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FEAD-MINAS CENTRO DE GESTÃO EMPREENDEDORA NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO MODALIDADE: PROFISSIONALIZANTE PRÁTICAS NÃO-CONVENCIONAIS DE DESENVOLVIMENTO GERENCIAL MOBILIZADORAS DA SUBJETIVIDADE: UMA ANÁLISE CRÍTICA Hercoles Eroides Jaci Belo Horizonte 2004

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FEAD-MINAS CENTRO DE GESTÃO EMPREENDEDORA

NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO

MODALIDADE: PROFISSIONALIZANTE

PRÁTICAS NÃO-CONVENCIONAIS DE DESENVOLVIMENTO GERENCIAL

MOBILIZADORAS DA SUBJETIVIDADE: UMA ANÁLISE CRÍTICA

Hercoles Eroides Jaci

Belo Horizonte

2004

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Hercoles Eroides Jaci

PRÁTICAS NÃO-CONVENCIONAIS DE

DESENVOLVIMENTO GERENCIAL

MOBILIZADORAS DA SUBJETIVIDADE: UMA

ANÁLISE CRÍTICA

Dissertação apresentada ao Curso de

Mestrado em Administração: Modalidade

Profissionalizante da FEAD - Minas – Centro

de Gestão Empreendedora, como requisito

parcial `a obtenção do título de Mestre em

Administração.

Área de Concentração: Organizações, Gestão e Mudanças

Orientadora: Prof. Dra. Iris Barbosa Goulart

Belo Horizonte

FEAD-MINAS

2004

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JACI, Hercoles Eroides. Práticas não-convencionais de desenvolvimento gerencial mobilizadoras da subjetividade: uma análise crítica. 2004. Dissertação (Mestrado Profissionalizante em Administração) - Programa de Pós-Graduação em Administração, Faculdade de Estudos Administrativos - FEAD, Belo Horizonte.

RESUMO

Este trabalho analisa a importância e o significado das práticas não-convencionais de

desenvolvimento de gerentes, mobilizadoras da subjetividade. Tais práticas são chamadas

não-convencionais por focalizarem predominantemente as emoções dos participantes em

detrimento de uma abordagem mais convencional do tipo racional/intelectual. Elas têm sido

adotadas por empresas com a finalidade de promover uma mobilização profunda do indivíduo

para o fortalecimento das metas organizacionais, visando à produtividade e o lucro. O texto se

inicia por um histórico da gerência, chegando aos novos modelos de gestão, onde se situam as

práticas não-convencionais, principalmente os esportes radicais. Estuda-se também o

desenvolvimento do conceito de subjetividade, abordando em seguida sua mobilização no

contexto organizacional, com ênfase nas abordagens de Enriquez, Lima, Guattari, Foucault,

Fonseca, Pimenta, Corrêa e Heloani. Foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa, na qual

foram analisados os discursos de dois consultores que aplicaram as práticas e de quatro

gerentes submetidos a elas. Os resultados indicam, por parte dos consultores, discursos

contraditórios onde se apregoam por um lado a valorização da pessoa e seu potencial e por

outro lado um direcionamento em que só as metas da organização são focalizadas. Não foram

encontrados indícios de uma mobilização da subjetividade que fosse centrada também nos

participantes, indicando serem esses treinamentos incentivadores de aspectos que interessam

só às organizações. Na análise do discurso dos gestores que vivenciaram as práticas, observa-

se que, com aqueles que se encontram num consistente processo de identificação com a

empresa, que não alcançaram um distanciamento crítico, acontece uma adesão às técnicas

propostas sem a percepção sobre o que há por trás delas. Porém, gestores com um nível de

crítica acentuado conseguem perceber as intenções do treinamento e administram sua adesão.

Esta pesquisa sugere que essas práticas não-convencionais funcionam como “arte final” de

um trabalho de mobilização da subjetividade já iniciado na empresa através de suas políticas e

do processo cultural. Essas políticas e essa cultura são baseadas no paradigma “eficiência

100% e erro Zero” que atende a um cenário completamente orquestrado pelo Capitalismo.

Palavras-chave: desenvolvimento gerencial - mobilização da subjetividade - práticas não-

convencionais.

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ABSTRACT

This dissertation analyses the importance and meaning of non-conventional subjectivity based

methods in the development of managers. These practices are called non-conventional

because they focus mainly on the participants’ emotions, as opposed to conventional methods,

which emphasize the rational/intellectual aspects. Such procedures have been adopted by

companies to promote an in depth mobilization of managers, in order to strengthen the

organization goals, aimed at the productivity and profitability. The paper begins with a review

of management concepts up to the new methods, which include non-conventional practices,

such as radical sports. We also explore the development of the subjectivity concept, including

its mobilization in the organizational context, emphasising the ideas by Enriquez, Lima,

Guattari, Foucault, Fonseca, Pimenta and Heloani. We developed a qualitative research in

which we analysed the discourse of two consultants who have applied non-conventional

practices and the discourse of four managers who have undergone training based on those

procedures. Results indicated that consultants display a contradictory position, defending the

importance of valuing the individual and his potential, while, at the same time, focusing

mainly on the organizational goals. We have found no evidence of a mobilization of

subjectivity centred on the participants, implying that these training programs’ are directed to

the interests of the organizations. In the analysis of the managers’ discourses, we observe that

those who find themselves in a process of strong identification with the company (the ones

who have not been able to stand at a critical distance), stick themselves to the proposed

practices, without realizing what is behind them. However, those managers with an

accentuated level of criticism are able to perceive the intentions of training program and

manage their adherence to it. This research suggests that non-conventional practices work as

a “the final touch” to mobilize subjectivity in a process that has already been set in motion by

the companies, through their internal policies and cultural process. These policies and culture

are based on the “100% efficiency and zero mistake tolerance” paradigm that serves a

scenario dominated by Capitalism.

Keywords: development of managers - mobilization of subjectivity - non-conventional

practices.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................7

CAPÍTULO I ..........................................................................................................................18

1 Gerência e sua evolução até nossos dias ............................................................................18

1.1 Gerência científica - taylorismo .....................................................................................20

1.2 Fordismo: gerência que conduz o trabalhador ao modo capitalista de produção...........24

1.3 Funções gerenciais - teoria clássica de Fayol.................................................................27

1.4 Gerência à luz da escola de relações humanas ...............................................................29

1.4.1 O aspecto motivacional e a gerência .......................................................................34

1.5 Novos modelos de gestão na nova etapa do Capitalismo...............................................39

1.5.1 Globalização e reestruturação produtiva .................................................................39

1.5.2 Novos modelos de gestão ........................................................................................45

1.5.2.1 Gerência participativa.......................................................................................53

1.5.2.2 Gestão baseada no modelo japonês ..................................................................59

1.5.2.2.1 Toyotismo e a produção flexível ...............................................................61

1.5.2.3 A gestão do conhecimento................................................................................68

1.5.2.4 Formação dos gestores num cenário que busca excelência..............................74

CAPÍTULO II .........................................................................................................................85

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2 Subjetividade e sua Mobilização no Contexto Organizacional .......................................85

2.1 Tentativa de conceituar subjetividade ............................................................................85

2.2 Mobilização da subjetividade no contexto organizacional.............................................99

2.2.1 Práticas não-convencionais de mobilização da subjetividade ...............................123

2.2.2 “II Brasil Negócios” ..............................................................................................137

CAPÍTULO III .....................................................................................................................142

3 PESQUISA DE CAMPO REALIZADA .........................................................................142

3.1. A METODOLOGIA....................................................................................................142

3.1.1 Tipo de pesquisa ....................................................................................................142

3.1.1.1 Abordagem .....................................................................................................142

3.1.1.2 Quanto aos fins ...............................................................................................143

3.1.1.3 Quanto aos meios ...........................................................................................144

3.2 Universo e Amostra ......................................................................................................145

3.3 Coleta de Dados............................................................................................................146

3.4 Tratamento e análise dos dados ....................................................................................148

3.4.1 Análise do discurso dos consultores contratados pelas organizações para aplicarem

as práticas não-convencionais de desenvolvimento gerencial........................................154

3.4.2 Análise do discurso dos gestores que vivenciaram práticas não-convencionais ...179

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CAPÍTULO IV......................................................................................................................194

4. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................194

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................207

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INTRODUÇÃO

As organizações têm experimentado uma situação inédita, graças aos acontecimentos

históricos da contemporaneidade: mudanças profundas nas áreas econômica, tecnológica e do

mercado - principalmente na última - têm exigido dos executivos verdadeiros exercícios de

criatividade e coragem para enfrentar mudanças de uma magnitude e uma velocidade jamais

imaginadas. Nunca foi tão questionada a problemática decisória entre estrutura e estratégia no

tocante à prioridade.

Um dos principais marcos de todas essas mudanças é a globalização da economia e a abertura

dos mercados, ocasionando uma concorrência acirrada entre produtos e preços na década de

90 do século XX. Uma outra questão importante é o fato de que as novas tecnologias, com

base na automação microeletrônica e na informática, incorporaram certas funções “mentais”

aos equipamentos e fluxos de produção, que exigem que o trabalhador “pense” e “participe”

para ser produtivo. Em outras palavras, mudou a natureza do trabalho. Então a dimensão

humana e todo seu potencial começaram a chamar para si uma justificada atenção. As

possibilidades humanas foram aumentando sua visibilidade para aqueles empresários que

querem se aproveitar das circunstâncias, valorizar o estratégico, priorizar o necessário. Mais

uma porta foi aberta à exploração, acreditando-se na casuística de que melhor “conhecendo” o

homem em seu trabalho, suas relações estabelecidas, seus anseios e necessidades,

perspectivas e sonhos, seus tesouros em potencial ou não, encerrados em sua subjetividade,

melhor será a quota de eficiência derivada de tal constatação, principalmente para as

organizações e suas metas ambiciosas. Mance (1998) coaduna com essas visões ao afirmar

que apesar das vantagens e facilidades da vida moderna, os efeitos do avanço tecnológico na

Administração de Recursos Humanos - ARH - vêm subvertendo paradigmas sociais e

econômicos. A introdução das novas tecnologias da informação e da comunicação, na esfera

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do trabalho organizado, tem gerado também insegurança na manutenção de direitos

adquiridos, perda de privilégios conquistados, alteração nas hierarquias de poder e incertezas

na previsibilidade das carreiras profissionais. Mais ainda, diante da forte volatilidade do

mercado e do aumento da competição, as pesquisas aplicadas no desenvolvimento da

inteligência artificial, e de outras soluções eletrônicas criativas, têm como pano de fundo a

substituição de forças e faculdades humanas. Não obstante, o que é a um só tempo paradoxal

e irônico na ARH - a despeito da conjuntura adversa para aquele que depende do trabalho

assalariado - é que a geração do conhecimento é privilégio exclusivo do ser humano. Por isso,

as mudanças estruturais e a lógica do mercado, num contexto organizacional inteiramente

inédito, passaram a exigir da ARH um enfoque mais centrado na subjetividade humana.

Redescobriu-se a gestão de pessoas voltada para os fatores intangíveis característicos do ser

humano, como a emoção, os sentimentos, o prazer, a satisfação, os sonhos, a criatividade e a

intuição. A geração dos saberes tem sua origem em alguns desses componentes da

subjetividade humana, que se tornaram atributos pessoais valorizados, impensável até

recentemente, no cotidiano corporativo.

Para Hirata (1997) os novos modelos de gestão baseados na produção flexível contrastam com

a lógica de utilização da força de trabalho do taylorismo e fordismo, pois se tem uma divisão

menos acentuada do trabalho, integração mais pronunciada de funções, onde a comunicação e

a cooperação fazem emergir um novo paradigma organizacional. Este novo paradigma requer

operários polivalentes e/ou multifuncionais, onde a capacidade de julgar, discernir, intervir,

resolver problemas e propor soluções, ou seja, a criatividade e a inovação são requeridas para

a satisfação da exigência do processo de trabalho e de produção. Assim, as dimensões

subjetivas e intersubjetivas nos processos de trabalho tornam-se centrais para esse modelo.

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Lima (1996) adverte, porém, que a expansão dessas novas formas de gestão do processo de

trabalho tem um forte impacto na saúde mental dos empregados, pois permite o

desenvolvimento de processos de exclusão e de auto-exclusão, ao invés de facilitar ou de

acompanhar a integração dos empregados, a democratização e a humanização das empresas,

apesar de serem estes os conteúdos mais presentes no discurso empresarial. Levando em

consideração esse contexto, Mance (1998) aborda duas questões cruciais, que são a produção

de subjetividade pelo Capitalismo e o uso de práticas mobilizadoras da subjetividade

objetivando as metas do capital:

O Capitalismo é um sistema não apenas produtor de mercadorias, mas também de subjetividades. Se a subjetividade não é uma entidade metafísica ou transcendental, se ela é histórica e modelizada culturalmente sob jogos semióticos que ordenam materiais e funções, então podemos afirmar que o Capitalismo atualmente produz subjetividades, pois ele produz semioses (plano da linguagem) que ordenam as funções de organização da sociedade e, portanto, da vida do indivíduo. Produz subjetividades por exemplo, produzindo o produtor flexível, isto é, modelizando a subjetividade daquele que deve produzir operando com tecnologias mais complexas e que é envolvido como um colaborador na empresa, para tanto, usam-se técnicas de teatro, tai chi chuan, de psicologia e psicodrama no desenvolvimento de inteligência emocional e muitas outras, para aumentar a produtividade, para que o indivíduo se sinta membro-participante da empresa e não um mero empregado, com maior autonomia, podendo até mesmo, flexibilizar o seu próprio horário de trabalho, etc. Todas estas técnicas de produção de subjetividade estão incorporadas para o bom funcionamento da empresa e para atingir seus objetivos estratégicos na competição com as empresas concorrentes (MANCE, 1998, p.10).

Wright, MacMahan e McWillians (1994); Sparrow e Marchington (1998), citados em Davel

& Vergara (2001, p.31) são unânimes ao acentuar que

Pessoas não fazem parte somente da vida produtiva das organizações. Elas constituem o privilégio essencial de sua dinâmica, conferem vitalidade às atividades e processos, inovam, criam, recriam contextos e situações que podem levar a organização a posicionar-se de maneira competitiva, cooperativa e diferenciada com clientes, outras organizações e no ambiente de negócios em geral. Pessoas tornam-se fonte verdadeira de vantagens competitivas por causa de seu valor, sua raridade, suas inimitáveis e insubstituíveis qualidades humanas.

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Publicações que abordam a dimensão humana nas organizações mostram a força dessa

perspectiva nos novos modelos de gestão. A partir de vários autores como Enriquez

(2001,1997a,1997b), Pagès (1987), Fonseca (1995, 1997 e 2004), Heloani (2003), Lima

(1996) e outros se pode afirmar que o resgate de tal dimensão não poderá vir desacompanhado

de um movimento de mobilização da subjetividade tendendo à expropriação e objetivando

interesses econômicos.

Enriquez (1997a) ao analisar esse processo de mobilização da subjetividade nos novos

modelos de gestão, começa por questionar a cultura organizacional que propõe valores e um

“imaginário enganador” para englobar todos os participantes da organização numa fantasia

comum proposta por seus dirigentes. Para ele a organização não pode viver sem segregar um

ou mais mitos unificadores, sem instituir ritos de iniciação, de passagem e de execução, sem

formar os seus heróis “tutelares”, colhidos com freqüência entre os fundadores imaginários da

organização. A organização necessita narrar ou inventar sagas que viverão na memória

coletiva: mitos, ritos, heróis, que têm como função sedimentar a ação dos membros da

organização, de lhes servir de sistema de legitimação e dar assim uma significação

preestabelecida às suas práticas e à sua vida. Ainda na perspectiva de Enriquez (2001), se o

indivíduo se identifica com a organização, se pensa apenas por meio dela, se a idealiza a

ponto de sacrificar sua vida privada aos objetivos que ela persegue, quaisquer que eles sejam,

entrará de boa fé num sistema totalitário, transformado em um “Sagrado Transcendente”, que

legitima sua existência. Para o autor o indivíduo está sempre dividido entre a expressão de seu

desejo e a necessidade de se identificar com o outro. O nível imaginário e inconsciente é tão

ativo quanto o nível manifesto e consciente do indivíduo, relacionando realidade psíquica e

realidade histórica. O autor nos convida a “ver” as instituições como utilizadas de forma

inconsciente pelos indivíduos como mecanismos de defesa contra a ansiedade. A mudança da

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estrutura das relações entre os indivíduos, por intermédio da criação de um novo sistema de

regras sociais de comportamento, leva à reestruturação das representações do imaginário

coletivo, fato este que obriga os indivíduos a se readaptarem em nível profundo, psíquico,

reelaborando os seus mecanismos inconscientes de defesa contra a ansiedade depressiva

provocada por esse jogo interno. É no momento mesmo em que o mundo organizacional

preconiza a eficácia, a paixão pela excelência, a qualidade total, a busca do defeito zero, que o

autor chama de “signos de uma fantasia de domínio total, de uma vontade infantil raivosa de

onipotência”, que a empresa propõe práticas mobilizadoras da subjetividade, as mais

“aberrantes”, adjetivo este utilizado por Enriquez (2001 p. 177).

Os indivíduos, únicos responsáveis (se fracassam, o erro não cabe nem à organização nem ao tipo de direção), ainda que, alienados no mais profundo de sua psique, de maneira tal que não apenas “correm” atrás de sua alienação, como também a pedem. Também se apelará, na seleção de executivos, aos leitores de tarô, aos astrólogos, aos “numerólogos” ou à realização de provas como “a caminhada sobre brasas”. Pedir-se-á aos gurus ou xamãs para “reenergizar” a empresa; instalar-se-ão os executivos em “caixões” para lhes insuflar uma nova energia. Far-lhes-ão artes marciais a fim de que eles se tomem por samurais. Não é preciso continuar essa enumeração de “técnicas” (mesmo o vodu não deixa de ser usado) para lograr a busca de eficácia a qualquer preço. Vê-se bem o objetivo desses métodos: a adesão, o envolvimento, a mobilização total de todos, quer dizer, uma psique sem conflitos, uma psique a serviço da organização; sejamos claros, o enquadramento da psique (quer dizer, neutralizar a possibilidade de enfrentar a complexidade e de demonstrar capacidades criativas não previstas e não programáveis). O reconhecimento da psique como força operante tem, pois, por resultado, a destruição ou, ao menos, sua sujeição, sempre no consentimento e no contentamento dela própria. (ENRIQUEZ, 2001, P.178)

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Numa outra perspectiva, Davel & Vergara (2001) manifestam sua posição na questão

subjetividade e organização:

Seres humanos não podem ser entendidos, se a busca desse entendimento não estiver alimentada por um pensamento filosófico, ético, político e cultural. Considerar a subjetividade nas organizações significa que as pessoas estão em ação e em permanente interação, dotadas de vida interior e que expressam sua subjetividade por meio da palavra e de comportamentos não verbais. A linguagem é o veículo privilegiado da subjetividade e a vida psíquica, seu fundamento. A gestão de pessoas nas organizações deve ser concebida como uma mentalidade, uma forma constantemente renovada de pensar a atuação e a interação humana na organização, reconhecendo o que é uno e múltiplo no ser humano, mostrando como todo fenômeno estudado é perpassado pela subjetividade, reafirmando o papel da pessoa, de sua experiência e do simbólico nas organizações e, ao mesmo tempo, restituindo a pessoa a seu quadro sócio-histórico. Responsáveis pela gestão de pessoas devem perseguir objetivos que criem vantagens competitivas para a empresa por meio das pessoas e iguais vantagens para as pessoas (DAVEL & VERGARA, 2001, p.50).

Esses novos tempos, iniciados de maneira mais intensa nos anos 90 no Brasil, utilizaram a

competitividade como catalisadora de um processo que fez eclodir na história da gerência

necessidades de atribuições pessoais, nunca antes requeridas, de forma tão contundente. Os

funcionários e, principalmente, os gestores, teriam que apresentar, como perfil pessoal, para

“utilização diária”, características como: criatividade, audácia, tenacidade, comprometimento,

devoção, disciplina, flexibilidade, disponibilidade para educação continuada, competências

generalistas, capacidade de trabalhar em equipe, prontidão (saber lidar com a compressão do

tempo). Os gestores, ou seja, os líderes, foram “escolhidos” como “multiplicadores-

disseminadores” das soluções novas para esses turbulentos tempos. Eles passaram a ser

observados e focalizados como pontos-chave para as estratégias dessas novas demandas. Este

foco voltado para os gestores tem uma explicação dada por Eugène Enriquez (1996) no

prefácio do livro de Maria Elizabeth Antunes Lima na p.13, onde ele afirma

os gerentes formam a categoria mais exposta ao discurso ideológico da organização, pois eles quase não têm outros pontos de referência, eles tendem também, mais que os outros trabalhadores, a se identificar com a organização, a superinvestir na empresa, a pensar que a organização é inatacável, indicando que o sucesso social deles se paga com uma grande vulnerabilidade psíquica, mesmo se esta permanece inconsciente.

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Muitos modelos de gestão foram criados nesses últimos anos, mas a quase totalidade deles

com a mesma base: o Capitalismo. Com o processo de “instalação” da globalização, o

Capitalismo tornou-se mais robusto, renovado e com seus pressupostos, produtividade e lucro,

cada vez mais alvissareiros.

O que nos motiva para elaborar este trabalho é a necessidade de analisar a nova realidade da

gerência na contemporaneidade, principalmente quando são adotados novos modelos de

gestão como os que abordaremos. Sob esse prisma, buscaremos investigar não só o

gerenciamento de pessoas, que visa à integralização das potencialidades dos indivíduos, mas

também o modo como as organizações, através destes novos modelos de gestão, realizam a

mobilização desses atributos pessoais que os novos tempos exigem dos funcionários e,

principalmente, dos gestores. No aporte teórico dessa dissertação trabalharemos com autores

que, poderíamos chamar “ideólogos” dos novos modelos de gestão, que se encarregam da

divulgação desses métodos, elaboram argumentos visando demonstrar a eficácia e a

pertinência deles, prescrevendo-os. Por outro lado, como esse trabalho tem um enfoque

crítico, lançaremos mão de autores que apontam as debilidades desses modelos e suas

práticas, põem à mostra suas contradições, questionam seus pressupostos e os impactos

negativos causados por alguns modelos de gestão. Muitos autores dessa corrente mais crítica

nem consideram que estes “novos modelos” sejam realmente novos, falam inclusive, de uma

camuflagem escondendo a essência “taylorista-fordista-fayolista” subjacente. Em nosso

aporte teórico também citaremos autores que se posicionam sem criticar ou apoiar, limitando-

se a descrever, às vezes funcionando como mediadores paradigmáticos.

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A partir da proposta desse trabalho, a problemática que direciona esta dissertação é a seguinte:

Qual é a importância e o significado das práticas não-convencionais de desenvolvimento

gerencial enquanto mobilizadoras da subjetividade para os consultores que as aplicam e

para aqueles gestores a elas submetidas?

Para responder esta questão, procuramos analisar algumas práticas não-convencionais de

desenvolvimento de gestores, avaliando sua significação enquanto mobilizadoras da

subjetividade desses profissionais. O presente estudo caminha, portanto, na direção de uma

reconstrução histórica sumarizada do ato de gerenciar, com a intenção de elucidar

pressupostos, garimpando a diversidade de visões disponíveis sobre o assunto. Parte, em

seguida, para a identificação e discussão dessas práticas, buscando, dentro do cenário dos

novos modelos de gestão, proceder a uma análise crítica. Urwick, citado por Braverman

(1987), historiador da gerência, traça um retrospecto para explicar o gerenciamento enquanto

exercício de controle:

Nas oficinas do mestre medieval, o controle baseava-se na obediência que os costumes da época exigiam dos aprendizes e diaristas ao homem que os contratava para o servirem. Mas, na fase posterior da economia doméstica a unidade familiar industrial era controlada pelo tecelão, apenas na medida em que ele tinha que completar certa quantidade de pano de acordo com determinado padrão. Com o surgimento do moderno grupo industrial em grandes fábricas, em zonas urbanas, todo o processo de controle passou por uma revolução fundamental. Era agora o proprietário ou gerente de uma fábrica, isto é, o “empregador” como veio a ser chamado, que tinha de obter ou exigir de seus “empregados” um nível de obediência e de cooperação que lhe permitisse exercer controle. Não havia interesse pessoal no êxito da empresa a não ser na medida em que permitisse um meio de vida (URWICK apud BRAVERMAN, 1987, p. 68-69).

Como estamos pesquisando as práticas não-convencionais de desenvolvimento gerencial,

observamos, através da mídia e da produção científica consultada, que elas têm sido muito

utilizadas pelas organizações e é por causa dessa disseminação é que achamos pertinente

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estudá-las e perpassá-las por esse crivo crítico, dado que são práticas mais recentes e com

uma aceitação grande entre as empresas consideradas estratégicas ou hipermodernas.

È importante salientarmos que as práticas não-convencionais de desenvolvimento

gerencial são compreendidas como treinamentos aplicados geralmente fora do ambiente

de “sala de aula” tradicional (outdoor training) e o enfoque é no sentido da mobilização

emocional mais do que a tendência racional/intelectual que permeiam os treinamentos

convencionais. No referencial teórico dessa dissertação iremos pontuar as características

das práticas não convencionais de treinamento gerencial, foco de nossa pesquisa.

A partir desta abordagem de Urwick, citado por Braverman (1987) decidimos também

perpassar essas práticas pelo suposto de que elas representam um continuísmo da história da

gerência, no que se refere ao controle e a “produção de subjetividade” no trabalhador,

objetivando os fins do capital, tal como assevera Heloani (2003). Para Guattari (1986) essa

versão mundializada dos mercados capitalistas apresenta-se como um dos principais

“produtores de subjetividade”, ou seja, a máquina capitalista através da mídia associa

produtos a um estilo de vida, a uma modalidade subjetiva, produz ou modeliza subjetividades

assim como os novos modelos de gestão podem “produzir subjetividades” nesses gestores.

Townley, citada por Davel & Vergara (2001 p.47), baseando-se na obra de Foucault, indica a

importância de examinar as práticas de gestão de pessoas, porque o indivíduo é

continuamente construído (modelização da subjetividade) pelas relações sociais, discursos e

práticas, ou seja, constituído pela relação conhecimento-poder. A autora afirma que as

práticas e procedimentos tais como análise de cargos, avaliação de desempenho, treinamento,

seleção, etc. são abordados em termos da constituição de pessoas em objetos de conhecimento

e, por conseqüência, capazes de serem administradas de forma específica. E conclui: “a gestão

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de pessoas proporciona as maneiras pelas quais as pessoas e atividades tornam-se conhecidas

e governáveis”

Para analisar a problemática proposta, foram definidos os seguintes objetivos:

Objetivo Geral: Analisar a importância e o significado das práticas não-convencionais de

desenvolvimento gerencial em seu papel de mobilizadoras da subjetividade, a partir da

percepção dos gestores a elas submetidas, analisando também o propósito dos consultores que

as aplicam.

Objetivos específicos

a) Identificar as práticas não-convencionais mobilizadoras da subjetividade utilizadas por

consultores que são contratados por empresas.

b) Descrever as expectativas e os propósitos dos consultores responsáveis pela aplicação das

práticas quanto ao resultado/desempenho esperado dos participantes.

c) Analisar a importância e o significado das práticas vividas pelos gestores que compõem a

amostra de participantes.

Esta dissertação é constituída do seguinte modo: No primeiro capítulo, aborda-se a

primeira parte do referencial teórico, que é a gerência, sua origem, sua evolução e os novos

modelos de gestão oriundos da “nova face do capitalismo”. No âmbito dessas novas

tecnologias de gestão, onde a mobilização da subjetividade é uma característica forte, é que

emergem as práticas não-convencionais de desenvolvimento gerencial, que constituem o

objeto desse trabalho. No segundo capítulo, aborda-se o construto da subjetividade e sua

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mobilização no contexto organizacional, segunda parte do referencial teórico, onde são

descritas as práticas não-convencionais utilizadas em desenvolvimento gerencial. O terceiro

capítulo aborda a pesquisa realizada, detalhando a metodologia, com a análise dos discursos

dos entrevistados. O quarto e último capítulo reúne as conclusões e considerações finais.

Neste capítulo, as conclusões deste pesquisador são comparadas às outras produções

científicas, onde também são analisadas as práticas não-convencionais e são comentados os

resultados da análise dos discursos.

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CAPÍTULO I

Quando me perguntaram do porque escolhi o tema Gerência para desenvolver minha dissertação, uma cena de infância me veio à mente. Só quem viveu em meados dos anos 60 e visitava de vez em quando as Lojas Americanas, pode avaliar, principalmente aos olhos de um menino, o significado disso. Eu me lembro das cores, da diversidade de produtos, dos cheiros da lanchonete e de uma voz vinda de todas as paredes, que dizia: - Maria do Carmo - bijouterias, gerência! - Berenice, bolsas, gerência! E eu, menino, com todos os meus sentidos atentos, de mãos dadas com minha mãe, um dia perguntei: - Mãe, o que é gerência? E ela, com seu saber tácito herdado do Vale do Jequitinhonha, respondeu: - É um homem que fica lá em cima e manda em todo mundo que fica aqui embaixo. (JACI, Hercoles; 2004)

1 GERÊNCIA E SUA EVOLUÇÃO ATÉ NOSSOS DIAS

Segundo Braverman (1987), o verbo inglês to manage (administrar, gerenciar) vem de manus,

do latim, que significa mão. Antigamente, significava adestrar um cavalo nas suas andaduras,

para fazê-lo praticar o manège. Braverman (1987) afirma, metaforicamente, que o capitalista,

para controlar, age da mesma forma que um cavaleiro que utiliza rédeas, bridão, esporas,

cenoura, chicote e adestramento desde o nascimento para impor sua vontade ao animal. Para

isso, o capitalista usa a gerência. E o controle é, de fato, segundo o autor, o conceito

fundamental de todos os sistemas gerenciais, como foi reconhecido implícita ou

explicitamente por todos os teóricos da gerência. Leffingwell, citado por Braverman (1987),

considera que uma gerência eficaz implica controle.

De acordo com Aktouf (1996), os dados históricos, atualmente menos contestados, mostram

que, a partir da Revolução Industrial ocorrida nos séculos XVIII e XIX, a contribuição mais

fundamental consistiu precisamente na mudança radical no mundo do trabalho, sobretudo no

que se refere à conduta e à organização do trabalho. Porém, o mesmo Aktouf (1996) pondera

que a função das pessoas encarregadas de “orientar” as atividades, de “conduzir” ou de

“cuidar de” patrimônios ou da coordenação das tarefas executadas por várias pessoas é muito

antiga na humanidade, acenando que as teorias administrativas conhecidas sempre existiram:

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Acredita-se que as cavernas em que o homem pré-histórico talhava a pedra ou o trabalho dos ceramistas dos tempos faraônicos eram ‘organizados’ de maneira muito próxima à produção em série, com operários especializados, seqüências ‘racionais’, contramestres e supervisão hierarquizada, de forma semelhante como se tende a crer que o ‘governo’ de Moisés e seus companheiros, ou ainda o sistema do mandarinato chinês eram ‘burocracias’ dotadas de um espírito racional e orientado em direção à eficácia. Tal visão das coisas não é gratuita nem desprovida de conseqüências: ela é, em particular, favorável a perpetuação de uma crença que deseja que a empresa atual, a administração e o administrador moderno sejam fruto de uma longa evolução histórica tão velha quanto a humanidade, portanto, ‘natural’ e conforme a ‘natureza humana’. Isto pode legitimar tanto práticas atuais quanto crer que o homem das cavernas já trabalhava segundo os princípios quase tayloristas de divisão e supervisão do trabalho (AKTOUF, 1996, p. 27).

Existe um episódio na história da gerência, narrado por Pollard citado por Braverman (1987),

que é o caso da empresa Ambrose Crowley, uma grande metalúrgica mista que tanto produzia

ferro, por um processo primitivo, como artefatos. Em meados do séc. XVIII essa firma

empregava mais de mil trabalhadores, espalhados pelos serviços centrais, armazéns e

empresas marítimas. Os métodos de “gerência” dessa metalúrgica eram baseados na

dominação econômica, espiritual, moral e física. Esses métodos eram escorados pelas

constrições legais e policiais de uma servil administração da justiça numa zona industrial

segregada, um caso de controle total:

A firma fornecia um médico, um capelão, três professores e uma pensão aos pobres, pensão e auxílio-funeral, e, por suas instruções e exortações Crowley pretendia dominar a vida espiritual do seu pessoal e induzi-lo voluntária e obedientemente à sua máquina. Era sua intenção expressa que a vida integral do trabalhador, inclusive até seu escasso tempo de folga (o tempo normal de trabalho era de oitenta horas semanais) revertesse à tarefa de tornar os ofícios lucrativos (POLLARD apud BRAVERMAN, 1987, p. 67).

Para Aktouf (1996), passando pelo séc. XVIII e o XIX, a habilidade central do futuro

administrador aparecia como uma nova capacidade de organizar, de subdividir, de disciplinar

e de supervisionar o trabalho de dezenas de pessoas sem qualificações específicas. Segundo o

mesmo autor, esta nova capacidade vai essencialmente permitir obter mais, e sempre mais, do

fator trabalho. Segundo Gorz (1989), o despotismo de fábrica é tão velho quanto o próprio

Capitalismo industrial. As técnicas de produção e a organização do trabalho que elas impõem

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sempre tiveram um duplo objetivo: tornar o trabalho o mais produtivo possível para o

capitalista e, com essa finalidade, impor ao operário o rendimento máximo pela combinação

dos meios de produção e das exigências objetivas de sua execução.

O processo de produção deve ser organizado de tal maneira que a injunção de rendimento máximo seja percebida pelo operário como uma exigência da própria máquina, como um imperativo intrínseco à matéria, tanto mais inexorável e incansável quanto parece confundir-se com as leis de funcionamento de uma complexa maquinaria: leis aparentemente neutras, que escapam a toda vontade e a toda contestação humanas. O operário deve suportar o trabalho - tanto a quantidade quanto a natureza de seu trabalho diário - como a única maneira possível de servir uma máquina que, por sua vez, deve parecer-lhe como a única máquina possível: como a única solução possível para os problemas técnicos da produção (GORZ, 1989, p. 81).

Para Braverman (1987), não era o advento do Capitalismo nem a revolução industrial que

traziam uma nova “ordem” moderna ou “grande” ou “urbana”, não eram esses fatores que

criavam uma nova situação “gerencial”. Eram sim, segundo ele, as novas relações sociais que

estruturavam o processo produtivo e o antagonismo entre aqueles que executam o processo e

os que se beneficiam dele, os que administram e os que executam, os que traziam a fábrica a

sua força de trabalho e os que empreendem extrair dessa força de trabalho a vantagem

máxima para o capitalista.

1.1 Gerência científica - taylorismo

De acordo com Braverman (1987), os economistas clássicos foram os primeiros a cuidar, sob

o ponto de vista teórico, dos problemas da organização do trabalho no cerne das relações

capitalistas de produção. Afirma o autor que o termo “economistas clássicos” pode ser usado

para denominar os primeiros peritos em gerência, e seu trabalho foi seguido até o final do

período da Revolução Industrial por homens como Andrew Ure e Charles Babbage. Entre

esse período citado e o próximo passo, com a formulação completa da teoria da gerência, no

fim do século XIX e princípio do XX, há um hiato de mais de 50 anos, durante a qual se

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verificou grande aumento do tamanho das empresas. São esses os primórdios da organização

monopolística da indústria e da intencional e sistemática aplicação da ciência à produção.

Segundo Ferreira et al. (2002), na virada do século XIX, Frederick Taylor desenvolveu

estudos a respeito de técnicas de racionalização do trabalho do operário (Piece Rating System,

1895 e Shop Management, 1903). As idéias de Taylor preconizavam a prática da divisão do

trabalho, defendida anteriormente por Smith e Babbage e já adotada na época. Os autores

relatam que, em 1911, Taylor publicou um estudo mais elaborado, Principles of Scientific

Management a partir de sua experiência em fábrica, generalizando-a como um modelo para a

prática da administração. Para Chanlat (2000), Taylor, influenciado ao mesmo tempo pelas

ciências da Física, da Química, da Economia Política e da Engenharia, procurou racionalizar o

trabalho no processo de fabricação. O autor enfatiza que graças à observação e ao estudo das

tarefas, à seleção e ao aprendizado dos operários, à divisão entre concepção e a execução e ao

sistema de remuneração pelo rendimento, Taylor e seus numerosos discípulos julgavam poder

resolver de forma definitiva os problemas de produção. Permitindo aos trabalhadores obter

melhores salários e às empresas melhores benefícios, o taylorismo abre o caminho, segundo

os seguidores, para o progresso econômico e social. O autor assevera que o taylorismo se

constitui na primeira tentativa de racionalização do trabalho na empresa e que esta teoria

deriva, em linha direta, da Economia Política de Babbage, que será seguida por muitos.

Na perspectiva de Braverman (1987) torna-se necessário um completo e pormenorizado

esboço dos princípios do taylorismo ao histórico da gerência, não pelo que o tornou

popularmente conhecido: cronômetro, aceleramento, etc., mas porque, além dessas

trivialidades, reside uma teoria que nada mais é que a explícita verbalização do modo

capitalista de produção.

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É impossível superestimar a importância do movimento da gerência científica no modelamento da empresa moderna e, de fato, de todas as instituições da sociedade capitalista que executam processos de trabalho. A noção popular de que o taylorismo foi “superado” por escolas posteriores de psicologia industrial ou “relações humanas”, que ele “fracassou” - por causa do amadorismo de Taylor e suas opiniões ingênuas sobre a motivação humana ou porque provocou uma tempestade de oposição ao trabalho ou devido a que Taylor e vários sucessores jogavam trabalhadores uns contra os outros e às vezes gerências também - ou que está “fora de moda”, porque certas categorias tayloristas, como chefia funcional ou seus esquemas de prêmio incentivo, foram descartados por métodos mais requintados: tudo isso representa lamentável má interpretação da verdadeira dinâmica do desenvolvimento da gerência (BRAVERMAN, 1987, p. 83).

De acordo com Ferreira et al. (2002) Taylor é normalmente visto como um cientista insensível

e desumano, que tratava os operários como objetos de estudo isolados, em favor de estudos

que favoreciam a elite empresarial. Entretanto, segundo os autores, são poucos os que

apontam a preocupação de Taylor com o aumento da eficiência da produção, buscando a

redução dos custos não apenas para elevar os lucros, mas também para elevar a produtividade

dos trabalhadores, aumentando seus salários. Os autores chamam a atenção para o fato de que

o tempo histórico de Taylor ainda sofria os reflexos dos regimes feudal e escravocrata, e suas

idéias representavam um avanço na forma de encarar a participação do trabalhador no

processo produtivo.

Heloani (2003), na sua mais recente publicação, na qual ele se propõe a descrever a história

da manipulação psicológica no mundo do trabalho, afirma que, no taylorismo, este sistema

cientificamente planejado, permite-se a “modelização da individualidade” do operário,

adaptando-a para a assimilação das vantagens de cooperação recíproca entre trabalhador e

administração. Assim, acentua o autor, Taylor esboça um ensaio de “modelização do

inconsciente” ao penetrar na esfera da subjetividade do trabalhador para reconstruir a sua

percepção, segundo os interesses do capital. Na verdade, Taylor procura captar a “boa

vontade” do trabalhador, modelizando sua subjetividade com o estudo de tempos e

movimentos, cujo incentivo é o aumento de salário, fazendo com que o trabalhador internalize

o “desejo” de aumentar a produção passando então, a reorientar a sua percepção para esse

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aumento. O autor completa, afirmando que, esse potencial de “gestão da subjetividade”, ou

seja, a necessidade de o capital de dominar a subjetividade da classe trabalhadora como meio

de aplacar a luta de classes, fator que foi “inferido” pelo taylorismo, só começará a ser

efetivamente utilizado no fordismo.

Motta (2001) concebe o taylorismo tendo como função essencial passar, para a direção

capitalista do processo de trabalho, os meios de se apropriar de todos os conhecimentos

práticos, que, de fato, até então, eram monopolizados pelos operários.O fundamental nesse

sistema, assegura o autor, é o estudo de tempos e movimentos na busca de uma “maneira

certa”, ou seja, menos dispendiosa, de realizar o trabalho. Também na base do sistema

taylorista está o uso dos incentivos econômicos, seguindo o ideal de “pagar mais a quem

produzir mais”. Na realidade, o taylorismo permitia altos lucros a expensas de baixos salários,

já que não exigia mão-de-obra qualificada. Ao completar, diz que o taylorismo implicava em

“alta desumanização do trabalho”, tendo sua lógica baseada no “apressamento” e sua

implantação trazia um considerável aumento do aspecto rotineiro e monótono do trabalho.

Morgan (1996) descreve Taylor como um homem totalmente preocupado com a idéia de

controle e sua técnica seguindo o mesmo caminho. O autor afirma que ele era possuidor de

um caráter obsessivo e compulsivo, movido por insaciável necessidade de domar e dominar

todos os aspectos de sua vida.

A vida de Taylor fornece uma ilustração esplêndida de como preocupações e inquietações inconscientes podem ter efeitos na organização. É evidente que toda sua teoria de Administração científica foi produto de lutas interiores de uma personalidade perturbada e neurótica. Os seus esforços para controlar e organizar o mundo, seja em jogos infantis na sua infância, seja dentro dos sistemas da administração científica, são na realidade, uma tentativa de controlar e organizar-se a si próprio. Grande parte da vida de Taylor reflete uma luta interior com a disciplina e as relações de autoridade na sua infância. Há boas razões para se acreditar que as relações entre chefes e funcionários, delineadas nos princípios da sua teoria da Administração Científica, possuam raízes na estrutura disciplinar na qual ele cresceu. No entender de Taylor, a agressão representada pela gerência científica invertia-se, transformando-se no oposto, ou seja, em um esquema concebido para promover a harmonia. Foi essa sua forma de encarar a teoria que lhe

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permitiu considerar-se um pacificador das relações industriais, ao mesmo tempo em que a Administração científica era vista como uma das principais fontes de promoção do desconforto nas organizações (MORGAN, 1996, p. 213).

1.2 Fordismo: gerência que conduz o trabalhador ao modo capitalista de produção

Para Braverman (1987, p.129), existe uma questão relevante: “já que a adaptação do

trabalhador ao modo capitalista de produção deve pouco aos esforços dos manipuladores

práticos e ideológicos, então, como de fato ela se realizou?”. Para ele, muito da história

econômica e política do mundo capitalista durante o último século e meio ocupa-se desse

processo de ajustamento dos conflitos e revoltas que o acompanham. O autor exemplifica

afirmando que a primeira linha de montagem numa esteira móvel completa pode bastar como

ilustração, já que a retirada violenta dos trabalhadores de suas condições anteriores e seu

ajustamento às formas de trabalho projetado pelo capital foi um processo básico no qual os

principais papéis foram desempenhados não pela manipulação ou bajulação, mas por

condições e forças sócio-econômicas.

Na fábrica Ford e em todas as demais oficinas de Detroit, o processo de montagem de um automóvel dependia ainda do mecânico versátil, que era obrigado a saber de tudo para executar seu trabalho. Os montadores da Ford eram ainda homens competentes. Seu trabalho era muito estacionário, contudo eles tinham que passar para o serviço seguinte a pé, tão logo o carro em construção no seu local próprio assumia a dimensão total - do chassis puro ao produto acabado. É certo que o tempo trouxe alguns refinamentos. Em 1908 já não era mais necessário ao montador deixar seu lugar de trabalho para dar um giro pela ferramentaria ou seção de peças. Um almoxarife já havia sido designado para essa função. Nem o próprio mecânico da Ford era o mesmo em 1908 que fora em 1903. No curso desses anos, o serviço de montagem final havia sido parcelado aos poucos. Em lugar do “pau para toda obra” que antigamente fazia de tudo, havia agora diversos montadores que trabalhavam lado a lado num carro, cada um responsável por operações um tanto limitadas (SWARD apud BRAVERMAN, 1987, p. 130).

De acordo com Ferreira (1993), grosso modo, fordismo designa o modo de desenvolvimento-

articulação entre um regime de acumulação intensiva e um modo de regulação monopolista ou

administrado que marca uma determinada fase de desenvolvimento do Capitalismo em países

do centro. Esse período de prosperidade sem precedentes (conhecidos como a “era do ouro”)

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do sistema pós-guerra funcionou de acordo com as suas características básicas pelo chamado

“círculo virtuoso do fordismo”. O eixo central da “engrenagem do círculo virtuoso” consiste

no tipo de barganha entre o capital e o trabalho que se estabeleceu no âmbito destas

formações sociais.

A barganha pode ser apresentada, basicamente, da seguinte forma: de um lado, reconhecia-se o papel de dirigentes e proprietários de empresas na liderança e iniciativa no tocante das decisões estratégicas quanto aos mercados e investimentos. De outro lado, os sindicatos lutavam para conquistar a maior parcela dos ganhos de produtividade associados à difusão e consolidação das normas fordistas de produção. (BOYER apud FERREIRA, 1993, p. 9).

Boyer citado por Ferreira (1993), ainda na p.9, salienta que os principais traços característicos

ou princípios constitutivos do paradigma fordista são:

a) racionalização taylorista do trabalho: profunda divisão - tanto horizontal (parcelamento

das tarefas) quanto vertical (separação entre concepção e execução) - e especialização do

trabalho;

b) desenvolvimento da mecanização através de agrupamentos altamente especializados. A

aplicação combinada, segundo Boyer, citado em Ferreira (2002), tem como conseqüência

uma forte desqualificação da mão de obra;

c) produção em massa de bens com elevado grau de padronização;

d) a norma fordista de salários: relativamente elevados e crescentes - incorporando ganhos de

produtividade - para compensar o tipo de processo de trabalho predominante.

Heloani (2003) contribui definindo o termo fordismo como a visão mais conhecida das

inovações introduzidas por Henry Ford, como: elevação dos salários, linha de montagem,

novas formas de controle, jornadas de trabalho não muito longas. Braverman (1987)

argumenta que foram estabelecidas, inicialmente na Ford Motor Company, as novas

condições de emprego que deveriam tornar-se características da indústria automobilística, e

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daí por diante por um número crescente de indústrias. O ofício cedeu lugar a operações

pormenorizadas e repetidas, e as taxas de salário padronizaram-se em níveis uniformes. A

reação a esta mudança, segundo o autor foi vigorosa.

Em conseqüência, a nova tecnologia na Ford mostrou-se cada vez mais impopular; encontrava cada vez maior oposição. E os homens atingidos por ela começaram a rebelar-se. Manifestavam sua insatisfação vagueando de emprego a emprego. Estavam em condições de escolha e de exigir. Havia muitos outros trabalhadores na comunidade; era lhes fácil empregar-se; havia pagamento também; e eles eram menos mecanizados e mais afeiçoados ao trabalho. Os homens da Ford começaram a abandoná-la em grande número em 1910. Com a chegada de linha de montagem suas seções ficaram literalmente desertas: a companhia logo percebeu que seria impossível manter sua força de trabalho intacta, muito menos ampliá-la. Tudo indicava que a Ford Motor Company tinha chegado ao ponto de possuir uma grande fábrica sem ter os trabalhadores suficientes para mantê-la zumbindo. Ford admitiu mais tarde que as inovações alarmantes de sua fábrica iniciaram a imensa crise do trabalho de sua carreira. Escreveria ele que o abandono de sua força de trabalho elevou-se a 380% só no ano de 1913. Tão grande era o desgosto do trabalho com as novas máquinas que por fins de 1913 toda vez que a companhia precisava aumentar 100 homens à sua fábrica tinha que admitir 963. (SWARD apud BRAVERMAN, 1987, p. 131-132).

Na visão de Morgan (1996) a história de Ford não é, de maneira alguma, única. Muitas

organizações, segundo ele, são regidas por gerentes autoritários que manipulam habilmente

considerável poder como resultado das suas características pessoais, laços de família ou

habilidade em sedimentar a influência e o prestígio dentro da organização. A história da Ford

e de Ford segue o princípio: “Este é o meu negócio e vou dirigi-lo como quiser, a dominação

é mantida, governarei com mãos de ferro”.

Braverman (1987) conclui seu posicionamento quanto a essa fase da gerência, que ele

denominou de “habituação do trabalhador ao modo capitalista de produção”:

Como em todo funcionamento do sistema capitalista, a manipulação vem em primeiro lugar e a coerção é mantida na reserva - exceto que esta manipulação é o produto de forças econômicas poderosas, políticas de emprego e barganha, e a atuação e evoluções íntimas do próprio sistema capitalista, e não primacialmente, dos hábeis esquemas de peritos em relações trabalhistas. A aclimatação aparente do trabalhador aos novos modos de produção surge da destruição de todos os modos de vida, a contundência das barganhas salariais que permitem certa maleabilidade dos costumeiros níveis de subsistência da classe trabalhadora, o emaranhado da rede da vida capitalista moderna que tornam finalmente todos os outros meios de vida impossíveis. Mas por baixo dessa aparente habituação, continua a hostilidade dos

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trabalhadores às formas degeneradas de trabalho a que são obrigados, como uma corrente subterrânea que abre caminho para a superfície quando as condições de emprego permitem, ou quando a tendência capitalista a maior intensidade de trabalho ultrapassa os limites da capacidade física e mental. Renova-se em gerações sucessivas, exprime-se no incontido sarcasmo e repulsa que grandes massas de trabalhadores sentem por seu trabalho, e vem à tona repetidamente como um problema social exigente de solução (BRAVERMAN, 1987, p.133-134).

Uma das causas da crise do fordismo segundo Ferreira (1993), foi um movimento

generalizado de elevação do nível de instrução das camadas populares de alguns países,

dificultando assim, o recrutamento de mão-de-obra que se sujeitasse sem resistência ao tipo

de trabalho desqualificado proposto. Uma outra razão forte, segundo o mesmo autor, derivada

da primeira, estava na discrepância entre a tendência desqualificante da gerência científica e a

crescente expectativa sobre a qualidade e iniciativa no trabalho. Heloani (2003, p.55) afirma

que mais que uma disciplina no trabalho, Ford impunha um padrão de conduta aos

trabalhadores. Assim, segundo o autor, não só produziam-se carros confiáveis em larga

escala, mas também se obtinha a garantia do fornecimento contínuo de trabalhadores

disciplinados e dependentes financeira e emocionalmente da organização, assim sendo a

administração dos tempos se dará de forma coletiva, pela adaptação do conjunto dos

trabalhadores ao ritmo imposto pela esteira. Esta, como elemento objetivo do processo de

produção, subsidia na objetivação e padronização das subjetividades.

