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Judicialização de crimes ambientais, responsabilidade solidária

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RESPONSABILIDADE SOLIDRIA EM ILCITOS AMBIENTAIS.Napoleo Miranda

INTRODUO.

Em setembro de 2009 o Ministrio Pblico Federal no Estado do Par e o IBAMA ajuizaram, perante a Justia Federal daquele estado, um conjunto de Aes Civis Pblicas Ambientais tornando solidrios, para fins de responsabilidade civil, os diversos agentes econmicos que se encontram vinculados cadeia produtiva da carne e do couro no Par. Dessa forma, fazendeiros, frigorficos, curtumes e agroindstrias envolvidos com esta cadeia produtiva, foram includos nestas aes em razo de participarem de um processo econmico cuja base encontra-se relacionada a vrios ilcitos ambientais e sociais como desmatamento, invaso de terras indgenas, trabalho escravo, destruio de reas protegidas ambientalmente, entre outros.

A postura adotada pelo MPF/PA e pelo IBAMA abre uma perspectiva muito interessante, do ponto de vista jurdico, poltico e social, para o combate aos diversos crimes ambientais que, apesar da crescente legislao existente a respeito, continuam a ser cotidianamente praticados no pas.

Embora esta autuao do Ministrio Pblico Federal torne solidrios somente os agentes econmicos privados da cadeia produtiva mencionada, a idia de que a responsabilidade solidria tambm atinge os agentes pblicos no s por suas aes diretamente relacionadas a ilcitos ambientais, como tambm por sua omisso no combate a tais prticas, de grande alcance jurdico e social, podendo significar o estabelecimento de um novo paradigma para o combate aos crimes ambientais no Brasil. No outra a razo que levou o MPF/PA a propor a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ao Governo do Estado do Par.

Considerando, neste sentido, a ampla repercusso que a medida representou e os debates que suscitou, este artigo pretende analisar os fundamentos jurdicos do instituto da Responsabilidade Solidria e sua aplicao aos ilcitos ambientais, com o propsito de aprofundar o estudo deste instituto jurdico, bastante presente na legislao brasileira, para determinar seu potencial como instrumento de combate aos crimes ambientais.1 A Judicializao dos Crimes Ambientais no Brasil.

Muitas tm sido as tentativas de se fazer frente aos diversos problemas ambientais gerados pela atividade antrpica no mundo. Elas so de ordem distinta, visando alcanar diferentes resultados e buscando redirecionar, reprimir, ou reorientar a conduta humana em relao ao meio ambiente. Elas tambm tm assumido orientaes diferentes, sejam de carter positivo, incentivando a adoo de determinadas condutas consideradas positivas, sejam de carter negativo, desestimulando a continuidade de certos comportamentos tidos como prejudiciais aos ecossistemas e continuidade da prestao de servios ambientais dos quais a humanidade necessita para viver.

Dentre as medidas adotadas nos ltimos anos para enfrentar a crise ambiental em que estamos mergulhados, cabe destacar aquelas de carter jurdico que tm por objetivo penalizar as condutas consideradas como criminosas em relao a uma atitude saudvel para com o meio ambiente no nosso pas. Seja participando de diversos tratados ou convenes internacionais que tm por objeto a proteo do meio ambiente como o caso, por exemplo, da Conveno da Biodiversidade, o Tratado de Kyoto ou a Agenda 21, todos eles originrios da Eco-92, Conferncia Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro -; seja editando uma ampla e complexa legislao ambiental tidas por muitos como das mais avanadas em termos mundiais -, com destaque para a Lei 9.605, de 1998, conhecida como Lei dos Crimes Ambientais; seja, por fim, criando nas trs esferas de poder uma sofisticada estrutura institucional voltada para a regulao das relaes da sociedade e dos indivduos com a natureza no nosso pais, destacando-se o Ministrio do Meio Ambiente, o IBAMA, e demais rgos de regulao ambiental, fato que a sociedade brasileira tem avanado muito nos ltimos 20 anos em termos de um enfrentamento mais bem aparelhado e instrumentalizado s prticas sociais que ameaam o meio ambiente do pas.

Considerando-se todo o conflito de interesses relacionado ao uso dos recursos naturais, alm da inexistncia de uma perspectiva ideolgica, poltica e cultural dominante que tenha a proteo e preservao do meio ambiente como um dos seus pilares fundamentais, no chega a surpreender que toda esta estrutura jurdica e institucional no tenha tido muito sucesso em alcanar os objetivos para os quais foi criada.

Esta dinmica, entretanto, pode estar prestes a passar por uma mudana importante de paradigma, em razo da adoo pelo Ministrio Pblico Federal, no mbito do combate aos ilcitos ambientais, da perspectiva da Responsabilidade Solidria entre todos os agentes privados e pblicos, que, de forma direta ou indireta, participam das diversas cadeias produtivas que tm na utilizao de recursos naturais a sua fonte primria de gerao de riquezas, e que produzem como externalidade, na explorao destes recursos, um impacto ambiental significativo. Dessa forma, tais agentes podem, em nome da preservao do meio ambiente, ser responsabilizados civilmente e tambm penal e administrativamente -, e ser obrigados a pagar uma indenizao ambiental, mesmo que, tomados cada um deles individualmente, no seja o responsvel direto pela ameaa ou degradao da natureza. Por outro lado, a adoo da perspectiva da responsabilidade solidria, pode fazer com que cada agente se torne tambm, em nome do seu prprio interesse financeiro, um fiscal do comportamento ambiental correto de todos aqueles aos quais se encontra vinculado na sua cadeia produtiva de referncia.

A fim de se entender o sentido desta responsabilidade civil, objetiva e solidria, pelo dano ambiental, pode-se destacar dois elementos essenciais para a sua determinao, que so, por um lado, a caracterizao do dano ambiental verificado, e, por outro, a definio, em cada caso concreto, da existncia de vnculo entre a ao ou omisso do(s) responsvel(eis), que, efetivamente, se constitua em causa eficiente para o surgimento daquele dano, de forma a estabelecer o necessrio nexo causal entre a ao/omisso do agente e o resultado ambiental.

Dessa forma, uma vez estabelecido o nexo causal entre a ao e o seu impacto ambiental, e definido que, mesmo indiretamente, um agente qualquer se beneficiou, econmica e financeiramente, do dano ambiental causado, cabe o ajuizamento de uma ao de responsabilidade solidria entre estes agentes econmicos, de forma a conseguir, com esta ao, modificar seu comportamento ambiental e contribuir para a preservao do meio ambiente.

Esta possibilidade jurdica, prevista na Constituio Federal (Artigo 225, 3), no Cdigo Civil (Art. 186 e ss., e Art. 928 e ss.), e na Lei 9605/98 (Artigo 2), entre outros, representa um instrumento de grande alcance na luta pela preservao ambiental. Sua aplicao diligente pode vir a representar uma verdadeira revoluo na forma como tm sido combatidos os crimes ambientais no pas, pois, na medida em que todos os agentes de uma determinada cadeia produtiva podem vir a ser responsabilizados pelos crimes ambientais cometidos por qualquer um deles, muito provvel que, em nome da defesa de seus prprios interesses, tais agentes comecem a controlar mutuamente o comportamento ambiental de cada um, ou que, sentindo-se prejudicados econmica ou financeiramente, eles terminem por mudar de cadeia produtiva, buscando integrar-se a uma cadeia onde o comportamento ambiental de seus integrantes oferea menos riscos para cada um dos mesmos.

1.1 A Constitucionalizao da Proteo ao Meio Ambiente.

A recepo da proteo do meio ambiente como um tema que merece ser tratado em nvel constitucional recente no Brasil, sendo obra da Constituio Federal de 1988 t-lo previsto explicitamente, dedicando-lhe o Artigo 225 com este objetivo.

Embora diversos diplomas legais tratassem do tema anteriormente elaborao da Constituio como, por exemplo, a Lei 6.902/81 que dispe sobre a criao de Estaes Ecolgicas e reas de Proteo Ambienta; e a Lei 6.938/81 que dispe sobre a Poltica Nacional do Meio Ambiente -, com o advento da Constituio de 1988 que o tema passar a ter a importncia adequada s novas preocupaes mundiais com o meio ambiente.

