(PPGHIS – UnB – especialista em História e mestranda em ... XIX/PDF/Seminarios...

10
Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom. Bárbara M. de Velasco. “Heil, Disney”! Representações do nazismo pelos estúdios Disney (PPGHIS – UnB – especialista em História e mestranda em História Cultural) O cenário da Segunda Guerra Mundial é rico no que se refere à produção de material propagandístico. Tanto do lado dos países pertencentes ao grupo dos Aliados como do lado dos pertencentes ao grupo do Eixo, eram inúmeras as peças de comunicação elaboradas para o convencimento da massa cidadã. O que era o bem e o mal? O certo e o errado eram temáticas exploradas de maneira simples pelos propagandistas. Quanto maior a possibilidade de alcançar um bom grupo de pessoas, melhor; não importando serem adultos ou crianças, homens ou mulheres. Retendo-se exclusivamente ao cenário da Segunda Guerra nos Estados Unidos da América, esse estudo prende-se à análise de Education for Death, 1 desenho animado produzido pelos estúdios Disney no ano de 1943. Dirigido por Clyde Geronimi, a produção animada é baseada no livro de Gregor Ziemer, Education for death: the making of the nazi. 2 No desenho acompanhamos o nascimento e o desenvolvimento de uma criança alemã; a maneira como seus pais são por algumas vezes tolhidos na maneira de criação de seu filho – até mesmo na escolha do nome é preciso cumprir algumas regras; o processo de educação escolar completamente rígido e militarizado; a presença do Estado na vida familiar para controlar o crescimento da criança que deve, necessariamente, transformar-se em soldado do Reich. A partir desse desenho, transformado agora em fonte, busca-se identificar o que para os artistas dessa produção era o regime nazista e seus principais nomes. Sobre as imagens Classificar o que seja uma imagem não é tarefa muito simples. Desde os mais simples rabiscos de uma criança que pega um lápis pela primeira vez, até a mais elaborada arte gráfica computadorizada reconhecida por diversas cerimônias de premiação, classificamos todo o conjunto como sendo simplesmente “imagem”. Compreendemos que indica algo que, embora nem sempre remeta ao visível, toma alguns traços emprestados do visual e, de qualquer modo, depende da produção de um sujeito: imaginária ou concreta, a imagem passa por alguém que a produz ou reconhece. 3 1 Education for Death. Direção de Clyde Geronimi, 1943. EUA. 2 ZIEMER, Gregor. Education for death: the making of the nazi. Octagon Books, 1972. 3 JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. 6ª ed. Campinas: Papirus Editora, 2003. p. 13.

Transcript of (PPGHIS – UnB – especialista em História e mestranda em ... XIX/PDF/Seminarios...

Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.

Bárbara M. de Velasco. “Heil, Disney”! Representações do nazismo pelos estúdios Disney

(PPGHIS – UnB – especialista em História e mestranda em História Cultural)

O cenário da Segunda Guerra Mundial é rico no que se refere à produção de material

propagandístico. Tanto do lado dos países pertencentes ao grupo dos Aliados como do lado dos

pertencentes ao grupo do Eixo, eram inúmeras as peças de comunicação elaboradas para o

convencimento da massa cidadã.

O que era o bem e o mal? O certo e o errado eram temáticas exploradas de maneira

simples pelos propagandistas. Quanto maior a possibilidade de alcançar um bom grupo de

pessoas, melhor; não importando serem adultos ou crianças, homens ou mulheres.

Retendo-se exclusivamente ao cenário da Segunda Guerra nos Estados Unidos da

América, esse estudo prende-se à análise de Education for Death,1 desenho animado produzido

pelos estúdios Disney no ano de 1943.

Dirigido por Clyde Geronimi, a produção animada é baseada no livro de Gregor Ziemer,

Education for death: the making of the nazi.2 No desenho acompanhamos o nascimento e o

desenvolvimento de uma criança alemã; a maneira como seus pais são por algumas vezes

tolhidos na maneira de criação de seu filho – até mesmo na escolha do nome é preciso cumprir

algumas regras; o processo de educação escolar completamente rígido e militarizado; a presença

do Estado na vida familiar para controlar o crescimento da criança que deve, necessariamente,

transformar-se em soldado do Reich.

