PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... ·...

52
Prática VI Profa. Sônia Virgínia Martins Pereira 2 a edição | Nead - UPE 2011

Transcript of PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... ·...

Page 1: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

Prática VI

Profa. Sônia Virgínia Martins Pereira

2a edição | Nead - UPE 2011

Page 2: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife

Pereira, Sônia Virgínia Martins

Letras: Prática VI/ Sônia Virgínia Martins Pereira. - Recife: UPE/NEAD, 2011.

52 p. il.

ISBN - 978-85-7856-106–2

1. Prática de Ensino 2. Letras 3. Língua Portuguesa 4. Educação à Distância I. Universidade de Pernambuco, Núcleo de Educação à Distância II. Título

CDD – 17ed. – 370.733 Claudia Henriques – CRB4/1600 BFOP-087/2011

P436l

Page 3: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

Reitor

Vice-Reitor

Pró-Reitor Administrativo

Pró-Reitor de Planejamento

Pró-Reitor de Graduação

Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa

Pró-Reitor de Extensão e Cultura

Prof. Carlos Fernando de Araújo Calado

Prof. Rivaldo Mendes de Albuquerque

Prof. José Thomaz Medeiros Correia

Prof. Béda Barkokébas Jr.

Profa. Izabel Christina de Avelar Silva

Profa. Viviane Colares S. de Andrade Amorim

Prof. Rivaldo Mendes de Albuquerque

UNIVERsIDADE DE PERNAmbUCo - UPE

NEAD - NÚCLEo DE EDUCAÇÃo A DIsTÂNCIA

Coordenador Geral

Coordenador Adjunto

Assessora da Coordenação Geral

Coordenação de Curso

Coordenação Pedagógica

Coordenação de Revisão Gramatical

Gerente de Projetos

Administração do Ambiente

Coordenação de Design e Produção

Equipe de design

Coordenação de suporte

EDIÇÃo 2011

Prof. Renato Medeiros de Moraes

Prof. Walmir Soares da Silva Júnior

Profa. Waldete Arantes

Profa. Silvania Núbia Chagas

Profa. Maria Vitória Ribas de Oliveira Lima

Profa. Angela Maria Borges CavalcantiProfa. Eveline Mendes Costa LopesProfa. Geruza Viana da Silva.

Profa. Patrícia Lídia do Couto Soares Lopes

Igor Souza Lopes de Almeida

Prof. Marcos Leite Anita SousaGabriela CastroRafael Efrem Renata MoraesRodrigo Sotero

Afonso BioneProf. Jáuvaro Carneiro Leão

Impresso no Brasil - Tiragem 150 exemplaresAv. Agamenon Magalhães, s/n - Santo AmaroRecife - Pernambuco - CEP: 50103-010Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664

Page 4: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,
Page 5: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

5

Prática Vi O EnsinO da Língua

E suas VariEdadEs nO cOtidianO EscOLar

Profa. sônia Virgínia martins PereiraCarga Horária | 60 horas

EmEnta

Aspectos socioculturais da linguagem: variação linguística, norma padrão e ensi-no de língua. Preconceito linguístico. Diferença/deficiência linguística. A impor-tância das variedades linguísticas no ensino da Língua Portuguesa. Elaboração de Proposta de Ensino.

ObjEtiVO gEraL

Compreender o fenômeno da variação linguística em suas diferentes manifes-tações, refletindo sobre as implicações pedagógicas da tomada desse fenômeno como objeto de ensino da língua portuguesa na educação básica.

aPrEsEntaçãO

Car@s Alun@s,

Nesta disciplina “Prática VI – o ensino da língua e suas variedades no cotidiano escolar”, pretendemos contribuir com reflexões sobre o ensino das variedades linguísticas na escola, vendo o português como uma língua heterogênea e dinâ-mica, como todas as línguas vivas e que, por isso, apresenta mudanças de várias ordens ao longo de seu processo de desenvolvimento. Em decorrência disso, entendemos que à escola cabe a análise das diferentes variedades presentes em nossa língua materna, além da norma padrão.

Abraço,

Profa. Sônia Martins

Page 6: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,
Page 7: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

7Capítulo 1 77Capítulo 1

ObjEtiVOs EsPEcíficOs

• Identificarasvariedadesdolatim, línguadeorigemdalínguaportuguesa,reconhecendo-as como elementos fundamentais para a formação do portu-guês e de outras línguas;

• Levantarfatoshistóricosqueconstatamvariações/variedadesnoportuguêsarcaico;

• Discutir,sobumaperspectivavariacionista,asinfluênciasdefatoresdenatu-reza linguística (internas) e sociais (externas) que tendem a sofrer o fenôme-no variacional;

• Transporparao contexto escolar o conhecimento sobre as variedadesdoportuguês em seu processo histórico de estabelecimento como manifestações linguísticas legítimas.

intrOduçãO

Este primeiro capítulo da disciplina “O Ensino de Português e suas variedades” propõe uma reflexão sobre as variações da língua portuguesa em seus primór-dios, quando esta se originou do latim.

Dois aspectos temos como importantes na condução desse estudo: o primeiro, diz respeito ao fenômeno da variação linguística – comum a todas as línguas, – mas com a atenção no fato de que foram as variedades do latim que formaram o nosso idioma. Com isso, entendemos as variedades históricas de nossa língua como fatos que a enriquecem e não que a maculam, como insistem em pensar muitos usuários do português.

O segundo aspecto volta-se para as questões do ensino da língua portuguesa e de como se podem considerar as variedades da língua na escola, sem cair no estere-otipado ou sem destacar os períodos históricos estanques que, a depender da for-ma como trabalhados, podem desestimular o interesse dos estudantes pelo tema.

PanOrama HistóricO sObrE as VariEdadEs da

Língua POrtuguEsa

Profa. sônia Virgínia martins PereiraCarga Horária | 15 horas

Page 8: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

8 Capítulo 1

Diante dessa proposta, espero que você, gradu-and@ do Curso de Letras busque aprimorar e aprofundar os temas aqui tratados, na tentativa de (re)significá-los, garantindo-lhe uma formação que lhe mostre a riqueza que as muitas variedades da nossa língua materna acrescentam ao nosso patri-mônio linguístico.

tEmática 1: as VariEdadEs da Língua POrtuguEsa Em suas OrigEns

O idioma português, como língua românica ou ro-mântica – também chamada de língua neolatina - tem origem no Latim vulgar, falado pelas classes populares, com base nas variações de sua fonética, semântica, estilística, dentre outros aspectos. Nos-sa língua, portanto, pertence a um grupo de idio-mas provenientes da família mais vasta das línguas indoeuropeias.

Esse grupo é constituído contemporaneamente por alguns idiomas principais: português, espanhol, ca-talão, italiano, francês e romeno, tendo, também, grande diversidade de idiomas usados por um me-nor número de falantes, como o galego, o vêneto, o occitano – este último estabelecido em Provença, na França) –, o sardo e o romanche, uma das lín-guas oficiais da Suíça; e dialetos – aragonês, asturia-no, valenciano, e muitos outros pulverizados pela Europa Central e pela América Latina. O mapa a seguir apresenta um panorama geral dessas línguas.

As línguas neolatinas resultaram de um processo de romanização, quando cinco séculos antes de Cristo os romanos, com vistas a ampliar o seu im-pério, passaram a conquistar e dominar diferen-tes povos. Não se pode falar com precisão qual a língua falada pelos povos habitantes da Península Ibérica antes de os romanos tomarem posse dela.

Com ações típicas de invasores, os conquistadores romanos demarcavam o território deixando seus soldados com a missão de transformar a terra con-quistada numa nova Roma. Impunham sua cultu-ra, seus costumes e, logicamente, sua língua, nesse caso, a Língua Latina. Naturalmente, com o passar do tempo, essa língua absorvia aspectos próprios da língua nativa falada pelos povos colonizados e igualmente influenciava essa língua, passando a re-ceber um nome que a singularizava, por ser resul-tante da mistura de falares dos dois povos. Assim, pode-se afirmar que as línguas neolatinas são uma continuação do latim vulgar.

