um circumnavegador do mundo. Desgarrando com o temporal de 28 de dezembro de 1525, Don Rodrigo de Acua, em seu galeo S. Gabriel, de 130 toneladas, fundeava finalmente ao sul da ilha de Santa Catarina, em 26 de maro de 1526 ilha de Santa Catarina. No se sabe se foi diretamente ao sul da ilha ou mais ao sul. Foi quando pouco depois afluram dois dos 11 nufragos de Juan Dias de Solis aqui estabelecidos, aos quais aderiram outros 17, quando do retorno do galeo So Miguel. Em funo deste contato estabelecido alguns dias depois com os nufragos de de Solis, houve negcios, inclusive batizados dos seus filhos, resultantes do convvio com as ndias carijs. Ao porto em que esteve o navegador Don Rodrigo, referiu-se, depois, Caboto, como sendo o porto de Don Rodrigo, cujo nome se conservou por algum tempo e sobre cuja localizao controvertem os autores, podendo ter ido at Garopaba e Imbituba. Numa carta, posteriormente, de 15 de julho de 1527, quando j em viagem de retorno, em Pernambuco, escreveu: Aportava baa dos Patos, a 28 graus, onde fizemos gua e lenha, nos refrescamos com galinhas e patos. Em 15 dias nos provemos de tudo.

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Antnio Carlos Peixoto No momento de sua chegada, no se encontravam nesta baa dos Patos os nufragos, tendo vindo depois. Um outro tripulante completou a informao, dizendo das circunstncias em que isto se dera. Esclareceu que o local em que os referidos nufragos se encontravam estabelecidos distava 15 lguas, mas em contato com a baa dos Patos, tanto que souberam notcias da presena do navio de Don Rodrigo, escrevendo, em consequncia, uma carta cujo portador foi um ndio: Estando tomando gua, veio um ndio que trazia uma carta que enviavam uns cristos, em que diziam a carta como lhes haviam dito os ndios que estava ali a nau, que lhes descem resposta disto. Don Rodrigo enviou ao contador da nau para que falasse com os cristos. Ao cabo de trs dias veio um homem deles com o dito contador e disse a Don Rodrigo que havia dez cristos que se haviam perdido ali com um galeo, que haviam ficado quatro deles, e que havia ali feito sua estadia, e que sua merc mandasse baixar a nau perto de sua casa que eram 15 lguas que lhe dariam abastecimentos e resgataria certa prata e metal que tinham; e Don Rodrigo moveu-se com a nau para o porto onde o cristo vivia, e Don Rodrigo enviou terra o contador e tesoureiro para que assentassem em uma casa onde resgatasse com os ndios; e o clrigo da nau foi a fazer cristos a certos filhos que tinham aqueles cristos... Vieram depois apresentar-se dois dos nufragos, dos quais um era Henrique Montes. Na carta citada, de Don Rodrigo, ainda se diz: Neste tempo vieram ali dois espanhis dos que iam com Solis, de um navio que ali se perdeu, e me disseram que ali estavam outros nove companheiros e que eram idos guerra, e me venderam 30 quintais de farinha

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) e quatro quintais de feijo e bebida para um ms e outros refrescos. J pronto para ir Molucas, mandei dizer missa, e nela, em mos do sacerdote, fiz jurar a todos que bem e fielmente serviriam a S.M. e cumpririam a viagem. O texto continua relatando os detalhes do motim que se seguiu. O contato com os de terra deu esperanas aos homens de Don Rodrigo a preferirem ficar, do que arriscar os mares perigosos do Pacfico. No foram os de terra que os estimularam a ficar, porquanto estes fizeram ver aos marujos que deviam continuar a servir sua majestade. O tiro de lombarda, para advertir aos que se haviam passado para a terra que retornassem, no deu resultado. Quinze homens que afinal vinham de retorno morreram, ao afundar o tal batel no qual vinham. Outros 17 no retornaram mais. Antes que novos se amotinassem, Don Rodrigo levantou ncoras e partiu, todavia j no para Molucas, mas de retorno a Portugal, onde contudo no chegou, porquanto naufragou na costa de Pernambuco.

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) CAPTULO III SEBASTIO CABOTO 3.1 A viagem 3.2 Mudana de rumo 3.3 Chegada Santa Catarina 3.4 Destino: rio da Prata 3.5 Retorno Espanha

