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PRÁTICAS GERENCIAIS DE TRABALHO SOCIAL EM URBANIZAÇÕES DE FAVELA PULHEZ, MAGALY MARQUES Universidade de São Paulo. Instituto de Arquitetura e Urbanismo. Av. Trabalhador São Carlense, 400, 13566-590 - São Carlos - SP - Brasil [email protected] RESUMO Testada e aceita a urbanização de favela como modelo de política pública habitacional, o consenso de que não há intervenção física de sucesso sem trabalho social atravessa, da esquerda à direita, governos, terceiro setor, acadêmicos, empresários, comunidades. Em 2004, a Política Nacional de Habitação atribuiu ao trabalho social financiamento e contabilidade próprios. Atrelado às exigências de “participação da comunidade” nos processos de projeto e obra, não faltam manuais de expertise a instruir seus procedimentos. O texto focaliza, pois, a lógica gerencial que define hoje as ações de trabalho social, especialmente em urbanizações de favela. Qual lugar o “gerenciamento social” ocupa nas práticas de amenização da precariedade social e habitacional nas cidades? Em que medida a assistência social gerencial institucionalizada se diferencia, se conflita ou se aproxima das formas de associativismo (movimentos sociais, associações de moradores, ONGs) normalmente presentes nas áreas de intervenção? Palavras-chave: Trabalho social. Gerenciamento social. Urbanização de favela. II CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013

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PRÁTICAS GERENCIAIS DE TRABALHO SOCIAL EM URBANIZAÇÕES DE FAVELA

PULHEZ, MAGALY MARQUES

Universidade de São Paulo. Instituto de Arquitetura e Urbanismo.Av. Trabalhador São Carlense, 400, 13566-590 - São Carlos - SP - Brasil

[email protected]

RESUMO

Testada e aceita a urbanização de favela como modelo de política pública habitacional, o consenso de que não há intervenção física de sucesso sem trabalho social atravessa, da esquerda à direita, governos, terceiro setor, acadêmicos, empresários, comunidades. Em 2004, a Política Nacional de Habitação atribuiu ao trabalho social financiamento e contabilidade próprios. Atrelado às exigências de “participação da comunidade” nos processos de projeto e obra, não faltam manuais de expertise a instruir seus procedimentos. O texto focaliza, pois, a lógica gerencial que define hoje as ações de trabalho social, especialmente em urbanizações de favela. Qual lugar o “gerenciamento social” ocupa nas práticas de amenização da precariedade social e habitacional nas cidades? Em que medida a assistência social gerencial institucionalizada se diferencia, se conflita ou se aproxima das formas de associativismo (movimentos sociais, associações de moradores, ONGs) normalmente presentes nas áreas de intervenção?

Palavras-chave: Trabalho social. Gerenciamento social. Urbanização de favela.

II CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013

“TRABALHO SOCIAL” E HABITAÇÃO

“Já é consenso: o trabalho social não é simplesmente um apoio da obra.

É um componente estratégico da política habitacional e urbana. Com a

escala das intervenções no Brasil e com o financiamento do trabalho

social, hoje não se trata mais de projetos pilotos. O conceito se

consolidou e seus objetivos vão além da moradia. O trabalho social (TS)

busca garantir a organização, a participação e a mobilização popular.”

(MCidades, 2011, p.24)

Entre os dias 31 de agosto e 02 de setembro do ano de 2010, estiveram reunidos,

em Brasília, algo em torno de 45 palestrantes, entre lideranças comunitárias, gestores

públicos, acadêmicos, consultores, etc, sob o patrocínio do Ministério das Cidades, em

parceria com a Aliança de Cidades (Cities Alliance) e o Banco Mundial, para revisitar um

tema que há pelo menos uma centena de anos se faz recorrente no tratamento da questão

habitacional para a população mais pobre no Brasil: o trabalho social.

O que se denomina aqui “trabalho social” trata-se de um conjunto de ações de

assistência social desenvolvidas e/ou promovidas pelo Estado, estruturadas para atuar em

complementação, no caso das intervenções habitacionais, àquilo que se considera “trabalho

físico”, técnico, de projeto e obra. É um ramo profissional historicamente protagonizado por

assistentes sociais, que, pela formação específica, detém um alegado know-how para lidar

com o assunto. Editais de projeto e obra de habitação de interesse social, como é o caso

das urbanizações de favela, sempre solicitam, na composição da equipe, um profissional da

área social (e não raro especificam: “assistente social” ou “sociólogo”, equalizando as duas

carreiras), que seria aquele a garantir os “processos participativos” e a “mobilização

comunitária”.

O chamado Seminário Internacional sobre Trabalho Social em Intervenções

Habitacionais fez render um documento-síntese (MCidades, 2011), disponibilizado via web

pela Secretaria Nacional de Habitação (SNH), que reúne depoimentos e considerações

então levantadas sobre o tema, tratando-o como propriamente um conceito, a amalgamar

assuntos da mais variada gama: mobilização, educação sanitária e ambiental, geração de

trabalho e renda, violência doméstica e violência urbana, inclusão social, desenvolvimento

local.