A ocupação da Península Ibérica pelos romanos ocorreu no séc. III antes de nossa era. Aquele ter-ritório, porém, só foi incorporado ao Império Ro-mano no ano 197 antes de Cristo. Mesmo assim, o Latim, língua dos conquistadores, foi gradativa-mente suplantando a dos povos pré-latinos. Deve--se ressaltar, entretanto, que o Latim implantado na Península Ibérica não era o adotado por Cícero e outros escritores da época clássica, o chamado Latim Clássico e sim o denominado Latim Vulgar. Este, segundo alguns estudiosos, era caracterizado por vocabulário reduzido, falado por usuários que

Font

e: W

ikip

édia

– a

cess

o e

m 3

1 de

jane

iro d

e 20

10

Legenda

Castelhano

Português

FranCês

ItalIano

romeno

(Cores esCuras IndICam língua oFICIal; Cores Claras, língua de uso Comum).

Page 9: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

9Capítulo 1

utilizavam a língua em sua forma prática sem as preocupações de estilísticas do falar e do escrever, recor-rentes na época.

Dicas De Pesquisa

Seria interessante conhecer, um pouco que seja, as línguas que se falavam na Península Ibérica. O Atlas Linguístico da Península Ibérica (ALPI, vol. 1, 1962) é uma boa fonte de pesquisa, por apresentar um retrato dessas línguas.

Aqui você pode ter uma visão geral sobre as línguas da Península Ibérica.

O Português vem do Latim vulgar

Já sabemos que o latim era a língua corrente do Im-pério Romano e que este conquistou regiões exten-sas. Com tais conquistas, vai o latim proliferar em todos os rincões e levado por seus falantes de dife-rentes classes sociais: soldados romanos, colonos, homens de negócios. Houve assim, grande difusão do latim, favorecida pelas viagens dos conquistado-res. O latim se difundiu acarretando falares diver-sos de conformidade com as regiões e povoados, surgindo daí as línguas românticas ou neolatinas.

O Desabrochar da “Última flor do Lácio”

A expressão “Última flor do Lácio, inculta e bela” é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa, de

Font

e: w

ww

. goo

gle.

com

.br.

Aces

sado

em

15

de fe

vere

iro d

e 20

11

Olavo Bilac, poeta brasileiro que viveu no período de 1865 a 1918. Esse verso é usado para designar o nosso idioma: a última flor é a língua portuguesa, considerada a última das filhas do latim. O latim era a língua falada na região do Lácio (chamado de latium, daí o seu nome), centrada na cidade de Roma.

O termo inculta empregado no poema, a nosso ver, revela um pensamento próprio da poesia parnasia-na que buscava um purismo no trato da língua, mas essa ideia ainda é muito presente na atualida-de, em que alguns veem como maltrato à língua portuguesa algumas de suas variações. Leia o poe-ma na íntegra:

Page 10: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

10 Capítulo 1

Língua Portuguesa

Última flor do Lácio, inculta e bela,És, a um tempo, esplendor e sepultura:Ouro nativo, que na ganga impuraA bruta mina entre os cascalhos vela…Amo-te assim, desconhecida e obscura,Tuba de alto clangor, lira singela,Que tens o trom e o silvo da procelaE o arrolo da saudade e da ternura!Amo o teu viço agreste e o teu aromaDe virgens selvas e de oceano largo!Amo-te, ó rude e doloroso idioma,Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”E em que Camões chorou, no exílio amargo,O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

Olavo Bilac

Assim como Bilac, Caetano Veloso reverencia a língua portuguesa de maneira informal em seu tra-to lúdico com as diferentes variações do português de nosso país, na letra de música “Língua”, da qual são analisados alguns trechos. Veja, primeiramen-te, a letra integral:

Língua

Caetano Veloso

Gosto de sentir a minha língua roçarA língua de Luís de CamõesGosto de ser e de estarE quero me dedicarA criar confusões de prosódiasE uma profusão de paródiasQue encurtem doresE furtem cores como camaleõesGosto do Pessoa na pessoaDa rosa no RosaE sei que a poesias está para a prosaAssim como o amor está para a amizadeE quem há de negar que esta lhe é superiorE deixa os portugais morrerem à míngua“Minha pátria é minha língua”Fala mangueira!Fala!Flor do Lácio SambódromoLusamérica latim em póO que querO que podeEsta língua?Vamos atentar para a sintaxe dos paulistasE o falso inglês relax dos surfistasSejamos imperialistasVamos na velô da dicção choo choo deCarmen MirandaE que o Chico Buarque de Holanda nos resgateE - xeque-mate - explique-nos LuandaOuçamos com atenção os deles e os delas daTV GloboSejamos o lobo do lobo do homemAdoro nomesNomes em ÃDe coisas como Rã e ImãNomes de nomesComo Scarlet Moon ChevalierGlauco Matoso e Arrigo Barnabé e maria daFé e Arrigo barnabéFlor do Lácio SambódromoLusamérica latim em póO que querO que podeEsta língua?Se você tem uma idéia incrívelÉ melhor fazer um cançãoEstá provado que só é possível

SAIBA MAIS!

A linguagem da poesia parnasiana pode

ser resumida sob dois eixos: forma e conte-

údo. Quanto à forma, uma de suas princi-

pais características é a busca pela perfeição

formal e o uso de um vocabulário extrema-

mente rebuscado, além de outros aspectos,

logicamente. Com relação ao conteúdo, há

um objetivismo quanto aos temas aborda-

dos e uma visão racionalista sobre eles. Isso

leva os poetas dessa Escola a entenderem

a língua portuguesa dessa forma, também.

Olavo Bilac foi

um dos mais im-

portantes poetas

brasileiros de

Escola Literária

e reconhecido

como “O Prín-

cipe dos Poetas

Parnasianos”

Font

e: h

ttp:

//w

ww

.joao

dorio

.com

Nos versos de Bilac, além do termo já destacado, inculta, outros se harmonizam sob um mesmo campo semântico para designar a impureza que contaminava a “língua de Camões”. Impureza sob um ponto de vista parnasiano, que primava por um purismo no trato com a língua. Mas, entenden-do o fenômeno das variedades do latim que origi-nou outras línguas, sob uma outra ótica, percebe-mos a riqueza dessa língua que tem na sua história a história de diferentes povos.

Page 11: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

11Capítulo 1

Filosofar em alemãoBlitz quer dizer coriscoHollywood quer dizer AzevedoE o Recôncavo, e o Recôncavo, e o RecôncavoMeu medo!A língua é minha pátriaE eu não tenho pátria: tenho mátriaE quero frátriaPoesia concreta e prosa caóticaÓtica futuraSamba -rap, chic-left com bananaSerá que ela está no Pão de Açúcar?Tá craude brô você e tu lhe amoQué queu te faço, nego?Bote ligeiroNós canto-falamos como que inveja negrosQue sofrem horrores no gueto do HarlemLivros, discos, vídeos à mancheiaE deixe que digam, que pensem e que falem

Logo no início da canção, temos: “Quero me dedicar a criar confusões de prosódias e uma profusão de paró-dias”, sendo prosódias e paródias, respectivamente, acentos e entoações diferentes e “imitações”. Para o compositor, a poesia portuguesa representada por Fernando Pessoa ou a prosa brasileira de Gui-marães Rosa são grandiosas por serem representa-ções de linguagem de falantes da língua portugue-sa. Veja o trecho:

“Gosto do Pessoa na pessoaDa rosa no RosaE sei que a poesia está para a prosaAssim como o amor está para a amizadeE quem há de negar que esta lhe é superior?E deixe os Portugais morrerem à míngua“Minha pátria é minha língua”Fala Mangueira! Fala!Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em póO que querO que pode esta língua?”

“Minha pátria é minha língua” nos leva a pensar que a língua que falamos é uma extensão da própria pátria, pois onde houver gente falando português, haverá algo em comum entre esses falantes que leva a uma sensação de pertencimento.

Ao utilizar a expressão “Fala Mangueira” grito de guerra da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, do Rio de Janeiro, o autor alude à ideia de que, sendo ‘pátria’, uma língua expressa os valores culturais de seu povo, como o carnaval.

O verso “Lusamérica latim em pó” alude não só à pulverização do latim que deu origem às línguas latinas como à divisão-união de Portugal e Brasil.

Em Lusamérica, ocorre uma aglutinação de termos que se referem: a Portugal, qualificado com o ad-jetivo luso e ao Brasil, designado pelo substantivo América. Isso pode ser entendido como a união en-tre os dois países, que, mesmo diferentes, mantêm--se ligados pela mesma língua. “Latim em pó” lembra o conjunto de línguas originadas do latim, entre elas, o português, uma variação do latim, já mui-to modificado pela influência de outras línguas.