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3.1 A viagemCartgrafo e explorador, nascido em 1476, existindo divergncias quanto a sua nacionalidade, para uns ingls nascido provavelmente em Bristol, Inglaterra, para outros em Veneza, Itlia, Sebastio Caboto se destaca na histria da Inglaterra, na posse e colonizao do Novo Mundo. Participou com o pai, Joo Caboto, da primeira expedio inglesa Amrica do Norte, que resultou no descobrimento do Labrador, da Groenlndia e da Nova Inglaterra. Na volta foi nomeado cartgrafo do rei Henrique VIII e acompanhou as tropas que ajudaram Fernando II de Arago na guerra contra os franceses (1512). Foi contratado (1516) por Carlos V, imperador do Sacro Imprio romano-germnico, tornandose piloto-mor (1518-1521), encarregado de aprovar e instruir novos pilotos, organizar expedies e reelaborar mapas existentes a partir de novos descobrimentos. Sebastio Caboto, a servio da Espanha, partiu de Sevilha em 3 de abril de 1526 com uma misso que, em princpio, no deveria lev-lo Amrica. A princpio a expedio se destinava s Molucas1, no Pacfico, com trs naus e uma caravela, com uma tripulao total de 220 homens. Destinava-se buscar novos caminhos e demanda das ilhas e terras do Oriente: Tarsis, Ofir, Catago e Cipango, diziam as instrues de viagem, reunindo no mesmo saco a Bblia e Marco Polo. Tarsis e Ofir2 so lugares bblicos. Catago e Cipango3, cidades que constam no livro do predecessor

(1) (2)

Molucas: atual Indonsia. Tarsis e Ofir: citados na bblia em textos sobre o rei Salomo, com existncia e localizao incertas; se existiram, seria na costa da frica. (3) Catago (Catay) e Cipango (Ciganpu): China e Japo respectivamente.

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) em aventuras e compatriota veneziano de Caboto que foi Marco Polo. Em comum, os lugares citados tm o fato de pertencerem todos a uma geografia lendria, pontilhada de prodgios e riquezas. Mas, na falta deles, prosseguiam as instrues, valia que Caboto encontrasse no Oriente qualquer outra terra onde se pudesse prover de ouro ou prata, pedras preciosas, prolas, especiarias, sedas, brocados ou outra coisa capaz de maravilhar-lhe a vista ou o paladar e, naturalmente, abastecer-lhe os cofres.

3.2 Mudana de rumoEm suma, a ideia era fazer Caboto invadir a seara preferencial dos portugueses, atrapalhando-lhes os negcios orientais e buscando novas rotas do caminho das ndias. Por algum motivo, talvez as intempries, talvez erro de navegao, ou talvez porque quisesse tentar o mesmo caminho descoberto pouco antes, em sua viagem de circum-navegao, por Ferno de Magalhes, Caboto, a caminho do Oriente, foi dar com os costados em Pernambuco. E ali travou conhecimento com o punhado de portugueses que tomavam conta de uma feitoria local, entre os quais um piloto, Jorge Gomes, que dizia ter estado no rio da Prata e falou-lhe das riquezas ali existentes. Caboto comeou a mudar de ideia, com relao ao plano original de viagem. Jorge Gomes deu-lhe notcia do grupo de Santa Catarina. Ali se encontravam homens que poderiam auxili-lo numa eventual incurso ao Prata, com informaes e apoio logstico. surpreendente que naquele Brasil perdido, o Brasil pr-histrico daquela poca, a feitoria de Pernambuco e o grupo de nufragos de Santa Catarina tivessem notcia um do outro, talvez

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Antnio Carlos Peixoto at se comunicassem. A deciso era difcil para Caboto. Significava rasgar as instrues de viagem, vale dizer, desobedecer ao rei. Alguns dos oficiais de sua armada se opuseram. Caboto, firmada a deciso, imps-lhes a vontade. Era 29 de setembro de 1526, Sebastio Caboto dirigiuse ao sul, em companhia do nufrago degredado Henrique Montes e Melchior Ramirez. Ambos superaram as expectativas, em matria de entusiasmo. Montes, segundo uma das testemunhas, jurava que nunca homens foram to afortunados como esses que se dispunham a explorar o Rio da Prata, pois todos voltariam ricos e to rico seria o pajem como o marinheiro. Tal era a alegria de Montes, segundo a mesma testemunha, que, enquanto aquilo dizia, mostrando as contas de ouro, chorava. As contas de ouro referidas faziam parte do lote enviado por Aleixo Garcia.

3.3 Chegada Santa CatarinaA histria diz que Sebastio Caboto chega Santa Catarina em 19 de outubro de 1526, e permanece at 15 de fevereiro de 1527, quando singra para o sul, retornando ilha a 19 de outubro de 1527. No havendo muitas referncias bibliogrficas sobre este perodo, segundo relato escrito por um dos seus marujos, o espanhol Luiz Ramirez, no foi de livre e espontnea vontade que Sebastio Caboto aportou no litoral catarinense, mas sim motivado por diversos incidentes de percurso, sendo o primeiro o naufrgio de um batel, contendo duas arrobas de ouro e prata e de outro metal muito bom, e com a perda de 15 marujos, quando transferia a carga para a nau de Dom Rodrigo Acun, para ser enviada sua majestade, rei da Espanha. Era 19 de outubro de 1526.