A partir desse desenho, transformado agora em fonte, busca-se identificar o que para os

artistas dessa produção era o regime nazista e seus principais nomes.

Sobre as imagens

Classificar o que seja uma imagem não é tarefa muito simples. Desde os mais simples

rabiscos de uma criança que pega um lápis pela primeira vez, até a mais elaborada arte gráfica

computadorizada reconhecida por diversas cerimônias de premiação, classificamos todo o

conjunto como sendo simplesmente “imagem”.

Compreendemos que indica algo que, embora nem sempre remeta ao visível, toma alguns traços emprestados do visual e, de qualquer modo, depende da produção de um sujeito: imaginária ou concreta, a imagem passa por alguém que a produz ou reconhece.3

1 Education for Death. Direção de Clyde Geronimi, 1943. EUA. 2 ZIEMER, Gregor. Education for death: the making of the nazi. Octagon Books, 1972. 3 JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. 6ª ed. Campinas: Papirus Editora, 2003. p. 13.

Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.

Isso significa dizer que, tal como as palavras escritas e/ou faladas, as imagens que

pretendem transmitir uma informação, também precisam partilhar de um contexto social,

cultural e histórico; precisam entrecruzar conceitos e significações próprias ao grupo no qual se

inserem.

Tarefa essa não muito simples. Afinal, cada indivíduo constrói para si um conjunto

representativo a partir do imaginário coletivo por ele partilhado. O ato comunicativo construído

a partir de imagens é delicado nesse sentido: à primeira vista parece mais eficaz que a palavra,

afinal, não requer interpretação imediata, a imagem encerraria o discurso em si. Entretanto,

assim como no discurso escrito, existe o representado e o não-representado; o explícito e o

implícito.

Nesse contexto, vale a pena ressaltar que enquanto ferramenta discursiva, deve-se levar

em consideração a diferença entre a imagem estática e a imagem em movimento. O que não

significa que exista grau de importância diferente entre uma e outra. Ao contrário, cabe ao

preletor saber o tipo de imagem que será mais propício para que sua mensagem seja

devidamente compreendida.

Sobretudo, o uso dos meios de comunicação de massa, lidando com efeitos de verdade e efeitos de real, operando cada vez mais com o fazer crer, com imagens computadorizadas ou discursos distanciados do real, mas que são legitimados e aceitos, com curso de verdade, foi elemento que pôs na ordem do dia as questões relativas ao imaginário.4

Ao se referir à importância dos veículos de comunicação de massa, a historiadora Sandra

Jatahy Pesavento chama a atenção para a História Cultural do Político. Com a apropriação dos

símbolos e dos fenômenos socialmente compartilhados, a esfera política exerce poder sobre os

indivíduos em tentativa perene de convencimento e manutenção de uma ordem hierárquica de

comando e coesão social.

No caso da Alemanha regida pelo Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores

Alemães,

a propaganda não desempenha apenas uma função estratégica, mas cumpre também um papel fundamental na formação e consolidação do imaginário nacional-socialista. Por isso, ela não pode ser vista como simples instrumento de conversão política. O mundo totalitário se constrói em torno de uma “realidade” artificial caracterizada pela manipulação dos fatos pela abordagem propagandística.5

4 PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & história cultural. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p. 75. 5 DIEHL, Paula. Propaganda e persuasão na Alemanha Nazista. São Paulo: Annablume, 1996. p. 83.

Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.

Embora não tão famosa quanto a propaganda política do III Reich, raros são os estudos a

seu respeito, as propagandas de guerra dos Estados Unidos da América também tinham, junto

aos cidadãos, o papel fundamental na construção e na disseminação do imaginário sobre si e,

principalmente, sobre o seu maior inimigo. O desenho animado proposto aqui para análise foi

uma das ferramentas que cumpriram essa função na comunidade estadunidense.