Flor do Lácio – a língua portuguesa em sua origem mais formal, a do latim vulgar –, sambódromo – a variedade de língua que se usa no samba.

Um aspecto importante que sobressai na letra da música Língua e que também se relaciona com o tema das variedades linguísticas da língua portu-guesa é a questão dos sotaques – muitas vezes alvo de preconceito na sociedade como um todo e não apenas na escola, por desconsiderar para estudo esse fenômeno da língua – para o autor da canção, não importa a forma paulista e paulistana de falar ou o meio inglês de surfista, todas essas varieda-des fazem parte da nossa língua. Ele destaca ma-nifestações linguísticas, como os nomes, seja por uma mistura de palavras estrangeiras como Scarlet Moon, esposa de Lulu Santos, ou Glauco Mattoso, poeta, ou Arrigo Barnabé, compositor e músico.

As palavras “inventadas” indicam também essa convivência. Os neologismos mátria e frátria refor-çam o sentimento de união que o autor pretende esteja envolvido na sua percepção de língua. Ele diz que não tem pátria (pai), mas mátria (mãe) e querfratia(irmão).Todososqueusamefalamalíngua portuguesa, de alguma forma estão envol-vidos numa irmandade proporcionada pelo uso comum dessa língua.

Destacamos, também, na letra, citações de falares do cotidiano como “Tá craude”, “Você e tu”, “lhe amo”, Qué queru faço, nego” que ressaltam a con-vivência pacífica entre diferentes falas, dialetos e sotaques da língua portuguesa, receptora do voca-bulário de outros povos, como o americano e ja-ponês, significando uma feliz combinação de no-vos elementos na música – “Nós canto-falamos como quem inveja negros (do Harlem)”.

Page 12: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

12 Capítulo 1

O verso final da música, além de citar um trecho de outra música popular brasileira – “Deixem que digam, que pensem, que falem” – nos traz à me-mória o poema “Evocação do Recife”, de Manuel Bandeira, do qual extraímos o trecho que nos pa-rece significativo para ilustrar o tema da variação linguística:

Deixe isso Pra Lá

Jair Rodrigues

Deixa que digamQue pensemQue falemDeixa isso pra láVem pra cáO que que tem ?Eu não estou fazendo nadaVocê tambémFaz mal bater um papoAssim gostoso com alguém?Vai, vai, por mimBalanço de amor, é assimMãozinha com mãozinha pra láBeijinhos e beijinhos pra cáVem balançarAmor é balanceio meu bemSó vai no meu balanço quem temCarinho pra dar

evocação Do recife (trecho)Manuel Bandeira

“A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livrosVinha da boca do povo na língua errada do povoLíngua certa do povoPorque ele é que fala gostoso o português do Brasil”

As relações que estabelecemos entre a letra da mú-sica de Caetano, o poema de Bilac e o de Bandeira servem para reforçar o pensamento de que preci-samos entender as variedades do português como algo natural e que deve ter seu espaço de estudo como algo legítimo na escola.

tEmática 2: a fOrmaçãO dE POrtugaL E a EVOLuçãO da Língua POrtuguEsa

O conhecimento sobre a formação da Nação Por-tuguesa torna-se de grande importância para os es-tudos sobre as variedades de nosso idioma, desde sua origem do latim vulgar, como já visto.

SAIBA MAIS!

No trecho que se segue, retirado do texto

Profeta da utopia brasileira, de Arnaldo

Bloch, o autor traz a fala do próprio Caeta-

no sobre sua relação atual com “rap”. Veja:

Desencanto com tendência “favelizante” da

revolução “rapper”

O profeta, que vê e reafirma esta missão

grandiosa, revolucionária, coleciona, em

suas análises sobre a canção brasileira, a

certeza de várias revoluções já feitas: a obra

de João Gilberto; as rupturas e as leituras

que se seguiram, entre as quais a Tropi-

cália; o fenômeno dos filhos de Gandhi; o

BRock; e, a partir dos anos 80/90, o binômio

rap/hip hop assumindo uma voz brasileira

que ele, Caetano, abraçou no nascedouro

com as canções “Língua” e “Haiti”.

Hoje, quando Chico Buarque admite com

serenidade que a canção pode estar no

sumidouro, Caetano parece viver uma

fase de desencanto com o universo rapper:

- O modo como o Chico abordou a ques-

tão é tão bonito que fico com problemas

para falar disso. Quando abordei o sam-

ba-rap em “Língua”, o MV Bill e o Mano

Brown eram garotinhos. Semana passada

almocei com o Bill. Tive uma experiência

com os Racionais, cujo álbum “Sobrevi-

vendo no inferno” é um dos maiores da

História no Brasil, junto a “Chega de Sau-

dade” e “Pelo Telefone” – ressalta.

http://www.caetanoveloso.com.br/sec_

textos_list.php?language=pt_BR

Acessado em 21de fevereiro de 2011

Font

e: h

ttp:

//w

ww

.serg

io-

bgom

es.w

ordp

ress

.com

Page 13: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

13Capítulo 1

Então, em linhas gerais, podemos dizer que a for-mação de Portugal ocorreu num período de gran-de transição em que se percebe um sistema feudal em crise e, em contrapartida, o crescimento de áre-as urbanas. Esse período se resume ao processo de transição do feudalismo para as atividades econô-micas, como as dos mercadores e dos negociantes de dinheiro. Como as línguas não ficam à parte dos fatos sociais, inclusive porque elas se estabe-lecem por serem frutos das relações interacionais entre os seus usuários – o que as mantêm vivas – entendemos que essa transição de um modelo socioeconômico para outro acrescentou mudanças também nas características linguísticas da nação que se formava.

A formação e o processo de evolução da língua portuguesa têm no domínio territorial dos roma-nos um fator que pode ser considerado decisivo: sem desprezar por completo a influência das di-versas línguas faladas na região antes do domínio romano sobre o latim vulgar, o latim passou por diversificações, dando origem a dialetos que se de-nominavam romanços – do latim romanice, que significava “falar à maneira dos romanos”.

Com a ocorrência de várias invasões bárbaras no século V, e a queda do Império Romano no Oci-dente, surgiram vários destes dialetos, que em um processo de evolução constituíram-se nas línguas modernas conhecidas como neolatinas. Na Penín-sula Ibérica, várias línguas se formaram, entre elas o catalão, o castelhano, o galego-português, sendo que deste último que resultou a língua portugue-sa. Segundo o Prof. Xoán Carlos, da Universidade Federal Fluminense, em conferência proferida na mesaredonda“TemasdeRomanística”,noCon-gresso Internacional da Associação Brasileira de Linguística – ABRALIN, realizado no período de 08 a 12 de fevereiro de 2011, o português seria o galego transformado em língua nacional.

Entretanto, o galego-português era uma língua limi-tada apenas à parte Ocidental da Península, o que correspondia aos territórios da Galiza e de Portu-gal. Houve também com essa língua uma limitação temporal, pois cronologicamente estabeleceu-se entre os séculos XII e XIV, coincidindo com o perí-odo da Reconquista. A partir início do século XIV, percebe-se maior influência dos falares do sul, no-tadamente na região de Lisboa, acentuando-se am-plamente as diferenças entre o galego e o português.

O galego surgiu durante os séculos XII e XV, apare-cendo em registros escritos tanto em documentos oficiais da região da Galiza como em obras poé-ticas. A partir do século XVI, com o domínio de Castela, introduz-se o castelhano como língua ofi-cial e o galego passa a ter sua importância relegada a plano secundário. Por outro lado, o português, desde a consolidação da autonomia política da re-gião e, mais tarde, com a ampliação das fronteiras do império luso, consagra-se como língua oficial.

No processo de evolução da língua portuguesa po-dem ser observados alguns períodos importantes, para os quais daremos destaque a seguir, em um panorama geral.

fases históricas Do Português

• Fase proto-histórica Este período é anterior ao século XII sendo

caraterizado por apresentar textos escritos em latim bárbaro – modalidade do latim usado apenas em documentos e por isso também cha-mado de latim tabeliônico ou dos tabeliões.