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) No mesmo relato, num domingo de Simo e Judas, que foi aos 28 de outubro de 1526, ao querer passar prximo ao continente, a nau capitnia Santa Maria de Concepcin, da flotilha, tocou num baixio e logo se inclinou de um lado, de maneira que no pde mais sair do lugar. No houve mortes, mas a nau foi ao fundo. O incidente, que deve ter ocorrido ao norte da ilha, provavelmente na ilha Deserta ou Gals, fez com que a expedio permanecesse at o dia 15 de fevereiro de 1527 para construir outra embarcao. Parte, aps construir um batel e um galeo, ao qual deu o nome de Santa Catarina. Durante o tempo que ficou em Santa Catarina para a construo da embarcao, perde quatro tripulantes com febre, devendo-se a este fato as embarcaes terem partido sem ser calafetadas. Antes da partida, atritos fizeram com que Sebastio Caboto deixasse desterrado na Ilha o fidalgo Francisco de Rojas, o piloto Miguel de Rodas e o tenente Martin Mendez. Aos trs lhes deixou vinho, biscoitos, plvora, roupas e outras coisas que solicitaram, alm de recomend-los a um ndio principal de nome Topavera. Somente o primeiro, Francisco de Rojas, retornaria ptria, recolhido mais tarde por Gonalo da Costa, que tambm o castigou e enforcou. Sendo que mais tarde este foi alguns dos motivos de sua condenao perante o Reinado da Espanha.

Porto Belo: Parte do material publicado recentemente sobre Porto Belo e Bombinhas registra: Em 1527, quando dirigia-se em sua expedio rumo ao rio da Prata, chega regio de Porto Belo, onde encontramos registros da fundao da localidade de Zimbros, batizando-a de So Sebastio, quando parte leva consigo quatro nativos, filhos de chefes locais.

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Antnio Carlos Peixoto Em compensao, alguns dos seus homens, fartos das suas brutalidades desertaram, inclusive, ao que se conta, o Padre Francisco Garcia, e se juntaram aos poucos brancos que haviam na regio, provenientes de deseres, naufrgios e desterros das diversas expedies espanholas. Parte dos acontecimentos coincide com o texto de acusao do fiscal de sua majestade rei da Espanha, Diego Garcia, que diz: Chegamos a um rio que se chama o rio de los Patos, que est a 27 graus, que h uma boa gerao que fazem muito boa obra dos cristos e chamam-se os cariores, que ali nos deram muitas vitualhas que se chama milho e farinha de mandroco (mandioca) e muitas abboras e muitos patos e outros muitos mantimentos porque eram bons ndios, e aqui chegou Sebastio Caboto, morto de fome neste tempo que eu estava ali, e os ndios lhe deram de comer e tudo de que havia mister a ele e a sua gente para sua viagem, e ele quando se quis ir e se ia tomou quatro filhos deles, trouxe-os dali e os trouxe Espanha e trs deles os tm o assistente de Sevilha, o que danificou aquele porto que era o melhor e mais boa gente que havia naquelas partes e por causa de tomar os filhos aos principais da Ilha. Continua o relato: Disse que sabe e viu que dito Sebastio Caboto tomou do porto dos Patos por fora e contra a sua vontade quatro ndios principais; onde era um dos melhores portos e escala que em toda costa havia, por onde se tomou causa que se perdeu o dito porto para que quando por ali passassem algumas armadas e navios de cristos sero mal recebidos e mal tratados pelos ndios daquela terra (Arquivo das ndias, Patronato, 1-2- 1/8, em Medina II, p. 210). O documento importante, porque o primeiro a

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) citar os ndios carijs desta costa pelo seu nome tnico, que ele grafa cariores. Hans Staden dir cais. Estas pronncias podero estar mais prximas da dos mesmos ndios do que a que finalmente restou na lngua verncula portuguesa - carijs. Poder mesmo ter havido variantes do nome, pronunciado diferentemente em vrias regies. (Fica a dvida, se os acontecimentos relatados ou somente parte deles aconteceram na regio de Porto Belo.) Enquanto prosseguiu o enrgico e autocrtico Caboto em suas operaes no Prata, at 1530, ocorreu um outro aportamento na ilha de Santa Catarina, do espanhol Diego Garcia, em 1526, em viagem de fundo comercial, tambm com destino ao rio Solis, onde encontrar Caboto.

3.4 Destino: Rio da PrataEm 1528, Sebastio Caboto, junto com Diego Garcia, subiu o rio Paran guiado pelo portugus Gonalo da Costa. Foram atacados pelos nativos; lutaram contra as correntes, as febres palustres e a fome e no acharam nada de valor. Sebastio Caboto, em companhia de Henrique Montes, retorna do rio da Prata em outubro de 1528. Uma caravela da esquadra de Caboto, mandada de volta Europa antes, aportava em Lisboa, a caminho de Sevilha. Era um tempo ainda de otimismo. Caboto mandava ao imperador Carlos V amostras de ouro e at trs lhamas, para comprovar as maravilhas das terras por onde se embrenhara, e pedia reforos. Queria mais gente, mais armas e mais mantimentos, para se apoderar da regio do Prata.