Em se tratando de um seminário cujo objetivo fosse “ampliar o campo de ação e o

repertório do trabalho social”, não parece estranha a ausência de referências ao desenrolar

histórico daquilo que agora se quer como “conceito”, muito embora o discurso de pretensões

regenerantes dos dias de hoje em pouco se diferencie daquele moldado ainda sob o ideário

estadonovista, nos anos 1930, quando os intuitos de formação do “homem novo”, do

“trabalhador-padrão” – que necessitaria moradia salubre e moralmente adequada para

reproduzir sua força de trabalho – solicitavam do Estado uma postura socioeducativa, de

orientação e reajustamento das massas.

A consolidação do discurso assistencialista sobre habitação popular nos anos 1940 e

50, que reforçava, de um lado, a imagem da favela como espaço imundo, promíscuo e

degradante, carente de recuperação, e, de outro, a aposta na casa da família proletária

como suporte para a mudança almejada, permitiu que se institucionalizasse, sobretudo

através dos profissionais de serviço social1, a prática do “ensinar a morar”, de acordo com

regras de higiene e boa convivência.

Vejamos a semelhança dos discursos de ontem e de hoje, respectivamente:

“Construídas as casas fazia-se necessário preparar os moradores para

nelas habitarem. As condições de moradia em que se encontravam os

havia deturpado de tal modo que precisavam ser ensinados a habitar

em novas casas, para que cada membro pudesse exercer devidamente

suas missões morais (esposa e esposo, mãe e pai) e missões materiais

(dona de casa e chefe de família e profissional). A educação deveria

ser a primeira medida, antes mesmo da mudança. De nada adiantaria

fornecer habitação se os operários não soubessem se servir dela. Para

tanto, antes da entrega das casas deveriam ser ministradas algumas

instruções essências para que o morador estivesse pronto para morar

em ambiente tão diverso do seu, e para usufruir do mesmo”

(Nascimento, 2006, p.55).

“A transferência de um grande número de famílias, oriundas de

diferentes áreas de favelas, para um novo espaço de moradia –

apartamentos em conjuntos habitacionais públicos – gera impactos

nesses moradores, exigindo adaptações de conduta, aprendizado de

novas normas de convívio e responsabilidades que até então não

faziam parte de seu viver cotidiano. Reúnem-se pessoas de condições

diversas de vida, valores, hábitos, perspectivas, e, sobretudo, com

níveis diferentes de motivação para mudanças. Assim, é fundamental a

realização de um trabalho social de acompanhamento sistemático,

1 Nascimento (2004) traça um histórico importante a respeito da institucionalização da profissão de assistente social no Brasil. Com a aproximação do Estado Novo aos ideários de renovação social da Igreja Católica, “ser assistente social não era [mais] dar consolo e conforto aos irremediavelmente pobres, mas, sim, promover a superação de sua condição de atraso. Tal situação era complementar à legislação social, assegurando ao ‘homem novo’ uma situação de vida mais humana e cristã” (Nascimento, 2004, p.49).

visando diminuir esse impacto e desencadear nos moradores um

processo de organização e de participação na vida coletiva, elementos

necessários à convivência em condomínio e à administração do

conjunto habitacional” (França, 2000, p.226).

Ou seja, com menos ou mais força neste ou naquele período, a assistência social

tem ocupado, desde então, papel de destaque no tratamento da questão habitacional,

transitando num campo de ambiguidades, donde fica difícil dar contornos nítidos àquilo que

se assemelha à tutela e ao autoritarismo e àquilo que se aproxima da tarefa pública de

garantir ao cidadão os seus direitos.

Mais recentemente, depois de largamente testada e aceita a urbanização de favela

como modalidade de “solução habitacional”, o discurso convergente em torno da ideia de

que não há intervenção física bem-sucedida sem trabalho social, evocando as virtudes dos

chamados “programas integrados”, em que se combinam diferentes modalidades de

assistência social, para além da pedagogia do habitar (“subprogramas” setoriais de geração

de renda, de microcrédito, de atenção à mulher, ao adolescente, à criança, etc), às obras de

saneamento e melhorias habitacionais, atravessa, da esquerda à direita, governos, terceiro

setor, acadêmicos, empresários, “comunidades”.

Há anos tornado norma em editais de contratação de serviços, a Política Nacional de

Habitação aprovada em 2004 tratou de atribuir ao trabalho social o que lhe faltava:

financiamento e contabilidade próprios e específicos – investimentos da ordem de 2,5% dos

recursos totais de uma obra ficam comprometidos, obrigatoriamente, com tais atividades.

Muitas vezes atrelado às exigências de “participação da comunidade” nos processos

de projeto e obra, não faltam receituários e manuais a instruir seus procedimentos,

incorporando também nesse âmbito instrumentos de gestão entendidos como “eficazes”:

“Perante a crescente complexidade, maior volume de recursos a serem

administrados, e novas tarefas a serem executadas pelo TS,

recomenda-se incluir entre os componentes financiáveis das

intervenções um Componente de Gestão (no molde dos financiamentos

do BID e do Bird). Isso faria com que, inclusive, fosse exigido para o

Trabalho Social pessoal com competências adequadas, a serem

oportunamente estimuladas, seja por meio da articulação com o setor

acadêmico, com iniciativas formativas pelo Ministério das Cidades e

pala Caixa.