A consagrao mundial das preocupaes com o meio ambiente ocorrer com a Conferncia Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento a ECO 92 ocorrida na cidade do Rio de Janeiro, naquele ano, a qual se transformou em um divisor de guas em termos do interesse, mobilizao, e elaborao de polticas pblicas voltadas para o meio ambiente em todo o mundo.Neste sentido, o Artigo 225 da Constituio Federal (2009) declara, expressamente:

Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes.

O texto do artigo consagra de forma clara e objetiva a obrigao do Poder Pblico com a defesa, a preservao e tambm com a garantia de efetividade para o direito fundamental a um ambiente ecologicamente equilibrado. Mas, como afirmado anteriormente, esse tambm um dever da coletividade, co-responsvel por um bem que direito de todos, sem distines quaisquer, o qual ir demandar a edio de uma norma capaz de qualificar o comportamento danoso ao meio ambiente, por parte das pessoas fsicas e tambm das pessoas jurdicas. A normatizao dos crimes ambientais foi realizada pela Lei 9.605/98, que disciplina os ilcitos ambientais e define as penas e multas a que esto sujeitos os agressores do meio ambiente, tendo como base os diversos incisos e pargrafos do Artigo 225 CF/88.

Merece destaque aqui a proteo a alguns biomas brasileiros prevista no Artigo 225, 4:

A Floresta Amaznica brasileira, a Mata Atlntica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira so patrimnio nacional, e sua utilizao far-se-, na forma da lei, dentro de condies que assegurem a preservao do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

preciso ressaltar que o 4, transcrito acima, no impede o uso das reas nele relacionadas, mas obriga os interessados a observarem o que dispe a lei acerca da proteo destes ecossistemas, sujeitando-os s penalidades previstas no Artigo 225, 3. Ora, a produo agropecuria na regio amaznica tem sido um dos principais fatores de destruio daquele bioma, no s por inobservncia da legislao de proteo ao meio ambiente, como tambm por desrespeitar as prprias caractersticas naturais do mesmo, em geral inadequado para a produo agrcola e pecuria em razo da pobreza do seu solo a sua camada de hmus pouco profunda, sendo rpida e facilmente destruda pelo caminhar dos animais o que requer uma constante ampliao da rea de floresta desmatada para permitir a expanso da produo agropecuria. Dessa forma, este bioma encontra-se em um processo de permanente ameaa e risco de destruio, comprometendo a sua capacidade de cumprir com seus processos biolgicos essenciais e com a sua capacidade de suporte para a manuteno da vida dos seres vivos que dela dependem, includos os seres humanos da regio. 1.2 A Interpretao Constitucional da Responsabilidade pela Proteo ao Meio Ambiente.

Apesar de expresso na Constituio do pas, com base em uma interpretao constitucional especfica que se pode derivar uma definio mais abrangente da responsabilidade civil por agresses ao meio ambiente, ou seja, de uma responsabilidade objetiva e solidria em casos de infraes legislao ambiental.

O carter difuso do direito relacionado ao meio ambiente o direito a um meio ambiente no poludo, preservado, capaz de dar suporte aos processos vitais necessrios nossa qualidade de vida, direito de todos e cada um de ns, e, ao mesmo tempo, de ningum em particular demanda que a aplicao dos preceitos constitucionais previstos no Artigo 225, CF/88, seja objeto de uma interpretao cuidadosa e voltada para ampliao do rol de responsveis pela proteo ao meio ambiente, tanto aqueles que se beneficiam diretamente pela explorao dos recursos naturais, como tambm daqueles que, indiretamente, auferem benefcios do uso destes recursos feito por terceiros.

Tal parece ter sido a perspectiva do Ministrio Pblico Federal no Par ao incorporar, na ao movida contra os produtores de carne do Estado, todos os membros da cadeia produtiva que so beneficirios, direta ou indiretamente, da destruio da floresta amaznica para fins de produo pecuria, tornando-os responsveis solidrios pelas prticas lesivas ao meio ambiente.2 Da Responsabilidade Civil nos Ilcitos Ambientais.

O tema da Responsabilidade Civil vem assumindo tambm uma crescente importncia social em razo da conscincia cada vez mais significativa acerca dos direitos individuais e coletivos, e da necessidade de usufru-los e salvaguard-los adequadamente.2.1 Conceito de Responsabilidade Civil.

Para efeitos do presente artigo, o conceito de Responsabilidade refere-se, para Srgio Cavalieri Filho (2010, pg. 2), ao dever que algum tem de reparar o prejuzo decorrente da violao de outro dever jurdico. Ou seja, do ponto de vista jurdico, a Responsabilidade se configura como um dever jurdico sucessivo (ou secundrio) vinculado noo de indenizao ou reparao de um prejuzo causado a um Terceiro seja um indivduo, a coletividade ou o Poder Pblico. Neste sentido, a responsabilidade se estabelece a partir do momento em que uma Obrigao considerada aqui como o dever jurdico originrio (ou primrio) deixa de ser cumprida de forma satisfatria, gerando o direito daquele que foi lesado em seu direito a exigir uma compensao pelo prejuzo sofrido em razo da inadimplncia ou inobservncia do dever de cuidado daquele que o responsvel pelo cumprimento desta obrigao. Assim, configurado o ilcito pelo descumprimento da obrigao, surge a responsabilidade, para aquele que incorreu neste descumprimento, de reparar o dano causado a outrem, configurando, dessa forma, a responsabilidade civil no plano jurdico.

Portanto, sempre que houver violao a um direito ou dever jurdico pr-existente a Obrigao -, pode-se falar no surgimento de outro dever jurdico: a responsabilidade de reparar o dano causado. Da a definio sugerida por Sergio Cavalieri Filho (op. cit, pg. 2), de que,

responsabilidade civil um dever jurdico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violao de um dever jurdico originrio.

S se cogita, destarte, de responsabilidade civil onde houver violao de um dever jurdico e dano. Em outras palavras, responsvel a pessoa que deve ressarcir o prejuzo decorrente da violao de um precedente dever jurdico. E assim porque a responsabilidade pressupe um dever jurdico preexistente, uma obrigao descumprida..2.2 - Componentes da Responsabilidade Civil.

O objetivo buscado na responsabilidade civil no o de punir aquele que descumpre uma obrigao, mas o de indenizar ou reparar o dano sofrido pela vtima do comportamento inadequado do agente, ao contrrio do que ocorre no mbito da responsabilidade penal, onde o que se pretende punir o transgressor de uma regra de comportamento legitimada pela sociedade. Ou seja, o que se busca , na medida do possvel, restabelecer o status quo ante vigente no relacionamento entre distintos sujeitos de direito por ocasio do descumprimento de uma obrigao que deu origem responsabilidade civil de um ou mais destes sujeitos.

Portanto, os fundamentos da responsabilidade civil encontram-se tambm alicerados em outros componentes que no a culpa stricto sensu, isto , em uma conduta marcada pela imprudncia, pela negligncia, por ao ou omisso voluntria, ou pelo simples descumprimento de um contrato entre as partes. Neste caso, a responsabilidade poder estar tambm fundada em elementos como o fato da coisa e no prprio exerccio de uma atividade de risco e ou perigosa, os quais do origem a responsabilidades fundadas no risco-proveito, no risco criado, no risco profissional, no risco econmico, no risco derivado da prestao de um servio (Gonalves, 2008, op. cit., pg. 8), e que tm, entre outras, ampla aplicao no mbito do Direito do Consumidor. Trata-se da denominada responsabilidade objetiva.2.3 - Das Espcies de Responsabilidade.

Conformada pela complexidade das aes humanas e aos diferentes mbitos de atuao do sujeito nas sociedades contemporneas, a responsabilidade civil pode ser classificada em diferentes espcies, podendo-se, em termos gerais, distinguir quatro grandes espcies de responsabilidade: a contratual, a extracontratual, a subjetiva e a objetiva.2.3.1 - Responsabilidade Contratual e Extracontratual.

Estas duas formas de responsabilidade civil derivam das condies em que entram em relao os sujeitos do negcio jurdico, remetendo, portanto, qualidade da responsabilidade que pode da surgir.

A responsabilidade contratual aquela derivada de um contrato, ou seja, de uma manifestao explcita de vontade de um ou mais agentes, desde que tal contrato obedea, no que couber, s normas jurdicas em vigor para lhe conferir validade. Nesta forma da responsabilidade civil, o inadimplemento do contrato presume-se culposo, isto , a parte inadimplente considerada culpada, bastando parte lesada demonstrar o descumprimento da obrigao contratada para que possa exigir, da contraparte, a responsabilidade correspondente em juzo.