Ford almejava dessatanizar a gestão, representada pelo supervisor, que é agora personificado pela esteira; esta, por sua vez, é amaldiçoada pelo trabalhador devido ao ritmo que impõe. Como se não bastasse, estende ao domicílio de seus trabalhadores o controle interno da fábrica. Há, assim, uma tentativa de projeção de normas disciplinares que passam a vigorar fora do ambiente de trabalho, com o intuito de garantir a eficácia no sistema produtivo. É assim que, por exemplo, punindo o alcoolismo e a desarmonia conjugal, Ford luta pela harmonia no trabalho. Dessa forma, parte do controle vai-se externalizando. (HELOANI, 2003 p.63)

1.3 Funções gerenciais - teoria clássica de Fayol

Para Ferreira et al. (2002), paralelamente aos estudos de Taylor, o engenheiro francês Henri

Fayol, autor de Administracion Industrielle et Générale de 1916, defendia princípios

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semelhantes na Europa, baseado em sua experiência na alta administração. Esses autores

afirmam que, enquanto os métodos de Taylor eram estudados por executivos europeus, os

seguidores da administração científica só deixaram de ignorar a obra de Fayol em 1949,

quando foi publicada nos Estados Unidos. Desde a década de 1920, mesmo sendo os Estados

Unidos o maior reduto dos estudos em gestão empresarial, esse atraso na difusão generalizada

das idéias de Fayol fez com que grandes contribuintes do pensamento administrativo

desconhecessem princípios da teoria desse autor.

Segundo Chanlat (2000) uma das principais contribuições de Fayol foi codificar o conjunto de

funções do dirigente e do executivo assalariado. Para Heloani (2003, p.63), assim como

Taylor elaborou a primeira tentativa de administrar a “percepção dos trabalhadores”, Fayol, a

seu modo, também percebeu a conveniência do “manejo dos homens”. Para o autor, Fayol,

convencido da necessidade de organizar o pessoal dos grandes conglomerados, racionalmente

advogou um ensino administrativo e professou princípios gerais da administração, pois,

antecipando-se nesse ponto aos teóricos da qualidade, percebeu que todos os agentes de uma

empresa participam, em diferentes graus, dos processos administrativos. Por esse caminho

“intui” que, a administração da ”percepção do trabalhador” começa do alto, daí o fayolismo

ser considerado como uma “escola de chefes”. O autor completa: ”a doutrina administrativa

de Fayol é sua contribuição disciplinar”. Motta (2001) complementa esta visão afirmando que

o ethos burocrático taylorista define-se entre outras coisas pela separação entre direção e

execução e pela visão da harmonia possível de interesses entre empregadores e operários e

esse ethos burocrático é complementado por Fayol. O autor o define como o ”grande

entusiasta da hierarquia” já que Fayol defendia a tese de que cada homem deve se restringir a

seu papel, numa estrutura ocupacional parcelada, mas monocrática. Fayol é assinalado pelo

autor como o definidor da administração, porque em sua perspectiva, administrar era planejar,

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organizar, coordenar, comandar e controlar. Motta (2001) chama a atenção para o fato de que,

nessas funções, as quais Fayol define tão precisamente, defendendo a hierarquia monocrática,

a influência das estruturas burocráticas militares, na mesma linha do coronel Urwick, numa

herança do exército de Frederico, o grande da Prússia, século XVIII. Assim, a decisão

burocrática apresenta-se como absolutamente monocrática, sendo o fluxo da comunicação de

cima para baixo legitimada. A organização já é vista como um sistema de papéis, na medida

em que não são as pessoas que importam - o que importa é a sincronia desses papéis. Para o

autor, Fayol é o homem das funções e operações: empresa não é mais do que um conjunto de

funções financeiras, comerciais, técnicas, etc, numa antecipação de uma linguagem que ainda

é dominante. Fayol prescreve a concentração de poder na cúpula, a centralização de decisão, a

ordem, a disciplina, a hierarquia e a unidade de comando como fundamentais para uma

organização.

Lakatos (1997, p.46) conclui traçando um paralelo entre Taylor e Fayol na questão “chefia”:

Do ponto básico em que Fayol afasta-se completamente de Taylor (em geral, podemos dizer que Fayol complementa o esquema de Taylor com seus princípios) é o que diz respeito à supervisão do trabalhador: Taylor preconizou “a supervisão funcional”, significando que um “operário deveria ser controlado por diversos supervisores, cada um especializado num aspecto da tarefa do operário”, ao passo que, na concepção de Fayol, um dos princípios é a “unidade de comando”, significando que um operário deve receber ordens de um, e apenas um único superior, ou seja, uma pessoa deve ter apenas um chefe diante do qual ela é responsável.

1.4 Gerência à luz da escola de relações humanas

Ferreira et al. (2002) salientam que pode até parecer paradoxal que, frente à enorme onda de

desemprego resultante da crise de 1929 (crack da bolsa de New York), os estudiosos da

organização se preocupassem com o fator humano no trabalho. Mas, na visão desses autores,

a crise funcionou como sinal de que, assim como os princípios econômicos vigentes até então,

também o paradigma da administração precisava passar por uma reformulação social. Lakatos

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(1997) diz que a Escola de Relações Humanas teve início efetivo com os estudos de George

Elton Mayo e o tem como o mais importante autor. Antes de Mayo, o estudo do homem no

trabalho era domínio exclusivo tanto da fisiologia (inclusive com a incorporação da “lei da

fadiga” de Taylor), quanto da engenharia “humana” (estudo de tempos e movimentos) e da

psicologia diferencial. Depois das experiências de Elton Mayo, começaram a se desenvolver a

psicologia social e a sociologia aplicada às organizações, com a análise dos “motivos

pessoais”, do “prazer do trabalho criativo”, do “orgulho de realizar”, da necessidade de, no

trabalho, encontrar certos objetivos e satisfazer “aspirações remotas”, e a indicação de que a

moderna psicologia organizacional preocupa-se, primordialmente, com as causas do

comportamento. A autora afirma que uma das maiores contribuições desta Escola,

representado nas pesquisas de Mayo, foi a importância das relações humanas, que

valorizavam os fatores informais na organização da empresa, em que predominavam os

elementos psicossociais. Assim, novos horizontes foram abertos à teoria e à experiência

administrativa com o destaque por ele atribuído aos aspectos humanos. Isso influi na literatura

posterior e, também, na prática das relações pessoais em administração. A autora continua,

observando que, nessa perspectiva que se abriu a partir dos resultados das pesquisas de Mayo,

o comportamento dos empregados era condicionado pelos grupos de que faziam parte. Além

disso, o status do trabalhador exercia influência em suas relações de trabalho, tanto dentro

como fora da organização. Monotonia e cansaço no emprego são principalmente

conseqüências acumuladas do fracasso, enfim que, se o trabalho é uma atividade grupal, a

integração do empregado na empresa influencia sua situação individual no marco das relações

sociais que aí se desenvolvem.

Elton Mayo comprovou que não são apenas os fatores econômicos que determinam a eficiência no trabalho, mas, e prioritariamente, os de natureza social, moral e política. Ele superou os pressupostos do taylorismo, revelando a existência de uma complexa configuração social nas relações que ligam o empregado a seu trabalho.

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De suas pesquisas tira-se a conclusão de que a produção no trabalho é uma função do grau de satisfação sentido em relação ao próprio trabalho, o qual, por sua vez, depende do padrão social, não convencional, do grupo de trabalho no qual se encontra inserido. As relações humanas podem ser planejadas, organizadas e tratadas com processos adequados. Apesar de compreender os conflitos sociais e industriais, não como decorrentes da estrutura de dominação e exploração da empresa capitalista, mas decorrente da ausência de maior grau de “responsabilidade social”, procurando valorizar a participação interativa (LAKATOS, 1997, p. 50).

Lima (1996, p.17) pontua que foi fundamental para as empresas essa afirmação de Mayo: ”é a

atenção dada ao pessoal e não às condições de trabalho propriamente ditas que tem um

impacto maior sobre o rendimento”. Para ela, a partir da Escola de Relações humanas, as

idéias de participação, de relações informais, de democratização das relações de trabalho, de

amizade e de recompensa simbólica, foram introduzidas no universo da empresa. A psicologia

e a sociologia, segundo a autora, adquiriram um peso cada vez mais significativo entre as

disciplinas aplicadas na indústria. Muitas pesquisas realizadas a partir daí, ressalta a autora,

reforçaram a importância dessas idéias, aconteceram estudos sobre motivação de pessoal,

autoridade democrática, os trabalhos de Mc Gregor, Herzberg defendeu o “enriquecimento

das funções” como única saída para a motivação. Lima (1996) também cita Blake e Mouton,

os quais concluíram que uma gerência preocupada tanto com as pessoas quanto com a

execução das tarefas é essencial no aumento da produtividade e, ao mesmo tempo, favorecem

a satisfação do trabalhador. Para ela os autores desta Escola preconizavam a gestão

participativa, a iniciativa, a responsabilidade e a introdução da criatividade na execução de

tarefas como as únicas medidas capazes de instigar a adesão dos trabalhadores. Porém,

Ferreira et al. relatam que a Escola de Relações Humanas recebeu críticas veementes. Para os

autores, muitas dessas críticas apresentam fundamento, outras se referem a uma análise

superficial da abordagem, gerando interpretações equivocadas de suas propostas:

As principais críticas recebidas pela Escola de Relações Humanas seriam: a) negação do conflito entre empresa e trabalhadores - a negação exclui qualquer possibilidade de resolução do conflito, o que é simplesmente uma posição confortável para a gerência b) concepção utópica do trabalhador - a escola propõe

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uma visão idealizada de um operário feliz e integrado ao ambiente de trabalho e que esta relação não leva à produtividade c) ênfase excessiva nos grupos informais - esse fator também não leva ao aumento de produtividade d) espionagem disfarçada - o estímulo à participação dos funcionários nas decisões empresariais, através da comunicação de baixo para cima, acabou por deturpar seus objetivos declarados. A abertura de um espaço para a expressão dos trabalhadores passou a ser uma forma da administração espionar as idéias e insatisfações dos trabalhadores, inteirando-se previamente dos movimentos trabalhistas reivindicatórios e) ausência de novos critérios de gestão - a escola de relações humanas não indicava de forma mais prática o que deve ou não ser feito para se obter os melhores resultados empresariais (FERREIRA et al. 2002, p. 31-32).

Heloani (2003, p.64) estabelece um paralelo entre algumas técnicas utilizadas pelo fordismo e

a Escola de Relações Humanas:

A necessidade de administrar os novos problemas advindos da introdução da tecnologia da linha de montagem-tais como comunicação, lideranças emergentes, gerenciamento de grupos informais e outros-exigiria uma nova percepção da subjetividade. Talvez uma nova psicologia para velhos problemas que o novo ritmo realçou e que o taylorismo/fayolismo não logrou resolver. A linha de montagem fordista trouxe também novos problemas a serem resolvidos pela gestão como a aproximação física dos trabalhadores que poderia conduzi-los a reivindicações de várias ordens, algumas ameaçadoras ao capital. Ford tentou resolver isso, misturando trabalhadores de idiomas diferentes, tentando dificultar uma comunicação facilitadora de ações coletivas reivindicatórias. Não é improvável a relação dessa realidade com o movimento de Relações Humanas que na década de 30 desloca sua atenção da administração da organização formal para a informal, com preocupações até então relativamente novas: grupo primário, co-identidade de seus membros, comunicação, persuasão e mudanças de atitudes, liderança, dinâmica de grupo etc Em sentido inverso, talvez se possa dizer que Ford utilizou alguns princípios e pressupostos dessa Escola em suas unidades fabris. Embora publicamente se posicionasse contrário ao paternalismo, Ford soube como poucos unir coerção às formas de persuasão.

A estigmatização do conflito foi para Motta (2001) o traço marcante da obra de Elton Mayo,

já que o conflito aparece para ele como responsável pelo caos, pela destruição da sociedade.

Para o autor, Mayo é, por definição, o ideólogo da cooperação. A competição nessa linha de

pensamento é um processo de desintegração social. A elite burocrática que dirige as empresas

deve ser responsável pelo cumprimento de um ideal corporativista da sociedade. A análise de

Mayo é uma análise de pequeno grupo; pequeno grupo esse que é estudado de forma

segmentada do ambiente fabril. Por outro lado, a fábrica é também estudada isolada da

sociedade industrial. Toda a valorização é dada ao consenso no pequeno grupo, consenso esse

no sentido de produzir mais. Portanto a autoridade formal deve dar lugar a técnicas de

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persuasão. Mayo, segundo o autor, não vê conflito entre o indivíduo e o grupo informal, da

mesma maneira que não vê conflito entre este e a organização informal. Vê isto sim, uma

enorme influência do grupo informal sobre seus participantes. A persuasão se dá, dessa forma,

pela via de um sistema de comunicações eficiente desenvolvido pela administração, e que

atinge os grupos informais e sua colaboração. Assim, garantir-se-á, através de um processo de

consultas e pseudoparticipação, o envolvimento da organização informal com os objetivos da

organização formal. Portanto a cooperação é vista como sinônimo da aceitação das diretrizes

da administração, num escamoteamento das situações de conflito industrial. A contenção

direta de Taylor é substituída pela manipulação de Elton Mayo, completa o autor. Observa-se

que as posições de Motta (2001) são congruentes com a perspectiva de Pagès (1987) onde este

enfatiza que os instrumentos de controle ideológico e psicológico a serviço do poder são

armas mais modernas que a contenção direta.

Enriquez (1997a) afirma que a perspectiva de Mayo, numa primeira leitura, acentuou o lado

humano da empresa, sublinhou a importância do sistema de relações e de comunicações,

demonstrou a necessidade de levar em conta a afetividade e a lógica dos sentimentos,

introduzindo as necessidades dos indivíduos e grupos na empresa, favorecendo a colocação

certa do sistema dos conselheiros que escutam as queixas individuais (não as reivindicações

sociais). O autor denomina esse conjunto de contribuições de “humanização do sistema

taylorista”. Porém o autor aborda que, numa segunda leitura, Mayo teria posto em evidência

mesmo, não a existência da afetividade nos grupos ou a presença de afinidades eletivas,

desconectadas do trabalho. Para o autor, o que ele evidenciou, e logo “encobriu”, pois era um

achado muito perigoso, foi que esses grupos elementares em que se desenvolvem os

sentimentos fraternais, esses elementos de solidariedade são “reagrupamentos de produção e

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luta”. Enriquez (1997a) ressalta o trabalho de Castoriadis (1974), afirmando ser ele o primeiro

autor a se dar conta dessas implicações.

Aktouf (1996) consoante com essas visões e através de uma abordagem crítica considera que

a Escola de Relações Humanas não aborda a perspectiva humana nas empresas de forma

diferente do paradigma taylorista-fordista:

Paralelamente a esta visão militarista das relações de trabalho que o paradigma taylorista-fordista trouxe, desenvolveu-se uma corrente da psicologia e da sociologia industrial que acrescenta a crença na possibilidade de manipular e de modificar as percepções, as convicções e as atitudes dos indivíduos para “canaliza-las” no sentido desejado pelos dirigentes, sentido este considerado como eminentemente desejável e “normal”: a ligação da empresa a seus objetivos, a sua busca pelo máximo, a seus chefes e a seus desejos. Em resumo, quer seja na visão taylorista-fordista quer na visão da Escola de Relações Humanas, o empregado é uma forma particular de instrumento que deve ser rentável, um dos fatores de produção que deve “dar seu máximo”. Dentro da corrente “das relações humanas”, o modelo mecânico encontra-se dentro da pesquisa do modo de funcionamento abundantemente alimentado e sustentado pelo sucesso do behaviorismo, que fez sair dos laboratórios (onde estudavam, em especial, o comportamento dos ratos) os modelos de conduta dos seres humanos no trabalho. É nessa visão hegemônica que triunfa a teoria X de Mc Gregor, em que o empregado é visto como indigno de confiança, sem capacidade intelectual e incapaz de participar eficazmente (AKTOUF, 1996, p. 32).

1.4.1 O aspecto motivacional e a gerência

Para Ferreira et al. (2002), as pesquisas de Elton Mayo propiciaram um cenário favorável à

introdução de uma nova abordagem na solução dos problemas administrativos, focalizada no

processo de “motivar” os indivíduos para se atingir as metas organizacionais. Robbins (2002)

concebe motivação como o processo responsável pela intensidade, direção e persistência dos

esforços de uma pessoa para alcançar uma determinada meta. Esse autor direciona seu foco

conceitual para a perspectiva do trabalho, afirmando que os três elementos-chave nessa

definição são intensidade, direção e persistência. Intensidade refere-se à quantidade de esforço

que a pessoa despende. Para ele intensidade é o elemento a que mais se refere quando se fala

de motivação. No aspecto direção o vetor é o benefício à organização. O autor conclui

afirmando que a persistência é a medida de quanto tempo o funcionário consegue manter seu

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esforço e que os indivíduos motivados se mantêm na realização da tarefa, até que seus

objetivos sejam atingidos.

Segundo Bergamini (1982), motivação é a dinâmica que conduz à ação. Para ela, a vivência

humana traduz-se em constante renovação, em movimento contínuo. O indivíduo raramente

está satisfeito consigo mesmo e com seu nível de realização pessoal a cada degrau galgado na

vida. A motivação sempre foi e continuará sendo sintoma de vida psíquica que se move em

busca de algo. Os aspectos motivacionais do homem envolvem uma dinâmica cuja origem e

processamentos se fazem dentro da própria vida psíquica.

Telford e Sawrey (1968) pesquisaram que as palavras emoção e motivação derivam da

palavra latina movere, que significa “mover-se”. A raiz da palavra mobilizar ou

mobilização também daí deriva.. Os autores salientam que os conceitos representados pelas

palavras emoção e motivação têm muita coisa em comum (assim como a palavra

mobilização), isto é, elas têm por efeito despertar, alertar e excitar o organismo como um

todo.

Todos sabem que os empregados trabalham melhor quando se sentem motivados pelas tarefas que devem desempenhar e que o processo da motivação depende de se permitir às pessoas atingirem recompensas que satisfaçam as suas necessidades pessoais. Todavia, no começo deste século, essa idéia não era de forma alguma, óbvia. Para muitas pessoas o trabalho era uma necessidade básica, fazendo com que aqueles que planejavam e administravam assim tratassem o assunto. Com os estudos de Mayo, uma nova teoria da organização começou a emergir, apoiada na idéia de que indivíduos e grupos, da mesma forma como os organismos biológicos, atuam eficazmente somente quando suas necessidades são satisfeitas (MORGAN, 1996, p. 44-45).

Steers e Porter, citados por Bergamini (1997), asseveram que o estudo da motivação guarda,

no entanto, significativas particularidades que podem complicar o modelo geral que serve de

base para a descrição dos atos motivacionais em sua concepção mais ampla. Para eles, as

necessidades que são os motivos pelos quais cada um se põe em movimento na busca de

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certos fins não podem ser observadas de maneira direta. As razões que justificam um

comportamento motivacional só podem existir a partir de comportamentos individuais

evidentes, que devem estar correlacionados por uma ligação de causa/efeito. Mesmo assim,

reafirmam os autores, uma única ação pode estar expressando numerosos motivos potenciais,

isto é, motivos diferentes podem ser expressos por atos semelhantes, ou muito parecidos. Por

outro lado, motivos semelhantes podem ser expressos por comportamentos diferentes. Os

autores concluem que a simples observação do comportamento não garante, com absoluta

precisão, que se esteja conhecendo exatamente o tipo de carência a que corresponde.

Bergamini (1997) enfatiza a inviabilidade da ação de “motivar” alguém, indo ao encontro do

pensamento de muitos autores em psicologia e administração que denunciam a confusão entre

os conceitos de estimular e de motivar:

Aos poucos se vai tornando viável entender que não é possível motivar quem quer que seja. É importante que se leve em consideração a existência das diferenças individuais e culturais entre as pessoas quando se fala em motivação. Esse diferencial não pode só afetar significativamente a interpretação de um desejo, mas também o entendimento da maneira particular como as pessoas agem na busca dos seus objetivos. As pessoas já trazem dentro de si expectativas pessoais que ativam determinado tipo de busca de objetivos. Essa tem sido a grande dificuldade em orientar as pessoas para que determinado trabalho seja feito. Métodos que se aproximam da coerção e do controle não têm conseguido a eficácia que no geral se espera em situação de trabalho. A motivação, portanto, só pode ser considerada como um processo intrínseco. Infelizmente, em muitas organizações, os trabalhadores não experimentam satisfação e realização pessoal gerada por aquilo que fazem, daí o emprego passa a ser entendido como forma de angariar recursos para que possam sentir-se felizes fora dele. É nesse momento que o trabalho deixa de exercer seu papel como referencial de auto-estima e valorização pessoal (BERGAMINI, 1997, p. 32-33).

Morgan (1996) afirma que foi dada uma atenção especial à idéia de que, fazendo os

empregados se sentirem mais úteis e importantes, dando-lhes cargos significativos, bem como

autonomia, responsabilidade e reconhecimento tanto quanto possível, isso os envolveria mais

em seu trabalho. O enriquecimento do trabalho, segundo o autor, associado a um estilo de

liderança mais participativo, democrático e centrado no empregado, surge como uma forma

de desvio da orientação excessivamente desumana e autoritária gerada pela administração

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científica e pela teoria clássica da administração. O autor aborda a importância da teoria da

hierarquização motivacional de Maslow e sua influência nos teóricos da administração:

Teorias da motivação humana tais como a do pioneiro Abraham Maslow, apresentam o ser humano como um tipo de organismo psicológico que luta para satisfazer suas necessidades numa busca de completo crescimento e desenvolvimento. Essa teoria sugeriu que os seres humanos são motivados por uma hierarquia de necessidades que progride a partir de diferentes tipos, a saber, fisiológicas, sociais e psicológicas e teve implicações muito graves, pois considerou que as organizações burocráticas que procuravam motivar os empregados através de dinheiro ou simplesmente por oferecerem segurança no emprego, confinavam o desenvolvimento humano no nível mais baixo da hierarquia das necessidades. Muitos teóricos em administração perceberam, com rapidez, que os cargos e as relações interpessoais poderiam ser redesenhadas para criarem condições de crescimento pessoal que simultaneamente ajudariam as organizações a atingir os seus propósitos e objetivos (MORGAN, 1996, p. 45).

Bergamini (1982) acentua que, quando se fala de motivação no trabalho, um nome depois de

Maslow tem que ser destacado: Douglas McGregor. Colega de Maslow na Universidade de

Brandeis (USA), McGregor, conforme relata a autora, estava preocupado em descobrir como

o fenômeno motivacional se passa dentro das circunstâncias organizacionais em especial.

A menos que o próprio emprego seja satisfatório, a menos que se criem oportunidades na situação de trabalho, que permitam fazer dele próprio uma diversão, jamais conseguiremos que o pessoal dirija voluntariamente seus esforços em prol dos objetivos organizacionais. Na realidade, é o reverso que acontece. O trabalho transforma-se numa espécie de castigo ao qual os trabalhadores têm que se submeter a fim de obter aquilo de que necessitam para a satisfação de suas necessidades depois que deixam o serviço (McGREGOR apud BERGAMINI, 1982, p. 119).

Para Marras (2000), a maior obra de McGregor, foi o livro “O lado humano na empresa” de

1960, na qual ele registra a teoria X e Y que mostra duas formas distintas de “ser” do

trabalhador ou duas formas distintas do trabalhador ser “visto” pela gerência. Lakatos (1997)

relata o que McGregor diz do gestor que é direcionado pela teoria X:

a) o ser humano médio não gosta, intrinsecamente, de trabalhar e, dessa forma, o faz menos

que pode;

b) a maioria das pessoas precisam ser coagidas, vigiadas, orientadas e ameaçadas com

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castigo para fazerem o necessário a fim de que sejam alcançados os objetivos da

organização.

c) o ser humano médio prefere ser dirigido para evitar responsabilidades;

d) o ser humano médio é pouco ambicioso e pretende ter segurança acima de tudo.

Sobre o gestor direcionado pela teoria Y, afirma que:

a) o dispêndio de esforço físico e mental no trabalho é tão natural para o homem, quanto a

distração e o descanso;

b) o controle exterior e a ameaça de castigo não se constituem nos únicos meios de suscitar

esforços, no sentido de atingir os objetivos da organização: o indivíduo praticará a auto-

orientação e o autocontrole para alcançar os fins determinados;

c) esse empenho em alcançar objetivos é função das recompensas atribuídas pela associação

aos que obtêm êxito na execução das tarefas;

d) o ser humano médio aprende, em condições apropriadas, de um lado, a aceitar; de outro, a

procurar responsabilidades;

e) a capacidade de apresentar, em grau relativamente elevado, imaginação, talento e espírito

criador na solução dos problemas organizacionais não é uma característica escassamente

distribuída pelas pessoas, mas encontra-se em grande número delas,

f) nas condições da vida industrial moderna, as potencialidades intelectuais do ser humano

médio são utilizadas apenas parcialmente, e podem desenvolver-se muito mais em

ambiente adequado.

Marras (2000) equaciona que um trabalhador visto por um gerente X não é compelido a

trabalhar; não gostando de assumir responsabilidades, costuma ser pouco ou nada ambicioso e

busca, acima de tudo, segurança. Já sob uma abordagem Y um trabalhador visto por um

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gerente de visão Y é alguém que, pelo contrário, sente-se bem no trabalho e busca atingir os

objetivos que lhe são colocados; é alguém criativo e com potencialidades que podem e devem

ser exploradas.

Assim, a questão de ser X ou Y pode se referir ao “ser” do gerente que o observa e o avalia. Em outras palavras, o trabalhador pode não ser X, mas pode ser visto como tal pelo gerente. Ou vice-versa. Esse ângulo de análise do indivíduo no trabalho causa um impacto profundo nos resultados organizacionais, dada a importância que o “ser” ou o “ver” têm nos relacionamentos intra e interempresariais. A teoria X e Y veio reforçar e instrumentalizar ainda mais a maneira de ver as pessoas na sociedade industrial não somente como membros de grupos, mas, principalmente, como indivíduos (MARRAS, 2000, p. 35).

1.5 Novos modelos de gestão na nova etapa do Capitalismo

1.5.1 Globalização e reestruturação produtiva

Garcia (2003) define a globalização como um processo de reorganização da divisão

internacional do trabalho, acionado em parte pelas diferenças de produtividade e de custos de

produção entre países. Já Mance (1998) diz que um aspecto essencial dessa nova fase do

Capitalismo é que ele se tornou definitivamente um sistema produtor não apenas de

mercadorias, mas também de subjetividades, já que modeliza semioticamente desejos, afetos,

necessidades, padrões estéticos, éticos e políticos, intervindo diretamente no inconsciente das

pessoas com a finalidade de reproduzir seus próprios ciclos.

Corrêa et al. (2001, p.1), afirmam que o tema globalização vem despertando posicionamentos

acirrados nos debates a respeito do assunto, pois, segundo eles não há convergência sobre seu

conceito e nem acerca dos seus impactos sociais, econômicos, culturais, o que gera

polemização. Esses autores asseveram que, independentemente da corrente teórica, a

globalização pode ser delimitada pela observação de algumas características que, segundo

eles, “são fundamentais para explicar por que, cada vez mais, a lógica financeira adquire

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preponderância sobre a esfera produtiva”. Coutrot, citado por Corrêa et al. (2001), destaca que

a globalização ou mundialização possui três dimensões:

a) a questão do comércio internacional, que estaria crescendo mais rápido que a produção em

nível mundial;

b) a questão do investimento direto internacional, que está concentrado em um percentual de

90% em países tidos como desenvolvidos, com reduzido direcionamento para a América

Latina ou para a Ásia e muito menos para a África;

c) a questão da circulação financeira, pois, segundo o autor estaria circulando, diariamente,

nos mercados de capitais internacionais uma quantia que varia de US$ 1 trilhão a US$1,4

trilhão de dólares.

Alves (2001) caminha no sentido de oferecer uma conceituação ampla de globalização:

A globalização é um fenômeno sócio-histórico intrinsecamente contraditório e complexo que caracteriza, em nossa perspectiva, uma nova etapa de desenvolvimento do capitalismo moderno. É resultado de múltiplas determinações sócio-históricas (e ideológicas). Portanto as 3 dimensões da globalização que não podem ser separadas e que compõem uma totalidade concreta sócio-histórica, completa e integral são elas: 1- globalização como ideologia; 2- globalização como mundialização do capital; 3- globalização como processo civilizatório humano-genérico. Portanto, a globalização tende a constituir novas determinações sócio-históricas no (1) plano da ideologia e da política (2) no plano da economia e da sociedade e (3) plano do processo civilizatório humano-genérico, vinculado ao desenvolvimento das forças produtivas humanas. As dimensões da globalização são contraditórias entre si, tendo em vista que a ideologia (e a política) da globalização tenderão só a “ocultar” (e legitimar) a lógica desigual e excludente da mundialização do capital como a impulsionar, em si, o processo civilizatório humano-genérico, isto é, o desenvolvimento das forças produtivas humanas, que são limitadas (ou obstaculizadas) - pelo próprio conteúdo da mundialização (ser a mundialização do capital). Qualquer leitura (ou análise) do fenômeno da globalização que não procure apreender seu sentido dialético - e, portanto, contraditório - tende a ser unilateral, tornando-se incapaz de vê-la como algo tanto progressivo, quanto regressivo; tanto um processo civilizatório, quanto um avanço da barbárie, e tanto como a constituição de um “globo”, na mesma medida em que tende a contribuir para a sedimentação de particularismos locais e regionais (ALVES, 2001, p. 23).

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Corrêa et al. (2001) falam de três correntes de estudiosos, em três perspectivas, abordando a

globalização. Segundo eles, na primeira corrente, um grupo de autores entende a globalização

como a obsolescência do fordismo, tanto no plano macroeconômico, como no social, que

ocorre ao mesmo tempo em que se aprofundam as assimétricas relações de poder e dominação

que estão na sua origem, o que explicaria a sua expansão e originalidade financeira. Eles

garantem que essa primeira corrente defende que a globalização é um fato, mas sua

globalidade só se aplica do ponto de vista das finanças, tendo o sistema financeiro norte-

americano como centralizador desse espaço hegemônico. A segunda corrente descrita pelos

autores classifica a globalização como um mito, reproduzido pela não observação de uma

série de fatores históricos associados ao fenômeno atual. Um recorte importante nessa

corrente é o questionamento sobre se existe mesmo uma empresa genuinamente transnacional,

já que ela opera a partir de uma base nacional, para onde são destinados os lucros (royalties) e

de onde são oriundas estratégias e políticas.Os autores citam Hirst & Thompson (1998) que

revelam cinco fatores que podem justificar essa visão “mitológica” da globalização:

a) essa economia atual, altamente internacionalizada, tem precedentes desde

aproximadamente 1860;

b) empresas genuinamente transnacionais parecem ser efetivamente raras, já que sua maior

parte opera a partir de uma base nacional;

c) o giro de capital não está produzindo uma transferência maciça de investimentos e

empregos dos países avançados para os países em desenvolvimento, o investimento é

fortemente concentrado nos primeiros;

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d) a economia global é só no discurso, está distante de ser global, pois tem maior

concentração na tríade - América do Norte, Europa e Japão;

e) os mercados globais estão dentro da regulação e controle das grandes potências

econômicas, as quais interferem, pressionando os mercados financeiros e manipulando a

economia mundial.

Na terceira e última corrente estudada por Correa et al. (2001) enfatiza-se o aspecto social,

segundo o qual os estudiosos encaram a globalização como um processo de desenvolvimento

desigual, contraditório e combinado. Os autores citam Ianni (1998) que argumenta ser a

globalização a causa do impacto, inclusive nas nações tradicionalmente organizadas, em

moldes capitalistas emergentes ou dominantes, centrais ou periféricos, ao norte ou ao sul, e é

um processo desigual, devido aos desníveis e às irregularidades na realização das forças

produtivas e das relações de produção. Ainda na visão dos autores, a partir de Ianni (1998), a

globalização é contraditória porque incrementa tensões e atritos entre os subsistemas

econômicos nacionais e regionais, enquanto “colônias” do sistema econômico global, e ela é

combinada porque os pólos econômicos dominantes subordinam, orientam e administram os

emergentes.

O fato é que, independentemente da corrente teórica, a globalização tem trazido alterações expressivas no cenário macroeconômico, o que tem levado as organizações em todo o mundo a rever práticas de gestão, deixando aberto o caminho para um outro fenômeno contemporâneo que, combinado à globalização, ajuda na compreensão do quadro atual - a reestruturação produtiva (CORRÊA et. al. 2001, p.4).

Na visão de Fonseca (2002), a globalização e a internacionalização do capital, associadas ao

incremento da ideologia neoliberal, meritocrática e individualista, têm introduzido, no âmbito

da sociedade organizada, um paradigma de relações sociais marcado pela conflitualidade,

pelas desigualdades, pelo modelo homogeneizador do capital, cuja “lógica molar e

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supracodificante” se estende aos campos da cultura e do cotidiano dos diferentes grupos

sociais.

Já Marras mostra como a globalização mobilizou o setor produtivo no Brasil:

Ultrapassados os velhos paradigmas do nacionalismo e os estreitos limites de abrangência das preocupações empresariais, a globalização trouxe ao seu bojo alterações no campo do trabalho extremamente graves como conseqüência do diferencial competitivo apresentado pelas linhas de produção dos países de primeiro mundo (tecnologia, maquinário, especialização) quando comparado ao padrão existente no Brasil pré-globalizado (MARRAS, 2000.p.31).

Para Parker (1999), a abordagem baseada no tripé estratégia/ estrutura/ sistemas

administrativos para gerenciar empresas multinacionais, produziu resultados, obtidos por

meio das estruturas hierárquicas baseadas em sistemas gerenciais complexos e sofisticados.

Na visão da autora, para a gestão, o valor das estruturas hierárquicas estratégia/ estrutura/

sistemas administrativos está perdendo sentido neste mundo com empresas de vários

tamanhos, num ambiente global caracterizado por mudanças rápidas, mas onde a necessidade

de gerar resultados continua alta. Para ela, esse desafio gerencial é apenas um dos vários

paradoxos que as organizações enfrentam quando são pressionadas para serem

simultaneamente várias coisas para várias pessoas. A autora aborda a questão de como

gerenciar esse paradoxo, no qual, segundo ela, o foco de ação gerencial estaria nos processos

organizacionais, como empreendedorismo, desenvolvimento de competências e renovação e,

por meio de agentes de mudanças bem-sucedidas que possuam as duas capacidades:

possibilidade de antecipar o futuro e disposição para “nadar contra a corrente” das resistências

internas.

Corrêa et al. (2001), entretanto, pontuam como a reestruturação produtiva, conseqüência da

globalização, influencia expressivamente a gestão e a configuração produtiva das

organizações.

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A reestruturação produtiva é basicamente resultado da combinação de dois fatores; em primeiro lugar, as inovações de base microeletrônica, que revolucionaram a maneira pela qual o trabalho é organizado, alterando profundamente os princípios tayloristas de configuração das tarefas. Tais inovações são consideradas as principais razões das mudanças na organização da produção que, por sua vez, possibilitaram uma revolução tanto na gestão organizacional quanto no aparelho do Estado, garantida pela desregulamentação e eliminação das barreiras e restrições às ações do capital, no nível do micro e macroeconômico. A esse aspecto, soma-se o segundo fator, a questão da flexibilidade, manifesta em termos de organização produtiva, de composição da mão-de-obra e de nível de produção. Associadas, essas dimensões implicaram modificações expressivas no mundo do trabalho, uma vez que aprofundam as já não pequenas assimetrias das relações capital-trabalho, enfraquecendo os sistemas anteriores de representação e negociação de interesses.(CORRÊA et al. 2001, p.5).

Fonseca (2002) descreve sua perspectiva sobre o processo da reestruturação produtiva e

encontra suas bases no ajuste estrutural e na flexibilização do trabalho e supõe a submissão da

alocação dos recursos e dos resultados econômicos ao mercado, bem como a eliminação de

regulações governamentais protetoras que, supostamente, engessariam o mercado de trabalho,

elevariam os custos e minariam a competitividade. A autora completa que os objetivos da

reestruturação produtiva são: reduzir custos empresariais, acelerar a mobilidade/ flexibilidade

do trabalho entre setores, regiões, empresas e postos de trabalho, eliminar a rigidez resultante

da atividade sindical e das regulações trabalhistas e possibilitar, então, o propugnado ajuste de

preços relativos.

Antunes (2001) vê a reorganização do processo produtivo imposto pelo movimento da

globalização representando um estágio de maturação e universalização do Capitalismo que se

intensificou a partir da década de 1980. O modelo japonês de gestão é o principal ícone

capitalista que serviu de fonte de inspiração para a reestruturação produtiva implementadas

por diversas categorias de organização. O autor mostra como o Brasil, a exemplo da grande

maioria dos países ocidentais, aderiu aos chamados “Programas de Qualidade Total” sem

discussão sobre sua legitimidade, seu poder de generalização e os benefícios que

proporcionariam à sociedade como um todo. Martins explica como o modelo japonês foi

adotado dentro desse contexto:

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Esse processo de reestruturação que contemplou além da introdução de tecnologias de informação, provocou também a institucionalização de novos processos de gestão da produção e do trabalho. Estes novos processos visam oferecer uma maior racionalidade e previsibilidade ao processo produtivo, reduzindo custos por meio da racionalização dos processos produtivos e de gestão. Entre as especificidades desse novo modelo de produção e gestão, destaca-se a adoção dos seguintes princípios: trabalho organizado em célula de manufatura, Kaizen, just-in-time, Kanban, programas de qualidade total, controle estatístico do processo e manutenção produtiva total. (MARTINS, 1999 apud FLEIG, 2003).

Corrêa et al. (2001) citam Dedecca (1996), onde esse autor enfatiza a flexibilidade, seja

apoiada em processos produtivos mais facilmente cambiáveis, seja mediante um modelo de

gestão que intenciona alternativas produtivas às perspectivas mecanicistas de organização do

trabalho, que representa, para as empresas, o meio privilegiado de reduzir a irreversibilidade

em um ambiente estável.

1.5.2 Novos modelos de gestão

Para Soares-Baptista (2001), o cenário da globalização e da reestruturação produtiva, a partir

da década de 80 trouxe:

a) Uma agenda oculta: por trás da modernização industrial, escondem-se de fato, mudanças

ditas estruturais no processo de trabalho, compreendido como a articulação das dimensões

tecnológicas de produção, organização do trabalho e gestão da força de trabalho, e o exercício

do poder no interior das empresas.

b) a busca de maior produtividade, lucratividade e inserção no mercado mundial causou um

“frisson” nas organizações industriais brasileiras, que passaram a adotar estratégias e

“remédios vendidos” como panacéias pelas consultorias especializadas em auxiliá-las a

encontrar a rota da modernidade;

c) ao mesmo tempo em que as organizações incorporavam novas tecnologias de produção,

aumentando de maneira sistemática a automação de base microeletrônica, tentavam também

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alinhar seu discurso às práticas de gestão vivenciadas, sobretudo no Japão e que, naquele

momento, apresentavam-se como vitoriosas na grande batalha pela competitividade mundial.

Os indicadores de ótimo resultado, aferidos naquele país, associados à ausência de conflitos

trabalhistas, pareciam sinalizar que o modelo japonês de gestão seria a melhor resposta para o

capitalismo industrial no final do século XX;

d) discussões econômicas e sociológicas sobre questões como o fim do taylorismo e sua

superação por um modelo mais humano de gestão, baseado em relações de maior confiança

entre empregadores e empregados, de uma suposta democratização das relações de produção,

evidenciadas pela concessão aos empregados de mais autonomia e liberdade na execução da

tarefa e por um processo mais intensivo e aberto de comunicação dentro da organização.

A autora reitera que deveria caber aos gestores, nesse momento estudado, a criação de

condições propícias para o surgimento do consenso organizacional quanto aos seus fins, e, aos

empregados, caberia assimilar os objetivos organizacionais e trabalharem coletivamente para

o alcance das metas.

Corrêa (2004b) afirma que o diferencial fundamental dos novos modelos de gestão consiste na

mobilização da subjetividade. As concepções que sustentam a iniciativa e o desenvolvimento

das subjetividades são próprias de um grupo social que, na organização, reitera a autora, são

objetivadas nos gestores e no sistema administrativo. Para desenvolver no trabalhador a

“psicologia do produtor” torna-se necessário um projeto de sociedade e de organização que

passa a ser a expressão e a visualização de um tipo de história e de mundo, onde a consciência

e a subjetividade representam uma dimensão fundamental da ação política. Heloani (2003)

dentro dessa mesma perspectiva, afirma que o modo com o qual o fator humano é gerenciado

nas organizações depende, basicamente, do modelo de gestão adotado e, principalmente, do

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paradigma industrial predominante na época, por isso as organizações são produtos de

determinada realidade socioeconômica à medida que reproduzem os princípios vigentes e, ao

mesmo tempo, também influenciam o ambiente, num movimento de mútua transformação. A

partir disso, se revela uma notória modificação na organização de poder dentro do espaço

fabril, que é a formulação de uma cartilha de dominação que age pela extensão dos

mecanismos de poder podendo chegar à “manipulação do inconsciente”. Essas formas de

controle sutil para o autor sofisticam-se de tal maneira, que a dominação como meio de

exercício de poder estará mais baseada na introjeção dessas normas ou regras das

organizações do que numa repressão mais explícita. Esses novos modelos de gestão lidam

basicamente com a gestão dessa dimensão psicológica de dominação.

Para Linhart (2000), as mudanças colocadas em prática pelos novos processos de gestão

representariam não a superação do paradigma fordista-taylorista, mas a suplantação do que ela

denomina fordismo norte-americano. De acordo com a autora, as mudanças trazidas pela

adoção de princípios como autonomia e liberdade para o trabalhador, a fim de aumentar a

produtividade, representariam a mais fina essência do fordismo, preconizado por seu criador,

Henry Ford. Para ela, o rompimento com os antigos padrões de gestão da força de trabalho

representaria o rompimento com o passado, com a burocracia e com a hierarquia e caberia aos

gestores construir uma nova empresa, moderna, caracterizada pela interação, pela

comunicação, pela solidariedade, pela cooperação, integração e flexibilidade.

Na visão de Lima (1996) os novos modelos de gestão trazem políticas que valorizam tanto as

exigências materiais (através de salários mais elevados, por exemplo) quanto as demandas de

ordem psicológica que encoraja, como exemplo, a tomada de iniciativa. Para a autora, elas

conciliam as recompensas econômicas e as recompensas simbólicas, os aspectos formais e os

informais da organização, reunindo, assim duas escolas rivais: a “clássica” e a das “relações

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humanas”. A autora enfatiza que os teóricos desses novos modelos de gestão, em especial os

que se baseiam em “eficiência 100% e erro zero”, parecem não se preocupar com a possível

contradição presente na combinação de princípios elaborados por essas escolas, mesmo

sabendo que elas se opuseram vigorosamente no passado, já que o importante são os

resultados. Para ela, este pragmatismo é fortemente presente nessas políticas manifestando-se,

ainda mais claramente, na sua versão norte-americana, onde todas as medidas suscetíveis de

dar o resultado esperado devem ser aplicadas. Concluindo, diz:

podemos, então, afirmar que a maior novidade apresentada pela gestão contemporânea está na difusão e aceitação consideráveis dessas antigas idéias, no decorrer dos últimos anos, inclusive ressaltando que, se, os dispositivos tayloristas de controle e de organização do trabalho foram abandonados por essas empresas, os objetivos fundamentais desta escola e, em certa medida, seus métodos, permanecem atrás da máscara dessas novas políticas de gestão de pessoal. (LIMA, 1996. p.21-22.)

Dentro da mesma linha de pensamento, Heloani (2003, p.15) salienta que, nas organizações

pós-fordistas, envoltas nesse cenário altamente competitivo e flexível, se estimula o

desenvolvimento da “iniciativa”, da “capacidade cognitiva”, do “raciocínio lógico” e do

“potencial de criação” para que seus funcionários possam dar respostas imediatas a situações-

problema. Na perspectiva desse autor, ao se delegar algum poder de decisão (que propicia

certa autonomia), faz com que a empresa precise manter um controle indireto sobre a atuação

de seus empregados, levando esses funcionários a assimilarem e a incorporarem suas regras

de funcionamento como elemento de sua percepção, chegando, num último estágio, ao

reordenamento de suas subjetividades, processo esse que visa garantir a manutenção das

normas empresariais. A subjetividade é assim traduzida na visão de Heloani (2003 p.15),

sustentando-se na observação de Enriquez (2001), como um recurso a mais a ser manipulado,

um “engodo” por parte do capital, para que os trabalhadores, “crendo que sua subjetividade

foi reconhecida, ponham-na a serviço do Capitalismo através de seu potencial físico,

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intelectual e afetivo”. No entender de Enriquez (1997a) os modelos de gestão utilizados pelas

“organizações estratégicas”, impedem os indivíduos de se tornarem sujeitos porque estes são

submissos à uma ideologia e a um consenso forçado, impedindo que se tornem cidadãos,

tendo por objetivo a criação de um laço social “positivo” com a organização.. Esta empresa

estratégica se diz interessada nos homens. De fato, segundo o autor, ela os utiliza de uma

maneira refinada, para obter deles desempenhos econômicos cada vez maiores, contribuindo

assim para quebrar as solidariedades e impedir o reconhecimento mútuo de seus direitos. Esta

nova empresa, esses novos modelos de gestão visam, através da organização de uma “gestão

do afetivo”- senão do inconsciente- destaca Enriquez (1997a p.36), suscitar nos trabalhadores

uma paixão pela empresa e o desenvolvimento de um imaginário de performance e de

excelência. Sendo assim, cada um tentaria apenas se auto-superar, tornando-se a cada dia um

“guerreiro”, um “matador frio”, seguro do que faz, pois combate pela boa causa de uma

empresa incapaz de se enganar e de o enganar, e que lhe recompensará pelo seu engajamento

social, oferecendo-lhe a carreira que ele deseja e o “incluindo totalmente em seu seio”.

Soares-Baptista (2001) ressalta a importância da comunicação interna nos novos modelos de

gestão:

Nesses novos modelos de gestão, a comunicação interna dentro da organização ganha destaque especial. Gerenciar passa a ser, também, saber informar bem e manter-se informado. A criação de oportunidades de interação entre os diferentes níveis hierárquicos dentro da empresa, da disseminação rápida das decisões e a tentativa de incorporação de elementos simbólicos dos trabalhadores passa a ser uma prerrogativa organizacional. A melhor supervisão não se limita exclusivamente a controle diretos. Ela se estende também a práticas culturais de adesão, de permissão e de persuasão morais. Dentro do novo modelo de gestão, é o próprio indivíduo que, a partir dos estímulos simbólicos prescritos, deve encontrar seus limites, seu papel, seu espaço dentro da organização. O controle organizacional ganha novos contornos, e as permissões e proibições tornam-se internalizadas pelo trabalhador. Com a diminuição da supervisão da vigilância constante, é ele que vai se auto-regular entre as relações de produção. É dentro dessa linha tênue que se apresenta a liberdade trazida pelos novos modelos.(SOARES-BAPTISTA, 2001, p.114-115).

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Na visão de Zajdsnajder (1995), conjugar a intensificação da competição com a

disponibilidade dos meios de comunicação que a informática forneceu, permitiu o

aparecimento de uma nova forma de organização empresarial, que, por seu turno, não se

apresenta de modo único. Podemos dizer, segundo o autor, que a essência dessa organização é

a sua variabilidade, a falta de uma estrutura permanente e de uma identidade.

Aktouf (1996) descreve sua perspectiva sobre o gestor dos novos modelos organizacionais e

as escolhas conscientes que devem partir dele:

O gestor do futuro deverá fazer uma escolha límpida e clara: quer “possuir”, “controlar”, “manipular” seus empregados ou fazer deles agentes ativos, engajados e cúmplices? Os dois caminhos são antinômicos, é preciso ter consciência disso. E hoje, sabemos perfeitamente qual deles conduz à performance e à eficiência, e, ao mesmo tempo, à satisfação dos membros da organização e do cliente. Uma palavra-chave pode conduzir a uma tal situação, palavra muitas vezes repetida pela tradição da sociologia do trabalho e, de forma até por autores americanos de sucesso. Esta palavra é apropriação. A apropriação significa simplesmente o fato de sentir-se um pouco “proprietário” da empresa e do que nela se passa. E esse sentimento não se decreta nem se inculca artificialmente, ele parte de experiências vividas! (AKTOUF, 1996, p.138).

Em suas proposições, Aktouf (1996) descreve quatro dimensões fundamentais a partir das

quais se podem contemplar os novos modelos de gestão. Essas dimensões constituem a

matéria predileta dos autores contemporâneos da área: a) gestão e a mudança “radical”; b) a

gestão pela excelência e a qualidade total; c) a gestão por projetos, “transversal”, “em rede”,

etc; d) o “fator humano” e seu tratamento como fonte última de produtividade.

O gerente contemporâneo deve saber o que se passa pelo planeta, deve conhecer a história da empresa, os diferentes sistemas econômicos existentes, a geopolítica e a etnografia e seu “humanizado”. A gerência do século XXI tem necessidade de um efetivo retorno a preocupações com o homem e o bom-senso e, para tal, é necessário que se vá além dos instrumentos e das técnicas (não importa qual sofisticadas sejam) e que se incorpore um novo estado de espírito, certa sabedoria, uma generosidade. E seguindo as assertivas de Jean Rostand, na qual o grau de civilização que uma sociedade atinge é medido pela forma pela qual esta sociedade trata os mais fracos (AKTOUF, 1996, p. 247).

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Soares-Baptista (2001) critica o discurso empresarial dos novos modelos de gestão ao

percebê-lo contraditório porque fala com freqüência no trabalho em equipe, em times, mas o

gerenciamento torna-se cada vez mais individual e individualista, chegando a estabelecer

metas para cada trabalhador dentro da sua função, o que pode levar à ocorrência de elementos

competitivos com vistas a garantir melhor performance e, conseqüentemente, a manutenção

do emprego. Para a autora, além desse “benefício”, o processo de individualização do coletivo

de trabalhadores enfraquece a noção de classe operária, podendo levar também a um

“participacionismo” forjado e a uma solidariedade falseada, na qual um é o vigia do outro.

