PORTUGAL NA BANCARROTA - CINCO SÉCULOS DE HISTÓRIA ...

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  • Ser que desta vez diferente?

    O anterior primeiro-ministro portugus chocou muita gente ao

    afirmar, num colquio em Paris, que a dvida pblica no para

    se pagar, para se gerir. Ao homem que levou o pas a um res-

    gate internacional, os portugueses no admitem este tipo de

    comentrios. Foram muitas as vozes que o atacaram de imedi-

    ato, considerando que estava a defender o no pagamento da

    dvida ao dizer que seria uma criancice pensar em pagar.

    A verdade que foi na segunda e no na primeira parte da frase

    que Jos Scrates borrou a pintura. Tal como as empresas, os

    Estados tm permanentemente dvida pblica que vo refinan-

    ciando com nova dvida. Uma rpida ronda pelas estatsticas do

    Fundo Monetrio Internacional mostra que, num conjunto de

    171 pases para os quais tem estatsticas, apenas um (o Brunei)

    no tinha dvida pblica em 2011. Todos os restantes tm, em-

    bora vrios com pesos no produto interno bruto inferiores a

    10%, como Om (4%), Estnia (5,9%), Arbia Saudita (7,1%)

    ou Kuwait (8,1%).

    Trata-se, na maior parte dos casos, de economias ligadas ao

    petrleo que tm enormes volumes de receitas e que, por isso,

    acabam por no necessitar de recorrer tanto ao endividamento.

    J as economias avanadas tm tradicionalmente dvidas supe-

    riores. A mais alta a japonesa que se situava em 233% do PIB

    no ano passado. Portugal tinha 106%.

    A parte realmente ofensiva das palavras de Scrates foi a se-

    gunda, aquela em que diz que as dvidas so para gerir. Ora foi

    isso precisamente que o anterior governo no conseguiu fazer e,

    de um momento para o outro, viu os mercados virarem-lhe as

    costas. As dvidas gerem-se mas, por falta de engenho, arte ou

  • sorte, Portugal no o conseguiu fazer e foi o terceiro pas do

    euro a cair num resgate internacional.

    Este Portugal na Bancarrota Cinco Sculos de Historia da D-

    vida Soberana Portuguesa, de Jorge Nascimento Rodrigues,

    um concentrado de informao histrica. E no apenas de hist-

    ria das bancarrotas como, primeira vista, poderia parecer. Em

    poucas pginas diz-nos (quase) tudo sobre a histria econmica

    portuguesa. Os falhanos so muitas vezes mais esclarecedores

    do que os sucessos, e estes oito momentos dizem muito sobre

    como Portugal chegou aqui. Como perdeu o comboio da revolu-

    o industrial, como a tendncia de viver de rendas j coisa

    antiga ou como a poltica nunca foi muito rigorosa no que res-

    peita s contas pblicas.

    O tempo muda mas a lgica das finanas mantm-se. Um pas ou

    um Estado que durante um perodo de tempo gasta mais do que

    produz ou tem despesas superiores s suas receitas no caso das

    contas pblicas tem obrigatoriamente que arrepiar caminho, a

    certa altura, sob pena de entrar em colapso. As causas prximas

    podem ser de diversos tipos, mas o problema de base semelhante.

    Portugal na Bancarrota fala-nos da forma como o esgotamento

    de um modelo econmico conduz inevitavelmente ao colapso a

    prazo e de como os governos, de uma forma ou de outra, por

    presso ou distraco, tentam sempre fingir que tudo continua

    como dantes at ao ponto em que a realidade demasiado vis-

    vel para no ser vista.

    Pode-se sempre analisar ao detalhe a realidade econmica de

    cada poca, as decises polticas e as suas motivaes, entre

    vrias outras coisas. Mas uma certeza existe: seja por que razo

    for, esta falncia de modelo significa que, a partir de certo pon-

    to, o crescimento econmico deixou de ser suficiente para ga-

  • rantir o servio da dvida e o pas entrou naquilo a que, pelos pa-

    dres actuais, se chamaria, uma trajectria insustentvel da dvida.