Por sua vez, a responsabilidade extracontratual aquela que tem sua origem na inobservncia do dever geral de no lesar a terceiros (neminen laudere; Gonalves, 2010, pg. 22) e que incumbe a todos os membros da sociedade, ainda que matizadas pelas ressalvas relacionadas plena capacidade civil destes membros. Dessa forma, todo aquele que causa um dano a terceiros fica obrigado a repar-lo, seja este dano originado de culpa, em sentido estrito imprudncia, negligncia ou impercia -, ou de dolo por parte do responsvel. Aqui, no entanto, a culpa no presumida, obrigando-se o lesado a provar a culpa ou dolo do causador do dano reclamado para que faa jus reparao pretendida.

Neste sentido, pontua Srgio Cavalieri (op. cit., pg.: 15)

se esse dever [de indenizar] surge em virtude de leso a direito subjetivo, sem que entre o ofensor e a vtima preexista qualquer relao jurdica que o possibilite, temos a responsabilidade extracontratual, tambm chamada de ilcito aquiliano ou absoluto.

Dessa forma, o ilcito que d origem responsabilidade extracontratual definido por lei, devendo estar tanto o dever jurdico como o direito violado previstos na norma jurdica, independente da expresso de vontade dos sujeitos envolvidos, isto , da existncia de um contrato entre as partes em conflito.

2.3.2 - Responsabilidade Subjetiva e Responsabilidade Objetiva.

Um dos aspectos mais relevantes da responsabilidade civil tem a ver com a determinao de quem tem a obrigao de reparar o dano causado e por que, ou seja, se a responsabilidade deriva de culpa subjetiva do agente ou se ela derivada de alguma determinao independente da culpa, isto , derivada do ordenamento jurdico. Esta distino d origem responsabilidade subjetiva, quando fundada na culpa, e responsabilidade objetiva, quando o seu fundamento prescinde da existncia de culpa do agente, devendo esta, no entanto, estar prevista na norma jurdica, pois nela que se encontra sua razo de existir.

2.3.2.1 Componentes da Responsabilidade Subjetiva.

Embora a responsabilidade subjetiva se fundamente na culpa do agente entendida em sentido amplo, j que abrange tambm o dolo, ou a vontade consciente de provocar a leso a direito alheio -, ela se estrutura em torno a uma trade:

- um elemento formal, representado pela violao de um dever jurdico previamente estabelecido no ordenamento jurdico;

- um elemento subjetivo, expresso no comportamento culposo ou doloso do agente; e,

- um componente causal-material, manifesto na existncia de um dano comprovvel e na respectiva relao ou nexo de causalidade entre o comportamento do agente e o dano existente (Idem, ibidem, pgs. 17-18).

Estes componentes se aplicam tanto responsabilidade contratual, quanto extracontratual, com a diferena de que, no primeiro caso, basta quele que tem seu direito violado demonstrar o descumprimento ou inadimplncia do que foi contratado para reivindicar seus direitos, ao passo que, no segundo caso, aquele que teve seu direito violado dever demonstrar o nexo de causalidade existente entre o comportamento do agente e o dano causado a seu(s) direito(s).

A responsabilidade subjetiva, portanto, de acordo com a Teoria da Culpa, demanda que a obrigao de reparar o dano somente surge se o agente agiu com dolo ou culpa, sendo necessria a prova da culpa, pela vtima, para que o dano se torne indenizvel.

2.3.2.2 Responsabilidade Objetiva.

Entretanto, nem toda obrigao de indenizar, ou seja, nem toda responsabilidade civil deriva, necessariamente, da culpa do agente.

O ordenamento jurdico impe, em certas situaes, a obrigao de indenizar mesmo quele que no diretamente responsvel pelo dano reclamado pela vtima. Nestas situaes, estamos diante da responsabilidade objetiva ou legal, isto , de uma obrigao de indenizar que prescinde da noo de culpa, to importante para a responsabilidade subjetiva, mas que, aqui, deixa de ser o fundamento desta obrigao, podendo ser satisfeita somente com a demonstrao do nexo de causalidade existente entre determinada conduta e o dano causado. Nestes casos, no necessria a prova de culpa do agente, porque ou ela presumida por lei, ou esta prova prescindvel (Gonalves, 2008, pg. 30), ocorrendo a inverso do nus da prova, ou seja, cabe ao agente imputado, e no mais vtima, provar que no dele a culpa ou responsabilidade pelo dano, de forma a evitar a obrigao de indenizar, como ocorre, no caso brasileiro, no mbito do Direito do Consumidor ou no caso dos ilcitos ambientais.

Dessa forma, cabe vtima provar somente a ao ou omisso do agente e o dano resultante de qualquer destas condutas, pois a culpa do agente , nestes casos, presumida. O agente imputado, no entanto, pode argir, para livrar-se desta responsabilidade, a culpa exclusiva da vtima, a fora maior, e o caso fortuito, ou seja, lanar mo das excludentes de responsabilidade, cabendo a ele provar no ser o responsvel pelo dano causado, mas sim a vtima, ou mesmo ter o dano ocorrido em razo de foras no previstas ou controlveis pela vontade humana, como no caso dos fenmenos naturais extremos (enchentes, maremotos, raios, etc.).

Na moderna doutrina sobre o tema, a responsabilidade objetiva encontra seu fundamento na assim chamada Teoria do Risco, pela qual, segundo Carlos Roberto Gonalves (Ibidem, pg. 31),

...toda pessoa que exerce uma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repar-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. [Neste caso] a responsabilidade civil desloca-se da noo de culpa para a idia de risco, ora encarada como risco-proveito que se funda no princpio segundo o qual reparvel o dano causado a outrem em conseqncia de uma atividade realizada em benefcio do responsvel (ubi emolumentum, ubi onus); ora, mais genericamente, como risco criado, a que subordina todo aquele que, sem indagao de culpa, expuser algum a suport-lo.

De qualquer forma, cabe destacar, na anlise da Teoria do Risco como fundamento da Responsabilidade Objetiva, a vinculao que ela estabelece entre o risco da atividade e o dever de segurana estabelecido por lei para aquele que desenvolve uma atividade que cria, de forma implcita ou explcita, risco para terceiros. O dever de segurana seria, nesta leitura, o dever jurdico violado nos casos de responsabilidade objetiva, como preleciona Srgio Cavalieri Filho:

Risco e segurana andam juntos, so fatores que atuam reciprocamente na vida moderna, cuja atividade primordial driblar riscos. Onde h risco tem que haver segurana; h ntima relao entre esses dois fatores, como vasos comunicantes. Quanto maior o risco, maior ser o dever de segurana.

A responsabilidade objetiva exsurge quando a atividade perigosa causa dano a outrem, o que evidencia ter sido ela exercida com violao do dever de segurana, que se contrape ao risco.(Ibidem, pg. 145-146)

Embora a teoria do risco tenha aplicao em vrios ramos da atividade humana, ela particularmente importante para o estudo dos ilcitos ambientais e a responsabilizao dos agentes envolvidos, com ou sem culpa direta pelo fato, como teremos oportunidade de desenvolver neste artigo.

2.3.2.3 Responsabilidade por Ato Prprio e Responsabilidade por Ato de Terceiro.

Por ltimo, importante fazer meno manifestao da responsabilidade em sua relao com o agente ou autor do fato causador de leso ao direito de terceiros. Referimo-nos responsabilidade por ato prprio e responsabilidade por ato de terceiro, tema central para nossa anlise.

A responsabilidade civil , inicialmente, uma conseqncia um dever jurdico sucessivo decorrente da inobservncia, por parte do agente responsvel, de uma obrigao derivada de um contrato, ou do devido cuidado com um direito alheio, dando origem obrigao de indenizar o dano causado a terceiros. Ela , portanto, na sua origem, vinculada a uma ao ou omisso de um agente determinado, ou seja, a um ato prprio deste, que pode ser de natureza legal (avano de sinal vermelho com conseqente abalroamento ou atropelamento), contratual (venda de mercadoria defeituosa, entrega de mercadoria fora do prazo convencionado, etc.), ou social (resultante do abuso de um direito: denunciao caluniosa, por ex.) de acordo com Carlos Roberto Gonalves (2010, pg. 30).