Michel De Certeau lembra sobre a importância do lugar social para a pesquisa

historiográfica.6 Ao historiador compete articular o cenário de inserção do autor documental da

fonte em pesquisa, tendo em vista que seu trabalho historiográfico, sua ação social

está, pois, submetida a imposições, ligada a privilégios, enraizada em uma particularidade. É em função deste lugar que se instauram os métodos, que se delineia uma topografia de interesses, que os documentos e as questões, que lhes serão propostas, se organizam.7

Compreende-se, portanto, que essa mesma preocupação deve ser estendida aos caminhos

da memorização e a formação de suas imagens; não apenas os historiadores devem lançar

problemas aos documentos, mas também, o próprio produtor documental, o autor da fonte, ser

analisado nos porquês de suas preferências aos vestígios deixados para trás. Ora, o que faz com

que determinada pessoa lembre-se e/ou esqueça-se de espaços temporais e suas implicações

(personagens, lugares, ações)?

No caso do desenho animado proposto, é explícita a preocupação dos autores e do diretor

com o convencimento político a partir de uma linguagem lúdica; um tipo de linguagem que por

vezes se mostra despretensiosa – daí, talvez, a grande possibilidade de alcance de tais

mensagens: por menos que se perceba, elas podem perpetuar idéias e conceitos na memória

cotidiana. O que significa dizer que um mero espectador que tão somente assiste à animação,

despretensiosamente esperando seu filme começar, é bombardeado por alegorias e construções

que tomam aparência de naturais.

Certeau também se faz explícito ao recobrar a importância daquilo que não é dito. Ao

citar Raymond Aron, o autor vai além: é necessário que sejam compreendidos o ordenamento da

narrativa bem como sua forma de exposição.8 Já aí deve dar-se início ao trabalho do pesquisador

da História. O que é dito/escrito/representado/desenhado/cantado? De que forma isso se dá? E o

que é calado/ocultado, esquecido? Talvez o que seja mais intrigante é saber o porquê se lembra

o que é lembrado e o porquê se esquece o que é esquecido. Seriam esses dois processos,

rememorar e esquecer, realmente naturais, não premeditados? 6 CERTEAU, Michel De. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária,2002. p. 66. 7 Idem. 8 Idem. p. 67.

Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.

Os “fatos históricos” já são constituídos pela introdução de um sentido na “objetividade”. Eles enunciam, na linguagem da análise, “escolhas que lhes são anteriores, que não resulta, pois, da observação – e que não são nem mesmo “verificáveis”, mas apenas “falsificáveis” graças a um exame crítico.9

O que poderia ser chamado de anterioridade historiográfica.

Beatriz Sarlo em Tempo passado,10 ao dialogar com Paul Ricoeur, alega ser uma utopia a

busca de um relato completo. Leva-se em consideração que o relato, seja ele de qualquer

natureza, já é menor em espaço temporal reservado para a narrativa do fato acontecido.

Outra razão para perceber a memória como apenas uma possível representação é a

narrativa daquele que nunca esteve ou presenciou o acontecido. Esse tipo de narrador trata

apenas sobre suas impressões da experiência “real”.11 Assim, os Estados Unidos enquanto

formadores da imagem nazista (liderança, homens comuns, símbolos) não são além de meros

fabricantes de utopias em sua essência maior: não eram eles, os artistas da Disney, nazistas e

muito menos partícipes da realidade do III Reich para poderem narrar a seu respeito. Sua

narrativa sobre aquela realidade conta com referencias estranhas àquele contexto.

Para todos os efeitos, Michael De Certeau aponta sobre a importância das interpretações

críticas.12 Cada historiador deve utilizar o maior número de ferramentas possível para extrair de

sua fonte documental um relato mais apropriado do acontecido. Compete ao cientista das

Ciências Humanas leituras e leituras apuradas sobre seu objeto de estudo, não se eximindo,

contudo, da possibilidade da superinterpretação. Até que ponto o excesso de cuidados do

historiador não acaba se tornando um auto-ataque?