    Percorrer estas pginas reencontrar semelhanas assustadoras

    com a actualidade europeia. Nas oito bancarrotas portuguesas

    esto muitos dos ingredientes que hoje encontramos na Grcia e

    at em Portugal. As questes de soberania, a dvida ilegtima (no

    caso do emprstimo de D. Miguel), as contas especiais (a exi-

    gncia de alemes e franceses de consignar as receitas aduanei-

    ras ao pagamento de juros e dvida na reestruturao de 1902),

    o cerco dos credores ou a inexistncia de vcuo em geopoltica

    (como aconteceu no final do sculo XIX e incio do sculo XX

    quando ingleses se opuseram a alemes e franceses na reestru-

    turao da dvida nacional).

    Este livro chega-nos num momento em que os portugueses vi-

    vem um resgate do FMI e da Unio Europeia e em que a Grcia

    corre srios riscos de ter que sair do euro. Olhar para trs uma

    forma de abrir uma janela para o futuro. Os comportamentos

    repetem-se e nada como compreender o passado. Como disse

    um dia o filsofo grego Aristteles, se queres compreender

    qualquer coisa, observa o seu incio e o seu desenvolvimento. A

    histria das bancarrotas a histria portuguesa. a histria de

    como, por vrias vezes no passado, Portugal viu o cho fugir-lhe

    sob os ps.

    Neste momento, Portugal no est em bancarrota nem prximo

    dela mas sabe-se como estes processos podem ser longos e sinu-

    osos. A discusso agora se Portugal segue a tragdia grega ou

    se consegue recompor-se com o programa da troika. Tambm no

    passado antes do colapso houve tentativas infrutferas de evitar

    o pior. Ser que desta vez diferente?

    JOO SILVESTRE, jornalista do Expresso

  • Este livro um grito imperativo, chamando a ateno para os

    vcios crnicos da nossa gesto governamental, inevitveis sem o

    firme controlo do sistema financeiro, que o principal respons-

    vel pela crise actual. Em 2011, fecharam, em Portugal, perto de

    40 mil empresas. Se no forem tomadas medidas adequadas,

    fecharo muitas mais

    O autor historia os ltimos cinco sculos da dvida portuguesa.

    Em perodos de crise, para encontrar solues, indispensvel o

    conhecimento da Histria e tambm capacidade de intuio,

    inovando. No condicionalismo actual, imposto pelo Euro, no se

    vislumbra caminho para uma moeda refgio A ameaa do

    perigo de bancarrota uma realidade. Da, o mrito deste livro

    dando o alerta.

    ADRIANO VASCO RODRIGUES, arquelogo e etngrafo

  • PORTUGAL NA BANCARROTA CINCO SCULOS DE HISTRIA DA DVIDA SOBERANA PORTUGUESA

    Autor Jorge Nascimento Rodrigues

    Editor Centro Atlntico

    Coleco Desafios

    Reviso Centro Atlntico

    Capa Helder Oliveira

    1. edio Maro de 2012

    ISBN 978-989-615-174-4

    Dep. Legal 341847/12

    Impresso Papelmunde SMG, Lda

    Centro Atlntico, Lda., 2012 Ap. 413 4760-056 V. N. Famalico Portugal Tel. 808 20 22 21 [email protected] www.centroatlantico.pt

    RESERVADOS TODOS OS DIREITOS POR CENTRO ATLNTICO, LDA.

    Qualquer reproduo, incluindo fotocpia, s pode ser feita com autorizao expressa dos editores da obra.