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Antnio Carlos Peixoto Por isto, em 1529, Diego Garcia resolveu desistir e iniciar sua jornada de volta Europa, quando aportou em Sevilha em companhia de Henrique Montes, derrotado pelo fracasso obtido. A sua chegada repercutiu intensamente em Lisboa, pois a sua evidente derrota foi saudada por Simo Afonso, um agente portugus que se encontrava em Sevilha, que escreveu para Dom Joo III. Em Portugal, o rei Dom Joo III desde 1529 j havia iniciado o projeto para o envio de uma expedio ao Brasil e ao ser informado que as exploraes de Sebastio Caboto e Diego Garcia haviam sido feitas sob a orientao de nufragos e degredados portugueses, por este motivo determinou que Simo Afonso atrasse Gonalo da Costa e Henrique Montes para Lisboa. Henrique Montes seguiu com Caboto. Serviu-lhe de lngua da terra e provedor de mantimentos. Mas nem sua Tijucas: Sebastio Caboto, seguindo de volta Europa, com Diego Garcia, em 19 de maro de 1530, adentra no esturio do rio Tijucas, sendo que os relatos histricos no deixam dvidas quanto sua estada neste local. Todavia, no com objetivos definidos, mas sim para preparar a volta para a Europa, ali se refazendo da malfadada viagem ao rio da Prata, durante os dois ltimos anos, tratando os doentes, coletando alimentos e efetuando reparos em suas embar-caes. Especula-se que o motivo teria sido o temor das consequncias da sua desastrada estada na ilha de Santa Catarina, quando de sua passagem com destino ao rio da Prata. Caboto d ao local o nome de San Sebastian, perdurando at hoje a dvida quanto razo de tal escolha, se devido data da chegada, dia de So Sebastio, ou uma homenagem a si mesmo, repetindo-se, assim, tal qual ocor-reu com a escolha da ilha de Santa Catarina.

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) experincia da regio, nem o entusiasmo valeram para tornar menos frustrante a expedio. No tardou para se darem todos conta de que a tal serra de prata to falada, se existia, ficava muito mais longe do que supunham. Caboto subiu o Prata e entrou pelo rio Paran adentro, at a embocadura do Paraguai. Chegou a ter contato com ndios dos quais conseguiu amostras de ouro e at conheceu as lhamas do Peru, mas foi s. A fome, a doena e a belicosidade dos nativos acabaram por impor um fim misso, quatro anos e trs meses depois de iniciada. Derrotado, to pobre quanto antes e mais desanimado. Rio da Prata foi como o prprio Caboto batizou o que at ento era conhecido como Rio de Solis. Ele estava convencido de que aquela majestosa via aqutica, introduzindo-se Amrica do Sul adentro, cortava um pas onde abundavam os metais preciosos. Esse tal pas das riquezas prodigiosas, na geografia precria, quando no fantasiosa, da poca, s vezes, em vez de rio da Prata, era intitulado Paraguai. Tudo muito vago, alm de muito vasto.

3.5 O retorno EspanhaA notcia de que os espanhis haviam chegado a uma regio de grandes riquezas, e mais, que pretendiam se apossar delas, com gente e armas, s podia ser recebida com alarme, em Lisboa. Pode-se supor que, j a partir da escala no porto de Lisboa da caravela enviada por Caboto, a notcia tenha se espalhado pela cidade e chegado ao palcio real. Se no chegou pelas conversas soltas da marujada, chegou pelo trabalho dos espies, to abundantes nessa poca, nas duas cortes, e to requisitados quanto os pilotos de navio. No ano de 1529, o seguinte passagem da caravela, comea a ser planejada

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Antnio Carlos Peixoto a expedio de Martim Afonso de Sousa. Em julho de 1530, o prprio Caboto chega Sevilha. Mais notcias de sua viagem espalham-se pelos centros nervosos da Europa e, em particular, da pennsula Ibrica. Um espio portugus em Sevilha, Simo Afonso, escreve a D. Joo III dandolhe conta de uma terra descoberta pelo rio Paraguai, terra essa que de muita prata e ouro. Em 3 de dezembro, daquele mesmo ano de 1530, parte a expedio de Martim Afonso de Sousa. Historiadores que se debruaram sobre a questo no tm dvidas de que os dois fatos esto relacionados. J no fossem outros motivos para se interessar mais de perto pelo Brasil, meio abandonado at ento, beliscado pelos espanhis e assediado por corsrios franceses, havia este, agora, urgente que era, chegar a seu extremo sul, que Lisboa pretendia fosse o Rio da Prata, e apossar-se das riquezas que ele prometia, antes que o rival o fizesse. A expedio de Martim Afonso tem sido descrita como motivada por uma pluralidade de objetivos, entre eles o de patrulhar a costa, expulsar os corsrios franceses e iniciar um efetivo processo de colonizao. Em seu retorno Espanha, Sebastio Caboto chegou a Sevilha em julho de 1530. Para maior infelicidade, ainda foi processado. S no terminou os dias na priso porque sua condenao seguiu-se o perdo. Sua viagem bem documentada porque, de volta Espanha, respondeu a processo, em funo dos descaminhos da viagem, depoimentos de testemunhas ficando registrados nos autos. Montes e Ramirez superaram as expectativas, em matria de entusiasmo. No fim da vida, Sebastio Caboto passou a trabalhar para a coroa inglesa, onde chegou a organizar uma

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) expedio para buscar um caminho mais curto para o Oriente, pelo norte da Europa, que a despeito do fracasso da ideia inicial serviu para intensificar o comrcio com a Rssia, e morreu em Londres, em 1557, aos 81 anos de idade.