Lima (2001) corrobora essas afirmações ao constatar que nas “novas políticas” das empresas

“hipermodernas” ou “estratégicas”, percebe-se uma flagrante contradição entre o que tais

modelos de gestão propõem e a realidade social contemporânea. Ou seja, fala-se de um

trabalho baseado na cooperação (ou até mesmo na solidariedade), na mobilização ativa do

trabalhador, no exercício da autonomia e, em grande medida, na possibilidade de

autoconstrução, embora, ela acentue que estamos cada vez mais “reféns” de uma

sociabilidade fundada na competição, no individualismo, na alienação, no isolamento e em

relações puramente instrumentais. Para a autora subentende-se que os ideólogos dessas

“políticas” acreditam na possibilidade de forjar uma cultura organizacional baseada em

valores totalmente diferentes daqueles praticados na sociedade em geral. Nesse caso, conclui

que a única saída é a tentativa de manipular essa cultura, passando a vê-la como uma variável

estratégica.

Para Fleury (2002) concepções antagônicas sobre qual o modelo de relações de trabalho e

qual o perfil do gestor que deverá prevalecer nas organizações do futuro tem animado o

debate entre os pesquisadores e profissionais de empresas. Zarifian, citado in Fleury & Fleury

(1997), propõe uma distinção interessante para caracterização dos novos modelos de gestão: a

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organização qualificada e a organização qualificante. Segundo esse autor, as “organizações

qualificadas” apresentam as seguintes dimensões:

a) trabalho em equipe ou células;

b) autonomia delegada às células e sua responsabilização pelos objetivos do desempenho:

qualidade, custos, rendimento, etc;

c) diminuição dos níveis hierárquicos e desenvolvimento das chefias para a atividade de

“animação” e gestões de recursos humanos;

d) reaproximação das relações entre as funções das empresas (entre a manutenção e a

fabricação, entre a produção e o setor comercial). Zarifian, citado por Fleury & Fleury (1997),

afirma serem essas quatro características apresentadas como ponto de ruptura com o

taylorismo, que têm se tornado referenciais obrigatórios para aquelas organizações que se

propõem modernas. Mas o autor pondera que, por trás desta aparência de modernidade,

podem persistir problemas sérios como “tornar-se uma organização excludente”, à medida

que os critérios de seleção de pessoal privilegiam níveis sempre mais elevados de educação e

qualificação e deixam de lado parcelas significativas da população.

No que concerne à organização qualificante, Zarifian, ainda de acordo com mesma fonte

citada, afirma que ela deve contemplar quatro outras características, além daquelas já

mencionadas:

e) As organizações devem ser centradas sobre a inteligência e domínio das situações de

imprevisto, que podem ser exploradas como momentos de aprendizagem pelo conjunto dos

empregados;

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f) Elas devem estar abertas para a explicitação da estratégia empresarial, realizada pelos

próprios empregados, como por exemplo, a definição do que é a estratégia de qualidade de

uma oficina;

g) Elas devem favorecer o desenvolvimento da co-responsabilidade em torno de objetivos

comuns, entre as áreas de produção e de serviços; essas co-responsabilidades criam laços de

interação e comunicação entre as áreas e competências;

h) Elas devem dar um conteúdo dinâmico à competência profissional, ou seja, permitir que os

assalariados invistam em projetos de melhoria permanente, de tal modo que eles pensem em

seu Know-how, não como estoque de conhecimentos a serem preservados, mas como uma

competência-ação engajada em um projeto coletivo.

Em suma, para o autor, ocorreria dessa forma um processo de reestruturação de toda a

atividade organizacional sobre uma base comunicacional. Para ele, a aprendizagem

aconteceria pela troca de experiências comuns de pessoas que têm “saberes”, pontos de vista

diferentes, mas complementares. Tudo isso se deve realizar sobre uma base pluriprofissional,

de especialistas e generalistas, engajados em objetivos comuns e co-responsáveis por sua

consecução, completa Zarifian.

1.5.2.1 Gerência participativa

Para Ferreira et al. (2002), a participação dos funcionários nas decisões da empresa, em maior

ou menor escala, vem sendo uma constante em uma série de modelos de gestão pós-

tayloristas. Segundo esses autores, nas duas últimas décadas, um conjunto de tendências

paralelas tem fortalecido a adoção do modelo de administração participativa. A

democratização das relações sociais, o desenvolvimento de uma consciência de classe

trabalhista, a elevação do nível educacional, a complexidade das empresas modernas, a

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velocidade vertiginosa de mudanças e a intensificação das comunicações são algumas das

razões, segundo os autores, que justificam a adoção de maior grau de envolvimento dos

funcionários na gestão das empresas. Eles ainda destacam a turbulência ambiental, onde

sobressai o acirramento da concorrência e, que para garantir a expansão ou ao menos sua

sobrevivência, as empresas atentas procuram se dinamizar a partir de suas relações internas e

mobilizando as potencialidades de seu corpo de funcionários.

Moggi (1991) recorda que a gerência participativa despontou e se consolidou como um dos

fatores diferenciadores de produtividade e contribuiu para o extraordinário avanço

tecnológico dos produtos fabricados em países orientais. Não é então sem motivo que a

administração participativa tem sido uma das grandes armas utilizadas pelas empresas norte-

americanas, na tentativa de fazer frente à administração japonesa. Paterman (1970), citado por

Ferreira et al. (2002), define participação como criação de oportunidades para que as pessoas

influenciem decisões que as afetarão. Essa influência, segundo ela, pode variar pouco ou

muito. Em suma, para a autora, participação é um caso especial de delegação de poder, no

qual o subordinado obtém maior controle, maior liberdade de escolha em relação às suas

próprias responsabilidades.

Maximiano (1995) fala da gerência participativa como uma filosofia ou política de

administração de pessoas, que valoriza sua capacidade de tomar decisões e resolver

problemas. A gerência participativa aprimora a satisfação e a motivação no trabalho. A

administração participativa contribui para melhor desempenho e competitividade das

organizações. O autor diz que essa forma de gerência, ou a idéia da participação existe desde

a antiguidade e foi criada pelos gregos, com o nome de democracia. O autor assegura que essa

não é uma “invenção” japonesa.

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Ferreira et al. (2002) citam várias técnicas para a implementação de uma cultura participativa,

dentre elas se destacam o enriquecimento e a ampliação das tarefas, o trabalho em equipe, a

rotação de cargos, ou, como os autores salientam, os nomes seriam empowerment, job

enrichment, job enlargement, team working ou working groups, self-management,

superleadership. Para a implantação dessa base participativa, é necessário que a empresa

invista, segundo os autores, em informação, treinamento e comunicação. Assim, pretende-se

promover as mudanças culturais necessárias, que envolvam mudança de atitude e de valores.

Por meio desses elementos, ressaltam os autores, cria-se um ambiente participativo no qual os

próprios funcionários encontrarão alternativas a problemas e alcançarão amadurecimento para

desenvolver a gerência participativa, incluindo participação nas decisões, participação nos

resultados e possivelmente modificações na estrutura organizacional.

Aktouf (1996) se posiciona sobre o que é primordial para a instauração de uma “cultura

participativa”:

Para chegar a uma situação de compartilhamento, no plano de valores, dos símbolos, das crenças, isto é, a uma situação onde “reine” uma “cultura” de comunhão de objetivos, de convergência, de solidariedade e de cumplicidade ativa, é preciso bem mais do que hábeis cerimônias, belos discursos e repetições rituais de credos e valores laboriosamente escolhidos pelos altos dirigentes. E, como nos ensinam as disciplinas especializadas no estudo da cultura, de início e inevitavelmente, são necessárias condições concretas de comunhão, de transparência e solidariedade-cumplicidade na vida cotidiana do trabalho. Somente os dirigentes podem instaurar este processo, ou tomar decisões favoráveis a sua instauração. As atitudes, comportamentos, crenças, símbolos e outros elementos da “cultura” só virão depois, brotando, se construindo e se consolidando em torno de fatos e de atos materiais “comunitários” cotidianamente vividos. (AKTOUF, 1996, p. 135).

Plunkett & Fournier (1991), citados por Ferreira et al. (2002), discorrem sobre o surgimento

de mitos decorrentes da diversidade de formas de gestão participativa e esclarecem que,

felizmente, vários desses mitos já “caíram por terra”. Para eles, tais mitos são:

a) gerência participativa é invenção japonesa;

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b) o gerente que pratica administração participativa perde a autoridade e torna-se

desnecessário;

c) as pessoas não gostam de chefes participativos, preferem chefes que dão ordens;

d) a gerência participativa resolve todos os problemas;

e) gestão participativa significa concordar com todas as proposições que o grupo fizer;

f) gestão participativa é para funcionários do nível operacional;

g) as decisões tomadas nesse tipo de gestão são tomadas através de consenso;

h) a gestão participativa conduz a um desempenho livre de erros.

Saraiva (2001) ressalta que, dentro da perspectiva da democratização na gestão atual, verifica-

se um exercício de participação restrita e mais ou menos obrigada, como diz o autor, e

direcionada ao que a organização considera importante. Essa afirmação pode ser inferida do

depoimento de um trabalhador entrevistado por Saraiva, no qual ele se orgulhava de poder

opinar, mas, ressalta o autor que a opinião do funcionário não está associada ao seu senso

crítico ou capacidade intelectual e sim à sua experiência em contato com o cargo, no caso a

máquina que ele opera. O autor pontua que o espaço da organização é regido por uma lógica

própria, por regulamentações específicas que possuem, como finalidade última, o bom

desempenho organizacional.

Morgan (1996) ao analisar “administrações democráticas” estimula algumas reflexões:

a) Os “arranjos” intra-organizacionais, cujo movimento vai de encontro aos interesses

particulares, raramente são discutidos em público. Quando se parte da premissa de que a

empresa e seus membros buscam objetivos comuns há uma tendência a desencorajar a

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discussão sobre motivação política. Em suma, a “política” é vista como uma realidade a ser

evitada.

b) Ao agir, negando a política, a empresa que “preza” a democracia impede o reconhecimento

de que a política e o jogo político podem ser um aspecto essencial da vida organizacional e

não necessariamente algo disfuncional, ou que são aspectos em relação aos quais se tem a

escolha de aceitar ou rejeitar.

c) É interessante recordar que, no seu significado original, a noção política nasce da idéia de

que, quando os interesses são divergentes, a sociedade deverá oferecer meios de permitir aos

indivíduos conciliarem as suas diferenças pela consulta e pela negociação, e isto se configura

também numa gestão participativa.

d) Alguns críticos, segundo Morgan, temem que os empregados estejam autorizados a exercer

os seus direitos democráticos em decisões de menor importância, enquanto estarão sendo

excluídos daquelas que verdadeiramente contam;

e) O autor diz ser necessário estar atento às tentativas de controle do processo decisório.

Muito da atividade política, dentro das organizações, baseia-se no controle de assuntos e

outras premissas decisórias que influenciam no modo como uma decisão particular será

focalizada, às vezes evitando que certos grupos de aspectos fundamentais venham à tona.

Saraiva (2001) salienta um ponto básico e vulnerável da gestão participativa, ao se basear na

premissa de que, essa forma de gestão é fragilizada pelo cenário predominante, capitalista, e

que o Capitalismo tem um pressuposto básico: os que têm o capital (os patrões) têm

legitimidade para serem obedecidos por aqueles que apenas podem vender sua força de

trabalho (empregados), precisando estes se sujeitarem ao esquema vigente para existirem

como membros da comunidade produtiva. O autor (Saraiva, 2001, p.141) cita Cattani (1995,

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p.39) afirmando que: “o Capitalismo necessita da desigualdade, da marginalização e da

exclusão”.

Nesse mesmo caminho citamos Heloani (2003) que vê a gestão participativa como uma

resposta “interessada” do capital que, num momento de dura crise na produtividade do

trabalho no Ocidente, voltou-se para uma nova forma de “envolvimento’ do trabalhador no

processo de produção. O autor acredita que o reordenamento da subjetividade no interior do

processo laboral serve não só para otimizá-lo dentro do quadro da globalização do capital,

mas também para garantir, em outras bases, seu domínio sobre a força de trabalho, à medida

que a empresa aumenta relativamente a autonomia dos trabalhadores, passa a controlá-los

mediante enunciados sobre sua dependência e incapacidade de organizar a produção,

assumindo papel ambíguo de protetora e opressora, utilizando um mecanismo que o autor

denomina “gestão da percepção do trabalhador”. O autor fala de um denominador comum

encontrado do taylorismo ao pós-fordismo: todos reiteram a predominância dos interesses do

capital. Logo, a questão fundamental não está somente na distribuição e exercício do poder

concedido, no empowerment ou algo semelhante, conforme propala esse “novo” modelo de

participação, mas isto sim, na ausência de participação nos bens produzidos, evidenciando

uma questão fulcral. Heloani (2003 p.175) completa de maneira enfática: ”nesse novo modelo

de desenvolvimento da produção, a expropriação da capacidade intelectual do trabalhador é

tão importante quanto foi o domínio sobre sua capacidade física no modelo taylorista-fordista-

fayolista, nesse caso os preceitos são maquiados e sutilizados, portanto mais perigosos, e é

como se o trabalhador compartilhasse a própria dominação”

Antônia Vitória Aranha (1997) tece críticas à gestão participativa, numa perspectiva

congruente com as de Morgan (1996), Saraiva (2001), Heloani (2003):

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As chamadas “gestões participativas” buscam a integração do trabalhador no processo produtivo, alargando a margem de sua interferência e, concretamente, colocando em suas mãos um conjunto de decisões antes apenas restritas à gerência. Sem dúvida, essas alterações não foram provocadas por qualquer atitude de benevolência do empresário para com a força de trabalho. Ao contrário inserem-se na lógica do capital de obter mais valoração e extração do maior quantum de mais- valia dos trabalhadores e estão longe de se generalizarem a ponto de eliminarem qualquer outro tipo de processo de trabalho. Estudos empíricos mostram que processos de trabalho altamente neotecnizados convivem com esquemas tayloristas e mesmo com outros esquemas de gerenciar produção ainda mais atrasados. E essa convivência ocorre como algo inerente a ele. O padrão “flexível e integrado” de produção vai se configurando como um mosaico onde novas tecnologias e novos processos organizacionais compartilham processos diferenciados de gerenciamento e organização do trabalho, tais como subcontratação, sistemas familiares de produção, terceirização, entre outros (ARANHA, 1997, p.22-23).

1.5.2.2 Gestão baseada no modelo japonês

Ferreira et al. (2002) introduzem a administração japonesa como um modelo de gestão

fortemente embasado na participação direta dos funcionários, principalmente a participação

na produtividade e na eficiência voltada para a tarefa, diferentemente da linha gerencial das

relações e do desenvolvimento humano implementada principalmente pelos americanos. As

peculiaridades do modelo japonês merecem uma discussão mais profunda, não somente

porque os índices de produtividade japoneses superaram os da maioria dos países ocidentais, a

partir da década de 1970, mas também porque as peculiaridades da cultura oriental, infiltradas

no comportamento organizacional, segundo os autores, sempre provocam polêmica sobre a

importância do aspecto cultural, refletido no caráter obediente e disciplinado do trabalhador

japonês, como o fator condicionante do sucesso da administração e da aplicação das técnicas

industriais japonesas.

Desde que o Japão surgiu como líder do poder industrial, os teóricos, bem como os administradores, têm estado crescentemente conscientes do relacionamento entre cultura e administração. Durante os anos 60, a confiança e o impacto da administração e da indústria americana pareciam inabaláveis. Gradualmente, mas de forma crescente, através dos anos 70, o desempenho dos carros, da eletrônica e de outros produtos industriais japoneses começou a mudar tudo isso. O Japão passou a assumir o comando dos mercados internacionais, estabelecendo sólida reputação de qualidade, confiabilidade, valor e serviço. Virtualmente sem recursos naturais, sem energia e mais de 110 milhões de pessoas aglomeradas em quatro pequenas ilhas montanhosas, o Japão teve sucesso em chegar ao mais alto ritmo de crescimento, ao mais baixo nível de desemprego e, pelo menos em algumas das maiores e mais bem sucedidas organizações a uma remunerada e saudável população trabalhadora do mundo. (MORGAN, 1996, p. 115).

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De acordo com Wood (1993) toyotismo, japonização, niponização, fujitsuísmo, ohnoísmo,

sonyismo, são os termos que entraram na sociologia do trabalho na década de 1980, enquanto

se faziam tentativas para entender a importância crescente dos métodos japoneses. No cerne

de cada um desses conceitos, está um modelo de abordagem japonesa de gestão, no qual fica

implícito que há, pelo menos, um considerável elemento de novidade, se não uma grande

ruptura com métodos “ocidentalizados” do passado. O autor afirma que os termos ohnoísmo e

toyotismo são particularmente usados para indicar a inovação da produção just in time.

Baseados nos elementos básicos das práticas de fabricação japonesas, eles são empregados

tanto para caracterizar a forma organizacional dominante no Japão, quanto para denotar o

modelo que se supõe estar atraindo cada vez mais os gestores no ocidente.

Coriat (1993) discorre sobre o aumento da competitividade das empresas japonesas no

mercado mundial e sobre as inovações na organização do trabalho e da gestão de produção.

Cria-se, assim, uma “verdadeira escola japonesa de gestão de produção”, distinta da escola

clássica americana (a escola Scientific Management, justamente associada aos nomes de

Taylor e Ford). O autor ressalta que o ponto-chave dessa nova escola se revela especialmente

adaptado às condições contemporâneas da competição entre empresas, nas quais há

obrigações de diferenciação e de qualidade modificando as normas de concorrência entre elas,

constituindo-se, assim, como uma das mutações essenciais que a passagem do fordismo para o

pós fordismo teve que assumir. Para ele, o Kanban, por exemplo, não é um método de gestão

de estoques, mas um método de gestão de pessoal pelos estoques e que, a partir desse estoque,

revela-se o pessoal em excesso e racionaliza-se a produção. Ferreira et al. (2002) dizem que a

administração japonesa nasceu no chão de fábrica, nos setores operacionais da manufatura,

com a filosofia básica de evitar qualquer tipo de desperdício - Muda - e de promover o

melhoramento contínuo - Kaizen. Com essa filosofia agregada à permanente busca de

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conhecimentos e tecnologias avançadas de produção (controle estatístico de processos,

planejamento de produção, engenharia de produtos) e aliadas ao favorecimento da política

econômica governamental, os produtos japoneses alcançaram um diferencial competitivo no

mercado internacional. Foi essa diferenciação que resgatou o foco da comunidade empresarial

à área de produção, que até então era vista pelos outros setores da organização como um

mistério insondável e desinteressante, barulhento, muitas vezes sujo, onde trabalhavam

pessoas inexpressivas. A partir disso, a gestão de produção passou a ser novamente incluída

na discussão das estratégias do negócio. Buscou-se então, salientam os autores, adaptar o

sistema de produção japonês a outros ambientes. Para isso, esse tipo de gestão desprendeu-se

de sua origem na manufatura, buscando implementá-la amplamente em qualquer tipo de

indústria e em outros setores.

Wood (1993) mostra que, pelo menos, no âmbito da literatura ocidental, aconteceram dois

tipos principais de leitura do modelo de administração japonês: um é que eles chamam de

abordagem das relações humanas da prioridade às práticas de pessoal; o outro é a gestão de

produção, que enfatiza o pioneirismo do Japão ao introduzir o Just in time (JIT) e o controle

de qualidade total (CQT). O autor afirma que, vistos pela abordagem das relações humanas,

os métodos japoneses são essencialmente não tayloristas ou fordistas, o que prova, por

conseguinte, que não se justificavam as pretensas suspeitas de Ford sobre a capacidade

intelectual dos trabalhadores. Por outro lado, recorrendo à abordagem da gestão da produção,

enfatiza-se uma continuidade básica entre o fordismo e o toyotismo, visto que eles não

diferem em suas metas, mas apenas no modo como a meta deve ser alcançada.

1.5.2.2.1 Toyotismo e a produção flexível

Wood Jr. (1992), em seu artigo, nos conta uma história resumida do toyotismo e a produção

flexível. Segundo ele, na primavera de 1950, o jovem engenheiro Toyoda empreendeu uma

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visita de três meses às instalações da Ford em Detroit. Após este período, ele escreveu uma

carta para a sede de sua empresa no Japão, dizendo acreditar que “havia algumas

possibilidades de melhorar o sistema de produção”. De volta ao Japão, Toyoda e seu

especialista em produção, Ohno, refletiram sobre o que foi observado na Ford e concluíram

que a produção em massa não poderia funcionar bem no Japão. Desta reflexão, nasceu o que

ficou conhecido como sistema Toyota de produção ou produção flexível e, junto com esse

sistema, nasceu a mais eficiente empresa automobilística conhecida até hoje. Dando

continuidade ao histórico, o autor relata que na década de 1950, a fábrica da Toyota era

localizada em Nagoya, e sua força de trabalho era composta, essencialmente, por

trabalhadores agrícolas. Após o término da Segunda Guerra, a Toyota estava determinada a

partir para a produção em larga escala. Mas, para isso, ela deveria encarar estes problemas:

1) o mercado doméstico era pequeno e exigia uma gama enorme de tipos de produto;

2) a força de trabalho local não se adaptava ao conceito taylorista;

3) a compra de tecnologia no exterior era impossível;

4) a possibilidade de exportações era remota.

Para contornar parte dessas dificuldades, o Ministério da Indústria e Comércio japonês propôs

uma série de planos que protegia o mercado interno e forçava a fusão das indústrias locais,

dando origem a três grandes grupos. A visão, obviamente, era de longo prazo. Trabalhando na

reformulação da linha de produção premidos pelas limitações ambientais, Toyoda e Ohno

desenvolveram uma série de inovações técnicas que possibilitavam uma enorme redução no

tempo necessário para a alteração do equipamento de moldagem. Assim, modificações nas

características dos produtos tornaram-se mais simples e rápidas. Conseguiram criar formas de

fabricar com menos gasto, reduziram os custos e começaram a lidar com uma forma mais

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racional do controle de qualidade. O processo começou a exigir a presença de operários bem

treinados e motivados. Trabalhando com essa mão-de-obra diferenciada, Ohno realizou uma

série de implementações nas fábricas: a) agrupou os trabalhadores em torno de um líder,

determinando responsabilidades acerca de uma série de tarefas. Quando os grupos estavam

funcionando bem, passaram a se reunir para a discussão de melhorias no processo de

produção; b) Ohno possibilitava a qualquer operário parar a linha de produção caso detectasse

qualquer problema. Na Ford, o defeito só era visto no final da linha de montagem,

ocasionando “retrabalho” e aumentando os custos. No início do processo proposto por Ohno,

a linha parava muito, depois foi se desenvolvendo, os problemas foram sendo corrigidos e a

qualidade cresceu significativamente. A Toyota organizou os fornecedores em grupos

funcionais e, assim, os fornecedores faziam o mesmo com seus fornecedores. O autor, neste

ponto da história, esclarece o que Toyoda e Ohno chamavam de just in time. O fluxo de

componentes era coordenado com base num sistema que opera com a redução dos estoques

intermediários; remove, por isso, as seguranças, e obriga cada membro do processo produtivo

a antecipar os problemas e evitar que eles ocorram. Toyoda e Ohno levaram mais de 20 anos

para implementar completamente essas idéias. O impacto foi enorme, com conseqüências

positivas para a produtividade, como qualidade e velocidade de resposta às demandas do

mercado.

Já se tornou lugar comum enfatizar que just in time é muito mais do que uma questão de procedimentos de estoque e que o gerenciamento just in time é um novo sistema de administração operacional. A produção plenamente organizada com JIT(just in time) distingue da entrega JIT do produto, na medida em que a primeira inclui mudanças radicais na gestão da qualidade em todos os estágios do processo de produção. Com base nisso, talvez não seja válida a distinção entre a perspectiva das ‘relações humanas’ e da ‘gestão de produção’ a respeito da administração japonesa, ou, na melhor das hipóteses, talvez só administradores especialistas em práticas japonesas possam usá-las significativamente no contexto de ‘modelos recebidos’. Sem dúvida, tanto a interpretação da gestão da produção como a gestão das relações humanas é demasiado unilateral. O Toyotismo é caracterizado não apenas com base na eliminação de estoques de reserva e em procedimentos just in time, mas também por causa do elemento de ‘relações humanas’ que fornece a base para o ‘controle de qualidade total’ e o envolvimento dos trabalhadores na racionalização (WOOD, 1993, p.53.).

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Para Heloani (2003) o sistema just-in-time é uma técnica ou filosofia, como “pretendem

alguns”, que provocou mudanças significativas na organização do trabalho. Para o autor, esse

sistema consiste em produzir o que o mercado demandar, no momento e na quantidade que o

mercado solicitar. O autor, ao analisar o sistema just-in-time, verifica que, ao se padronizarem

as linhas de produção, estabelecendo um rodízio de tarefas hipersimplificadas, com a ajuda da

automação de alguns trabalhos parcelados, a engenharia continua determinando os tempos e

fluxos de todo o processo, moldando a subjetividade dos operários aos objetivos da

organização, restando aos trabalhadores apenas a sensação, denominada por ele de “falsa

percepção”, de que estão influenciando ou de que têm, de fato, algum poder de decisão.

Sakai (1990) citado por Wood Jr. (1992) advoga que a organização piramidal, base dos

grandes grupos japoneses, guarda estreita semelhança com o mundo feudal. Para ele, a base

da pirâmide, constituída por milhares de pequenas empresas, que empregam a maior parte da

mão-de-obra existente, fazem o papel do “servo”, continuamente submetidas a pressões para

redução de custos, trabalhando com margens de lucro insuficientes e assim como o “servo”,

essas pequenas empresas são praticamente impedidas de abandonar o seu clã. Heloani (2003

p.169) cita Guattari (1993) ao afirmar que o modelo nipônico assinala a união entre o

tradicional e o moderno; dessa forma, a produção e a manutenção da subjetividade capitalista

associam componentes os mais “hightech” a arcaísmos herdados de tempos imemoriais. Para

o autor, a adesão geral e irrestrita dos trabalhadores japoneses aos “novos” modelos de

organização e produção fabris é o resultado de uma equação, em que o antigo se objetiva em

moderno e o novo se apropria das intersubjetividades urdidas há séculos. Sendo assim, a

questão da subjetividade não foi “irrompida” subitamente como um instrumento de

dominação. O autor conclui: “ao contrário, representa um processo de desenvolvimento que

transcende à fábrica e incorpora outros instrumentos de poder”.

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Antunes(1995) numa abordagem crítica afirma ter uma visão expropriadora do toyotismo:

O estranhamento próprio do Toyotismo é aquele dado pelo ‘envolvimento cooptado’, que possibilita ao capital apropriar-se do saber e do fazer do trabalho. Este, na lógica da integração Toyotista, deve pensar e agir para o capital, para a produtividade, sob a aparência da eliminação efetiva do fosso existente entre elaboração e execução no processo de trabalho. (ANTUNES, 1995, p. 33).

Hirata (1993) observa que a diferença significativa entre o modelo japonês e o modelo

fordista clássico está no envolvimento do trabalhador no processo produtivo havendo uma

participação maciça dos trabalhadores nas inovações tecnológicas com reuniões, trabalhos em

grupo, educação para o trabalho, CCQs (círculos de qualidade. O sucesso alcançado pelas

empresas japonesas levou os países ocidentais a rever suas concepções não apenas sobre a

organização do trabalho, de acordo com Fleury e Fleury (1997), mas também a rever os

modelos de gestão de pessoal, que provocou o surgimento do conceito de Gestão Estratégica

de Recursos Humanos, preconizando que as políticas de gestão de pessoal não devem ser

passivamente integradas às estratégias de negócio, mas devem ser parte integrante dessa

estratégia. Os autores listam pontos fundamentais dessa gestão estratégica de recursos

humanos:

a) a importância atribuída ao desenvolvimento do empregado, como recurso fundamental

para a consecução das estratégias organizacionais;

b) a importância do desenvolvimento do trabalho em equipes;

c) a gestão da cultura para o sucesso organizacional.

Heloani (2003) observa que em algumas empresas que adotam os CCQs (círculos de

qualidade), as gerências têm certo receio de propiciar um espaço de discussão aos

trabalhadores vendo nestes “círculos” um “sorvedouro de poder” dos supervisores e também

certa ameaça ao status dos gerentes. O autor entende os CCQs constituindo uma exploração

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por parte da organização, da capacidade que os trabalhadores manifestam para pensar e gerir.

Estes “círculos” são regidos por três princípios básicos que são a participação, a motivação e a

criatividade, elemento este a ser desenvolvido e futuramente apropriado pela administração,

observa-se então que são atributos relacionados com a subjetividade em nível individual e

coletivo. Heloani (2003 p.153) conclui: ”junto com o controle total da qualidade, há no

mínimo uma tentativa de controle total do que pensa e faz o trabalhador, configurando-se

numa estandardização das subjetividades, que é uma forma de regulação de conflitos”. Fleury

& Fleury abordam a importância de se conscientizar que um modelo de gestão tem aspectos

imbricados com sua cultura de origem:

Um dos pontos mais importantes de diferenciação entre a forma japonesa e a forma ocidental de trabalhar diz respeito à orientação e propensão para a mudança nos processos de produção. Masaaki Imai, em seu conhecido livro Kaizen, defende a posição de que, no ocidente, esse processo sempre envolve grandes mudanças, que são seguidas de períodos de deterioração e queda de desempenho, o que vai justificar depois uma nova grande mudança, que deve resultar num brusco aumento de desempenho, seguido de novo período de deterioração, e assim por diante. Ao contrário, a orientação japonesa é para o Kaizen, ou seja, ‘contínuo melhoramento, envolvendo todos, inclusive gerentes e operários’. Assim, mesmo após uma grande mudança, segue-se o trabalho meticuloso e detalhista de fazer o ajuste fino do sistema dentro das novas condições. O Kaizen para os japoneses é um conceito tão natural e óbvio que as pessoas nem sabem que o possuem. (FLEURY; FLEURY, 1997, p. 45-46).

Coriat (1993) estabelece que o ohnismo nada mais é que o “discurso do método” (em matéria

de gestão de produção) dessa fase do Capitalismo, experimentada, hoje, pelas economias

desenvolvidas e, caracterizada pelo fato de que, às formas de concorrência baseadas em custos

e quantidade, acrescenta-se, a partir de agora, a concorrência baseada na qualidade e na

diferenciação. Para ele, pode-se sustentar que, se coube a Taylor e a Ford forjar os conceitos

da organização do trabalho da época de impulso da produção de massa de produtos

estandardizados, é a Ohno que se devem atribuir os conceitos da fase atual da produção de

massa marcada pelo selo triplo da diferenciação, da flexibilidade e da incerteza. O autor

completa que “apreciado à esta luz, torna-se possível compreender algumas das dimensões do

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sucesso das empresas japonesas, sem recorrer a Confúcio ou ao Zen-budismo” (CORIAT,

1993, p. 89).

Heloani (2003) pesquisou como “modelos organizacionais/gerenciais” produzem ou

remodelam subjetividades, causando alterações na percepção do trabalhador, manipulando-os

psicologicamente. Para esse autor, o modelo japonês reside na flexilibilização e integração

das subjetividades, pois o referido modelo avança pela desespecialização dos profissionais

para transformá-los não em operários parcelares, mas em plurioperadores, em profissionais

polivalentes, em “trabalhadores multifuncionais” o que causa, segundo ele, um movimento de

racionalização do trabalho, um continuísmo taylorista, com o fim de atingir o objetivo de

diminuir os poderes do trabalhador sobre a produção e de aumentar a intensidade do trabalho.

Salienta, também, que o discurso que subjaz aos Programas de Qualidade Total, um dos

carros-chefe do modelo japonês, objetiva remodelar as diversas subjetividades presentes no

processo produtivo, mediante uma espoliação objetivada das faculdades intelectuais, ou

melhor, pela expropriação das dimensões cognitivas e, mormente, das capacidades criativas

do trabalho vivo. Para o autor, “chavões” como “é preciso buscar a perfeição” ou “é proibido

errar” são recorrentes nesse tipo de programa. Ele ressalva que no discurso da Qualidade

Total existe uma doutrinação e modelização das subjetividades quando se preconiza que, para

se obter a qualidade desejada, ou seja, a satisfação total dos clientes, é necessário “enraizar no

pensamento, nas palavras e obras os mandamentos dos CCQs” , processos pelos quais a

gerência subordina a subjetividade do trabalho à metas e objetivos da organização. Heloani

(2003 p.48) finaliza: “O ohnismo constitui-se hoje num novo mito mobilizador que, menos

que uma oposição ao mito precedente, é uma espécie de inversão dele, terminando por

evidenciar-se como simétrico a ele”

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Zarifian conclui o tema modelo japonês, trazendo algumas interrogações e perplexidades:

E se o modelo japonês for, em vez da representação de nosso futuro, a representação das carências de nosso passado? E se ele for o preenchimento das lacunas e dos impensados do taylorismo? Poderíamos então dizer que há ainda espaços a inventar para a pesquisa. E poderíamos, por tê-lo bem examinado e levado a sério, sem aspas, afastar-nos do modelo! (ZARIFIAN, 1993, p. 31).

1.5.2.3 A gestão do conhecimento

Segundo a E-Consulting Corp (2004), estamos diante de um cenário de rara complexidade, no

mundo corporativo e na sociedade em geral. Fenômenos econômicos e sociais, de alcance

mundial, são responsáveis pela reestruturação do ambiente de negócios. A globalização da

economia, impulsionada pela tecnologia de informação e pelas comunicações, é uma

realidade da qual não se pode escapar. Segundo a referida consultoria, é nesse contexto que o

conhecimento, ou melhor, que a gestão do conhecimento se transforma em um valioso recurso

estratégico para a vida das pessoas e das empresas. Para eles, não é de hoje que o

conhecimento desempenha papel fundamental na História. Sua aquisição e sua aplicação

sempre representaram estímulo para as conquistas de inúmeras civilizações. No entanto,

apenas “saber muito” sobre alguma coisa não proporciona, por si só, maior poder de

competição para uma organização. É, segundo os consultores, quando aliado a sua gestão que

o conhecimento faz diferença. A criação e a implantação de processos que gerem,

armazenem, gerenciem e disseminem o conhecimento representam o mais novo desafio a ser

enfrentado pelas empresas. Os autores afirmam que termos como “capital intelectual”,

“capital humano”, “capacidade inovadora”, “ativos intangíveis” ou “inteligência empresarial”

já fazem parte de dia-a-dia de muitos executivos. Os consultores conceituam a gestão do

conhecimento como um modelo de gestão que parte da premissa de que todo conhecimento

existente na empresa, na cabeça das pessoas, nas veias dos processos e no coração dos

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departamentos pertence também à organização. Em contrapartida, todos os colaboradores que

contribuem para esse sistema podem usufruir de todo o conhecimento presente na

organização.

Para Chait (2002) a gestão do conhecimento maximiza o potencial dos conhecimentos que

existem na organização. Para ele, a pessoa que deve incumbir-se de levar adiante esse

processo da empresa seria uma pessoa com certas características indispensáveis: necessita não

só ser uma pessoa que entenda os negócios da organização como ter o tipo de conhecimento

indispensável para isso; ela precisa ser respeitada na organização e deve ser capaz de aceitar

idéias novas. Segundo o autor, esse gestor do conhecimento deve contar com o apoio da alta

administração, porque, caso contrário, seus esforços não darão bons resultados. O ideal seria

que esse gestor tivesse um cargo executivo na alta administração, ou seja, “que fosse um CKO

(Chief Knowledge Officer)” como são chamados nos Estados Unidos, explica o autor. Ele

reitera que a gestão do conhecimento concentra-se nos conhecimentos ainda não descobertos,

que poderiam ser aproveitados, enquanto a “organização que aprende” enfatiza a forma de

aprender continuamente, a fim de melhorar constantemente.

Aguiar (2001), corrobora a importância do “capital intelectual”, ao afirmar que uma mudança

radical está ocorrendo no Capitalismo, além da globalização, e é um marco no final do século

XX e começo do século XXI, que é a nova economia baseada no conhecimento e não em

matérias primas. Para o autor, uma economia baseada no conhecimento não tem limite de

crescimento, porque ela produz riqueza, refinando idéias e conceitos preexistentes. O saber

para ele é uma turbina na economia.

A lacuna entre seu valor, de acordo com a balança patrimonial, e o indicado pelo mercado, é um dos maiores desafios com que se defronta qualquer empresa na atualidade. Somente há poucos anos é que as empresas e as universidades em todo o mundo começaram a enfrentar o desafio de medir o capital intelectual que representa a maior parte do valor real de uma empresa e consiste em ativos indiretos-

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conhecimento organizacional, satisfação do cliente, inovação do produto, disposição dos empregados, patentes e marcas registradas que nunca aparecem em seus demonstrativos financeiros. (EDVINSSON; MALONE, 1998 apud AGUIAR, 2001, p. 136).

Klein (1998) diz que organizações estão desenvolvendo estratégias empresariais e portfólios

de iniciativas para capturar e disseminar aquilo que aprendem ao longo do tempo, para

facilitar o compartilhar de novas idéias e experiências, através de barreiras funcionais e

organizacionais, para alavancar suas melhores práticas e para gerir seu capital intelectual por

meios deliberados, que não o de continuar a depender de abordagens fortuitas. Para ele, as

empresas estão verificando, por exemplo, que insights capturados no chão da fábrica, quando

adequadamente catalogados, interpretados e disseminados, podem levar a mudanças de

processos que rendem vantagens em termos de custo; que um reexame daquilo que cada

participante do setor sabe versus aquilo que suas organizações específicas sabem

exclusivamente pode levar a novas parcerias de compartilhamento de conhecimentos com

concorrentes; e que sistemas de medição de desempenho, projetados para recompensar a

criação e o trocar de idéias, pode melhorar o processo decisório da empresa, aumentando a

inovação. O autor na p.2 sintetiza, afirmando que a empresa que adota uma abordagem

estratégica na gestão de seu capital intelectual vê uma oportunidade de melhorar sua posição

de mercado relativa a organizações que continuam a gerenciar tal capital de forma

oportunista, concluindo: “se, na realidade, ‘conhecimento é poder’, então seu controle e

canalização fazem mais sentido, em termos de negócio, do que simplesmente deixar que as

fagulhas voem”

Chait (2002) descreve quatro elementos básicos, fatores-chave de um processo de gestão do

conhecimento:

a) conteúdo - razão fundamental do conhecimento;

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b) cultura - é preciso, segundo ele, ter certeza de que o programa funcionará na cultura da

empresa, levando em conta as barreiras existentes e os facilitadores;

c) processos - para o autor, o desenvolvimento da gestão do conhecimento deve chegar ao

âmago das atividades cotidianas;

d) infra-estrutura - da qual faz parte a tecnologia.

Para o consultor, montar banco de dados não fará desaparecer o problema ligado à discussão

sobre quem compartilha os conhecimentos dentro da organização, mas será muito útil para

solucioná-los. Para ele, a tecnologia representa 20% da solução. A maior parte do desafio,

salienta o autor, está em não só convencer as pessoas a interagir, para compartilhar o que

sabem, mas também levar todos a querer fazê-lo e realizar esse processo de maneira eficiente.

Heloani (2003) afirma, dentro deste enfoque, que mesmo que os trabalhadores sejam instados

a raciocinar de forma imaginativa, essa preocupação com o “saber oculto” do trabalhador não

obedece a critérios emancipatórios. Objetiva sim, segundo ele, a um alicerce de um

verdadeiro banco de dados e informações para a gerência, concernentes ao Know-how.

Aguiar (2001) pontua as três funções de que se deveria ocupar a gerência do conhecimento,

nas organizações, quais sejam:

a) assegurar a seleção, aquisição, tratamento, armazenamento, recuperação e difusão de

informações, produzidas internamente na organização ou não, que têm interesse:

a.1) para o desempenho das atividades operacionais na organização;

a.2) para a realização das atividades de planejamento estratégico;

a.3) para subsidiar a tomada de decisões estratégicas;

b) planejar, implementar, avaliar, sistematizar o funcionamento de mecanismos que tenham

por objetivos a transferência dos conhecimentos dos indivíduos para o acervo

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institucional, incorporando-os nos ativos da organização, com vistas à sua preservação

para utilização posterior;

c) criar ambiência e mecanismos que permitam a conversão de conhecimentos tácitos em

conhecimentos explícitos, de forma a poderem ser compartilhados (socializados) e

utilizados nas atividades operacionais (internalização).

Antônia Vitoria Aranha (1997) discute e critica a forma como o “saber” do trabalhador é

tratado e valorizado:

Os prêmios que as empresas ‘doam’ aos trabalhadores que fazem sugestões de melhoria, no geral, são retribuições ridículas, tais como almoços, visita à fábrica com a família, etc. E, no entanto, com tais sugestões, a empresa tem lucros fabulosos. Mesmo com as novas tecnologias e os novos modelos gerenciais e organizacionais do trabalho, que buscam incorporar o conhecimento do trabalhador ao processo produtivo, permanece a distinção entre os saberes formalmente valorizados enquanto portadores de conhecimento científico e o conhecimento dos trabalhadores. (ARANHA, 1997, p. 26).

Santos citado por Aranha (1997) ratifica que esses saberes tácitos, esses saberes do

trabalhador, ainda que posicionados diferentemente nos modos tayloristas, nunca conseguiram

a legitimação que os validasse, tanto do ponto de vista epistemológico, como da perspectiva

econômica, social, política e cultural. E, na empresa integrada e flexível, esta continua sendo a

regra. Para a autora, está na questão da ausência de uma “legitimação validadora”, o ponto

comum que une os dois modelos, quando se trata da relação entre trabalho prescrito e real;

entre concepção e execução. Pimenta (2004) afirma que, assiste-se, historicamente, à

objetivação do trabalho, pela expropriação do saber e do conhecimento do trabalhador. Mas é

neste quadro, onde se afrontam forças contrárias, e sempre desiguais, que o mundo do

trabalho se desenha e que as contradições se fazem presentes.

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Na pequena história abaixo, observa-se metaforicamente a eficácia do “saber” do trabalhador,

do conhecimento tácito e a tendência “invalidadora” que costuma permear esses “saberes”:

Uma jovem senhora estava com fortíssimas dores nas costas. Já havia ido a todos os tipos de especialista, feito vários tratamentos, tomado muitos remédios e nada de melhorar. Até que um dia foi para uma sessão de massagem com um experiente velhinho chinês. Depois de algumas simples e precisas manobras, a dor desapareceu. Ela, querendo ser gentil, falou ao chinês: - Simples, né? Ao que ele respondeu: -é são cinqüenta anos de simples.!.. (SHINYASHIKI, 2003, p. 10).

Chait (2002) pondera que para implementar a gestão do conhecimento não é sempre que se

“interfere” na cultura, porque, segundo ele, o objetivo não é mudar a cultura e, sim, modificar

alguns dos elementos que dão origem a determinadas maneiras de pensar e agir. Para ele, se

todos na empresa acreditarem que o conhecimento gera poder, por exemplo, isso será muito

prejudicial, porque as pessoas terão a tendência de guardar o que sabem e não compartilharão

essas informações com os demais membros, por isso é necessário investigar quando tal

comportamento ocorre. O consultor cita o caso de um laboratório farmacêutico que está

presente em 90 países e há dez anos adotou a política de formação de uma cultura de

conhecimento. Ele relata que o laboratório conseguiu implementar um conjunto de processos

que não apenas recompensa aqueles que compartilham o que sabem, como ainda “aprovam

todos” os que fazem. As promoções, os incentivos, as recompensas e até mesmo a

manutenção do emprego dependem da partilha dos conhecimentos. O consultor resume o caso

afirmando que a máxima “conhecimento é poder” transformou-se em “compartilhar o

conhecimento é poder”. Assim, para ele, não se trata de mudar a cultura e sim de modificar

algumas regras, para que as pessoas ajam de maneira diferente. Nesse caso citado, podemos

observar um exemplo do que Lima (1996) chama de “variável estratégia”, onde a cultura

organizacional é um “engodo”, no qual se podem mudar as “peças” de acordo com a ocasião e

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a necessidade de mais produtividade e adesão dos funcionários às políticas da empresa.

Enriquez (2001) sustenta essa intervenção de Lima (1996) afirmando que as empresas

contemporâneas, tentam, consciente e voluntariamente, construir um sistema simbólico-

cultural e imaginário como forma de conduzir o pensamento, de penetrar no espaço íntimo do

psiquismo e da subjetividade, e de induzirem comportamentos indispensáveis à sua dinâmica.

Heloani (2003) também discute e se posiciona na questão desta cultura de “incorporação do

conhecimento ao capital” produzindo e interferindo nas subjetividades:

Talvez as principais características das equipes de trabalho, times de trabalho ou simplesmente team work sejam a complexidade e a interpenetração entre a atividade laborativa “material” e “imaterial”.Parece-nos que, em toda a história do trabalho, nunca se observou tamanha apreensão da capacidade cognitiva do trabalho pelo capital, pois os conhecimentos, tácitos ou não, devem ser incorporados à produção, e também jamais se conseguiu tão eficiente culpabilização tanto individual como grupal no que toca ao insucesso numa empreitada, num movimento em que as intersubjetividades constituídas se rendem e, às vezes, tentam disputar espaço com a objetividade organizacional, numa dança cuja música é sempre orquestrada pelo capital.(HELOANI, 2003.p.136)

Santos (1997) insiste na necessidade da legitimação dos “saberes” do trabalhador dentro desse

cenário dominado pelo capital:

No que diz respeito ao saber, torna-se de fundamental importância encontrar suas formas de legitimação. A legitimação do saber do trabalhador, formalizado ou não, apresenta-se como um elemento em torno do qual se deve articular o debate sobre o significado do saber do trabalhador, sobre a relação entre concepção e execução, entre trabalho prescrito e trabalho real na atualidade do mundo do trabalho. [...] A capitalização dos benefícios proporcionados pelo saber do trabalhador à produção é uma estratégia já colocada em marcha pelos empresários. Fica a tarefa de construir uma alternativa que, deixando de ser resistência passiva e não caindo na co-gestão do saber no trabalho, resgatando assim os valores epistemológicos, sociais, econômicos, políticos e culturais do saber do trabalhador. A luta da classe que vive do trabalho é central quando se trata de transformações que caminham em sentido contrário à lógica da acumulação do capital e do sistema produtor de mercadorias. (SANTOS, 1997 apud ARANHA, 1997, p. 27).

1.5.2.4 Formação dos gestores num cenário que busca excelência

Para Aktouf (2002), as organizações que administram pela excelência, que buscam uma fusão

do “eu” do empregado com elas mesmas, cuidam de uma só coisa: preservar a todo custo o

“status quo”, ou seja, mudar as atitudes e comportamentos dos empregados, sem mudar em

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nada a ordem estabelecida, o modo de produção e, sobretudo, a redistribuição das riquezas

produzidas. Para o autor, o empregado deve continuar a ser tratado como insumo e como

custo, a única diferença é que esse empregado se impõe com a exigência da qualidade

excelente, ele mesmo se “fustiga” na condição de instrumento da produção e se auto-reduz

como custo financeiro. Para o autor, grande parte da literatura empresarial tradicional faz

referências ao “líder”, ao gestor, como um culto ao indivíduo excepcional, herói, criador,

construtor, um astro midiático. Para ele, essa literatura permite também fundar, de modo

durável e profundo, a idéia de que a humanidade é dotada de alguns indivíduos excepcionais

que são portadores, “de maneira quase inata”, do “dom” do fenômeno empresarial, quer dizer,

o privilégio de serem, de encarnarem, graças a esse “dom”, um conjunto de atributos que

constituem a organização empresarial e seu funcionamento.

Codo (2002), ao avaliar esse cenário que busca a excelência e a qualidade total, diz ser

comum os “tais programas de qualidade” se transformarem, ou em um exercício de

“convencimento doutrinário”, ou em uma série drástica de modificações, técnicas essas que

não dizem a que vieram, ou o que estariam fazendo ali. Na questão do convencimento, o autor

explana que se costuma contratar um “consultor simpático” para ministrar “palestras e mais

palestras” sobre qualidade, cujo resultado é o de convencer a todos os presentes de que estão

fazendo tudo errado, mas que farão tudo certo quando mudarem os nomes do que estão

fazendo. Na segunda vertente, segundo o autor, o programa é instalado a partir de reuniões da

cúpula e é imposto sobre toda a organização, em “uma segunda-feira de manhã”. Para ele, o

resultado ou é inócuo, ou implica ampliar a segmentação e o estranhamento dos trabalhadores

no trabalho, agora com um “taylorismo das decisões mais charmoso”, mas igualmente

limitante da eficiência. Ou seja, para o autor, um “neotaylorismo”, agora em busca de

divorciar planejamento e ação também nas consciências dos agentes responsáveis pelo

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trabalho. O autor chama a atenção para a ameaça de “esses programas descambarem” em

apelos emocionados para que o trabalhador “vista a camisa” da empresa, ou seja, “tome para

si a bandeira do senhor e leve-a até onde e como o senhor quiser”.

Heloani (2003), analisando os programas de qualidade total, cita Afonso Fleury (1990),

quando este afirma que Programas de Qualidade são os que introduzem as inovações mais

importantes, na medida que envolvem não só conceitos técnicos, mas também questões

comportamentais e de atitude. Para Heloani (2003), a introdução desses programas visa

“reorientar as percepções” de todas as pessoas e unidades administrativas na fábrica,

integrando-os através do conceito de qualidade do produto em sua utilização no mercado. O

objetivo geral completa o autor, é o de gerar um comprometimento das pessoas para com a

empresa e o produto, buscando otimizar a qualidade e a produtividade, interferindo na

subjetividade dos trabalhadores.

Lima (1996) de posse dos dados de sua pesquisa com gerentes em empresas que requerem

excelência, afirma que os gestores têm consciência de que o aperfeiçoamento profissional

deve ser constante e que os dois outros fatores que eles julgam fundamentais para se

adaptarem a uma empresa assim, são a capacidade de “amar a empresa” e de “vestir a sua

camisa”. Para a autora e pesquisadora, isto sugere que o gerente é controlado, acima de tudo,

pela exigência de aperfeiçoamento profissional constante e pelo que traduz como “vestir a

camisa da empresa”. A autora comenta que, se é mais fácil “vestir a camisa da empresa”, a

exigência de aperfeiçoamento constante pode ser vivida como uma ameaça na medida em

que, se não for bem atendida, o sujeito pode se encontrar rapidamente “fora da corrida”.