Uma das responsabilidades cruciais a serem assumidas por esse

componente de gestão é a implantação de sistemas e procedimentos de

monitoramento e avaliação adequados da intervenção, nas suas

diversas dimensões, inclusive a dimensão socioeconômica dos

beneficiários. É fundamental que a SNH assuma a liderança desse

processo, produzindo diretrizes, manuais e instrumentos para M&A”

(MCidades, 2011, p.41).

PRÁTICAS GERENCIAIS E URBANIZAÇÕES DE FAVELA:

PROCESSOS E DESDOBRAMENTOS

Parece mesmo difícil questionar a tese de que as instituições financeiras

multilaterais, em especial o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco

Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), seriam os grandes porta-vozes do

tema do controle da pobreza no terceiro mundo como garantia de estabilidade social e

econômica, a alcançar-se através de políticas responsáveis, good governance, técnicas

modernas de management, por um setor público competente, cujo ethos burocrático deve

necessariamente substituir-se pelo gerencial.

Embora não se possa afirmar que o consenso ideológico em torno do ajuste e, mais

tarde, do desenvolvimento local tenha se tratado de um movimento de mão única – afinal,

governos e elites locais associaram-se às instituições de governança global de forma

absolutamente interessada nas últimas décadas, não apenas pelos recursos que aportam,

mas por complementarem uma mesma engrenagem política –, não há como não levar em

conta, como no argumento de Maranhão (2009), “a capacidade das organizações

multilaterais de generalização de um novo discurso e de uma nova prática”, moldados por

referenciais normativos que desafiam a possibilidade mesma de distinção, no espectro

político, daquilo que se convencionou “classificar” como esquerda e direita.

Maranhão localiza essa construção normativa num momento pós-reformas, em que a

pobreza passa a ser encarada, de fato, como administrável – mesmo com crescimento

econômico, ainda haveria uma parte vulnerável da população, em franco empobrecimento,

incapaz de estar no mercado, que careceria de atenção, de ações focalizadas, eficientes:

“Como construir a ideia da inevitabilidade das reformas dos serviços

públicos, da privatização das empresas estatais, da abertura das

economias às importações, da flexibilização do mercado de trabalho, se

o resultado a que se assistia era o aumento da pobreza? É nesse

sentido que a discussão sobre a viabilidade política das reformas

passou a ser objeto dos documentos do Banco [Mundial] junto às

propostas de políticas sociais mais eficientes e que focalizassem os

pobres” (Maranhão, 2009, p.73).

Nesse sentido, se tomamos o caso brasileiro, existe por aqui uma convergência

interessante a se notar, muito embora não nos seja exclusiva, sobretudo no âmbito das

políticas urbanas: nos anos 1990, com a parceria do governo FHC, as agências multilaterais

foram personagem importante na implementação das reformas do Estado, com suas

exigências de captação e mobilização de recursos privados, reestruturação no sistema

financeiro habitacional, redução do papel público no fornecimento de serviços urbanos,

incentivos ao mercado, aplicação de conceitos de gestão corporativa à gestão urbana.

Arretche (2002) traça um panorama sobre a agenda reformista defendida por Fernando

Henrique Cardoso para as políticas de habitação e saneamento e ressalta que a principal

justificativa para a “mudança de paradigma” baseava-se numa avaliação negativa dos

resultados do modelo anterior de provisão, estatal e centralizado, herdado do regime militar.

Segundo a autora, “o novo governo avaliava que a corrupção e ineficiência administrativas

dos governos civis anteriores foram possíveis graças à centralização federal; por

conseguinte, era forte a concepção, derivada desta primeira, que associava positivamente

descentralização a formas mais ágeis, democráticas e eficientes de gestão”. Posta em

prática muito rapidamente, a nova política implicou numa investida de crédito ao mutuário

final, que buscaria seu imóvel financiado diretamente no mercado imobiliário, o que

provocou, de imediato, o desmonte de boa parte das Companhias de Habitação (COHABs),

responsáveis por atender a parcela mais pobre da população, sufocadas pelas restrições de

financiamento impostas pelo governo federal.

Concomitantemente, quando o tema da pobreza focalizada ganha ênfase no discurso

defendido pelas agências multilaterais, vivemos no país um momento ímpar de aporte de

recursos e investimentos (de capital nacional e internacional) em urbanização e

regularização fundiária de favelas e programas aí associados, com forte acento no controle

das vulnerabilidades sociais de seus moradores. Arantes (2004) lembra ao menos quatro

grandes iniciativas financiadas pelo Banco Mundial e pelo BID: Favela-Bairro (BID), no Rio

de Janeiro; Cingapura (BID) e Guarapiranga (BM), em São Paulo; e Ribeira Azul (BM), em

Salvador, somando recursos da ordem de um bilhão de dólares, aplicados em pouco mais

de cinco anos.

As urbanizações de favela parecem significativas nesse contexto, justamente porque

constituem uma espécie de elo discursivo, donde cabe blindar as reformas de qualquer

crítica, sob a justificativa de que como se estivesse retirando parte do problema das mãos

de um Estado incapaz, se estaria, mais ainda, valorizando os pobres, “capazes de ajudar a

si mesmos e adotar papéis proativos” 2 (Arantes, 2004).