• Fase do português arcaico Fase que se estabelece do século XII ao século XVI

e que corresponde, na verdade, a dois períodos:

a) Período que compreende do século XII ao século XIV, com textos em galego-português;

b) Período do século XIV ao século XVI, que

marca a separação entre o galego e o português.

• Fase do português moderno Este período é estabelecido a partir do século

XVI, quando a língua portuguesa se unifor-miza e adquire as características do português atual. A literatura renascentista portuguesa produzida por Camões teve papel fundamen-tal nesse processo. As primeiras gramáticas e dicionários da língua portuguesa também sur-giram do século XVI. Conforme Bagno (2001, pp. 18 e 19), as gramáticas do Renascimento tentaram encontrar nas línguas faladas nesse período as mesmas categorias gramaticais esta-belecidas pelos gramáticos gregos e romanos, ou seja, ao contrário de procurarem descrever a língua portuguesa a partir de suas particula-ridades, tentaram enquadrá-la na mesma estru-tura do latim e do grego. É claro que sendo o português originário do latim tem sua estrutu-

Page 14: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

14 Capítulo 1

ra formal baseada nessa língua-mãe, mas como toda língua autônoma, mantém uma estrutura própria mínima.

a geografia Da Língua Portuguesa

O quadro que se verifica atualmente das regiões em que se fala a língua portuguesa, seja ela oficial ou não, se deve à expansão territorial lusitana ocor-rida no século XV a XVI. Em decorrência da pre-dominância do português do ocidente lusitano e a partir daquela localização geográfica, entrou por todos os continentes: na América – com o Brasil, resultado da colonização portuguesa de nosso terri-tório; na África – Guiné-Bissau, Cabo Verde, An-gola, Moçambique, República Democrática de São ToméePríncipe;naÁsia–Macau,Goa,Damão,DiuenaOceania,comTimorLeste,alémdasilhasatlânticas próximas da costa africana – Açores e Madeira, que fazem parte do estado português.

Em alguns países o português é a língua oficial, além de Brasil e Portugal – República Democráti-cadeSãoToméePríncipe,Angola,Moçambique,Guiné-Bissau,CaboVerdeeTimorLeste,eapesarde incorporações de vocábulos nativos e de modi-ficações de pronúncia, de sintaxe, de semântica, dentre outras, mantêm uma unidade com o portu-guês de Portugal.

não representa pouca importância: a língua portu-guesa é hoje a quinta língua mais falada no mun-do, com cerca de 200 milhões de usuários.

tEmática 3: a transPOsiçãO dO tEma Para a EscOLa

O pensamento científico contemporâneo sobre a linguagem a tem como atividade sociointeracional, ou seja, a linguagem é vista como fruto das relações entre sujeitos historicamente situados. Decorrente dessa visão compreende-se a língua como um siste-ma mutável, pois as condições sociais, geográficas, econômicas, dentre outras, impulsionam mudan-ças internas e externas na língua que falamos.

A escola brasileira não pode estar à margem desse pensamento e por isso deve incluir em seu currí-culo não apenas a norma padrão da língua portu-guesa – variedade que historicamente sempre foi a única a ter espaço no contexto escolar como objeto de ensino – mas igualmente as demais variedades do português, seja ele o falado aqui no Brasil ou em outras partes do mundo.

Muito tem sido feito em termos de políticas edu-cacionais que favorecem essa abertura para o ensi-no das variedades linguísticas. Após mais de uma década da publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, documento referencial que trouxe ao cenário do sistema educacional brasileiro a con-cepção sociointeracionista de linguagem a partir dos fundamentos metodológicos de pesquisadores da Universidade de Genebra, ainda temos muito a desenvolver em termos de procedimentos teórico--metodológicos para que se faça a inclusão de temas importantes como o das variedades linguísticas.

Com esse posicionamento não estamos querendo dizer que devamos abandonar tudo o que de frutí-fero já se conseguiu no ensino da língua materna e nem que se abandone o ensino da chamada norma culta – a escola tem a obrigação de oportunizar aos estudantes o estudo desta norma, assegurando o direito que aqueles têm de desenvolver competên-cias e habilidades aprofundadas no manejo de sua língua, em qualquer nível de ensino.

Então o que propomos nesta parte final deste ca-pítulo é que a perspectiva diacrônica que traba-

Font

e: h

ttp:

//w

ww

.cul

tura

.gov

.br -

mos

tra-

espe

cial

--d

a-co

mun

idad

e-do

s-pa

íses

-de-

língu

a-po

rtug

uesa

Em outros locais, surgiram dialetos originários do português. E também regiões em que essa língua é falada apenas por uma pequena parte da popu-lação, como em Macau, Hong Kong e Sri Lanka.

Sendo o português língua oficial ou não de alguns países, as mudanças nessa língua foram tantas que se pode falar em dialetos originários do português. Há regiões em que nosso idioma é falado apenas por uma pequena parcela da população. Mas isso

Page 15: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

15Capítulo 1

lhamos com relação às variedades do português, seja levada em uma roupagem atraente para o am-biente escolar. Mas como fazer isso, como transpor um conhecimento científico, às vezes árido, para estudantes das séries finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) e do ensino médio de forma estimu-lante, que lhes dê prazer em conhecer a história da línguadasquaissãousuários?Talvezasatividadesque vamos sugerir para serem aplicadas na escola, possam ser o pontapé inicial para esse ensino, que, claro, com a impressão da criatividade e da marca de vocês como futuros professores, podem ser mais aperfeiçoadas.Então, vamos lá!

ProPosta 1 – a intertextuaLiDaDe Para o resgate histórico Das varieDaDes Da Língua Portuguesa

Nessa proposta seria interessante ter como mate-rial de estudo o poema Língua Portuguesa, de Olavo Bilac, a letra da música Língua, de Caetano Veloso, o trecho do poema Evocação do Recife, de Manuel Bandeira e a letra da música Deixe isso pra lá, de Jair Rodrigues. O texto-base deve ser o do Caetano porque é por meio dele que devem ser estabeleci-das as relações intertextuais com os demais textos listados.

Os alunos deverão ter acesso ao texto-base para que façam sua leitura individual dele e acionem seus conhecimentos prévios sobre alguns aspectos ex-plícitos ou implícitos que podem ser depreendidos da canção. Indicar diferentes fontes de consulta do texto, como vídeos dos sites you tube ou vagalume pode estimular a busca dos alunos, assim como le-var o CD para sala e escutar a música com a classe.

Após esses procedimentos preliminares, é neces-sário o estudo da canção em sua materialidade linguístico-enunciativa que deverá apontar para os intertextos presentes.

Convém salientar que esse tipo de atividade não é aquela da leitura- decodificação, cujo objetivo é a mera extração do “quem”, “onde”, “quando”, para uma interpretação literal do texto. Essa deve ser uma leitura intertextual.

Cabe ao professor mostrar ao aluno-leitor que um texto possui relações com outros textos. Um texto não é produzido em estado bruto de pureza, sem in-fluência de outros, pois todo texto é um intertexto

Essa natural dependência de outros textos deve ser explicada pelo professor a partir de seus graus de complexidade:

a. Antes de tudo, o professor deve mostrar que todo e qualquer texto é composto de diferen-tes vozes, estando estas linguisticamente mar-cadas, como temos alguns exemplos no texto de Caetano, que recorre ao recurso da citação explícita marcada por aspas ou quando não re-corre aos elementos linguísticos de marcação, o contexto favorece o entendimento, a exem-plo do diálogo apresentado na música.

“Será que ela está no Pão de Açúcar? Tá craude brô você e tu lhe amo Qué queu te faço, nego? Bote ligeiro”

Nesse particular, o professor deve facilitar a com-preensão do aluno quanto ao fato de que esse tre-cho é uma reprodução da conversa de determina-do grupo de jovens cariocas, que utilizam palavras e expressões próprias do seu meio, como tantos outros. Esse resgate é fácil para o aluno fazer, pois em geral os jovens conhecem o modo de falar de outros jovens. Mas a recuperação de informações não deve ser a única estratégia de leitura intertex-tual, pois isso pode gerar uma passividade grande do aluno-leitor, uma vez que ele pode entender que o estabelecimento de relações intertextuais de-pende unicamente do autor. É preciso que o pró-prio leitor construa sentidos próprios para o que leu, dentro, logicamente do que o texto autoriza e estabeleça as relações intertextuais necessárias.

b. Outro nível de leitura intertextual é o que se dá de forma mais subtentida que o primeiro, visto que depende dos conhecimentos prévios do aluno-leitor para que ele consiga resgatar a relaçãoentretextos.Trazemososeguinteversoda música de Caetano Veloso:

“Flor do lácio, sambódromo, lusamérica, latim em pó, o que quer e o quepode esta língua?”