Por sua vez, a responsabilidade por ato de terceiro deriva, no de uma ao ou omisso prpria do agente que responsabilizado, mas de um terceiro agente que se encontra sob a guarda, a responsabilidade ou o cuidado daquele que chamado a assumir o nus de indenizar o dano causado. Enquadram-se, nesta categoria, por exemplo, a responsabilidade dos pais pelos atos dos filhos menores ou incapazes; dos tutores e curadores por aqueles sob seu cuidado; dos empregadores pelos atos dos seus empregados enquanto no exerccio da atividade correspondente; dos donos de hotis, hospedarias e albergues onde se hospede por dinheiro, entre outros, como acima mencionado. Nestes casos, vige a presuno de culpa por parte destes agentes, obrigando-os a indenizar o dano causado pelos terceiros aqui mencionados.

Vinculada responsabilidade por ato de terceiros, importante mencionar ainda a responsabilidade solidria que se apresenta sempre que houver concurso de agentes na prtica do ato ilcito. Embora a responsabilidade do pai pelos atos do filho menor possa ser considerada como responsabilidade solidria (culpa in vigilando), ela no traz, necessariamente, um benefcio para ele. Por essa razo, interessa-nos aqui a responsabilidade que deriva do fato de diferentes agentes produzirem o dano que demanda indenizao, ou, embora no participando diretamente da sua produo, dele se beneficiarem. Neste caso, havendo concurso de agentes uma ao de indenizao pode ser ajuizada em face de qualquer um dos mesmos, j que, em razo da responsabilidade solidria existente entre eles, a ao permite que seus efeitos sejam estendidos aos demais.O ordenamento jurdico brasileiro adota, essencialmente, a teoria da Responsabilidade Civil Subjetiva, embora tambm incorpore, em alguns de seus cdigos e leis, a noo da Responsabilidade Civil Objetiva como fundamento para a demanda de indenizao por danos causados a terceiros, como no caso da legislao ambiental.

2.4 - Responsabilidade Civil por Dano Ambiental: Da Teoria Subjetiva Teoria Objetiva.

No tocante s questes ambientais, a evoluo dos fatos demonstrou no ser ela suficiente para tratar dos casos especficos relativos a danos ecolgicos, os quais, dadas suas peculiaridades de difcil e custosa comprovao, aliadas gravidade e extenso dos prejuzos causados, no podem ficar restritos, no seu enfrentamento, a tal modalidade de responsabilidade. A Teoria Subjetiva representa, desta forma, um limite tutela ambiental, sobretudo pela dificuldade de produzir-se a prova da culpabilidade do agente, a qual depende dos resultados de complexas percias, alm do fato de que habitual que o dano venha a se concretizar no futuro e seja causado por diversos fatores.

Desta forma, como afirma dis Milar (2005, pg. 826),

A expanso das atividades econmicas da chamada sociedade de risco marcada pelo consumo de massa e pela desenfreada utilizao dos recursos naturais - haveria de exigir um tratamento da matria com o vis de um novo Direito, e no pelos limites da tica privada tradicional.

Passou-se ento a adotar a Teoria Objetiva no caso de ajuizamento de aes de responsabilidade civil no mbito da proteo ao meio ambiente, atribuindo-se a responsabilidade ao agente que causa a degradao ambiental, sem que, no nexo causal, fosse preciso aferir-se a existncia de ato ou omisso culposa. Esta teoria foi adotada, no Direito brasileiro, originalmente, pelo Dec. 79.347/77, que promulgou a Conveno Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluio por leo, e pela Lei 6.453/77, em seu art. 4., que tratava da responsabilidade civil por acidentes nucleares, Posteriormente, foi consagrada pela Lei 6.938/81, no corpo do art. 14, 1., que estabelece: "Sem obstar a aplicao das penalidades previstas neste artigo, o poluidor obrigado, independentemente da existncia de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministrio Pblico da Unio e dos Estados ter legitimidade para propor ao de responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente". Com a adoo da responsabilidade objetiva nestes casos, fica o agente prejudicado desobrigado da obrigao de comprovar a culpa do responsvel pelo dano ambiental. Bastam configurao da hiptese indenizatria a ocorrncia do dano e a demonstrao da existncia de um nexo de causalidade entre este dano e a atividade do responsvel pelo mesmo. 2.4.1 - O Princpio PoluidorPagador

Advindo, sobretudo, da influncia francesa, temos o princpio do "poluidor-pagador", adotado em diversos pases aps a Declarao de Estocolmo de 1972. Este princpio consiste, basicamente, na idia de que o dano deve ser ressarcido por aquele que foi beneficiado pela atividade causadora deste, ou seja, quem de alguma forma contribuiu para a degradao ambiental, deve responder por ela na exata proporo de sua contribuio.

Neste sentido argumenta dis Milar (op. cit., pg. 829) , quando afirma que,

... o princpio poluidor-pagador que est sendo introduzido no Direito Internacional no visa a coonestar a poluio, mas evitar que o dano ecolgico fique sem reparao, [impondo] a internalizao dos custos decorrentes das externalidades negativas ambientais.

Este princpio utilizado, especialmente, nos casos em que o responsvel pelo dano ecolgico o industrial, quando esse dano ser imputado ao produtor que o inserir como custo de produo, o que acabar por elevar o preo final do produto ao consumidor, e, por conseqncia, implicar em uma diminuio da demanda, podendo constituir-se, tambm por esta via, em mais uma penalizao ao agressor.2.4.2 Outros Princpios da Responsabilidade Ambiental

De acordo com a doutrina aceita hoje no pas (Machado, 2007, pgs. 315 e ss.), outros princpios esto tambm associados responsabilidade civil no mbito da proteo ao meio ambiente, cabendo destacar:

- Princpio da reparao integral

- Princpio da preveno- Princpio da precauo

- Princpio da funo socioambiental da propriedade

2.5 - Conseqncias da Adoo da Responsabilidade Objetiva para a Tutela Ambiental

A adoo do fundamento da responsabilidade civil, por dano ecolgico de natureza objetiva, acarretou algumas conseqncias bsicas no enfrentamento dos Ilcitos Ambientais.

Em primeiro lugar, torna-se irrelevante a subjetividade da conduta, no havendo mais a necessidade de inteno danosa ou de verificao de culpa por parte do agente, bastando a mera configurao de um prejuzo ao meio ambiente para aplicao da sano correspondente.

Em segundo lugar, tambm se torna irrelevante a mensurao do subjetivismo, com a existncia ou no de muitos agentes passveis de responsabilizao. Desde que algum deles seja alcanado pela responsabilizao, no h porque no efetuar-se a reparao, no importando o montante de sua contribuio ou benefcio auferido com o evento danoso.

Em terceiro lugar, de particular importncia para a definio da responsabilidade pelo dano ambiental, ocorre a inverso do nus da prova, partindo-se de uma presuno de causalidade entre a atividade do agente e o prejuzo; sendo sua a incumbncia de desfazer esta presuno. Dessa forma, demonstrado que houve o dano ecolgico, presumida est a causalidade e o dever de indenizar, cabendo ao acusado providenciar, na produo de prova negativa, a excludente de sua responsabilizao, no sendo aceitos como tal os eventos da natureza, caso fortuito e fora-maior, a ao de terceiros ou a licitude da atividade, isto , sua conformao s normas gerais estabelecidas pelo Poder Pblico.

Por ltimo, ocorreu uma atenuao da importncia atribuda ao nexo de causalidade, bastando definir a potencialidade da atividade do agente para produzir o dano para que se presuma a responsabilidade deste, invertendo-se o nus probatrio.2.5.1 - Solidariedade dos Responsveis por Ilcitos Ambientais.

Desta forma, e considerando-se o carter de ordem pblica de que goza a proteo do meio ambiente, foi instituda a solidariedade passiva pela reparao do dano ecolgico, com duplo significado: por um lado, em um distrito industrial onde seja impossvel individualizar-se o responsvel pelo dano ambiental, todos podero ser solidariamente responsveis; por outro, em uma determinada cadeia produtiva, todos aqueles que se beneficiarem das atividades que causam danos ambientais, podero ser responsabilizados solidariamente pelo dano causado.