Em termos estratégicos, os mecanismos de gestão seletiva dos recursos e de

desfinanciamento de empresas públicas de habitação adotados pelo governo FHC,

promoveu, por sua vez, uma redução na produção de novas unidades destinadas à

população de baixa renda, o que, de certa forma, também contribuiu para consagrar a

urbanização de favelas como “boa prática” – de alternativa à solução.

Em 1999, o Banco Mundial anunciou sua principal iniciativa para a melhoria das

condições de pobreza nas favelas urbanas, a Cities Alliance – Aliança de Cidades,

autorreferenciada como “uma parceria global para redução da pobreza urbana e a promoção

do papel das cidades no desenvolvimento sustentável” –, reunindo o próprio Banco e

Organização das Nações Unidas - ONU, através da Agência Habitat, sob o mesmo manto

ideológico, em que a gestão dos níveis de pobreza aparece como estratégia para o avanço

neoliberal, como argumenta Maranhão (2009).

Segundo Arantes (2004), em consulta a documentos da Cities Alliance, a coalizão

baseia todo o seu trabalho no “consenso a respeito do slum upgrading como política urbana

mais eficaz de combate à pobreza urbana” (p.81) e enumera as vantagens de se intervir em

favelas e assentamentos precários:

“a alta visibilidade da intervenção e a forte sensação de mudança na

qualidade de vida (daí ser o tipo ideal de ‘best practice’); o baixo custo,

se comparado à produção habitacional tradicional; a forma eficiente de

mobilização dos recursos locais, estimulando o investimento dos

moradores e o self-help (estima-se que para dólar investido pelo poder

público, os moradores investem outros sete na melhoria de suas casas);

o aumento da segurança da posse; a incorporação das populações no

pagamento pelos serviços e taxas urbanas; o fortalecimento dos laços

comunitários e da identidade local; o aumento da produtividade dos

pobres (‘slums constitute the core of the urban labor force’); e a redução

da violência e da instabilidade social.” 3

As cidades brasileiras, tal como ocorrera em tantas outras pelo mundo, tomaram

para si o cardápio de recomendações da Aliança para a valorização dos assentamentos

populares, colocando-o em prática de maneira estruturalmente associada à reforma

gerencial do Estado, o que se pode notar de forma clara em programas como o Habitar

2 Kessides, Christine e Baharoglu, Deniz. Urban Poverty. Washington: World Bank, 2001. Citado em Arantes, 2004, p.79.3 Cities Alliance. Cities Alliance and Cities without Slums: action plan for moving slum upgrading to scale. Banco Mundial e Habitat/ONU, 2000. Sistematizado por Arantes (2004, p.81).

Brasil, uma parceria do governo federal e o BID, que não apenas pretendia “democratizar” o

acesso à habitação para as populações dos núcleos favelizados sob intervenção, com base

na redução dos custos da oferta (ou seja, reduzindo padrões), como também promover a

melhoria do “desempenho institucional” das administrações municipais responsáveis pela

implantação do programa, de modo a torná-las mais modernas e eficientes (Pulhez, 2007);

ou o Programa de Saneamento Ambiental e Recuperação Urbana da Bacia do

Guarapiranga, da Prefeitura de São Paulo, em que uma sequência de terceirizações de

serviços tornou possível sua implementação, contando com três esferas distintas de

gerenciamento – gerenciamento geral do programa, gerenciamento das obras e

gerenciamento social (França, 2000).

Em seu trabalho, Arantes (2004) joga luz sobre o processo de construção das

relações de dependência entre os bancos multilaterias e as administrações públicas (nos

três níveis) e levanta dois pontos especialmente importantes para o trato da questão

habitacional:

1) ao analisar o padrão de financiamento das políticas urbanas (saneamento,

habitação, programas sociais, etc) pelo BM e BID, o autor apresenta um quadro em que,

claramente, o gasto público se mostra condicionado às exigências e ingerências de tais

instituições: “diretamente, ao estabelecerem o que consideram ou não ‘elegível’ nos projetos

financiados, e indiretamente, ao solicitarem uma reestruturação do órgão ou empresa

pública para que assumam a ‘racionalidade’ de uma empresa privada” (Arantes, 2004,

p.182).

2) por meio da análise do padrão de negociação para a obtenção dos empréstimos

externos, o pesquisador transcreve depoimentos de gestores públicos convencidos de que

de fato “não existe outra opção” para operar os programas, descrevendo “uma máquina

pública em situação de crise e semiparalisia”, cada vez mais dependente não apenas do

dinheiro “barato” obtido junto aos bancos, mas também da lógica gerencial por eles

defendida: “Vários gestores, mesmo os mais críticos em relação a tais instituições,

reconhecem que os bancos multilaterais podem ter uma função positiva, forçando-os

(mesmo que em meio a embates) a realizar novos arranjos institucionais, a adotar uma

expertise de gestão, mais objetividade e clareza no que se empreende, justificativas

tecnicamente fundamentadas, etc” (Arantes, 2004, p.185/6).