Já Have & Have; Stevens & Elst (2003), partidários da implantação da “forma japonesa de

trabalhar” como um passo importante na busca da excelência, indicam os passos para

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implantar o Kaizen, ou seja, mudança Zen (tornar-se bom, harmonioso). É necessário que o

gestor crie uma atitude Kaizen na empresa, e essas atitudes seguirão o caminho desses cinco

elementos-chave:

a) trabalho em equipe;

b) disciplina pessoal;

c) moral melhorada;

d) círculos de qualidade;

e) sugestões para melhoria.

Perot, apud Júlio & Neto (2002), diz que o gestor-líder tem três funções básicas:

a) a primeira função é garantir que a organização conheça a si mesma já que existem certos

valores duráveis que formam sua base, devendo esses valores serem incorporados pelo gestor;

b) a segunda função do gestor é escolher as pessoas certas para fazer parte da organização,

criando um ambiente onde elas possam ter sucesso, estimulando os outros a criarem

estratégias e a “filosofia da empresa”, objetivando mais colaboração e trabalho em equipe;

c) a terceira função do gestor é estar acessível para todos da empresa, em tempo real, em

qualquer lugar: todos devendo conhecer o e-mail dele.

Lima (1996) elenca em seu livro “Os equívocos da excelência - as novas formas de sedução

na empresa”, o perfil gerencial requerido pelas empresas que privilegiam a excelência. Estas

empresas “hipermodernas” ou “estratégicas” buscam gestores que possuam:

-características competitivas fortes e ao mesmo tempo cooperativas;

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-perfil individualista ao mesmo tempo capaz de trabalhar em equipe;

-capacidade de tomar iniciativa e ao mesmo tempo capaz de se conformar completamente às

regras ditadas pela organização;

-flexível e, ao mesmo tempo, muito perseverante indo até a uma meticulosidade que

poderíamos considerar como excessiva (perfeccionismo);

-um indivíduo que se percebe como “sujeito do seu próprio destino” e “criador de sua

história” e, ao mesmo tempo, completamente integrado, identificado e conforme à empresa.

Esta deve ser, de preferência, idealizada;

-capaz de reagir rapidamente e de se adaptar às mudanças;

-“jogador”, isto é, sentir prazer no risco e ser, além disso, um vencedor, um estrategista, um

guerreiro;

-capaz de adquirir continuamente novos conhecimentos em domínios variados;

-fiel e leal à empresa;

-ascético; lutar contra as exigências do corpo e se superar fisicamente;

-capaz de embotar sua sensibilidade, o que vai lhe permitir cometer os atos mais aberrantes,

mais expressivos de traição, com uma espécie de apatia que oculta as paixões;

-ter traços marcantes de delator e manipulador;

-controlado; especialmente no nível do pensamento, que deve ser um pensamento operatório;

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-forte carga de teatralidade, saber jogar com as aparências: ”a máscara, a aparência, substitui a

pessoa”

-justo, sensível, compreensivo, e, ao mesmo tempo, duro e impiedoso;

-desconfiado e ser, ao mesmo tempo, íntimo, próximo, e comunicativo;

-saber fazer a conjugação dos aspectos masculinos e femininos, ou seja, ser duro, viril,

exigente, forte e ao mesmo tempo charmoso, persuasivo, sedutor e sorridente;

-capaz de se auto-superar;

-ter traços megalomaníacos;

-capaz de sublimar (ser criativo) e de estabelecer, ao mesmo tempo, uma relação de

identificação e de idealização com a empresa (ser um fanático da empresa).

Enriquez (1989 p.45) concebe o gerente como um homem que deve eliminar a dúvida, a

angústia e o remorso. Ele deve ser narcisista e ao mesmo tempo flexível; deve saber

“comunicar”, “animar”, “persuadir”, ter uma personalidade “como se”, e se comportar sempre

“como se estivesse bem consigo mesmo, como se gostasse verdadeiramente dos outros”. A

identidade pessoal deve ser sinônima de identidade social. O citado autor continua: “o gerente

desses tempos de excelência, de organizações estratégicas deve ser um verdadeiro “Proteu”,

isto é, mudar constantemente de opinião e interpretar todo tipo de personagem. Ele deve saber

jogar tanto com a cólera e a violência quanto com a suavidade e a ternura, concluindo: ”os

gerentes seduzem, encantam, repreendem e insultam”

V.de Gaulejac (1987) citado por Lima (1996 p.86) ao avaliar os “custos da excelência” fala

primordialmente de “uma pressão psicológica intensa” causada pela “produção de um vínculo

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afetivo entre o indivíduo e a organização”, suscitando nesse indivíduo, completa o autor, uma

dependência psíquica, que opera seguindo o mesmo processo da ligação amorosa, isto é, a

identificação, a idealização, o prazer e a angústia.

Duas questões necessitam ser levantadas a partir dessas colocações anteriores: as

organizações têm tanto poder assim sobre o indivíduo? Não estariam essas colocações

negligenciando o papel concomitante de outras instituições na história dos indivíduos

implicados no processo organizacional? Lima (1996) afirma que, para compreender o

verdadeiro papel da organização, sua real influência sobre a “economia psíquica” dos

trabalhadores, é indispensável conhecer a história do indivíduo e explorar suas articulações

com a situação de trabalho. Porém a mesma autora afirma que não se pode negar as

evidências que as novas formas de gerenciamento que buscam a excelência podem, realmente,

exercer uma influência negativa no psiquismo dos indivíduos. Bendassolli (2001 p.23-24)

discute essa questão da excessiva focalização sobre a influencia das empresas modernas,

regidas pela excelência, no psiquismo humano, começando por analisar a máxima “o trabalho

dignifica o homem”. Ele afirma que o conteúdo mais significativo desse aforismo

internalizado permanece latente no imaginário social e secreta muitas de nossas esperanças

sobre o trabalho, sobre nossa forma de produção material no mundo. Para ele o fato dessa

máxima permanecer latente ou, assim se supõe, não elimina de forma alguma, sua “perversa”

influência sobre os trabalhadores. Tudo isso somado à atual situação econômica pela qual

passa o país dentro de um cenário hiper-competitivo, pressiona os homens contra seus

próprios futuros, extraindo deles um sacrifício excessivo. O autor extrapola suas visões ao

afirmar que o aforismo citado “o trabalho dignifica o homem”, sofreu uma elaboração

histórica podendo ser “psiquicamente lida” como “o trabalho é a identidade do homem”,

funcionando como uma forma de representação do eu e de “situar-se na existência”.

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Nesses tempos de excelência, a figura do gestor é reconhecida como exercício de liderança,

assim Senge (1995) destaca o gestor-líder como o que desempenha papel fundamental, como

impulsionador no processo de mudança organizacional. Para ele, os novos líderes requeridos

são designers, professores e guias, que assumem diferentes posturas, no desenvolvimento de

suas novas funções:

• Como designer: projetar cenários, desenhar missão, políticas estratégicas, monitorar;

• Como professor: revelar modelos mentais, gerar tensão criativa, trabalhar de forma

sistêmica;

• Como guia-potencializador: auxiliar as pessoas a se desenvolverem, incrementar o

trabalho em grupo, propiciar o comprometimento com objetivos organizacionais.

Melo (2004) afirma que, a partir de sua experiência como pesquisadora aliada à sua prática

como professora (mestrado e doutorado) e consultora, a formação e o desenvolvimento do

gestor do novo Capitalismo deve passar por uma total revisão, deixando de lado as práticas

tradicionais e concentrando-se em dois grupos de conteúdo. O primeiro deve abranger uma

visão macro da sociedade, conhecimentos do ambiente macrossocial, demandando uma visão

integrada da realidade política, social, econômica, cultural, tecnológica e ideológica;

analisando e desenvolvendo possibilidades de atuar em parcerias; conhecendo os princípios

facilitadores da descentralização e da participação; a relevância do envolvimento dos

empregados no planejamento e gestão da sua área, além de receber orientação para o domínio

do “negócio” da organização. A autora parte para a descrição do segundo grupo de conteúdo

de sua formação “ideal” do novo gestor: o gerente deve ser levado a refletir e a conhecer a

real situação da função gerencial face ao novo contexto; desenvolver junto com o grupo qual a

relação do gerente com o trabalho, com os subordinados e com os seus pares; fazer um

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levantamento da relação do gerente com a organização, abordando seus múltiplos aspectos e

os processos de identificação, reconstruindo a trajetória profissional de cada um, identificando

com o grupo qual o espaço extratrabalho (vida social, família, lazer, etc.) existente, bem como

as condições de trabalho e saúde. Melo (2004) recomenda ainda, colocar o gerente face-a-face

com os impactos das inovações organizacionais e tecnológicas sofridos, discutindo sua

relação com o universo político, “enquanto reconhecimento de categoria profissional” e as

contradições vivenciadas no exercício da função, levando, por fim, o grupo a reconhecer suas

estratégias de auto-regulação desenvolvidas no cotidiano. A autora conclui afirmando nas

p.44-45 que esse segundo grupo de conteúdo tem o objetivo de desenvolver um novo

comprometimento do gerente com a função gerencial, condição primeira para a revisão de

uma prática de gestão, e sensibilizar para uma real mudança de cultura e compreensão de sua

função nas organizações sob a tutela do novo Capitalismo.

Pode se observar na proposta curricular dessa autora para os gestores, um tipo de demanda,

que não é explicitamente oriunda do mercado, posto que é fruto de reflexões e experiências

inclusive acadêmicas, e propondo até um posicionamento político. Porém esta proposta

“pede” um gerente multifacetado para fazer face às organizações “tuteladas” pelo novo

Capitalismo, com um conteúdo curricular sugerido para a formação gerencial, de tal maneira

extenso e intenso, indicando uma continuidade, com outra roupagem, dessa série de injunções

requeridas ao gestor contemporâneo; fato esse já tão explicitado por Lima (1996), Enriquez

(1997, 2001). Percebe-se, também, através dessa proposta tão abrangente, uma reprodução

dos novos modelos que focalizam demasiadamente a figura do gestor, caminhando inclusive,

em alguns aspectos, para a legitimação desse mito do herói, do “sabe-tudo”, do “líder” que

tem recaído sobre a cabeça do gerente, reforçando esses atributos “deificantes” no dizer de

Aktouf (2002):

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O mito empresarial fundamental, que faz do gestor, do dirigente um criador - organizacional (deus) que, sozinho, sabe e pode “gerir”. Essa “heroificação-deificação” do dirigente empresarial está longe de ser uma simples figura de retórica e menos ainda um exagero. Pensem um pouco na fórmula, tão estimada pela mentalidade empresarial, do “self made man”. O que há de mais deificante, realmente, que a sua “autocriação”, somada à criação, de uma empresa, de empregos, de riquezas? Assim, os dirigentes conferem a si mesmos a transcendência e a imortalidade por sua identificação com a organização e no empenho que o saber e o poder têm de geri-la, porque a “organização” e a “instância onipotente de gestão” ultrapassam, todas duas, a simples condição do humano-mortal que “é gerido”. A construção fantasmática da onipotência e da imortalidade se reencontra no caráter a uma vez só vez imortal e demiúrgico da inseparável dualidade “organização-gestão” (AKTOUF 2002, p. 243).

Fleury (2002), afirma que o processo de formação de gestores é “elitista” dado que os cursos

são quase sempre homogêneos, quer seja pelo conhecimento, pela formação inicial dos

participantes, quer seja pela posição hierárquica ocupada na organização. Para ela, as pessoas

desenvolvem novos conhecimentos, refinam seus quadros conceituais, suas capacidades

analíticas, mas reforçam também certas atitudes e comportamentos restritivos de dialogar

apenas com seus pares. Isso, para ela, pode se tornar um elemento consolidador das fronteiras

existentes entre os níveis hierárquicos, entre áreas, criando barreiras à comunicação, ao

desenvolvimento de formas coletivas de aprendizagem nos incidentes críticos da vida

organizacional. A autora completa que, no processo atual de formação de gestores, ocorrem

duas situações:

a) ou a decisão é individual, como no caso das pessoas que decidem fazer um curso de pós-

graduação independente da empresa em que estão ou irão trabalhar e perseveram, ou desistem

do curso por vontade própria;

b) ou a decisão é tomada pela área de recursos humanos da empresa ou a alta direção desta,

que decide o conteúdo programático, a instituição educacional, os consultores/ professores,

quem deve ou não participar daquela formação.

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Porém Lima (1996 p.102) acentua que a grande importância dada à formação dos gestores

representa um ponto-chave na busca da excelência. O conteúdo da formação foi adaptado à

exigência de enfrentar um ambiente “hipercomplexo”, que muda constantemente e um

mercado muito competitivo. A autora vê a entrada da educação no domínio da definição de

emprego como um sinal de que a estrutura social modificou-se profundamente e que o

aparelho produtivo requer doravante mais “competências disponíveis”. Ela destaca que,

atualmente, o desenvolvimento de métodos de formação para gerentes se aproxima dos

métodos utilizados pelas organizações militares. Existem, segundo ela, os estágios de

“sobrevivência”, práticas e exercícios de “aventura”, os quais têm como objetivo levar o

indivíduo a descobrir em si mesmo “competências” e qualidades que ele ignorava que

possuía, dado que as empresas começam a exigir que seus empregados sejam “guerreiros”,

“vencedores”, “esportistas”, “matadores frios”. A autora observa que as empresas que apelam

para esse tipo de prática querem desenvolver nas pessoas, o gosto pelo risco e pela batalha.

Para ela, os treinamentos gerenciais contemporâneos contemplam a síntese dos modelos

japonês e americano, ao tentar imprimir o espírito de equipe à moda japonesa, reforçando,

simultaneamente, o esforço individual e o sucesso pessoal, que são característicos do modelo

americano.

Ao explorarmos a história da gerência percebe-se o movimento das teorias administrativas e

seus modelos de gestão no sentido de assegurarem a produtividade e o lucro, embora o

discurso desses modelos muitas vezes aponte para a valorização do homem. É este paradoxo

que se encontra presente na proposta das práticas não-convencionais de desenvolvimento de

gestores que estudaremos mais adiante.

Após abordamos a história e a evolução da gerência, dedicaremos o capítulo seguinte à

análise do construto subjetividade e sua mobilização no contexto organizacional.

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CAPÍTULO II

2 SUBJETIVIDADE E SUA MOBILIZAÇÃO NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL

2.1 Tentativa de conceituar subjetividade

Fiz de mim o que não soube E o que podia fazer de mim não fiz O dominó que vesti era errado. Conheceram-me logo por quem não era, não desmenti, e perdi-me. Quando quis tirar a máscara, estava pegada à cara. Quando a tirei e me vi no espelho já tinha envelhecido. Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. (PESSOA, 1997 p. 362)

Estudar o tema subjetividade é uma tarefa árdua, instigante, complexa. O conceito é

interdisciplinar, ou seja, a Filosofia, a Psicologia, a Sociologia, a poesia, a religião, a

Psicanálise e a Administração, abordam esse tema, que articula diversas dimensões da

existência do indivíduo. Fonseca (2002) pondera que a abordagem da subjetividade, desde

diferentes perspectivas, pressupõem-na como componente “articulado/articulatório” do

mundo social, cultural e político, revelando que o mundo está no sujeito e que este opera com

seu suporte.

Dimenstein (2002) constata que se trata de um tema controverso, imbuído de um paradoxo,

que propõe, de um lado, o apagamento da experiência subjetiva, na figura do sujeito e, de

outro, a sua evidência. Ela acentua que na contemporaneidade, as noções de sujeito e de

indivíduo estão circunscritas ao plano histórico, no afã de produzir uma entidade

individualizada, que forneça sustentação à experiência mercantil, o Capitalismo. Seguindo

esse caminho, a autora propõe uma conceituação de subjetividade:

Uma forma particular de se colocar, de ver e estar no mundo que não se reduz a uma dimensão individual. A subjetividade é um fato social construído a partir de processos de subjetivação, o qual é engendrado por determinantes sociais-históricos,

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econômicos, políticos, ideológicos de gênero, de religião, conscientes ou não. Assim, em diferentes contextos culturais, diferentes subjetividades são produzidas. (DIMENSTEIN, 2002 p.16).

O conceito de subjetividade pode tomar diferentes nuances de acordo com o referencial

teórico utilizado para abordá-lo. Nessa construção, tomaremos uma direção no sentido de

garimpar visões de diversos autores, em suas diferentes perspectivas, onde buscaremos

concluir com as mais contemporâneas definições de subjetividade, privilegiando as definições

mais afeitas à questão da sua mobilização no contexto organizacional.

Bicca (1997), em sua perspectiva a partir da filosofia, diz que subjetividade é um termo

genérico, isto é, uma noção que “enfeixa” ou se encontra em relação necessária com uma série

de outros conceitos, que, conjugados, circunscrevem uma problemática: eu, consciência,

consciência de si, auto-referência, autodeterminação, personalidade, espírito. O autor afirma

que a palavra “sujeito” adquire foro de linguagem filosófica a partir e no sentido da tradução

latina, subjectum, do grego hypokeimenon, cujo significado filosófico principal foi cunhado

por Aristóteles: o que está na base ou por baixo, o que porta ou é suporte de, daí ser traduzido

também por “substrato” ou até por “substância”. O autor reitera que o conceito de sujeito

opera como uma expressão indicadora que, no âmbito da filosofia moderna, ora significa o ser

do homem como um todo, sujeito empírico que é a união de corpo e alma, ora designa, pelo

contrário, aquela estrutura formal da subjetividade, acessível somente por meio de uma auto-

reflexão intelectual.

Os estudos etimológicos de Viaro (2003) pesquisam a palavra subjetividade, que vem do

latim jac, que foi se modificando até chegar no português como jeit, jeç, jeiç, jeit, jet.

Por isso se diz que algo que se lança para longe é abjeto, por exemplo um dejeto qualquer. Algo que é lançado para fora do veículo é ejetado. Algo que é lançado para dentro do corpo é injetado. A atitude de quem não gosta de algo é jogá-lo para trás, num gesto de rejeição. Algo que se lança sob o poder de outrem está sujeito às suas vontades. E como a liberdade e a independência são coisas difíceis de

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conseguir, de modo que estamos, de alguma forma, sob o poder de alguém, qualquer indivíduo é um sujeito. O modo de ver cada sujeito forma o que chamamos o modo subjetivo. E cada um entende as coisas de um jeito (VIARO, 2003, p.141).

Benveniste (1966) apud Charadeau e Mainguenau (2004) diz que a subjetividade, a partir da

ótica da “análise do discurso”, nada mais é que a capacidade do locutor de se posicionar como

sujeito, e é na linguagem que devemos procurar os fundamentos dessa aptidão é na e pela

linguagem que o homem se constitui como sujeito, afirma o autor. E continua, dizendo que o

sujeito assim o faz, apropriando-se de certas formas que a língua lhe disponibiliza,

primeiramente com o pronome eu, cujo uso é o próprio fundamento da consciência de si.

A consciência de si é possível somente quando ela se testa por contraste. Somente emprego “eu” quando me dirijo a alguém, que será, na minha alocução, um “tu”: não existe subjetividade sem intersubjetividade (BENVENISTE, 1996 apud CHARADEAU; MAINGUENAU, 2004, p. 456).

Davel & Vergara (2001 p.43) citam autores e seus conceitos de subjetividade como Faye

(1991), que diz: “designa a singularidade e a espontaneidade do eu, enfim subjetividade é

tudo aquilo que constitui a individualidade humana e que sedimenta todo e qualquer

conhecimento possível”; Rose (1996) concebe a subjetividade expressa em pensamentos,

condutas, emoções e ações. Suas relações, segundo o autor, com o conhecimento permitem

desvendar a pluralidade e a heterogeneidade de linguagens, espaços e práticas que nos

governam diariamente. Citam também Baack & Prash (1997), que abordam a subjetividade

como um fenômeno posicional e contingente, em que o indivíduo pode ser considerado como

unificado ao longo do tempo. Para eles, a experiência da subjetividade produz-se no decorrer

das relações imediatas que as pessoas estabelecem entre si. E eles fazem um recorte,

afirmando que no caso das organizações, os motivos, os processos decisórios, os valores e

objetivos de cada pessoa devem ser observados como um conjunto de idéias posicionais,

relacionais, subjetivas e temporárias. Davel & Vergara (2001 p.44) citam Ellis & Flaherty

(1992), que reiteram não poder esquecer que a subjetividade é composta de vozes em “nossa

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mente e de sentimentos em nosso corpo”, produzidos em contextos históricos, políticos e

culturais específicos.

Para Ferreira (2000), grosso modo, subjetividade significa tudo aquilo que é relativo ao

sujeito e no âmbito da filosofia, a centralização nos aspectos subjetivos é algo válido para um

único indivíduo, universalmente. A autora, que pesquisou subjetividade, faz um retrospecto

histórico do interesse da filosofia sobre o tema. Segundo suas pesquisas, as especulações

acerca do “cosmos”, do “ser”, do “pensamento”, da “alma”, do “espírito”, do

“conhecimento”, da “razão”, da “natureza humana” e do “sujeito” fazem parte do processo

histórico de constituição da filosofia, desde a antiguidade grega até os tempos modernos,

alcançando os dias atuais, e tentando alcançar uma compreensão do sujeito e de seu mundo

interior. Para isso, foi necessária uma trajetória sobre o cosmos e sobre o mundo que cerca o

sujeito. Ela explica que na Grécia Antiga, a filosofia começa por cosmologia. Os filósofos

pré-socráticos se ocuparam de entender e explicar o mundo onde viviam, buscando os

elementos simples, determinantes do cosmos, tais como a água, o fogo, o ar e a terra. A

concepção mítica da causalidade dos fenômenos da natureza foi substituída pela forma

primitiva de pensar cientificamente. Os físicos da antiguidade queriam descobrir a

“substância” universal que daria origem a todas as coisas. Os primeiros filósofos gregos

estavam em busca de uma coisa oculta responsável por todas as transformações da natureza,

que seria uma espécie de substância básica.

Talvez uma das frases mais conhecidas e, portanto, mais populares, que remete à questão da subjetividade, seja o “conhece-te a ti mesmo”, adotado por Sócrates, filósofo grego. Ao contrário dos que o antecederam, que privilegiavam a natureza, esse filósofo coloca o homem no cerne de suas preocupações. Sócrates notabilizou-se pelo uso da maiêutica, um método provocativo de inquirição, cujo principal objetivo era levar a pessoa ao “conhecimento verdadeiro”, iluminador da conduta correta ainda que esse conhecimento nem sempre fosse alcançado. Esse método pressupõe um mergulho da pessoa em seu interior, Sócrates dizia ser guiado por uma voz interior para sua prática de inquirição (DAVEL & VERGARA, 2001, p. 44).

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O retrospecto histórico da filosofia que aborda a subjetividade, realizado por Ferreira (2000)

traz também o filósofo Aristóteles (384-322 a.C.), interessado na natureza viva, na matéria e

no real, e opositor das idéias platônicas. Criticava o idealismo de Platão, cujas idéias

invertiam a realidade, convertendo a representação do real no objeto em si mesmo. Portanto,

para Aristóteles, não havia idéias inatas, nem tampouco uma “forma” eterna onde estariam

contidas todas as coisas. Aristóteles trouxe o conceito de raciocínio dedutivo e sistemático.

Davel e Vergara (2001), ainda dentro de um olhar filosófico, nos trazem outras contribuições

como o pensamento de Sêneca, com a proposta de que é no espaço interior que se alojam o

bem e o mal. O exercício consiste em sobrepujar o mal. O conhecimento do erro é o começo

do acerto. Os autores falam de uma formulação de Sêneca que é a noção do juiz interior, a

consciência. Esta fornece a condição para que se possa distinguir o bem do mal e é portadora,

também, da alegria quando há o engajamento no caminho da virtude. Foi Sêneca quem

começou a perceber, com mais clareza, a noção de que as pessoas são dotadas de um espaço

interior que se distingue da exterioridade. Ao voltar-se para dentro de si mesmo, pensava

Sêneca, o homem vê-se menos sujeito à instabilidade e às atribulações do mundo sensível.

Entretanto, será o pensamento medieval que aprofundará a noção de interioridade, pela evocação de homo interior e pela noção de sensus interior. Sensus interior significa originalmente a síntese das sensações no imaginário e na memória, expressão que indicará, mais tarde, a consciência íntima do eu. Assim, é com Santo Agostinho que a noção de interioridade aproxima-se do conceito moderno de subjetividade. Para o filósofo, o caminho para a transformação depende, necessariamente, da atenção que a pessoa dá ao seu interior, ao foco que dá a seus pensamentos e sentimentos, no momento mesmo da experiência que está vivendo; depende da maneira como a pessoa experimenta o próprio acontecimento. Aprende-se com a experiência e ela está no espaço interior de cada um. Somente voltando-se para esse espaço interno, é possível entrar em contato com bem e com o mal e, assim, conhecer-se a si mesmo (DAVEL & VERGARA, 2001, p. 45-46).

Erich Fromm (1987) discute o modo de ser e ter na condição humana. Para ele, em geral,

sabemos mais acerca do modo ter do que modo ser, porque ter é, de fato, o que mais

vivenciamos em nossa cultura. Porém, para ele, algo mais importante faz com que definir o

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modo ser seja mais difícil que definir o modo ter, isto é, a própria diferença entre esses dois

modos de existência. Ter refere-se a coisas, e as coisas são determinadas e definíveis. Ser

refere-se à experiência e a experiência humana, em princípio, não é definível. Para ele, o que

é plenamente definível é nossa persona, a máscara que usamos, o eu que apresentamos,

porque essa persona em si é uma coisa. Por outro lado, acentua Fromm (1987) que o ser

humano vivo não é uma imagem inerte e, portanto não é definível como uma coisa, aliás, o

ser humano vivo não pode ser definido de modo algum. Entretanto Bendassolli (2000)

compreende subjetividade como um termo que designa o campo de vivência, representações e

fenômenos, forjados pela produção histórica e social que fez o homem de hoje ser como

acredita ser. Fromm, porém, reafirma em suas palavras a quase impossibilidade de um

entendimento da individualidade e singularidade humanas:

É certo que podemos dizer muito acerca de nós, do nosso caráter, de nossa orientação geral na vida. Esse conhecimento intuitivo pode ir muito longe na compreensão e definição de minha estrutura psicológica bem como de outra pessoa. Mas o eu total, toda a individualidade, a singularidade e a peculiaridade, tal como as impressões digitais, jamais podem ser plenamente compreendidas, nem mesmo por empatia, porque não há dois seres humanos totalmente idênticos. Só no processo de mútuo relacionamento vivo podemos, o outro e eu, superar a barreira da separação, na medida em que ambos participam da dança da vida. Contudo, a plena identificação recíproca jamais poderá ser conseguida (FROMM, 1987, p. 96).

Volnovich (2002, p.63) aponta Kafka como sendo o filósofo que melhor reflete a

subjetividade no nosso século. O autor apresenta um breve conceito da abordagem kafkiana

da subjetividade: ”a subjetividade não se restringe ao indivíduo, mas a uma circulação onde

participa a mente, os afetos, o corpo, os vínculos, o trabalho, a casa e os outros”.

Rey (2003) através de Vigotsky refuta as definições de subjetividade baseadas numa

“essência intrapsíquica”:

Vigotsky em sua obra sempre explicitou um corpo conceitual próprio para definir as emoções, as quais relacionou com categorias como necessidades, motivos e personalidade. Entretanto, o processo de deslocação da subjetividade individual para

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“fora”, que tem caracterizado as psicologias discursivas, de fato nega toda a subjetividade individual, classificando-a como essência intrapsíquica, sem perceber a possibilidade de esta construir uma perspectiva dialógica, dialética e complexa, integrada na processualidade dos sistemas sociais em que o sujeito vive (REY, 2003, p. 215).

Freud (1976) afirma que a psicanálise busca sentidos na experiência histórica e individual,

através daquele sujeito que fala ou, pelo contrário, silencia. As lacunas, o não dito, o vazio e a

falta, segundo ele, muitas vezes expressam aquilo que existe de mais primitivamente

significativo na subjetividade. Nesse sentido, aponta Ferreira (2000) é que se faz necessário

alcançar a complexidade do singular, do particular, do privado, no discurso consciente e, ao

mesmo tempo, no “não discurso” do inconsciente. Para ela, essa “ponta do iceberg”, que se

encontra imersa nas profundezas do “oceano psíquico”, não se mostra por inteiro. A

psicanálise trouxe uma perspectiva de compreensão de uma parte dos mistérios do sujeito

porque a maior parte da subjetividade, conclui a autora, permanece imersa no psiquismo

inconsciente.

Hanna Arendt resume nessa citação a sua concepção acerca da dificuldade humana em

compartilhar a realidade subjetiva:

A existência é o que aparece a todos. Tudo o que deixa de ter essa aparência surge e se esvai como um sonho, realidade subjetiva, mas desprovida da realidade do mundo compartilhado com outros (ARENDT, 2000, p. 42).

Vigotsky, citado por Rey (2003) concebe a psique como um sistema complexo e em constante

desenvolvimento, que se caracteriza por formações complexas de sentido que não têm uma

natureza universal. Entretanto, Cecília Meireles através de sua obra poética, também aborda

como o ser humano é “formado” em uma perspectiva complexa sugerindo ser ele

“construído” por muitos aspectos:

Não digas: Este que me deu corpo é meu pai. Esta que me deu corpo é minha mãe. Muito mais teu pai e tua mãe são os que te fizeram em espírito. E esses foram sem número.

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Sem nome. De todos os tempos Deixaram o rastro pelos caminhos de hoje todos os que já viveram. E andam fazendo-te dia a dia os de hoje, os de amanhã. E os homens e as coisas todas silenciosas. A tua extensão prolonga-se em todos os sentidos O teu mundo não tem pólos E tu és o próprio mundo (MEIRELES, 1986, p.24).

Alberoni (1991), um estudioso dos valores e das instituições da civilização ocidental discute

como a formação econômico-social organizada de forma capitalista influenciou e influencia a

subjetividade dos indivíduos.

O que caracteriza de modo essencial o mundo capitalista ocidental é precisamente isto; não ter uma mensagem e uma esperança profunda com que dar sentido à vida dos indivíduos, não estabelecer relação alguma com o absoluto. O núcleo essencial do Capitalismo é um conjunto de práticas, de operações que não têm nenhum fundamento de valor. A riqueza serve para tudo, indiferentemente. De qualquer maneira nada tem a ver com aquilo que foi a essência dos movimentos: fraternidade, felicidade, verdade, transparência (ALBERONI, 1991, p. 476).

Figueiredo (1992) acentua que a subjetividade privatizada nada mais é do que a experiência

de poder sentir-se livre e diferente de todos os outros membros da sociedade. Para ele, essa

liberdade, que é apenas ilusória, encontra, na vida social, a instauração de outras dimensões

de controle e avaliação do cotidiano particularizado e do público institucionalizado. Criam-se,

a partir das instituições sociais implantadas pelo Capitalismo, os mecanismos de disciplina e

administração de todas as esferas da experiência humana.

Quando os homens passam pelas experiências de uma subjetividade privatizada e ao mesmo tempo percebem que não são tão livres e tão diferentes quanto imaginavam, ficam perplexos. Põem-se a pensar acerca das causas e do significado de tudo que fazem, pensam sobre eles mesmos (FIGUEIREDO, 1992 p. 30).

Marx, citado por Ianni (1979), afirmava que a subjetividade não poderia ser alcançada

tomando como ponto de partida o sujeito. Para ele, o método mais adequado seria buscar o

advir histórico do trabalho humano, na constituição do sujeito e sua singularidade. Os homens

ao estabelecerem as relações sociais de produção, criam objetos e idéias, transformando a

natureza e a si mesmos, a sensibilidade dos homens à vida, isto é, os afetos, pensamentos e

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convicções através dos quais se portam diante dela, não se constitui, segundo Marx citado

pelo autor, um fenômeno que emerge das entranhas do ser. Para ele, pelo contrário, a

consciência seria forjada nas relações sociais que os homens tecem entre si, completando que

o próprio desenvolvimento do processo de produção através das contradições que se

estabelecem entre o estágio de desenvolvimento das forças produtivas e as próprias relações

de produção, gera contradições insuportáveis, possibilitando a mudança qualitativa do

processo de produção e da sociedade como um todo.

Para Ferreira (2000), os homens no seu trabalho são os responsáveis pelo processo de

produção. No entanto, no modo de produção capitalista, o indivíduo perde radicalmente o

domínio sobre seu trabalho e os produtos, passando a ser dominado pelas coisas, e conclui

afirmando que a possibilidade de superação desse processo histórico de “coisificação” do

sujeito se dará à medida que as contradições sociais alcançarem um novo estágio de

desenvolvimento econômico. Esse processo de “coisificação” também é abordado nos escritos

de Hanna Arendt:

O mundo consiste nas coisas, que devem sua existência aos homens e que, por sua vez, também condicionam os atores humanos. O trabalho e seu produto, o artefato humano, empresta permanência e durabilidade ao caráter efêmero do tempo humano; tudo que adentra o mundo humano torna-se parte da condição humana.O mundo preexiste à nossa chegada e sobreviverá à nossa breve permanência (ARENDT, 2000 p.67).

Foucault (1979) mostra, em sua obra, que a experiência humana vivida no interior de uma

sociedade capitalista seria perpassada pelas relações de poder. Daí que o exercício de poder

não seria privilégio apenas dos grupos dominantes e nem de instituições. Ao contrário, o

poder seria difuso, perpassando então diversos espaços sociais e não se manifestando apenas

como caráter negativo, repressivo e coercitivo, mas apresentando, também, no interior da

dinâmica capitalista, um perfil criador, sendo responsável pela criação de práticas e

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instituições e até mesmo de sujeitos. Em seus estudos, Foucault (1989,1977) traça,

historicamente, o desenvolvimento das práticas de controle, que vão desde ações de tortura e

punição, aos mecanismos sutis de introjeção dessas formas de controle e poder. Ele articula,

também, através da noção de disciplina, os mecanismos através dos quais o sistema capitalista

tornou “dóceis” os corpos dos homens, objetivando em última instância o controle. Ele

defende a existência de uma reversibilidade e reciprocidade entre as relações de poder e as

lutas históricas e sociais, de modo que não haveria poder sem a existência de mecanismos de

resistência e liberdade. Heloani (2003 p.6) utiliza uma frase que resume bem esta questão: “O

poder é melhor exercido, enquanto não bem percebido”. Aliás Heloani (2003) associa o

conceito de subjetividade ao conceito de percepção, enfatizando que à medida que as formas

de gerenciar padronizam ou reordenam subjetividades, acontece uma reorientação na

percepção dos trabalhadores, sempre no sentido da manipulação psicológica para os fins do

capital.

Através da obra foucaultiana, percebe-se que a subjetividade humana pode ser modelizada

através de mecanismos sutis de adestramento e que esta mesma subjetividade pode ser

controlada (governada) através de mecanismos que o “conhecimento-poder” estabelece como

“normal” ou não, como “bom” ou não para os interesses de quem controla e detém o poder.

Concluindo, a produção de riquezas exige a fabricação de um sujeito exímio

operacionalizador de forças e, na mesma proporção, dócil politicamente. Ao duplo objetivo do

poder disciplinar: econômico e político; associam-se os interesses do capital, uma vez que

quanto mais rentável for o sujeito, mais submisso será e vice-versa. (FOUCAULT,

1977,1989).

Mance (1998) afirma que a subjetividade engloba tudo o que é próprio da condição de ser

sujeito, isto é, capacidades sensoriais, afetivas, imaginativas e racionais envolvidas nos

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processos de perceber, compreender, decidir e agir, e, nessa nova fase do Capitalismo,

principalmente a globalização, essas dimensões da subjetividade (sensibilidade, dimensão

estética e ética, imaginário, compreensão de mundo, esperanças, utopias, racionalidades,

necessidades) são modelizadas sob a lógica da disputa entre capitais e da conquista e

manutenção de hegemonias políticas.

Guattari (1986 p.16) constata que o capital funciona de modo complementar à cultura

enquanto conceito de equivalência: o capital ocupa-se da sujeição econômica, e a cultura da

sujeição subjetiva. Para ele a “sujeição subjetiva” não se refere apenas à publicidade para a

produção e o consumo de bens; é: ”a própria essência do lucro capitalista que não se reduz ao

campo da mais-valia econômica: ela está também na tomada de poder da subjetividade” . Para

o autor, a produção de subjetividade constitui matéria-prima para a evolução das forças

produtivas em suas formas mais desenvolvidas, citando o caso do Japão, quando afirma que lá

não tem petróleo, mas tem uma produção de subjetividade, produção esta que permite realçar

a economia japonesa no mercado mundial, a ponto de receber a visita de centenas de

delegações patronais que pretendem “japonizar” as classes operárias de seus países de origem.

A subjetividade permanece hoje maciçamente controlada por dispositivos de poder e de saber que colocam as inovações técnicas, científicas e artísticas a serviço das mais retrógradas figuras da socialização. No entanto, é possível conceber outras modalidades de produção subjetiva, estas processuais e singularizantes. (GUATTARI, 1986 p.26).

Dessa forma, uma possibilidade que se coloca para o autor é a identificação de processos de

subjetivação que promovem subjetividades “serializadas”, vinculadas a uma lógica

consumista. Guattari (1986) nomeia esse processo de “subjetividade capitalística”,

caracterizando também as “subjetividades singulares”, desarticuladoras dos modelos acima

descritos. São experimentações, segundo ele, nas quais os indivíduos rompem com modelos

subjetivos de manutenção de um status quo para enfatizar espaços de criação, de outras

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formas de criação, de outras formas de existência que redimensionam o campo social, ou para

dizer com Foucault (1979), que redefinem a forma de exercício de poder.

Manfroi (2004 p.184) apoiada em Foucault, Guattari e Mota & Amaral, diz que a primeira

idéia de que se deve partir para “entender” subjetividade é que ela é social, coletiva, portanto

“produzida”. A idéia de produção, segundo ela, serve para dizer que os sujeitos não são

totalmente livres para escolher seus valores, sua moral, sua personalidade, mas que eles são

“determinados”. No entanto, é necessário também não perder de vista a práxis, ou seja, a

capacidade de os indivíduos transformarem sua própria realidade, para que não enveredemos

numa visão determinista do sujeito. Dialeticamente, afirma a autora, subjetividade e

objetividade estão implicadas: a subjetividade não é uma dimensão interna, mas está

totalmente imbricada com o mundo social, há um complexo de relações entre

interioridade/exterioridade, uma dimensão está presente na outra. Então, para entender a

subjetividade contemporânea, necessitamos compreender que mundo é esse: o mundo da

acumulação flexível, da revolução técnico-científica, do ajuste estrutural, da flexibilização do

trabalho, da reestruturação produtiva e do desemprego estrutural. Para ela, é nesse momento

que surge a subjetividade, o retorno à intimidade, o reforço do eu e uma nova política para a

“captura do corpo”. Nesse processo, está expresso um novo consenso para a recomposição do

ciclo de reprodução do capital, ao determinar um conjunto de mudanças na organização da

produção material e nas modalidades de gestão e consumo da força de trabalho, provocando

impactos nas práticas sociais que intervêm no processo de reprodução material e espiritual das

forças de trabalho.

O olhar de Solange Pimenta (2004) sustentado pelas idéias de Castoriadis (1990) caminha, em

muitos ângulos, nessa mesma linha de pensamento, ao afirmar que se sabe, de uma certa

maneira e até certo ponto, que as pessoas vivem as expectativas sociais que lhes são impostas

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pelas categorias sociais dominantes. Para a autora, é, neste contexto que a subjetividade, a

verdadeira subjetividade, na concepção de Castoriadis (1990), tem um papel fundamental.

Uma subjetividade que, atracada ao plano individual e remetida ao coletivo, se ramifica e se

reproduz no interior da unificação que pretende operar o poder dominante. Para ela, os

indivíduos experimentam suas situações e suas relações como necessidades, interesses,

desejos e paixões, para, em seguida, elaborarem esta experiência em suas consciências e suas

culturas de diferentes formas e, após movimentam-se em meio às condições que delimitam e

contornam suas vidas e seus cotidianos. Na perspectiva da autora, é este fazer e refazer

constante, contraditório e dialético que o cotidiano produz e circunscreve. A partir dessa

visão, a autora diz compreender a subjetividade como as representações e as imagens que os

trabalhadores constroem de sua experiência de trabalho, através das quais eles tentam explicar

a realidade onde estão inseridos. E a intersubjetividade passa a ser mais do que um “face a

face” indefinidamente multiplicado, visto que a sociedade não é redutível às oposições entre

indivíduos.

Nardi (2002) e Araújo (2002) também partem nessa direção que amplia e dinamiza o conceito

de subjetividade:

Acessar as subjetividades é, portanto, conhecer como os indivíduos ou grupos sociais fazem sua história, seja reproduzindo, negando ou recriando esquemas culturais ou regimes de verdades vigentes, desfamiliarizando a noção de que exista um sujeito implacável ao tempo, à história e à cultura (NARDI, 2002 p.28)

A concepção de subjetividade, para Araújo (2002), como perfil mais ou menos estável de si

mesmo, parece não mais se sustentar. Na contemporaneidade, para a autora, dizer “sujeito”

não significa dizer “subjetividade”. A subjetividade não mais se reduz à coincidência consigo

mesmo, nem tampouco a uma interioridade acessada pela reflexão. Ela é compreendida como

o modo de organizar as experiências do cotidiano, os universos de sensações e representações.

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A autora reitera noções já expressas por Foucault (1989) e Guattari (1986) sobre os modos de

produção da subjetividade, apontando para a crise a que estão submetidas as sociedades

capitalistas, como o Brasil. Araújo (2002) se apóia na hipótese de que essas sociedades

tendem a bloquear processos de singularização, perpetrando processos de individualização em

série. Para ela, os indivíduos passam a organizar suas experiências segundo padrões

universais, que fabricam individualidades seriadas e manipuladas, que proliferam como

emblemas nos canais da mídia.

Fonseca (2002) afirma que, conceitualmente, é pertinente a articulação da “(des)

reestruturação produtiva com a (des) reestruturação subjetiva”, e quais seriam os efeitos,

questiona ela, sociais e subjetivos das atuais e emergentes relações entre as máquinas que

“transformam o mundo” e os trabalhadores em meio a essas turbulências. A autora,

coordenadora de um projeto de pesquisa intitulado “Modos de trabalhar, modos de subjetivar”

na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), oferece novamente sua perspectiva

na tentativa de compreendermos a subjetividade:

A subjetividade lateja no coração dos sujeitos, em sua maneira de perceberem o mundo, de articularem-se com o tecido urbano, com os processos de trabalho, com a ordem social suporte das forças produtivas. Ela não pode ser definida como um être-lá, como uma instância do domínio de uma suposta natureza humana. Ela se mostra como efeito de variadas máquinas de subjetivação que operam como dispositivos de agenciamentos coletivos, estruturantes de lógicas capazes não só de consolidarem-se como sistemas de idéias e representações, mas também de esculturar corpos, gestos e desejos. Mais do que ao plano racional, a constituição da subjetividade pertence ao domínio do não-saber e da desrazão. Fundando-se nos obscuros caminhos do inconsciente, a subjetividade antes de ser individual, é coletiva, social e histórica, e relaciona-se com o mundo que a gera tal como uma fita de Moebius, apresentando enervantes continuidades entre o fora e o dentro. Cultivada de forma tácita, a subjetividade constitui-se em uma espécie de processualidade constante e se expressa como afetos, como diferentes expressões de como somos afetados pelo mundo. A subjetividade, nessa acepção, tem o sentido de ethos que é abrigo, morada (FONSECA, 2002, p. 24).

Ferreira (2000) acredita que, para alcançar uma síntese inovadora das visões dicotomizadas da

subjetividade, será necessário considerar primeiro o sujeito como uma síntese de múltiplas

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determinações dialeticamente construídas; depois, o sujeito não se separando do objeto na

práxis social; e que o inconsciente faz parte do real, enquanto objetividade e subjetividade

simultaneamente.

Finalizando essa seção que persegue a compreensão do que seja subjetividade, encontramos

na perspectiva de Edgar Morin uma resposta a essa quase impossibilidade de entendimento:

Explicar não basta para compreender. Explicar é utilizar todos os meios objetivos do conhecimento, que são, porém, insuficientes para compreender o ser subjetivo (MORIN, 2001, p.51)

2.2 Mobilização da subjetividade no contexto organizacional.

Os traços, impulsos e talentos que o mercado pode utilizar-se são impelidos (com freqüência prematuramente) a desenvolver-se, depois sugados desesperadamente até não sobrar mais nada; tudo mais que existe dentro de nós, tudo o que não é comerciável é severamente reprimido ou murcha por falta de uso, ou nunca chega a ter a oportunidade de vir à tona. (BERMAN, 1999. p.43)

Para Aktouf (1996, p.9), a variável-chave do sucesso, hoje em dia, é a mobilização continuada

da subjetividade dos empregados, como repetem os novos “gurus” da administração e indaga:

“Mas como tal mobilização é possível sem que nada se mude radicalmente tudo aquilo que,

na forma tradicional de gerir, ia e continua indo, de encontro ao conceito de empregado-

parceiro?”

Na visão de Lafetá (2001) apoiada em Pagés (1987); Foucault (1977,1979) os meios mais

comuns de educar e disciplinar os trabalhadores devem ser programas de treinamento e

desenvolvimento de pessoal empreendidos pela gerência, tendo em vista a qualificação

técnica e teórica (conceitual e interpessoal) e comportamental de seus recursos humanos. A

autora reitera que as empresas contemporâneas investem sistematicamente em programas que

vão além do alvo produtivo, intencionam cultivar o trabalho em equipe. Uma nova escala de

valores vai emergindo, segundo a autora, a partir das modificações nos planos objetivos e

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subjetivos da empresa. Para ela, os empregados ganham dimensões que perpassam a condição

de “indivíduo e coletivo”, pois ao mesmo tempo em que cada trabalhador é incentivado a se

expressar como sujeito singular - delineado pela subjetividade - é considerado também como

sujeito coletivo, participando de uma “comunidade-empresa”, que, segundo a autora, é dotada

de valores e regras próprias e também “(co) responsável” pelo bom desenvolvimento da

empresa e da sociedade.

Para Corrêa (2001) a mobilização da subjetividade dos trabalhadores tem sido uma importante

estratégia no processo de modernização sistêmica que se instaurou e vem se consolidando nas

organizações brasileiras, no âmbito da reestruturação produtiva em curso no País há mais de

uma década. Para a autora, é uma estratégia organizacional, com diferentes intensidades e

configurações, presente desde os primórdios da industrialização, com uma dimensão

ideológica com o propósito de sustentar o sistema. Ela afirma que a mobilização da

subjetividade tem sido relevada na gestão de pessoas nas organizações contemporâneas,

viabilizando uma finalidade econômica, ao garantir qualidade de produtos e serviços, pela

inserção de tecnologias de produção automatizadas microeletronicamente.

A mobilização da subjetividade em sua dimensão de controle político pela formação ideológica no interior das organizações passou por uma mudança qualitativa importante: já não basta a adesão do coletivo de trabalhadores aos objetivos empresariais; impõe-se a sua integração à empresa, num esforço sistemático para se elidirem as diferenças e o antagonismo de interesses. Em outros termos, até pouco tempo, tratava-se de persuadir os trabalhadores industriais da necessidade da cooperação capital/trabalho, apesar da diferença de interesses existente e reconhecida como tal. Atualmente, o que se busca é o conhecimento de que a divergência não existe, ou seja, os interesses e objetivos são os mesmos, para os seus proprietários/gestores e os trabalhadores: a sobrevivência da organização num mercado altamente competitivo através da qualidade dos produtos e serviços, das melhorias contínuas de produtividade e de controle de custo (CORREA 2001, p. 269).

Novamente abrimos fala para Lafetá (2001) quando a autora afirma que é por meio da

subjetividade que os trabalhadores conseguem dar respostas às solicitações vindas do

ambiente de trabalho e da vida. Para ela, a “gerência participativa” pode ser vista como uma

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tecnologia de poder, que age na construção de relações pacíficas e consensuais baseadas nas

idéias de liberdade e autonomia do trabalhador. A autora considera essas “políticas” uma

forma estratégica para manter a qualidade do trabalho e atenuar as diferenças entre classes,

bem como para preservar o domínio da empresa. A gestão, no entendimento da autora, acaba

por “apostar na subjetividade do trabalhador” como forma de codificação de objetivos e

finalidades da produção, já que a dominação não se fundamenta somente em elementos

racionais.

Ehrenberg, citado por Lima (1996 p.36) acentua que é preciso mobilizar a cada dia as

mulheres e homens da empresa, sua inteligência, sua imaginação, seu coração, seu espírito

crítico, seu gosto pelo jogo, pelo sonho, pela qualidade, seu talento criador, de comunicação,

de observação, em suma, o autor, diz da mobilização da riqueza e sua diversidade;

completando: “somente esta mobilização poderá permitir a vitória num combate industrial,

que será cada vez mais áspero” .

Com a ajuda do marketing e dos meios de comunicação internos e externos, é disseminado todo um discurso baseado na exaltação de qualidades como cooperação, integração e criatividade..É desta forma que a gestão se coloca como estratégia. Procura a utilização de elementos culturais, sociais e psicológicos para a afirmação de sua legitimidade (LAFETÁ 2001, p. 66).

Davel & Vergara (2001), ao pesquisarem como a noção de pessoa é considerada nos textos de

Administração, encontraram a indicação de que as construções da noção de pessoa são

inseparáveis da representação da interioridade ou subjetividade. Nos saberes organizacionais,

o homem, a pessoa, a interioridade têm uma nova elaboração simbólica, que converge para

um indivíduo “multifacetado”, “integrado” e “flexível”: “o homo multiplex”. Segundo os

autores na p.48, no discurso organizacional podem-se encontrar, basicamente, três repertórios

de ideal de pessoa:

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a) a pessoa como um “ser múltiplo”, “multidimensional” e “polivalente” derivada do

repertório lingüístico da “mutação caleidoscópica”, capaz de articular as diferenças,

unir as múltiplas dimensões e congregar os inúmeros valores, tanto no “modo de ser”

da pessoa quanto em sua inserção no mundo, concebido como “uma totalidade

sistêmica e aberta”;

b) a pessoa como ser “integrado”, “criativo” e “intuitivo”, derivada da versão holística da

“mutação caleidoscópica”, que visa a superar dualidades implicadas na análise

racional e em informações intuitivas;

c) a pessoa como ser “flexível”, “aprendiz” e “inovador”, derivada dos repertórios da

“transitoriedade de mundos e mudança para o novo”, em que a “flexibilidade” e a

“aprendizagem” capacitam cada um a responder com rapidez e dinamismo às

necessidades impostas por um mundo incerto, colocado entre parênteses, sob

mudanças constantes. Para os autores, essas três referências à noção de pessoa, nos

textos recentes, produzidos pela Administração, sugerem que a subjetividade é, ao

mesmo tempo, uma força atuante e uma causa. Ela não se reconhece somente em um

“eu” individual, mas também em um “nós” e em uma intersubjetividade.