Neste sentido, a definio da responsabilidade passiva solidria procura tornar possvel a reparao integral do prejuzo causado pelo dano ambiental, em ateno ao interesse pblico, constituindo-se em uma faculdade da vtima da poluio seja ela um indivduo, uma comunidade ou a sociedade como um todo -, a escolha de mover o processo contra este ou aquele devedor, podendo escolher todos ou aquele que goza de melhor situao financeira para tal. Portanto, a delimitao da proporo da responsabilidade de cada um dos devedores solidrios correr " revelia" do credor, j que isso no lhe importa, devendo os devedores "brigarem entre si" para fixar qual a sua real responsabilidade pela condenao. , sobretudo, o interesse pblico que faz com que haja a solidariedade entre os degradadores do ambiente, a fim de garantir uma reparao integral do dano real, mais eficaz e mais rpida. esse o sentido das normas que tratam da proteo do meio ambiente e da punio aos danos causados, em especial o Art. 14, 1, da Lei 6.938/81, que estabelece a Poltica Nacional de Meio Ambiente (Machado, 2007, op. cit., pgs. 325-328).

3: A Proteo ao Meio Ambiente e a Responsabilidade Solidria: As Aes do Ministrio Pblico Federal do Par em Face da Cadeia Produtiva da Carne e do Couro.

Nas pginas anteriores, buscou-se delimitar, do ponto de vista dos referenciais jurdicos e mesmo filosficos, o fundamento para que, no tocante proteo ao meio ambiente, se possa ampliar o alcance da responsabilizao de todos os agentes envolvidos com prticas que degradam e colocam em risco os recursos naturais, o ecossistema e as funes vitais proporcionadas pelo meio ambiente.

Iremos nos deter aqui, a ttulo de exemplo acerca da anlise anterior, sobre a experincia representada, neste sentido, pelo conjunto de aes encabeadas pelo Ministrio Pblico Federal no Estado do Par em face de diversos agentes econmicos que integram a cadeia produtiva da carne e do couro no estado, incluindo desde as fazendas, no incio da cadeia produtiva, at os supermercados, no fim dela, passando pelos grandes frigorficos, nacionais e internacionais, que so os responsveis pela intermediao entre o produtor e o consumidor final, no Brasil e no exterior.

A partir da constatao de que esta cadeia produtiva se estrutura com base em uma permanente agresso ao meio ambiente da Amaznia, utilizando-se especialmente do desmatamento para ampliao das terras a serem incorporadas pecuria extensiva, o MPF/PA ajuizou vrias aes civis pblicas ambientais, procedimentos administrativos e Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) com o propsito de, por um lado, forar a ruptura deste crculo vicioso de explorao predatria do meio ambiente, e, por outro, cobrar indenizaes vultuosas como forma de compensao ambiental por parte do conjunto de agentes que se beneficiam economicamente de tais prticas predatrias, deixando para a sociedade e para o Poder Pblico o custo de remediar o impacto ecolgico e social negativo de tais prticas.

3.1 Aes do Ministrio Pblico Federal no Par contra os Ilcitos Ambientais na

Atividade Pecuria.

Os levantamentos realizados a respeito do desmatamento na regio foram de tal forma reveladores das prticas adotadas pela atividade pecuria no Par, que o Ministrio Pblico Federal e o IBAMA ajuizaram, em junho de 2009, vrias aes com o propsito de obrigar os agentes da cadeia produtiva da carne e do couro a observar os preceitos legais atinentes s atividades econmicas que podem ter impacto ambiental.

No presente estudo tomaremos esta ao civil pblica como referncia, embora seus fundamentos de fato e de Direito estejam presentes, igualmente, nas vrias outras aes civis pblicas propostas pelo MPF/PA em face, seja da mesma Agropecuria Santa Brbara Xinguara e seus diversos scios, seja em face de outros agentes econmicos da cadeia produtiva da carne.Dessa forma,

atravs de pesquisa nos registros de compra e venda de bois, foi possvel comprovar quem comercializa os rebanhos criados em reas desmatadas ilegalmente.

O trabalho mapeia desde a fazenda que engorda o gado em pastagens ilegais, passando pelo frigorfico que abate, processa e revende subprodutos bovinos, chegando at as indstrias de materiais de limpeza, de calados, de couros, de laticnios e supermercados que utilizam e comercializam os bois da devastao.

Como primeiro resultado, o MPF iniciou 21 processos judiciais contra fazendas e frigorficos, pedindo o pagamento de R$ 2,1 bilhes em indenizaes pelos danos ambientais sociedade brasileira. 69 empresas que compraram os subprodutos dos frigorficos receberam, por enquanto, notificaes, em que so informadas oficialmente da compra de insumos obtidos com desmatamento ilegal na Amaznia. A partir da notificao, devem parar a aquisio desse tipo de produto, ou passaro condio de co-responsveis [grifo nosso] pelos danos ambientais.

Por terem comprado bois criados ilegalmente, custa da devastao florestal, os frigorficos [e grandes cadeias varejistas como Po de Acar, Wal Mart, Bom Preo e Carrefour], tambm so rus na ao. Sabemos que a principal fonte impulsionadora do desmatamento na Amaznia a criao de pastos. Por isso, queremos a aplicao da lei para que todas as empresas que participam dessa cadeia econmica de devastao paguem pelos danos ambientais, diz o procurador Daniel Csar Avelino, responsvel pelos processos.

A Ao Civil Pblica ambiental correspondente, que tem como antecedente um Inqurito Civil Pblico do prprio MPF/PA (ICP 1.23.000.000573/2008-49), foi proposta em face de um amplo conjunto de agentes da cadeia produtiva da carne e do couro no Estado do Par

Para entendermos as razes que fundamentam a deciso de propor uma ao civil pblica ambiental em face de um conjunto to diverso de agentes econmicos, vale a pena relacionarmos os argumentos do MPF/PA e do IBAMA que constam da ao em questo:

- DOS FATOS PRATICADOS NA FAZENDA CARACOL

Como se possvel verificar pelos Autos de Infrao de n. 460458-D, 460457-D, os rus AGROPECURIA SANTA BRBARA XINGUARA e TARLEY HELVECIO ALVES, proprietrios/usufruturio da Fazenda CARACOL, deixaram de cumprir a legislao ambiental no que concerne preservao da reserva legal, incorrendo em diversas infraes ambientais. Vejamos o que apontam os autos:

[...]

Como apontado pelos fiscais do IBAMA que realizaram a fiscalizao in loco na fazenda, foi detectado que no h cobertura vegetal em 1.500,00 ha, onde se constatou que houve impedimento de regenerao natural da vegetao nativa pela prtica da atividade de pecuria de gado bovino de corte.

Em virtude de tal ilcito, foi efetuado embargo da rea e da atividade pecuarista, com o objetivo de cessar a ao ambiental delitiva, sendo ordenada a retirada do gado.

Ademais, como informado pela Secretaria do Estado do Meio Ambiente, ..., a FAZENDA CARACOL no possui licenciamento ambiental, no podendo, portanto, exercer qualquer atividade produtiva.

Resta comprovada, portanto, a conduta infratora por parte dos rus AGROPECURIA SANTA BRBARA XINGUARA e TARLEY HELVECIO ALVES, que, na qualidade de proprietrios ou usufruturios da FAZENDA CARACOL como demonstrado nos autos, incorreram nas infraes previstas nos dispositivos normativos a seguir demonstrados:

[...]

No que concerne r AGROPECURIA SANTA BRBARA XINGUARA, apesar de no constar nos documentos de propriedade definitivos dos referidos imveis rurais, so eles que aparecem realizando transaes comerciais de gado de acordo com as informaes colhidas in loco pelos fiscais do IBAMA. Caracterizada a propriedade do imvel rural no qual foram perpetradas as ilegalidades, ou sua mera utilizao por parte dos rus, fica demonstrada sua legitimidade para figurar no plo passivo da presente demanda.

Como salientado no prprio corpo da ao civil pblica em tela, os resultados deste modelo de explorao da regio amaznica para a produo de carne e os demais subprodutos da pecuria, incluem no somente a devastao da floresta, a perda da biodiversidade, e os efeitos sobre a qualidade de vida da populao da regio, como tambm uma grande contribuio para o processo de mudanas climticas em curso no mundo, ao lanar na atmosfera um volume de gases de efeito estufa da ordem de 9 a 12 bilhes de toneladas de CO2-equivalente, tornando o Brasil um dos grandes responsveis pela emisso destes gases e seus efeitos climticos j claramente perceptveis em vrias partes do planeta.