  • Em memria do meu pai,

    que faria a mesma idade da Repblica no prximo 5 de Outubro

  • ndice

    AGRADECIMENTOS 15

    PREFCIO 17

    INTRODUO 23 Europa: o bero das bancarrotas soberanas 24 O esgotar de dois modelos econmicos 26

    Cinco ciclos da histria da dvida 29 O golpe de Nixon e a desmaterializao

    acelerada da finana 32 Duas vagas de globalizao 33

    PAINEL I: As primeiras bancarrotas na Europa 35

    CAPTULO 1. NO ESTAMOS SOZINHOS 45 A diplomacia do Imperialismo 47 PAINEL II: As 8 bancarrotas do Estado portugus 49

    CAPTULO 2. 1384-1422: MESTRE DE AVIZ O CAMPEO DA

    HIPERINFLAO 53

    CAPTULO 3. 1544: A QUASE BANCARROTA DECLARADA

    NA FLANDRES 59 A troca desigual entre Lisboa e Anturpia 60 A herana manuelina deixada a um jovem de 19 anos 63 Inundados de papis aflitos 64 PAINEL III: As Descobertas Martimas e o nascimento

    do Capitalismo Moderno 65

  • CAPTULO 4. 1560: A HERANA QUE A VIVA RECEBEU

    O PRIMEIRO DEFAULT OFICIAL 71 Juros perigosos para a conscincia de quem empresta 72 A condio de reexportador 73 O analfabetismo em contabilidade 75 Os caminhos da prata 77 PAINEL IV: A Revoluo Financeira que Lisboa perdeu 78

    CAPTULO 5. 1605: O DEFAULT COM SABOR CASTELHANO 85 O envolvimento voluntrio dos credores 86 Dois sculos de vaca leiteira 88 Uma perda que no estava nos planos liberais 93 A herana reformista liberal 94

    CAPTULO 6. 1828-1834: A FACTURA DO MIGUELISMO 97 A guerra dos emprstimos 99

    CAPTULO 7. 1837 A 1852: O CALVRIO DE QUATRO

    INCUMPRIMENTOS NO REINADO DE MARIA DA GLRIA 103 Entram em cena os melhoramentos materiais 105 Dvida supera 100% em percentagem do PIB 107 A ascenso da nova nobreza da classe burguesa 108 Um take off que no ocorreu 111 As armadilhas em que se aprisionaram os industriais 114

    CAPTULO 8. 1892-1902: A LONGA REESTRUTURAO DA DVIDA

    SOBERANA NO FINAL DA MONARQUIA 117 Os avisos da revista The Economist 118 A originalidade do sistema oramental portugus 121 Do pacoto de Oliv. Martins deciso de Dias Ferreira 125 Rivalidades geopolticas evitam protectorado 128 Ditadura militar vai a Genebra 132

  • CONCLUSO: DO CAPITALISMO MONRQUICO PORTUGUS

    ECONOMIA LIBERAL FINANCISTA 135 O capitalismo monrquico port. entre 1412 e 1600 135 O colapso do papel reexportador do capitalismo

    monrquico portugus 142 A primeira tentativa de take off e o novo modelo

    econmico nascente a partir de 1850 143

    BIBLIOGRAFIA 149

    APNDICE: BREVE HISTRIA DAS BANCARROTAS NA GRCIA 151 Mergulhada em guerras e sujeita a ocupaes 152 Episdios de incumprimento 153

  • Agradecimentos

    Ao meu primo Adriano Vasco Rodrigues que cultivou na famlia,

    desde h mais de cinco dcadas, o interesse pela Histria. A

    primeira edio da sua obra Histria Geral da Civilizao faz

    este ano meio sculo. Foi ao estudar por ela que tomei contacto,

    pela primeira vez, com o capitalismo monrquico portugus.

    Naturalmente, sem imaginar o seu papel vrias dcadas no fu-

    turo.

    Ao Ricardo Cabral, professor da Universidade da Madeira, que

    partilha do interesse pelo tema dos incumprimentos da dvida

    soberana e a quem agradeo a disponibilidade para ler o traba-

    lho e escrever o Prefcio.

    Ao Pedro Lima, editor do caderno de Economia do Expresso, que

    incentivou a investigao e a publicao de O Ba das Bancar-

    rotas, o artigo naquele semanrio que daria origem a este livro.