RESUMO DA VIAGEM DE SEBASTIO CABOTO

DATA 03/04/1526 03/06/1526 29/09/1526 04/10/1526 ??/10/1526 19/10/1526 28/10/1526 15/02/1527 08/05/1527 01/04/1528 23/12/1529 ??/12/1529 ??/03/1530 19/03/1530 22/03/1530 22/07/1530

LOCAL

LATITUDE 3740 N 8 S 7 S 10,5 S 24 S 27 S 27 S 27 S 34 S 34 S 34 S 27 S 27 S 27 S 23 S 37 N

Partida da Espanha Cabo de Santo Agostinho (Brasil) Parte de Pernambuco Foz do Rio S. Francisco (Bahia) Litoral de So Vicente - SP Chega em Santa Catarina Nau afunda em Santa Catarina Parte para o Rio da Prata Chega ao Rio da Prata Encontra-se com Diogo Garcia Retorna do Rio da Prata Chega Ilha de Santa Catarina Parte da ilha de Santa Catarina Chega a foz do Rio Tijucas-SC Litoral de S. Vicente SP Chegada na Espanha

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) CAPTULO IV A COLONIZAO

4.1 Novos aportamentos espanhis 4.2 A escravido em Santa Catarina 4.3 Unio Ibrica 4.4 A colonizao espanhola

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4.1 Novos aportamentos espanhisMantendo sempre o propsito de tomar posse do Brasil Meridional, mesmo aps vrios insucessos no rio da Prata, o governo espanhol continua a enviar novas expedies: ALONSO CABRERA Em 8 de novembro de 1537, zarpa do porto de Zanfanejos, rumo ao rio da Prata, a nau Santiago rebatizada de La Maraona, acompanhada da nau Santa Catalina, esta capitaneada por Antonio Lopes de Aguiar, morador das Ilhas Canrias, com mais de 340 homens, sob o comando de Alonso de Cabrera. Embarcam por ordem do ministro geral da Ordem de So Francisco, cinco frades, chefiados por Frei Bernardo Armenta, com o ttulo de Comissrio do Rio da Prata e dos outros s se guarda o nome de frei Alonso de Lebrn. A expedio de Alonso Cabrera, que havia enfrentado srios problemas antes, como a falta de marujos e depois a penhora das velas, estava com certeza fadada ao insucesso, como ocorrera na tentativa anterior de chegar ao Rio da Prata, em 1535. Resolvidos estes problemas iniciais, finalmente a expedio zarpou em 11 de novembro de 1537. Mais uma vez ocorrem dificuldades, porquanto por trs vezes tentou penetrar no grande esturio do rio da Prata. Os fortes ventos ento ocorridos acabaram por arrastar as naus de Alonso Cabrera para a costa de Santa Catarina, onde arribaram. Era abril de 1538. Enquanto a expedio se abastecia na ilha de Santa Catarina, os frades franciscanos aproveitavam para catequizar e batizar os carijs daquela regio, e tambm na regio do porto de Don Rodrigo (Garopaba) e Biaa (Laguna).

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) Durante a estada de Alonso Cabrera, chega ilha de Santa Catarina em Abril de 1538 o galeo La Anunciata, sob o comando de Gonzalo de Mendona, em busca de provises para a provncia de Buenos Aires. No momento da partida, os problemas continuavam, com diversas deseres da armada. Alonso Cabrera retomou em abril de 1538 em direo do rio Plata, deixando todavia dois dos missionrios: Bernardo de Armenta e Alonso Lebrn, pois acreditava que os mesmos estavam afetando a moral de seus homens. ALVAR NUNES CABEZA DE VACA Don Alvar Nunes Cabeza de Vaca (El Tormentoso), nasceu em 1492, em Jerez de La Fronteira, terceiro filho de Francisco de Vera e Tereza Cabeza de Vaca. Foi nomeado governador do rio da Prata, na condio de que seu antecessor, Juan de Ayolars, estivesse morto, pois dele no se tinha notcia h muito tempo, desde que seguira para o norte e se internara na regio de Charcas. Com um oramento de oito mil ducados, contratou duas naus e uma caravela. A maior das naus, a Santa Luzia, pesava 290 toneladas, era novssima e faria sua primeira viagem, enquanto a outra, de 125 toneladas, capitaneada por Francisco Lopez, chamava-se La Trindad e era comandada pelo feitor real Pedro Dorantes. Nas ilhas Canrias, deveria se incorporar frota outra caravela, sob o comando de Antonio Lopez de Aguiar. As embarcaes foram providas de tudo que poderia ser necessrio e ao todo carregariam 400 homens, entre pilotos e marinheiros.