O fluxograma a seguir ilustra o caminho percorrido pela carne desde a sua produo at o consumidor final, inclusive no mercado exterior, e demonstra o vnculo existente entre os diversos agentes da cadeia produtiva da carne no Estado do Par, ao mesmo tempo que mostra o acertado da abordagem proposta pelo MPF/PA ao consider-los solidrios na responsabilidade pelo dano ambiental causado na Amaznia.

Fonte: Fonte: Amigos da Terra. A hora da conta. So Paulo, 2009. p. 36.

A repercusso das medidas tomadas pelo Ministrio Pblico Federal contra este amplo conjunto de agentes econmicos, na qualidade de litisconsortes passivos em funo da sua co-responsabilidade, foi enorme, gerando, inicialmente, resistncias por parte destes agentes, mas, em pouco tempo, uma importante adeso s medidas que foram tomadas, como, por exemplo, o embargo compra da carne e do couro produzidos em tais fazendas. A resistncia s medidas propostas, apesar da adeso de vrias empresas, foi, no entanto, significativa, como seria de se esperar, considerando-se a tradio de impunidade destes agentes no estado:

Todos os pontos propostos pelo MPF para efetivas mudanas no controle da atividade pecuria geo-referenciamento, licenciamento ambiental, regularizao fundiria e recuperao de reas degradadas - foram listados pelos frigorficos como responsabilidade do governo do Par.

Essas questes j so responsabilidade legal do Estado, no h nenhuma novidade nisso. [A] novidade seria o setor produtivo reconhecer o nus de sua atividade e se comprometer com esses controles, garantir que as compras sero interrompidas se os fornecedores no obtiverem a regularizao, explica o procurador da Repblica Daniel Csar Azeredo Avelino, um dos responsveis pela negociao.

O componente relativo solidariedade na responsabilidade civil por infraes ambientais decorre do contedo do Artigo 2 da Lei 9.605/98, o qual dispe que:quem, de qualquer forma, concorre para a prtica dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade [...].

Ao consagrar este princpio no caso da responsabilidade civil por danos ambientais, o legislador deixou clara sua inteno de sinalizar, para todos aqueles que de alguma forma incorrem na gerao de agresses ao meio ambiente, que a responsabilizao por tais condutas no se restringe somente queles que so os responsveis diretos ou que so os principais beneficirios de tais prticas lesivas. Ao contrrio, como previsto na Lei 9.605/98 e tambm nas aes impetradas pelo Ministrio Pblico Federal no Par, no caso da cadeia produtiva da carne, mesmo aqueles que de forma indireta contribuem para os danos ambientais seja por omisso, seja por se beneficiarem das agresses ao meio ambiente estimulando a sua continuidade, seja por contriburem de alguma forma para a continuidade de tais agresses , podem ser, da mesma forma, alcanados por aes judiciais tendentes a determinao da reparao pelo dano causado ao meio ambiente.

Neste caso, tais agentes entram no plo passivo na qualidade de litisconsortes, conforme prev o Artigo 46, II, do Cdigo de Processo Civil:

Duas ou mais pessoas podem litigar no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente quando:

I [...]

II os direitos ou as obrigaes derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito.

Esta abordagem foi utilizada pelo Ministrio Pblico Federal no Par, no caso em comento - Ao Civil Pblica 2009.39.00.005140-5, em curso na Seo Judiciria Federal do Par , na qual so denunciados cerca de 35 diferentes litisconsortes, entre fazendeiros, cooperativas, frigorficos, e outros participantes da cadeia produtiva da carne no estado.

Tal estratgia representou uma novidade importante nas aes relacionadas aos ilcitos ambientais, na medida em que responsabilizou no s os agentes diretamente responsveis pelos danos ao meio ambiente no caso, os fazendeiros envolvidos com o desmatamento da floresta amaznica -, mas tambm todos aqueles que, ao integrarem esta cadeia produtiva, se beneficiam indiretamente com tal agresso ambiental comprando e revendendo a carne e os demais subprodutos da pecuria local. Desta forma, eles so partes de uma atividade econmica que traz, desde a sua origem, um vcio ou uma ilicitude relativa ao desmatamento da floresta, objeto de proteo explcita no prprio texto constitucional, em particular pela via do seu Artigo 225, 4.

Da que, consoante o que dispe a Lei 6.938/81, no seu Artigo 14, 1, supracitado, a natureza da responsabilidade civil em causa na ao movida pelo MPF/PA em face destes agentes econmicos a de responsabilidade objetiva e solidria, conforme atesta o prprio texto da ao civil pblica.3.2 - Da Extenso da Responsabilidade Civil Objetiva aos demais Integrantes da Cadeia Produtiva

Considerando que a devastao provocada na floresta amaznica alimenta uma cadeia produtiva diversa, que inclui no somente os que produzem e comercializam o gado em si mesmo, mas tambm todos aqueles agentes econmicos que tm na carne e nos subprodutos do gado a matria-prima para sua produo, e que tal cadeia tem ramificaes nacionais e internacionais importantes, a extenso da responsabilidade pelos danos ambientais a todos eles representa um passo importante, do ponto de vista jurdico, mas tambm poltico e social, para frear o processo de degradao ambiental da regio, seriamente afetada pela expanso da pecuria nos ltimos anos.

Neste sentido, argumenta o MPF/PA:

Ao adotarem este tipo de conduta, adquirindo gado de fazendas que no respeitam a necessidade de proteo ambiental, essas empresas em geral, frigorficos e curtumes tornam-se cmplices das ilegalidades por elas perpetradas, e, tratando-se de matria ambiental, co-responsveis objetivamente pelo dano, em virtude de no terem tomado as medidas necessrias de cuidado para com o meio ambiente inerentes a este tipo de atividade. [...]

No que concerne cadeia produtiva da atividade pecuria, o risco produzido pelas empresas que nela atuam reside no fato de no tomarem as providencias necessrias certificao de que seus fornecedores de matria prima animal estejam a respeitar s necessidades de proteo do meio ambiente, adquirindo gado de propriedades que realizam desmatamentos ilegais e, dessa forma, tanto fomentando tal espcie de atividade quanto incorrendo nos mesmos ilcitos que eles. [...]

Ao escolherem seus fornecedores de gado, as empresas integrantes da cadeia produtiva so obrigadas a perquirir se estas fazendas respeitam ou no as normas de proteo ambiental, como forma de minimizar os riscos de que ocorram danos ao meio ambiente. Apresentando, um fornecedor especfico, indcios de que esteja desmatando ilegalmente para a criao de gado, ou simplesmente no podendo comprovar que respeita os cuidados inerentes ao meio ambiente, no deve a empresa manter relaes comerciais com ela. Mantendo, independentemente de estar ciente ou no dos danos por aquela causados, dever ser co-responsabilizada por eles, justamente por no ter tomado o cuidado devido na escolha de seu fornecedor. [grifos no original]

3.3 - Os Termos de Ajustamento de Conduta como Mecanismo de Responsabilizao Solidria.

Paralelamente propositura das aes, o Ministrio Pblico Federal props o estabelecimento de Termos de Ajustamento de Conduta aos diversos agentes envolvidos na cadeia produtiva da carne e do couro no estado, inclusive, ainda que por razes diversas, ao Governo do Estado, com o propsito de cobrar uma participao mais ativa e acorde do Poder Pblico com o que determina a Constituio Federal e a legislao infraconstitucional, no tocante sua responsabilidade com a proteo do meio ambiente.