Desde aí seria interessante notar como a exigência do trabalho social em toda e

qualquer prática de intervenção habitacional – e mais fortemente nas urbanizações de

favelas – se casa finamente com a agenda reformista: o Banco Mundial se põe a exigir o

trabalho social objetivamente e em primeiro lugar como forma de viabilizar as obras, não

raro complexas e conflituosas, implicando remoções, demolições, reassentamento; daí

constar de editais de contratação de serviços, com regras e procedimentos definidos para

tal; daí o Banco restringir os financiamentos a projetos que contemplem o trabalho social, de

acordo com suas normativas; daí a adoção da lógica gerencial, que em tese garante que

regras e procedimentos sejam cumpridos de forma objetiva, clara e eficiente, reduzindo

fortemente os riscos de que a intervenção não obtenha sucesso4.

EMPRESAS GERENCIADORAS E FAVELAS: UM MERCADO EM

EXPANSÃO

Se, por um lado, as favelas historicamente são encaradas, no Brasil, como um

“problema social”, a solicitar ações de amparo e assistência social, que em tese deveriam

contribuir para a “melhora na qualidade de vida da população, integrando-a à cidade”

(MCidades, 2011, p.34), por outro lado, quando se trata de lidar diretamente com

intervenções físicas (contenção de áreas de risco, implantação de redes de infraestrutura,

canalização de córregos, remoções, reassentamentos, etc), as favelas se transformam num

problema “técnico”, de especialistas em geotecnia, saneamento, meio-ambiente.

Grandes empresas gerenciadoras, tradicionalmente ligadas a setores como

transporte, grandes obras de infraestrutura, saneamento e energia, também ocupam, no

mercado, a fatia dos empreendimentos habitacionais – donde incluídas as urbanizações –,

seja desenvolvendo projetos, planos e estudos; seja gerenciando e implantando obras.

Note-se que não se trata de empreiteiras ou construtoras, que, evidentemente, são

mesmo as responsáveis pela execução das obras: são, na verdade, empresas que atuam

propriamente no ramo consultivo, prestando serviços de “planejamento, estudos, planos,

pesquisas, projetos, controles, gerenciamento, supervisão técnica, inspeção,

diligenciamento e fiscalização de empreendimentos relativos à arquitetura e à engenharia”,

tal como nos informa o Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia

Consultiva (SINAENCO)5, organismo que representa o setor.

Em seus altos escalões, sempre encontramos engenheiros, normalmente da área

civil, encabeçando equipes multidisciplinares inconstantes, montadas ao sabor dos serviços

da vez, variando entre mais engenheiros, alguns geólogos, arquitetos, assistentes sociais,

um profissional ou outro da área administrativa, de economia ou de direito. Atendendo a

clientes dos setores público e privado, seu discurso varia pouco e preza sempre por

ressaltar algumas palavras em específico, próprias do meio em que estão inseridas:

4 Grosso modo, poderíamos entender uma intervenção bem-sucedida como sendo aquela de baixo teor de conflito, boa adaptação da população moradora à sua nova condição de vida (de favelados, tornam-se condôminos e também contribuintes), níveis de vulnerabilidade social controlados (população empregada, capaz de honrar seus compromissos com taxas e prestações). 5 Dados em http://www.sinaenco.com.br/, consulta em 02 de fevereiro de 2013.

solução, qualidade, confiança, conhecimento, agilidade6.

Segundo dados de 2009, disponibilizados pelo SINAENCO, mais de 200 empresas

de engenharia consultiva trabalham, sobretudo atendendo à administração pública, com

atividades de gerenciamento de empreendimentos 7, que implicam, fundamentalmente, em

disponibilizar ao contratante um corpo técnico especializado e capacitado para planejar,

dirigir, coordenar, controlar, fiscalizar e corrigir o andamento de um determinado projeto ou

obra:

“Contrato de gerenciamento (“contract of management”, dos

norteamericanos) é aquele em que o dono da obra, no caso o Poder

Público, comete ao gerenciador a programação, a supervisão, o

controle e a fiscalização de um determinado empreendimento de

engenharia, reservando a competência decisória final e

responsabilizando-se pelos encargos financeiros da execução do

projeto. Nessa moderna modalidade contratual, todas as atividades

necessárias à implantação do empreendimento são transferidas ao

gerenciador – empresa ou profissional habilitado – pela entidade ou

órgão interessado, que apenas retém o poder de decisão sobre os

trabalhos e propostas apresentados (...). O gerenciamento é, pois,

atividade técnica de mediação entre o patrocinador da obra e seus

executores, visto que o profissional ou a empresa gerenciadora não

executa materialmente o empreendimento, mas propicia a sua

execução, indicando os meios mais eficientes e econômicos para sua

realização.” (Meirelles, 1980, p.5).

Prometendo “eficiência e economia”, a prática do gerenciamento vem sendo adotada

em empreendimentos habitacionais no estado de São Paulo pelo menos desde o final da

década de 1980. A Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) vem

inclusive aprimorando a capacidade de atuação destas empresas, com a adoção de acordos

setoriais de qualidade, que visam o desenvolvimento de programas de qualidade para cada

um dos segmentos representados, dentre eles as gerenciadoras de projeto e obra8.