Rezende et. al. 1999 apontam duas correntes que abordam diferentemente a mobilização da

subjetividade no contexto organizacional:

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A partir dessa visão recente da estruturação de sujeitos do trabalho, a questão da subjetividade passou a se constituir em uma preocupação da Administração. Há que se levar em consideração que os estudos de Hawthorne apontaram para a importância da organização informal do trabalho, do papel dos grupos e da comunicação para a produtividade, mas a subjetividade no trabalho há bem pouco passou a ser encarada como uma das variáveis que interferem no processo organizacional. A vertente mais otimista pode afirmar que a preocupação com a subjetividade está relacionada à busca de um trabalho e de um trabalhador mais completo, menos alienado e mais integrado às necessidades organizacionais. Os pessimistas, por outro lado, podem encarar o movimento de entender e agregar a subjetividade das pessoas à organização como mais uma forma de dominação e expropriação do ser, do estar sendo no mundo (REZENDE et al. 1999, p. 92).

A partir da afirmação de uma das correntes da citação anterior, no qual a mobilização da

subjetividade vai ao encontro de um trabalhador mais “completo”, trataremos da seleção desse

indivíduo. Möller (2002), que segundo Heloani (2003) é um dos oito maiores “gurus”

mundiais em “qualidade”, afirma que é primordial perseguir o caminho excelente e preciso na

seleção de pessoal, encontrando pessoas certas que se constituirão na chave do sucesso da

empresa. Para este “expert” em programas de qualidade total, no futuro, as empresas

competirão entre si não apenas pelos clientes, mas também por recursos humanos

qualificados. O autor afirma que, em um mercado competitivo, se a empresa não tiver uma

cultura que estimule e “segure” os funcionários, eles trabalharão para o concorrente. O autor

expõe sua perspectiva sobre mobilização da subjetividade que é basicamente calcada em

desenvolvimento da “auto-estima”, acenando com táticas bem próximas do behaviorismo:

Muitos gerentes criam “missões” ou “visões” que não falam ao coração das pessoas, apenas ao cérebro. Os funcionários podem até responder “sim” a perguntas como “você julga importante a satisfação do cliente?”, mas isso não significa nada para eles. A gerência não entende que um funcionário precisa estar emocionalmente envolvido e acreditar que também vai sair ganhando para poder dar o melhor de si. É preciso tocar o coração das pessoas para que elas mudem. Há várias maneiras de reconhecer o trabalho das pessoas. Pode-se pagar mais, com melhores salários e cargos. Mas esse é apenas um caminho. O que precisamos saber é o que faz de alguém um vencedor ou um perdedor. A resposta é uma só: auto-estima e o fator que determina minha auto-estima é reforço, que é um termo da psicologia que significa qualquer tipo de atenção recebida (MÖLLER 2002, p. 101-102)

Ainda dentro da questão “seleção de pessoal”, Palmade (1989) citado por Lima (1996 p.94)

afirma que as empresas estratégicas, para melhor conceituar seu projeto, devem adotar uma

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política de contratação que funcione com “uma filtragem intensa”. Elas devem, segundo ele,

se assegurar da compatibilidade da personalidade dos recrutados com sua cultura. Talvez isso

explique o número de entrevistas, ressalta o autor, às quais os candidatos devem se submeter,

e a “maior vigilância quanto aos critérios de escolhas baseadas na personalidade e na opção

ideológica”.

Enriquez (2002, p.8), critica de forma “apaixonada”, como ele mesmo diz, a “famosa volta do

sujeito” às organizações porque nunca acreditou no seu desaparecimento e, de forma enfática,

questiona “essa cultura de empresa que certos “aprendizes-de-feiticeiro” creram poder

transformar numa série de variáveis suscetíveis de serem manipuladas”. Para ele, o novo

Capitalismo inventou um novo objeto idealizado: a empresa que tende a ser tomada por

“instituição divina”, porque somente a esta organização atribui-se a preocupação de produzir

o projeto de uma sociedade sempre em mutação. Para exercer este papel, inventou-se um

novo conceito: o de cultura de empresa. Para um empresário, continua o autor, desenvolver a

cultura de empresa tem por objetivo a constituição de um grupo sólido, de uma equipe que

funcione como um time de futebol, no qual todos caminham em busca de um mesmo fim, no

qual cada um tem seu lugar, e o chefe/gerente é o “animador”. Então, a cultura de empresa

torna-se, portanto, ao seu ver, o último chamariz enunciado pela organização capitalista para

aparecer como um ídolo ou um ícone, a idealizar ou mesmo a idolatrar, para captar, assim, o

entusiasmo de seus membros. As empresas tentam, consciente e voluntariamente, construir

tais sistemas imaginários como forma de conduzir o pensamento, de penetrar no espaço

íntimo do psiquismo e da subjetividade, e de induzirem comportamentos indispensáveis à sua

dinâmica. Corrêa (2004a) discute essas afirmações de Enriquez (2002) onde ele pontua que

“um novo conceito foi inventado”- o de cultura de empresa- para exercer o papel de produzir

o projeto de uma sociedade sempre em mutação no âmbito das organizações contemporâneas.

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Para a autora, o que Enriquez enfatiza nessa afirmação, “sem especificar isso e provavelmente

sem saber disso”, é uma de duas correntes existentes no campo da Administração sobre

cultura de empresa: a de que a cultura é uma variável que pode ser manipulada ou

administrada. A autora salienta que, entretanto existe uma outra perspectiva, que vários

autores sustentam, citando Carrieri (2001), onde a cultura de empresa é uma dimensão que

abriga os valores, crenças, costumes, os elementos culturais por assim dizer, presentes e

“operantes” em uma organização e que não podem ser ignorados caso se queira compreender

uma organização contemporânea ou não.

Enriquez (2002, p.17) fala da idealização que, segundo ele: “dita de outra forma, pela

substituição, junto a cada membro, de seu ideal do eu pessoal pelo ideal do eu da

organização”.

Assim, a empresa torna-se pólo de atração e de identificação de seus membros. A empresa de tipo estratégico (expressão do capitalismo estratégico) pôs em prática um chamariz imaginário, que tem por finalidade prender totalmente as pessoas (com sua razão, sua paixão, seu imaginário, seu inconsciente) nas malhas da organização, fazendo crer que, ao se identificarem a ela, ao renunciarem a seus próprios desejos, elas poderão receber em troca as satisfações que merecem. Pede-se, portanto, a cada indivíduo que se torne um “estrategista”, “um guerreiro”, “um ganhador”, “um combatente”, “um esportista”, capaz de adaptar-se a todas circunstâncias e ter como motivação o sucesso econômico do grupo e a anulação pessoal no interior de uma equipe coesa”. (ENRIQUEZ 2002, p.17-18).

Pagès (1987) constata que a organização imaginária ou idealizada invade o indivíduo e torna-

se parte dele. Ela adquire uma vida própria, relativamente independente da organização real e,

daí para frente, é através dela que o indivíduo se relaciona com a organização real, ao mesmo

tempo, o indivíduo defende-se contra sua angústia e sua agressividade, desenvolvendo,

segundo o autor, um desejo agressivo de onipotência e projetando esse seu desejo na

organização com a qual se identifica.

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Fonseca (1995) em suas considerações fala em deslocamento do senso da autocentralidade do

trabalhador para a organização:

Observa-se então, a mobilização da subjetividade como um mecanismo importante por inculcar no indivíduo a auto-regulação do modo de pensar, ver, sentir e agir alimentando-lhe a ilusão de centralidade de sua própria existência, vontade, razão e consciência.(FONSECA, 1995 p.54)

Lima (1996, p.165) descreve, no contexto da pesquisa que realizou numa grande e

conceituada organização, com três categorias de trabalhadores: os operários, os funcionários

de escritório e os gerentes, suas impressões ao testar e entrevistar a categoria dos gerentes,

analisando os discursos de alguns deles: “completamente impregnados pela ideologia da

empresa”. Ela reflete que a preocupação com a carreira é, em grande parte, o resultado da

capacidade dos gestores de se conformarem às normas, valores, crenças e idéias destiladas

pela empresa e, conseqüentemente, às políticas que as exprimem. Para a autora, existe uma

luta travada pelo gerente para avançar na sua carreira e esta luta é freqüentemente solitária, se

expressando não apenas na tentativa de adotar os novos comportamentos esperados pela

empresa, mas também na preocupação em retirar o máximo de produtividade do seu pessoal.

Ele espera, dessa forma, atrair a atenção da direção sobre seu setor. Isto explica, reitera a

autora, em grande parte, o fato de se encontrar no interior dessa categoria (os gerentes) a

maior freqüência do comportamento denominado por ela como instrumental, completando:

“para continuar a avançar no seu projeto de carreira, o gerente sabe que a adesão do seu

pessoal vai ser necessária e, para obtê-la, todos os meios são válidos”.

Pimenta (2004) distingue dois tipos de mobilização da subjetividade: a mobilização psíquica

defensiva, que se coloca certamente como um custo a partir dos esforços para ter, resistir e

fazer face às exigências do trabalho; e um outro tipo que é a mobilização psíquica ativa,

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projetiva, subversiva, que significa investimento criador e reformador dos trabalhadores. A

autora na p. 54 cita Zarifian (1993) que identifica o “trabalhador total”, o indivíduo integral

como aquele que reconcilia a existência objetiva e subjetiva, que faz da existência subjetiva

consciente o motor da existência objetiva. Para ela é quase um tipo ideal, chamando a nossa

atenção para o fato de que, a prática e o cotidiano na atualidade se constroem no primeiro tipo

citado (mobilização psíquica defensiva) e o discurso se funda no segundo tipo (mobilização

psíquica ativa); concluindo: “a mobilização designa, assim, os processos ativos de

centralização, de agrupamento e focalização das energias mentais, referindo-se também à

plasticidade afetiva desses processos” .

Pagès (1987) aborda como o indivíduo pode se “organizar interiormente” modelado pela

organização na qual ele trabalha:

O indivíduo está ligado á organização não apenas por laços materiais e morais, por vantagens econômicas e satisfações ideológicas que ela proporciona, mas também por laços psicológicos. A estrutura inconsciente de seus impulsos e de seus sistemas de defesa é ao mesmo tempo modelada pela organização, não apenas por motivos racionais, mas por razões mais profundas, que escapam à sua consciência. A organização tende a se tornar fonte de sua angústia, de seu prazer (PAGÈS,1987 p.38)

Fonseca (1997) ao revelar sua posição na luta de interesses entre trabalhador (subjetividade)

X empresa, denuncia um jogo mutuamente consentido:

A empresa pode ser considerada, portanto, como espaço social que, para além de um acontecimento tecnológico e econômico, inscreve-se na razão simbólica enquanto produtor e reprodutor dos sentidos associados à múltiplas categorias sociais. A dominação, portanto, inscreve-se tanto na objetividade das estruturas como na subjetividade dos agentes consolidando-se numa “circularidade terrível de relações”. Dominantes e dominados se legitimam de forma recíproca, estabelecendo lutas materiais e simbólicas pelos seus interesses diversos e pela hegemonia dos mesmos, mas, na maioria das vezes, desconhecem estarem suas próprias chances já inscritas, de alguma forma, na estrutura do próprio jogo com o qual consentem (FONSECA, 1997, p. 46)

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O mesmo jogo percebido e relatado por Fonseca (1997), é também descrito por Lima (1996)

dentro do contexto gerente/organização, porém as duas autoras concordam que são jogos

mutuamente consentidos:

Ao invés da “dominação psicológica da organização sobre o indivíduo” o que vemos é um jogo baseado numa correlação de forças, sem dúvida bastante desigual- o que reduz consideravelmente as chances do sujeito - mas não suprime sua autonomia. O fato de que alguns gerentes tenham se recusado a participar desse jogo é um indício disto.Além do mais, convém ressaltar que, na categoria dos gestores, encontramos um número relativamente importante de indivíduos cuja estrutura psíquica era suficientemente sólida para enfrentar as pressões impostas por essas políticas. Isto reforça nossa hipótese de que se esses sujeitos consomem e difundem a ideologia da empresa é também porque avaliaram a situação e decidiram participar do jogo proposto por ela. Esta decisão foi tomada, pelo menos em parte, em função dos benefícios que este jogo é suscetível de proporcionar aos que dele participam. Poderíamos questionar o caráter indubitavelmente ilusório desses benefícios, mas, dentro de um tal contexto é possível esperar outra coisa? (LIMA, 1996 p.187).

É pertinente, aqui, tomarmos um atalho para uma questão que nos instiga a partir das duas

colocações anteriores (Fonseca, 1997 e Lima, 1996), que é: por que o trabalhador adere às

propostas organizacionais mobilizadoras da subjetividade? Antes, porém é necessário

fazermos um parêntese, explicando que dentro deste contexto, a palavra adesão pode tomar

duas conotações: numa corrente mais crítica, encabeçada por Enriquez, Pagès, Fonseca, Lima,

Heloani e outros, o termo adesão tem o sentido de ligação do indivíduo à empresa

expropriadora, supondo ser ele seduzido para o lado organizacional, comprometendo sua

subjetividade. Outros autores, tais como Katzenbach (2002), Shinyashiki (2003), Dinsmore et

al.(2004) o usarão no sentido de decisão voluntária e livre de adotar as políticas da empresa.

Retornando à questão do assujeitamento ou à questão proposta por que o trabalhador adere,

Freud (1976) afirma que o indivíduo troca boa parcela de sua liberdade e felicidade pela

segurança de pertencer - ou se submeter aos ideais coletivamente sustentados. Lima (1996)

reitera que o gerente se vê freqüentemente sozinho diante da organização e de suas injunções.

Nesse caso, ele só pode contar com suas defesas, sistematicamente fragilizadas, devido à sua

história pessoal e à amplificação de suas dificuldades provocadas pelas exigências de

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“excelência”. A autora percebe que o gestor quer acreditar no seu poder, na sua autonomia e

se defende de uma tomada de consciência de sua real condição de sujeição, através de

movimentos de idealização de si mesmo que se traduzem, habitualmente, pela megalomania.

Dessa forma, ele camufla seu sentimento de impotência e oferece à empresa um terreno

extremamente fecundo para a adesão à sua ideologia, a autora questiona se não seria

introjeção. Ela constata que uma extrema fragilidade psíquica pode ser explorada pela

organização para o alcance de seus objetivos econômicos. Por outro lado e numa outra face da

moeda, emenda Lima (1996, p.187), o gerente obtém proveito dessa situação, pois, retira dela

benefícios tanto materiais quanto psicológicos. A autora conclui: “a posição que ocupa, apesar

de ser baseada numa ilusão de poder, contribui para manter um equilíbrio psíquico ainda que

precário. O sujeito se encontra, portanto, protegido de uma tomada de consciência de suas

fragilidades, mas ao preço da impossibilidade de transformá-las”.

Enriquez (1997b) associa a adesão dos trabalhadores às “políticas da empresa” ao fato desses

indivíduos “terem caído nas malhas” do imaginário enganador da organização. Nesse

“engodo” a organização lhes garante a capacidade de proteção do risco da quebra de suas

identidades, “pairando no ar” organizacional uma “garantia” contra a sensação de angústia

provocada pela vida relacional em sociedade. A organização “doa” couraças sólidas do

estatuto e do papel constitutivo da identidade social dos indivíduos e da identidade da

organização.

Em um outro trabalho de Lima (2001) numa seção que aborda a questão da manutenção do

emprego, ela cita o caso do Brasil, onde o desemprego estrutural é alto e constantemente

ameaçador, facilitando a adesão dos trabalhadores às políticas da empresa. Num país como o

nosso, onde o contexto socioeconômico oferece condições de trabalho precárias, reitera a

autora, as “empresas estratégicas” ao acenarem com condições muito superiores àquelas

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geralmente oferecidas, acabam se constituindo numa “ilha de excelência” e trabalhar em uma

delas acaba sendo percebido como privilégio do qual a pessoa não pode abrir mão: a única

alternativa, para a maioria dos empregados, é adaptar-se às “políticas” da organização.

Corrêa (2004a) sintetiza e completa essa discussão do porque o trabalhador adere às

propostas organizacionais mobilizadoras da subjetividade. Para ela Freud fala da necessidade

de pertencer, Lima aborda a questão da relação custo-benefício, vantagens e o desemprego, já

Enriquez, segundo a autora, focaliza a “astúcia e a manipulação das organizações”. Contudo,

de acordo com a mesma autora, uma outra explicação possível nos remete à questão política,

ao exercício do poder na nossa sociedade, onde poderemos lançar mão do conceito de

ideologia com base na síntese de Chauí por um lado, e de hegemonia, por outro, com base em

Gramsci e Baudrillard, onde esse analisa a nossa sociedade como “sociedade de consumo”.

O tema mobilização da subjetividade no contexto organizacional traz à tona também questões

como vida pessoal e vida profissional, excesso de comprometimento ao trabalho, vinculação

do tempo do indivíduo de forma quase integral à empresa. Assim sendo, Cristiane Correa

(2002, p 22-29), consultora e colaboradora da Revista Exame, aponta um dos paradoxos do

mundo dos negócios, onde as empresas cada vez mais procuram executivos que produzam

muito e que consigam conciliar a vida profissional com a pessoal. A realidade, para ela, é

diferente: as empresas são fábricas de “workaholics” (trabalhadores compulsivos). A matéria

da revista Exame cita uma conhecida frase do americano Lazarus, dita em 1948, quando ele

fundou a rede de varejo Toys “R”: “Se você quiser realmente ter sucesso, prepare-se para

deixar de lado suas horas de lazer e trabalhar depois das 6 da tarde e nos fins de semana”. A

autora da referida matéria classifica como “ingênuo” pensar que uma jornada de oito ou nove

horas diárias seja suficiente para impulsionar uma carreira nos dias de hoje, já que um dos

grandes paradoxos que assombram o mundo corporativo está justamente baseado no excesso

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de trabalho. Por outro lado, ela constata na p.22 que nunca se falou tanto em qualidade de

vida, exemplificando os dois pólos do paradoxo: “é um tal de aulas de tai chi chuan, sessões

de massagem shiatsu, feng shui para o escritório (decoração de origem chinesa para

“harmonizar” ambientes); e, na outra ponta desse “cabo-de-guerra”, há a realidade de uma

economia recessiva, uma corrida desenfreada por resultados; a tecnologia que traz para dentro

da casa dos executivos uma parafernália eletrônica (laptop, celular e computador de mão) que,

segundo ela, “nubla” os limites entre a mesa de trabalho e a sala de estar.”.

Na matéria, a consultora na p.23 perpassa essa questão: “Estamos condenados a nos tornar

workaholics se quisermos uma carreira de sucesso?” . Para ela, no mundo “ideal”, o modelo

proposto - e o que mais atrai as empresas americanas - é o chamado “atleta corporativo”. A

autora cita Rossi, a presidente da Isma-Brasil que se posiciona: “O atleta corporativo é alguém

capaz de produzir muito durante 12 horas por dia e, depois do expediente, conseguir se

desligar do trabalho e recarregar suas baterias”.

Para Groppel, citado na matéria, as empresas investem em atletas corporativos não por pensar

no “humano” ou para que os executivos levem seus filhos para passear, mas para melhorar o

desempenho deles e, claro, aumentarem a produtividade. A matéria cita que o aumento do

volume de trabalho nos últimos anos é universal. No Japão, conforme a revista, uma pesquisa

realizada em 1999 indicou que, em 12% das empresas com mais de 500 funcionários, a

jornada de trabalho supera 60 horas semanais. Esta é uma carga tão “violenta” que leva

muitos trabalhadores à morte, normalmente por ataque cardíaco ou derrame. O texto da

revista salienta que, num cenário como esse em que vivemos, a tentação de atravessar a linha

de dedicação saudável ao trabalho para se tornar workaholic é enorme; os aspectos

impulsionadores são o próprio ambiente corporativo e uma busca desenfreada pelo poder.

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Na visão de Heloani (2003), apoiado em Marx (1990), a produção capitalista, que é

essencialmente produção de mais-valia, ou seja, absorção de mais trabalho, produz com o

prolongamento da jornada de trabalho, não apenas a atrofia da força de trabalho, a qual é

“roubada” de suas condições normais, morais e físicas, de desenvolvimento e atividade. Ela

produz a exaustão prematura e o aniquilamento da própria força de trabalho.

Correa (2002 p.26), no contexto da matéria citada diz que: “nenhuma empresa gosta de ter em

seu quadro, um viciado em drogas ou em álcool, mas em trabalho...” , completando que

“workaholism” é problema mais bem-vestido do nosso século”.

Panarello, um empresário paulista, citado na matéria na p.29, diz que trabalhar só oito horas

por dia não leva ninguém para frente. Um outro empresário entrevistado diz que “Meus

subordinados pediram para eu “pisar no freio”, porque não estavam agüentando o tranco, e eu

respondi: azar o de vocês”.

Aqui cabe um aparte de Lima (1996) que constatou em suas pesquisas que uma das formas

que o gerente encontrou para lidar com as injunções organizacionais baseadas na “excelência

a qualquer custo”, foi reproduzir com seus subordinados o que lhe é cobrado “lá de cima”.

Adota-se o comportamento “perverso”, no qual o outro é quase sempre percebido como um

simples “instrumento” para o alcance de seus objetivos. E esses objetivos são idênticos aos da

empresa, pois o gerente, conforme já foi dito, apesar de seu extremo individualismo, deve

colocar os interesses da empresa acima de qualquer interesse pessoal. Esta é uma

contrapartida exigida pela empresa para permitir ao indivíduo o acesso a um posto de chefia.

A matéria da revista é dessa forma concluída:

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Agora, preparem-se para a última má notícia dessa reportagem: nenhum dos entrevistados workaholics ou “recuperados” acredita que poderia ter alcançado a posição que ocupa hoje na carreira se não tivesse colocado o trabalho em primeiro lugar. Nem mesmo quem enfrentou problemas de saúde ou familiares por causa do vício mostra arrependimento. Em bom português, como costuma dizer um dos mais requisitados executivos brasileiros, presidente de uma companhia da área de telecomunicações: “Se quiserem subir na vida vão ter de pisar na lama”. (Revista Exame nº 759, de 06/02/2002, p. 29).

Enriquez (1997a) enfatiza que a organização, ao oferecer os sentidos prévios para as ações

dos indivíduos e ao instituir-se como ideal do ego deles, prende-os nas malhas que ela própria

tece:

A adesão total à organização provoca uma tensão nervosa, um desgaste mental enorme, na medida em que cada um deve mostrar constantemente seu poder e sua força. O dia em que o herói estiver exaurido será colocado num desvio da estrada de ferro, licenciado, o que equivale à sua eliminação da vida social (ENRIQUEZ, 1997b, p. 25).

Para Sennet (2003), as lógicas que organizavam o trabalho: dimensão, hierarquia e tempo,

foram reestruturadas. Para ele, se antes havia concentração no processo produtivo, para a

economia de tempo, materiais e pessoas, hoje há dispersão num mundo cada vez mais global.

Na questão da hierarquia, embora o controle ainda esteja presente, as pessoas têm mais

autonomia de auto-regulação; e na questão do controle de tempo, o tempo rotineiro e

cronometrado do taylorismo desapareceu, deixando no lugar o tempo flexível do trabalho que

se expande para todos os outros tempos da vida. E o autor equaciona: se o tempo rotineiro e

cronometrado do trabalho no taylorismo pode ser degradante para a vida das pessoas, ele pode

também protegê-las na medida em que restringe o trabalho para dentro do tempo do trabalho.

Fleig (2003) corrobora essas intervenções e críticas, associando a busca do sucesso

profissional desmedido à adesão aos modelos atuais, sem questionamentos, por parte dos

funcionários:

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O mundo atual do trabalho pede uma dedicação tão intensa porque os regimes de sucesso perderam os seus contornos mais estáveis, nunca se pode saber se continuaremos na mobilidade ascendente. Não alcançar a fama e a notabilidade no trabalho é vivido (da mesma maneira que a não realização amorosa) como um sinal de fracasso e inabilidade pessoal. Não se questiona se o próprio modelo de sucesso é realmente viável ou mesmo que o sucesso tenha sido associado do modo mais instrumental possível à adesão sem questionamentos ao modelo atual. E ainda que o trabalho possa realmente representar a forma essencial de inserção e reconhecimento social, é possível questionar o real motivo de tanta dedicação e perseguição do sucesso no trabalho (FLEIG, 2003, p. 8).

Para Katzenbach (2002), autor de um livro chamado “Desempenho máximo - unindo o

coração e a mente de seus colaboradores”, afirma que o segredo do compromisso emocional

que os funcionários da “linha de frente” mantêm está na possibilidade de auto-realização.

Embora, afirma o autor, se possa incentivar o desempenho por meio da intimidação, da

insegurança e do “velho e bom gerenciamento por resultados”, não se pode alimentar a

expectativa de obter a “energia extra resultante de um compromisso emocional positivo” - a

não ser que os colaboradores realmente acreditem que o “toma-lá-dá-cá” de seu empenho no

trabalho seja equilibrado. Para o autor, as organizações que têm sido bem sucedidas ao

manterem o compromisso emocional em segmentos importantes de suas equipes de trabalho

acreditam com firmeza no valor do colaborador, atingindo o equilíbrio entre realização e

desempenho. Porém Lima (1996) apoiada em Heller (1977) relata que o trabalhador

representa para o capitalista um instrumento para o seu enriquecimento e quando o indivíduo

aparece nessas relações como o objetivo mais importante, é que o próprio fim está

subordinado à função de instrumento. Ou seja, completa a autora, “convém ser bom com seu

funcionário” para obter o máximo de sua capacidade de trabalho.

Lima (1996 p.167) afirma que o gerente adota com freqüência a mesma atitude manipuladora

que está na base das políticas praticadas pela empresa, não apenas porque esta atitude é uma

exigência do seu posto, mas também porque é através dela que ele consegue extrair o máximo

de trabalho de seus subordinados impulsionando, assim, sua própria carreira. É nesse

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momento que os interesses do gerente e os da empresa se identificam. O gerente não percebe

qualquer incompatibilidade entre seus próprios objetivos e os da empresa, o que permite

perceber sua forte identificação com a empresa e suas políticas. A extrema dedicação ao

trabalho, ressalta a autora, é outro meio utilizado pelos gerentes para conservar seus postos,

mas também para galgar os escalões da empresa. Além da perfeita realização de suas

atribuições, o gerente exige às vezes de si mesmo o abandono de todo o interesse pessoal em

favor da empresa. e a autora completa: ”um gerente deve ter uma dedicação à empresa que

transcenda a preocupação com seus próprios interesses, conformando cada vez mais às

normas e exigências dela” .

Para Lazzarato & Negri (2001 p.39), a prescrição do novo gerenciamento hoje obedece ao

seguinte refrão: “é a alma do funcionário que deve estar no posto de trabalho”. Para os

autores, os novos modelos de gestão querem a personalidade, a subjetividade dos

trabalhadores para serem comandadas e organizadas. Qualidade e quantidade do trabalho são

reorganizadas em torno de sua “imaterialidade”.

Nos posicionamentos seguintes, se estabelece um contra-ponto entre a visão de Katenzenbach

(2002), que recomenda a utilização do pensamento mítico que perpetua heróis e mártires, na

mobilização da subjetividade dos funcionários (o autor chama de “unir corações e mentes”

para o desempenho profissional), com as perspectivas de Schirato (2000) e Enriquez (1997a),

nas quais a mesma atitude é criticada e é indicativa de manipulação do inconsciente dos

trabalhadores através de um imaginário enganador:

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A maioria das pessoas está familiarizada com a trilogia “Guerra nas Estrelas”, que cativaram muitas. Luke, Kanobi e Vader usavam suas misteriosas espadas e invocavam a “Força” para vencer batalhas impossíveis e frustrar os esforços de dezenas de inimigos, sem mencionar cada um deles. A “Força” é uma fonte misteriosa de poder e energia especiais que somente o mestre Jedi, mago de 900 anos, transmitia ao jovem Luke. O mestre ensina que o segredo da “Força” consiste na realização e não na tentativa. Luke precisa dominar esse desafio e apoiar-se na “Força” para sobreviver e conduzir os bons à vitória. Considero essa trama da aventura especialmente cativante e imaginativa, estranhamente análoga ao que uma empresa precisa fazer para gerar fontes poderosas de energia. Elas são poderosas para produzir a coesão, o compromisso e o esforço adicional de um grande número de funcionários (KATENZENBACH, 2002, p. 192).

Na perspectiva de Schirato (2000, p. 59.), se a cultura organizacional é a projeção de um

conteúdo original imaginário em cima do qual “os filhos buscam proteção na figura de um pai

mítico” origina também do nosso imaginário a formação da organização de nossa realidade

quotidiana: a prioridade ao investimento patrimonial em detrimento do pessoal; os esquemas

de segurança muito mais voltados para a propriedade e para o capital do que para a pessoa

humana, exploração dos fracos pelos mais fortes, a tecnocracia instituída nas relações,

impondo modelos e solapando valores de convivência humana; a educação produzida para

discriminar, isolar, rotular, sobrepondo, na visão dela, a ciência e a tecnologia ao bom-senso e

à criatividade. Ela sintetiza que “nosso sistema e suas conseqüências desastrosas estão

legitimados pela representação simbólica que trazemos, mantemos e desenvolvemos em nosso

imaginário”. Enriquez (1997) reitera essa perspectiva:

A organização vai sobretudo produzir um sistema imaginário... Ela tem opção entre duas formas de imaginário: imaginário enganador e o imaginário motor. O imaginário é enganador, na medida em que a organização tenta prender os indivíduos nas armadilhas de seus próprios desejos de afirmação narcisista, no seu fantasma de onipotência ou de sua carência de amor, em se fazendo forte para corresponder aos seus desejos naquilo que eles têm de mais excessivos e mais arcaicos e de transformar os fantasmas em realidade (ENRIQUEZ, 1997a, p. 35).

Schirato (2000), dentro do mesmo viés, afirma que é pelo imaginário enganador que a

organização reproduz, em seus limites territoriais e sociais, a vida de cidadania e as relações

sociais de fora de seus muros. Para ela, responder pelo cargo de diretor ou gerente ou ainda de

líder ou supervisor, é profundamente reconfortante. E muitas vezes esses cargos ocupados são

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recheados de poder de decisão sobre a permanência, a demissão, a promoção e a punição de

um companheiro de trabalho - um subordinado. Aí, segundo ela, é fascinante brincar de deus

e decidir o destino dos outros, sentir-se poderoso, ser bajulado, temido ou adorado. Para

Katzenbach (2002) a relação empregado-empresa deve ser baseada na integração “coração-

mente” dos empregados a serviço da organização. A partir disso, ele enumera três categorias

que representam as fontes de energia mais marcantes e poderosas, (sendo a primeira e a

terceira categoria incentivadoras do imaginário), que os dirigentes consciente e

constantemente “deveriam” utilizar ou seguir para atingir o “desempenho máximo” de uma

equipe de trabalho:

1- Contratar líderes com magnetismo pessoal que têm sonhos impossíveis (indivíduos

excepcionais que captam a imaginação de grandes grupos de pessoas)

2- Atuar em mercados dinâmicos (condições imprevisíveis criadas por concorrentes

agressivos e clientes exigentes);

3- Partilhar, disseminar histórias e legados de realizações notáveis (perpetuando lendas, heróis

e mártires)

Com relação ao último item proposto acima, temos também as perspectivas de Palmade e

Ehrenberg, citados por Lima (1996) que analisam a utilização de modelos heróicos como uma

forma de favorecer a assimilação da promessa de uma recompensa imaginária a uma

recompensa real. Para eles, essas empresas difundem histórias e mitos que contêm valores

considerados a base da cultura da empresa e fazem parte de seu sistema de controle. Um dos

“heróis” da empresa, para os autores, é o patrão, que acaba sendo um mito cultivado. Dentro

desse viés, Katzenbach (2002) cita um depoimento de uma “executiva” de uma grande

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companhia que reitera sua visão que um “líder carismático” possui a capacidade de mobilizar

a subjetividade de um funcionário por inteiro:

Mas quando eu vim e conversei com John Tolleson (presidente do conselho) e Dick Vague da diretoria, [...] eles estavam falando sobre aspectos que me deixaram até mais entusiasmada. Eles eram dois dos líderes mais carismáticos, mais comprometidos, e visionários com quem eu iria trabalhar diretamente [...] trabalhar diretamente com eles realmente me atraiu, porque eram muito preciosos e concentravam-se naquilo que tentavam realizar [...] Realmente agradou-me a idéia de trabalhar para líderes com muita integridade e comprometimento, e eu quis unir meu destino a uma empresa como essa (WEST in KATZENBACH, 2002, p.199).

Ao analisarmos a última frase de West citada por Katzenbach “quis unir meu destino a uma

empresa como essa” é importante reportarmos a fala de Pagès (1987) segundo a qual toda

organização se apresenta como eterna e as organizações hipermodernas elevam ao extremo

este sonho de eternidade, através de sua imagem de perfeição, de universalidade, de

totalidade, de sociedade completa, sem falhas.

Shinyashiki (2003) médico psiquiatra que se especializou em mobilização da subjetividade no

contexto empresarial, escreveu vários livros sobre o tema (considerados best-sellers) e entre

seus clientes estão empresas como TAM, Nestlé, Xerox, Goodyear, SBT, Pfizer, Banco do

Brasil, Unimed e tantas outras. Em seu livro “A revolução dos campeões” (2003, p.128), ele

relata que aproximadamente oitenta por cento dos programas de desenvolvimento que as

empresas se propõem executar, como qualidade total, empowerment e tantos outros, são

interrompidos em menos de seis meses, porque as lideranças falharam no trabalho de

conseguir o comprometimento de todos. Nesse ponto, ele evoca a figura do líder-gestor, que,

com suas próprias palavras “não precisa ser apenas bom, além de competente em seu trabalho,

ele tem de conscientizar toda a equipe sobre a importância do papel que cada um exerce na

empresa”. Para o autor, os “verdadeiros campeões” sabem “motivar”, orientar e acompanhar o

time. Cada vez mais, reitera Shinyashiki (2003, p.156), os líderes percebem que, além das

atividades clássicas do seu trabalho, é necessário gerar condições para que seus colaboradores

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obtenham êxito em suas funções, reiterando seu refrão: “Então está decretado o fim do meu

negócio é dinheiro ou do meu negócio é produção. O negócio de todos é produzir resultados

com seres humanos motivados”. Na perspectiva do autor, as “empresas campeãs” são

formadas por “seres humanos campeões”: pessoas conscientes, “motivadas”, treinadas,

competentes, participantes que “constroem vitórias”.

A partir do exposto, é pertinente introduzir a perspectiva de Lima (1996) na questão do “culto

ao campeão”. Apoiada em Peters e Waterman (1987) a autora revela na p.78 que nessas

“empresas campeãs” há uma obsessão pela “qualidade e performance superior” que são

devidamente impostas aos funcionários. Os autores citam inclusive uma fala do presidente da

IBM: ”eu suponho que uma tal convicção evoque a mania de perfeição e todos os horrores

psicológicos que a acompanham, mas perseguir esta meta estimula sempre o progresso”. A

autora constata que o “gerente campeão” é descrito como um indivíduo “zeloso ou fanático” e

toda a atividade e confusão aparente que podemos observar giram em torno dos “campeões

motivados” e da preocupação em fazer sair do “rank o inovador potencial”, e de promover seu

desenvolvimento e sua realização, mesmo ao preço de uma “ligeira loucura”. Ainda baseada

em Peters e Waterman, a autora descreve os “gerentes campeões” como “fanáticos pelo

detalhe”, funcionando como pastores evangélicos que “pregam a verdade”. A partir dessa fala

de Peters e Waterman, no qual gerentes campeões funcionam como pastores evangélicos que

pregam a verdade, a afirmação que se segue parece coadunar-se com essas idéias. Shinyashiki

(2003) fala da capacidade da organização em “acender a luz interna do indivíduo” tocando a

alma e a essência dele:

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Gerentes e líderes fazem muitos cursos, atualizam-se, mas poucos procuram conhecer a fundo o mais importante: gente. E o mundo é formado por gente. Somente os profissionais que realmente conhecem o ser humano têm chance de êxito permanente. Muitas pessoas, à medida que vão sofrendo “acidentes de percurso” vão perdendo o brilho inato, a luz. Príncipes que se transformam em sapos, diamantes cobertos de lama. Mas príncipes sempre serão príncipes e os diamantes são eternos. A empresa campeã é capaz de acender esta luz. Ela sempre encontra novas formas de manter os colaboradores motivados. É importante tocar a essência dos seres humanos e atingir a alma das pessoas (SHINYASHIKI, 2003, p. 160-161).

Na visão de Rezende et al. (1999), o processo de mobilização da subjetividade no contexto

organizacional é bem mais complexo do que aparenta. Para esses autores, delimitar as

fronteiras da subjetividade, seja incorporando, seja estimulando, seja criando, é um

movimento que envolve riscos de ordem não apenas psicológica. Eles ponderam que as

“regras do jogo” não são claras, tampouco os resultados que podem surgir das tentativas de

gerenciar “o que há de mais íntimo” nas pessoas, levantando a questão: os gestores de RH,

atualmente, apresentam-se preparados para lidar com esse tipo de gerenciamento? O risco de

não o estarem é que o empirismo pode levar a conseqüências “desastrosas” e a rupturas ainda

maiores do que a gestão calcada na objetividade apenas.

Para Heloani (2003) o funcionário é levado à identificação com a organização (processo

transferencial), onde todas as relações pessoais e sociais são apropriadas de suas

particularidades mais abstratas, para se submeterem a uma outra “gramática” mais

instrumental: a da produção e do lucro. É a lógica empresarial, naturalmente desconectada da

subjetividade de cada funcionário e tentando modelizar uma outra mais adequada às políticas

da empresa, que exerce seu poder mediante contradições, isto é, põe lado a lado, de forma

positiva e ambígua, “vantagens” e “restrições”. As primeiras são ostensivamente alardeadas,

segundo ele, num “chamariz atrativo para cooptar todos os esforços do trabalhador”: salários

elevados, promoções, benefícios e distinções; já as “restrições” têm uma formulação implícita

no tocante às exigências constantes de subordinação e dedicação à empresa que o trabalhador

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deve ter. O autor denomina esse processo de “manipulação do inconsciente”. Ele resume,

dessa maneira, sua visão da mobilização e conseqüente apropriação da subjetividade do

trabalhador pela organização:

Essas gramáticas inconscientes apropriaram-se das virtudes dos trabalhadores como atenção, persistência e dedicação, entre outras, e, num processo de incorporação, as representaram como um produto da organização. Retoma-se assim a fusão afetiva empresa-mãe (protetora) que se identifica com o trabalhador, fruto direto da empresa, numa lógica em que a gestão dos códigos atinge o plano das representações. Dessa forma, implicitamente o trabalho subordina-se ao capital em três dimensões: afetiva, subjetiva e psicológica, A segurança é colocada ao lado do capital, da empresa protetora, que exerce todo um processo de controle para impedir que o trabalho tenha autonomia e possa desligar-se de seu domínio. A não ser em poucas funções, o capital quer inibir a maturidade política do trabalho. Parece não sobrar muito para discutir, exceto assuntos que aumentam, de forma direta ou indireta, as verdadeiras razões de tudo isso: a produção da mais-valia e o controle da subjetividade dos trabalhadores. (HELOANI, 2003 p.109-110)

Davel & Vergara (2001) afirmam que é preciso aprender que a gestão de pessoas não é um

simples conjunto de técnicas e instrumentos funcionais, estratégicos e políticos. Para eles, o

estudo, a pesquisa e o contato com a questão da subjetividade permitem ampliar o

conhecimento da atividade gerencial, não considerando os seres humanos como objetos e não

reduzindo suas relações somente à esfera da propriedade e da posse. Os autores destacam que

objetividade e subjetividade precisam estar razoavelmente equilibradas para que a gestão de

pessoas possa alcançar sua efetividade, sua coerência e consistência na criação sustentável de

recursos, serviços e produtos. Eles acentuam, ainda, o papel dos gestores, que são, como eles

argumentam, “cada vez mais desafiados” a atuar de forma reflexiva, sensível e consciente,

para lidarem com pessoas e com as sutilezas de suas relações num ambiente socioeconômico

cada vez mais permeado pela complexidade, pela fragilidade, pela efemeridade e por variadas

contradições. Pimenta (2004) encaminha sua fala no sentido de chamar a atenção,

corroborando o que já vem sendo afirmado por outros autores, para o fato de que as técnicas

de gestão se prolongam até o psiquismo individual, produzindo conseqüências sobre a

integração e ação autônoma do indivíduo enquanto sujeito. Para ela, o trabalhador é

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concebido como um “ser total” sobre o qual se debruça eficazmente a empresa. O discurso da

organização como um corpo vivo, onde a sobrevivência da empresa é a sobrevivência de cada

um, acentua, readquire força e significado. A autora reitera que essa noção, espécie de

reorientação mental, torna-se possível pela associação da noção de sistemas, homens e

máquinas e da representação da tecnologia como uma extensão biológica. A objetivação do

homem é percebida, salienta Pimenta (2004, p.55), como o triunfo da subjetividade, o

comando do indivíduo sobre os objetos e instrumentos que se integram a ele, que, por sua vez,

os integra em sua totalidade. Esta individualização faz aparecer o trabalhador como ator,

sujeito ele mesmo de seu salário, de sua carreira. Apoiando-se em Castoriadis (1990), a autora

afirma que este pretenso individualismo é somente a máscara de outras composições e

distintas manipulações do social. A gestão, segundo a autora, ao reconhecer a dimensão

coletiva do processo de trabalho, orienta-se contemporaneamente para uma individualização

crescente das relações sociais, a individualidade torna-se assim um jogo. E conclui: ”a

tentativa de individualização das relações sociais aumenta o isolamento, a dependência e a

regressão, restabelece a ligação puramente pessoal e fragiliza consideravelmente a capacidade

reivindicativa dos trabalhadores”.

Após esses comentários, passamos a apresentar as práticas não-convencionais de

desenvolvimento gerencial mobilizadoras da subjetividade, que constituem objeto

privilegiado de nossa análise.

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2.2.1 Práticas não-convencionais de mobilização da subjetividade

Todo mundo sabe que a produção de subjetividade está sujeita a processos de poder que fazem com que as pessoas se alienem. Dizer que a alienação do trabalho é o consumo não traz nenhuma novidade... é um problema difícil, é muito duro e difícil de ser resolvido. É real esse poder capaz de produzir uma subjetivação alienada. (NEGRI, 1993. p. 43)

Para Corrêa (2004a) atualmente são utilizadas quatro estratégias organizacionais de

mobilização da subjetividade do coletivo dos trabalhadores: a) a participação ou gestão

participativa, por meio da formação de uma rede de grupos nas empresas, voltados aos

objetivos organizacionais; b) a formação profissional, tanto do ponto de vista técnico quanto

comportamental; c) a comunicação interna d) a aprendizagem organizacional - na afirmação

de Senge (1995), dentro das organizações que aprendem, as pessoas continuamente expandem

sua capacidade de criar os resultados desejados. Assim, ao mesmo tempo em que novas

maneiras de pensar são cultivadas, as ambições coletivas prevalecem e as pessoas aprendem

umas com as outras. Senge (1995) descreveu cinco disciplinas que, juntas, constituem os

ingredientes principais de uma organização que aprende: 1) pensamento sistêmico; 2) domínio

pessoal; 3) modelos mentais (“virar o espelho para dentro”); 4) visão compartilhada; 5)

aprendizado em equipe.

A autora reitera seu posicionamento, ao afirmar que essas quatro estratégias mencionadas

utilizam diversas práticas, tais como reuniões, cursos, seminários, boletins, caixas de

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sugestões, etc. Corrêa (2004a) afirma que a distinção mais clara entre práticas não-

convencionais e convencionais de desenvolvimento de gestores está no enfoque

intelectual/racional das práticas convencionais contrapondo com a intenção da

mobilização emocional dos participantes que é o cerne das práticas não-convencionais.

Para a professora e consultora citada, os processos educativos de qualidade, que mobilizam a

subjetividade, estão centrados no “aprendiz” e não no professor/consultor ou na instituição.

Todas as práticas educativas (socializadoras) só se configuram como educativas, salienta a

autora, “se e na medida em que mobilizam a subjetividade”. Corrêa (2004a) reitera que é

necessário debater essa questão sem uma atitude maniqueísta: todas as práticas de

mobilização da subjetividade são “más” (porque são manipuladoras e aberrantes e voltadas

para os objetivos organizacionais), ou são boas porque obtêm a adesão e o comprometimento

do empregado, logo, voltada para os objetivos da organização e do Capitalismo.

Já Enriquez (2001) enfatiza que, nos novos modelos de gestão, nos quais é necessário

mobilizar ao máximo a subjetividade dos funcionários para que dela se extraiam os

componentes humanos essenciais para as estratégias competitivas das organizações (arrojo,

tenacidade, enfrentamento, atrevimento, “motivação” plena, etc) são utilizadas práticas as

mais inusitadas e “aberrantes” possíveis, como ele mesmo adjetivou. Porém Corrêa (2004a)

contrapõe afirmando que nem todas as práticas educativas adotadas pelas empresas são

“aberrantes”, manipulativas só porque visam a produtividade e o lucro, argumentando que

enquanto estivermos num regime econômico capitalista, os investimentos organizacionais em

práticas educativas terão por finalidade a produtividade/qualidade, logo a acumulação e

valorização do capital.

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Essas práticas não-convencionais mobilizadoras da subjetividade são geralmente focalizadas

para gerentes, supervisores, executivos de alto escalão e poder de decisão. Elas funcionam no

estilo Workshop1, utilizando recursos e técnicas de teatro, artes marciais orientais, exercícios

de desenvolvimento da “inteligência emocional”, treinamento em Programação

Neurolinguistíca-PNL; provas de “fé” no controle e força da mente como caminhada nas

brasas sem queimar-se e ”os executivos são fechados em caixões” para fortalecerem sua

coragem. Já outras práticas utilizam os esportes radicais no sentido de “colar/copiar” (numa

linguagem usada na informática) essas experiências ao ambiente já frenético do Capitalismo.

As técnicas de esporte radical utilizadas são: rapel (descer com cordas de altas cachoeiras);

canoagem (descer de canoa por rios com fortes correntezas); body-jumping, que é pular,

amarrado a cordas superelásticas, de lugares como viadutos, pontes, árvores; tirolesa, que é

uma travessia aérea por cordas ou cabos de aço com uso de polias especiais, cintos de

segurança, capacetes e luvas, aproveitando um vão ou desnível apresentado pela geografia de

um vale ou uma árvore bem grande, levando o praticante a lançar-se num vôo panorâmico.

Existe uma modalidade de esporte radical denominado cavernas; prática esta em que o grupo

explora o ambiente rupestre, um mundo diferente e inusitado, exercitando a criatividade, a

percepção, o autoconhecimento e a intuição. Essa “aventura” leva o participante a refletir

sobre sua auto-imagem, além de responder aos sentimentos interiores, e induz a uma analogia

direta com seu comportamento diante de cenários organizacionais/mercadológicos altamente

imprevisíveis (MANCE,1998; ENRIQUEZ,2001; RIBEIRO, 2002; DINSMORE, 2004).

1 A palavra workshop é traduzida como grupo de trabalho de forma condensada. Ela foi criada na Califórnia – USA, nos

anos 60 no Instituto Esalen, uma espécie de balneário, num dos lugares considerados mais bonitos do planeta, na Costa Oeste, entre San Francisco e Los Angeles, chamado Big Sur. Localizado num penhasco, com fontes naturais de água quente, cachoeiras e tudo isso de frente para o Pacífico. Criado para ser um ashran (centro de meditação), porém se fixou como um centro de terapias integradas para pessoas que trabalhavam durante a semana. Lá, ofereciam cursos: Fritz Perls (da Gestalt-terapia), Abrahan Maslow, Rollo May, Ida Rolf, Carl Rogers e muita gente que fazia um trabalho de vanguarda nos USA na década de 60-70. * Detalhe: eles não trabalhavam para empresas. As pessoas se inscreviam e iam para um desenvolvimento pessoal e individual. (FEITIS, R.(org.)-Ida Rolf fala-São Paulo,Summus Edit,1986. p 28-33)

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Para Steinberg & Masagão (2002, p.17), existem relatos de práticas de fins de semana, em que

os funcionários são instalados num resort de primeira classe, com todas as comodidades

possíveis, onde usam em tempo integral a camiseta com o emblema da empresa. Nessas

atividades de mobilização são conjugadas palestras de “motivação” com momentos de prazer

como: sauna, massagens, ofurô (banho de imersão japonês), shows com gente famosa,

comidas sofisticadas e caras, etc. Segundo os autores, durante todo o tempo, paira no ar um

discurso velado: “Olha o que a empresa está te (me) proporcionando”.

Um relato considerado mais radical e consoante com o termo “aberrante” utilizado por

Enriquez (2001) é narrado na Revista Carta Capital de 15/5/2002 p.16:

Francisco de Souza (o nome é fictício), 27 anos, é executivo de uma multinacional. Ele foi convocado por sua chefia para participar de um treinamento de desenvolvimento gerencial. Conta que respondeu a 5 mil perguntas, durante quatro dias. E, entremeadas a esse turbilhão de perguntas, havia algumas do tipo: - Sua mulher já se masturbou? Se a resposta for “sim”, quantas vezes por semana? O que você acha disso? - Você tem nojo de suas próprias secreções? E das de sua mulher? - Você já brincou de enterro? - Você sonha com o diabo? Porém, esse treinamento gerencial não parou aí no questionário. De posse desse perfil íntimo, os responsáveis pelo treinamento, através da sua chefia imediata, o “convidaram” a passar uma semana (com outros que passaram pela prova inquisitiva) numa fazenda afastada da cidade. No dia-a-dia daquela semana, todos os “podres” detectados nas respostas “eram jogados na cara da pessoa” na presença de todos, inclusive do presidente da empresa. E o relato do participante continua: “chegou-se a ponto de se questionar diretamente o presidente da empresa por que aquele funcionário cheio de defeitos foi contratado. Isso diante de todo mundo, inclusive do próprio funcionário”. E o resultado disso? “Ele relata que o máximo que viu de resultado foram algumas pequenas cumplicidades reveladas entre as pessoas que lá conviveram, nada além disso”.