Os Termos de Ajustamento de Conduta tm sido amplamente utilizados na prtica jurdica brasileira, como forma de, evitando-se um processo judicial longo e custoso, alcanar os objetivos mais amplos perseguidos pelo ordenamento jurdico. Eles tm, em princpio, a grande vantagem de ser objeto de um ajuste e de um acordo de vontades entre as partes envolvidas, ainda que referenciadas na legislao em vigor. Por serem pactuados, representam tambm uma espcie de compromisso tico e poltico por parte dos que dele participam. Neste sentido, podem ser um importante instrumento a ser utilizado tambm em outros casos existentes no pas para o combate aos ilcitos ambientais, possibilitando uma pactuao entre os diversos segmentos geralmente envolvidos nas prticas predatrias do meio ambiente.3.3.1 Os Fundamentos para a Assinatura do TAC com o Governo do Estado do Par.O Governo do Estado do Par tambm foi includo como parte do processo de negociao de uma soluo para o problema, na medida em que, por um lado, no somente a sua responsabilidade com o licenciamento ambiental das atividades e a regularizao fundiria foi utilizada como argumento para que alguns agentes econmicos no aceitassem submeter-se s exigncias legais colocadas pelo Ministrio Pblico Federal, como, por outro, em decorrncia da paralisao da atividade de compra-venda da carne e dos demais subprodutos da atividade pecuria, o Governo do Estado viu-se envolvido em um grande problema poltico em razo dos prejuzos que esta paralisao representou para empresrios, trabalhadores e tambm para o errio pblico, conforme amplamente noticiado poca em vrios peridicos de circulao nacional como O Globo e a Folha de So Paulo. Dessa forma, o Governo do Estado do Par ainda que no conste como parte nas aes civis pblicas ambientais impetradas pelo MPF/PA - foi chamado a assinar, assim como os demais segmentos envolvidos fazendeiros, frigorficos, supermercados, etc. -, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) objetivando estabelecer os parmetros a serem observados por todos os agentes no tocante adequao da atividade da cadeia produtiva da carne s exigncias da legislao ambiental vigente no pas. As razes para a incluso do Governo do Estado do Par como parte dos Termos de Ajustamento de Conduta propostos pelo MPF/PA, encontram-se tambm relacionadas na ao em comento, em especial a deficincia estrutural dos rgos ambientais no estado.

Com base nestes argumentos, O MPF/PA procurou demonstrar que necessrio e urgente que o governo do estado assuma para si a responsabilidade que a prpria Constituio Federal, no seu Artigo 225, caput, lhe atribui, como parte da tarefa inadivel de proteo ao meio ambiente da Floresta Amaznica, um patrimnio no s do Brasil, mas da humanidade como um todo, em razo da sua contribuio s condies climticas e biodiversidade que garantem a vida no planeta.

3.3.3 Exemplos de Compromissos Firmados nos TACS.

Para finalizar, destacamos alguns dos principais compromissos assinados pelos Frigorficos e pelo Governo do Estado nos Termos de Ajustamento de Conduta propostos pelo MPF/PA, mostrando sua articulao com os fundamentos das aes civis pblicas que viemos de comentar.1. Frigorficos.

Para estes agentes, algumas exigncias so bem especficas, como:CLAUSULA SEGUNDA - DOS COMPROMISSOS DO FRIGORIFICO:

2.1 DAS HIPTESES DE SUSPENSAO IMEDIATA DE COMPRA DE GADO BOVINO:

2.1.1 MINERVA S.A. compromete-se a no adquirir gado bovino de fazendas que:

a) figurem nas listas de reas embargadas e de trabalho escravo divulgadas na internet pelo IBAMA e pelo Ministrio do Trabalho, respectivarnente, ou que venham a ser comunicadas ao MINERVA S.A. pelo Ministrio Publico Federal;

b) estejam localizadas no Estado do Par nas quais ocorreram fatos geradores de aes judiciais criminais ou civis oferecidas pelo Ministrio Publico Federal e/ou Ministrio Publico Estadual contra seus respectivos proprietrios, gestores e empregados pela pratica de trabalho escravo;

[...]e) tenha ocorrido desmatamento ilegal de novas reas a partir da data de assinatura deste TAC;

f) tenha ocorrido desmatamento de novas reas a partir da data de assinatura deste TAC, salvo plano de manejo aprovado com autorizao pelo rgo ambiental competente. Esta vedao deixar de ter efeito aps 02 (dois) anos da assinatura deste TAC, ou at que a respectiva propriedade tenha obtido a Licena Ambiental;

1' Nas hipteses das alneas "b;" "c"; "d", "e" e 'T', a excluso do fornecedor far-se- imediatamente apos a comunicao do Ministrio Publico Federal a MINERVA S.A.;

2 A excluso dos fornecedores devera ser comunicada ao Ministrio Publico Federal.2.2 DA REGULARIZAO FUNDIARIA E AMBIENTAL DOS FORNECEDORES DE GADO BOVINO:

2.2.1 MINERVA S.A. compromete-se a adquirir gado bovino to-somente de fornecedores que:

a) Apresentem MINERVA S.A., em at 6 (seis) meses, o comprovante de que deram entrada no pedido de obteno do Cadastro Ambiental Rural (CAR) da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA) incluindo, no mnimo, mapa que contenha o polgono do imvel, obtido com GPS de navegao;

b) Apresentem, no prazo de 12 meses contados da assinatura deste termo, o pedido de licenciamento ambiental junto a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, ressalvadas as hipteses em que o CAR no foi efetivado por culpa exclusiva do rgo pblico competente. [...]

c) No prazo de 24 meses da data da assinatura deste Termo de Compromisso, tenham obtido a licena ambiental, ressalvadas as hipteses em que o licenciamento no for efetivado por culpa exclusiva do rgo pblico competente; [...] 1 Apos cada prazo estabelecido acima, MINERVA S.A. devera deixar dc manter relaes comerciais com os fornecedores que no tiverem se adequado as exigncias: [...] [grifos no original]

2. Governo do Estado.

Neste caso, o MPF/PA faz exigncias voltadas, por exemplo, para a concluso do Zoneamento Ecolgico Econmico da Calha Norte e Zona Leste do Estado em 1 ano (Clusula 1.3); para a estruturao dos rgos de controle e fiscalizao do meio ambiente e das atividades agropecurias, alm daqueles envolvidos com a regularizao fundiria (Clusula 1.6); para o investimento de recursos em assistncia tcnica e extenso rural, para o uso de reas degradadas por meio de manejo florestal sustentvel (Clusula 1.7); implantar cadastro informatizado de propriedades rurais e Guia de Trnsito Animal Eletrnica no prazo de 1 ano (Clusula 1.8); a emisso de nota fiscal de comercializao do gado somente para as propriedades devidamente cadastradas (Clusula 1.9); e, por ltimo, a alocao de recursos para o Fundo Estadual de Meio Ambiente para a contratao de empresa para auditoria independente do cumprimento dos acordos firmados no TAC, principalmente acerca da vedao ao desmatamento ilegal nos imveis dos fornecedores de carne da cadeia produtiva em questo (Clusula 2.3).

Desta forma, o Governo do Estado do Par dever tornar-se agente ativo no combate ao desmatamento ilegal no estado e na proteo ao meio ambiente da floresta amaznica, cumprindo, portanto, com o disposto na Constituio Federal e na legislao infraconstitucional pertinente.CONCLUSO.

Ao longo do presente artigo foi dada especial ateno ao tema da responsabilidade civil por danos ambientais, considerado um instituto da maior importncia na tarefa cotidiana e profundamente complexa de no s se fazer cumprir a lei, mas, especialmente, de se atuar no sentido de adequar as diversas atividades dos membros da sociedade s exigncias contemporneas de um uso sustentvel dos recursos naturais que, ao mesmo tempo, proteja o meio ambiente e assegure qualidade de vida para a populao. A anlise de caso realizada buscou exatamente mostrar como estes elementos podem e devem se combinar com este propsito.

Gostaramos, no entanto, para finalizar este artigo, de destacar o significado potencial contido na postura adotada pelo Ministrio Pblico Federal no Para, assim como do IBAMA, de responsabilizar solidariamente todos os agentes da cadeia produtiva da carne e do couro no estado, em razo dos danos ambientais que se encontram na base da sua atividade econmica. No nosso entender, e conforme j mencionado na Introduo a este estudo, ela traz em si a possibilidade de se tornar um divisor de guas no tocante ao combate s agresses ao meio ambiente diariamente perpetradas no pas.

Ao tornar solidrios na responsabilidade por estes danos tanto aqueles que so diretamente os seus causadores, como aqueles que indiretamente os estimulam, incentivando a continuidade de prticas lesivas ao meio ambiente, o MPF/PA utilizou-se, em nossa opinio, de forma bastante criativa dos recursos legais disponibilizados pelo ordenamento jurdico em vrios diplomas relacionados ao tema do meio ambiente, a comear pela Constituio Federal, estabelecendo um modelo ou referencial de atuao que, se seguido por outros atores legitimados para a propositura de aes civis pblicas semelhantes, poder, finalmente, comear a fazer com que a correlao de foras penda para o lado da proteo ao meio ambiente, natureza e, em ltima instncia, vida.