A escrita em espelho é séria por causa do que faz – dizer outra coisa pela reversão do código das práticas - ; ela é ilusória apenas na medida em que, por não se saber o que faz, tender-se-ia a identificar o seu segredo ao que põe na linguagem e não ao que dela subtrai.13

É com essa alegoria sobre a imagem virtual de um espelho que De Certeau chama a

atenção para a leitura da escrita da história. É praticamente impossível ter transcrito o que de

fato foi visto, escutado, sentido, pensado – se é que isso seja por algum motivo possível.

9 Idem. 10 SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das Letras; Minas Gerais: UFMG, 2007. p. 50. 11 Idem. p. 42. Não se quer afirmar com isso que aquele que participa diretamente de um acontecimento teria a capacidade de narrar o acontecido sem distorção alguma. Mas, se a reprodução absolutamente fiel do que aconteceu não é uma possibilidade, a verossimilhança, assim como a plausibilidade podem ser garantidas quando há fidelidade ao contexto. 12 CERTEAU, Michel De. Op. cit. p. 78. 13 Idem. p. 95.

Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.

Education for Death

Baseado em um livro do jornalista Gregor Ziemer – Education for death: the making of

the Nazi, a narrativa da peça, guiada pela voz de Art Smith – que traduz parte dos diálogos em

alemão – alega que a história relata a maneira como uma criança nascida na Alemanha Nazista é

tratada e educada para ser nada mais nada menos que um soldado do III Reich.

Desde o nascimento da criança os pais já são obrigados a enquadrá-la no modelo nazista

de “fabricação de soldados”. Ao chegarem à seção de registro, os pais, com vozes trêmulas e

transmitindo certa insegurança, encontram o oficial nazista que mantém um tom de voz mais

alto e gesticulação firme. Com pouca iluminação, podemos tão somente constatar silhuetas; as

cenas iniciais mostram o quão opressor poderia ser o processo.

O menino é batizado Hans. Em seguida, é narrado um dos contos de fadas permitidos

pelo III Reich; uma tradução de A bela adormecida. A bruxa chama-se Democracia; e como

toda bruxa convencional de desenhos, é verde, de nariz grande com uma verruga na ponta. A

bela adormecida, Alemanha – uma mulher loira, de bochechas rosadas e muito gorda que segura

uma caneca de cerveja. Seu príncipe, Adolf Hitler – que aparece cavalgando ao som de Marcha

das valquírias, de Wagner.

Mal o príncipe acorda sua dama, passa a proferir um longo discurso gritado e

acompanhado de muitos gestos e caretas. Enquanto isso, com olhar de encanto, a bela já

acordada, a todo momento ri e saúda seu salvador: “heil Hitler”!

Terminada a primeira tentativa de diálogo entre os dois, Hitler passa por algumas

dificuldades para poder tirar sua avantajada e sorridente Alemanha do castelo da bruxa

Democracia.

Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.

Segundo o narrador do desenho, a distorção desse conto serve para moldar a mente dos jovens

alemães. O propósito é que Hitler seja o herói de cada uma das crianças. Na escola, Hans e seus

colegas aparecem diante de um quadro de Hitler prestando saudações.

Hans adoece. O cenário é seu quarto. Ele deitado recebe carinho de sua mãe que,

segundo o narrador, está preocupada, pois o governo recolhe crianças doentes que tempos

depois desaparecem. A cena é interrompida por um oficial que esbravejando bate à porta e entra

no quarto de Hans.

Mais uma vez o jogo de cena inicial se repete: traços finos da mãe e do menino são

contrastados pelos traços abrutalhados do oficial. A voz mansa da mãe praticamente é abafada

pelos gritos do homem que gesticula e faz tons de ameaça. Luz e sombras dão um ar inquietante

à cena. Ao final, Art Smith traduz o diálogo: “caso a criança não se recupere, ela será levada

pelo Estado”.

Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.