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Antnio Carlos Peixoto Em 29 de maro de 1541, as duas naus e mais duas caravelas aportam no continente fronteiro ilha. Chega a expedio de D. Alvar Nunes Cabeza de Vaca, quase cinco meses depois que a expedio partira da Espanha, dada a sua nomeao, pelo rei da Espanha, para tomar posse das terras da Coroa, intitulando-se ao chegar ao litoral catarinense governador de Santa Catarina. Ao chegar em Santa Catarina, o governador mandou desembarcar toda a gente que conseguiu levar e os 26 cavalos que conseguiram sobreviver ao mar, dos 46 que saram da Espanha. O governador buscou intrpretes entre os ndios e procurou saber dos naturais daquela terra se porventura poderiam informar sobre o estado da gente espanhola que ia socorrer na provncia do rio da Prata. Cabeza de Vaca se estabeleceu no lugar que batizaram de baa de Ramos, em homenagem festividade com que se comemoram a entrada de Cristo em Jerusalm e que marca o incio da Semana Santa. Ali, provavelmente na Canasvieiras de hoje, permaneceu pelo menos durante as duas primeiras semanas de abril. Em maio de 1541, Cabeza de Vaca ordenou que fosse enviada uma caravela ao rio da Prata. Essa viagem foi sob a liderana do contador Felipe de Cceres, que se transformaria em um de seus maiores detratores. Como era inverno e o tempo contrrio navegao, a caravela de Felipe de Cceres no conseguiu entrar e voltou ilha de Santa Catarina. Aconteceu com Cceres o que trs anos antes ocorrera com a nau La Maraona de Alonso Cabrera. Em maio de 1541, logo depois de Felipe de Cceres retornar ilha frustrado por no ter podido entrar no rio

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) da Prata, nela aportou um batel com oito ocupantes que fugiam dos horrores de Buenos Aires. Famintos e esfarrapados, os desertores narraram sobre a guerra contra os ndios e os maus-tratos que recebiam de seus superiores e a terrvel fome que padeciam nos pampas. Cabeza de Vaca decidiu continuar rumo ao Paraguai por via terrestre, cortando os sertes, hoje catarinense e paranaense. Contrariando as opinies do contador Felipe de Cceres e do piloto Antonio Lopes de Aguiar, que queriam que a viagem prosseguisse por mar. Em 24 de julho de 1541, Cabeza de Vaca despachou para o Paraguai, por via terrestre, um grupo de reconhecimento do caminho, chefiados por Pedro Dorantes, feitor real. Acompanhado de seu escravo negro Hernandez. Dorantes liderava um peloto de 14 soldados, ndios carijs que carregavam mantimentos e outros dois que asseguravam conhecer o caminho. Durante os primeiros 17 dias seguiram rumo norte pela costa catarinense, acredita-se que at a regio do rio Itapocu, imediaes de Barra Velha, depois embrenharamse em direo ao interior. Retornaram ilha depois de 34 dias, acredita-se no terem sado do territrio catarinense. Na entrada do inverno, quando comeava a escassear os mantimentos para alimentar a tropa na ilha de Santa Catarina, duas caravelas so surpreendidas pelos fortes ventos de uma das terrveis frentes frias que costuma assolar a regio nessa poca do ano, salvando-se, contundo, seus tripulantes. Em 7 de setembro de 1541, Cabeza de Vaca j havia iniciado os preparativos para realizar sua entrada no Paraguai. Primeiro, manda desmontar as duas naus, sobrando somente a nau capitnia.

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Antnio Carlos Peixoto Duzentos e cinquenta arcabunzeiros e besteiros, 26 cavalos, ces de guerra e uma numerosa escolta de ndios carijs da ilha de Santa Catarina viajaram na Santa Lucia at enseada de Itapocoro na Barra Velha que, como o nome indica, era a antiga sada do rio Itapocu ao mar. Finalmente, em 2 de novembro de 1541, exatamente um ano depois de zarparem de Cdiz, Cabeza de Vaca e sua tropa iniciaram a marcha a p, seguindo a mesma trajetria de cerca de 20 anos antes de Garcia, o semilendrio nufrago de Solis, passando pela regio que hoje abriga as cidades de Jaragu do Sul, So Bento do Sul e Corup. Em 31 de janeiro de 1542, chegam ao rio Iguau, e na primeira semana de fevereiro chegam s Cataratas do Iguau, depois de cruzar o planalto e as serras catarinenses e paranaenses, sempre bem recebidos pela diversas tribos existentes neste percurso, mas com diversas desavenas entre a tropa, sendo a principal a ocorrida entre Cabeza de Vaca e os freis Armenta e Lebrn. O governador repreendeu os frades, que desviavam mantimentos da tropa para dar aos ndios. s nove horas da manh de um sbado, 11 de maro de 1542, quase cinco meses depois de ter partido de Santa Catarina, a tropa chegou a Nuestra Senhora de la Ascencin, sendo ovacionada pelos seus moradores. Cabeza de Vaca, em 1544, aps diversas incurses pela regio do rio do Prata, retornou a Assuno, onde foi preso. Na noite de sbado, 7 de maro de 1545, depois de quase um ano encarcerado, finalmente retirado de sua cela e deportado para a Espanha, sendo que, em 16 de Julho de 1545, quando chegaram ilha Terceira, nos Aores, Cabea de Vaca libertado. Segue para Espanha onde condenado priso domiciliar, privao perptua dos cargos de