O resultado desta postura, neste sentido, transcende o seu significado legal ou jurdico imediato, para situar-se no plano da contribuio para uma mudana de paradigma e de posturas da sociedade, do Poder Pblico e dos diversos agentes privados, no que concerne aos cuidados necessrios com o meio ambiente, fonte primria do bem-estar de todos. Dessa forma, utilizando-se de recursos legais j existentes e de uma interpretao constitucional e infraconstitucional mais adequada s exigncias atuais de proteo ao meio ambiente, o MPF/PA, em nossa opinio, responde aos reclamos mundiais e tambm nacionais por um uso sustentvel dos recursos que a natureza disponibiliza.

O alcance desta medida, no entanto, no pra na resposta adequada s preocupaes atuais com o destino da vida no planeta, ameaada de forma significativa pelo processo de mudanas climticas em curso. Ela poder repercutir tambm, por outro lado, em algo que adquiriu, na ltima dcada, uma expresso essencialmente importante para as empresas, em particular aquelas que atuam no mercado mundial: referimos-nos ao marketing associado s posturas de responsabilidade socioambiental que faz com que as empresas busquem se distanciar, rpida e radicalmente, de qualquer vnculo com posturas, atividades ou atores que possam ser associados degradao ambiental. O custo financeiro, de um lado, e de desgaste na imagem das empresas, por outro, pode ser to relevante que elas evitam a todo custo esta associao. Muitos exemplos em todo o mundo demonstram a preocupao das empresas com esta questo, e, no toa, vrias empresas vinculadas cadeia produtiva da carne no Par resolveram aceitar as determinaes previstas nos Termos de Ajustamento de Conduta propostos pelo MPF/PA sem grandes questionamentos, como o caso dos Frigorficos Bertin, JBS-Friboi, Marfrig e Minerva - segundo notcia da imprensa internacional -, certas de que, a resistncia aos mesmos, poderia ter repercusses bastante negativas na sua imagem, aqui e no exterior, gerando impactos financeiros importantes para elas.

Todos estes elementos nos fazem concluir que a abordagem da responsabilizao solidria realizada pelo MPF/PA em face dos agentes econmicos da cadeia produtiva de carne e couro no Par, ter, provavelmente, vida longa e estabelecer um marco no campo das lutas travadas, em mbito judicial, contra as prticas lesivas e predatrias do meio ambiente no pas, com ampla repercusso em outras esferas de ao social.

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TAC FRIGORFICOS:

http://www.prpa.mpf.gov.br/noticias/PARA_DIVULGAR_termo_ajuste_condutas_frigorificos_assinado.pdfhttp://www.prpa.mpf.gov.br/noticias/PARA_DIVULGAR_termo_ajuste_condutas_frigorificos_assinado.pdf

HYPERLINK "http://www.prpa.mpf.gov.br/noticias/PARA_DIVULGAR_termo_ajuste_condutas_frigorificos_assinado.pdf" \t "_blank" http://www.prpa.mpf.gov.br/noticias/PARA_DIVULGAR_termo_ajuste_condutas_frigorificos_assinado.pdfThe New York Times, disponvel em: http://www.uol.com.br/notcias. Professor Associado III do Departamento de Sociologia da Universidade Federal Fluminense, Vice-Coordenador do Programa de Ps-Graduao em Sociologia e Direito (PPGSD), e Vice-Diretor do Instituto de Cincias Humanas e Filosofia (ICHF). O presente artigo tem por base a monografia de final de curso para obteno do ttulo de Bacharel em Direito pela UCAM/2010.

No Ordenamento Jurdico brasileiro, os crimes ou ilcitos ambientais so os nicos capazes de levar uma pessoa jurdica a uma condenao penal, conforme previsto no Artigo 225, 3, CF/88.

Constituio da Repblica Federativa do Brasil., op. cit. Cabe chamar a ateno para o fato de que os biomas Caatinga e Pampa no foram objeto de proteo especial por parte da Constituio, e que o bioma Cerrado teve somente parte da sua rea aquela ocupada pelo Pantanal includa na proteo prevista pelo 4. Este lapso talvez se deva ao relativo desconhecimento, poca da elaborao da Constituio, da riqueza da biodiversidade e da importncia destes biomas para o meio ambiente do pas, situao j superada atualmente.

Conforme definio prevista no Art. 186, Cdigo Civil de 2002.

O Cdigo de Defesa do Consumidor (CDC) abraou, como norma, a perspectiva da responsabilidade objetiva, que independe da existncia e/ou da comprovao de culpa por parte do agente econmico para ser caracterizada e servir de base defesa do consumidor. Cf, especialmente, os Arts. 12 e 14, CDC.

MINISTRIO DO MEIO AMBIENTE. Lei 6.938/81, disponvel na pgina: HYPERLINK "http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=313"http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=313; acesso em 06/07/12.

Disponvel em: HYPERLINK "http://www.prpa.mpf.gov.br/noticias/mpf-e-ibama-processam-empresas-que-lucram-com-os-bois-da-devastacao/" http://www.prpa.mpf.gov.br/noticias/mpf-e-ibama-processam-empresas-que-lucram-com-os-bois-da-devastacao/; acesso em: 11.05.10

Citado na ao civil pblica em comento, e disponvel em: ACP Caracol.pdf, disponvel em: HYPERLINK "http://www.prpa.mpf.gov.br/noticias/Acoes.zip" http://www.prpa.mpf.gov.br/noticias/Acoes.zip, acesso em 17/05/10.

Disponvel em: HYPERLINK "http://www.prpa.mpf.gov.br/noticias/frigorificos-recusam-acordo-para-combate-ao-desmatamento/" http://www.prpa.mpf.gov.br/noticias/frigorificos-recusam-acordo-para-combate-ao-desmatamento/; acesso em 26.08.12.

ACP Caracol.pdf, disponvel em: HYPERLINK "http://www.prpa.mpf.gov.br/noticias/Acoes.zip" http://www.prpa.mpf.gov.br/noticias/Acoes.zip, acesso em 17/05/10.

Termo de ajustamento de conduta ambiental: trata-se de um instrumento administrativo, utilizado pelos rgos pblicos, em especial o Ministrio Pblico, para realizar acordos entre este, rgo fiscalizador e garantidor da preservao de conservao do direito trans-individual, e aquele que est causando algum prejuzo ou na iminncia de causar contra o meio ambiente. Este termo de conduta ser considerado um ttulo executivo extrajudicial, de forma que o agente causador do dano estar admitindo ter conscincia da ofensa que est praticando contra o meio ambiente, e se comprometendo a, num espao de tempo pr-estabelecido no prprio termo, deixar de causar dano ou recuperar o meio ambiente sua forma original, de maneira que aquilo que est determinado no artigo 225, da Constituio Federal atual, "todo cidado tem direito a um meio ambiente saudvel e ecologicamente equilibrado", seja perfeitamente cumprido. Caso o agente provocador do dano no venha a cumprir ao que fora determinado no termo de ajustamento, o rgo pblico responsvel ter o dever de executar diretamente o ofensor, de modo que no se faz mais necessrio o reconhecimento do direito, pelo processo de conhecimento, para poder exigir o cumprimento do acordo, uma vez que o termo de ajustamento possui a caracterstica de ttulo executivo. O agente provocador ento ser submetido a penalidades dispostas tanto no prprio termo de acordo, quanto penalidades previstas pelo Juiz. Desta forma, o tempo que demoraria para que o ofensor ao meio ambiente deixasse de agredir o bem ambiental foi praticamente reduzido pela metade, garantindo, assim, maior possibilidade de recuperao do ecossistema sua forma original.

Definio disponvel em: HYPERLINK "http://pt.shvoong.com/law-and-politics/enviromental-law/1727065-termo-ajustamento-conduta/" http://pt.shvoong.com/law-and-politics/enviromental-law/1727065-termo-ajustamento-conduta/; acesso em 11/05/10.

The New York Times, disponvel em HYPERLINK "http://www.uol.com.br/notcias" http://www.uol.com.br/notcias, acesso em 07/10/2009.