    Ao Joo Silvestre, jornalista do Expresso, pelo tempo que dedi-

    cou leitura do trabalho e pelas palavras enviadas.

    Finalmente, ao editor, que, uma vez mais, arriscou publicar mais

    um trabalho na linha de investigao iniciada com Portugal O

    Pioneiro da Globalizao e 1509 A Batalha que mudou o Do-

    mnio do Comrcio Global, obras em co-autoria com Tessaleno

    Devezas, o fsico brasileiro a quem devemos a reabertura do

    interesse pelo papel da Expanso portuguesa nos ciclos longos

    da Economia Mundial e da Geopoltica.

  • Prefcio Ricardo Cabral*

    Dificilmente se encontraria nos ltimos 120 anos de histria do

    pas momento mais oportuno para recapitular, em livro, a hist-

    ria dos eventos de incumprimento (vulgo bancarrota) do Portu-

    gal monrquico e republicano.

    A histria repete-se, primeiro como tragdia e depois como

    farsa, refere Karl Marx. E c estamos, nesse barco que Portu-

    gal, a repetir uma farsa da histria.

    Brinquei no passado com o Jorge Nascimento Rodrigues, di-

    zendo-lhe que passaria a ser associado, em anos vindouros, te-

    se defaultista. Com esta obra, o Jorge contribui para informar

    os portugueses, da mesma forma que tem contribudo nos lti-

    mos dois anos com os seus artigos e entrevistas no Expresso e no

    Expresso Online, para o debate sobre a possibilidade de incum-

    primento e reestruturao da dvida pblica portuguesa.

    O autor, com a sua capacidade para questionar a ortodoxia do-

    minante, teve um contributo nico e notvel a nvel nacional.

    Hoje, j no escandaliza falar em reestruturao de dvida

    tornou-se um tema respeitvel e no tabu, ao contrrio do que

    ocorria h dois anos. Foi o Jorge que introduziu esse tema, sem

    temor, junto da opinio pblica do pas. E o facto tanto mais

    relevante quanto certo que, como jornalista, se absteve, e se

    abstm tambm nesta obra, de se pronunciar a favor ou contra

    uma reestruturao de dvida.

  • PORTUGAL NA BANCARROTA

    18

    A histria minuciosamente relatada neste livro ensina-nos que o

    progresso econmico contnuo e linear no algo assegurado.

    Ocorreram perodos em que a economia portuguesa regrediu ou

    estagnou durante dcadas, em particular no ltimo quartel do

    sculo XIX, quando um Portugal sobreendividado ao exterior

    procurou, tal como hoje, recorrer a austeridade e cortes de sal-

    rios dos funcionrios pblicos para tentar cumprir as suas obri-

    gaes financeiras ao exterior. O resultado foi a degradao

    econmica seguida de incumprimento.

    No final do sculo XIX, relata-nos o autor, alguns dos credores

    do pas procuraram, sem sucesso, que este abdicasse da sobera-

    nia nacional em matrias como a colecta de impostos alfandeg-

    rios, confiando a sua administrao a credores estrangeiros e

    atravs de clusulas secretas nos acordos firmados com os seus

    credores. Os responsveis polticos da altura decidiram privati-

    zar e indirectamente oferecer o monoplio nacional dos tabacos

    aos credores, como contrapartida para um emprstimo.

    Vemos agora, em 2011 e 2012, tantos anos passados, o pas

    optar por abdicar da soberania nacional em relao quase

    totalidade da sua poltica econmica, delegando-a numa troika

    de tecnocratas da Comisso Europeia, Banco Central Europeu e

    Fundo Monetrio Internacional (FMI). Vemos o pas decidir

    completar a privatizao do quase-monoplio na gerao de

    electricidade, EDP, a um grupo estatal chins, que oferece, entre

    outras contrapartidas, um emprstimo a esse grupo empresarial.

