Portugal março 2011

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Revista Jane Austen Portugal Um Mês, Um Livro O Parque de Mansfield Março 2011 | Nº 3 janeaustenpt.blogs.sapo.pt Conteúdo original © Jane Austen Portugal

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Revista Jane Austen Portugal

Um Mês, Um Livro

O Parque de Mansfield

Março 2011 | Nº 3

janeaustenpt.blogs.sapo.pt

Conteúdo original © Jane Austen Portugal

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Sumário

1. Sugestões Austenianas 3

2. Quando Conheci Jane Austen 4

3. Um Olhar sobre O Parque de Mansfield 6

4. Mansfield Park – Uma Visão Pessoal 8

5. Em Busca d‘O Parque de Mansfield 9

6. Mansfield Park 11

7. Mansfield Park – Uma Opinião 13

8. O Que Me Marcou em ―O Parque de Mansfield‖ 14

9. Mansfield Park 1999 15

10. Mansfield Park 2007 16

11. Mansfield Park Comparado 17

12. As Versões de Mansfield Park 19

13. Fanny Price 20

14. Uma Quase Redenção 22

15. Edmund Bertram 23

16. Tom Bertram, O Filho Herdeiro 24

17. Explorando Tom Bertram 25

18. Henry Crawford 28

19. Lady Bertram e Mrs. Norris – As Irmãs 31

20. Maria Bertram 33

21. Julia Bertram 34

22. Mr. Rushworth 36 23. Do Parque de Mansfield para Sensibilidade e Bom Senso 37

24. Jane Austen e Eu 38

25. Os Lugares de Jane Austen 40

26. Sabias Que… 42

3

Sugestão Livro:

O Perfume de Patrick Süskind. Li este livro há uns bons anos e é dos meus favoritos de sempre. Este livro fala do mundo dos cheiros e dos sentidos como talvez nenhum outro livro que eu tenha lido. Trata-se de um jovem que nasceu sem cheiro mas que em contrapartida tem um olfacto quase sobrenaturalmente apurado. Jean-Baptiste é

um rapaz fora do normal que é ostracizado por todos os que o rodeiam, desde que nasceu. Ao ler este livro sentimos mesmo os cheiros que rodeiam o herói da história.

As descrições são tão vívidas que nos sentimos mesmo dentro do livro. Adorei o livro e não perdi a adaptação ao cinema que também adorei.

Sugestão Música:

Robbie Williams. Sou fã do cantor Robbie Williams desde os 11/12 anos, desde os tempos da formação original dos Take That. Adoro-o e acho que ele é um dos

melhores entertainers do mundo do espectáculo. Uma das coisas que eu mais adoro no Robbie, e que muita gente desconhece é que ele é um excelente compositor e

cantor (quando não se distrai com as suas obrigações de entertainer) os seus B-Sides são do melhor que existe e muitas vezes superam até as músicas que toda a gente

conhece e canta. Ele é muito mais que Angels e Feel. Agora juntou-se aos antigos colegas dos Take That e não sei até quando isso durará mas eu vou sempre

acompanhá-lo. O que ele quer que faça é sempre feito com amor e muito talento. Sugestão Filme:

O filme que escolho como sugestão é o Moulin Rouge porque tem todos os elementos que eu adoro num fime: romance e musical. Adoro a história, o enredo, as músicas, o ambiente

boémio, os actores, principalmente a Nicole Kidman que é a minha actriz favorita e que tenho muita pena que (ainda) não tenha feito uma adaptação dos livros de Jane Austen.

Eu penso que já terei visto o Moulin Rouge mais de 15 vezes. Sei as músicas todas, comprei os CD's e vibro sempre nas mesmas cenas. Se amam musicais e amor (sendo fã de Jane Austen penso que é mesmo indicado) não vão ficar desiludidas(os) com o filme!

Considero-o um dos meus filmes favoritos de sempre e penso que o será por muitos e muitos anos.

Sugestão Blogues:

O Cantinho da Lili é um blog que eu criei há 2 anos para postar de tudo um pouco, relacionado com os

meus gostos, ideias e opiniões.

Gilmore Girls Portugal é um blog também meu, criado há 4 anos, sobre a série que marcou a minha vida e da

qual ainda hoje tenho muitas saudades. Neste momento o blog revive momentos e acompanha as

carreiras dos principais actores da série

.

Sugestões Austenianas Por Liliana Isabel

4

u tive contato com a

obra de Austen, pela primeira vez, quando

cursava a Faculdade de Letras na

Universidade Federal de Minas

Gerais. O livro escolhido foi ‗Emma‘ e

após a leitura fizemos um debate fazendo comparações entre o livro e o

filme de 1996. Naquela época, eu apenas tive conhecimento das outras

obras de Austen de maneira superficial. Foi em 2011, enquanto eu

morava em Nova York, que tive a oportunidade de conhecer as outras

obras de Austen. Desde então fiquei fascinada pela escrita de Austen e o universo que elas nos apresenta em

suas obras. Com o passar do tempo, fui lendo as obras, assistindo aos

filmes e séries de TV e me envolvendo cada vez no universo da escritora.

Meu livro favorito é Persuasão. Acho que a história dos dois protagonistas

me cativou muito porque fala da

espera, do amor que não se apaga com o tempo. Eu mesma vivenciei uma

experiência similar quando fui morar nos Estados Unidos e fiquei longe do

meu namorado, hoje marido, por quase seis meses. Obviamente não fomos separados pela família, como foi

o caso de Anne Elliot, mas de alguma forma eu me identifiquei com o casal.

Talvez até porque eu li Persuasão enquanto morava fora do país.

Das mocinhas de Austen eu gosto muito Lizzy Bennet, Marianne Dashwood e Anne Elliot. É claro que

admiro as outras protagonistas, mas as três mencionadas anteriormente são

as minhas favoritas. Não posso esquecer-me de Mary Crawford, que

apesar de uma antagonista, eu considero uma moça muito

interessante e ousada. Quanto aos mocinhos, diferentemente da maioria

das Janeites, meu herói favorito é o Capitão Wentworth e não o Mr.

E

Por Adriana Zardini, Presidente do JASBRA

5

Darcy. Na minha lista

de mocinhos

favoritos estão Mr.

Knightley, Henry

Tilney e Coronel

Brandon. Confesso

que ao assistir

uma

adaptação ou reler um

livro, me apaixono novamente pelos personagens ou sou conquistada por

outros personagens que não havia dado atenção antes. Gosto muito de

reler os livros de Austen porque sempre me trazem novos insights a

respeito de sua época, costumes e atitudes da Inglaterra do século XIX.

Em 2005, com a expansão das redes

sociais no Brasil, como o Orkut, pude conhecer diversas fãs de Austen e em

uma comunidade dedicada à série Orgulho e Preconceito (1995)

conquistas diversas amizades, que perduram até hoje. Foi nessa mesma comunidade que conheci minhas

conterrâneas (Cláudia, Pollyana e Ana Maria) e nos tornamos mais próximas.

Em 2008, ao perceber que as pessoas, inscritas da comunidade do Orkut,

faziam as mesmas perguntas referentes aos livros e adaptações,

resolvi criar o blog que hoje é o blog da Jane Austen Sociedade do Brasil. Ao longo destes anos, conheci muitas

pessoas interessadas na obra de Austen, sua biografia e filmes

baseados em suas obras. Em 2009, juntamente com as amigas de Minas

Gerais (estado onde vivo) decidimos criar a JASBRA. Nesse mesmo ano,

realizamos nosso I Encontro Nacional (na cidade de Ouro Preto) e contamos

com a presença de pessoas de outros estados também. No ano passado,

realizamos nosso II Encontro Nacional no Rio de Janeiro e contamos com a presença de quase 60

pessoas. Para este ano planejamos o III Encontro Nacional em outubro e

será em Recife, no nordeste do país.

Maiores informações sobre a

JASBRA: www.jasbra.com.br

Atualizações sobre o universo Austen e a sociedade:

www.janeaustenbrasil.com.br

6

Um Olhar sobre O Parque de Mansfield Por Fátima Velez de Castro

u

não

conheci

-a esta obra,

até vocês falarem dela. Esta

é uma, senão o trabalho

menos conhecido da Jane

Austen, não percebo muito

bem porquê. Comparando com a ―Persuasão‖, este

romance está muito mais

completo e explora de

forma intensa cada

personagem. Enfim,

poderíamos aqui discutir a importância, valor,

complexidade e qualidade

deste livro face à restante

obra, que na minha opinião

não se fica nada atrás, porém o objectivo é outro.

Em primeiro lugar

pretendo dar-vos a

conhecer a aquisição e

leitura do Parque de Mansfield… uma aventura!

Para arranjar o livro

demorei bastante tempo,

visto que está esgotado e

não há previsão de reedição. Teve de ser pela

internet, num site de

leilões, esperando

pacientemente pelo fim do

negócio. Mas quando

finalmente chegou, foi uma alegria! O enredo é

aliciante, o que fez com

que o tivesse lido em pouco

mais de uma semana,

intercalando trabalho (muito!), vida familiar e

pequenos (muito

pequenos) tempos de

leitura. No entanto, tive a

sorte de conseguir uma

tarde livre e nem pensei duas vezes, foi uma

maratona de leitura desde

as duas da tarde até às oito

da noite! O livro foi

avidamente ―devorado‖, como podem perceber.

Em segundo lugar,

alguns olhares sobre o

romance.

Uma das coisas que mais apreciei foi a crítica

realizada à noção de

―caridade‖: uma acção

realizada para bem parecer

em sociedade, mais do que para o fim a quem se

destinam as acções. A

família Bertram neste

contexto é um paradoxo de

bondade e cinismo, que se

vai intercalando ao longo do enredo, embora no final

se descubra e se cultive tal

virtude, à custa de uma

aprendizagem sofrida.

E Fanny Price, que

heroína tão apagada! No

início perguntava-me

como e que Jane poderia

ter criado uma

E

«A perseverança, a seriedade e a defesa dos valores do bem e da verdade, mais tarde ou mais cedo, gerarão felicidade»

7

protagonista tão atípica.

Quantas vezes não nos dá

vontade de ―sacudir‖ a sua aparente inércia? Muitas de

certo. No entanto o final

desta personagem ensina-

nos que a perseverança, a

seriedade e a defesa dos

valores do bem e da verdade, mais tarde ou

mais cedo, gerarão

felicidade.

Das personagens

masculinas: Edmund é um

ingénuo, que apenas vê em Mary o que lhe apraz, ou

seja, a beleza; e Henry é o

mais inconstante dos

homens, um verdadeiro

perigo, do qual não se tem

a certeza se é vítima pela ausência de uma boa guia

(seria Fanny a sua

salvação?), ou se apenas

arca com as consequências

da sua conduta consciente;

Mr. Rushworth, uma pobre alma dividida entre

uma mãe possessiva e uma

mulher que não o ama,

quiçá uma vítima como

Henry, por falta de alguém

que o compreenda e guie; Sir Thomas, o temido

patriarca que têm

inteligência para aprender

com os seus erros; Tom, o

filho que (talvez) se tenha

de facto reabilitado.