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) adelantado e governador, e, posteriormente, a cinco anos de servios nas fileiras de sua majestade em Or, Arglia. Essa sentena foi parcialmente comutada em 23 de agosto de 1552, livrando-o do exlio africano. Da expedio de Cabeza de Vaca permaneceram em Santa Catarina 140 homens, que constituram, assim, um bom ncleo de povoamento. Muitos deles, uniram-se a mulheres indgenas. Acredita-se que tenha falecido por volta do ano de 1557, moribundo em um mosteiro na Espanha. JUAN DE SALAZAR Y ESPINOZA O governo espanhol nomeou Juan Sanbria governador do Paraguai, com a misso de colonizar o rio da Prata e povoar tambm o porto de So Francisco, em Santa Catarina. Morrendo Juan Sanbria, foi substitudo por seu filho Diogo de Sanbria. Diogo de Sanbria entrega a chefia da primeira parte da expedio a Juan de Salazar y Espinoza, que, anteriormente, em 1536, fundara Assuncin do Paraguai. A expedio partiu de So Lucar de Barrameda, a 10 de abril de 1550, com Espinoza como capito do galeo So Miguel e duas caravelas, uma pertencente ao capito Francisco Becerra e outra tendo como mestre Joo de Ovandro. Essa pequena armada levava 300 pessoas, das quais 50 mulheres, entre casadas e solteiras, inclusive D. Mencia Calderon de Sanbria, viva de Juan de Sanbria. Finalmente, aps penosa travessia do Atlntico, onde uma tempestade separou uma das caravelas, e eles foram abordados por corsrios franceses que pilharam as caravelas, levando todos os mantimentos e outros bens, sal-

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Antnio Carlos Peixoto vando-se todos somente com a roupa do corpo, a caravela do capito Becera aporta na ilha de Santa Catarina, em 25 de novembro de 1550, e o galeo So Miguel, sob o comando de Juan de Salazar e tendo a bordo 80 homens, 40 mulheres e crianas, aporta em 16 de dezembro de 1550. Quanto outra caravela, comandada por Joo de Ovando, no se teve mais noticias. Aps a chegada em Santa Catarina, fazendo proviso perdeu o galeo San Miguel, comandado por Juan de Salazar. Quando j se encontrava tudo pronto abastecido para seis meses de proviso, provavelmente devido sobrecarga de provises e avarias anteriores, o San Miguel naufraga. Em maro ou abril de 1551, decidiu-se enviar uma expedio por terra a Assuncin, comandada pelo capito Cristvo de Saavedra, acompanhada de Juan Fernandez, que era um bom interprete, de mais quatro espanhis e de ndios que conheciam o Peabiru. Os emissrios chegaram ao seu destino em 15 de agosto de 1551. Um ano depois da chegada, ficaram sem o navio principal e aguardando ajuda. Diante da falta de opes e a escassez de alimentos na ilha de Santa Catarina, com 120 pessoas para alimentar, Salazar procurou um lugar mais ao sul na regio de Biaa (Laguna), onde encontrou um local adequado para a permanncia dos sobreviventes. Para desespero de Salazar, na entrada da barra da ilha de Santa Catarina, nova fatalidade, a caravela do capito Becera toca o baixio e afunda, perdendo a caravela e tudo o que havia nela. A situao tornava-se extremamente complicada. No inicio de 1552, devido a perda da ltima nau, a do capito Becerra, e a falta de provises, resolveram dividirse em dois grupos, o primeiro seguiu para Assuncin,