    O responsvel por esse grupo estatal chins, ainda a tinta no

    estava seca no contrato, prontamente avisou o Estado Portugus

    para no rever, de forma desfavorvel a essa empresa recm-

    -privatizada, as regras de apoio gerao elctrica de fontes

    renovveis, regras essas que so consideradas por muitos como

  • PREFCIO

    19

    encarecendo os custos da electricidade e gerando rendas para os

    produtores de electricidade. Vemos privatizar tambm 40% de

    outro monoplio, a Rede Elctrica Nacional, a empresas estatais

    estrangeiras.

    E, olhando para a Grcia, bero da civilizao ocidental, verifi-

    camos que as condies impostas pela Unio Europeia (UE) e

    pelo FMI ao segundo resgate, vo ainda mais longe, incluindo,

    entre outras medidas: uma delegao permanente da troika em

    Atenas para controlar in loco a receita e a despesa pblica; prio-

    ridade ao pagamento da dvida em relao a toda outra despesa

    pblica consagrada na Constituio; e, referido na imprensa

    internacional, o acesso prioritrio dos credores s reservas de

    ouro do Banco Central da Grcia. Estas condies draconianas

    so um srio precedente para um provvel segundo resgate a

    Portugal. Pouco diferem, alis, das condies exigidas pela Soci-

    edade das Naes para a concesso de um emprstimo a Portu-

    gal em 1928 que, de acordo com o referido neste livro, entre

    outros aspectos, impunha a localizao em Lisboa de um agente

    de ligao. Essas condies impostas pela Sociedade das Na-

    es no foram aceites pelos responsveis polticos portugueses

    da altura.

    A descrio histrica contida neste livro permite compreender

    que as restries soberania nacional consagradas nos actuais

    pacotes de resgate Grcia, Irlanda e Portugal, exigidas pelos

    parceiros na UE e no FMI, vo muito para alm daquelas tenta-

    das e executadas nos episdios de incumprimento de Portugal,

    no passado. Os credores no aprenderam nada com o passado.

    Os devedores, no entanto, menos ainda. Os actuais responsveis

    polticos dos pases devedores demonstram, com as suas deci-

    ses, estar dispostos a abdicar de muito mais soberania e a sub-

  • PORTUGAL NA BANCARROTA

    20

    meter-se aos credores a um grau que os lderes polticos de ou-

    trora jamais aceitariam.

    Este livro cita Rui Pedro Esteves, docente na Universidade de

    Oxford, investigador de histria econmica, referindo que aps

    a entrada em incumprimento, o pas passa de um dfice para um

    excedente oramental. Rui Pedro Esteves atribui-o a uma maior

    disciplina oramental. Eu entendo, pelo contrrio, que essa me-

    lhoria do saldo oramental foi, em larga medida, o resultado da

    declarao de incumprimento parcial que ocorreu nessa altura.

    Dvida externa elevada causa dfices oramentais elevados. A

    deciso do governo portugus da altura em reduzir unilateral-

    mente em 66% os juros pagos sobre a dvida externa e, posteri-

    ormente, em proceder reduo negociada do capital em d-

    vida, foi o que causou, de forma automtica, a substancial me-

    lhoria do saldo oramental.

    Se o pas suspendesse hoje pagamentos sobre a sua dvida, en-

    trando em incumprimento, ao invs de um elevado dfice ora-

    mental passaria a registar um excedente oramental. No neces-

    sitaria de qualquer ajuda externa desde que implementasse as

    medidas necessrias e adequadas.

    Parafraseando Winston Churchill, nunca o bem-estar econmico

    de tantos portugueses presentes e futuros foi to ameaado pe-

    las decises de to poucos.

    No h nenhum fado que nos obrigue a repetir os erros da Hist-

    ria. Portugal tem, hoje, mais hipteses de escapar aos ciclos

    peridicos de subdesenvolvimento to bem descritos nesta obra.

    De facto, fruto do investimento em infra-estruturas e capital

    humano realizado nos ltimos 30 anos, possui melhores condi-

    es para enfrentar a concorrncia internacional e trilhar, no

    mbito da UE e da Zona Euro, o seu prprio caminho. Louvvel

  • PREFCIO

    21

    seria por isso que os actuais responsveis polticos lessem e reti-

    rassem os ensinamentos da histria de incumprimentos de Por-

    tugal apresentada nesta obra.