Para que o leitor aluno-leitor possa perceber que Caetano Veloso estabelece uma relação entre sua visão de Língua expressa na letra de sua canção e o poema de Olavo Bilac, ele, aluno-leitor, tem que ter um conhecimento prévio, no mínimo, das primei-ras linhas do texto de Bilac e o que o poeta parna-siano denomina de “Última flor do Lácio, inculta e bela, És ao mesmo tempo esplendor e sepultura”.

Page 16: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

16 Capítulo 1

Esse conhecimento prévio é determinante para que o aluno seja capaz de perceber que ambos os autores, apesar de terem visões diferentes sobre a língua, estão se referindo à língua portuguesa.

O aluno-leitor só poderá resgatar, recuperar essa relação que aponta para o mesmo foco, se possuir repertório de conhecimento suficiente para isso. Caso contrário, o professor deverá fornecer as in-formações necessárias para que o aluno construa os sentidos dos textos em decorrência das informa-ções recebidas.

Para o trabalho sobre o conhecimento histórico que o professor deverá construir com os alunos, se-ria produtivo se essa construção se fizesse por meio de pesquisas com mapas e até elaboração destes para que se traçasse o percurso histórico da língua em suas origens:

• ConsultademapasdaPenínsulaIbéricacomespecificações sobre lugares e línguas que ali se falavam.

• Estudodemapaserotasdasinvasõesromanaseainfluência linguística decorrente dessas invasões.

• ConstruçãodemapadaregiãodoLácio.

• Elaboraçãodequadroscomparativosegráficossobre as línguas que se originaram do latim.

• Construção de linha do tempo com as faseshistóricas do português.

• Estudoeconstruçãodemapassobrealínguaportuguesa na atualidade, com especificações das regiões e países nas quais ela é falada como língua oficial ou não.

c. Um terceiro nível de leitura intertextual que também pode ser trabalhado é o resgate que o aluno-leitor pode e deve fazer de relações entre textos em que o autor faz referência a outros textos, mas em uma relação, de certa forma, descontínua, ou seja, o autor que cita deter-minado texto, ressignifica-o, redimensiona e extrapola o dito por outrem. Essa ressignifica-ção pode conferir ao intertexto um aspecto de crítica, ou de humor, ou de contestação, ou de reflexão, ou de ironia, dentre outros.

Talveznessetipodeleituraintertextualprecisequeo conhecimento de mundo do leitor tenha que ser acionado com maior profundidade.

Vejamos um possível exemplo desse caso.

Exemplo com o qual podemos ilustrar esse fato, com os textos que estamos trabalhando, pode ser retirado dos últimos versos da canção de Caeta-no “Deixe que digam, que pensem, que falem”, que repete literalmente os versos da canção de Jair Rodrigues. Os contextos das duas canções são di-ferentes – o de Caetano aludindo às questões de língua e linguagem, em que o compositor incenti-va as pessoas a falarem, a usarem a língua do modo que bem entenderem. E o de Jair Rodrigues re-metendo a uma possível relação amorosa, em que o narrador pouco está se importando com os co-mentários das pessoas sobre o seu caso de amor. Entretanto, esses versos são ressignificados por Ca-etano de forma que se harmonizam perfeitamente com o que está sendo dito em sua canção. Indicar os caminhos para que o aluno-leitor construa esses sentidos com relação aos usos da linguagem é uma importante ação do professor no seu papel de ensi-nar sobre as variedades da língua.

Nesse nível de leitura também se enquadra a rela-ção da música Língua com o trecho do poema Evo-cação do Recife, de Manuel Bandeira, que, embora não esteja citado explicitamente, mas seu teor está presente no texto de Caetano, pelo reconhecimen-to de que o povo sabe, pode e deve falar sua língua da forma que entender e que for relevante para o contexto interacional.

Outro intertexto de que faz uso Caetano é o dos versos de Castro Alves:

“Oh, bendito o que semeialivros, livros à mancheiae manda o povo pensar...”

Para o autor de Língua, em seu intento de que o povo manifeste-se por meio da linguagem, que es-tejam disponíveis diferentes recursos para essa ma-nifestação:

“Livros, discos, vídeos a mancheia” para que assim as pessoas “...digam, pensem e falem.”

Com esse trabalho com a intertextualidade, o alu-no-leitor pode (re)construir seus conhecimentos

Page 17: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

17Capítulo 1

sobre as variedades da língua portuguesa de modo a compreender que ao longo da evolução dessa lín-gua esse fenômeno sempre se fez presente e conti-nuará a estar, pelos usos que as pessoas fazem dela, para que permaneça viva.

ProPosta 2 – exibição De Documentário cinematográfico

Essa proposta também se enquadra no tema do resgate histórico sobre as variedades da língua por-tuguesa. Para executá-la, é preciso conhecer o do-cumentário, que deve ser exibido para os alunos como culminância de um estudo anterior sobre o tema podendo ser este feito por meio de textos impressos.

O ideal é que o professor tenha se apropriado profundamente sobre o tema para que faça co-mentários relevantes ao final da exibição do do-cumentário sobre pontos importantes que ajudem os alunos a construírem conhecimentos sobre a língua materna. Assim, seguem alguns textos sobre o documentário a ser trabalhado:

Viagem Ao Mundo da Língua Portuguesa

• Opôster requeruma leituramultimodal,ouseja, todas as linguagens envolvidas – verbais e não verbais devem ser trabalhadas para facilitar a compreensão dos alunos sobre os elementos que compõem o cartaz do documentário e que podem servir de estratégias de leitura, como antecipação, inferência e outras as quais con-tribuem para a compreensão do leitor e para despertar seu interesse sobre o documentário.

• Asinopseextendidadeveserrelacionadaàsi-nopse simples para que haja comparação entre os elementos que as compõem. Nessa relação comparativa, deve-se identificar que elementos foram omitidos ou ampliados em um e outro gênero e em que esses elementos atendem ao propósitocomunicativodosgêneros.Tambémé interessante destacarem que espaços esses gê-neros circulam e quais são seus possíveis leitores.

sinoPse

Documentário de longa-metragem que mostra as origens da língua portuguesa falada no Brasil hoje. Parte de um levantamento histórico da língua por-tuguesa utilizando-se de mapas animados, imagens de templos, castelos e monumentos, mostrando, assim, a formação étnica e cultural dos povos que habitavam a Península Ibérica, antes e depois da chegada dos Romanos. Apresenta, também, um es-tudo das diversas pronúncias da língua portuguesa existentes em Portugal, nas nações africanas e nas diferentes regiões do Brasil.

ficha técnica

Títulooriginal:ViagemAoMundodaLínguaPor-tuguesaGênero: Documentário Duração: 90min.Lançamento (Brasil): 1979Distribuição: EmbrafilmeDireção: Rubens Rodrigues dos SantosRoteiro: Rubens Rodrigues dos Santos, Antônio Soares Amora e João Alves dos SantosProdução: Co-produção: Jaraguá Filmes e EmbrafilmeFotografia: Sideval JordãoFotos de cenas: Sérgio ViottiDireção de arte: Edição: Manoel ViudesAnimação:MarceloG.TassaraeAlexandreB.SantosColaboração: Isaac Nicolau Salum, Massaud Moy-sés e Antônio Vitale

Font

e: h

ttp:

//w

ww

.meu

cine

mab

rasi

leiro

.com

/film

es/

viag

em-a

o-m

undo

-da-

lingu

a-po

rtug

uesa

.asp

.

observações:• Osgênerostextuaisapresentadosaseguir–si-

nopse, ficha técnica, pôster e sinopse extendi-da podem ser trabalhados com os alunos antes da exibição do documentário, pois a função deles é justamente apresentar as informações essenciais sobre o filme, de modo a despertar o interesse do leitor em assisti-lo. O professor deve chamar a atenção dos alunos para a con-cisão das informações, um dos princípios bási-cos desses gêneros.