As personagens femininas:

Mrs.Norris, a execrável tia,

a dominadora que

descarrega nos mais

próximos as próprias

frustrações; Lady Bertram, a futilidade em pessoa, com

carácter demasiado

maleável, mas que parece

ter bons sentimentos; as

filhas Bertram, uma

espécie de Lydia e Kitty de ―Orgulho e Preconceito‖,

mas com desfechos

trágicos; Mary Crawford, o

egoísmo em pessoa, capaz

de sacrificar a sua

felicidade em prol do dinheiro; Susan Price, um

retrato da bondade e

constância da irmã, mas

com mais vivacidade

(aparente).

Muito fica por dizer numa abordagem tão breve,

todavia o que fica deste

livro são muito bons

momentos de leitura e de

reflexão a partir de um

retrato tão mordaz e inteligente da sociedade

inglesa contemporânea de

Austen.

8

Mansfield Park – Uma Visão Pessoal Por Cátia Pereira

ão é o livro

mais famoso

de Jane

Austen.

Aliás, poucas pessoas

poderão dizer que este foi o

primeiro livro que tenham

lido dela. Aqui, em Portugal,

ainda é mais difícil que isto

aconteça já que achar alguma edição dele para ler é quase

como descobrir um tesouro.

[Li-o em formato ebook mas

vou comprar uma edição do

Brasil, não vou ficar à espera

que as Edições Europa-América se lembrem de

voltar a editá-lo].

Eu pensava que quando o lesse iria detestá-lo. Ouvia

dizer que o livro era chato,

enfadonho e sem sal.

Lembro-me que ao ler as

primeiras páginas não me

soava a uma escrita de Jane Austen. Parecia-me

extremamente diferente de

todos os outros livros. Foi

uma leitura apaixonante.

Amei cada linha desta

história. Do meu ponto de vista, este é - sem dúvida - o

livro mais adulto de Jane.

Fiquei muito impressionada

com o percurso não só de

Fanny Price, mas também de

todos os outros personagens. Apesar do final ser previsível

e de ser um ―final feliz‖

(embora para mim, o final

feliz seria outro…) a forma

como Jane Austen trabalhou

é bem diferente de todos os outros livros. Eu vejo

Mansfield Park não como um

livro de protagonistas

marcantes. É um livro de

vários temas e estes mesmos

temas tornam-se os protagonistas da história:

pobreza, orgulho, posição

social, escravatura, elitismo,

casamento, adultério, solidão,

ciúme, virtude, bondade… e assim por diante.

A parte inicial é lenta,

descritiva, onde as

personalidades são desenhadas com

perspicácia e

detalhe.

Somente, com

algumas páginas

avançadas a história

encontra um ritmo mais

dinâmico, quando chega a

altura em que os personagens

organizam uma peça de

teatro. Posteriormente, quando Fanny volta para a

casa de seus pais, o livro

retoma o ritmo lento para

depois voltar novamente a

ganhar ritmo. Há esta dança

entre lentidão e fluidez. E este ritmo gera em que lê

uma ansiedade de saber o que

virá a seguir.

Li com muito prazer este livro. Lembro-me que

discordei totalmente com o

fim que, sendo previsível, não

era aquele que eu queria; mas

achei fascinante cada personagem, cada fala, cada

silêncio, cada passo, cada

cenário descrito.

A meu ver, uma grande obra.

N

«Parecia-me extremamente diferente de todos os outros livros. Foi uma leitura apaixonante.»

9

Em Busca d‘O Parque de Mansfield Por Clara Ferreira

certo e sabido que

O Parque

de

Mansfield está longe

de ser o

supra-

sumo dos romances de Jane

Austen, e parece-me

igualmente correcto afirmar o mesmo em relação à sua

heroína - Fanny Price.

"Edmund e Fanny (...) precisamente pela sua subordinação aos códigos, condutas e expectativas dominantes" ¹ não encontram

grandes aplausos dos leitores.

Mais uma vez, penso que não será errado dizer que, em

certas alturas do romance,

temos vontade de sacudir

Fanny e implorar-lhe uma

qualquer reacção, mínima

que seja. No fundo, torcemos para que se rebele e creio que

é por essa razão que muitas

de nós se sente inconformada

por ela nunca aceitar Henry

Crawford - essa aceitação representaria a mudança que

gostávamos que ela

espelhasse. Mas Jane Austen

escreve a sua história

totalmente ao contrário,

juntando Fanny e Edmund, quase (se não o for mesmo)

como uma lição de moral.

" Em Mansfield Park explora a narrativa da formação e da educação de uma jovem no seio da família que recebe e adopta" ¹, um pouco como Charlotte Bronte irá fazer

com Jane Eyre, embora esta

siga um caminho mais

obscuro. Mas que chamei

Jane Eyre à questão, importa referir que as parecenças com

Mansfield Park são maiores.

Tal como Fanny Price, Jane

Eyre acaba por se subordinar

aos valores e condutas

expectáveis, todavia, tem um carácter mais decidido e

embora se subordine, creio

que nunca se subjuga. E

podemos afirmar isto porque

deambulamos nos seus

pensamentos, tal como com Fanny, e aí conhecemos uma

protagonista com uma mente

viva, perspicaz, resoluta e

activa; diferente de alguma

passividade que inunda a nossa querida Fanny Price.

"em Mansfield Park é o movimento de outras personagens à volta de Fanny e a quase imobilidade desta que temos de identificar enquanto meios de organizar e dinamizar a acção e o enredo" ¹, Jane Austen coloca

Fanny Price quase no mesmo

plano que o leitor,

transformando-os em meros

espectadores. Fanny Price serve quase como um fiktro

que influencia o leitor nas

suas opiniões sobre a acção

que vai decorrendo. Fanny

Price moraliza fortemente a

nossa forma de ver as coisas, na sua maneira subtil e

inocente, obriga-nos a

distinguir o Bem do Mal, ou

talvez seja melhor dizer, o

correcto do incorrecto.

"Ao princípio é Mansfield Park; no fim é Mansfield Park. (...) A casa é o seu próprio centro" ¹, este um

aspecto fulcral. Mansfield

Park é mais do que o local

onde decorre a acção, funciona como um palco em

que os actores entram e saem

de cena, consoante os seus

diálogos - o que é relevante se

compararmos com a ideia

É

«Em certas alturas do romance, temos vontade de sacudir Fanny »

10

maluca de encenar Lover's

Vows. Em Mansfield Park, as

personagens surgem e desaparecem, mas a casa é

imutável e só quando saem

dela é que as personagens se

perdem, transitória ou

irremediavelmente. Nem

mesmo quando Fanny regressa a Portsmouth,

Mansfield desaparece do

romance. Está sempre

presente nas longas cartas

que lhe chegam repletas de

amarguras, e Fanny retorna a casa - Mansfield Park - como

que para "salvar a honra" da

mansão depois das

calamidades praticadas pela

descendência Bertram. Com ela, Mansfield Park

permanece imutável,

defendendo os mesmos

valores e a mesma moral.

Tomemos este exemplo: "o final feliz possível neste romance é o da união matrimonial da heroína romanesca cujos códigos foram moldados à imagem e semelhança de quem os formou com o herói que os formou - o que não deixa de traduzir o fechamento" ¹.

Mansfield Park é um

romance complicado. Fanny

Price não estabelece empatia

imediata talvez porque gostássemos de ver nela uma

irreverência, uma ruptura; e

essa aproximação real com

Fanny Price assusta-nos

precisamente porque

também representamos

papéis sociais e também nos

subordinamos a códigos sociais. Fanny Price não nos

leva ao êxtase porque não

rompe com os valores da sua

sociedade.

Perante a história (e espero

não estar a ir longe de mais),

o facto de Fanny não se

rebelar é, no fundo, uma

atitude mais corajosa do que

se o fizesse. É a força dos valores que vence o

esvaziamento de consciência

daqueles que a rodeiam.

¹ "Jane Austen", Álvaro Pina

11

Mansfield Park Por Adriana Sales Zardini

ansfield Park é um trabalho

da fase mais madura da

escritora inglesa Jane Austen, escrito quando ela tinha

entre trinta e seis e trinta e

nove anos. Existem muitas

semelhanças e diferenças entre este livro e os

outros escritos por Jane.

Aparentemente, trata-se de uma maneira de

escrever um romance diferente. A própria

autora em uma carta para sua irmã Cassandra,

escreveu em 1813, que o tema do livro pretendia ser ‗algo diferente‘, sobre ordenação, o qual

aparentava ser pouco promissor. Porém, Jane

provavelmente sentiu-se no

dever de escrever algo

relacionado à conduta e à moral,

uma vez que havia escrito muito sobre ironia.

Em Mansfield Park, Jane deixa

um pouco de lado a ironia

(característica de suas obras) e aborda assuntos de cunho

filosófico como a virtude e a

depravação moral. Ao tratar

de assuntos mais sérios, o

traço peculiar de Jane, a ironia, permanece ao

descrever os personagens

Mrs. Norris, Sir Thomas

Bertram e os irmãos

Crawford. Neste livro, a

heroína difere-se de outras construídas por Austen.

Nesse livro, Fanny não é

uma lente pela qual a ação é

vista, como Elizabeth,

Emma e Elinor. Existem passagens importantes no

livro, onde Fanny nem sequer aparece ou tem

idéia do que está acontecendo, bem como

análises a respeito dos motivos e das emoções de outras personagens além de Fanny.

Primeiramente, Austen mostra uma Fanny

menos heróica que as outras até então criadas,

porque nos descreve uma pseudo heroína

jovem, fraca e indefesa, matendo-a sempre jovem e dependente. Apesar de heroína, Fanny

depende da atitude de Mary Crawford e se esta

aceitará ou não o status de ser esposa de um

pastor – Edmund Bertram. Diferentemente das

outras heroínas, que apresentam certa rebeldia,

Fanny é uma figura, porém marcante, que possui um julgamento confiável para uma

pessoa tão jovem. Fanny não sofre as desilusões

de

M

« Em Mansfield Park, Jane deixa um pouco de lado a ironia »

12

Elizabeth, Emma ou Catherine Morland, e não

pode ser guiada por seus erros do passado como

Anne Elliot. Como Elinor, a opinião de Fanny é confiável. Seu julgamento é importante para

todo o livro, é um guia confiável pelo qual a

história muda de foco e os eventos se alternam.

Os dois personagens principais, Edmund – um

dos heróis mais ofuscado do cânone austeniano,

e Fanny – educada, serena e aparentemente boa demais, são apresentados francamente, sem

nenhuma contradição.

As paisagens e os cenários, nesta obra, parecem

ser mais importantes que em outras, com exceção de Persuasão. É claro que não podemos

nos esquecer que nos outros livros, os

personagens também tiveram experiências

marcantes ao ar livre. Mas no caso de Mansfield

Park, o cenário não é apenas um pano de fundo para o desenrolar das cenas, é parte integrante

da ação. Austen, em Mansfield Park nos

presenteia com uma obra que na verdade possui

material para mais de um romance. Para W. A.