    * Professor Auxiliar, Universidade da Madeira e CEEAplA

  • Introduo

    O tema da crise da dvida soberana no uma inveno recente

    na histria do capitalismo, nem a Europa era um continente

    virgem at ao rebentar das situaes de pr-bancarrota em al-

    guns pases da zona euro na sequncia da crise financeira de

    2008.

    Para muitos leitores, falar de incumprimentos traz memria

    episdios na Amrica Latina em dcadas recentes ou na Europa

    de Leste e na Rssia, depois da queda do Muro de Berlim. O

    episdio mais vivo na memria o da Argentina, em Dezembro

    de 2001, um default em quase 200 mil milhes de dlares de

    dvida soberana.

    Os acontecimentos em torno das situaes de quase-bancarrota

    da Grcia, Portugal e Irlanda nos ltimos anos, e a ameaa de

    contgio no seio da zona euro, reabriram a porta do sto onde

    estavam guardados no ba da histria vrios episdios que mar-

    cam a trajectria da dvida soberana na Europa.

    Os incumprimentos das dvidas soberanas tm, na verdade, uma

    histria de mais de 650 anos. E, ao contrrio do que se possa

    imaginar, a Europa est, desde o incio, profundamente ligada

    ao tema.

  • PORTUGAL NA BANCARROTA

    24

    Europa: o bero das bancarrotas soberanas

    A primeira crise aguda da dvida soberana ocorreu na Inglaterra

    do sculo XIV sim, leu bem, ainda na Idade Mdia! O prevari-

    cador foi Eduardo III (governou entre 1327 e 1377), que teve

    que declarar default em 1340 e proceder a uma reestruturao

    da dvida, uma das primeiras na histria.

    Os alimentadores do despesismo guerreiro ingls eram os gru-

    pos financeiros italianos, no caso, florentinos, que emprestavam

    na Europa aos monarcas de pases belicosos e subdesenvolvidos,

    naturalmente a taxas de juro na ordem dos 40% ao ano. Na

    poca, desde o final da dcada de 1290, o centro financeiro eu-

    ropeu estava em Florena. As compagnie florentinas como

    eram conhecidos os grupos financeiros e de mercadores dos

    Bardi, Cerchi, Frescobaldi, Pazzi e Peruzzi estavam na van-

    guarda do financiamento dos soberanos europeus que passavam

    a vida em guerra uns contra os outros.

    O rei ingls envolveu-se numa srie de fracassos militares e as

    notcias chegaram rapidamente a Florena, como conta Carlo

    Cipolla em The Monetary Policy of Fourteenth Century Flo-

    rence. Em Florena gerou-se o pnico um pnico financeiro

    tpico, com a corrida s casas bancrias. A perda dos credores,

    durante a reestruturao da dvida levada a cabo por Eduardo

    III, andou entre 54% no caso dos Bardi e 64% para os Peruzzi.

    Este ltimo grupo financeiro teve de declarar falncia em 1343 e

    o outro em 1346. Em 1472, a Inglaterra voltaria a ser notcia,

    com outro incumprimento nos tempos de outro Eduardo, o IV,

    que inaugurou uma nova dinastia, a da Casa de York. A situao

    seria salva pela ento poderosa Liga Hansetica, dos Mares do

    Norte e Bltico, que apoiou financeiramente a Casa de York

    contra a Casa de Lencastre na guerra civil inglesa conhecida

  • INTRODUO

    25

    como Guerra das Rosas. Segundo outros historiadores, a Co-

    roa britnica voltaria a entrar em incumprimento, desta vez

    parcial, em 1671 e 1685.