Já na Superintendência de Habitação Popular (HABI), da Secretaria Municipal de

Habitação da Prefeitura de São Paulo, a presença destas empresas atuando junto ao poder

6 Dados baseados em informações retiradas de sites de empresas de engenharia consultiva. Endereços eletrônicos em “ SITES CONSULTADOS”. Acessos entre 02 e 08 de fevereiro de 2013.7 Segundo dados do SINAENCO, o setor público supera o privado nas contratações de empresas de gerenciamento, consumindo dois terços dos serviços contratados.8 A CDHU conta, desde 1996, com um programa de gestão da qualidade, o QUALIHAB, que, apesar de se tratar de um programa cujo peso está nos setores da construção civil ligados ao fornecimento de materiais e execução de obras, conta com uma relação de empresas gerenciadoras, também qualificadas nos programas setoriais.

público para lidar com as intervenções em favelas remete ao governo Luiza Erundina (1989-

92), quando a urbanização se torna um programa relevante dentro da política habitacional

(Bueno, 2000).

Na prática, a implementação do programa solicitava dos gestores empenho em

normatizar procedimentos, sistematizar diretrizes e normas técnicas, operacionalizar

contratações e assinatura de convênios para levantamentos, projetos e obras, encaminhar

medições e pagamentos (Bueno, 2000) – demandas muitas vezes complexas, relatadas

como altamente burocratizadas, a exigir conhecimentos específicos (gerenciais) e um tempo

enorme de dedicação profissional para que fossem cumpridas. Daí a necessidade de

contratação de gerenciadoras terceirizadas, desde então continuamente presentes na

estrutura da gestão municipal.

A especificidade do “gerenciamento social”

Se um mercado de especialidades técnicas se abre e se multiplica de forma

proporcional aos recursos investidos nos programas de favela, atiçando empreiteiras,

consultorias e gerenciadoras, não há porque imaginar que no caso do trabalho social essa

dinâmica pudesse ser diferente: embora o conteúdo seja outro, a forma de atuação

compartilha do mesmo desenho – o “gerenciamento social”. Parece de fato tratar-se de um

ramo em expansão, aquecido na esteira do alarde em torno das ações de combate à

pobreza, no contexto já aqui relatado.

Em muito impulsionadas no Brasil pelos governos Lula e Dilma, as iniciativas de

“gestão social” e também a profissionalização do trabalho social vêm sendo tema de estudo

de uma imensidão de pesquisas e debates acadêmicos; e muito embora o

empreendedorismo social em suas formas associativas, “comunitárias”, concentre boa parte

das atenções desses pesquisadores (Rizek & Georges, 2008; Georges & Garcia dos

Santos, 2011), parece importante realçar os contornos desse modelo empresarial de

gerenciamento social, não em diferenciação ou mesmo contraposição ao fenômeno da

oferta variada (e tantas vezes despolitizada) de assistência social nas periferias, mas sim

em complementação a ele, já que não se trata de processos unilaterais, evidentemente.

Dentre as empresas que vem atuando no mercado do gerenciamento social em São

Paulo, vale delinear sucintamente o perfil de uma delas, através de informações retiradas de

seu site na rede, de modo a ilustrar a estruturação do discurso que garante a participação

deste segmento no mercado do trabalho social.

Em tempo: esta empresa, que chamarei genericamente de “EGS” (Empresa de

Gerenciamento Social), não é e jamais foi uma organização do terceiro setor, segmento este

que vem, como se sabe, acumulando know-how para lidar com ações sociais; trata-se sim

de uma empresa privada convencional, que se vale do mesmo aporte gerencial que

qualquer outra daquelas já mencionadas, mas o faz de forma branda, amenizando a

agressividade do léxico corporativo, agregando palavras de solidariedade, que carregam

significados mais “humanos”.

De modo contextual, seria importante lembrar que o já citado Programa

Guarapiranga – que envolveu em grande proporção empresas de engenharia consultiva e

empreiteiras de médio porte, com abundantes currículos voltados para obras de

infraestrutura, estradas, barragens etc, nas gestões Maluf e Pitta em São Paulo – foi o

primeiro a contar com a terceirização do trabalho social na metrópole, dadas as dimensões

da intervenção (mais de 20 assentamentos foram atendidos, entre ações de urbanização e

de recuperação urbana e ambiental, remoções, reassentamentos, etc. Conforme França,

2000).

Foi ali, a partir de 1996, que a EGS – fundada em 1990 por engenheiros e

economistas pernambucanos com experiência profissional tanto no setor público quanto no

privado – firmou as bases do tipo de trabalho que hoje a faz reconhecida no mercado,

agregando à questão social outros “conceitos” em voga e que soam importantes à

sociedade, como “desenvolvimento territorial e ambiental” e “sustentabilidade”:

“Parecia uma equação impossível: uma empresa com foco no social.

Uma empresa para desenvolver metodologias e tecnologias que

dessem conta da complexidade da gestão social envolvendo governos,

iniciativa privada e sociedade. Mas o objetivo era trazer uma nova

perspectiva para a gestão empresarial e para a gestão pública, aliando

o desenvolvimento econômico ao social e ambiental, e, a partir daí,

buscar novos horizontes, cidades, estados, países, empresas.”