Craik (estudioso das obras de Austen),

Mansfield Park foi baseado em temperamentos, emoções e valores morais, lembrando-nos de

Persuasão devido ao cenário e ao tom sério,

diferentemente de Orgulho e Preconceito que

apresentou um desenrolar sem grandes

surpresas. Mas só pode ser fortemente

comparado à Emma, devido à organização de seus personagens, vários estilos de discurso,

palavras e ações significantes, além de seus

diversos sub-enredos. Após a publicação de

Mansfield Park, Jane Austen inicia algo nunca

havia feito: coletar e escrever as opiniões de seus

leitores, tal material são documentos fascinantes, que nos contam um pouco mais sobre Jane e

seu público, denotando o quanto os leitores

eram importantes para ela. Todos esses fatos

sobre os livros e a vida da escritora nos fazem

vislumbrar o quanto Jane Austen era talentosa ao abordar temas simples e universais do

cotidiano, tornando-os a base de sua obra.

13

Mansfield Park – Uma Opinião Por Marina Nunes

uando comprei este livro

estava animada... As expectativas pelo que

tinha lido eram muitas... Mas quando terminei a

sua leitura senti essas

expectativas "algo

goradas". Não tirando a

maravilha que é qualquer

romance de Jane Austen

não fiquei fascinada

pela obra, como tinha ficado por

obras anteriores.

Fanny é uma

heroína muito

"reservada", tudo aguenta, tudo aceita... a

sua revolta é sempre limitada a um momento em que ela racionalmente

controla depois. Edmund tem uma conduta muito semelhante... Sempre

benevolente... sempre calmo... quase sempre racional. O que mais me agrada

nesta obra é a "teia de personagens"

interessantes e cheias de

"imperfeições e vícios".

Sempre com momentos em

que as suas imperfeições e defeitos se

destacam e se mostram

claramente. Preferências,

criticas, momentos de "louvor às suas

qualidades e posses sociais", sempre

presentes e a trazer dinâmica à história.

Mas tenho de o dizer: mais uma grande obra de Jane Austen...

Q

« Senti essas expectativas "algo goradas” »

14

O Que Me Marcou em ―O Parque de Mansfield‖ Por Paula Freire

ansfield Park"

é o romance

de Jane

Austen que

menos

consenso reúne. São várias as razões. Algumas recaem

sobre a sua personagem

principal, Fanny Price;

outras prendem-se com a

postura de Jane Austen face à escravatura e sobre a sua

intenção ou não de a mostrar

através deste trabalho.

Quanto a mim, devo dizer que foi o romance que mais

tempo levei a ler. Não teve

que ver com o romance em

si, mas antes com o facto de

querer fazer uma leitura mais

cuidada que me permitisse entender ou encontrar as

razões para a controvérsia

existente em torno deste

romance. Não foi difícil. Em

boa verdade, Fanny Price não é a heroína mais

marcante da obra de Jane

Austen nem tem traços de

uma Elizabeth Bennet ou de

uma Emma. Contudo, a sua

personalidade é enigmática devido ao facto de ser muito

consciente da sua condição

em Mansfield Park e de ser

inteligente e perspicaz. E,

para mim, é aqui que reside a

força desta personagem. Gostei, é claro, de Fanny

Price. Arriscar-me-ia a dizer

que Fanny foi um ensaio para

o esboço de Anne Elliot,

heroína de "Persuasão".

Mas este romance também reúne consensos num ponto

em concreto: é a narrativa

mais complexa da obra de

Jane Austen tanto pelos

personagens que fazem parte da trama como pelos

acontecimentos que a

constituem. A questão do

adultério não tinha sido

objeto de nenhum trabalho

de Jane Austen. E o facto de haver uma heroína tão

diferente das anteriores só

enriquece a sua obra.

Confesso que gostei de ler "O Parque de Mansfield". Houve

personagens que me

cativaram, outras que me

desiludiram, outras ainda que

me irritaram e outras que me

fizeram pensar. Entre estas

está Edmundo. Quando

terminei o leitura do livro

fiquei com a ideia de que Edmundo seria a

personificação do pai de Jane

Austen, pelo menos,

parcialmente.

Quanto ao final, esperava

que, sendo esta uma narrativa

diferente, também o final

poderia ser uma surpresa

escondida com o rabo de fora. Quero com isto dizer que

esperava que Henry fosse ao

encontro de Fanny

apresentando-se como um

homem capaz de se dedicar a

ela de coração; que a sua vaidade se esvanecesse por

força dos seus sentimentos

por ela e que Edmundo

assumisse uma importância

diferente na vida de Fanny.

Finalmente, o que marcou

mais foi o sofrimento de

Fanny quando foi entregue

aos tios em Mansfield Park e depois quando regressou a

casa dos pais e o facto de ela

ter sido tratada mais como

uma criada de serviço a

tempo inteiro do que como

um membro da família. Talvez isto tenha reforçado a

minha simpatia por Fanny

Price e pelo romance.

M

«Fanny foi um ensaio para o esboço de Anne Elliot »

15

Mansfield Park 1999 Por Cátia Pereira

ansfield

Park (1999)

é uma versão

cinematogr

áfica -

Miramax - do livro de Jane

Austen. O argumento e a

direcção pertencem a Patricia Rozema. Tem um bom leque

de actores: Frances

O'Connor, Jonny Lee Miller,

Embeth Davidtz, Alessandro

Nivola, Harold Pinter,

Lindsay Duncan, Sheila Gish, James Purefoy, Hugh

Bonneville, Justine Waddell,

Victoria Hamilton; entre

outros.

Apesar de seguir - em traços

gerais - o enredo de Jane

Austen, a opção do

argumento deste filme é

evidentemente centrado em dois focos: escravatura e

feminismo.

"An agreeable and reasonably charming fusion of the titular

novel and Ms. Austen's personal writings, Patricia Rozema's film aims to illuminate the social issues at the heart of

Austen's narrative efforts, particularly those concerning the narrow options that women have faced throughout human history. In addition to the expected themes of class and feminine repression, it addresses the role of slavery in wealth acquisition, which provides a more substantial context for the social mores on display, as well as a parallel to the more metaphorical "enslavement" of women in a society where lineage and marriage were the unquestioned arbiters of every girl's fate.")

Vemos o percurso de várias

personagens femininas tais

como Fanny Price, Mary Crawford e as irmãs Bertram

serem desenhadas com uma

desenvoltura um pouco

distantes do que seriam no

livro e da realidade da época mas, a meu ver, com o

sentido de elevar o papel da

mulher para além do que

seria esperado. Também o

tema da escravatura é

destacado ao longo do

filme. Sabemos que no livro a

referência a este tema é

bastante discreta, mas no

filme torna-se num dos mecanismos do enredo; de tal

forma que, são debatidos os

argumentos de defesa e de

acusação relativamente a este

sistema. Mas não se fica por

este aspecto linear. A dada altura, o próprio papel da

mulher na sociedade e o seu

destino de ter de contrair

casamento é identificado

como um tipo de escravatura. Isto gera no filme uma

distinção porque cria na

história um escape crítico que

flui como reflexão da

condição social e não

somente uma acção centrada numa história de amor.

Sobre esta versão, eu gostaria

de destacar a cena final do

filme. Pessoalmente eu aprecio a opção de ser um

narrador a fechar o filme, a

relatar o destino de cada

personagem, numa série de

cenas que lembram o posar para uma foto. Chega a ser

algo meio teatral o que, de

certa forma, lembra o tom

que existe no próprio livro.

M

« A opção do argumento deste filme é evidentemente centrado em dois focos: escravatura e feminismo»

16

Mansfield Park 2007

Por Vera Santos

omo ainda não

li este livro,

fiquei para este

mês com a obrigação de fazer uma

review a esta adaptação.

Creio que mencionei que o meu primeiro contacto com

Austen foi através da

adaptação de Orgulho e

Preconceito feita em 1995

pela BBC, que adorei. De

resto, posso-vos dizer que todas as outras obras que já li

também vi primeiro alguma

adaptação. No fundo, para

mim funciona como uma

espécie de incentivo e nunca

fiquei desiludida ao ler o livro

ou ao ver estas adaptações e

todas as que vi gostei.

Infelizmente, na vida há sempre uma excepção e para

mim, essa será esta adaptação

da qual não gostei nada. A

dada altura pareceu-me era

apenas alguém que tentava imitar Austen e não uma

adaptação de um dos seus

livros. Faltavam ali os

personagens que fascinam,

que são enigmáticos, que nos

fazem salivar por mais.

A Fanny Price pareceu-me

uma irmã mais nova da Anne

Elliott, mas sem qualquer

brilho pessoal ou nada que a

recomende, os outros mal tive

tempo de entender quem

eram, a única que me

despertou um interesse

genuíno foi a Mary Crawford.

Eu já vi várias adaptações de

livros, umas gostei mais que

outras, mas nunca fiquei tão desiludida como desta vez,

caramba é a querida Jane,

esperamos mais, muito mais,

tanto a nível da adaptação

como dos actores envolvidos.

Lerei o livro e depois farei a

minha review, não acredito

que a Jane tenha errado

tanto com este livro...

C

« A dada altura pareceu-me era apenas alguém que tentava imitar Austen e não uma adaptação de um dos seus livros.»

17

Mansfield Park Comparado Por Catarina R. P.

ansfield

Park narra

a história de Fanny

Price, uma

jovem

mergulhada numa profunda

miséria a nível económico e social. Todavia surge a

oportunidade de mudar de

vida e eis que a família opta

por encaminhá-la para um

futuro mais promissor a nível

social e por consequência com mais capital. É aqui que

a sua vida muda para sempre

e a história começa…

Comecemos então por

comentar a adaptação mais antiga realizada por Patricia

Rozema no ano de 1999.

Nesta versão do livro de Jane

Austen a protagonista (Fanny

Price) é interpretada pela

notável actriz

Frances

O‘Connor, que

encara o seu papel

de uma forma que considero

verdadeiramente

admirável. A artista

conseguiu captar a

magia de uma

personagem que nas mãos de outra

actriz poderia parecer algo

vazia. Fanny Price é uma

heroína pouco espirituosa, com falta de orgulho,

fracamente possessiva e por

vezes submissa à sociedade,

no entanto permanece fiel aos

seus princípios. De entre todas as Mulheres de Austen,

Price é a que menos se

encaixa no perfil de ―heroína

lutadora‖, e por consequência

torna-se uma mulher

complicada de apresentar ao grande público, que só

reconhece mulheres fortes,

autoritárias, ou seja, o género

de mulher que governaria o

mundo.

Relativamente ao argumento

desta adaptação encontra-se

bem explorado no que diz

respeito à infância da

protagonista, visto que na

introdução do filme nos é apresentada a profunda

miséria em que Price havia

nascido. É evidente que para

quem leu o livro o filme é

sempre uma decepção (à excepção de ―África Minha‖

em que o filme está

francamente melhor), no

entanto acho que Rozema

consegue chegar à grande

maioria dos espectadores com um argumento sólido,

conciso, bem estruturado,

sem excessos no diálogo, com

um tom irónico e por vezes

até cómico. Por consequência

ou não do óptimo argumento Patricia Rozema consegue

uma realização notoriamente

inteligente e com uma visão

intimista.

Como já referi

anteriormente a actriz

principal tem uma

interpretação que na

minha opinião é

notória. Esta prestação torna-se ainda mais

admirável quando

acompanhada pelo

extraordinário Jonny

Lee Miller e o galã

Alessandro Nivola.