Page 18: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

18 Capítulo 1

eLenco

Branca RibeiroMário Salgado Lima

Pôster

para a análise das atividades aplicadas e sobre o que elas acrescentaram à formação escolar dos es-tudantes bem como a sua cultura geral. Portanto...

• Converseparticularmentecomoprofessordatur-ma sobre as dificuldades dos alunos com o tema.

• Conversecomosalunossobreoqueentende-ram ou o que deixaram de entender na realiza-ção das atividades.

• Analisesimultaneamenteàrealizaçãodaspro-postas, a reação dos alunos com relação aos conhecimentos trabalhados.

• Façaperguntasencorajadorasaosmaistímidos.

• Estimuleaparticipaçãodetodos.

• Use sua criatividade, experiência e conheci-mentos para redimensionar as atividades pro-postas e adequá-las ao contexto da turma.

BOMTRABALHO!

atiVidadE |Para o conhecimento aprofundado da forma-ção e origem de nossa língua procure em ou-tras fontes respostas para questões como:

1. Onde nasceu?

2. Quais os seus antecedentes históricos?

3. Como evoluiu?

4. Onde é falada na atualidade? Circunscre-ve-se a uma área restrita ou, pelo contrário, tem ocupado outras regiões?

5. É homogênea em todo o território ou ter-ritórios onde é falada? Caso contrário, que va-riações apresenta?

6. Quais os conceitos de latim erudito, latim vulgar e latim cristão?

7. Faça uma síntese da evolução do latim ao português.

sinoPse extenDiDa

Documentário de longa-metragem que mostra as origens da língua portuguesa falada no Brasil hoje. Parte de um levantamento histórico da língua por-tuguesa utilizando-se de mapas animados, imagens de templos, castelos e monumentos, mostrando, assim, a formação étnica e cultural dos povos que habitavam a Península Ibérica, antes e depois da chegada dos Romanos. Apresenta, também, um es-tudo das diversas pronúncias da língua portuguesa existentes em Portugal, nas nações africanas e nas diferentes regiões do Brasil. O documentário ter-mina com uma apresentação de danças regionais de todas as nações que falam a língua portuguesa. Ao lado das mais expressivas danças africanas, é mostrado um desfile de escolas de samba do Rio de Janeiro, identificando as raízes de nossa música popular. Constata, ainda, que as danças gaúchas descendem diretamente das danças de Santarém (Portugal) e da Ilha da Madeira, enquanto o can-domblé, a capoeira e o frevo são de origem africana e o bumba-meu-boi confirma a presença indígena em nossa formação cultural.

Para finaLizar

Como professores, entendemos que o processo de ensino e aprendizagem requer um constante ajus-te nos procedimentos que implementam esse pro-cesso. E só uma avaliação constante, diagnóstica pode fornecer os elementos para que as práticas didático-pedagógicas sejam aperfeiçoadas. Assim, é importante que sejam ouvidos alunos e professores

Font

e: h

ttp:

//w

ww

.meu

cine

mab

rasi

leiro

.com

/film

es/

viag

em-a

o-m

undo

-da-

lingu

a-po

rtug

uesa

.asp

.

Page 19: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

19Capítulo 1

gLOssáriO

GaleGo: Língua galega é o nome oficial no Reino da Es-panha e na União Europeia do idioma natural da Comu-nidade Autónoma da Galiza. Esta língua é falada na Ga-liza, bem como em zonas de fronteira das comunidades autônomas das Astúrias e de Castela-Leão e nas comuni-dades de galegos emigrantes, como na Argentina, Cuba e no Uruguai (mais de três milhões de emigrantes galegos moram naqueles países).

O galego pode ser visto como uma forma evoluída do galego-português, com algumas influências do castelha-no e umas poucas formas e traços próprios inexistentes em português, uns próprios do galego-português original que desapareceram do português contemporâneo, outros fruto da evolução posterior do galego. Pode, ainda, ser classificado como mais uma variante do português: o por-tuguês da Galiza, da mesma forma que se fala de “portu-guês de Portugal” ou “português do Brasil”

lácio: O Lácio (em latim, Latium; em italiano, Lazio) é uma região da Itália central com cinco milhões de habi-tantes e 17 203 km² , cuja capital é Roma.

occitano: A língua occitana, também chamada occitâ-nica, langue d’oc, occitano ou provençal (em francês, langue d’oc; em occitano, lenga d’òc), é uma língua ro-mânica falada ao sul da França (ao sul do rio Loire), assim como em alguns vales alpinos na Itália e no Val d’Aran, na Espanha.

Península ibérica: A Península Ibérica fica situada no su-doeste da Europa. É formada pelos territórios de Portu-gal, Espanha, Gibraltar (cuja soberania pertence ao Reino Unido), Andorra e uma pequeníssima fração do território da França nas vertentes ocidentais dos Pirenéus. É a mais

ocidental das três grandes penínsulas do sul da Europa, sendo as outras a Península Itálica e os Balcãs.

reconquista: A Reconquista (também referenciada como Conquista cristã) é a designação historiográfica para o movimento cristão com início no século VIII que visava à recuperação dos Visigodos cristãos das terras perdidas para os árabes durante a invasão da Península Ibérica.

renascimento: Renascimento, Renascença ou Renascen-tismo são os termos usados para identificar o período da História da Europa aproximadamente entre fins do século XIII e meados do século XVII, mas não há consenso sobre essa cronologia. O período foi marcado por transforma-ções em muitas áreas da vida humana, que assinalam o final da Idade Média e o início da Idade Moderna.

Vêneto: O vêneto ou veneziano é uma língua românica falada por cerca de dois milhões de pessoas, principal-mente na região do Vêneto na Itália. A língua é chamada localmente de vèneto (veneto em italiano); a variante fala-da em Veneza é chamada alternativamente de venezsiàn, venesiàn, venexiano ou veneziano. Ainda que geralmente referido como sendo um dialeto italiano, mesmo por seus falantes, ele mostra notáveis diferenças estruturais do ita-liano. Pertence ao grupo itálico do norte dentro das lín-guas românicas.

rEfErÊncias

BAGNO, Marcos. Português ou brasileiro? Um convite à pesquisa. São Paulo: Parábola, 2001.

ILARI, Rodolfo. Linguística Românica. São Pau-lo: Ática, 2004.

rEsumO

Neste capítulo estudamos a formação e o desenvolvimento da língua portuguesa efetuando um percurso desde suas origens mais remotas e chegando um pouco até a época atual.

Ao longo do capítulo conhecemos as origens da nossa língua e seus antecedentes históri-cos; a partir da localização geográfica da Península Ibérica e de sua conquista pelos roma-nos. Nisso compreendemos o que são as línguas românicas.

Essa noção histórica sobre o português foi ampliada por uma visão atual sobre as varieda-des linguísticas sendo estas estudadas por meio da intertextualidade, o que gerou propostas para a aplicação na escola dos conhecimentos trabalhados no capítulo, a fim de temas da importância deste sejam tomados como objeto de ensino da língua portuguesa, de forma que desperte o prazer dos estudantes em conhcecer sua língua materna em suas origens.

Page 20: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

20 Capítulo 1

NICOLA, José de. Língua, Literatura e Redação, 6ª ed., Editora Scipione, 1994.

NICOLA, José de Nicola e INFANTE, Ulisses. Gramática contemporânea da língua portugue-sa. Ed. Scipione, São Paulo, 3ª edição.

TERSARIOL, Alpheu, Biblioteca da língua portu-guesa, 14ª ed., Editorial Irradiação S.A.- São Paulo, 1970.

Page 21: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

21Capítulo 1Capítulo 2Capítulo 2

ObjEtiVOs EsPEcíficOs

• Discutir,sobumaperspectivavariacionista,asinfluênciasdefatoresdenatu-reza linguística (internas) e social (externas) que tendem a sofrer o fenômeno variacional.