Por ter como foco o tema da “gestão social”, a EGS incorpora, em seu discurso,

muito do vocabulário solidário-participativo largamente disseminado pelo terceiro setor, em

suas funções de participar dos esforços globais de combate à pobreza. De maneira

justaposta, são ao mesmo tempo facilmente identificáveis os ditames gerenciais que regem

as cartilhas profissionais de qualquer grupo corporativo e que evidentemente se espera que

a empresa defenda e apresente em seu cardápio de serviços:

“Conhecer - O ponto de partida da metodologia da [EGS] é o

conhecimento da realidade do território nas suas diversas dimensões,

por meio de diagnósticos integrados, participativos e territorializados,

valorizando culturas e subjetividades, identificando necessidades,

vocações e potencialidades e produzindo sínteses interdisciplinares.

Dialogar - O diálogo é a forma de integrar todos os atores envolvidos

em um território: dando voz, ouvindo, interpretando, representando.

Estabelecemos, com isso, processos de participação, parceria,

construção coletiva de novas realidades nestes territórios.

Planejar - A partir do conhecimento gerado e dos diálogos construídos,

planejamos as diretrizes, estratégias e prioridades das intervenções

progressivas ou estruturais. Sempre de forma participativa e levando em

conta a Gestão Integrada do Território.

Transformar - O planejamento orienta e estrutura o processo de

transformação do território, baseado em uma dinâmica cotidiana

psicopedagógica, no compromisso com os resultados e sua qualidade,

na construção de indicadores e na prática sistemática de monitoramento

e avaliação. Tudo isso com a premissa da consciência e vivência

coletiva para a sustentabilidade.

Monitorar e Avaliar - Após a implementação e o processo de

transformação, é importante monitorar os resultados, gerir e melhorar

técnicas e processos. Em alguns, casos, o resultado implica em um

novo processo de conhecimento, diálogo, planejamento e

transformação.”

Essa metodologia, comprometida com o controle dos processos e com a

apresentação de resultados, tem capacitado a EGS para trabalhar tanto no setor público

quanto no setor privado, abrangendo uma gama variada do que a empresa chama de

“soluções e serviços” – Gestão Integrada de Territórios, Regularização Fundiária, Ações

socioeducativas e culturais para redução de perdas e inadimplência de serviços públicos,

Soluções para Intervenções Habitacionais e Reassentamentos, para Investimentos e

Programas Sociais, de Urbanização e de Saneamento Integrado, Consultoria e Capacitação,

Licenciamento Ambiental, Tecnologias para Reconhecimento de Territórios.

Tomando como exemplo um caso empírico, durante a urbanização da favela Jd.

Olinda, de cerca de seis mil moradores, na Zona Sul de São Paulo, os serviços que a EGS

prestou ali estiveram divididos em duas etapas, cercando primeiramente todo o processo de

desenvolvimento projetual e, mais tarde, o desenvolvimento das obras (Pulhez, 2007) 9.

Numa urbanização de favela, durante a fase de projeto, espera-se,

fundamentalmente, que as famílias tomem conhecimento das propostas, discutindo

9 A urbanização da favela Jardim Olinda foi parte dos estudos que realizei em minha pesquisa de mestrado (Pulhez, 2007). Integrando o Programa Bairro Legal / Subprograma de Urbanização de Favelas, do governo Marta Suplicy (2001-04), o projeto de urbanização foi desenvolvido entre 2003-4 e as obras foram iniciadas em meados de 2005, já na gestão Serra.

alternativas, e compreendam sua situação na urbanização do assentamento, sobretudo em

casos que apresentam grandes contingentes de removidos e/ou reassentados, para que não

haja, mais tarde, resistência conflituosa ou protestos de moradores que se recusem a deixar

a casa durante a execução das obras. De posse de algum documento que comprove que a

maioria da população está de acordo e adere à proposta de urbanização, a prefeitura fica

legalmente respaldada para intervir no núcleo, mesmo que tenha que lidar com reações

contrárias por parte de algumas famílias.

No Jd. Olinda, portanto, o trabalho da EGS esteve

fundamentalmente relacionado, no decorrer da etapa de

desenvolvimento projetual, ao gerenciamento das discussões

sobre a intervenção – organização e coordenação de

assembleias, reuniões, dinâmicas de grupo, plantões de

atendimento –, de forma a estimular e garantir, segundo

expectativas de HABI, a percepção, a capacitação e a

participação dos moradores no processo (Pulhez, 2007).

Apesar da realização de uma série de reuniões e

plantões de atendimento para esclarecimento e aprovação do

projeto, a formalização da proposta de intervenção em

assembleia, que deveria contar com o consentimento de 50%

+ 1 dos chefes de família dos domicílios cadastrados –

exigência do agente financiador do projeto, o BID –, só foi de

fato realizada depois de iniciada uma verdadeira “campanha” de mobilização dos moradores

para que participassem das “reuniões de esclarecimento da proposta”: a adesão, ainda

baixa, mas suficiente para o encaminhamento do projeto básico, foi de 53% (Pulhez, 2007).