M

«Price (…) torna-se uma mulher complicada de apresentar ao grande público, que só reconhece mulheres fortes, autoritárias, ou seja, o género de mulher que governaria o mundo »

18

O que me desilude mais

em todo o filme é a

fotografia e montagem mas, como já tive

oportunidade de discutir

com alguns colegas, esta

minha opinião não é

consensual. Ao contrário

de outras opiniões avalio a banda-sonora como um

componente

absolutamente delicioso,

pela simplicidade da

música, que combina

perfeitamente com a personagem, Fanny

Price.

Moveremos agora a nossa

atenção para a adaptação de Mansfield Park

realizada no ano 2007

por Iain B. MacDonald.

Guardo sempre as piores

notícias para o fim por isso

aqui vai o meu comentário mais crítico e talvez até cruel.

A actriz que protagoniza

Fanny Price é Billie Piper

(The Calcium Kid), a artista consegue sem dúvida

nenhuma, manter uma

química com o actor Blake

Ritson, que é um profissional

que considero admirável.

Contudo acho que esta química é pouco platónica o

que torna a relação entre

Price e Bertram pouco

genuína e proveniente de

uma paixão em vez de uma

profunda e respeitosa amizade. Relativamente à sua

interpretação isolada é

desprovida de sentimento e é

um pouco teatral, quando

digo teatral refiro-me a uma emoção falsa e pouco

expressiva, sem qualquer

melancolia genuína.

O argumento assenta pouco

em bases sólidas, que no caso

de Austen são sem dúvida as

ironias e o raciocino emocional, procurando uma

estilo mais de ―comédia cor-

de-rosa‖ o que não valoriza

em nada a película. No

entanto acho que apesar disso

conseguimos retirar algumas interpretações notáveis e

alguns (raros) diálogos

inteligentes. E como um mau

argumento raramente tem

uma boa realização, acho que

é óbvia a minha opinião relativamente a este ponto. É

de salientar que existe uma

profunda falha na história de

infância da protagonista

Fanny Price, não relatando as

suas origens, o que acaba por

ser algo muito penalizante.

Todos os outros componentes

cinematográficos como: a

fotografia, a banda-sonora,

montagem ou até mesmo o guarda-roupa estão

razoavelmente bons todavia

este trabalho acaba por ser

inglório pois tem do outro

lado do ecrã um mau

argumento e realização.

Fazendo uma simples

analogia, acaba por ser um

pouco como o mais recente

filme de Zack Snyder; Sucker Punch. Todos os condimentos para o sucesso

estão lá mas no entanto falta a

conexão entre eles, é como

comer uma salada sem sal,

azeite e vinagre… Não é a mesma coisa!

19

As Versões de Mansfield Por Cátia Pereira

u já assisti às

duas versões de

Mansfield Park:

a versão de 1999 da Miramax e a

versão de 2007

da ITV. Lembro-me que

fiquei absolutamente

decepcionada com ambas as

versões. Lembro-me que vi os filmes no dia

imediatamente após ter

terminado de ler o livro.

Foi um tipo de

experiência mais ou menos assim: um livro

fantástico e dois filmes

que não lhe chegam aos

pés. Não me incomoda

que um filme somente se

inspire num livro e não se prenda aos detalhes da acção.

Aliás, há filmes que são

melhores do que o livro nos

quais se inspiram: o

―Paciente Inglês‖ é exemplo

disto. O que me incomoda é que, em ambas versões, há

uma fuga da essência do livro.

Então, para apreciar estes

dois filmes eu tive de fazer

um exercício de abstracção e esquecer um pouco o livro.

Esquisito, não é? Só assim, eu

consegui usufruir de ambos

os filmes que, entretanto, já

revi várias vezes.

A minha versão preferida é a

de 1999, principalmente por

causa do elenco. Adoro o facto de

ter o James Purefoy a fazer de

Tom Bertram – mas isso é

um gosto pessoal – e também

aprecio as duas actrizes que

fizeram as irmãs Bertram. Mas há alguns aspectos em

que a versão de 2007 é

superior à versão de 1999. No

que diz respeito a duas

actuações: Blake Ritson (que

faz de Edmund) e Hayley

Atwell (que faz de Mary

Crawford). Penso que Blake

Ritson fez um Edmund mais convincente do que Johnny

Lee Miller (em 1999); e o

mesmo acontece com Hayley

Atwell, que desempenha uma

Mary Crawford

bem mais

interessante

do que Embeth

Davidtz (em 1999). No caso

do personagem de Sir Thomas Bertram, penso que

nenhum dos dois actores

esteve à altura, para grande

decepção minha, já que é um

personagem que eu aprecio muito.

E

«E em ambas versões, há uma fuga da essência do livro»

20

Fanny Price Por Cátia Pereira

primeira

imagem

que temos

de Fanny é esta:

uma

pequena, assustada e

frágil criança. Ela chega

a uma casa sumptuosa e se vê no meio de

familiares que não

conhece. Tudo é

demasiado grande e

assustador. Parece que

não há nenhum lugar no mundo onde possa se

refugiar. Através destas

linhas, vemos o começo

da história de Fanny. Ela

é enviada pela mãe, Mrs. Price, para a casa dos tios em

Mansfield Park; sobretudo,

devido a falta de condições de

sustentar todos os seus filhos.

Mansfield Park representava

bem-estar, dinheiro, posição social e modos refinados.

Acredito que estes eram

conceitos um tanto ao quanto

ausentes para Fanny. Para

ela, naquele momento as

saudades de casa e da família ultrapassavam todos os

benefícios que poderia vir

a usufruir.

Afinal, quem é Fanny Price?

Fanny Price é filha de Mr. e

Mrs. Price. Nasceu num lar

pobre e numeroso. Herdou o

nome da mãe, que também

chamava-se Fanny. A sua

mãe não fez um casamento proveitoso: o marido não

tinha posses e revelou-se

possuidor de muitos vícios; o

que, como se verificou,

vaticinou-lhe uma vida de

canseira e dificuldades.

Com 10 anos, Fanny Price

vai morar com seus tios em

Mansfield Park. Isto aconteceu em resultado de

um pedido de ajuda feito pela

sua mãe. De repente, Fanny

vê-se transportada de uma

realidade de pobreza para

uma realidade de

riqueza. Ela sai do

sombrio, sujo,

poeirento e barulhento seio

familiar; para entrar

no luminoso, limpo,

airoso e silencioso

mundo de Mansfield Park.

Pelo menos, é assim

que imagino

Mansfield Park:

tudo

harmoniosamente cuidado e

preparado.

Esta mudança de

vida é, sem dúvida, marcante na vida de Fanny.

Alguns demonstraram

caridade, outros com algum

desprezo e somente o primo

Edmund a recebeu de coração aberto. É ele quem

lhe dá carinho, amizade e

instrução. Durante a sua vida

na casa dos tios, mantém

contacto por escrito com o

irmão William.

- a heroína invisível -

Fanny Price não tem nada

que a transforme numa

heroína. Não é possuidora de uma beleza marcante, não é

rica, não é espirituosa, não é

A

«Fanny Price, quase invisível»

21

divertida, não é ousada, não é

elegante, não é sociável, não

tem um nome sonante, não tem talento para as artes, não

tem sequer um humor

apurado.

Fanny Price, quase invisível.

O seu nome só é lembrado

para o cumprimento de

tarefas. Neste sentido, Fanny

Price é insubstituível. Ninguém é tão prestável, tão

útil, tão eficiente, tão

altruísta, tão desejada quanto

ela. Fanny Price, a

cumpridora de tarefas. Fanny Price, a parente pobre,

franzina e frágil. Fanny Price,

sempre disponível para

cumprir qualquer missão que

lhe seja incumbida. Fanny

Price, a ouvinte atenta que nunca é ouvida.

Fanny Price, cuja voz

prende-se às paredes de

Mansfield Park e não soam.

- ―gata borralheira‖ austeniana -

Fanny Price cresce a ser

tratada como a prima/sobrinha pobre

que está sempre

disponível para atender

as ordens e caprichos

de todos. Quase que

uma empregada de luxo. Mas Fanny

revela-se ao longo da

história. Prova que a

grandeza de uma

pessoa não reside na

riqueza ou no título

que possui. Ela mostra, com

as suas atitudes que a

superioridade revela-se através de um carácter firme

e de virtudes vincadas.

Entendam, Fanny não se vê

assim. Aliás, pelo contrário,

ela tem uma baixa auto-

estima. Aceita o facto de ser tratada com pouco

consideração como normal e

merecida. Mas ela estava

destinada a justiça e a

recompensa pela sua maneira

correcta de ser.

A nossa Fanny, heroína

invisível, é também uma

espécie de heroína distorcida.

Definitivamente, não nasceu

para ser uma estrela. Ela é

uma versão empobrecida de Cinderela. Ela é uma Gata

Borralheira Austeniana. Ela

passa por inúmeras

provações, chega ao fundo

do poço e

alcança o final feliz com o

Príncipe que escolhe. Ela

conquista o final que queria. Mas, a meu ver, esta é uma

recompensa com sabor a

prémio de consolação. Ganha

o Príncipe. Contudo,

questiono-me: Não teria sido

melhor optar pelo Lobo Mau?

- em silêncio -

O seu coração pertencia ao

seu primo Edmund e

ninguém podia adivinhar que

este sentimento a atormentava. O sofrimento

dela, a meu ver, não residia

em não ser correspondida,

mas em ver aquele a quem

amava a dedicar amor a outra pessoa. Fanny sofria por ver

Edmund amar Mary. Fanny

sofria porque Mary

representava tudo aquilo que

ela não era e nunca iria ser.

Mas, sobretudo, Fanny sofria porque desde que o primo

conheceu Mary

Crawford, ele

deixou de ser

quem sempre foi e passou a ter

atitudes que

anteriormente ele

próprio

recriminava.

Fanny, de alma e de coração

constantes, feria-se

a cada capitulação

de Edmund. Via-o

cada vez mais longe

de si e mais perto de Mary.

22

Uma Quase Redenção

Por Cátia Pereira

ara quem leu ou viu algum filme

sobre Mansfield

Park conhece o

final. Fanny não

cede a Henry,

este por sua vez enfraquece e cai na tentação chamada

Maria. A ―desgraça‖ abate-se

sobre a família Bertram à

sombra do escândalo da

infidelidade. Mas, no fim, como em todas as histórias de

Jane Austen, tudo se resolve,

tudo se acalma e tudo se

compõe.

Fanny acaba por casar com

Edmund. Mas, permitam-me

expressar a minha opinião,

que proposta tão sem sal, tão

sem propósito e tão com

sabor a prémio de consolação. A mim, sempre me pareceu

que Edmund não teve

coragem de

assumir o seu

sentimento por

Mary Crawford nem antes nem

depois do

escândalo. E,

por ter de se

conformar de que não

poderia tê-la

lá se lembrou

das qualidades da

prima e lá constatou de que

até vinha a calhar pedi-la em casamento. Tenho de

confessar-vos de que não

gosto deste final.

Eu acreditei em Henry. Tenho pena que nem Fanny

nem Jane Austen tenham

acreditado. Penso que ele

reconheceu e identificou

todas as qualidades de Fanny: ele olhava-a e via uma

mulher, uma grande mulher;

enquanto o primo só sabia

ver a prima que tinha

paciência para lhe ouvir.