• Reconhecera influênciadeoutras línguasnaformaçãodovocabuláriodalíngua portuguesa;

• Transporparaocontextoescolarosconhecimentossobreasvariedadesdo

português em seu processo histórico de estabelecimento como manifestações linguísticas legítimas.

intrOduçãO

Vamos dar continuidade aos estudos sobre as variedades do português, dessa vez destacando a valiosa influência de outras línguas na constituição de nosso acervo lexical. Para isso, nos reportaremos ao Brasil Colônia, período em que a língua portuguesa penetrou em terras brasileiras, trazida pelos colonizadores europeus. O que temos a ressaltar nesse período é que a língua portuguesa aliou-se a outras línguas – primeiramente a dos povos indígenas que aqui habitavam e, posterior-mente, a dos africanos que foram trazidos como escravos para o Brasil – e, desde essa época, foi enriquecida com elementos dessas outras línguas, o que a tornou mais rica e dinâmica, a ponto de congregar certas peculiaridades, que fazem com que alguns pesquisadores defendam que existe, sim, uma língua portuguesa pró-pria do nosso País.

Enfocamos, igualmente, neste estudo – na mesma trilha da influência de outras línguas sobre o português – as influências mais “atuais”, advindas com os chama-dos estrageirismos, que entendemos como variações linguísticas no nível lexical, de inquestionável importância para a vivacidade de nossa língua materna.

uma Língua dO jEitinHO brasiLEirO:

as singuLaridadEs dO POrtuguÊs dO brasiL

Profa. sônia Virgínia martins PereiraCarga Horária | 15 horas

Page 22: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

22 Capítulo 2

Tudo isso para tentarmos refletir sobre a impor-tância de se levar para a escola o pensamento de que a língua portuguesa não é homogênea, não é uma só, nem muito menos um organismo fecha-do, alheio às influências externas. Por não ser nada disso é que depende dessas variedades para se cons-tituir em uma língua bem ao estilo brasileiro.

tEmática 1: a imPOrtância das Línguas africanas Para a cOnstruçãO dO POrtuguÊs brasiLEirO

Qualquer pessoa que tenha contato com brasilei-ros e portugueses falantes da língua portuguesa percebe diferença significativa, em vários aspectos, na língua que se fala nos dois países. Desde uma pronúncia mais “consonantal” por parte dos por-tugueses, a qual se diferencia de uma pronúncia mais “vocálica” dos brasileiros, nota-se que as di-ferenças vão se ampliando, não se fixando apenas nesse nível fonológico, mas atingindo as dimen-sões sintáticas e semânticas dentre outras.

Assim, pretendemos que neste tópico sejam estu-dadas algumas dessas diferenças entre o português brasileiro e o europeu, para compreendermos de que forma podemos implementar um ensino de língua portuguesa em nosso país que contemple as singularidades próprias da língua que se fala em nossa Pátria.

Para isso, vamos analisar um artigo publicado em uma revista de divulgação científica, a Superinte-ressante, edição 151, abril de 2000, subdividindo-o por trechos ao longo deste capítulo:

Além de ratificar a ideia exposta anteriormente so-bre as diferenças entre o português brasileiro e o europeu, essa parte do artigo ressalta as inovações do português do Brasil, adquiridas pela mistura das línguas usadas por índios, negros, europeus e asiáticos que ajudaram a desenhar um perfil pró-prio da língua que se fala por aqui.

Quanto a esse aspecto da importante influência desses povos sobre o português trazido pelo colo-nizador europeu, Gilberto Freyre apresenta um modo bem particular de ressaltar, especialmente no que se refere à influência africana, leia o seguin-te texto que trata sobre isso:

trEcHO 1

faLamOs a Língua dE cabraL?

a Língua dO brasiL é dEfinitiVamEntE difErEntE da dE POrtugaL. Os Linguistas brasiLEirOs tEntam agOra traçar a OrigEm dEssas difErEnças E dEscO-brir Para OndE ELas EstãO nOs LEVandO.POr dEnis russO burgiErman

sE é quE cabraL gritOu aLguma cOisa quandO aVistOu Os cOntOrnOs dO mOntE PascOaL, cEr-tamEntE nãO fOi “tErra ã VisHta”, assim cOm O “a” abafadO E O “s” cHiadO quE assOciamOs aO sOtaquE POrtuguÊs. nO sécuLO XVi, nOssOs Pri-mOs LusOs nãO EngOLiam VOgais nEm cHiaVam nas cOnsOantEs — Essas mOdas surgiram nO sécuLO XVii. cabraL tEria bErradO um “a” bEm PrOnun-

ciadO E ditO “Vista” cOm O “s” sibiLantE iguaL aO dOs PauListas dE HOjE. na VErdadE, nós, brasiLEi-rOs, mantiVEmOs Os sOns quE Viraram arcaísmOs EmPOEiradOs Para Os POrtuguEsEs.

só quE, aO mEsmO tEmPO, acrEscEntamOs à Língua mãE nOssas PróPrias inOVaçõEs. dEmOs a ELa um ritmO rOubadO dOs índiOs, intrOduzimOs subVEr-sõEs à gramática HErdadas dOs EscraVOs nEgrOs E tEmPEramOs cOm Os sOtaquEs dE miLHõEs dE imi-grantEs EurOPEus E asiáticOs. dEu aLgO EsquisitO: um arcaísmO mOdErnO.

O POrtuguÊs brasiLEirO LEVOu mEiO miLÊniO dEsEn-VOLVEndO-sE LOngE dE POrtugaL até ficar nitida-mEntE difErEntE. mas ainda é quasE dEscOnHEcidO. até Os anOs 90, Os Lingüistas POucO sabiam sObrE a História da Língua, sObrE nOssO jEitO dE faLar E as difErEnças rEgiOnais dEntrO dO brasiL. agOra, trÊs PrOjEtOs dE PEsquisa EstãO mudandO issO (...)

TEXTOS COMPLEMENTARES

Abrasileiramento da língua portugue-

sa no Brasil dos primeiros tempos

A ama negra fez muitas vezes com

as palavras o mesmo que com a co-

mida: machucou-as, tirou-lhes as es-

pinhas, os ossos, as durezas, só dei-

xando para a boca do menino branco

as sílabas moles. Daí esse português

de menino que no Norte do Brasil,

principalmente, é uma das falas mais

doces deste mundo. Sem rr nem ss;

as sílabas finais moles; palavras que

só faltam desmanchar-se na boca da

gente. A linguagem infantil brasileira,

e mesmo a portuguesa, tem um sabor

quase africano: cacá, pipi, bumbum,

nenen, tatá, lili (...)

Page 23: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

23Capítulo 2

Além de envolver sensações em que compara a lin-guagem à maneira com que as escravas preparavam a comida a ser ingerida pelas crianças brancas, o autor destaca a influência da cultura africana na constituição de particularidades da língua por-tuguesa em solo brasileiro. Dentre estas, o falar ‘‘doce’’, ‘‘esse português de menino’’, inaugurado com a ama negra, firmou-se, especialmente, no Norte do Brasil.

Foi com a vinda de escravos africanos para o Brasil, no Período Colonial que essa influência sobre a língua portuguesa se fez presente, por meio dos di-versos falares dos diferentes povos africanos que fo-ramtrazidosparaanossaTerra.Ospovosbantos,por exemplo, que habitavam o litoral da África, falavam diversas línguas, dentre estas, o quicongo, o quimbundo e o umbundo. Certos vocábulos que até hoje utilizamos com frequência vieram desses idiomas. Podemos citar como exemplos as palavras bagunça, curinga, moleque, dengo, gangorra, cachimbo, fubá, macaco, quitanda.

Não foram apenas os bantos que contribuíram com a ampliação do léxico do português brasileiro, pois várias outras palavras do português falado no Brasil também têm raízes africanas, vindo, muitas delas, de diferentes povos do continente, como os jejes e os nagôs – falantes de línguas como o fon e o ioruba. O contato com esses falantes fez com que termos como acarajé, gogó, jabá e muitos outros passassem a fazer parte do nosso vocabulário, sen-do incorporados à nossa cultura. Certas expressões

e termos como os exemplificados, em geral, são li-gados à religião, à família, a brincadeiras, à música e à vida cotidiana.

De certo modo, a influência vocabular dos povos africanos sobre o português do Brasil facilitou “um amolecimento de resultados às vezes deliciosos para o ouvido”, como ressalta Gilberto Freyre no trecho exposto de Casa Grande & Senzala, ao destacar a influência do idioma africano em nosso e em ou-tros idiomas. Dizer bunda, ao invés de nádegas, ou cochilar no lugar de dormitar; caçula e não benjamim podem traduzir essa influência, esse amolecimento na nossa língua, como fala o autor.