Corrêa (2004a) ao tomar conhecimento desse tipo de prática descrita, afirmou

veementemente, que nem todas as práticas mobilizadoras da subjetividade recorrem à

manipulação, ao “espetáculo” e ao desrespeito, sem falar no exótico. Para a autora é muito

importante deixar bem claro que existem práticas mobilizadoras da subjetividade norteadas

por outros critérios, concluindo: ”é necessário fazer essa distinção entre as práticas, porque do

contrário arriscamos jogar fora o bebê, junto com a água do banho”.

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Porém, a partir das observações de Lima (1996, p.176) em “empresas estratégicas” chegou-se

à conclusão que a relação estabelecida entre a organização e os empregados é essencialmente

“perversa”. Na pesquisa da autora, os sujeitos cujo modo de estruturação psíquica já é

“perverso” terão muito mais facilidade de se adaptar a esse contexto. Isto permite

compreender a maior presença desse tipo de personalidade no grupo de gerentes. A

personalidade perversa é freqüentemente descrita como aquela de um indivíduo

“mistificador”, “farsante”, que falsifica a realidade sem deixar transparecer qualquer

sentimento de culpa. O perverso é um indivíduo, continua a autora, que não nega a realidade,

mas a utiliza para finalidades estritamente egoístas, funcionais, instrumentais e calculadas. As

articulações utilizadas por esses indivíduos inclusive para “subir na carreira” não estão longe

dessas descrições. A autora, que utilizou com esses indivíduos um teste de personalidade

denominado TAT (teste de apercepção temática de Murray), observou que mesmo alguns

gestores que não apresentaram traços significativos de perversidade, acabaram adotando

comportamentos dessa natureza, devido ao fato de ser a única forma de sobrevivência nesses

contextos. Ela acena com essa possibilidade ao afirmar: que “poderíamos levantar a hipótese

de que essas políticas de “administração de pessoas” não apenas amplificam esse tipo de

comportamento, entre aqueles que já estão dispostos a adotá-lo ao entrar para a empresa,

como também o impõe entre aqueles que não estão, de início, inclinados a adotá-lo”. A autora

descreve, como exemplo disso, um caso de um gerente por ela investigado, no qual foi

aplicado o referido teste de personalidade. Nesse teste não apareceu traço significativo de

perversidade e a entrevista dele foi, segundo ela, aquela com o discurso mais impregnado de

teor perverso. Lima (1996) apoiada em Heller (1977) considera a vida cotidiana “se

alienando” à medida que a função instrumental começa a dominar a cena de nossas relações

humanas, isto é, quando a relação sincera com o outro começa a desaparecer ou desaparece

completamente em prol da relação instrumental. Lima (1996) conclui que os dados fornecidos

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pelos gerentes corroboram sua análise, pois colocam em evidência que as relações são

construídas sobre a desigualdade, isto é, é instaurada uma relação de

superioridade/inferioridade, onde instrumentalismo e a instrumentação do outro se tornam

praticamente inevitáveis.

Existem outros relatos de práticas não-convencionais com uma marca de “técnicas de

management de ponta nos EUA” que, no final de “tudo”, terminam com uma ou mais músicas

emocionantes, e os participantes são estimulados a se abraçarem, chorarem feito crianças e até

a sentirem, por alguns momentos que são todos irmãos. Mas, em termos de sofisticação e

custo (são caríssimas!), existem as práticas mobilizadoras da subjetividade, chamadas

“sobrevivência na selva” (que sugere ser uma inadequada metáfora do cotidiano

organizacional). Essas práticas não-convencionais costumam ser realizadas na África do Sul,

Amazônia, Pantanal, etc. Para os executivos convidados é uma honra essa participação, por

causa do preço e da “estrela na testa” que essas práticas têm de que elas são o que há de mais

arrojado/avançado em termos de tecnologia de desenvolvimento “pessoal” de “líderes

empresariais”. Primeiramente, eles fazem um curso “teórico” de sobrevivência básica e após

serem considerados “aptos” são deixados com a roupa do corpo na selva, partindo-se da

premissa de que eles saberão não só encontrar água, vermes comestíveis de pau podre

(riquíssimos em proteínas), frutos, como “fazer fogo”, proteger-se das feras, etc. (LIMA,1996,

RIBEIRO, 2002; STEINBERG & MAZAGÃO, 2002;).

Dinsmore et al. (2004), falam sobre da Técnica do TEAL- Treinamento Experiencial ao Ar

Livre (outdoor training), que são práticas desenvolvidas por ele e sua equipe para “educar

gestores” que são, segundo suas palavras, “uma ferramenta que transforma o comportamento

humano e produz resultados imediatos na vida pessoal e profissional de cada participante”.

Para o autor, essas técnicas ao ar livre, quando conjugadas com uma sólida didática e hábil

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facilitação e alinhadas com as metas da organização, preparam pessoas e equipes para tempos

de mudanças e, conseqüentemente, impulsionam as organizações em direção a seus propósitos

e resultados. O autor afirma em seu livro que o dado mais importante, do qual o destino de

uma empresa depende mais, é a qualidade do desempenho humano. Ele revela na p.18-19 que,

“pesquisas quantitativas e qualitativas, objetivas e subjetivas”, evidenciaram que os

programas de treinamento ao ar livre são melhores para construir equipes bem sucedidas do

que as lições convencionais passivas em salas de aula. Ele cita uma pesquisa da Revista T&D

(Treinamento e Desenvolvimento) segundo a qual, participantes de treinamentos

convencionais e não-convencionais, sete meses após os mesmos, revelaram que o treinamento

não-convencional é 53% mais eficaz que o treinamento convencional e esta mesma pesquisa

revelou que 58% dos participantes sentem que as empresas vão se encaminhar cada vez mais

para treinamentos mais “ousados”. Ele finaliza afirmando que a referida pesquisa mostrou que

os treinamentos não-convencionais aumentaram em 20% a produtividade e eficácia entre os

participantes. O autor, na p.18 afirma: “se os gregos revolucionaram a cultura, os romanos, o

sistema jurídico, e os ingleses, a indústria, foram os americanos que promoveram a revolução

nos negócios, permitindo que pessoas, empresas e nações gerem mais riqueza e melhorem sua

qualidade de vida”. Em seu livro, o autor na p.35 usa uma frase de efeito que é profundamente

reveladora do objeto de nossa pesquisa: ”Com o TEAL as forças internas de pessoas e

empresas são libertas”. (grifo nosso)

Pode-se observar que o propósito de mobilização da subjetividade dos participantes tem o

objetivo de repassar à empresa o potencial resultante destas práticas e, corroborando essa

idéia, temos uma fala mais enfática do autor onde ele diz na p.35: “o sistema de treinamento

ao ar livre parte da idéia de que é preciso criar situações vivenciais análogas às enfrentadas

para alcançar os objetivos da empresa, para que, com base nessas vivências, os participantes

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encontrem respostas comportamentais necessárias”. Para ele, essas práticas estimulam as

potencialidades por meio de desafios crescentes, ensinam a vencer o medo, e a valorizar o

trabalho em equipe. Além disso, com essas atividades, capazes de unir o corpo e a mente,

barreiras são quebradas, sentimentos vêm á tona, soluções são encontradas e desafios são

vencidos. Um dos principais objetivos desse método, segundo o autor na p.37, é levar os

participantes à reflexão e à consciência de que todos possuímos dentro de nós uma grande

fonte de conhecimento e de respostas. Ao enfrentar os desafios dos exercícios,

“Encontramos Recursos Interiores que nem Imaginávamos Possuir”(grifo do original).

Em seu discurso, o autor pontua que o treinamento “ao ar livre” tem o poder de imprimir, de

forma memorável, novos conceitos sobre relacionamento humano e gerenciamento

organizacional, e toda a experiência passa a favorecer o relacionamento entre pessoas no dia-

a-dia da empresa. Ele conclui afirmando que tudo isto está “fundamentado pelas mais

modernas premissas de administração de empresas e recursos humanos”. Ele informa que os

seminários são realizados em hotéis de quatro ou cinco estrelas situados em belas regiões

turísticas, com excelente nível de conforto. Ele assevera que as sessões iniciais começam em

sala de aula, salientando que o “tom do consultor é relaxado, sem aquelas imposições

discursivas e os axiomas de manual tão comuns nos seminários convencionais”. O autor diz

serem esses seminários, em sua maioria, destinados a gerentes, chefes de departamento,

diretores, e assessores de alto nível, afirmando também que, “temos que nos lembrar de que a

qualidade mais importante da nova empresa é o sentimento de equipe, necessário para

promover os interesses dos clientes”. Ele reafirma também que as equipes deverão guardar

como denominador comum a “filosofia cultural” da empresa, sendo que a razão de todos

estarem ali é o desejo da empresa de motivar as equipes para integraram-se e tornarem-se

mais dinâmicas, enfatizando: “O Teal faz com que as pessoas descubram que são capazes de

ousar muito mais do que estão acostumadas” Tudo isto, continua Dinsmore (2004) torna o

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grupo mais forte na busca de seus objetivos maiores, explicando que esses conceitos aplicados

à vida da empresa, facilitam o exercício da liderança em todos os níveis, aumentam a

produtividade geral, diminuem as falhas operacionais e ajudam a evitar conflitos internos.

Algumas práticas não-convencionais utilizadas pelo método Teal: *(Reproduziremos as

instruções conforme estão descritas no livro, inclusive os grifos. p.55-68)

a) Calha

Descrição: O grupo deve levar algumas bolas para um único balde com o auxílio de calhas.

Objetivos dessa prática: trabalho em equipe; cooperação; e determinação no alcance de

resultados.

O grupo deve se unir, cada um segurando um pedaço de calha para formar um escoadouro e

fazer com que uma seqüência de bolas, metáfora das vendas da empresa, possa rolar

livremente até cair dentro de um balde, metáfora do “negócio fechado”. Acontece que as

calhas unidas formam apenas um quinto da trajetória até o balde e cada integrante da equipe

deve correr com seu pedaço de calha para prolongar o escoadouro assim que a bola passa. Às

vezes, no meio da trajetória, o balde é subitamente transferido de lugar, obrigando o grupo a

reorientar a formação do escoadouro. Nessa linha de montagem, um erro individual pode, a

qualquer momento, comprometer o trabalho, e a vigilância de todo o grupo ajuda cada um a

não falhar na sua missão. No exercício, existem várias funções que vão sendo

automaticamente preenchidas por pessoas com mais habilidade naquela tarefa. Por meio de

experimentações, a equipe vai se organizando sem um líder formal. No início, o jogo vira o

caos, um verdadeiro deus-nos-acuda, mas, à medida que cada participante encontra a posição

em que melhor atua, as vendas- isto é, as bolas- começam a cair no balde do “negócio

fechado”... com uma facilidade cada vez maior !

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Conceito: Cada pessoa deve conhecer todo o processo produtivo da empresa, concentrar-se

naquilo que sabe fazer melhor e empenhar-se com as suas bolas...(desculpe)...como se sua

vida dependesse do resultado das bolas.

b) Queda Livre

Descrição: Em uma plataforma a 1,5 m. do chão, o participante deverá jogar-se de costas para

sua equipe, que terá de formar um colchão para recebê-lo.

Objetivos dessa prática: Confiança extrema, tomada de decisão, planejamento e

implementação em situação de risco e qualidade na execução.

O grupo organiza-se com cinco pessoas, ombro a ombro, de um lado, e cinco pessoas do outro

segurando os braços em pares, formando uma rede de salvamento. Cada membro do grupo

por sua vez, vai subir na bancada, voltar-se de costas e deixar o corpo cair nos braços da rede

de segurança. É um exercício difícil, porque, em lugar de cair reto, como convém, a tendência

das pessoas é dobrar a cintura e cair sentado, o que prejudica o resgate.

Conceito geral dessa prática: Você é obrigado a romper o hábito de só deixar o seu corpo cair

em lugares seguros, que você possa ver. Nesse momento, você está entregando a sua

integridade física ao grupo e aprendendo a confiar na capacidade da equipe de segurá-lo. O

sentimento de equipe ganha um grande reforço depois dessa atividade.

c) Badalando

Descrição: Escalar uma árvore de cerca de nove metros, apoiando em pedaços de madeira

fixados ao tronco. Ao final da escalada, o participante deve subir na plataforma instalada no

alto da árvore e saltar para voltar para o grupo.

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Objetivos: Aceitação de desafio, autoconfiança, colaboração, incentivo da equipe e tomada de

decisão.

É um exercício experiencial em que cada membro do grupo escala uma árvore e procura bater

um sino ao se lançar de uma altura de nove metros (com a ajuda de técnicos e de equipamento

de rapel). Depois de vestir o equipamento de segurança, você começa a subir a árvore,

primeiro por alguns lances de uma escada de corda e, depois, agarrando-se a pitocos de

madeira pregados ao tronco. Lá em cima, a nove metros do chão, você fica em pé sobre uma

pequena plataforma, numa situação aparentemente precária, e começa a viver o drama do

”vou ou não pular”. Em preciosos segundos, quebram-se enormes barreiras internas. O

estímulo da equipe, o apoio moral de todos os que já pularam e dos que ainda vão pular, é um

incentivo poderoso para superar seus próprios limites. E, então você pula, tentando, de

passagem, dar um tapa no sino! Dificilmente você conseguiria chegar a esse grau de emoção

numa sala de aula convencional. Na verdade, não se consegue nada parecido somente

estudando teorias da superação e liderança, sentado numa cadeira, entre quatro paredes.

Conceito dessa prática: Você pode mais do que pensa....Mas só sabe disso depois de ter

experienciado o seu limite. Alargar as fronteiras da sua vivência faz de você uma nova pessoa,

mais segura de si e mais confiante na sua equipe e na solidariedade humana em geral.

Experimente uma vez, e você não esquecerá jamais!

Após uma prática como essa, o facilitador conduz uma análise experiencial voltada para a

eficácia do grupo diante dos desafios. Essa análise experiencial feita em grupo funciona como

esvaziamento psicológico, estabelecendo-se relações diretas com a dinâmica do grupo no

cotidiano na empresa. Avaliam-se as situações que ocorreram durante a prática com as que

ocorrem no ambiente de trabalho, analisando se exercem influência sobre as metas e os

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resultados propostos. Nessas atividades ao ar livre, em que situações de risco são simuladas

de forma extremamente criativa, o corpo e a mente de cada participante sofrem um forte

impacto. A cada prática, consolidamos a nossa própria idéia de quem somos e quem são

nossos colegas. Com o planejamento prévio, definem-se propósitos, durante a execução,

percebe-se como as habilidades de cada um podem ser utilizadas, e, no final de cada etapa,

Cresce o Senso de Equipe.

d) Campo Minado

Descrição: Com os olhos vendados, cada participante deverá percorrer uma área demarcada e

cheia de obstáculos, utilizando-se de referenciais fornecidos pelo cenário externo.

Objetivos: Clareza e manutenção de propósitos organizacionais; utilização do cenário externo

(mercado) como referência para a ação e comunicação.

O grupo se reúne em um gramado onde um “campo minado” que foi demarcado com uma

série de objetos espalhados no chão: copos, tampas de panela, tênis, ferramentas, envelopes, e

outros elementos, que representam perigo e não devem ser tocados. A equipe fica dividida em

dois grupos, um de cada lado do campo minado, e o desafio é vendar os olhos de um membro

de cada lado para que ambos atravessem o campo sem tocar nenhum dos objetos, muito

menos esbarrar em outro membro da equipe. As únicas orientações que os “cegos” recebem

são dicas de seu grupo, que está autorizado a comunicar-se verbalmente com eles. Se, por

acaso, um “cego” esbarrar em alguma das “minas”, terá de voltar atrás e começar de novo. O

objetivo dessa prática é cada membro do grupo experimentar a inversão das posições, sendo,

em um momento, aquele que vê a solução e orienta o caminho, e, em outro, o “cego” que

necessita das instruções de quem permanece na margem do campo. O grupo tem um tempo

determinado para planejar o exercício. No início, a travessia vira um pandemônio de gritos

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das equipes e dos “cegos” apavorados no meio da confusão, mas se os grupos “sacarem” a

solução correta para o problema, ele será resolvido dentro do tempo concedido.

Conceito dessa prática: Sem entender o desafio, desenvolver um plano, definir metas,

controlar, avaliar e aperfeiçoar o processo, não há projeto que dê certo. A identificação dos

papéis, a visão compartilhada e a execução disciplinada não podem ser substituídas por

entusiasmo, gritos e desordem.

e) Fuga

Descrição: O objetivo é reunir a equipe que está dividida em três grupos ocupando espaços

diferentes. Todos têm os seus pontos fortes e fracos distintos, porém devem superar tais

dificuldades respeitando as condições de contato em cada subgrupo. A cada grupo são

atribuídas limitações de comunicação, visão e locomoção específicas.

Objetivos: Comunicação interna e externa; liderança situacional; planejamento; diversidade

de visões; pontos fortes e fracos; e quebra de paradigmas.

São formados três grupos que irão ocupar três “ilhas”, que são quadrados delimitados por

cordas e afastados cerca de cinco metros um do outro. O primeiro grupo, o dos Mudos, não

pode falar, mas sabe as regras da atividade. O segundo grupo, os Cegos, pode falar, mas seus

membros estão com os olhos vendados e não sabem o objetivo da prática nem que é na ilha

deles que estão as tábuas que abrirão passagem para a fuga. O terceiro grupo, os Pernetas,

cujos participantes têm as pernas amarradas, enxergam, podem falar, mas também não sabem

o objetivo do exercício. Só os Mudos sabem que todos os três grupos devem se reunir na sua

ilha, com a utilização das tábuas que estão na ilha dos Cegos, mas só podem se comunicar por

gestos, já que são mudos. Como sair dessa encrenca absurda em que todos estão tolhidos por

alguma insuficiência desconcertante? Os três grupos têm vinte minutos para a saída e

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deslanchar a operação da fuga. Os Mudos devem se comunicar por gestos com os Pernetas

que, por sua vez, dão ordens verbais aos Cegos, que, seguindo suas instruções, colocam as

pranchas no chão em direção aos Mudos. Quando os Cegos conseguem fazer a ponte de

tábuas para desembarcar na ilha dos Mudos, é preciso que estes, comandados pelos Pernetas,

façam uma nova “ponte” para resgatar os Pernetas, que irão precisar da ajuda dos mudos para

atravessar a ponte construída pelos Cegos.

Conceito dessa prática: Em toda a empresa, por mais organizada que seja, haverá momentos

em que a situação está tão crítica que parece não haver saída. Mas o fato é que a maioria das

situações tem saída, desde que as pessoas tenham a mente preparada para superar obstáculos e

trabalhar em conjunto, cada um utilizando o melhor de si.

O Teal estimula o gosto pelo desafio, reforça a autoconfiança e a disposição para o trabalho

em equipe, incita a agilidade do raciocínio, a vontade de inovar, a capacidade de liderar, a

humildade para obedecer, a iniciativa para tomar decisões e a aptidão das pessoas para

desenvolver um “senso de responsabilidade” que possa converter mudanças conjunturais em

negócios, a chave do sucesso da Nova empresa. Em menos de três dias de convívio, todos

esses profissionais, em suas respectivas atividades, transformaram-se. As mudanças são

grandes. Sempre rolam lágrimas na despedida e trocas de telefones de casa. O Teal é uma

vivência que fica marcada na mente e na memória do corpo para toda a vida, e, depois de tudo

que aconteceu, você sabe exatamente o que significa Confiar em alguém.(grifo do autor). O

velho grupo do escritório transformou-se em equipe! A empresa fortaleceu-se! E a música

adequada para esse momento de despedida, cantada no final do evento pelos participantes, é

“What a wonderful world”. (DINSMORE (org.), 2004. p.55-68).

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Fonseca (2004) ao analisar essas práticas, afirma que esta questão de testar os sujeitos, em sua

coragem e resistência para enfrentar desafios, indica uma inscrição naquilo que ela denomina

“biopolítica contemporânea” que ao “contrário daquela situada no contexto disciplinar que

Foucault acentuou em seus trabalhos como “disciplina, adestramento e docilização dos

corpos”, essas práticas parecem buscar controlar e capturar além dos corpos. Em sua

perspectiva, a autora utiliza o termo “vampirizar”, ou seja tenta-se roubar a própria vida do

trabalhador,”lá onde ela (a vida!) pulsa e luta para se expandir e se reinventar”. Para ela o que

deve ser problematizado ao abordar criticamente essas práticas é o fato do capital hoje não

apenas requerer habilidades técnicas para um cargo ou função e sim o que se demanda é o

próprio sujeito em sua “potência de vida”, em seu modo de existir, modelizado e descartado.

Apresentamos na seqüência, um resumo de um encontro denominado “Brasil-Negócios” que

indica ter como intenção ”motivar” e mobilizar líderes gerenciais dentro dessa perspectiva

que estamos estudando e criticando.

2.2.2 “II Brasil Negócios”

Houve um encontro de líderes gerenciais - num resort de luxo - Angra dos Reis, 2002, e esse

é um resumo de um artigo escrito por Steinberg e Masagão (2002) sobre esse evento,

intitulado “Yes, nós temos motivação - pérolas e impressões colhidas numa viagem ao

eletrizante mundo da nova cultura gerencial”, publicado na Revista “Carta Capital”, edição

maio 2002. Os autores desse artigo, Gustavo Steinberg (mestre em Ciências Sociais e co-

roteirista) e Marcelo Masagão (cineasta) presentes neste encontro, foram colher entrevistas e

impressões de Mobilizadores da subjetividade e Mobilizados para a realização do longa

metragem: 1,99- “Império da Nebulosa”, filme que pretende discutir a Gerência na

modernidade. De acordo com o texto, o evento custou R$3.720,00 por pessoa, com

hospedagem, pensão completa, com direito a dez palestras de “motivação e gerenciamento”

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durante quatro dias. Segundo os autores a intenção deles em participar desse evento era a de

verificar a pertinência ou não dessa tão falada sociedade de gerentes das empresas

hipermodernas com vistas a captar falas, pensamentos, atitudes (dados) para o longa

metragem que estão produzindo. Já a intenção dos participantes, segundo eles ouviam nas

dependências do resort, era “viemos para nos motivar”. O encontro contou com 700

participantes: diretores, empresários, gerentes de pequenas, médias e grandes empresas.

Este “Brasil-Negócios” é considerado o maior encontro empresarial do país, segundo o artigo

da Revista Carta Capital. No texto, os autores relatam as idéias principais de três palestras,

entrevistam alguns palestrantes e colhem dados, impressões e sentimentos de alguns

participantes. Segundo Steinberg e Masagão (2002, p. 15), nesse pequeno pensamento

transcrito, a seguir, do palestrante Roberto Shinyashiki (psiquiatra, autor de vários best-sellers

e coordenador de práticas mobilizadoras da subjetividade), já está dada a dimensão da

gerência moderna: “Os nossos profissionais foram educados embaixo da cultura da ditadura,

onde o grande barato era mandar. O importante agora não é que alguém mande. O importante

é que a coisa seja feita”. O tema da palestra de Shinyashiki foi “Você é alma do negócio”,

onde ele expôs suas idéias de como ele concebe o novo gerente:

Não se trata mais do antigo gerente de banco ou supermercado, cercado de funcionários e tarefas burocráticas, o novo gerente deve ter em mente os planos estratégicos da empresa, falar inglês e espanhol (no mínimo), ser rápido para resolver problemas sem se dirigir ao seu superior. - antes de tudo: amar muito, muito, muito o seu trabalho; - além da fetichização das marcas, cada vez mais onipotentes, hoje é necessário fetichizar o trabalho, dar-lhe um sentido de missão; - o bom diretor passa a ser apenas um gerente mais experiente: mais importante que mandar, agora a alma do negócio é dividir responsabilidades, algo assim: não quero funcionários, quero sócios. (SHYNIASHIKI apud STEINBERG; MAZAGÃO, 2002, p. 15).

Os autores colhem impressões dos participantes sobre essa palestra e ao entrevistarem Osni

Scotton, proprietário de um restaurante de luxo em São Paulo, ouviram o seguinte: “Não

existe mais hierarquia, em todos os níveis a busca é a mesma” e em seguida ele faz uma

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emenda em seu discurso igualitário: “A hierarquia está nos salários” (STEINBERG;

MAZAGÃO, 2002, p. 15). Os cineastas continuam: “a pressão da competição por parte de

uma mão-de-obra excedente e “altamente qualificada” obriga os gestores a uma vigília

permanente. A ausência de um chefe claramente definido reforça essa exigência. Diante da

dúvida sobre a quem exatamente se deve prestar contas, os níveis de adrenalina mantêm-se

elevados. Talvez seja por isso que vários participantes relataram já terem tido síndrome do

pânico. Será esta a doença típica dos novos gerentes? Um diretor de empresa confidenciou,

que “só há duas coisas que a ‘gerentada’ não pode saber de jeito nenhum: os planos de

demissão e as ações mais ousadas do departamento financeiro”. A hierarquia social, a

participação ou não na decisão de demitir colegas e o sigilo sobre as audácias dos

departamentos financeiros pareciam não incomodar aquela platéia. Todos estavam ali para “se

encher de motivação” (STEINBERG; MAZAGÃO, 2002, p. 15).

Os autores sintetizam a palestra de Leila Navarro (fisioterapeuta de profissão), que vem se

dedicando a palestras e workshops de “motivação e alto astral”, incluindo terapia da

gargalhada: (1) a regra é que não há regras. Isso é o que há de mais moderno; (2) não

podemos prescindir da ética, que é a palavra chave desse milênio. Os autores foram perguntar

para Shinyashiki, o que seria essa ética do novo milênio. Ele respondeu: “ética é estar atento

para aquele momento, viver a verdade daquele momento. A ética nasce dessa consciência.

Porém, não se pode falar de ética, porque está todo mundo dormindo”. Após ouvir

Shinyashiki, os autores se perguntaram como despertar as pessoas. Parece-nos, argumentam,

que a palestrante Leila Navarro sabe a resposta, porque em sua palestra, ela repetia o seu

refrão preferido: “Gente é ... e todos completavam num poderoso uníssono - prá vibrar!”

(STEINBERG; MAZAGÃO, 2002, p. 15). Os autores citam mais entrevistas com os

participantes, como essa no terceiro dia do Encontro, realizada com Maria Luisa de Moraes,

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gerente nacional de vendas da Uniodonto do Brasil, que vestia um vestido vermelho. Ela

relatou aos entrevistadores que ficou tão emocionada com a palestra e os conselhos de Leila

Navarro que, ao acordar naquela manhã, se vestiu de vermelho para se sentir mais “poderosa e

animada”. Com outros participantes, os autores introduziram o conceito de ócio criativo e

produtivo de Domenico de Masi e propuseram que o ócio improdutivo seria melhor que o

produtivo. Segundo eles, alguns entrevistados chegaram a ficar irritados: - “Trabalhar menos,

ter tempo para refletir, angustiar-se com as questões profundas e filosóficas da vida ou mesmo

não fazer nada? Nem pensar!” (STEINBERG; MAZAGÃO, 2002, p. 16).

Os responsáveis pela matéria solicitaram a Mônica Garcez, diretora de RH da Petróleo

Ipiranga que criasse um slogan, a partir da afirmação de um dos palestrantes de que

deveríamos ter um para nossa vida íntima e um outro para nossa vida profissional, no que ela

respondeu: - “tenho um único: ‘Mulher Maravilha’”! O motivo: ela trabalha doze horas por

dia, gerencia os filhos, as duas empregadas e o tempo livre com o marido (STEINBERG;

MAZAGÃO, 2002, p. 16).

Segundo o artigo, Luiz Marins é considerado o conferencista da área “motivacional-

gerencial” mais requisitado do Brasil e assim os autores resumem sua palestra no evento em

questão:

• é preciso ter saúde mental muito forte para equilibrar vida privada e vida profissional;

• não há mais como separar claramente a vida pessoal da vida profissional;

• a empresa “tem de invadir”. Mas os autores completam: “Mas tudo indica pelo

depoimento dele e dos outros, que a mente forte é aquela disposta a deixar sua privacidade

ser invadida pelo trabalho” (STEINBERG; MAZAGÃO, 2002, p. 17).

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Os autores da matéria relatam que é difícil identificar os valores da própria sociedade

enquanto se vive nela. Foi necessário quase um século e meio para que Max Weber

conseguisse colocar de forma clara que na proposição “tempo é dinheiro” (de Benjamin

Franklin) estava contida uma ética protestante que seria, por sua vez, um elemento

fundamental para a estruturação do “Capitalismo”. Weber, segundo os cineastas-

pesquisadores, em seu livro “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, tem essa

perspectiva:

o que é pregado aqui não é uma simples técnica de vida, mas sim uma ética particular, cuja infração não é tratada como uma tolice, mas como um esquecimento do dever. Esta é a essência do problema. O que aqui é preconizado não é mero bom senso comercial - o que não seria nada original-mas sim um ethos.E o que está sendo preconizado de acordo com os autores, por essa nova cultura gerencial é um ethos, palavra que nada mais é, no campo da ação, do que um sinônimo para a palavra motivação. (STEINBERG; MAZAGÃO, 2002, p. 17).

Expondo suas percepções pessoais sobre o evento e relatando outras situações de participantes

emocionalmente mobilizados pelas palestras, os autores afirmam: “A paranóia entendida

como motivação para a mudança constante não é uma tolice tirada dos livros de auto-ajuda. É

um dever que está sendo cobrado pela sociedade hoje, mesmo que se tenha sucesso, mesmo

que esteja tudo bem. - “É tudo ou nada” - bradou alguém na platéia, que se identificou como

João Cinco Pontes de Safena”. João, 70 anos, começou a demonstrar que aprendera a lição da

conferencista Leila Navarro de “que não se deve ter medo do ridículo”, tirando a camisa sob

aplausos eufóricos do público”. Com essas impressões os autores concluem o relato da

experiência de terem participado de um Encontro de Mobilizadores da subjetividade e

Mobilizados: “Regimes totalitários não nascem da noite para o dia. Eles vão se articulando

sob os olhares de todos. Alimentar os sonhos totalitários do mercado é uma brincadeira

perigosa. Não contem com nossas gargalhadas diante do que vimos” (STEINBERG;

MAZAGÃO, 2002 p.17.)

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CAPÍTULO III

3 PESQUISA DE CAMPO REALIZADA

3.1. A METODOLOGIA

3.1.1 Tipo de pesquisa

3.1.1.1 Abordagem

A abordagem utilizada nesta pesquisa foi do tipo qualitativa, pois buscou dados através de

entrevistas semi-estruturadas com uma amostra reduzida, abordando aspectos subjetivos,

vivenciais, objetivos “ocultos” e discursos velados.

Na opinião de diversos cientistas sociais, conforme Oliveira (2002), existem situações que

envolvem conotações qualitativas em pelo menos três aspectos: 1) aquelas em que fica

evidente a necessidade de substituição de uma simples informação estatística por dados

qualitativos como, por exemplo, na investigação sobre fatos do passado ou em estudos sobre

grupos cuja informação disponível é escassa; 2) casos em que observações qualitativas são

usadas como indicativos do funcionamento de estruturas sociais; 3) aquelas situações em que

é importante o uso de uma abordagem psicológica, cujos dados não podem ser coletados de

modo completo por meio de outros métodos, tendo em vista a complexidade que a pesquisa

envolve - estudos dirigidos à análise de atitudes, motivações, expectativas, valores, opiniões,

entre outros.

Segundo Alves (1991), na pesquisa qualitativa o pesquisador é o principal instrumento na

investigação, na qual há uma necessidade direta de contato entre o mesmo e o pesquisado, em

função da natureza dos dados qualitativos, ou seja, descrições detalhadas de situações,

eventos, pessoas, interações e comportamentos observados; citações literais do que as pessoas

falam sobre suas experiências, atitudes, crenças e pensamentos; trechos ou íntegras de

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documentos, correspondências, atas ou relatórios de casos. Já Godoy (1995, p.62) ressalta a

diversidade existente entre os trabalhos qualitativos e enumera um conjunto de características

essenciais capazes de identificar uma pesquisa desse tipo, a saber:

• O ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador como instrumento

fundamental;

• O caráter descritivo;

• O significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida como preocupação do

investigador;

• O enfoque indutivo.

Concluindo, Bauer; Gaskell e Allum (2002) acentuam que a pesquisa qualitativa não

considera somente as interpretações das realidades sociais, mas também objetiva uma

categorização do mundo social, a análise em direção a questões referentes à qualidade e coleta

de dados, com uma estratégia de pesquisa independente. É igualmente significante, após o

levantamento, o direcionamento da análise de dados obtidos ou o embasamento da

interpretação com observações mais minuciosas. Finalmente, a pesquisa qualitativa deve

reforçar sua autonomia e credibilidade como método, por meio de procedimentos e padrões

claramente definidos.

3.1.1.2 Quanto aos fins

A pesquisa proposta, quanto aos fins, teve uma perspectiva exploratório-descritiva

combinados. Além disso, esta pesquisa vai além do descritivo, ela é analítica e

interpretativa. Segundo Goulart (2002), os estudos exploratórios-descritivos combinados são

aqueles que procuram descrever completamente determinado fenômeno, quer se trate de uma

unidade de comportamento, um estudo de caso ou um movimento social específico. Nesse

caso, não existe uma preocupação com a representatividade da amostra, já que na pesquisa

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qualitativa a amostra não precisa ser representativa (do ponto de vista estatístico), mas,

necessita ser significativa do universo que se está considerando. Os procedimentos da seleção

amostral são bastante flexíveis. Quanto ao uso de dados em estudos exploratórios, as

diretrizes envolvem a atitude adequada do pesquisador, o uso de procedimentos

recomendados para categorização e análise de uma quantidade bem delimitada de dados,

sejam eles quantitativos ou qualitativos. No tocante ao uso de dados, é importante o

pesquisador procurar identificar opiniões divergentes e discrepâncias, a fim de conceituar

adequadamente o fenômeno que está estudando. Os estudos exploratórios têm,

fundamentalmente, o objetivo de desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e idéias,

visando à formulação de problemas mais precisos e hipóteses pesquisáveis para estudos

posteriores. Baseiam-se na pressuposição de que pelo uso de procedimentos relativamente

sistemáticos, pode-se compreender melhor o campo de um fenômeno a respeito do qual se

conhece pouco, devido ao seu caráter desviante ou à sua novidade, isto é, à falta de outros

estudos sobre ele. As pesquisas descritivas têm como meta primordial a descrição das

características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre

variáveis (GOULART, 2002). A investigação exploratória é realizada em área na qual há

pouco conhecimento acumulado e sistematizado. Por sua natureza de sondagem, não

comporta hipóteses que, todavia, poderão surgir durante ou ao final da pesquisa. Quando

surgem no início da pesquisa, essas hipóteses são denominadas pressupostos (VERGARA,

1998).

3.1.1.3 Quanto aos meios

Do ponto de vista dos procedimentos técnicos ou quanto aos meios de investigação, de acordo

com Gil (1991), esta pesquisa se constituiu como um estudo de multicasos, já que o objeto de

observação foram as práticas não-convencionais mobilizadoras da subjetividade e os multi-

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casos foram as organizações, através dos consultores (contratados por elas) que aplicaram

essas práticas e dos gestores que as vivenciaram. Triviños (1987, p.133) define estudo de caso

como sendo “uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa

profundamente” e aborda multicasos como sendo um estudo, não essencialmente

comparativo, de dois ou mais sujeitos ou organizações.

Os estudos de caso enfatizam a “interpretação em contexto”. Um princípio básico desse tipo

de estudo é que, para uma apreensão mais completa do objeto, é preciso levar em conta o

contexto em que ele se situa. Assim, para compreender melhor a manifestação geral de um

problema, as ações, as percepções, os comportamentos e as interações das pessoas devem ser

relacionadas à situação específica onde ocorrem ou à problemática determinada a que estão

ligadas (LUDKE e ANDRÉ, 1986).

3.2 Universo e Amostra

De acordo com Vergara (1998), universo define toda a população. População amostral ou

amostra é uma parte do universo (população) escolhida segundo algum critério de

representatividade. Triviños (1987) afirma que a população e amostra devem ser claramente

delimitadas, da mesma maneira os objetos de estudo, os termos e as variáveis, os supostos, as

questões de pesquisa. Aqui, utilizamos a amostra não-probabilística e intencional, composta

por sujeitos escolhidos por determinados critérios. Nessa pesquisa utilizamos o critério de

acessibilidade, que leva em consideração a disponibilidade e abertura para a realização da

pesquisa. Os sujeitos dessa pesquisa englobaram dois consultores contratados pelas

organizações, que aplicaram práticas não-convencionais mobilizadoras da subjetividade e

quatro gestores que participaram dessas práticas. Segundo Vergara (1998), os sujeitos da

pesquisa são as pessoas que forneceram os dados de que se necessita. Às vezes, confunde-se

com “universo e amostra” quando estes estão relacionados com pessoas.

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3.3 Coleta de Dados

O principal instrumento da coleta de dados foi a entrevista semi-estruturada. Segundo Lakatos

e Marconi (2001), a entrevista é um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas

obtenha informações a respeito de determinado assunto, mediante uma conversação de

natureza profissional. É um procedimento utilizado na investigação social, para a coleta de

dados ou para ajudar no diagnóstico ou no tratamento de um problema social. Os autores

Lakatos e Marconi (2001) citam Goode e Hatt (1969, p.237), que dizem que a entrevista

“consiste no desenvolvimento de precisão, focalização, fidedignidade e validade de certo ato

social como a conversação”. Lakatos e Marconi (2001) trazem também a contribuição de Best

(1972, p.120), que afirma que “quando a entrevista é realizada por um investigador

experiente, ela é muitas vezes superior a outros sistemas de obtenção de dados”.

Podemos entender por entrevista semi-estruturada, em geral, aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do informante. Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo de pesquisa (TRIVIÑOS, 1987, p.146).

Para Triviños (1987), a entrevista semi-estruturada é um dos principais meios que tem o

investigador para realizar a coleta de dados. A entrevista semi-estruturada valoriza a presença

do investigador e oferece todas as perspectivas possíveis para que o informante alcance a

liberdade e a espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação. A partir dessa visão de

Triviños (1987) pode-se observar que essa forma de entrevista foi a mais indicada para esta

pesquisa. Trabalhou-se no sentido de recolher informações subjetivas, vivenciais, tentando

captar objetivos ocultos e discursos velados, já que esse método permitiu inserir alguns

tópicos de interesse no fluxo da conversa, segundo Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1999)

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As entrevistas foram gravadas, com permissão dos entrevistados, já que a entrevista gravada

tem a vantagem de registrar todas as expressões orais, imediatamente, deixando o

entrevistador livre para prestar atenção no entrevistado. O entrevistador já vai percebendo o

que é suficientemente importante para ser tomado nota e vai assinalando de alguma forma o

que vem acompanhado com ênfases, positivas ou negativas (LUDKE e ANDRÉ, 1986).

Utilizamos dois roteiros de entrevistas (modelos abaixo) que foram aplicados a todos os

entrevistados de uma determinada categoria, ou seja, um roteiro para os consultores que

aplicaram as práticas e um para os gestores que participaram delas.

Roteiro de entrevistas aplicado aos consultores contratados pelas organizações

1) Na sua visão, qual o novo modelo de gestão que se apresenta na contemporaneidade?

2) Como é o perfil do novo gerente?

3) Qual é a contribuição desse tipo de treinamento que o senhor coordena para os gerentes e

executivos desses novos modelos de gestão? Que “efeitos” o senhor intenciona causar neles

com esse tipo de prática?

4) O senhor poderia enumerar quatro ou cinco práticas que são utilizadas no seu treinamento e

a intenção de cada uma? Essas práticas aplicadas são selecionadas após um estudo da

organização que encaminhou os gestores?

5) Quais são os principais sentimentos que são mobilizados nessas práticas?

6) O senhor acha que é preciso separar vida profissional de vida pessoal?

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Roteiro de entrevistas aplicado aos gestores que participaram das práticas não-

convencionais

1) Você poderia me falar sobre sua trajetória profissional?

2) O que você vislumbra como futuro profissional? Que perspectivas você antevê?

3) Com qual expectativa você foi para esse workshop?

4) Como você acha que esse workshop pôde contribuir para seu trabalho?

5) Quais sentimentos você vivenciou nesse trabalho?

6) Quais foram suas impressões sobre o instrutor e o que ele te causou?

7) Esse workshop te instigou a fazer alguma mudança na sua vida pessoal e profissional?

Qual(s)?

8) Você poderia citar uma ou mais práticas que mais te impactaram? Por quê?

9) Como você separa a vida profissional da pessoal?

10) Quais habilidades e atitudes a sua empresa exige de você? Você se sente qualificado para

desenvolvê-las?

3.4 Tratamento e análise dos dados

Como é uma pesquisa eminentemente qualitativa, a análise dos dados foi realizada através da

técnica da análise do discurso, cujo objetivo é a busca da proximidade da verdade, ou seja, a

busca da intenção ou intenções verdadeiras por trás do discurso.

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Para Bauer, Gaskell e Allum (2002), a palavra discurso é empregada para se referir a todas as

formas de fala e textos, seja quando ocorre naturalmente nas conversações ou quando é

apresentada como material de entrevistas ou textos escritos de todo o tipo. Para Balalai

(1989), a análise do discurso é um processo de desmascaramento da palavra, numa busca da

verdade que se esconde atrás dela, uma denúncia do não-dito. Segundo Cabral (1999), a

análise do discurso na Administração ajuda na decomposição dos conceitos e ideologias

implícitos em cada teoria organizacional. Para Capelle, Mello e Gonçalves (2003), a análise

do discurso tem sido muito utilizada e tem se mostrado adequada para o trabalho com dados

qualitativos, principalmente quando se trata de identificações de relações de poder permeadas

por mecanismos de dominação escondidos sob a linguagem.

Na utilização da análise do discurso como estratégia de pesquisa no campo da Administração,

múltiplas são as abordagens possíveis. As características do material trabalhado e os objetivos

pretendidos são os elementos norteadores. Ao perseguir o desafio de construir interpretações,

a análise do discurso parte do pressuposto de que “um sentido oculto deve ser captado, o qual,

sem uma técnica apropriada, permanece inacessível”. A busca da significação oculta não

implica a crença num único sentido, em uma única verdade. O foco de interesse é a

construção de procedimentos capazes de transportar “nosso olhar” à compreensões menos

óbvias, mais profundas através da desconstrução do literal, do imediato. Assim sendo,

desvendando os mistérios da linguagem, rompendo a opacidade das palavras e das frases,

desvelando os segredos dos subentendidos, penetrando nos implícitos, do dito, essa análise

vem compondo um instrumental metodológico que, a partir do conceito de discurso, com base

em abordagens multidisciplinares (psicanálise, visão foucaultiana, lingüística, teorias

pragmáticas de Benveniste), permite compreender-lhe os sentidos múltiplos criados através da

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complexa trama de atores que o realizam. (CABRAL, 1999; MAINGUENEAU, 1997;

BALALAI, 1989).

Dados os objetivos propostos de “desmascarar” os implícitos, os silêncios, e pluralizar as

compreensões, o enfoque da análise do discurso alicerçado nas orientações foucaultiana,

psicanalítica e na teoria pragmática foram escolhidos como o tipo de análise de dados mais

apropriado para essa dissertação. Utilizamos também a interface da formação discursiva dos

entrevistados com os teóricos por nós estudados, principalmente aqueles de uma perspectiva

mais crítica (Enriquez, Lima, Heloani, Guattari).

Para Cabral (1999) o termo discurso tem sido utilizado com ampla liberdade em uma

variedade de contextos. Suas variadas acepções têm contribuído para dificultar a delimitação

do objeto de estudo da análise do discurso. Visando contornar esse dilema, a análise do

discurso, segundo o autor, tem tomado emprestado de Foucault (1969) o conceito de formação

discursiva que é um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e

no espaço que definiram em uma época dada e para uma área social, econômica, geográfica,

ou lingüística dada, as condições de exercício da função enunciativa. Segundo o autor,

Foucault (1969) prefere a expressão formação discursiva, que sugere que uma teoria ou

ciência nunca está plenamente desenvolvida; sendo assim, uma formação discursiva é o

processo de desenvolvimento e construção que, a partir de enunciados dispersos, forma um

discurso. O autor também cita Daudi (1986) que mostra que um conjunto de condições e

circunstâncias (as regras de formação) torna possível e regulamenta a formação discursiva. As

condições e circunstâncias que regulamentam a formação discursiva são: a) as superfícies de

emergência - indicam as esferas social, política, econômica e cultural em que a formação

discursiva aparece; b) as autoridades de delimitação - representadas por especialistas ou

instituições formalmente reconhecidos como competentes e legítimos para expressar opiniões;

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c) as matrizes de significação - para surgir, o discurso deve delimitar o seu território, ou seja,

ele deve declarar o que pode ser considerado como pertencente ao discurso e o que deve

permanecer de fora. A identidade do discurso é definida mais por seu território externo do que

pelo interno. Balalai (1989) afirma que estudar a frase e o discurso a partir de seu caráter

utilitário, ou seja, revelar o sentido pragmático dessa frase ou desse discurso, em função de

sua utilização pelo locutor, em um determinado contexto é a contribuição pragmática da

análise do discurso. Maingueneau (1997) nos conta que somente com as teorias dos atos de

fala, as chamadas teorias pragmáticas, foi que a análise do discurso inscreveu a atividade da

linguagem em espaços institucionais. A enunciação (como ato) que deu origem às teorias

pragmáticas, confunde-se com o próprio ato, já que o discurso é a língua assumida pelo

homem que fala na condição de subjetividade. Para o autor, na perspectiva pragmática, a

linguagem é considerada como uma forma de ação; cada ato de fala (por exemplo: batizar,

permitir, prometer, afirmar, interrogar, etc) é inseparável de uma instituição, aquela que este

ato pressupõe pelo simples fato de ser realizado.

Mais que passar informação, o objetivo do discurso é obter a adesão através da utilização da

linguagem como forma de persuadir, seja de forma conspícua ou não. Trabalhando o não-dito,

o latente, o implícito, o “discurso argumentativo faz-se sedutor”. Como a pragmática leva em

consideração o outro e o contexto (seu e do outro), a argumentação estabelece o discurso com

o outro no intuito de mudar esse outro. Desta forma, analisa o autor, o discurso, além de ser

um processo de comunicação e reconhecendo a relevância crítica da destinaridade, ele se

organiza como um processo intencional de ação sobre o outro. (CABRAL, 1999; BALALAI,

1989).

Dada a complexidade e a pluralidade do discurso em Administração, cuja expressão e

inspiração maior talvez seja o conjunto de teorias organizacionais que evoluíram ao longo do

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século, Cabral (1999), a partir disso, tece alguns comentários sobre a análise do discurso nesse

campo. A análise do discurso demanda no cenário da Administração, uma estratégia de

pesquisa metodologicamente sofisticada, capaz tanto de interpretar as mensagens explícitas

quanto de desvendar os sentidos ocultos, os silêncios, as omissões.

Balalai (1989, p.57) corrobora esse pensamento, afirmando que ainda que propugne uma

neutralidade científica, o discurso produzido pelas teorias, pelas propostas de ação, pelas

justificativas de esquemas organizacionais, esconde intenções não confessadas, ou não

“confessáveis”, trazendo no nível do explícito declarações “que se opõem às subjacentes e

que, se denunciadas pela revelação do implícito, apresentam intenções contrárias às

declaradas”.

Cabral (1999, p.8) salienta, entretanto, que a teoria organizacional, fonte e expressão

significativas do discurso da Administração, tem sido considerada como sendo

desincorporada, sem raízes, no sentido de que alguns setores negligenciam ou mesmo

ignoram, conscientemente ou não, não apenas a natureza filosófica dos problemas por ela

levantados, mas também a ideologia intrínseca aos pesquisadores que a geram. Assim sendo,

a ideologia geral na qual o pesquisador está inserido dita, direta e indiretamente, o conteúdo

do seu discurso. Conclui: “porém mais relevante do que despertar a consciência do viés

ideológico na percepção do mundo, é a possibilidade da desmistificação do discurso uma vez

que o mesmo, como demonstra Foucault (1996), não se assenta em verdades absolutas nem

universais, mas sim numa base frágil e arbitrária”.

Minayo (2000), também reforça alguns conceitos necessários à análise de discurso, como a

leitura e o silêncio, em que a análise do discurso, inclusive a análise do silêncio, envolve

múltiplas possibilidades de leitura e expressa relações; os tipos de discurso (lúdico, polêmico

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e autoritário), que resultam de determinado funcionamento específico e tipificam a atividade

de dizer e o caráter recalcado da matriz do sentido, zona inconsciente e zona pré-

consciente/consciente do sentido da fala que transcendem o sujeito na produção do discurso.

Em relação à análise de entrevistas, Martin (1990), citado por Peterson & Albrecht (1999),

afirma que se deve atentar para rupturas, contradições ou momentos em que o discurso do

entrevistado perde o sentido; interpretar as metáforas identificadas como uma fonte rica de

múltiplos significados, e examinar os silêncios e pausas, ou o que ficou subentendido. Em

adição, Sitya (1995) defende que é importante considerar, além do que foi externalizado,

também os significados implícitos naquilo que não foi falado, bem como os elementos

intertextuais do discurso. Cabral (1999) apoiado em Gitlin (1989) descreve a força do

discurso, já que modela comportamentos e delimita racionalidades, que visam tanto incluir

quanto excluir visões de mundo, padrões de ação, etc. Assim, continua o autor, o discurso

serve de instrumento de dominação, na medida em que aqueles que são dominados colaboram

com os dominadores ao tomarem como certo, como um dado, tanto o próprio discurso quanto

a sua definição da situação.