Henry lutou, persistiu, pediu-a em casamento, declarou-se,

procurava realmente ouvi-la,

entendê-la e, sobretudo, por

causa dela, procurou mudar

de atitudes. Ele procurou a redenção. Ele falhou, é

verdade. A dada altura, ele

desistiu. Mas para um espírito

inconstante e cônscio das

suas falhas, Henry procurou

ser merecedor e mostrou que

poderia ser. Fanny foi impiedosa. A dada altura,

pareceu-me que ela quase

que acreditava, quase que se

deixava levar, quase que

correspondia… Um pouco mais e talvez Henry

alcançasse o coração de

Fanny. A persistência

abandonou-o pelo caminho.

E sobre o desenlace, todos

sabemos.

Assumo que, nesta obra de

Jane Austen, o meu coração foi capturado pelo ―canalha‖.

Prefiro Henry - um pecador

assumido, que se mostra

disponível para a redenção -

do que Edmund - um virtuoso superficial, que

diante da provação cai com

demasiada facilidade e cujos

actos contradizem as

palavras. Talvez ambos

tenham sido reféns dos seus próprios sentimentos e

constataram que é o viver a

vida que comprova a validade

das nossas convicções.

Fanny ganha a pessoa com

quem sempre sonhou. A meu

ver, sai perdedora.

P

« Eu acreditei em Henry. Tenho pena que nem Fanny nem Jane Austen tenham acreditado»

23

Edmund Bertram

Por Marina Nunes

dmund Bertram é o AMIGO

de Fanny... Os heróis desta história são primos e acima de

tudo amigos do inicio ao fim

da obra. Edmund fez sempre

com que Fanny se sentisse

bem. Sempre viu na prima

uma pessoa digna do seu carinho e amizade e uma conselheira sensata a quem recorria

frequentemente. Como Jane

Austen descreve na

obra, quando

chegou ao seio daquela família

que não era a sua,

com Edmund "... sentia que tinha um amigo e a bondade do primo Edmund fazia com que ela se mostrasse mais alegre." Mas

apesar de ele ser o seu

fiel amigo e sempre a

ter defendido, Edmund teve o seu

período de fraqueza...

principalmente quando

se deixou "enfeitiçar" pela beleza de

Mary Crawford.

Apesar de Mary não ser uma Mulher como ele

merecia, ele "deixou-se levar" pela sua beleza e

quis acreditar que ela era a Mulher da sua vida.

Considero que Edmund teve momentos de

profunda fraqueza em relação a Mary Crawford:

"Edmund não gostou da forma como Mary Crawford se referia ao seu tio. Aquela maneira desrespeitosa não se coadunava com o seu carácter.". Esta é apenas uma das passagens em

que Mary mostra o que é na realidade mas ele

sempre se deixou levar... pela beleza dela... No

seguimento da passagem anterior Jane Austen

escreve: "Ficou portanto calado, até que novos sorrisos o fizeram esquecer o caso." Edmund não é o Herói

que aprecio... Talvez

seja dos heróis

românticos mais

"humanos" (porque

é muito imperfeito) mas é um herói

"apagado". Mesmo

quando defende

Fanny ele não é

"violento", não

no sentido de violência física, mas sim no

sentido de a defender com "unhas e

dentes", lutando. O que ele dizia era sua opinião

e a ninguém ele a impunha. Ele sempre esteve

do lado de Fanny, sempre criticou mas nunca enfrentou ninguém. No final ele rende-se a

Fanny mas mesmo essa rendição é "natural".

Não tem uma declaração de amor forte e

decidida... apenas a certeza de que Fanny é A

Mulher para ele...

E

«Talvez seja dos heróis românticos mais "humanos" (porque é muito imperfeito) mas é um herói "apagado"»

24

Tom Bertram, O Filho Herdeiro

Por Clara Ferreira

om Bertram é

o herdeiro, o filho mais

velho da

família

Bertram. Creio

que é através dele que o não

abordado tema da escravatura, ganha feição. Ele

sofre dos mesmo defeitos que

as irmãs, mimado, teimoso,

orgulhoso... no entanto, ele

também é um rebelde.

Leva uma vida boémia, de

luxo e de gastos exorbitantes,

enquanto avançamos na obra

estamos quase sempre, frente a frente com a sua constante

ausência

enquanto

explora os

prazeres da

vida.

Esta sua

conduta é

condenável.

Assim como

a insistência em fazer uma

peça de teatro em casa, uma história repleta de adultério e

maus costumes, falamos de

Lover's Vows. Tom Bertram

rebela-se contra o pai

aquando da ida de ambos

para Antigua, regressa e volta doente e abandonado pelos

companheiros, é Yates que o

trás de volta a casa. Como já

aqui escrevi, é este facto que

o vai transformar. Pela sua doença, Tom aprende a lição

e ganha sensatez!

Imagino-o sempre como o

"filho pródigo" que esbanja todo o dinheiro do pai, vive

uma vida de luxo e

extravagância, regressa depois

a casa, arrependido, abandonado por todos os que

julgou seus amigos, de volta

aos braços do pai que o

recebe e recolhe como se ele

sempre lá estivesse estado. A

relação de Sir Thomas e Tom Bertram fazem-me sempre

lembrar este exemplo, daí

que eu tenha Sir Thomas em

tão alta conta, também

porque Sir Thomas me faz lembrar muitas vezes o meu

pai e Tom Bertram, o meu

irmão.

T

« Imagino-o sempre como o "filho pródigo"»

25

ExplorandoTom Bertram

Por Clara Ferreira

Na Relação com o Pai

om Bertram

está longe de

possuir o bom

senso do

irmão

mais novo. Enquanto

filho mais velho

beneficiou sempre dessas prerrogativas e

utilizou-as para proveito

próprio, na maior das

irresponsabilidades.

Tom Bertram é, acima de

tudo, um irresponsável.

Nas adaptações surge um

pouco como o "filho rebelde",

porém, não diria que essa característica seja a mais

enfatizada na obra. Na versão

de 1999 há fortes discussões

com Sir Thomas Bertram

que aumentam essa ideia. Já

no romance, vem mais ao de cima, não a sua rebeldia, mas

a sua inconsciência, egoísmo,

irresponsabilidade e

desprendimento.

A relação com o pai está longe de ser a ideal.

Enquanto leitores, sentimos

divergências entre ambos e

uma certa desilusão por parte

de Sir Thomas que, apesar de tudo, nunca desiste do filho,

embora não o mostre

claramente. Mais uma vez,

dou os parabéns às

adaptações como a de 1999

ou mesmo a de 2007 que aproveitam a doença de Tom

para sanar todos os mal

entendidos e nos mostram

um Tom arrependido e um

Sir Thomas amável. Como no romance esta parte da

história é dada a conhecer

ao leitor através de cartas

escritas a Fanny, estamos,

como ela, a imaginar toda a

amargura da situação e nunca a vivê-la

verdadeiramente, nas

adaptações isso não

acontece pois, tal como

Fanny, somos transportados

para a acção.

Já aqui escrevi e volto a repetir, na relação Tom/Sir

Thomas, vem-me sempre à

mente a história do filho

pródigo e por isso, nada mais

posso fazer do que perdoar a Tom todas as "estroinices".

T

«Gosto de acreditar que Tom teve o seu final feliz »

26

Na Relação com Fanny

"de Tom não tinha Fanny de que se queixar, a não ser

quando se dava a brincadeiras

que um rapaz de dezassete

anos julga admissíveis com

uma rapariga de dez. Estava

agora a entrar na vida, cheio de espírito, com todas as

prerrogativas de um filho

mais velho, que pensa que só

nasceu para gozar e gastar

dinheiro. A sua amabilidade

para a primita ressentia-se disso: dava-lhe bonitas

prendas, mas ria-se dela."

Tom Bertram aparece poucas vezes

na

obra e ainda menos em

diálogos com Fanny o que

não facilita a tarefa. Tom tem

mais sete anos que a prima. Percebemos que não lhe dá

grande importância, mas

também não o podemos

julgar severamente.

Ao contrário da obra, as

adaptações de 1999

(especialmente) e a de 2007

colocam Fanny no centro da

acção aquando da doença de

Tom. Isto não sucede no romance, onde Fanny

acompanha a doença do

primo por cartas enviadas

para Portsmouth. Sou

favorável a essa alteração feita

por ambas as adaptações

porque, ao mesmo tempo que

mostram a dedicação de Fanny, mostram também a

gratidão de Tom para com a

prima - e isso enternece-me

"enormemente".

Não podemos afirmar que

Tom seja um grande amigo

de Fanny. No entanto, como

já aqui

disse,

acho simpática

a solução

dada

pelas

adaptações em relação

à prévia indiferença de Tom para com Fanny. Acredito

que ele se redimiu e soube

dar o devido valor à prima.

Na Relação com Mary

"Ainda a

rapariga

não tinha chegado e

já pensava

num bom

casamento

para ela:

Tom Bertram.

(...) O casamento era o seu

fim, desde que pudesse casar

bem. Vira uma vez o Sr. Bertram na cidade, e não

podia pôr-lhe objecções"

Lembramo-nos claramente,

se não for pelo livro, pelo

menos pelas adaptações que,

quando os Crawford nos são

apresentados, está "destinado" a que Henry

fique com Julia Bertram e

Mary com Tom Bertram.

Porém, a história confunde

todos os pressupostos e chegamos a um final que

todas conhecemos ou iremos

conhecer!

"Ela [Mary Crawford]

confessava que os dois irmãos

Bertrams eram rapazes muito

simpáticos (...) Tinham boas maneiras, sobretudo o mais

velho. Ele estivera já muitas

vezes em Londres, e era mais

vivo e galanteador que

Edmund. (...) Realmente,

Tom Bertram agradava-lhe muito. Era um daqueles

rapazes de que toda a gente

gosta. Tinha maneiras finas,

sempre boa disposição, e era

muito conversador; tornava-se mais simpático do que os

outros com qualidades mais

recomendáveis; e a herança

27

do Parque de Mansfield e o

título de barão não

prejudicavam nada."

Nas adaptações da obra não é dado grande enfoque à

relação entre Tom Bertram e

Mary Crawford, passam

rapidamente para a dupla

Mary/Edmund. Mas isso não

se passa no livro. Inicialmente, Mary está

convicta de que irá gostar

mais de Tom Bertram, por

ser este o indicado pela irmã -

Mrs. Grant - e por ser ele o herdeiro. Os seus planos

saem frustrados, Tom

Bertram, embora agradável,

não mostra interesse nela,

vive egoisticamente para seu

próprio prazer e não passa disso, de uma companhia

simpática e

agradável

de quem,

ao fim de

contas, não se

deve

esperar

nada.

"e no fim de

Agosto chegou ele

próprio [Tom

Bertram], para

se divertir, ser

gentil e galante

quando a ocasião o proporcionava ou

Maria Crawford o exigia.

Falou das corridas de cavalos

em Weymouth, das reuniões

e dos amigos, coisas que ela teria ouvido com algum

interesse seis semanas antes, e

agora apenas lhe serviam para

, por comparação, marcar a sua preferência por Edmund

(...) A sua ausência tão

prolongada de Mansfield,

sem outro objectivo que não

fosse o de divertir-se e fazer o

que queria, mostrou-lhe que ele não lhe ligava

importância"

Não sei se Tom Bertram

alguma vez teve consciência

da intenção de Mary

Crawford nas poucas cenas iniciais do livro em que essa

porta está aberta. Acredito

que não. Ele parece

demasiado desprendido, até

da Paixão. É certo que Tom

não se

apaixona por Mary

(tão disposta a isso) por

necessitar tanto de viver para

seu bel-prazer e porque, tal como Narciso, vive

apaixonado por si mesmo.