Uma maquete em grande escala foi construída para melhor visualização do projeto.

Antes da assembleia, EGS, assistentes sociais da prefeitura, lideranças e arquitetos saíram

a campo com a maquete em punho, batendo de porta em porta, na tentativa de explicar o

projeto e esclarecer dúvidas sobre remoções e melhorias. Ainda assim, a participação de

780 moradores na reunião de apresentação do projeto foi considerada baixa, o que “motivou

nova estratégia de informação e sensibilização, através de reuniões setoriais por quadras,

com mobilização porta a porta no momento das reuniões, e também da realização de

plantões semanais para atendimento individualizado, dado o grande interesse particular

manifestado pelos moradores em relação à possível remoção de suas moradias”10.

Sob supervisão de HABI, organizadas, coordenadas e conduzidas pela EGS, as

10 PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO; SECRETARIA DE HABITAÇÃO E DESENVOLVIMENTO URBANO. “Participação popular nas experiências de urbanização de favelas: o caso do Jardim Olinda”. In _______. Atuação Multiprofissional nos Programas Habitacionais de Interesse Social. São Paulo, 2004. Citado em Pulhez, 2007, p.179.

reuniões setoriais foram realizadas frequentemente por cerca de três meses, para que os

moradores pudessem ser orientados, sobretudo, quanto aos impactos nos domicílios, nas

vielas, ruas e quadras, gerados pela concretização do projeto.

Mais tarde, iniciada a execução das obras, a EGS retornou a campo, sobretudo para

conduzir as remoções necessárias para a implementação das frentes de intervenção e

posterior reassentamento: esclarecimento junto às famílias quanto à necessidade da

mudança, vistoria de casas indicadas para abrigar famílias que teriam que ser removidas em

regime de aluguel provisório, vistoria da casa original destas famílias, acompanhamento das

famílias em visitas às moradias que seriam possivelmente alugadas, passando pelo

acompanhamento do processo de embalagem dos móveis e pertences de quem seria

removido, chegada à casa alugada e instalação, até o retorno dessas famílias à nova

unidade habitacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O programa de urbanização em que estava inserido o Jd. Olinda não previa ações

integradas de assistência social que visassem, por exemplo, processos de geração de

trabalho e renda ou incentivos de microcrédito, contribuindo para amenizar situações de

vulnerabilidade social, tal como recorrentemente se ouve em discursos oficiais, sempre a

ressaltar a importância da estabilidade socioeconômica como mecanismo de inclusão. As

demandas por assistência social eram encaminhadas a outras secretarias, já que não se

tratava de atribuição de HABI atendê-las diretamente.

Nesse sentido, “gerenciar o social” em situações como essa preserva um caráter

essencialmente instrumental, de operacionalização da urbanização, em todas as suas

etapas, com o claro objetivo de torná-la “bem sucedida”, o que, na prática, equivale a

cumprir cronogramas e medir a aplicação de recursos. O grau de envolvimento e

consentimento da população se mede em listas de presença, a comprovar a participação em

reuniões e assembléias tuteladas pelo poder público e terceirizados, como é o caso da EGS.

Sobretudo pela necessidade de se criar um ambiente favorável para viabilização das

obras, nenhuma urbanização de favela dispensa esse tipo de acompanhamento. Daí a

necessidade cada vez maior de se profissionalizar o “trabalhador social”, criando um tipo

híbrido, uma espécie de “gerente comunitário”, o que passa pela esfera comunitária da

mesma forma que passa pela esfera empresarial, ambas integrando um só campo

mercadológico em torno da administração da pobreza. Veja-se que na leitura dos

organismos multilaterais,

“a formação do trabalhador social e as competências necessárias,

mudaram (sic). Atualmente, Villarosa [consultor do BID e Aliança de

Cidades na área de habitação social] avalia que faltam conhecimentos e

práticas gerenciais às equipes sociais. ‘A função da equipe não é

somente a interação com a população, o atendimento, mas a gestão de

processos e recursos’.” (MCidades, 2011, p.14)

Nas palavras de Rizek (2009),

“o empresariamento da participação social, sob os novos rótulos de [...]

gerenciamento social parecem significar a ocupação empresarial de um

reduto que classicamente pertenceu aos domínios da politização e da

atuação de grupos vinculados a uma perspectiva democratizante das

dimensões habitacionais e urbanas. As dimensões participativas

ganham assim um novo estatuto de eficiência, gestão, controle

passando a fazer parte de uma espécie de reengenharia despolitizante

da gestão da cidade e de suas populações”.

Se nas favelas brasileiras, historicamente, o trabalho social sempre cumprira a

função de controlar e administrar tensões, o que agora se vê, diante de sua “tecnicização” e

de sua redução às competências do mercado, parece ser, na verdade, um aprimoramento

das formas de pacificação da população, em que não se percebe um encorajamento real

para a criação de novas formas de solidariedade, que deveriam ser próprias do trabalho

social, mas sim uma exacerbação de relações de concorrência (Rizek & Georges, 2008),

incrementadas ainda por práticas e expertises regradas em cartilhas gerenciais fartamente

presentes no modus operandi do Estado brasileiro, em suas dimensões mais corriqueiras.

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