Uma certa compreensão do que seja a relação entre discurso e subjetividade estará sempre

presente, acionando e instrumentalizando as lentes e as escutas analíticas. A análise do

discurso se coloca como uma metodologia eficaz e factível para o trabalho investigativo de

desconstrução e reconstrução dos discursos, quer no circuito acadêmico, quer no circuito das

relações de produção e trabalho, tanto na esfera lingüística, quanto na esfera histórica-social e

política-ideológica. Ela torna evidente o fato de que o discurso pode funcionar como uma

“armadura” que se presta, a um só tempo, a um papel duplo de defesa e ataque, conforme as

exigências ou interesses da ocasião. Extrapolando a noção de discurso como armadura, pode-

se pensá-lo como uma estratégia sofisticada de delimitação de espaços sociais e intelectuais,

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uma estratégia de poder. Na luta pela hierarquização, dominação e busca de legitimação nos

estudos em Administração, o silêncio, a marginalização e a “subestimação tácita” são algumas

das estratégias principais comumente empregadas. Estas estratégias mascaram divergências e

forçam os ”leitores” a prestarem atenção aos silêncios, a lerem entre as linhas daquilo que é

publicado no esforço de decifrar o que está realmente sendo dito, e quais questões críticas

causam as exclusões ou impedem as interseções. (CABRAL, 1999; BALALAI, 1989;)

Em suma, a técnica da análise de discurso, que foi utilizada para tratamento dos dados obtidos

nas entrevistas ajudou na busca, na procura das verdadeiras intenções que estavam por trás do

discurso de quem aplicou e vivenciou essas práticas não-convencionais mobilizadoras da

subjetividade nos novos modelos de gestão.

3.4.1 Análise do discurso dos consultores contratados pelas organizações para aplicarem

as práticas não-convencionais de desenvolvimento gerencial

A palavra é uma roupa que a gente veste Uns gostam de palavras curtas. Outros usam roupa em excesso. Existem os que jogam palavra fora. Pior são os que usam em desalinho. Alguns usam palavras raras. Poucos ostentam palavras caras. Tem quem nunca troca. Tem quem usa a dos outros. A maioria não sabe o que veste. Alguns sabem e fingem que não. E tem quem nunca usa a roupa certa pra ocasião. Tem os que ajeitam bem com poucas peças. Outros se enrolam em um vocabulário de muitas. Tem gente que estraga tudo que usa. E você, com quais palavras você se despe? (MOSÉ, 2004. p. 22)

Achamos pertinente, nessa seção, na qual analisaremos o discurso dos consultores, buscar

subsídios para essa análise indo além das falas dos entrevistados, pesquisando também o

discurso deles em seus sites informativos, folhetos de propaganda, livros publicados.

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Trabalharemos nessa primeira categoria, com dois sujeitos, os quais chamaremos de C1 e C2;

ou seja consultor 1; consultor 2.

Consultor 1-sujeito C1

O sujeito C1 ressalta em seu site, como também em um dos capítulos de um livro sobre

práticas não- convencionais do qual foi colaborador e em sua entrevista que sua especialidade

é em gerenciamento de projetos e mudança organizacional. Neste citado livro (p. 30) de forma

“negritada” ele destaca a frase: Colocar as pessoas em primeiro lugar, porém em outra parte

desse mesmo livro que coube ao sujeito C1 existe uma chamada explicativa, funcionando

como um subtítulo que diz exatamente: “dicas de treinamento experiencial para

revolucionar os negócios”(grifo nosso). A partir disso, o “leitor” (o receptor do discurso)

questiona: O que é priorizado? São as pessoas, ou é a revolução dos negócios? Ou, como é a

relação disso? A partir da afirmação de Maingueneau (1997, 2004) na qual a corrente

pragmática da análise do discurso fala de um processo de intersubjetividade no centro da

semântica, onde o locutor tem a intenção de produzir um certo efeito sobre seu interlocutor e

ele deve fazê-lo reconhecer essa intenção. Tanto o site do consultor, quanto a capa do livro, as

contribuições do sujeito C1 nessa obra, parecem caminhar no sentido de “povoar” o

imaginário dos gestores, como enfatiza Enriquez (2001-1997a e b), num processo de sedução

de maior produtividade e maior usufruto do material humano. Para Cabral (1999), um dos

objetivos do discurso é obter adesão através da utilização da linguagem como forma de

persuadir, o discurso argumentativo “faz-se sedutor”. Na p.36 de seu livro o sujeito C1

trabalha com duas afirmativas, que são: “essas práticas ao ar livre desenvolvidas para educar

gestores, são uma ferramenta que transforma o comportamento humano e produz resultados

imediatos (grifo nosso) na vida pessoal e profissional de cada participante”. Algumas linhas

abaixo na mesma página citada, o autor diz: “ essas práticas ao ar livre, quando conjugadas

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com uma sólida didática e hábil facilitação e alinhadas com as metas da organização (grifo

nosso), preparam pessoas e equipes para tempos de mudanças e, conseqüentemente,

impulsionam as organizações em direção a seus propósitos e resultados”(grifo nosso).

Novamente, podemos observar uma falta de clareza que essas afirmações podem trazer ao

leitor (destinatário do discurso): essas práticas são para desenvolver pessoas, ressalvando-se

seus propósitos mais íntimos e subjetivos ou essas técnicas trabalham no sentido primordial

de “impulsionar as organizações em direção a seus propósitos e resultados”?

Essas contradições nos remete a uma fala de Heloani (2003 p.107-108) na qual o autor

ressalta que a organização promove um nível de identificação do funcionário com ela

(processo transferencial), onde as relações pessoais e sociais são apropriadas de suas

particularidades mais abstratas para se submeterem a uma outra gramática mais instrumental,

a da produção e do lucro. “Esta lógica empresarial é totalmente desconectada da

subjetividade de cada funcionário e ela tenta modelizar uma outra subjetividade, mais

adequada às políticas da empresa, exercendo seu poder mediante contradições”.(grifo

nosso)

O sujeito C1 foi indagado durante a entrevista de como ele percebe o grau de importância

dessas práticas na vida íntima de cada participante, já que ele mesmo havia afirmado no início

de nossa conversação que as práticas “mexiam” muito com o sentimento deles. Ele respondeu

que baseado em pesquisas realizadas após a realização dos eventos, depoimentos “altamente

significativos e até surpreendentes”, destacam a participação nesse treinamento como a

“segunda coisa mais significativa da própria vida”, “só perdendo para o nascimento do

primeiro filho”.

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Uma outra pergunta feita ao sujeito C1 foi se as práticas não-convencionais, a metodologia de

trabalho e as atitudes de “facilitação grupal” eram “personalizados” para cada empresa, ou a

aplicação do trabalho era uniforme para todas as organizações. Segundo ele, são realizados

vários encontros com a “alta direção” da empresa contratante, onde são elaborados

diagnósticos com essa cúpula enumerando necessidades e objetivos a serem atingidos. A

partir daí são preparados e “montados os aparatos didáticos” a serem aplicados no treinamento

para atender as necessidades identificadas.

Tomando como base essas duas respostas do sujeito C1, associadas a uma outra resposta dada

a uma pergunta mais no início da entrevista, na qual foram indagados os objetivos desse

treinamento gerencial, ao que ele respondeu: “Sensibilizar os participantes para que

promovam e se tornem agentes necessários à sua empresa, motivando-os à superação de

desafios, alinhando-os com as metas da organização”; faremos uma reflexão analítica:

a) O sujeito C1 cita depoimentos que situam as práticas vividas como o segundo evento mais

importante da vida dos participantes, “só perdendo” para o nascimento do primeiro filho.

É pertinente observar que em seu site na Internet, o sujeito C1, cita esse mesmo exemplo

sobre o treinamento que ele coordena ser “o segundo evento mais importante...”; a partir

disso, investigaremos o conceito de “destinaridade” em análise do discurso. Segundo

Charadeau (2004) o sujeito comunicante (C1) tem pleno domínio sobre o sujeito destinatário

(entrevistador, os que consultam o site, os diretores de organizações que pretendem contratar

o treinamento), pois é ele próprio quem constrói este destinatário “idealmente”, procurando

produzir sobre ele efeitos correspondentes ao seu projeto de fala, contudo, por antecipação ele

não pode saber se o receptor (sujeito interpretante) coincidirá com o sujeito destinatário assim

construído. Qual seria então, a partir disso, o perfil dos participantes ou de fortes candidatos

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aos treinamentos que foram “construídos idealmente” pelo sujeito C1? Enriquez (1996)

afirma que “os gerentes formam a categoria mais exposta ao discurso ideológico da

organização, pois eles quase não têm outros pontos de referência e o caminho mais tendente

nessa categoria é o da identificação com a empresa. Se o indivíduo se identifica com a

organização, se pensa por meio dela, continua o autor, se a idealiza a ponto de sacrificar sua

vida privada aos objetivos que ela persegue, quaisquer que eles sejam, entrará de boa fé num

sistema totalitário, transformado em um “sagrado transcendente que legitima sua existência”.

O que aparece como indicação nessa análise é que o sujeito C1 sabe o “destino” de seu

discurso, já que a visão de Enriquez (1996, 2001) nos sugere que os sujeitos que “compram”

um discurso que coloca um treinamento gerencial como o “ segundo evento mais importante

de .....”, se inscrevem nessa fala: “entram de boa fé num sistema totalitário, transformado num

sagrado transcendente”. Ou seja, os objetivos e metas da organização que o indivíduo trabalha

se misturam ao seu mundo íntimo. Enfatizamos também essa perspectiva com a fala de Pagès

(1987, p.93): “a estrutura inconsciente dos impulsos e dos sistemas de defesa do funcionário é

ao mesmo tempo modelada pela organização, não apenas por motivos racionais, mas por

razões mais profundas, que escapam à sua consciência. A organização tende a se tornar fonte

de sua angústia e de seu prazer”.

b) na segunda resposta na qual o sujeito C1 afirma que “o treinamento gerencial é organizado

após reunião com a “alta direção”, enumerando necessidades e objetivos a serem atendidos

então só a partir daí são “preparados e montados os aparatos didáticos a serem aplicados no

treinamento”. Colocamos face-a-face esta formação discursiva do sujeito C1 com uma outra

afirmação dele no livro, que diz: “neste treinamento não faltarão lances memoráveis e

revelações surpreendentes da luta dessas organizações para converter (grifo nosso) pessoas

aparentemente comuns em profissionais transformadores da sua própria realidade e da

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realidade de suas empresas”. Partiremos para uma reflexão crítica desses discursos.

Focalizaremos o verbo converter (grifo nosso) utilizado no discurso do sujeito C1. O

dicionário Houaiss de etimologia (2002), assim fala da palavra conversão: “do latim

conversione, declinação de conversio, conversão, troca, mudança. Antes de designar operação

comercial para permuta de moedas, o vocábulo foi aplicado a pecadores e hereges que

passaram a fazer parte da igreja, tornando-se às vezes luminares da doutrina que antes

desprezavam ou combatiam”. Para o referido dicionário, o verbo converter significa

basicamente transformar alguém, mudar ou fazer mudar de crença religiosa, de opinião, de

costumes, fazer mudar de direção, dar outra forma. Através dessa análise etimológica do

dicionário Houaiss (2002), é indicado um caminho na elucidação da intenção desse tipo de

prática de treinamento gerencial, na medida que utilizam um verbo com uma conotação de

mudar a direção, transformar alguém, influir na fé, aplacar a excomunhão já que a conversão

inclui, cria adesão. Nessa interface entre essas duas afirmações do sujeito C1 podemos

observar que há indícios discursivos de uma intencionalidade que os indivíduos sejam

subjetivamente mobilizados (convertidos) para as necessidades e objetivos da organização.

No início do referencial teórico dessa dissertação, ao pesquisarmos a história da gerência

durante o século XVIII, encontramos um episódio narrado por Pollard citado por Braverman

(1987), no qual uma fábrica que empregava mais de 1.000 empregados utilizava um método

de gestão baseado na dominação econômica, espiritual moral e física. O proprietário dessa

empresa utilizava inclusive a “ajuda” de um capelão nesse processo de dominação total. Esse

fato nos faz refletir e correlacionar com a formação discursiva do sujeito C1 na medida em

que o verbo converter (grifo nosso) foi utilizado denotando uma ideologia transformadora do

outro. Poderemos também observar outros aspectos: já que os indivíduos da organização são

“treinados” (mobilizados) no caminho das metas e contorno dessa, invocamos Guattari (1986)

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ao falar de “subjetividade produzida”, “subjetividade serializada”, ou mesmo quando ele fala

de subjetividade “capitalística”. Então através de um treinamento de desenvolvimento

gerencial mobilizador do psiquismo humano como esse, produz-se uma subjetividade

serializada, modelizada sob a ótica da disputa entre capitais e da conquista e manutenção de

hegemonias políticas. Guattari (1986, p.16) completa: “ a própria essência do lucro capitalista

não se reduz ao campo da mais-valia econômica: ela está também na tomada de poder da

subjetividade”.

O sujeito C1 é perguntado sobre as características mais importantes dos novos modelos de

gestão. Responde, que a qualidade mais importante da “nova empresa” é o sentimento de

equipe que segundo ele, é necessário para promover os interesses dos clientes. Ele afirma que

se a empresa é grande, formada por muitas equipes como: administração, pesquisa, produção, distribuição, vendas e, se além de grande ela for boa, as equipes deverão guardar como denominador comum a filosofia cultural da empresa. A razão de muitos dos meus treinamentos gerenciais é o desejo da empresa de motivar as equipes para integraram-se e tornaram-se mais dinâmicas, e para pessoas individualmente é importante que elas descubram que são capazes de ousar muito mais do que estão acostumadas.

Nesta resposta do sujeito C1 observamos primeiramente uma ênfase na gestão de equipes, da

formação coesa delas para promover os interesses dos clientes, de onde vem o lucro.No livro

(p.29); o sujeito C1 ressalta que os japoneses “tomaram os Estados Unidos de assalto” e

discorre sobre o grande sucesso do modelo japonês, já por nós abordado, que preconiza dentre

outros fatores, a focalização no trabalho em equipe. O fator trabalho em equipe não era

incentivado antes nos Estados Unidos, sempre detentor da hegemonia capitalista até que “foi

tomado de assalto” pelo sucesso do modelo japonês. A partir desse sucesso japonês com seu

alvo no trabalho em equipe, os novos modelos de gestão também começaram a perseguir a

equipe coesa. Dentro desse mesmo enfoque, foi perguntado ao sujeito C1 que tipo de prática

seria mais indicada para o grupo caminhar na direção da “equipe coesa”?

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O sujeito C1 narrou um exercício da técnica outdoor training (treinamentos ao ar livre) em

que cada participante sobe numa plataforma de ± 1,5 m. do solo, fica de costas para o grupo,

devendo se jogar de costas para sua equipe, que formará um anteparo com os braços para

recebê-lo, como uma rede de segurança. Ele ressalta que esse exercício trabalha a “confiança

extrema” necessária à uma equipe coesa e cita frases dos criadores da técnica: “é uma prática

rompedora de hábitos que só nos move para o conhecido”, “é necessário nos entregarmos ao

desconhecido, confiando na capacidade da equipe de nos segurar”. A análise do discurso do

sujeito C1 nessa última enunciação convém ser iniciada com uma afirmação de Enriquez

(2002):

Assim, a empresa torna-se pólo de atração e de identificação de seus membros. A empresa de tipo estratégico (expressão do capitalismo estratégico) pôs em prática um chamariz imaginário, que tem por finalidade prender totalmente as pessoas (com sua razão, sua paixão, seu imaginário, seu inconsciente) nas malhas da organização, fazendo crer que, ao se identificarem a ela,, ao renunciarem a seus próprios desejos, elas poderão receber em troca as satisfações que merecem. Pede-se, portanto, a cada indivíduo que se torne um “estrategista”, “um guerreiro”, “um ganhador”, “um combatente”, “um esportista”, capaz de adaptar-se a todas circunstâncias e ter como motivação o sucesso econômico do grupo e a anulação pessoal no interior de uma equipe coesa”. (ENRIQUEZ 2002, p.17-18).

Salientamos a última frase de Enriquez que diz: “ter como motivação o sucesso econômico do

grupo e anulação pessoal no interior de uma equipe coesa”(grifo nosso). Vários autores já

abordaram as questões milenares, culturalmente arraigadas que fazem dos japoneses mais

coletivos (grupais) que individuais. Essa questão da coesão, vista como um dos indicativos do

sucesso do modelo nipônico, “tomando os EUA de assalto”, fez essa característica milenar

tornar-se visada, implicando numa busca de “transplante cultural” a qualquer custo. No dizer

de Enriquez (2002) é um processo de anulação pessoal. Na perspectiva de Guattari (1986), o

modelo japonês é um caso típico de “produção de subjetividade” já que “centenas de

delegações patronais pretendem japonizar as classes trabalhadoras de seus países de origem”.

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Foucault (1997), afirma que a produção de riquezas exige a fabricação de um sujeito exímio

operacionalizador de forças e, na mesma proporção, dócil politicamente. Ao duplo objetivo do

poder disciplinar: econômico e político, associam-se os interesses do capital, uma vez que

quanto mais rentável for o sujeito, mais submisso será e vice-versa Através da fala de

.Guattari (1986) , podemos nos posicionar criticamente sobre o discurso do sujeito C1:

A subjetividade permanece hoje maciçamente controlada por dispositivos de poder e de saber que colocam as inovações técnicas, científicas e artísticas a serviço das mais retrógradas figuras de socialização.

As técnicas e o enfoque do sujeito C1 sugerem corroborar uma fala de Lima (1996) que

afirma que os treinamentos gerenciais contemporâneos contemplam a síntese dos modelos

japonês e americano, ao tentar imprimir o espírito de equipe à moda japonesa, reforçando,

simultaneamente, o esforço individual e o sucesso pessoal, que são característicos do modelo

americano. Porém Corrêa (2004a) refuta essas afirmações de que o trabalho em equipe só se

tornou incentivado nos Estados Unidos quando este “foi tomado de assalto pelo sucesso do

modelo japonês”. Para a autora, há uma verdade no fato da entrada no cenário mundial de um

novo competidor global (o Japão) e desse evento ter abalado “de cima a baixo o primeiro

mundo”. Mas para ela não aconteceu só isso: o trabalho em equipe se impôs pela mudança

nos processos produtivos (produção rígida à produção flexível), implantação das tecnologias

baseadas em automação eletrônica, microeletrônica e informática, processos esses que

“requisitaram” a incorporação de funções mentais de uma equipe coesa. Para a autora, o

trabalho em equipe foi uma “imposição” do desenvolvimento das forças produtivas e não um

“modismo” ou um “transplante cultural a qualquer custo” como alguns autores costumam

declarar.

Um dos aspectos que é preciso salientar na formação discursiva do sujeito C1 é que, segundo

ele, seus treinamentos acontecem a partir de uma reunião com a “alta direção” e numa outra

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fala, ela ressalta a importância do alinhamento do movimento dos funcionários em direção a

“filosofia da empresa”. É um ponto crucial na perspectiva de Enriquez (1997a,b), a filosofia

da empresa ou cultura organizacional que, para ele é o próprio imaginário enganador, uma

fantasia criada pela “alta direção” para englobar todos na direção dos objetivos dela.

Consultor 2- sujeito C2

O sujeito C2 escreveu diversos livros sobre inteligência emocional, gerência criativa,

mudanças de paradigma, como atingir o sucesso pessoal e empresarial, estratégias

empresariais produtivas, entre outros. Ele coordena workshops nessas áreas abordadas em

seus livros e como ele mesmo enfatizou: “gosto de dar palestras em auditórios com mais de

mil pessoas, de preferência em ginásios, como foi o caso de uma cidade no Nordeste, onde

estiveram 8.000 pessoas me ouvindo”. Esse consultor-C2, tal como o sujeito C1, utiliza

técnicas, além de outras, de treinamento ao ar livre-outdoor training.

O sujeito C2 ao ser perguntado como seria para ele o perfil de gerente dos novos modelos de

gestão respondeu:

“Perfil de um coach. Ele tem que fazer coaching. Ele deixa de ser gerente e passa a ser líder, ele passa a ser responsável não só pelo operacional, mas também passa a ser responsável., ... ele extrapola o dia-a-dia, ele tem que ter uma visão futurística, ele não pode cuidar só do produto chegar na mão do cliente, porque o produto está chegando na mão dele hoje, amanhã ele pode estar comprando na mão do competidor. O competidor não é o cara que estabelece a lojinha ali do outro lado da rua, o competidor pode ser um cara que você nunca vai conhecer, que mora lá na Coréia que desenvolve uma tecnologia e que faz você ficar obsoleto. Hoje as empresas não são atingidas mais na testa, elas são atingidas na têmpora. De repente, ela está olhando para cá, não está esperando, vem um negócio e leva uma cacetada. A cacetada não vem mais na testa, chega na têmpora”.

Antes de começarmos a análise do discurso dessa fala do sujeito C2, vamos agregar a ela uma

outra fala do próprio sujeito C2 num de seus livros na p.36: “o bom gerenciamento permite

não só fazer com que um cavalo corra mais rápido, mas coloca-o correndo morro abaixo,

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usando com isso a força da gravidade como uma alavancagem para atingir o objetivo

almejado com muito mais rapidez e eficácia”. No início do capítulo I dessa dissertação, ao

pesquisarmos apoiados em Braverman (1987) a origem da palavra management (gerência em

inglês), o autor afirma que o verbo inglês to manage (administrar, gerenciar) vem de manus,

do latim, que significa mão. Antigamente, significava adestrar um cavalo nas suas andaduras,

para fazê-lo praticar o manège. Braverman (1987) afirma, metaforicamente, que o capitalista,

para controlar, age da mesma forma que um cavaleiro que utiliza rédeas, bridão, esporas,

cenoura, chicote e adestramento desde o nascimento para impor sua vontade ao animal. Para

isso, completa o autor, o capitalista usa a gerência. Parecem evidentes, a partir disso, os

significados metafóricos embutidos no conceito do sujeito C2 de "bom gerenciamento”

associando ao cavalo principalmente quando essa fala é interfaciada com a pesquisa do

significado da palavra gerência que Braverman (1987) propõe. É notório, nas entrelinhas, nos

termos utilizados (o sujeito C1 utiliza muito o “tem que”), a perspectiva da gerência vista e

requerida como controle. Apoiados em Foulcault (1979) que perpassa grande parte de sua

obra focalizando a relação de poder; em seus estudos ele sinalizou e constatou que,

historicamente o desenvolvimento de práticas de controle vão desde ações de tortura e

punição aos mecanismos sutis de introjeção dessas formas.. Ele salienta que através da noção

da disciplina (o “tem que” do sujeito C1 sugere ser um exemplo), que é um dos mecanismos

através dos quais o sistema capitalista tornou “dóceis” os corpos dos homens, objetivando em

última instância o poder. Relembrando que na visão foucaultiana, o indivíduo “dócil

politicamente” (aceitou, introjetou, aderiu às políticas da empresa), disciplinado (introjetou as

metas da empresa) é aquele que interessa para o capital. Nesta interface é importante e

curioso ressaltar que o conceito primordial de gerência (numa perspectiva taylorista-fordista)

e suas relações etimológicas com o manège do cavalo, pesquisado por Braverman (1987) lá

no início da história da gerência, parece ser resgatado por um consultor que se diz “de

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vanguarda”. Isto parece corroborar a visão de Foucault (1979) onde ele afirma que na

contemporaneidade as formas de controle e de docilização dos corpos apenas se sutilizaram.

Retornamos ao discurso do sujeito C2 dentro da entrevista gravada, na qual ele chama a

atenção para o fato de que o “novo gestor tem que (grifo nosso) ter visão futurística .... que o

cliente pode comprar na mão de outro fornecedor.... o competidor pode ser um cara que você

nunca viu.... ele pode morar lá na Coréia... ele pode fazer você ficar obsoleto.... hoje as

empresas não são atingidas na testa, elas são atingidas na têmpora.... de repente ela está

olhando para cá, não está esperando, vem um negócio de lá e ela leva uma cacetada... A

cacetada não vem mais na testa, chega na têmpora”.

O que se observa primeiramente nesse discurso são dados que sugerem um conteúdo

persecutório, como se alguém pudesse a qualquer segundo (de repente...) chegar e além de te

tornar obsoleto, te dá uma “cacetada” nas têmporas. Corroborando essas indicações

observamos que a “cacetada” não vem de frente (não se vê quem aplica) e sim nas têmporas

de lado, ou seja fugindo do campo visual de quem recebe. Outra particularidade no discurso

do sujeito C2, em sua narrativa e destinaridade, já que ele fala do gestor que “tem que”(grifo

nosso) ficar atento ao competidor (que pode morar lá na Coréia) porém utilizando a palavra

você (além dele a única pessoa presente era o entrevistador) e quando ele fala da “cacetada na

têmpora” ele diz ela ( a organização, a empresa). Essa confusão entre o gestor e a organização

( no discurso do sujeito C2 até o entrevistador foi englobado) remete-nos a uma observação de

Tânia Fonseca (1995) p.54:

Observa-se então, a mobilização da subjetividade como um mecanismo importante por inculcar no indivíduo a auto-regulação do modo de pensar, ver, sentir e agir alimentando-lhe a ilusão de centralidade de sua própria existência, vontade, razão e consciência.

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Uma particularidade entre os discursos do sujeito C1 e C2 é encontrada nas seguintes

afirmações:

C1 “os japoneses tomaram os Estados Unidos de assalto e se transformaram no maior

pesadelo do empresariado americano”.

C2 “O competidor não é o cara que estabelece a lojinha ali do outro lado da rua, o competidor

pode ser um cara que você nunca vai conhecer, que mora lá na Coréia, que desenvolve uma

tecnologia e que faz você ficar obsoleto.... de repente a empresa está olhando para cá, não está

esperando.... a cacetada chega na “têmpora”.

Esses discursos sugerem que o poder hegemônico não quer mais “ser tomado de assalto”

pelos japoneses ou quem quer que seja e nem receber uma “cacetada” na têmpora dada por

um coreano qualquer (“um cara que você nunca vai conhecer”). Há um indicativo de uma

vigilância que possa proteger contra o ataque oriental.

Entrevistador: Qual é a sua intenção ao trabalhar com os gestores em seus treinamentos? O

que você propõe mobilizar?

Resposta do sujeito C2: “Minha intenção é realmente o que a palavra educar significa que é

“sacar de dentro”. O indivíduo tem um potencial, mas por causa dos bloqueios psicológicos,

ele nunca é capaz de exercer aquele potencial dele. A habilidade do meu trabalho é romper

essas barreiras e expor o que ele é. Eu posso tirar os bloqueios que estão em volta dele. Este

trabalho pode ser feito de uma forma rápida, é um trabalho que dura três dias, é um trabalho

de impacto, eu acho que em três dias pode fazer uma diferença enorme numa pessoa, contanto

que você saiba como fazer”.

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Neste momento, o entrevistador interveio com esta questão: Depois desses três dias a pessoa

fica preparada para levar ou evitar a cacetada na têmpora?

O sujeito C2 responde: “A pessoa sai de lá com uma visão diferente, percepção diferente do

mundo. Percepção é realidade, tudo mais é ilusão! Essa é a verdade! Como ela passa a

perceber o mundo de uma forma diferente ela passa a fazer visível o invisível.”

Um dos primeiros elementos dessa formação discursiva que gostaríamos de analisar é essa no

qual o sujeito C2 afirma que o participante de seu workshop de três dias “sai de lá com uma

visão diferente, percepção diferente do mundo. Percepção é realidade, tudo mais é ilusão!”.

Essa afirmação contida no discurso do sujeito C2 nos remete ao estudo de Heloani (2003) que

percorreu criticamente os modelos de gestão desde o paradigma taylorista-fordista até os

nossos dias, estudando a manipulação psicológica no mundo do trabalho. O autor afirma que

um dos pontos básicos da mobilização, da modelização, da padronização e até da

expropriação da subjetividade dos trabalhadores está na tentativa de controle da percepção

deles. Para o autor, a percepção é dos pontos cruciais do processo subjetivo e seus estudos

concluem que essa tentativa tem sido uma tônica em todos os modelos de gestão

“orquestados” pelo Capitalismo.

Retornando ao início dessa fala do sujeito C2, na qual ele coloca que “minha intenção é

realmente o que a palavra educar significa que é “sacar de dentro”. Cita também a

potencialidade do indivíduo, psicologicamente bloqueada..

Essa formação discursiva do sujeito C2 nos remete a uma fala de Daudi (1986) citado por

Cabral (1999) em que o autor assinala um conjunto de condições e circunstâncias que

regulamentam e legitimam uma formação discursiva. Uma delas é chamada de “autoridade de

delimitação”, condições essas que são representadas por especialistas ou instituições

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formalmente reconhecidos como competentes, como autoridades para expressar opiniões e

portanto podendo legitimar uma formação discursiva. O sujeito C2 afirma que “minha

intenção é realmente que a palavra educar significa: sacar de dentro” (grifo nosso). Fala

também do potencial bloqueado e que em seu treinamento modifica inclusive a visão de

mundo dessas pessoas em três dias. É conveniente perpassar essa formação discursiva pelo

crivo de uma “autoridade delimitadora” : Paulo Freire.

Freire (2004) uma autoridade mundialmente reconhecida em processo educativo afirma,

critica e recusa o ensino “bancário”, que ele assim denomina do ensino imposto, que deforma

a necessária criatividade do educando, que se sente a esse método “assujeitado”. Esse método

não prevê a condição emancipatória, crítica do educando e nem as condições de manter vivo

em si o gosto pela rebeldia. Uma outra máxima de Freire (2004) diz que “educar é uma

atividade política”, o sujeito C2 afirma educar gestores dentro do que a palavra educar

significa, então, será que o sujeito C2 incentiva o espírito crítico em seus educandos,

permitindo assim um olhar que possibilite decodificar as políticas da empresa? Um outro

ponto na formação discursiva do sujeito C2 é um termo utilizado por ele, funcionando em sua

própria visão como sinônimo de “educar”: “Sacar” de dentro. É fato que o verbo sacar,

segundo o dicionário etimológico Houaiss (2002), é utilizado primordialmente no português

em algumas situações como: “Sacar dinheiro no banco” ou “sacar uma arma”. Esse verbo

segundo o dicionário consultado significa “tirar para fora bruscamente”. Há um exemplo

fornecido pelo mesmo dicionário do uso desse verbo no qual é citada uma frase: “o delegado

sacou do bandido a confissão”. O sujeito C2 usa o verbo “sacar” para mostrar como ele

trabalha com o potencial dos seus educandos; em três dias, com uma promessa de mudança,

de obter uma percepção diferente do mundo.

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Entrevistador: Quais práticas você poderia exemplificar que são utilizadas nos seus

workshops?

Resposta: “Tem o jogo da vida - é um jogo bolado por mim que é aparentemente um jogo de

ganha-perde que acaba se deteriorando para perde-perde, todo jogo ganha-perde acaba no

perde-perde. Porque amanhã nós vamos nos relacionar de novo, eu vou querer tirar a

diferença, então no fim você vai me sacanear, vamos sair sacaneados, aí nós tivemos o perde-

perde. Quando o indivíduo joga o jogo da vida comigo, ele tem a impressão, às vezes pela

primeira vez, que ele vê na frente, a imagem da conseqüência do perde-perde.”

Entrevistador: Como é exatamente esse jogo?

Resposta: “Você tem duas opções, uma vermelha, e a outra violeta. Eu divido o jogo em dois

times: se um time vota violeta e o outro também, cada time ganha três pontos. Se um time

vota vermelho e o outro também, cada time perde três pontos. Se um votar violeta e o outro

vermelho, quem votou violeta perde. Quem jogou vermelho ganha. A pessoa pensa: eu vou

jogar vermelho para ganhar, aí no fim o outro pensa do mesmo jeito e acaba todo mundo

perdendo. Enquanto a pessoa tem a consciência de que isso aqui é um jogo da vida para ser

jogado que é o ganha-ganha. Para eu ganhar você não precisa perder, a não ser que você

insista, aí é problema seu! Há uma grande transformação na vida da pessoa.(grifo nosso)

Uma outra prática que eu aplico, é o Jogo dos palitos de que eu criei: Você tem que remover

os palitos e enquanto você não remove os palitos, nada acontece... O jogo tem duas partes: a

primeira parte é intelectual porque ela é um quebra cabeças. Quem resolveu, resolveu, quem

não resolveu, não resolveu. Aí partimos para a segunda parte, onde você não tem que pensar

mais, tem que (grifo nosso) agir. Chega a parte de receber feed back do Universo. O gestor

tem que(grifo nosso) aprender a receber feed back do Universo, tem que estar aberto para

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isso. Aí no jogo, se você levanta o palito certo o Universo bate palma, senão, se você pega o

errado não há palma. No decurso do jogo eu vou mostrando que na vida, para você ouvir o

feed back do Universo, é necessário a ação. Se não há ação você não recebe o feed back do

Universo”.

Entrevistador: Se eu entendi bem é você quem faz o papel do Universo?

Resposta: Sim, eu faço.(mudando rápido o foco da fala...) Então, o gestor, o gerente, muitas

vezes, ele pensa muito e age pouco.

Entrevistador: O que você chama de receber “feed back do Universo” não seria estar atento à

própria intuição?

Resposta:”Não! Em absoluto! Não envolve nada disso, você levanta o palito, se tiver certo, eu

bato palma, se tiver errado, nada...”

Trabalharemos com a análise dessas formações discursivas, primeiramente na narrativa do

jogo dos palitos. A princípio, podemos observar uma indicação de um nível alto de pretensão

e narcisismo, onde o sujeito C2 se coloca no papel do Universo, onde arbitra quem está certo

quem está errado. Novamente podemos observar uma recorrência a falas de teor persecutório

e perverso, como sacanagem, ser sacaneado. De acordo com o dicionário Houaiss (2002) a

palavra sacanagem denota um comentário perverso que se faz sobre alguém, ou ato perverso

ou desleal para com alguém. “Sacaneado” exprime ser moralmente ferido por perversidade de

outrem, ser tratado com deslealdade..

Existem também na formação discursiva analisada elementos não muitos claros e pouco

legitimados como: receber feed back do universo, o gestor “tem que” estar aberto para isso..

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Reforçando aspectos indicativos de auto-importância e traços narcísicos, destacamos a fala: -

“depois do jogo da vida há uma grande transformação na vida da pessoa”. (grifo nosso)

Entrevistador: Você utiliza práticas que envolvem os esportes radicais?

Resposta: “Sim, uso! Utilizo técnicas de rapel, de tirolesa. Essas práticas ajudam muito no

sentido de que quando uma pessoa faz uma coisa física que ela achava que não dava conta,

permite que ela faça uma coisa mental que ela também achava que não seria capaz. Isto

extrapola para o lado emocional. Quando você faz uma pessoa fazer (grifo nosso) algo

físico que ela achava que não podia, você abre uma janela na mente dela,(grifo nosso) para

ela fazer coisas que ela achava mental e emocionalmente impossíveis.”

Entrevistador: Isto cria mais poder?

Resposta: “Claro que cria mais poder porque a pessoa fica mais inteira, ela passa a ter mais

acesso ao inconsciente dela em áreas que ela não acessava antes.”

Nessa formação discursiva há uma sugestão do uso de uma forma impositiva de lidar com o

outro: - Quando você faz uma pessoa fazer...(grifo nosso). Indica ser uma forma de processo

educativo centrada no instrutor, forma essa criticada por Correa (2004a), onde ela afirma que

os processos educativos de qualidade, que mobilizam a subjetividade, estão centrados no

“aprendiz” e não no professor/ consultor ou na instituição.

Uma outra parte do discurso do sujeito C2 a ser analisada é quando ele afirma que “quando

você faz uma pessoa fazer algo físico que ela achava que não podia, você abre uma janela

na mente dela, para ela fazer coisas que ela achava mental e emocionalmente

impossíveis”. (grifo nosso)

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Nessa formação discursiva, é sugerido um processo de desrespeito ao “aprendiz”, retomando

as palavras de Correa (2004 a), principalmente quando o sujeito C2 através de seu enunciado

diz que, se abre uma janela na mente do educando,(grifo nosso) reproduzindo no processo

mental e psíquico do indivíduo, manobras aplicadas em programas de computador, por ex.

“abrir uma janela do Word” “do Windows”. Essa fala nos remete a algumas observações de

Lima (1996) que em “empresas estratégicas” há uma indicação forte que a relação

estabelecida entre a organização e os empregados é essencialmente “perversa”. A

personalidade perversa, explica a autora, é frequentemente descrita como aquela de um

indivíduo “mistificador”, “farsante”, que falsifica a realidade sem deixar transparecer

qualquer sentimento de culpa. O perverso é um indivíduo, continua a autora, que não nega a

realidade, mas a utiliza para finalidades estritamente egoístas, funcionais, instrumentais e

calculadas.

Na intervenção do entrevistador onde esse questiona se essas práticas criam mais poder e o

sujeito C2 responde enfaticamente que sim porque a pessoa fica mais inteira, passando a ter

mais acesso ao inconsciente dela em áreas que ela não acessava antes; temos, a partir disso

algumas intervenções a fazer:

Sobre essas áreas inconscientes do trabalhador que antes ele não acessava: essas áreas serão

acessadas agora com que propósitos? Essa fala do sujeito C2 que diz: “você abre uma janela

na mente dela”; há um indicativo de expropriação. Fonseca (2004) fala em vampirização. A

autora diz que a organização moderna não quer só o produto do trabalho, mas a vida do outro,

a pessoa inteira. No dizer do sujeito C2 essas práticas criam mais poder, a pessoa fica mais

inteira. O capital quer a pessoa inteira, inclusive seu inconsciente. Lima (1996) apoiada em

Broda (1987) reflete que as empresas estratégicas prolongam ao psiquismo individual as

técnicas de gestão.

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Entrevistador: Quando uma empresa o contrata para você aplicar seu treinamento gerencial,

você se reúne com o contratante e então estipulam necessidades, estratégias, quais práticas

seriam mais convenientes para aquela empresa específica?

Resposta:. “Não! (responde enfática e rispidamente). Eles confiam no meu taco!!”

Entrevistador: Então você sabe o que a empresa quer?

Resposta: “Claro que sei! Eles querem aumento de produtividade, programas de

harmonização de equipes, programas de “negociação de culturas diferentes” quando existe

fusão”.

Entrevistador: O seu alvo também é o novo gerente?

Resposta: “O principal é que aquele indivíduo que está na minha frente seja mais completo

como pessoa, conseqüentemente ele será mais completo como profissional.”

Entrevistador: As empresas que contratam os seus serviços te encaminham basicamente

funcionários de alto escalão?

Resposta: “Geralmente sim. É pela hierarquia, o treinamento é caro, ± 1.200 dólares por

pessoa por um fim de semana. Não é qualquer empresa que está disposta a gastar isso. Não é

por merecimento, é por hierarquia. Às vezes trabalho com gestores que o diretor mandou,

esses são os piores. Eles não são comprometidos. A princípio são resistentes, mas acabam se

comprometendo lá dentro. (grifo nosso)”

Entrevistador: Nos seus treinamentos gerenciais, quais sentimentos são mais mobilizados?

Resposta: “Eu mobilizo muito o sentimento do medo, eu mobilizo muito o sentimento da

raiva, eu mobilizo muito o sentimento da frustração.”

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Entrevistador: Com o objetivo de ...?

Resposta: “Com o objetivo de limpar a panela, lavar o copo para beber água limpa”.

Entrevistador: São três sentimentos mobilizados por você: o medo, a raiva e a frustração.

Como esses sentimentos influenciam na atuação do gestor?

Resposta: “O indivíduo que tem raiva do outro, começa a evitar o outro e quando ele começa

a evitar o outro, a inteligência da empresa cai. A harmonia entre os funcionários ajuda na

inteligência empresarial. Um indivíduo com raiva não ouve as “dicas do Universo”. Para

mim, medo e raiva estão muito ligados, se você mexer muito na raiva, por baixo tem o medo.

E na frustração tem muita raiva por trás. Para eu estar bem com todos à minha volta é

necessário que eu esteja bem.”

Ao analisarmos as formações discursivas dessas respostas, focalizaremos primeiramente a fala

do sujeito C2 onde foi perguntado se ele e a empresa contratante se reúnem antes para

estabelecerem metas para o treinamento, e ele respondeu enfática e rispidamente: - Não! Eles

confiam no meu taco! Essa fala sugere um posicionamento narcísico, autoritário, indicando

uma posição auto-referente contrastando com uma “intencionalidade discursiva” de fomentar

relação entre equipes. É uma formação discursiva com uma destinaridade certa: “eu sei o que

é bom para a empresa”, “eu sei o que eles querem”.

Relacionaremos em seguida algumas formações discursivas do sujeito C2 que corroboram

essa tendência narcísica, autoritária, auto-referente já expressas nessa análise. O sujeito C2

aborda o jogo dos palitos no qual o “Universo bate palma”(grifo nosso) quando o jogador

está certo e ele representa o Universo,(grifo nosso) associamos essa a uma outra formação

discursiva de que “o gestor tem que ouvir as dicas do Universo”.(grifo nosso). E o Universo

é ele! Agregamos a essas formações discursivas a posição do sujeito C2 que não se reúne com

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os contratantes para montarem juntos o treinamento, “eles confiam no meu taco”, “eu sei o

que eles querem”.(grifos nossos).

Aqui é importante também apelarmos para uma afirmação de Gitlin (1989) citado por Cabral

(1999) que fala da força da formação discursiva, instrumento este que o sujeito C2 demonstra

se utilizar com freqüência:

Com sua força, o discurso torna-se capaz de modelar comportamentos e delimitar racionalidades que visam tanto incluir quanto excluir visões de mundo, padrões de ação, etc. desta forma, o discurso serve de instrumento de dominação à medida em que aqueles que são dominados colaboram com os dominadores ao tomarem como certo, como um dado tanto o próprio discurso quanto a sua definição da situação.(GITLIN, 1989, P. 357 apud CABRAL, 1999 p.10)

Em uma outra resposta do sujeito C2, quando foi perguntado se o seu alvo era o novo gerente

e sua resposta foi que o “principal é que aquele indivíduo que está na minha frente seja mais

completo como pessoa, consequentemente ele será mais completo como profissional”.

Partindo dessa premissa na qual se espera um indivíduo mais completo profissionalmente,

verificaremos o que os autores falam sobre isso: Pimenta (2004) cita Zarifian (1993) que

identifica o “trabalhador total”, o indivíduo integral como aquele que reconcilia a existência

objetiva e subjetiva, que faz da existência subjetiva consciente o motor da existência objetiva.

A autora diz ser esse trabalhador, um tipo ideal e ela salienta que a prática e o cotidiano na

atualidade se constroem na mobilização psíquica defensiva, que se coloca certamente como

um custo a partir dos esforços para ter, resistir e fazer face às exigências do trabalho e o

discurso se funda numa mobilização psíquica ativa, projetiva, subversiva, que significa

investimento criador e reformador dos trabalhadores.

Numa outra resposta do sujeito C2 ele cita gestores “mandados” para o treinamento pelos

diretores e esses apresentam uma falta de comprometimento e uma resistência inicial, “mas

acabam se comprometendo lá dentro”.(grifo nosso) Ao analisar essa formação discursiva, a

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forma como ela foi enunciada, nos traz algumas indagações, tais como: o que acontece lá

dentro que o indivíduo acaba se comprometendo?. Essa formação discursiva sugere algo

como: deixa comigo que eu faço ele se comprometer, já que a partir de outras formações

discursivas do sujeito C2 há uma indicação de uma atitude “poderosamente disciplinar” (um

“tem que” muito freqüente) objetivando a docilização, parafraseando Foucault (1979).

Salientamos também a sugestão de uma forma onipotente (“eles confiam no meu taco”) de

educação gerencial, comum, segundo Enriquez (2001) nos modelos estratégicos de gestão.

O entrevistador perguntou ao sujeito C2 com que objetivo ele mobiliza os sentimentos do

medo, da raiva e da frustração e ele responde que tem o “objetivo de limpar (grifo nosso) a

panela, lavar (grifo nosso) o copo para beber limpa”. Nessas formações discursivas, não

podemos deixar escapar o sentido implícito contido nelas e associá-las a outras formações

discursivas tais como; os verbos “limpar” a panela, “lavar” o copo (grifo nosso) referindo-se

a mobilização de sentimentos humanos, associado a “abrir uma janela na mente do

indivíduo”(grifo nosso) e a uma outra fala “eles acabam se comprometendo lá dentro”.

(grifo nosso) Essas formações discursivas associadas e contextualizadas sugerem uma

intencionalidade velada de lavagem cerebral.

Quando perguntado sobre os sentimentos mais mobilizados nos treinamentos, o sujeito C2

fornece uma resposta firme, de quem está dominando e controlando a situação: “Eu mobilizo

muito o sentimento do medo, eu mobilizo muito o sentimento da raiva, eu mobilizo muito o

sentimento da frustração”. Em uma primeira análise, é o pensamento de Foucault (1989,

1977) que aparece nos relembrando que a experiência humana vivida no interior de uma

sociedade capitalista é perpassada pelas relações de poder, pela relação conhecimento-poder.

Para ele a subjetividade humana pode ser modelizada através de mecanismos sutis de

adestramento e que está mesma subjetividade pode ser controlada através de mecanismos que

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o “conhecimento-poder” estabelecem como “normal” ou não, como “bom” ou não para os

interesses de quem controla e detém o poder.

O sujeito C2 foi indagado do objetivo de se mobilizarem os sentimentos do medo, da raiva e

da frustração e como isso influencia na atuação do gestor. Na resposta do sujeito C2 ele

afirma que “quem tem raiva do outro, começa a evitar o outro, a “inteligência da empresa

cai”. O que se questiona nessa formação discursiva é um indicativo de desconsideração pelos

sentimentos dos indivíduos em si e uma ênfase de como a relação afetiva entre os indivíduos

pode interferir na produtividade. Essa formação discursiva do sujeito C2 demonstra se

inscrever numa observação de Lima (1996) na qual as relações em empresas estratégicas são

em geral “instrumentais”, ou seja, os sentimentos, as atitudes são “estudadas” sempre no

objetivo da eficácia 100% e do erro zero, tornando-se comum entre os gestores. Um ponto a

destacar é a mobilização de sentimentos humanos, assumidamente declarada, como se esses

sentimentos fizessem parte do acervo da empresa. Esse comentário é inspirado numa fala de

Enriquez (1997b) no qual ele afirma que as empresas contemporâneas tentam, consciente e

voluntariamente construir sistemas simbólicos e imaginários (a cultura), como formas de

conduzir o pensamento, de penetrar no espaço íntimo do psiquismo e da subjetividade e de

induzirem comportamentos indispensáveis à sua dinâmica.

Essa formação discursiva do sujeito C2 onde ele assume que mobiliza conscientemente os

sentimentos do medo, da raiva e da frustração, nos reporta aos estudos de Dejours (2001).

Esse autor, especialista em Medicina do Trabalho, num enfoque psiquiátrico e psicanalítico,

estudou, a partir do sofrimento no trabalho, os mecanismos de defesa que o indivíduo

estabelece, mecanismos esses que são estrategicamente explorados pelas organizações.

Segundo o autor, os sentimentos advindos do sofrimento da função exercida, como frustração,

raiva, assim como tensão e nervosismo, são utilizados especificamente para aumentar o ritmo

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do trabalho. O medo na visão de Dejours (2001) é utilizado pela direção como uma

“verdadeira alavanca para fazer trabalhar”. O medo coloca o trabalhador em estado de alerta

permanente, efetivamente servindo à produtividade, pois gera sensibilidade e atenção a

qualquer anomalia no processo produtivo. O medo compartilhado cria uma verdadeira

solidariedade na eficiência, o medo diz respeito a todo mundo tornando impensável “deixar o

barco afundar”, caracterizando-se paradoxalmente como segurança da empresa. O sujeito C2

utiliza muito o jargão: “o gestor tem que aprender a receber dicas do Universo”. Dejours

(2001) fala em “dicas” ou “macetes”, que dentro do referencial teórico pesquisado, é o “saber

tácito” do trabalhador. Para o autor, a descoberta e a produção dos “macetes” da profissão

são, de algum modo, fruto das potencialidades criadoras e inventivas dos funcionários. Para o

autor, esse tipo de saber não se articula com nenhum conhecimento teórico. É puramente

pragmático e resulta da experiência e da observação. Esses “macetes” ou “dicas” têm um

caráter vital, pois é graças a eles que os funcionários conseguem dominar ou controlar o

processo de produção. Assim, assevera o autor, a descoberta das “dicas” ou “macetes” é, de

certo modo, arrancada dos trabalhadores pelo medo. Nessas práticas não-convencionais de

desenvolvimento gerencial que utilizam os esportes radicais onde o desafio à situações de

perigo são constantes, o medo é fortemente mobilizado.(grifo nosso) A partir das visões de

Dejours (2001) há um indicativo que a verdadeira intenção na mobilização do medo, é que a

exploração dele aumente a produtividade, exerça uma pressão no sentido da ordem social e

estimule o processo de produção de “macetes” e “dicas”, indispensáveis ao funcionamento da

empresa.

Entrevistador: É possível separar vida pessoal de vida profissional?

Resposta: “Hoje não tem jeito mais. Como o trabalho hoje é mental, você leva trabalho na

cabeça. Antigamente você trabalhava na fábrica, fechava a porta da fábrica, você ia embora

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para casa, não levava trabalho. Hoje não tem jeito de separar mais. Por isso, você tem que

gostar do que você faz, porque senão você está fodido!”

Entrevistador: Nos tempos predominantemente tayloristas o tempo do trabalho era o tempo do

trabalho.....

Resposta: “É, Taylor foi um cara bacana! Ele foi mal interpretado. Tudo que Taylor criou foi

no sentido de aumentar a auto-estima do empregado.”

Relativo a última resposta do sujeito C2 quanto a Taylor ter aumentado a auto-estima dos

trabalhadores, parece não ser essa a visão de Heloani (2003), Morgan (1996) e vários autores..

Mas quanto à questão de levar trabalho para casa, segundo Sennet (2003) “nos tempos

tayloristas”, apesar das técnicas de Taylor terem sido degradantes para a vida das pessoas, ele

também protegia os trabalhadores na medida em que restringia o trabalho para dentro do

tempo do trabalho.

3.4.2 Análise do discurso dos gestores que vivenciaram práticas não-convencionais

Foram entrevistados quatro (4) gestores que vivenciaram práticas não-convencionais de

treinamento gerencial, dois gestores foram alunos do sujeito C1 e sua equipe e dois gestores

que foram alunos do sujeito C2.

Os dois gestores que participaram do treinamento dirigido pelo sujeito C1 serão denominados

sujeitos G1 e G2. Os gestores que participaram das práticas coordenadas pelo sujeito C2 serão

aqui identificados como sujeitos G3 e G4.