Todavia, sobe um degrau na

minha consideração porque,

ao contrário do irmão (tão íntegro e sensato) não se

deixa influenciar por uma

cara bonita - o único, ou pelo

menos o mais importante

atractivo em Mary, que leva

Edmund a apaixonar-se, por muito que ele procure,

incongruentemente, justificar

a sua paixão por ela com

outros predicados e que

Fanny sabe tão

inteligentemente dilacerar embora nunca aponte um

dedo ao primo.

Para concluir, gosto de

acreditar que Tom teve o seu

final feliz. Se algum dia

escrevesse um livro baseado na obra de

Jane Austen, seria

certamente sobre Tom

Bertram, é um

personagem pelo qual

tenho uma forte empatia. Embora no

início tudo indique

uma versão mais

elaborada de John

Willoughby, no final, regenera-se e

acorda para a

realidade.

Chamem-me

romântica, mas

acredito que Tom, naquelas

páginas em branco que Jane

Austen não escreveu,

encontrou o amor da sua

vida.

28

Henry Crawford

Por Cátia Pereira

sta é a

caracterização

física curiosa

sobre um suposto galã

num livro. Henry Crawford

é-nos indicado como alguém

que, à primeira vista, é

absolutamente desinteressante e sem graça.

Chama a atenção que seja

dito que ―seus dentes eram

tão agradáveis‖ o que,

desperta o

pensamento de que Henry seria

sorridente e um

bom conversador.

Eu diria que o

ponto forte em Henry Crawford

seria o charme. Um

homem que se revela

no relacionamento e

na própria linguagem

corporal. Alguém que envolve com palavras e

gestos.

- o sedutor -

Henry Crawford não era,

portanto, bonito. Tinha

boa aparência e sabia usar

das palavras. É através da voz de sua irmã Mary

Crawford que vemos uma

descrição da sua

personalidade:

―– Minha cara irmã – disse Mary – se você conseguir persuadi-lo a tal coisa, será para mim um grande prazer encontrar uma aliada de tanto

valor e só sinto que você não tenha pelo menos meia dúzia de filhas

para dispor. Se quiser que Henry se case, tem que procurar uma francesa. Tudo o que a habilidade inglesa poderia fazer já foi tentado. Eu mesma tenho três amigas, cada qual mais louca por ele; e os trabalhos por que elas, suas mães (por sinal muito sabidas), minha querida

mana e eu mesma temos passado para fazê-lo reflectir sobre o assunto, e induzi-lo ao casamento, você nem imagina! É o maior namorador que se pode imaginar. Se as senhoritas não querem sofrer uma decepção é melhor que o evitem.‖

Um conquistador,

um namorador, um

galanteador – eis

como Henry

Crawford é-nos apresentado. E

também é assim

que ele

demonstra ser

ao longo da

história. Encontro na raiz desta sua

característica de conquistador

um factor que se torna

evidente: a inconstância.

E

«Sabemos que ele não era bonito mas que tinha boa aparência. Mostrou-se ser um conquistador e um “bon vivant”. »

29

Henry é dono do seu destino

e pensa ser dono de suas

vontades. A verdade é outra: a sua vontade é facilmente

modelada. Inconstante.

Extremamente inconstante.

Ele vai com a sua irmã Mary

Crawford até Mansfield Park

apenas com o intuito de a acompanhar e acaba por

mudar de ideias ao saber das

irmãs Bertram. Elas não

representam somente o

desafio da conquista –

porque não chegam a ser

realmente

um desafio

já que

caem tão

facilmente

na sua rede –

, representam

sobretudo um divertimento. A

conquista é um

divertimento e o

divertimento o impede de

sentir-se entediado. O prazer

e o divertimento serial o antídoto contra o tédio. Disto

tudo deriva a sua inclinação

para a inconstância.

―Infelizmente Henry Crawford tinha verdadeiro horror por qualquer ideia de residência permanente ou

prescrição de sociedade‖

Conquistar a irmãs Bertram

foi extremamente fácil.

Bastaram três encontros sociais.

―Nunca Miss Crawford vira admiração igual à das Misses Bertram por Henry.‖

O que poderia até ter gerado

um certo desinteresse em

Henry de tão fácil que foi a

dupla conquista. O

divertimento residiu no facto de ter gerado entre as irmãs

Maria e Júlia uma disputa e

uma dualidade. Quem seria a

primeira a conseguir

conquistar as atenções de

Henry. Quem Henry escolheria? Henry deliciava-

se e divertia-se com esta

disputa. Ao mesmo tempo,

era aliciante enredar Maria –

uma jovem noiva e comprometida – numa série

de galanterias que a levaram

ter uma postura duvidosa.

―Sim, e por isso mesmo mais a aprecio. Uma mulher comprometida é sempre mais agradável do que outra que não o seja. Está contente consigo mesma. Não tem mais preocupações, sente que pode exercer todos os seus poderes de sedução sem

causar suspeitas. Uma senhora

comprometida está fora de

perigo; nenhum se lhe pode fazer.‖

Henry

assemelha-

se a um canalha.

Alguém que

não se preocupa

com os sentimentos

dos outros e com os

estragos que poderia estar a fazer na vida de duas jovens.

Quantos mais estragos poderá

ter feito antes de chegar a

Mansfield Park? Quantas

jovens terá atingido com a sua fala mansa e jogos de

sedução?

- cegueira -

Sabemos que ele não era

bonito mas que tinha boa aparência. Mostrou-se ser um

conquistador e um ―bon

30

vivant‖. Um namorador.

Alguém que se divertia a

exercer a arte da sedução e manipular os sentimentos.

Todas estas características

chegam aos nossos olhos

através de palavras, acções e

descrições.

Henry, pobre Henry… ele

ainda não sabia. Ele ainda não sabia que o seu caminho

havia de chegar a um ponto

de paragem, a um momento

de tomada de consciência.

Ele não sabia que a sua vida despreocupada e vazia havia

de lhe pesar bem mais do

poderia imaginar. Nada o

impressionava e nada o

prendia.

Ele era cego e não sabia.

- ele era cego mas passou a ver –

Ela sempre esteve ali ao

alcance de sua vista mas

nunca lhe havia dado a

devida atenção. Fanny, a

discreta Fanny. A parente pobre. A jovem tímida e

silenciosa. A única mulher

que se atreveu a não lhe

conceder a atenção que ele

julgava ser merecedor. A única que demonstrou não

encontrar o menor interesse

na sua pessoa.

―Eu mesmo ainda não sei bem o que vou fazer de Miss Fanny. Não a compreendo. Não poderia dizer o que ela pretendia ontem à noite. Que temperamento tem ela? Será solene? Será esquisita? Será afectada? Por que teria se retraído e olhado para mim com um ar tão sério? Mal pude arrancar-lhe algumas palavras. Nunca estive tanto tempo em companhia de uma jovem, procurando entretê-la, que fosse tão mal sucedido! Nunca encontrei alguém que me olhasse com tanta severidade! Preciso tirar o melhor partido disto. O olhar dela me diz: ―Não hei-de gostar de si e estou decidida a não gostar‖; e eu digo que ela gostará.‖

Henry não podia acreditar que Fanny não lhe caísse nas

graças quando as suas duas

primas – Maria e Julia –

perderam-se de amor por ele.

Ele não podia conceber que isso fosse possível e afirmou

para si próprio que havia de

conquistar Fanny. Havia de

empenhar toda a sua arte de

lisonja e de sedução para

cumprir a missão de juntar Fanny Price à sua lista de

conquistas.

Afinal quem Fanny Price

julgava que era para

menosprezar Henry Crawford?

Fanny Price é o nome que

lhe trespassa os lábios como

uma entrada directa para uma outra dimensão. Para

um andar acima, um passo

no desconhecido. Henry

Crawford passou a ver tão

distintamente e tão

claramente que chegava a ser ofuscado. Nasceu-lhe um

sentimento para o qual não

estava preparado e nem

sequer sabia encontrar-lhe

definição. Se o ponto de partida foi a concretização de

um capricho e o sanar de um

orgulho ferido, agora Fanny

tomou-lhe totalmente os

pensamentos e o coração.

―Era um quadro que Henry Crawford não poderia deixar de apreciar. Os atractivos de Fanny aumentavam — aumentavam duplamente; pois a sensibilidade que embelezava a sua pele e iluminava o seu rosto já era em si um atractivo. Ele já não tinha dúvidas sobre as capacidades do coração dela. Ela tinha sentimento, genuíno sentimento. Seria alguma coisa ser amado por uma criatura, despertar os primeiros ardores daquela jovem e pura consciência! Estava mais interessado por ela do que havia previsto.‖

31

Lady Bertram e Mrs. Norris – As Irmãs

Por Paula Freire

um facto provado não haver no mundo tantos homens ricos

como mulheres

bonitas que os mereçam."

Jane Austen in "O Parque de Mansfield"

Lady Bertram, Mrs Norris e

Mrs Price são três irmãs que opondo-se umas às outras

são, em elevado grau,

também muito semelhantes

entre si. Mrs Norris e Mrs

Price, a mais velha e a mais

nova, respectivamente, conjugam, no início da

narrativa, na frontalidade que

caracteriza as suas

personalidades explosivas. Já

Lady Bertram, a do meio, se parece mais com Mrs Price

na indolência, desorganização

e negligência no que aos

assuntos domésticos diz

respeito. Esta é, contudo,

uma percepção que temos já quase no final da narrativa

uma vez que inicialmente

Mrs Price é caracterizada

com atrás foi dito.

Jane Austen escreve que

"Lady Bertram, a irmã do meio, Maria Ward, de Huntingdon, em solteira, tinha apenas sete mil libras de rendimento. A sorte, porém, favoreceu-a, pois os seus encantos seduziram Sir Tomás Bertram, do Parque de Mansfield, no condado de Northampton. E Maria Ward foi assim elevada à categoria de esposa de um barão, passando a gozar de um conforto e a consideração que concedem os bons rendimentos de uma casa rica." Descreve-a ainda como

sendo "senhora de génio pacífico, temperamento conciliador e indolente".

Ao longo da narrativa

deparamo-nos com uma personagem que em vez de

assumir um papel de

destaque em sua casa, o

Parque de Mansfield, se

apaga a favor da irmã, Mrs

Norris, que tudo controla. Tal aspecto é evidenciado

aquando

da ausência de Sir Tomás

Bertram.

Por outro lado, existe a

dependência crónica e aguda

de Lady Bertram em relação

à sobrinha Fanny Price. Não

passa sem os seus préstimos

um instante que seja, usando-a quase como escrava de

serviço a tempo inteiro.

Depois de Fanny será Susan

a servi-la confirmando o seu

egoísmo e a sua insegurança.

No despoletar das crises que

assolam o Parque de

É

« Mrs Norris, é um vulcão que transborda problemas»

32

Mansfield, Lady Bertram

praticamente desaparece.