    A Europa regressaria, em fora, ao palco dos incumprimentos a

    partir de 1557 at 1796. Primeiro, Felipe II de Espanha em

    1557, depois Frana em 1558 e Portugal em 1560, um dos epi-

    sdios a que nos vamos referir. Fala-se que a bancarrota espa-

    nhola de 1557 teve um efeito de contgio.

    Ocorreram, desde 1340 at 1796, vinte eventos de incumpri-

    mento na Europa, com destaque para a Frana com 8, Espanha

    com 6, Portugal com 2 (em 1560 e 1605), Inglaterra com 2,

    Prssia com 1 e ustria com 1, segundo dados da investigao

    realizada pelos acadmicos norte-americanos Carmen Reinhart

    e Kenneth Rogoff publicados em This Time is Different. Outros

    historiadores apontam para uma galeria ainda mais vasta: 12

    incumprimentos totais e parciais em Frana entre 1559 e 1797 e

    13 eventos em Espanha entre 1557 e 1696.

    De novo no sculo XIX, a Europa assiste a uma vaga de incum-

    primentos 34 episdios , mas desta vez seria ultrapassada

    pela Amrica Latina, sada das revolues independentistas,

    com 47 episdios. Entre 1822 e 1825, oito naes latino-ameri-

    canas pediram emprestado mais de 20 milhes de libras na

    praa londrina, com destaque para a Gr Colmbia (que, ento,

    juntava a Colmbia, o Equador e a Venezuela) e o Mxico. Dois

    casos surgem em frica, no Egipto e na Tunsia. Portugal

    arrecadaria seis episdios (1828, 1837, 1841, 1846, 1850 e

    1892).

    Finalmente, o sculo XX trouxe a diversificao. Os quatro con-

    tinentes foram abrangidos por episdios de default. Portugal

    escapou sina, em trs momentos chave: no decurso e aps a 1

  • CONCLUSO

    Do capitalismo monrquico portugus economia liberal

    financista

    No final desta breve histria dos incumprimentos da dvida so-

    berana portuguesa at ao sculo XX, justifica-se ensaiar uma

    periodizao que aponte hipteses sobre o processo evolutivo da

    economia portuguesa e da sua insero na globalizao.

    O capitalismo monrquico portugus entre 1412 e

    1600

    Muitos historiadores e economistas continuam a falar do per-

    odo de Expanso portuguesa como de uma sociedade e de uma

    estrutura econmica tpicas de "Antigo Regime", decalcando de

    uma anlise herdada da Revoluo Francesa. A expresso An-

    tigo Regime tornou-se popular com Alexis de Tocqueville, autor

    do ensaio O Antigo Regime e a Revoluo, publicado em 1856.

    O reconhecimento do papel fulcral portugus no nascimento do

    capitalismo moderno , em geral, ignorado. Ora, na realidade,

    depois das Repblicas Martimas italianas e do seu capitalismo

    mercantil e financeiro dominarem, entre os sculos XIII a XV, o

  • APNDICE

    Breve histria das bancarrotas na Grcia

    Em 190 anos, a histria da Grcia moderna, desde o incio da

    guerra de libertao contra o domnio turco-otomano em 1821,

    esteve em turbulncia, envolvida em guerras e sofrendo ocupaes

    ou ditadura em mais de 130 anos, e viveu perodos de bancarrota

    durante 50 anos. Esta breve histria um complemento nar-

    rativa sobre o caso portugus.

    O tema do incumprimento no novo na histria da Grcia mo-

    derna. Segundo o estudo de dois acadmicos norte-americanos,

    Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, publicado no livro This

    Time is Different, a Grcia, desde a sua independncia do imp-

    rio turco-otomano, entrou em bancarrota quatro vezes, em

    1843, 1860, 1893 e 1932 (quando abandonou, tambm, o pa-

    dro ouro).

    Recorde-se que a Grcia esteve sob domnio turco-otomano

    desde 1453 aquando da conquista de Constantinopla e da

    queda do ento designado Imprio Bizantino at 1829. Entrou

    em bancarrota em 1826 antes inclusive da independncia, ainda

    durante a guerra de libertao do domnio turco, em virtude de