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) chefiado por Hernando de Salazar, acompanhado pelo veterano Alonso Bellido, e 40 expedicionrios, partiram atravs da trilha do Piaberu. O segundo grupo com D. Mencia Caldern de Sanbria, suas filhas e demais mulheres, chefiadas pelo capito Joo de Salazar, foram por mar num batel que construram, para So Francisco do Sul. Em meados de 1552, Juan de Salazar, juntamente com 12 soldados, entre eles Hans Staden, em um bergamin construdo com o resto da caravela naufragada, rumaram para So Vicente. Durante a viagem deram num costado, tendo que seguir o restante do caminho a p. Aps mais de dois anos de sofrimento, com uma caravela emprestada por um dono de engenho de S. Vicente, d inicio ao transporte das mais de 120 pessoas que se encontravam na regio de Laguna, entre eles mais de 40 mulheres e crianas. O primeiro grupo parte em setembro de 1552 e a segunda viagem realizada no vero de 1553. Em So Vicente, Salazar e seu grupo ficam at princpios de 1555, sem autorizao oficial, com ajuda dos jesutas de Piratininga. Marcha para Assuncin, onde chega em outubro. Levava consigo D. Isabel Contreras, com quem se casara, suas duas filhas, outras trs mulheres casadas, 12 soldados e seis portugueses de S. Vicente. O grupo remanescente foi chefiado pelo piloto-mor Hermando Trejo de Sanbria, que se estabelecera em So Francisco, de onde seguiu, aps as maiores privaes e sempre sob a ameaa de ataques pelos silvcolas, para Assuno, onde chegou em meados de 1556. Nessa expedio esteve presente Hans Staden. Juan de Salazar y Espinoza vem a falecer em fevereiro de 1560 na vila de Assuncin, que fundara em 1536.

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Antnio Carlos Peixoto

JUAN ORTIZ DE ZARTE Juan Ortiz de Zarte recebeu em 10 de julho de 1569 o ttulo de governador, com a misso de prosseguir na conquista do rio da Plata. Conseguiu partir da Espanha apenas em outubro de 1572, mas com 300 soldados, 200 colonos, alguns frades, alm de 4 mil vacas, 500 cabras, 300 cavalos. Na costa do Brasil, a expedio foi alcanada por uma tempestade, em consequncia da qual um navio tomou o rumo de So Vicente, enquanto os outros dois foram dar no porto Don Rodrigo, na costa catarinense. Ao tentarem sair deste porto, so colhidos por nova tempestade que os leva a uma baa, da qual no se guardou o nome. Dali foram reorientados por um cacique indgena, que lhes serviu de prtico at a ilha de Santa Catarina. O local exato em que desembarcou, recebeu de Juan Ortiz de Zarte o nome de porto Corpus Christi, porquanto fora este o dia do desembarque, o que representa haver sido pela volta do ms de junho. Sabe-se que os homens da expedio vieram a passar fome, segundo informa, em carta de 29 de maro de 1576, Hernando de Montalvo, tesoureiro do rio Plata, que a escreveu de Assuncin. J no havia, ento, ndios na ilha de Santa Catarina, com os quais pudessem negociar vveres. Esclarece o referido informante que os ndios haviam se deslocado para a regio de Biaa pelos maus-tratos que os ndios tupis e portugueses lhes faziam; que eram seus vizinhos, residindo em So Vicente e que a desabitaram. Era uma referncia ao que, desde muito, os bandeirantes vinham fazendo no Sul, carreando os ndios carijs para as suas

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Porto Belo - Santa Catarina (1500-1600) fazendas, o que talvez agradasse a uns, mas no a todos. Todavia, Zarte no tratou melhor aos ndios. Foi a Biaa, frente de 80 homens, enquanto deixou os restantes na ilha, forando-os a lhe entregar mantimentos. Ao todo passaram sete meses de fome e terror, em meio a indisciplinas e deseres. A rao diria foi limitada a seis onas (186 gramas no total) de farinha de mandioca. Os que fugiam para a terra firme no tardavam em retornar, porque os ndios anteriormente maltratados j no os recebiam. O comandante chegou a enforcar alguns dos seus comandados. Finalmente, em comeos de outubro de 1573, depois de sete meses de terror, e deixando em terra os enfermos, mulheres e crianas, Zarte fez a expedio prosseguir viagem para o Plata. Sabe-se que outro espanhol, Ruy Diaz de Melgarejo, de So Vicente, veio a socorrer seus compatriotas abandonados na ilha de Santa Catarina, levando-os ao destino em Buenos Aires. Aqui, pode ver onde as sepulturas cavadas de fresco e a forca erguida contavam com sua muda linguagem a histria dos horrores que ali se haviam passado.

4.2 A escravido em Santa CatarinaDurante os primeiros 50 anos da colonizao da ilha de Santa Catarina, o aproveitamento do negro como mo de obra foi muito reduzido. A atividade econmica da ilha durante esse perodo praticamente restringiu-se aos quadros de uma economia de subsistncia. Segundo informaes dos viajantes, a troca eventual assumia a forma de escambo (troca de produtos naturais ou de valores permutveis), o que revela que a economia da ilha era, pelo menos em parte, uma economia natural. Esses relatos

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Antnio Carlos Peixoto demonstram no s que desde os primeiros povoadores houve trabalho escravo em Santa Catarina, como tambm que os primeiros escravos foram indgenas. Para compreender isto preciso lembrar que mesmo no comeo do sculo XVIII, o ndio ainda