Poder-se-ia pensar, à medida que a estória evolui, e

adivinhando todas as

situações, que a mulher de

Sir Tomás Bertram se iria

revelar como sendo uma

pessoa forte capaz de apoiar o marido e os filhos. Mas o

contrário sucede como que

martelando majestosamente a

sua personalidade

inicialmente apresentada de

forma a vincá-la ainda com mais precisão. Se Sir Tomás

Bertram se encantou com a

sua beleza, mais tarde ter-se-á

arrependido por ter escolhido

uma mulher tão submissa e apagada. Esta ao invés de ser

um sopro de ar fresco e uma

muralha de apoio na vido do

marido é apenas mais um

peso e mais uma

preocupação. É sem dúvida alguma a personagem menos

interessante de toda a

narrativa.

Já Mrs Norris, é um vulcão

que transborda problemas.

Mulher de Mr. Norris, seu segundo marido em virtude

do falecimento do primeiro,

um reverendo de pouca

fortuna conhecido de seu

cunhado. Talvez porque não

tivesse as mesmas condições que a irmã que a sucedia, esta

era mais metódica na

governação da casa, não

sendo perdulária, a ponto de

avançar sempre com

sugestões que depois de aceites deixava ao encargo de

seu cunhado. Tudo o que

incluísse despesas e

aborrecimentos ou

preocupações era dirigido com veleidade para o barão

do Parque de Mansfield.

Por outro lado, era fútil e oca

na avaliação dos demais, chegando a ser cruel pelo

pequeno prazer que tal lhe

concedia, principalmente

com Fanny Price. Adulava as

outras sobrinhas,

principalmente Mary, a sua favorita, a ponto de as

estragar com ideias tolas e

ocas que mais tarde se

reflectem nos seus

comportamentos e na forma desastrosa

como guiarão as suas

vidas. Não obstante,

Mrs Norris fica ao

lado de Mary,

tomando então consciência dos seus

actos e da sua

influência sobre a

sobrinha.

"Estava completamente

mudada: sossegada,

inconsciente, indiferente a

tudo quanto se passava. Já

não se importava de ficar sozinha com a irmã e o

sobrinho, a cuidar da casa.

Sentia-se incapaz de dirigir e

de dar ordens, ou até mesmo

de se imaginar útil. Quando

estava realmente aflita, a sua actividade entorpecia-se, e

nem Lady Bertram nem

Tom tinham recebido dela o

menor auxílio." Mas a sua

mudança é passageira, já que

a sua crueldade se volta imediatamente a manifestar

aquando do retorno de Fanny

ao Parque de Mansfield.

Escreve a autora que "Mrs

Norris em vez de se sentir consolada com a chegada

deles (Edmundo, Fanny e

Susana), ficou ainda mais

irritada ao ver a pessoa que,

na cegueira da sua ira, ela

considerava como um demónio": Fanny Price.

"Susana era também uma

afronta. Apenas lhe lançou

alguns olhares repulsivos, e

viu logo nela uma espia, uma intrusa, uma sobrinha

indiferente, e muitas outras

coisas odiosas."

Em suma, a passividade excessiva de Lady Bertram

contribuiu e reforçou a má

influência de Mrs Norris, cuja

personalidade não se

caracterizava pela

amabilidade, civilidade, empatia, justiça e

responsabilidade. Tivesse

Lady Bertram assumido o

seu papel e muitas desgraças

cairiam longe do Parque de Mansfield.

33

Maria Bertram

Por Liliana Isabel

aria

Bertram é uma das

personagen

s de Jane

Austen que

menos gosto. Se o seu marido

Rushworth é uma pessoa em qualquer conteúdo, Maria é

uma pessoa com conteúdo a

mais... Fútil e interesseira.

Faz-me lembrar assim como

a sua irmã, as irmãs da gata borralheira. Trata mal Fanny

porque sempre se sentiu

superior a essa. No entanto e

como é possível avaliarmos

Fanny não é em nenhum

aspecto inferior a Maria, muito pelo contrário. Maria é

uma mulher bela que acha

que consegue tudo apenas

pelos poderes do seu belo

"palmo de cara". O que fez a

Mr Rusworth é imperdoável mas no fim ela teve o que

merece. Divorciada, ela

espera pelo pedido de

casamento que sempre quis

ouvir de Mr Crawford. Esse nunca veio. No final e apesar

da vergonha pelo qual

Rusworth passou, compensa

saber que a menina Maria

não acabou nada bem. Se não

fosse a compaixão da sua tia,

Maria estaria

verdadeiramente condenada.

Eu penso no entanto que esta personagem, tal como outros

membros da família Bertram

são muito apagados e a

reacção do pai da Maria

quando soube o que a sua

filha fez faz-nos pensar isso

mesmo. Ela fazia-se passar extremamente bem, por

alguém que não era. Mesmo

dentro da sua própria família,

ela era uma actriz, uma

personagem.

M

«Faz-me lembrar assim como a sua irmã, as irmãs da gata borralheira.»

34

Julia Bertram

Por Clara Ferreira

ulia Bertram é a

segunda filha e a mais nova das

quatro crianças

Bertram. Julia tem

melhor

temperamento que

a irmã, o seu carácter é mais

controlável e não tem tanto

falso orgulho como a irmã.

Jane Austen não é tão severa com ela como é com a irmã

Maria, embora ambas sigam

caminhos semelhantes, no

entanto, à última da hora,

Jane Austen está disposta a

resgatar Julia, depois da sua

louca escapadela com Mr.

Yates (o que não faz com

Maria, que vai viver retirada com a sua tia Norris, uma

condenação insuportável,

diria eu!).

Tom, Maria, Edmund e Julia, sofreram da grande

ausência do seu pai e da

presença indiferente da

mãe. Em relação a Maria

e Julia, elas não têm nenhum modelo,

nenhum exemplo de

valores e princípios

vindos de uma figura

feminina - a mãe é

indiferente à sua educação, a única

presença que têm é a de uma

tia (Mrs. Norris) que, na

minha opinião, as influencia

negativamente, atribuindo-

lhes uma importância exagerada e

desproporcionada. O pai, Sir

Thomas, é um homem

íntegro, uma personagem que

respeito muito e que

desculpo pela negligência com que tratou a educação

das filhas, acima de tudo, pelo

não acompanhamento e total

desconhecimento de "quem

são, realmente, as suas filhas", ele depositou toda essa tarefa

nas mãos da instrução formal.

Maria e Julia tiveram

professores - no início de O

Parque de Mansfield, elas

gabam-se e gozam com a

J

«Jane Austen não é tão severa com ela como é com a irmã Maria, embora ambas sigam caminhos semelhantes, no entanto, à última da hora, Jane Austen está disposta a resgatar Julia»

35

prima Fanny por ela não

saber localizar determinado

país no mapa, pois nunca teve Geografia - mas faltou-lhes

algo essencial: uma base de

princípios, valore, no fundo,

uma educação moral e de

consciência.

Julia vive na sombra da irmã,

igualmente mimada, tem

várias alturas de amuos e

birras - lembro-me da cena

do Lovers Vows onde ela não consegue o papel desejado e

por isso desiste. Maria e Julia

estão, durante um período do

enredo, em permanente

disputa, tudo por causa de Mr. Crawford. Julia acaba por

desistir - talvez por isso Jane

Austen não seja tão dura com

ela e lhe dê uma segunda

oportunidade no fim do

romance. Porque é que Austen não penaliza tão

gravemente Julia?

―O facto de Julia ter tido

melhor sorte que Maria, era devido, em grande parte, a

uma favorável diferença de

disposição e circunstâncias;

porém era também devido a ter sido menos querida da tia,

menos adulada e menos

estragada. Sua beleza e

prendas só lhe tinham valido

um segundo lugar. Ela

própria já se acostumara a considerar-se um pouco

inferior a Maria. Entre as

duas, o seu temperamento era

naturalmente melhor; seus

sentimentos embora vivazes,

eram mais controláveis e a educação que recebera não

lhe dera uma tão alta ideia de

si mesma.

Recebera muito melhor o

desapontamento que lhe

causara Henry Crawford.

Depois da primeira amargura

e ao convencer-se de que fora

tratada levianamente, conseguira pensar noutras

coisas e esquecê-lo; e quando

o convívio se reatou e a casa

de Mr. Rushworth passou a

ser frequentada

constantemente por

Crawford, ela teve o mérito

de se afastar dele (...) Por essa

razão fora para casa dos primos. O entendimento com

Mr. Yates não tivera nada em

comum com isso; ela vinha,

há já algum tempo, a receber

atenções vindas dele, porém,

com pouca ideia de o aceitar, a conduta da irmã precipitara

os factos e o seu crescente

terror pelo pai e pelo regresso

a casa, em tais circunstâncias,

fê-la imaginar que as

imediatas consequências do acontecido seriam um

aumento da severidade e das

restrições; por isso, procurou

de qualquer modo e a

qualquer risco evitar tais terrores que a ameaçavam; se

não fosse isso, provavelmente

Mr, Yates nunca teria obtido

nada. Ela não fugira senão

alarmada pelo próprio

egoísmo: a fuga parecera-lhe a única solução. O crime de

Maria provocara a loucura de

Julia.‖

36

Mr. Rushworth

Por Liliana Isabel

m homem

com aquilo que se pode

definir como

tendo uma

extrema falta

de personalidade. Um

homem que se deixa usar e é uma peça de peão num jogo.

Deixa que o usem e que

abusem dos seus sentimentos.

Maria Bertram casa com ele

apenas e somente pela sua fortuna. Para mim é uma

personagem que se pode

consideram idiota, talvez a

espécie de idiota

comparado

com Mr

Collins de Orgulho e

Preconceito.

Rushworth é

um homem

que não tem

nada que chame a

atenção para

além da sua

riqueza, é um

homem sem conteúdo e sem charme e

inteligência. No entanto a sua

estupidez e idiotices é motivo

de alguns momentos bastante

engraçados. Por vezes

também é bom rirmo-nos com a parvoíce alheia e com

Rushworth esses momentos

estão à partida garantidos.

Jane Austen mostra-nos com

esta personagem que nem

sempre o dinheiro é sinónimo de inteligência e

sentido de oportunidade

no que diz respeito ao

seu papel social.

Dinheiro vs Educação. Uma batalha

constante em Mr

Rushworth.

Rushworth torna-se

então uma

personagem que pouco ou

nada comunica, apenas

porque não sabe como. É

uma personagem socialmente

embaraçosa. Isso aplica-se

principalmente na parte em

que ele desconfia do que se passa entre Maria e Henry

mas não sabe como reagir e

muito menos agir, passando

assim para um casamento

infeliz e sem futuro. Sendo

uma personagem tão sem conteúdo e que não vai mais

para além de tudo o que falei,

torna-se difícil falar sobre ela

e sobre a tua potencial

importância na obra

U

«É uma personagem socialmente embaraçosa»

37

Do Parque de Mansfield Para Sensibilidade

e Bom Senso

Por Fátima Velez de Castro

m

dos

temas que mais me chamou a

atenção nesta

obra foi a

história de

amor e fortuna

de Edmund Bertram e Mary Crawford. Um casal jovem que despertou interesse mútuo em

ambas as partes, com um evidente entusiasmo

pela outra pessoa. Porém, nesta história de amor

há uma contingência: a fortuna. Mary age como

uma autêntica agiota, desprezando a profissão de Edmund – clérigo – não tanto por uma

questão religiosa, mas antes pelo ―desprestígio‖

de status perante a mais alta sociedade e,

sobretudo, e pelos (relativos) parcos

rendimentos anuais.