Análise dos discursos dos sujeitos G1 e G2

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O sujeito G1 atua num cargo muito importante numa organização multinacional que poderia

ser categorizada como uma empresa estratégica no dizer de Enriquez (1997a, 1997b, 2001) já

que ela persegue o erro zero, a eficiência 100%, investindo maciçamente em mobilização

constante dos funcionários para esses fins. O sujeito G1 é do sexo feminino, trabalha nessa

empresa há 16 anos. Ela já passou um ano no exterior em estágio numa outra fábrica da

empresa. Seu cargo hoje é de gerente geral de desenvolvimento organizacional.

Essa organização há dezoito anos atrás lançou um projeto de recrutar os alunos de uma

universidade, que terminaram os cursos de Engenharia Mecânica e Engenharia Elétrica entre

os cinco melhores de cada curso. Nos seis anos que durou esse projeto, foram recrutados 100

trainees. Esse projeto já não existe há alguns anos e dos 100 trainees que foram admitidos, só

restam dois; o sujeito G1 e um outro gestor. A gestora G1 é reconhecida como uma

funcionária exemplar, dedicada, devotada a empresa.

Quando perguntada sobre o que ela vislumbra como futuro profissional ela respondeu:

Como futuro profissional, eu vislumbro o consolidamento das minhas experiências atuais e poder transformar cada vez mais a empresa XY (onde ela trabalha) num modelo ideal onde as pessoas sentem-se apaixonadas por trabalhar, que continue sendo uma empresa de sucesso e de muitos resultados, continuando a ter espaços para experimentar continuamente as melhores práticas de gestão de recursos humanos. Quanto às perspectivas, elas são inúmeras. Mas não me atrevo a disparar nenhuma, pois acredito firmemente na capacidade da empresa em me valorizar e utilizar-me (grifo nosso) onde poderia dar melhores resultados.

Entrevistador: Quando você foi participar desse treinamento de três dias, fora da cidade, um

trabalho que você mesma já afirmou que não conhecia, qual era a sua expectativa?

Resposta: “A expectativa era grande, eu ia me encontrar com outras realidades, eu esperava a

oportunidade de grandes transformações no meu modo de ser, já que na época eu estava sendo

“sondada e pesquisada” dentro de um processo de nomeação a uma outra gerência.”

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Entrevistador: Como você acha que esse workshop contribuiu para seu trabalho?

Resposta: “Em muito! Sobre o que é realmente o trabalho em time, o superar-se, o

planejamento, o escutar, o inovar, o respeitar as diversidades e conseguir tirar o melhor delas,

e tudo isso só passa a ser internalizado quando se vivencia. Esse é o principal fator diferencial

de uma atividade do gênero, mexe com a essência da pessoa, e assim você realmente se

transforma, é uma construção contínua, que muitas vezes é percebida somente depois de

muito tempo. Como está acontecendo comigo agora ao relembrar das práticas, do workshop

como um todo, vejo que muito do que sou hoje foi plantado lá.”

Entrevistador: Por quais sentimentos você passou durante esse workshop?

Resposta: “Medo do novo, descrença de mim e de meu potencial, transformação e

motivação.”

Entrevistador: Esse workshop te instigou a fazer alguma mudança na sua vida profissional e

pessoal. Quais? Você associaria essas mudanças a alguma prática em especial?

Resposta: “O workshop como um todo mexeu muito comigo. Duas práticas são inesquecíveis,

elas foram fundamentais nas minhas mudanças. O pular de costas para o grupo, me entregar

ao grupo e o pular de 9m da árvore, nunca me imaginei fazendo isso! Na vida pessoal me

ajudou num momento onde estava decidindo “separar-me” (grifo nosso), e nesse sentido me

deu mais coragem e certeza de que estava no caminho certo. No campo profissional ajudou-

me nos aspectos: planejamento, prioridade, trabalho em time, diversidades, etc”.

* Nesse ponto, o entrevistador tem um insight a partir dessa formação discursiva do sujeito

G1. Desde o primeiro contato com o sujeito G1 pode-se perceber que o nível de devoção dela

para com a empresa indica um não-espaço para um relacionamento afetivo. A partir desse

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suposto foi introduzida uma pergunta, no sentido de verificar isso através do discurso do

próprio sujeito G1.

O entrevistador perguntou ao sujeito G1 como uma mulher numa sociedade com traços

marcadamente machistas, ocupando um cargo altíssimo que exige muita competência,

comprometimento, tempo de dedicação alto, etc. consegue equacionar e equilibrar uma

relação afetiva, e se o novo companheiro tem uma compreensão e aceitação do universo de

uma executiva do porte dela.

Resposta: “Não, não tenho um novo companheiro (fala de maneira rápida) e nem pretendo ter

tão cedo. O meu trabalho e meus três filhos me preenchem todo o tempo.”

Entrevistador: Como você separa as atividades profissionais das atividades pessoais?

Resposta: “Raramente, elas se interferem, mas consigo, na maior parte do tempo desligar-me

do escritório, mesmo porque com três filhos, não tenho a oportunidade de não fazê-lo, já que a

demanda em casa é grande. Por outro lado, observo que tenho referenciais fortes do que

faço no dia-a-dia, na minha maneira de agir com os meus filhos: escutar, ter paciência,

planejar, priorizar, organizar, etc.”(grifo nosso)

Entrevistador: Que habilidades e atitudes são exigidas de você pela empresa?

Resposta: “Habilidades: saber escutar e esperar, velocidade, jogo de cintura, ação. Atitudes:

ética, profissionalismo.”

Através da formação discursiva do sujeito G1, podemos perceber sua ligação profunda com a

empresa, tendo como marco inicial uma garimpagem estratégica da empresa em recrutar os

cinco melhores alunos do curso de Engenharia Mecânica e os cinco melhores de Engenharia

Elétrica. Ela começou sua trajetória nessa empresa e esse é o seu primeiro e único emprego.

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Há uma indicação de utilizarmos um termo popular que pode metaforicamente realçar a

situação do sujeito G1 em relação à organização: “cria da casa” Essa organização, que já foi

estudada em outros trabalhos acadêmicos, é uma empresa que exige muito dos funcionários,

configurando-se dentro da abordagem de empresa estratégica utilizada por Enriquez (1997a,

1997b, 2001), Lima (1996) ou empresa hipermoderna utilizada por Pagès (1987).

Sua primeira formação discursiva a ser analisada é a da resposta à pergunta sobre o que ela

vislumbra como futuro profissional. Fica sugerido em sua resposta, um atrelamento, um

processo simbiótico, onde o seu futuro e o futuro da organização caminham e acontecem

juntos.

Numa parte dessa formação discursiva, o sujeito G1 afirma querer “poder transformar cada

vez mais a empresa XY (onde ela trabalha) num modelo ideal onde as pessoas sentem-se

apaixonadas por trabalhar, que continue sendo uma empresa de sucesso e de muitos

resultados”. Essa fala nos remete a uma afirmação de Enriquez (2001) na qual se um

indivíduo se identifica com a organização, se pensa apenas por meio dela, se a idealiza a

ponto de sacrificar sua vida privada aos objetivos que ela persegue, quaisquer que eles sejam

entrará de boa fé num sistema totalitário, transformado em um “sagrado transcendente” que

legitima sua existência. A formação discursiva da gestora G1 sugere esse “destino atrelado”,

entre ela e a organização.

Quando terminou a entrevista, o sujeito G1, perguntava, insistentemente, se ela havia se saído

bem, se ela não corria o risco de ser mal interpretada ou pré-julgada e se houvesse qualquer

dúvida que telefonasse, oferecendo o número do telefone celular. Suas expressões, suas

perguntas (estou indo bem?, “deu para entender?”) sugeriram uma insegurança pessoal

significativa.

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A partir de suas formações discursivas, de seu comportamento na entrevista; uma outra fala de

Enriquez (1996) necessita ser evocada para tentar contextualizar essa análise. O autor afirma

que os gerentes formam a categoria mais exposta ao discurso ideológico da empresa, pois eles

quase não têm outros pontos de referência, com um nível de identificação alto com a

organização, pensando que ela é inatacável, indicando que o sucesso social deles se paga com

uma grande vulnerabilidade psíquica, mesmo se esta permanece inconsciente. No caso do

sujeito G1, há que relembrar que é o primeiro e único emprego, havendo uma indicação de

uma absorção cultural forte (cria da casa). Uma frase do sujeito G1 deve ser ressaltada

corroborando o nível de identificação, de devoção e entrega (grifo nosso) dela para com a

organização: “pois acredito firmemente na capacidade da empresa em me valorizar e utilizar-

me (grifo nosso) onde poderia dar melhores resultados”.

Com relação às experiências do sujeito G1 no treinamento gerencial, onde foram aplicadas

práticas não-convencionais, ela afirma que o workshop contribuiu muito para clarear o que é

realmente trabalho em equipe, a auto-superação, o planejamento, o escutar, o inovar, o

respeitar as diversidades e conseguir tirar o melhor proveito delas e tudo isso só passa a ser

internalizado quando se vivencia. Ela ressalta também que o principal fator diferencial de uma

atividade do gênero é que “mexe com a essência da pessoa e assim você realmente se

transforma”.(grifo nosso) Por essa última frase dessa formação discursiva do sujeito G1 é

indicado perceber que essas práticas mobilizaram em muito a sua subjetividade, já que ela

afirma que mexeu com a essência, realmente aconteceu transformação. Ao associarmos o

termo “utilizar-me”(referindo-se à sua disponibilidade futura para com a empresa) à sua

frase:”mexe com a essência da pessoa e assim você se transforma” pode-se avaliar a

profundidade da identificação, adesão do sujeito G1 para com a organização e como esse

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workshop catalisou esse processo. Ao completar sua resposta, ela corrobora a afirmação

anterior ao se perceber transformada hoje com o que foi plantado no workshop.

Um dos pontos fortes da análise da formação discursiva do sujeito G1 é sua narrativa das

experiências que vivenciou em duas práticas específicas: o pular de costas de uma plataforma

de 1,5m de altura, entregando-se ao grupo e uma outra (body-jumping) que foi pular de 9m de

uma árvore. Segundo ela mesma afirmou, com essas práticas adquiriu coragem para

“separar-me” (grifo nosso). Nesta formação discursiva há um espaço para uma duplicidade

de entendimento provocada pela expressão do sujeito G1: “Separar-me” (grifo nosso). De

que? de um companheiro? Ou “separar-me” (grifo nosso) indicando uma cisão interna

devido a adesão profunda à organização, mobilizada por uma prática tão arrojada para o

contexto do sujeito? Uma outra situação percebida, a partir de toda a formação discursiva do

sujeito G1, é um “não-espaço” disponível para o relacionamento afetivo, já que a empresa

parece ocupar um grande território no psiquismo do sujeito. Há uma sugestão do sujeito G1

“estar casada” (profundamente comprometida) com a organização.

Lima (1996) afirma que o gestor diante das injunções de excelência e adesão total a

organização, se defende da tomada de consciência de sua real condição de sujeição,

camuflando seu sentimento de impotência oferecendo um terreno extremamente fecundo para

a empresa se instalar no psiquismo (introjeção). Esta fragilidade psíquica é explorada pela

organização para o alcance de seus objetivos econômicos.

Um outro ponto da formação discursiva do sujeito G1 que reforça a indicação de um nível

alto de adesão a organização, situa-se na resposta onde ela cita que “tenho referenciais fortes

do que eu faço no dia-a-dia, na minha maneira de agir com os meus filhos: escutar, ter

paciência, planejar, priorizar, organizar, etc.(grifo nosso) Apesar do sujeito G1 afirmar

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que sabe separar vida pessoal de vida profissional, seu discurso sugere uma atitude que

reproduz em casa com os filhos, o seu papel de gestora na empresa XY.

O sujeito G2 trabalhou durante 26 anos na empresa XY, sendo que nos últimos oito anos

trabalhou na universidade corporativa do grupo, “saindo” da organização em março de 2004.

Não ficou muito claro, por mais que se tentasse esclarecer, se o sujeito G2 se demitiu ou foi

demitido, já que foi confuso determinar isso até para ele. Mas se partirmos da premissa que o

sujeito G2 foi admitido na referida organização com 18 anos de idade, permanecendo nela até

os 44 anos de idade, pode se avaliar que existe um nível alto de envolvimento dele com a

empresa. Segundo o sujeito G2 e um outro funcionário que trabalhou 25 anos na mesma

empresa (que entrevistei informalmente), parece ser uma tática da empresa, fazer o

desligamento de funcionários antigos deixando no ar essa dualidade (foi demitido ou pediu

demissão?)

A relação do sujeito G2 com as práticas não-convencionais de treinamento gerencial teve um

caráter atípico. Segundo o entrevistado, ele foi encaminhado ao treinamento por seu diretor

imediato que lhe instruiu: - Vai lá e veja o que a gente pode fazer de parecido aqui nos nossos

treinamentos e principalmente na Universidade corporativa. O sujeito G2 se sentiu um intruso

no treinamento, pois se sentia um “espião” e um “sugador” de metodologia alheia. Talvez

devido a isso, o sujeito G2 tenha tido uma visão mais distanciada das práticas vivenciadas, da

metodologia aplicada, etc.

Para ele, na vivência daquelas “técnicas exóticas”, diferente de tudo que ele havia vivido em

anos de empresa, ele conseguia perceber que a organização estava lançando mão de todo

aquele aparato para responder a um mercado cada vez mais competitivo, frenético. Era como

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se a organização não conseguisse gerir aquele cenário que se apresentava e por isso ela

“terceirizava” aquela “gestão” baseada em esportes radicais e práticas “incomuns” que

prometiam “dar conta do recado”. Ele percebia claramente que a empresa, a partir desse

treinamento contratado, “tentava nos fornecer poder e força para mascarar nossas

fragilidades”. Ele relata que observava perplexo, colegas de trabalho que ele convivia há anos,

que ele sabia que “morriam de medo de altura”, participar de exercícios de pular de 9m de

altura, ou “cair de costas” sem nenhuma segurança, entregando-se aos braços da equipe. Ele

sabia como “espião e intruso” que era, e por isso, mais distante, que seus colegas estavam

“sendo treinados” para enfrentar o mundo corporativo.

Ao ser perguntado por quais sentimentos passou mesmo estando numa posição mais crítica e

“pé atrás”, ele revela que em alguns momentos ele “entrou” nas práticas e sentiu uma

sensação de alegria e vitória quando superava obstáculos. Admitiu sentir medo de não

conseguir realizar alguma das atividades e “antipatia” quando a crítica vinha e ele percebia”o

que havia por detrás dos exercícios”. Percebeu durante os três dias que passou junto com

vários colegas, que, o que mantinha a relação entre eles, era um “tolerar-se educadamente” e

de maneira “mal maquiada” havia uma luta enorme por poder.

Para ele, essas práticas não cumprem o que prometem: o processo de venda desses workshops

para ele é muito sedutor e eles (os consultores) percebem a fragilidade da empresa e vendem

aquilo que a “empresa mais almeja”. Mas na prática a eficácia desses treinamentos está longe

de tal alcance. Para ele, o mundo corporativo ainda é muito “castrador”, a lacuna entre o

discurso e a prática é muito grande. Por mais que haja incentivos, as pessoas ainda crêem que

a melhor estratégia de sobrevivência é responder ao “sistema” como ele pede. Ele afirma que

esse workshop apesar de “bater na tecla” do trabalho em time, incrementa em muito a

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competitividade e a superação. Salientou que não indicaria esse tipo de treinamento para

quem quer que seja.

Foi perguntado ao sujeito G2, como depois de ter dedicado 26 anos de sua vida a uma

organização, inclusive mudando-se para as proximidades de sua fábrica, ele consegue re-

organizar-se, readquirir sua identidade e refazer sua vida profissional?

Ele acha que tudo isso se deve aos mais de 10 anos de psicoterapia, leituras de

autoconhecimento, práticas de crescimento pessoal procuradas por ele fora do contexto

organizacional além de uma base familiar sólida. Ele afirma que conhece vários ex-colegas da

empresa XY, que “ao se demitirem ou serem demitidos” ainda não se encontraram, não

conseguem se desligar emocionalmente da empresa, estão perdidos.

Estabeleceremos uma interface da fala do sujeito G2 onde ele diz: “Meu diretor me instruiu:

Vai lá e veja o que a gente pode fazer de parecido aqui nos nossos treinamentos e

principalmente na universidade corporativa” com uma afirmação de Lima (1996). A autora

afirma que os ideólogos das empresas estratégicas ressaltam que o “gestor campeão” não é

um sonhador nem um grande intelectual. O campeão pode ser até mesmo um “ladrão de

idéias”. Mas ele é antes de mais nada um pragmático que se apossa da teoria de outros, se for

necessário, e insiste em colocá-la em prática.

É importante salientar também, que segundo Heloani (2003) e Enriquez (2001), as

universidades corporativas são uma forma que as empresas estratégicas encontram de

“educar” seus funcionários com ênfase em sua própria cultura, tentando “imunizá-los” contra

interferências “culturais e ideológicas” que poderiam ameaçar seus propósitos maiores.

Ainda dentro da fala do sujeito G2, onde ele foi instruído a “roubar idéias”, convém

lembrarmos que na história da gerência tem uma influência militar. Desde o General Urwick,

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passando por Taylor, sem nos esquecer do que afirmam Lima (1996) e Enriquez (1997 a e b)

que os treinamentos gerenciais dos novos modelos aproximam-se em muito dos métodos

utilizados pelas organizações militares. Então, a partir disso um “espião infiltrado” para

“roubar” estratégias de treinamento de gestores passa a ser apenas uma reprodução dessa

influência. Convém ressaltar também, os nomes que foram dados a algumas práticas não-

convencionais, corroborando essa idéia da estratégia militar: campo minado, fuga, etc.

Análise dos discursos dos sujeitos G3 e G4

O sujeito G3 é gestor da área contábil apesar de sua formação acadêmica ser em Ciências

Sociais. Ele exerce um cargo na área contábil porque durante sua época de estudante,

trabalhou num banco, onde se especializou nisso. Na entrevista demonstrou ter uma visão

crítica acentuada, a qual o próprio sujeito reporta à sua formação em Sociologia. Sua área de

trabalho é mais objetiva, numérica que também lhe proporciona uma objetividade maior na

visão empresarial.

Retornando à análise da formação discursiva do sujeito C2 que coordenou o treinamento que

o sujeito G3 participou, vale a pena ressaltar alguns aspectos para que possamos

contextualizar melhor a relação que se estabeleceu entre os sujeitos C2 e G3.

No discurso do consultor C2 ficou sugerido alguns aspectos fortes de narcisismo, de

imposição (tem que... tem que), de atitudes prepotentes e manipuladoras (eu abro uma

janela na mente do indivíduo).

O sujeito G3 tem, como já foi dito, uma perspectiva mais crítica das coisas, uma visão mais

pragmática do mundo empresarial, por trabalhar na área contábil, uma formação em Ciências

Sociais.

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Segundo o participante (G3), sua expectativa ao chegar no local do workshop era a de

“entender” o que aquele trabalho propunha e “eu tinha consciência que ia ser observado e

avaliado”. Para o sujeito G3, “o instrutor me provocou bastante, na maioria das vezes

diretamente, ele não admitia que eu questionasse, discordasse ou não achasse que determinada

prática ou exercício fosse o máximo, transformador..”

Nessa formação discursiva do sujeito G3, há uma sugestão de um conflito entre um instrutor

“todo-poderoso” (eu não me reúno com os dirigentes antes, eles confiam no meu taco), de

uma atitude “tem que”, “disciplinar e docilizadora” (Foucault 1977) com um sujeito que

“filtra” com um crivo crítico o discurso destinado a ele. Essa atitude “rebelde”, que segundo

Freire (2004) é um movimento sadio do aluno, tem também em Foucault (1977, p. 56) um

respaldo:

a análise baseada numa atitude crítica é o movimento em que o sujeito se dá o direito de interrogar a verdade sobre os efeitos do poder e interrogar o poder sobre seus discursos sobre a verdade.

O sujeito G3 afirmou que, apesar desse enfrentamento direto entre ele e o consultor C2, ele

procurou abstrair-se do conflito e “ver o que eu podia aprender, que mensagem eu poderia

levar comigo”. Ressalta que ficou reforçado para ele na questão de coordenar pessoas “que é

importante observar cada funcionário e agir com cada um de acordo com o feed back que

recebo dele mesmo de modo a estimular um ambiente positivo e integrador”, afirmando que

as atitudes “impositivas e invasivas” do coordenador (sujeito C2) só o direcionava para agir

diferente. Ele disse que aprendeu pelo “anti-treinamento”.

Uma outra afirmação relevante da formação discursiva do sujeito G3 é

que aqueles três dias para mim, eu percebendo um monte de coisas erradas, com a minha crítica “a mil”, com todos nós sendo torturados com técnicas questionáveis, com um consultor despótico, a maioria dos colegas aceitando tudo e se esforçando para cumprir tarefas, eu me aproximei muito de meus colegas, eu senti grande

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vontade de protegê-los. Claro que pensei várias vezes em ir embora, mas não deixaria meus colegas ali. Não sabia que eu tinha esse sentimento por meus colegas.

É importante nos atentarmos que a priori a postura do sujeito G3 era de distância crítica,

estranhamento. O sujeito G3 sugere em suas atitudes uma forma de adesão mais difícil,

sugerindo incompatibilidade com esse tipo de workshop. Mas a partir dessa última fala, “não

sabia que eu tinha esse sentimento por meus colegas” (o sujeito ficou muito emocionado, com

os olhos mareados ao falar isso na entrevista), percebe-se um potencial afetivo que surpreende

ao próprio sujeito. A indicação aqui é que a mobilização do sujeito G3 se deu a partir de uma

percepção indignada da manipulação sofrida pelos companheiros.

Mas numa outra pergunta o sujeito retoma seu lado objetivo, sugerindo uma capacidade de

“desidentificação”, sentimento esse que impede (protege?) o desenvolvimento de uma adesão

total a organização. Ao ser perguntado de como separava vida profissional de vida pessoal,

ele respondeu: “Indo para casa”.

O sujeito G4 é do sexo feminino, está na empresa há cinco anos, coordena a área de

benefícios e dá suporte na área de seleção de pessoal. Graduada em administração, chegou na

empresa no último ano do curso como estagiária.

Ao falar do workshop, afirmou que a experiência foi muito valiosa, “me ajudando a rever

conceitos e algumas atitudes do dia-a-dia. As práticas me estimularam a superar meus limites,

buscar novos desafios, vencer o medo”.

Ao ser perguntada sobre suas expectativas ao chegar no workshop respondeu: “esse trabalho,

pensei comigo mesma, é para contribuir para o desenvolvimento das pessoas”.

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O entrevistador sentiu a princípio que a formação discursiva do sujeito G4 era muito próxima

a um “discurso já pronto” ou como afirma Lima (1996) que ao entrevistar alguns gerentes de

uma organização estratégica, “eles enunciavam um discurso impregnado pela ideologia da

empresa”. Porém, essa impressão se intensificou no decorrer da entrevista na medida em que

o sujeito G4 demonstrava repetir um texto decorado.

O entrevistador tentando aprofundar o nível da fala, da percepção sobre o workshop

vivenciado, perguntou:

- Como você percebe, enquanto administradora, gestora da área de recursos humanos, a

utilização pela organização de treinamentos gerenciais não-convencionais dessa natureza,

como o que você vivenciou?

Resposta: É muito bom, principalmente, quando as empresas querem estimular o trabalho em

equipe e levar seus colaboradores a enfrentar seus medos.

Entrevistador: Em que esse treinamento particularmente contribuiu para sua vida pessoal e

profissional?

Resposta: Me incentivou a ser mais objetiva, mais ponderada no modo de agir, saber que

atingir metas não depende só de mim, me ajudou a ter uma visão geral das atividades da

empresa, produtividade, foco em metas, o que eu posso dar de melhor de mim para atingir

essas metas.

Entrevistador: Como você percebeu o instrutor?

Resposta: Ele sabe muito, ele é firme e sabe o que quer. Ele me ajudou a perceber que quando

eu desenvolvo, fico mais proativa, todos ao meu redor também ficam e a empresa anda.

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A formação discursiva do sujeito G4 nos indica uma proximidade do que Guattari (1986)

chama de “subjetividade serializada” ou “subjetividade capitalística”. Para o autor, na medida

que o Capitalismo globalizado caminha na busca de mais produtividade, de mais consumo,

promove e produz um tipo de subjetividade que caminha na maior parte do tempo, na contra-

mão de uma subjetividade singularizante. Manfroi (2004) fala de uma “subjetividade

determinada”, ou seja, o sujeito tem um texto pronto que determina seu pensar/agir, enfim,

sua formação discursiva.

Lima (1996) observou em sua pesquisa com gestores de empresas estratégicas, que aqueles

“com um discurso impregnado da ideologia da organização”, indicavam que suas carreiras

eram, em grande parte, o resultado da capacidade deles de se conformarem às normas,

valores, crenças e idéias “destiladas” pela empresa e adesão às políticas que as exprimem.

Concluindo, é importante nos remeter a Cabral (1999) quando este afirma que o discurso

serve de instrumento de dominação, na medida em que aqueles que são dominados colaboram

com os dominadores ao tomarem como certo, como um dado, tanto o próprio discurso quanto

a sua definição da situação.

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194

CAPÍTULO IV

4. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

O surgimento da gerência científica está associado ao Capitalismo e várias das teorias da

Administração surgiram com a finalidade de oferecer aos gestores conhecimentos oriundos

das ciências humanas e sociais, capazes de assegurar o envolvimento das pessoas com o

trabalho, que garante a produtividade que, por sua vez, resulta em lucro.

Cada uma a seu modo, as teorias administrativas defenderam (defendem!) os interesses do

capital. Decompondo o trabalho em atividades individuais e separando a inspeção da

produção, Taylor determinou que cada trabalhador fizesse apenas uma tarefa constantemente,

instituindo a utilização intensiva de mão-de-obra não especializada, num processo que, em

sua totalidade, é fortemente especializado. Com o álibi da especialização, Taylor também

demonstrou implicitamente a carência de que este saber fosse apropriado pela organização.

Esse “confisco da subjetividade do trabalhador” no dizer de Heloani (2003) impediu que o

saber recém-descoberto pudesse ser utilizado pelo operário apenas em proveito próprio, para

aumentar seu salário ou trabalhar menos. Dessa forma, o operário viu seu conhecimento ser

cientificamente difundido no conjunto da empresa, que o expropriou dele para supostamente

beneficiar ambas as partes: trabalho e capital. Como elemento basicamente passivo, cabia ao

trabalhador submeter-se ao sistema, de importância fundamental na visão taylorista. Esse

sistema cientificamente planejado é que vai permitir a “modelização da subjetividade” do

operário adaptando-a para a assimilação das vantagens de cooperação recíproca entre

trabalhador e administração. Dessa forma, Taylor esboçou um ensaio de “modelização do

inconsciente”, ou seja, tentou penetrar na esfera da subjetividade do trabalhador para

reconstruir a sua percepção segundo os interesses do Capitalismo.

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Nos países industrializados, a expansão do fordismo como forma de regulação possibilitou

que a produção em massa fosse articulada ao consumo de massa, mediada por acordos

políticos entre o Estado, o capital e os sindicatos. Em dado momento histórico, a expansão

dos direitos vinculados ao trabalho e o acesso ao consumo tiveram por base a proposta

centrada na cooperação entre as classes. Tempos modernos esses nos quais foram

estabelecidos arranjos, sendo a ciência incorporada como uma espécie de utopia redentora. A

administração dos tempos no fordismo se dava de forma coletiva pela adaptação do conjunto

dos trabalhadores ao ritmo imposto pela esteira, fator que subsidia na objetivação e

padronização de subjetividades. No fordismo o potencial de gestão da subjetividade foi

utilizado pelo capital como um mecanismo de dominar a subjetividade da classe trabalhadora

como meio de aplacar a luta de classes. Braverman (1987) denominou esse período da

gerência como aquele que conduz o trabalhador ao modo capitalista de produção.

Na teoria clássica de Fayol, fica subentendida a importância do “manejo dos homens”. Ficam

também instituídas a hierarquia monocrática e a unidade de comando. Desde Taylor e também

em Fayol, observa-se grande influência do militarismo, na mesma linha do Coronel Urwick,

legitimando a comunicação de cima para baixo. Muitos consideram a escola fayolista como

“uma escola de chefes”. Fayol advogou princípios gerenciais, antecipando-se no dizer de

Heloani (2003) aos teóricos da qualidade ao pretender englobar todos os agentes da empresa

no processo administrativo, reordenou a subjetividade dos trabalhadores no intuito de

produtividade.

Elton Mayo foi considerado o ideólogo da cooperação. Com ele, surge o conceito de

persuasão que deu lugar a autoridade formal. A persuasão, na Escola de Relações Humanas,

se dava pela via de um sistema de comunicações eficiente desenvolvido pela administração,

atingindo os grupos informais e sua colaboração. Muitos vêem a contenção direta de Taylor

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sendo substituída pela manipulação “proposta” por Elton Mayo. A “cooperação” dentro dessa

Escola é vista criticamente hoje como sinônimo da aceitação das diretrizes da administração,

escamoteando situações de conflito.

Pode-se afirmar que tais teorias e práticas visavam mobilizar a subjetividade dos

trabalhadores, tendência que atingiu seu apogeu e realce nos novos modelos de gestão

advindos da nova face do Capitalismo: globalização e reestruturação produtiva.

A análise do construto subjetividade foi dificultada pela abrangência e profundidade do tema,

encontrando em autores como Fonseca (2002), Foucault (1977, 1989), Guattari (1986),

Pimenta (2004), Dimenstein (2002), Araújo (2002), Nardi (2002) e Heloani (2003) suas mais

adequadas conceituações ao contexto proposto. O conceito de subjetividade foi evoluindo e se

articulando ao longo do tempo, e na contemporaneidade circunscrevendo-se numa

interrelação entre o mundo interno e o processo externo (econômico, histórico, social,

político, religioso) ressaltando que os elementos dessa relação estão em constante dinamismo.

Guattari (1986) contribuiu em muito nessa dissertação com o conceito de produção de

subjetividade. Segundo o autor, a essência do lucro capitalista está na tomada do poder da

subjetividade, modelizando-a. Uma visão alentadora do estudo da subjetividade, também faz

parte das perspectivas de Foucault (1977, 1989) e Guattari (1986) que oferecem

possibilidades ao indivíduo de manter sua singularidade, apostando em sua capacidade de

transformar a própria realidade. Pimenta (2004) apoiada em Castoriadis (1990) fala de uma

subjetividade que, atracada ao plano individual e remetida ao coletivo, se ramifica e se

reproduz no interior da unificação que pretende operar o poder dominante. Fonseca (2002,

2004) fala de uma subjetividade interna articulada com o tecido urbano, com os processos de

trabalho, com a ordem social suporte das forças produtivas numa processualidade constante.

Aborda também o âmago da subjetividade individual “lá onde a vida pulsa e luta para se

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expandir e se reinventar”. Heloani (2003) enfatiza a subjetividade do trabalhador como a

própria capacidade deste de perceber o mundo, afirmando que todas as teorias administrativas

tentaram manipular esta percepção em prol do capital.

Nosso interesse se prende aos novos modelos de gestão e, particularmente, às práticas não-

convencionais destinadas ao desenvolvimento dos gerentes, práticas essas que visam a

mobilização da subjetividade deles para os fins cada vez mais ambiciosos do capital. O modo

com o qual o fator humano é gerenciado nas organizações depende, basicamente, do modelo

de gestão adotado e, principalmente, do paradigma industrial predominante, ou seja, os

modelos de gestão reproduzem os modelos vigentes e ao mesmo tempo influenciam o

ambiente, num movimento de mútua transformação. Partindo dessa premissa, nosso trabalho

focalizou os modelos de gestão baseados no paradigma “eficiência 100% e erro zero”,

modelos esses utilizados pelas empresas estratégicas no dizer de Enriquez (1997a e b, 2001) e

Lima (1996) ou empresa hipermoderna de acordo com Pagès (1987). Esses modelos de

gestão, envoltos num cenário altamente competitivo e flexível, pretendem o desenvolvimento

da iniciativa, da capacidade cognitiva, do raciocínio lógico, do potencial criativo para que os

funcionários possam dar respostas imediatas a situações-problema.

A lógica do paradigma taylorista-fordista propunha uma utilização parcelada do indivíduo, ou

seja, só eram mobilizados aqueles conhecimentos e habilidades diretamente necessários a um

determinado posto de trabalho, que poderia ser de gerência (planejamento) ou de execução.

Todos os outros conhecimentos/habilidades porventura existentes, bem como atitudes,

valores, crenças ou sentimentos eram desconsiderados, uma vez que não eram objetivamente

mobilizados pelo cargo ou posto de trabalho. Nos novos modelos de gestão, principalmente

nas organizações estratégicas ou hipermodernas, “é a alma do funcionário que deve estar no

posto de trabalho”. A consolidação da regulação denominada “flexível” e a expansão do

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neoliberalismo, bem representadas pelas formas japonesas de organização do trabalho, como

o toyotismo, o sistema just-in-time, o kaizen e os CCQs instigam muitos autores a asseverar

que esses sistemas configuram-se num taylorismo-fordismo travestido. Esses sistemas

atentam cada vez mais para as formas de relação individual com o trabalhador, dentro de um

discurso de “equipe coesa”, dificultando a construção de formas coletivizadas de relação, o

que impede o desenvolvimento de maneira equilibrada das relações no mundo do trabalho,

padronizando subjetividades. Prescreve-se hoje, na era da qualidade total, da cultura

corporativa, que os funcionários devam ser protagonistas ativos e pensantes, porém, o ser

humano requerido na organização é “contraditório e paradoxal” e o humanismo é de fachada.

(AKTOUF, 1996; CORRÊA, 2004; HELOANI, 2003; LAZZARATO, 2001; LIMA 1996).

No dizer de Enriquez (2001), é no momento mesmo que o mundo organizacional preconiza a

eficácia, a paixão pela excelência, a qualidade total, a busca do defeito Zero, é que as

empresas adotam práticas não-convencionais de desenvolvimento gerencial mobilizadoras da

subjetividade. Nesses novos modelos, os gestores foram escolhidos como os arautos de novas

estratégias, passando a ser observados e focalizados como os pontos-chave dessas novas

demandas. O próprio Enriquez (1996) afirma que o motivo dessa focalização no gerente é que

“eles formam a categoria mais exposta ao discurso ideológico da organização, pois eles quase

não têm outros pontos de referência tendendo a uma identificação forte com a organização e

seus propósitos”.

Lima (1996) destaca que atualmente o desenvolvimento de métodos de formação de gestores

se aproxima das técnicas utilizadas pelas organizações militares, também contemplando a

síntese dos modelos americano e japonês, ao tentar imprimir o espírito de equipe à moda

japonesa, reforçando, simultaneamente, o esforço individual e sucesso pessoal, que são

característicos do modelo americano. Nessas práticas não-convencionais, que Enriquez (2001)

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denomina “aberrantes”, incluem-se estágios de sobrevivência na selva, práticas advindas dos

esportes radicais, técnicas que mobilizam “o medo e a adrenalina”, entre outras. Essas práticas

têm o objetivo de levar o indivíduo a descobrir em si mesmo “competências” (com endereço

certo no mercado hipercompetitivo) e qualidades que esse funcionário ignorava que possuía,

já que as empresas começam a exigir que seus empregados, principalmente os gestores, sejam

“guerreiros vencedores”, “esportistas”, “matadores frios”. Os novos gestores devem ter um

gosto pelo risco e pela batalha. As práticas não-convencionais que foram pesquisadas

caminham no sentido dessa demanda e se caracterizam principalmente por constituírem

em treinamentos onde a mobilização das emoções dos participantes é mais enfocada do

que a aprendizagem racional/intelectual.

Na tentativa de avaliar o nível de envolvimento que é cobrado dos gestores nos novos

modelos, analisaremos uma prática que tem se tornado muito comum nesses métodos,

chamada calha (a qual já foi citada anteriormente mas sentimos pertinente repeti-la) ;

que à primeira vista parece simples e inofensiva. Porém, como diz Mainguenau (1997) uma

análise do discurso é capaz de transportar nosso olhar a compreensões menos óbvias, mais

profundas, através da desconstrução do literal, rompendo a opacidade das palavras e das

frases, desvelando os segredos dos subentendidos. Essa prática se inscreve dentro da demanda

da “equipe coesa” cantada e decantada nesses novos modelos de gestão e indica mobilizar os

gestores, independente do gênero, em nível da sua virilidade/dignidade/hombridade. Vejamos

a seguir a reprodução fidedigna das instruções para aplicação da prática Calha.

Descrição: O grupo deve levar algumas bolas para um único balde com o auxílio de calhas.

Objetivos dessa prática: trabalho em equipe; cooperação; e determinação no alcance de

resultados.

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O grupo deve se unir, cada um segurando um pedaço de calha para formar um escoadouro e

fazer com que uma seqüência de bolas, metáfora das vendas da empresa, possa rolar

livremente até cair dentro de um balde, metáfora do “negócio fechado”. Acontece que as

calhas unidas formam apenas um quinto da trajetória até o balde e cada integrante da equipe

deve correr com seu pedaço de calha para prolongar o escoadouro assim que a bola passa. Às

vezes, no meio da trajetória, o balde é subitamente transferido de lugar, obrigando o grupo a

reorientar a formação do escoadouro. Nessa linha de montagem, um erro individual pode, a

qualquer momento, comprometer o trabalho, e a vigilância de todo o grupo ajuda a cada um a

não falhar na sua missão. No exercício, existem várias funções que vão sendo

automaticamente preenchidas por pessoas com mais habilidade naquela tarefa. Por meio de

experimentações, a equipe vai se organizando sem um líder formal. No início, o jogo vira o

caos, um verdadeiro deus-nos-acuda, mas, à medida que cada participante encontra a posição

em que melhor atua, as vendas- isto é, as bolas- começam a cair no balde do “negócio

fechado”... com uma facilidade cada vez maior !

Conceito: Cada pessoa deve conhecer todo o processo produtivo da empresa, concentrar-se

naquilo que sabe fazer melhor e empenhar-se com as suas bolas...(desculpe)...como se sua

vida dependesse do resultado das bolas. (grifo nosso)

No seu livro, o autor que propõe essa prática, “faz um gracejo” no conceito desse exercício:

“empenhar-se como se as suas bolas (desculpe...) como se a sua vida dependesse do

resultado das bolas!” Nessa formação discursiva de teor irônico, onde é simulado um ato

falho, trabalha-se com a metáfora das “bolas”, o chamado “culhão” no imaginário popular,

que tem um significado de virilidade, dignidade, hombridade, coragem, identidade masculina.

Um ex-presidente do Brasil usou esta metáfora associada a uma cor para dizer de seu poder,

de sua força e coragem. É importante salientarmos que nessa prática, através do seu discurso,

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é sugerido existir uma intenção fortemente mobilizadora subjacente a ela, à medida que o

autor que a propõe associa a virilidade/dignidade/coragem e identidade masculina (dos

participantes) aos trâmites dos negócios, “como se a sua vida dependesse do resultado das

bolas”, dos negócios. A partir dessa análise, como fica a situação da mulher trabalhadora

nesse contexto? Somente a mulher predominantemente fálica, no dizer psicanalítico, que tem

“culhões”(bolas), é que poderá ter um espaço nesse cenário? Ou o Capitalismo que na visão

de Guattari (1986) é um grande “produtor de subjetividades”, já estará tratando dessa

demanda, dessa “encomenda” do mercado? Os novos modelos de gestão, dentro desse

contexto, estarão também “produzindo essa subjetividade” nas mulheres? Essa questão poderá

servir de tema para novos estudos.

Para analisar práticas não-convencionais mobilizadoras da subjetividade dos gestores, como a

que acaba de ser exposta, foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa com uma perspectiva

exploratório-descritiva combinadas possuindo fortes componentes analítico-interpretativos. O

instrumento de coleta de dados foi a entrevista semi-estruturada e foram sujeitos dois

consultores que aplicaram as práticas e quatro gestores que se submeteram a elas.

A análise do discurso que tratou os dados relativos aos consultores que aplicaram as práticas

se estendeu aos sites informativos, livros publicados, além da entrevista semi-estruturada.

Quanto aos gestores que se submeteram às práticas, a análise se restringiu à entrevista semi-

estruturada. Analisando os resultados, observamos por parte dos consultores que aplicaram os

treinamentos, em seus discursos contraditórios apregoados, por um lado, uma valorização da

pessoa e seu potencial e por um outro lado, um direcionamento que só focaliza as metas da

organização. Não há indícios de uma mobilização da subjetividade centrada no aprendiz,

indicando que esses treinamentos são, de fato, mobilizadores do que é interessante aos

propósitos da organização, ou seja, há uma sugestão de modelização, padronização e

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expropriação da subjetividade sempre no sentido do capital. Na análise do discurso desses

consultores, existem indicativos de uma formação discursiva sedutora, baseada em posições

que sugerem narcisismo, prepotência, invasão da subjetividade do aluno e ironia.. Aparecem

também indicativos de atitudes desrespeitosas e incoerentes, dentro de uma formação

discursiva que ao ser “lida” superficialmente, se baseia no respeito e na valorização da pessoa

humana. Essas atitudes que sugerem desrespeito e incoerência, em um discurso que denota

um distanciamento da realidade prática, é que subjazem o que esses consultores denominam

“processo educativo de gestores”. As práticas estudadas em geral são impostas aos

participantes, já que há uma sugestão “pairando no ar” de que a adesão a esses métodos pode

garantir o emprego e a ascensão profissional, abolindo o fantasma de se sentir obsoleto, tão

freqüente nesses novos modelos. Tanto nas práticas, quanto no dia-a-dia organizacional ficou

evidenciado nas falas das duas categorias entrevistadas, que o caminho mais indicado é o da

“equipe coesa”. Esse fato nos recorda Enriquez (2002) que assevera que essa trilha pode levar

a uma anulação pessoal. Além dessa anulação pessoal pontuada por Enriquez (2002), nos

deparamos também com as pesquisas mais recentes de Lima (2001). Para a autora “os

paradoxos observados na busca desenfreada pela excelência nas empresas, principalmente nas

distorções existentes entre o discurso e a prática causam impactos negativos na saúde mental

do trabalhador”. Esse tema na nossa opinião mereceria mais atenção e pesquisa, já que os

estudos de Lima (2001) revelam que a maioria dos gestores submetidos a injunções

contraditórias e paradoxais termina por adotar comportamentos de caráter perverso, que

consistem na manipulação, na instrumentalização do outro, na dissimulação e na hipocrisia,

quase sempre, sem qualquer indício de culpabilidade. A autora ratifica que são

comportamentos perversos, que não necessariamente configuram em pessoas de caráter

perverso, sugerindo que a adoção desses comportamentos foi uma das formas de

sobrevivência encontrada pelos gestores nesse contexto empresarial. (grifo nosso)

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203

Estabelecendo uma conexão entre a perspectiva de Lima (1996,2001) sobre a adoção de

comportamentos perversos como forma de sobrevivência em empresas estratégicas

(principalmente entre a categoria dos gestores), com o conceito de produção de subjetividade

de Guattari (1986,1996) associado a muitos dados de nossa pesquisa, ousamos dizer que há

um forte indicativo de produção de uma subjetividade perversa permeando a intenção real

dessas práticas descritas.

Destacamos uma fala de um dos entrevistados - o sujeito G2 - que relatou que a organização

ao tentar responder a um mercado cada vez mais competitivo e frenético, sem conseguir,

“terceiriza” essas práticas não-convencionais de desenvolvimento gerencial, como se os

esportes radicais, essas práticas incomuns em geral, pudessem “dar conta do recado”.

Completando: “a organização tenta nos fornecer poder e força através desses workshops para

mascarar nossas fragilidades”. Essa fala é fortemente corroborada pelas visões de Enriquez

(1997a, b, 2001), Lima (1996), Heloani (2003). Na visão do sujeito G2, os consultores

contratados “farejam” essas lacunas e debilidades das organizações, oferecendo esses

workshops que prometem mobilizar as pessoas tornando-as aptas para a “guerra”.

Na análise do discurso dos gestores que vivenciaram as práticas, observa-se que, aqueles que

estão num processo forte de identificação com a empresa, que não alcançam “distância

crítica”, assujeitam-se, sem questionar o que há por trás desses treinamentos. Gestores com

um distanciamento crítico conseguem perceber os “subentendidos por trás dessas práticas”,

decodificando intenções e com isso caminham no sentido da administração de sua adesão.

Através da análise do discurso do sujeito G1, por exemplo, há um forte indicativo de um

“casamento com a empresa”, uma adesão total no dizer de Enriquez (1997 a, b).

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204

Há uma sugestão de que essas práticas funcionem como “arte final” de um trabalho de

mobilização da subjetividade já iniciado na empresa através de suas políticas e do processo

cultural, como já foi dito por Enriquez (1997 a, b, 2001) e Lima (1996). Um indicativo de

conclusão dessa pesquisa (e esse se constitui no foco de nossa crítica) é, que esses

treinamentos, essas práticas só atendem a um lado da moeda. Vários autores, tais como Davel

& Vergara (2001;p.50) apregoam que:”responsáveis pela gestão de pessoas devem perseguir

objetivos que criem vantagens competitivas para a empresa por meio das pessoas e iguais

vantagens para as pessoas” e os resultados de nossa pesquisa não nos indicam isso. Os

processos educativos embutidos nessas práticas parecem não se configurar numa educação

emancipatória, o que seria no nosso olhar as vantagens para as pessoas, além do salário,

benefícios, reconhecimentos em geral. O que podemos observar a partir da bibliografia

consultada e de nossa pesquisa é um processo de formação de gestores voltada e focada para

os objetivos organizacionais somente. A partir dos dizeres de Enriquez (2001), Pagés (1987),

os quais afirmam acontecer um processo de identificação tão profundo entre empregado e

organização (e esse processo é requerido e estimulado em empresas estratégicas), pressupõe-

se então um discurso velado de que, se a empresa se desenvolve, o empregado também se

desenvolveria. Mas quando acontece o desligamento do empregado, há um indicativo desse

processo simbiótico ruir, configurando que geralmente só a empresa se beneficia. O próprio

Enriquez (1997b p.25) afirma que “o dia em que o herói estiver exaurido será colocado num

desvio da estrada de ferro, licenciado, o que equivale à sua eliminação da vida social”. Essa

fala nos remete à questão da educação emancipatória a partir da indicação que esses

treinamentos atendem a demanda de um momento, do mercado das empresas estratégicas ou

hipermodermas e não se constituem numa contribuição para a formação do sujeito como um

todo. Esses treinamentos, posto que mobilizam profundamente o psiquismo dos sujeitos,

necessitariam inclusive ter como intenção também a inserção social deles, independente de

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sua posição na empresa ou dela, nos indicando que de fato, essas práticas apenas reforçam

essa super identificação, essa anulação pessoal e até a alienação apontada pelos vários autores

consultados.

Um aspecto importante a ressaltar nas práticas não-convencionais está na mobilização de

sentimentos básicos e profundos do indivíduo como o medo, a raiva e a frustração. A

metodologia desses workshops conduz a uma “dinâmica de grupo” imediatamente após as

práticas, onde um “facilitador” interfacia esses sentimentos mobilizados, principalmente o

medo com o dia-a-dia organizacional. O objetivo é uma mobilização profunda do indivíduo

para o fortalecimento das metas organizacionais, onde o lado “guerreiro” e “destemido” do

funcionário tem destino certo: lutar pelo lucro. Na visão de Dejours (2001) há um indicativo

de que a verdadeira intenção da mobilização do medo nas organizações (as práticas não-

convencionais através da utilização dos esportes radiciais focalizam o medo/adrenalina) é de

que a exploração deste medo aumente a produtividade, exerça uma pressão no sentido da

ordem social (a docilização e disciplina no dizer de Foucault) e estimule o processo de

produção de “saberes tácitos”, indispensáveis ao funcionamento da empresa.

É mundialmente lembrado um acidente aéreo acontecido nos Andes em 1972, a 3.500 m. de

altitude, com vários jovens jogadores de futebol de salão (rúgbi) do Uruguai, que estavam

com suas mães, irmãs e namoradas. Todas as mulheres do grupo morreram, assim como

muitos jogadores, sobrevivendo inicialmente vinte e nove pessoas das 45 que estavam no vôo.

As buscas cessaram, a comida e a água acabaram, os feridos eram muitos, o frio era cada vez

mais intenso (-30 graus), as avalanches de neve eram constantes, matando mais alguns

sobreviventes. Com vários corpos enterrados na neve ao redor dos destroços do avião (único

abrigo), os sobreviventes, depois de muita luta interna e externa, decidiram, ainda com muito

sofrimento e repulsa, se alimentar dos corpos dos próprios parentes e amigos. Era a única

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fonte de proteína disponível, a questão era a sobrevivência. Depois de setenta e dois dias,

dezesseis sobreviventes foram encontrados. Nos dias de hoje, trinta e dois anos depois, dois

sobreviventes dos Andes viajam com certa freqüência a São Paulo, Rio de Janeiro, Belo

Horizonte, Porto Alegre, contratados por consultorias de ponta para ministrarem palestras em

auditórios lotados para novos gestores, em sua maioria. Eles são incitados a contar detalhes

dessa tragédia, a falar da força que a equipe teve que arregimentar, da coragem que tiveram

que mobilizar para comer o único alimento disponível que tinham, quebrando não só um

paradigma, mas rompendo um tabu. Dentro desse ciclo de palestras para a mobilização da

subjetividade de gestores dos novos modelos, as dos sobreviventes dos Andes têm sido as

mais concorridas. Esse fato nos leva a um questionamento: O que o Capitalismo através

desses novos modelos de gestão quer aprender desses homens, que buscando sobreviver,

tiveram que se alimentar dos corpos mortos de parentes e amigos; se esse mesmo Capitalismo

tem, em sua ambição desmedida, em seu frenesi, consumido a vida de tantos seres vivos?

Essa questão nos remete a uma fala de Fonseca (2004) em correspondência pessoal com o

autor dessa dissertação que diz: “Essas práticas não-convencionais descritas, essa questão de

testar os sujeitos em sua coragem e resistência para enfrentar desafios, parece ir além da

docilização proposta por Foucault, parece ir além dos corpos. Essas práticas parecem

buscar controlar e capturar além, numa vampirização da própria vida do trabalhador,

lá, onde essa vida, em sua potência, pulsa e luta para se expandir e se reinventar”. (grifos

nossos)

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REFERÊNCIAS

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