Hans recupera-se. De volta à escola ele retoma sua rotina de aprender a “lutar, a

obedecer e a morrer pelo Führer”. Na sala de aula podemos observar quadros com a imagem de

Hitler, Göring e Goebbels. O professor da turma de Hans é loiro, de olhos azuis e obeso. Ele

ensina à turma de Hans sobre as leis da natureza; diz ser natural um coelho ser engolido por um

lobo já que os mais fortes é que devem dominar e reinar sobre os mais fracos. Ao dirigir a

palavra para Hans o professor irrita-se, afinal, o menino alega ter pena do coelho.

Pelo comentário infeliz, Hans é posto de castigo e seus coleguinhas riem dele. Enquanto isso,

nos quadros espalhados pela sala de aula, as fisionomias da liderança nazista se transformam

como que condenando o menino por sua bondade inapropriada. O menino chora.

Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.

Logo ele aprende a lição: ao ouvir as respostas “corretas” dos colegas – de que os

covardes não têm vez, de que o mundo deve ser dominado pelos fortes... – Hans muda sua

fisionomia e começa a maldizer o coelhinho. O narrador conclui: Hans alcançou a linha de

raciocínio nazista – os alemães são a super-raça, os outros são escravos. Os alemães não temem

ninguém.

O cenário e a linguagem narrativa da animação transformam-se. Da sala de aula passa-se

para um cenário de guerra. A narração nos informa de que a partir daquele momento, Hans está

preparado para uma educação mais específica: o fanatismo, alega o locutor. Gritando, garotos

erguem tochas flamejantes; livros são queimados; pinturas são queimadas; partituras musicais

são queimadas. Com efeito sonoro dramático, a imagem da Bíblia cristã transforma-se em

Minha luta (o best-seller alemão – como é dito no início da peça audiovisual); a de um crucifixo

com Cristo pregado transforma-se em um punhal nazista; uma igreja cristã é alvejada.

Hitler Göring Goebbels

Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.

A dramaticidade da animação chega ao ápice: cores escuras em tons de vermelho e

amarelo dividem espaço com uma música de batidas fortes. A voz de Art Smith é enfática.

“Marching and heiling, heiling and marching… Hans grows up. In him is planted no seed of

laughter, hope, tolerance, or mercy. For him, only heiling and marching, marching and heiling,

as the years grind on. Manhood finds him still heiling and marching. But the grim years of

regimentation have done their work. Now he’s a good Nazi. He sees no more than the party

wants him to… He says nothing but what the party wants him to say… And he does nothing but

what the party wants him to do”.

Hans cresce enquanto “saúda e marcha”

Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.

“And so he marches on with his millions of comrades trampling on the rights of others.

For now his education is complete. His education for death”.

O nazismo de Disney

Esta breve análise é um dos resultados de uma pesquisa maior que se prende à

construção das representações sobre o nazismo e seus principais ícones. De que maneira essas

imagens possibilitam hoje uma idéia estereotipada sobre o III Reich. Tal pesquisa tem como

principal recurso de fontes os estúdios Disney à época da Segunda Guerra Mundial.

Education for death é um dos mais de 30 desenhos animados produzidos pelos estúdios à

época do conflito, e sobre ele. Enquanto material propagandístico, é uma peça cheia de

estereotipias: tanto pelo que se considera ser a Alemanha nazista quanto por aquilo que, ao

criticarem, acabam construindo como imagem de si próprios (dos Estados Unidos).

Hoje, não raras vezes, é possível brincar com a língua alemã: sempre gritada, com

palavras muito longas. Acreditar que o alemão é uma pessoa fria e grosseira. Adotar um

discurso sobre o regime nazista enquanto uma realidade de forte censura, manipulação extrema

dos cidadãos e tudo a seu respeito direcionado para a guerra e a destruição dos “outros”.

O desenvolvimento tecnológico contemporâneo nos permite ter acesso a essa peça

audiovisual de diversas formas; seja em páginas de vídeos para visualização gratuita, ou por

DVD’s que podem ser adquiridos nos mais diversos países. Chamo atenção para a facilidade de,

ainda hoje, nos apropriarmos de discursos simplórios quanto sua estrutura maniqueísta.