Podemos pensar que se tratam das reflexões de

uma tola e inexperiente rapariga. Mas será que,

pelo facto de ter assistido à trágica história de

Mary Bertram, só por si não devia ter aprendido

que a busca de fortuna sem amor é o caminho para a infelicidade? É numa das cenas finais, em

que ela assume que aprovaria uma traição

relacional, em prol da manutenção das

aparências maritais (e da fortuna!), que se

conhece de facto o carácter desta jovem.

Edmund fica devastado, tal como Marianne, de

―Sensibilidade e Bom Senso‖, onde esta história se repete. Também Willoughby troca o amor e

a felicidade pela fortuna e se

desgraça.

Num paralelo entre Willoughby e Mary

Crawford, perguntamos: será que eles realmente

amaram, ou se amam só e apenas a si próprios?

Marianne responde, citando o poeta ―Amor não é amor se esmorece perante a distância, se verga perante a tempestade…‖

U

« Mary age como uma autêntica agiota »

38

uerida Jane,

venho hoje

escrever-lhe

uma carta

com o intuito de lhe tentar

explicar, de

forma sucinta e clara, porque

razão existem tantas

opiniões contraditórias

em relação a uma das suas obras, Mansfield Park.

Fanny, a

personagem principal é, muito provavelmente,

uma das suas

personagens mais

peculiares (senão a mais

peculiar de todas,

atrevo-me a dizer): extremamente calada e

tímida, Fanny Price

não diz muito aquilo

que pensa.

O próprio facto

de lhe pedirem uma opinião deixa-a nervosa

o suficiente para ficar

doente. E esta é uma das

razões pela qual uma grande

parte das pessoas não gosta de Mansfield Park: Fanny Price

é, para os nossos dias,

aborrecida.

No entanto, a verdade

é que mesmo ao lado de

críticas negativas estão as

críticas positivas.

E eu pertenço ao grupo destas últimas.

Ainda que esta não

seja a sua melhor obra,

querida Jane, e se bem que

Fanny não é em nada

semelhante a Lizzie de

Orgulho e Preconceito

(certamente uma das minhas

personagens favoritas de todos os tempos), não deixa

de ser uma personagem

extremamente interessante:

guarda as suas ideias,

maioritariamente, para si e, as

poucas que partilha, fá-lo

apenas com o seu primo Edmund, por quem está

apaixonada desde criança.

Mesmo assim, Fanny

Price é uma observadora

altamente astuta,

conseguindo descobrir o carácter daqueles que a

rodeiam antes de

qualquer outro

conseguir sequer

perceber o significado de algumas acções

levadas a cabo pelos

mesmos.

E se, para nós,

cara Jane, não nos passa

pela cabeça ver tantas atrocidades e ficarmos

caladas, Fanny prefere

tentar dissuadir os

outros de agirem de

forma errada ou, maioritariamente, não se

liga em demasia a essas

mesmas pessoas - Fanny

Price sabe que não deve

esperar muito delas.

Mas isto, que para nós é insuficiente, acaba por se

revelar numa mais valia para

F. Price, que, no desfecho, é

enfim, compreendida e cujo

valor lhe é, merecidamente,

atribuído.

Q

39

E, devo acrescentar,

minha cara Jane, que Fanny não é uma personagem pela

qual nos devemos apaixonar

automaticamente. Na

verdade, só através de uma

leitura cuidada e atenciosa é

que conseguiremos compreender e gostar de

Fanny.

Atrevo-me a dizer que

essa é, precisamente, a razão

principal pela qual as

adaptações para filme que vi até hoje desta obra não são

muito boas: é difícil passar a

essência da Fanny para um

filme em menos de duas

horas e fazer

com que nos

apaixonemos por ela; a nossa

personagem

precisa de

tempo para nos

mostrar que a

sua moral é infalível e

indiscutível;

também os

vícios que

arruínam a

personalidade de muitas

outras

personagens

precisam de ser

analisadas minuciosament

e: por vezes, em

certas situações,

a sua conduta

não parece

gravosa, mas a verdade é que acabamos por

nos enganar.

Mas Fanny tem uma

natureza bastante humilde e uma auto-estima diminuta

em igual tamanho. Parece

impossível que alguém goste

de alguém assim sem que seja

minimamente semelhante.

Mas não é. Sabe, Jane, é que

muitos de nós precisaríamos

um pouco mais de

comedimento que nem a

nossa querida Fanny. Isso

seria essencial para que

conseguíssemos julgar

melhor as pessoas e as nossas

acções - acredite, há muitas acções do século XXI que são

a personificação do vício.

Além disso, F. Price é,

também, um modelo

exemplar da idealização de

perfeição do seu tempo. A bem dizer, a única coisa que

lhe falta (para além de uma

suposta falta de beleza que,

afinal, existe, apenas de

maneira mais simples) é um

qualquer talento socialmente reconhecido e admirado,

como a música ou a pintura.

E ainda que a nossa Fanny

não se interesse por isso, não

deixa de edificar o seu conhecimento através da

leitura, sendo a capacidade de

julgar os outros

correctamente, sem dúvida

alguma, o seu melhor talento,

a par da imutabilidade da sua (rigorosa) moral.

E, por isso mesmo,

minha cara Jane, Fanny

Price não será uma personagem para todos os

gostos, mas aqueles que

gostam dela são, certamente,

pessoas enriquecidas e

inspiradas a agir melhor.

Com os maiores

cumprimentos e até à

próxima carta,

40

ste artigo resultaria

extenso se

tentasse abarcar

todos os lugares

reais e fictícios que fazem parte da vida e da

obra de Jane Austen. Trata-se

de uma matéria interessante

para ser analisada com mais

cuidado. Assim, a análise

incidirá a apenas sobre os locais reais mais importantes

da vida de Jane e os

principais contidos na sua

obra.

Jane Austen nasceu em

Steventon, no condado de

Hampshire, em 1775. Anos

mais tarde, por força de

obrigações de seu pai,

mudou-se para Bath, lugar que detestava e que teve

grande impacto na sua

produção literária na medida

em que esta esteve

praticamente parada no período que lá esteve. Mas é

Hampshire que passará os

últimos anos da sua vida e

onde viria a falecer em 1817.

Da sua obra fazem parte

lugares como Bath,

Porthsmouth, Lyme, Gretna

Green, Londres,

Sussex, Kent que

podemos facilmente

encontrar no mapa de Inglaterra. Já os lugares

específicos de cada obra são,

na sua grande maioria,

inventados ou

apenas

inspirados nalgum lugar

que tivesse

conhecido.

Podemos

dividir os

lugares reais

em dois

grupos: os

que Jane gostava e os

que ela não gostava. Entre os

primeiros encontramos o

Sussex, Hampshire,

Derbyshire. Entre os outros

encontram-se Bath, Porthsmouth, Lyme e

Londres.

É muito interessante

discorrer sobre

a sua obra e

verificar que

Jane transpõe

para ela o seu desagrado pelos

lugares

indicados.

Umas vezes fá-

lo de forma directa, outras de forma

súbtil.

Bath é mencionado várias

vezes na sua obra. Encontramo-lo em "Emma"

e em "Persuasão". No

primeiro, o seu desagrado é

manifestamente mostrado

através da sua heroína, Emma, que quando Mrs

Elton lhe sugere que leve seu

pai para Bath, aquela

argumenta que já lá

estiveram e que o pai não se

tinha dado bem e que, para além disso, eram pessoas

muito caseiras. Já em

"Persuasão" encontramos a

resistência de Anne em

querer ir para Bath,

preferindo ficar no campo. É nesta estância que Anne

E

1 - IgIgreja de Steventon

2 - Bath

41

reencontrará a sua amiga de

escola, Mrs Smith e que

descobrirá toda verdade acerca de seu primo. É

também aqui que Anne

presencia toda a disparatada

posição da sua família.

Lyme, é também visto como

um lugar pouco aptecível e

simpático. É em Lyme que o acidente de Louisa acontece.

Jane parace conferir a estes

lugares uma natural antipatia

direccionando para estes os

acontecimentos trágicos ou negativamente marcantes da

sua história. Veja-se Londres.

Esta cidade é mencionada em

vários livros de Jane. Em

"Orgulho e Preconceito", é

em Londres que Lydia e Wickham se escondem, o que

confere ao lugar uma ideia de

antro de maus

comportamentos. Em

"Sensibilidade e Bom Senso", é em Londres que Marianne

toma conhecimento do

verdadeiro caracter e posição

de Wiloughby

dando início a uma

espiral de sofrimento que

quase lhe causa a

morte. Já

em "O

Parque de

Mansfield",

Londres

aparace

como palco para a cena da fuga de

Mary com Henry.

Nesta obra,

Porthsmouth é

descrito como um lugar sujo, que

cheira mal e em que o sol não brilha, o que

mostra a grande aversão de

Jane pelos lugares citadinos.

Derbyshire, faz parte de

"Orgulho e Preconceito",

onde ficará a residência de

Darcy, Pemberley. É

apresentado como um lugar

cheio de maravilhas naturais e é aqui que a opinião de

Lizzie sobre Darcy sofre uma

grande viragem. O Sussex é o

condado em que a acção de

"Sensibilidade e Bom Senso"

tem início, sendo que

Derbyshire será a nova casa

da família Dashwood, onde

encontrarão novamente a harmonia e a felicidade.

Highbury, é a região onde

fica Hartfield, a propriedade

de Emma. São zonas rurais,

ligadas ao campo e à natureza, mais do agrado de

Jane Austen.

Pode concluir-se que o

realismo que caracteriza a obra de Jane Austen é tão

marcante ao ponto de esta

transpor para o papel, através

das suas heroínas, o seu gosto

pessoal pelo campo em

detrimento das cidades ou dos locais mais urbanizados.

O campo é o espelho da alma

de Jane Austen.

3 - Porthsmouth

4 - Lyme

5 - Londres

42

SABIAS QUE...

J.K. Rowling, autora do fabuloso mundo de Harry Potter, fez uma espécie de homenagem a Miss Austen nos seus livros - falo da gata de

Mr. Filch: ―Mrs. Norris‖ que patrulha os corredores do Castelo de

Hogwarts em busca de algum aluno fora da cama... tal como a tia

Mrs. Norris em Mansfield Park, sempre em cima da nossa Fanny Price, mal a deixando respirar.

43

Quem desejar ver o seu texto publicado na

Revista Jane Austen Portugal, basta enviar

um email para [email protected] com o

artigo até dia 30 de Maio de 2011 – mais

informações em www.wix.com/janeaustenpt/janeaustenportugal

O tema da próxima edição é:

Sensibilidade e Bom Senso

Colaboradores nesta Edição:

Adriana Zardini Catarina R.P. Cátia Pereira Clara Ferreira Fátima Velez de Castro Laura Silva Liliana Isabel Marina Nunes Paula Freire Vera Santos

Conteúdo original © Jane Austen Portugal