Para alguns estudiosos, a língua banta tem uma estrutura parecida com o português, por causa do uso de muitas vogais e sílabas nasais ou abertas. Isso pode ser percebido quando pronunciamos pa-lavras como moleque e gangorra.Tantosoutrosvocá-bulos que utilizamos têm sua origem africana e, às vezes, nem nos damos conta disso. Então, devemos conhecer mais sobre a influência dos povos africa-nos em nossa cultura, entendendo tal influência como ampliação de nosso patrimônio linguístico. Afinal, termos como os expostos no quadro a se-guir não revelam muito de nossa riqueza cultural?

CACHIMBO AXÉ DENDÊ MANDINGA SAM-BA CARURU MUNGUNZÁ CAFUNÉ DENGO CACHAÇA FUXICO BERIMBAU QUITUTE CUÍCA CANGAÇO QUIABO SENZALA COR-CUNDA BATUCADA ZABUMBA BAFAFÁ

tEmática 2: Os POVOs indígEnas E sua infLuÊncia sObrE O POrtuguÊs EurOPEu

Esse amolecimento se deu em grande

parte pela ação da ama negra junto

à criança; do escravo preto junto ao

filho do senhor branco. E não só a lín-

gua infantil se abrandou desse jeito,

mas a linguagem em geral, a fala sé-

ria, solene, da gente, toda ela sofreu

no Brasil, ao contacto do senhor com o

escravo, um amolecimento de resulta-

dos às vezes deliciosos para o ouvido.

Efeitos semelhantes aos que sofreram

o inglês e o francês noutras partes da

América, sob a mesma influência do

africano e do clima quente.

(Freyre, Gilberto. Casa-Grande &

Senzala, 9a ed., Rio de Janeiro: José

Olympio, 1958).

Como os nossos conhecimentos sobre a História do Brasil nos asseguram, bem antes que povos afri-

Font

e: h

ttp:

//pr

ofes

sora

nton

iope

res.b

logs

pot.

com

/

Page 24: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

24 Capítulo 2

canos aportassem em terras brasileiras, os povos indígenas já habitavam nosso território e manti-nham uma organização social própria, interme-diada por meio das línguas indígenas que se fala-vam por aqui. Os invasores portugueses, além de conquistarem as terras desses povos, impuseram--lhes seus costumes, sua religião e, logicamente, sua língua.

A língua indígena dominante no tempo da chega-da dos portugueses ao Brasil era o tupi e, por isso mesmo, os padres jesuítas estudaram sua gramáti-ca e a registraram. O tupi era também conhecido como língua Brasílica. Alguns documentos elabo-rados pelos portugueses foram importantes como registro histórico dessa língua brasileira e, por isso, os destacamos aqui. Em 1595, o padre José de An-chieta publicou uma gramática sobre essa Língua, Arte de Gramática da Língua mais usada na Costa do Brasil. E em 1618, publicou-se o primeiro Catecismo na Língua Brasílica. Um manuscrito de 1621 con-tém o dicionário dos jesuítas, Vocabulário na Língua Brasílica.

Embora o tupi seja considerado extinto hoje, deu origem a dois dialetos, considerados línguas inde-pendentes: a língua geral paulista e o Nheengatú (língua geral amazônica). Esta última ainda é fa-lada atualmente na Amazônia, especialmente na bacia do rio Negro – rios Uaupés e Içana – apesar dasmuitas transformaçõesque temsofrido.Temgrande importância no quadro linguístico da re-gião, visto que, além de ser a língua materna da população cabocla, é tida como língua de comu-nicação entre índios e não-índios, ou entre índios falantes de diferentes línguas. Caracteriza-se como elemento de afirmação étnica dos povos que não possuem mais línguas próprias, a exemplo dos Baré e dos Arapaço. O Nheengatú desenvolveu-se noMaranhãoenoPará, combasenoTupinam-bá– a línguados índiosTupinambá ,de troncoTupi–,nosséculos17e18.Atéoséculo19,elafoi veículo da catequese e da ação social e política portuguesa e brasileira.

No início da colonização portuguesa no Brasil, o Tupinambáerafaladosobreumaenormeextensãoao longo da costa brasileira. Por força das circuns-tâncias, ainda no século XVI, os primeiros coloni-zadores portugueses que aqui chegaram, passaram a aprender essa língua, pois eram minoria em rela-ção à população indígena. Gradativamente, o uso dessa língua, também denominada de Brasílica,

como já visto, intensificou-se e generalizou-se de tal modo que passou a ser falada por quase toda a população da Colônia.

Além dos fatos já vistos que comprovam o uso ma-ciço dessa língua, outro dado importante a enfocar é que o tupinambá foi amplamente usado nas expe-dições bandeirantes no sul do país e na ocupação da Amazônia. Estrategicamente os jesuítas estuda-ram essa língua, traduziram suas orações cristãs em tupinambá para a catequese dos nativos e assim, ao lado do português, o tupinambá se estabeleceu como língua geral no cotidiano da Colônia.

Entretanto, visando ao favorecimento da língua portuguesa, em 1758, o Marquês de Pombal proi-biuousodalínguageral–oTupinambá,umavezque, nesse período, todos os habitantes da Colônia falavam a língua geral, ou tupi, que, mesmo sendo proibida, deixou sua influência fortemente no por-tuguês falado em nosso País.

Todoesselegadodaslínguasindígenasmereceservisto como uma das maneiras com que a língua portuguesa ganhou características próprias no Brasil. Merece pesquisa, portanto o que essas ca-racterísticas imprimem de variações em relação ao português europeu.

Para ampliarmos a discussão sobre essa questão histórica das mudanças pelas quais passou a língua portuguesa desde o Período Colonial, vamos ler mais trechos do texto Falamos a língua de Cabral:

trEcHO 2

caLdEirãO dE POVOs

mas, sE Há sEmELHanças EntrE a Língua dO brasiL dE HOjE E O POrtuguÊs arcaicO, Há também mui-tO mais difErEnças. bOa PartE dELas é POr causa dO tráficO dE EscraVOs, quE trOuXE aO brasiL um númErO imEnsO dE nEgrOs quE nãO faLaVam POrtu-guÊs. “já nO sécuLO XVi, a maiOria da POPuLaçãO da baHia Era africana”, diz rOsa Virgínia matOs E siLVa, Linguista da uniVErsidadE fEdEraL da baHia. “tOda Essa gEntE aPrEndEu a Língua dE OuVidO, sEm EscOLa”, cOnta. na ausÊncia dE EducaçãO fOrmaL, a mistura dE idiOmas tOrna-sE cOmum E traçOs dE um imPrEgnam O OutrO. “assim, Os nE-grOs dEiXaram marcas dEfinitiVas”, rEssaLta ELa.

também nO sécuLO XVi, cOmEçaram a surgir di-fErEnças rEgiOnais nO POrtuguÊs dO brasiL. num POLO EstaVam as árEas cOstEiras, OndE Os índiOs fOram dizimadOs E Os EscraVOs africanOs abunda-Vam. nO OutrO, O intEriOr, OndE HaVia sOciEdadEs indígEnas. à mistura dEssas infLuÊncias ViEram sE sOmar as imigraçõEs, quE fOram gErandO difErEn-tEs sOtaquEs. “cOm cErtEza, O brasiL HOjE cOm-

Page 25: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

25Capítulo 2

O trecho acima reafirma a ideia de que, com a vinda de escravos africanos para a Colônia, houve a mistura dos diferentes falares, o que contribuiu com a ampliação do acervo lexical do português específico do Brasil. Igualmente destaca que, logo nos primeiros anos da Colônia, foram se estabele-cendo diferenças regionais quanto ao modo de fa-lar o português por causa das influências africana, indígena e de imigrantes. Há o destaque, pelo Prof. Marlos, da UFPE, para o que ele chama de primeira célula do português brasileiro – quando a confluência de pessoas de diferentes realidades sociais para Mi-nas Gerais, no Ciclo do Ouro, favoreceu a unifor-mização da língua portuguesa para o Brasil inteiro.

Com a apresentação desses fatos expostos por pes-quisadores que estudam a língua portuguesa, esta-mos defendendo o pensamento de que é preciso compreender como se materializam as diferenças entre o português europeu e o brasileiro, a fim de entendê-los em suas singularidades para que as va-riedades de nossa língua materna se façam presen-tes no currículo da escola básica.

Para reforçar a importância da influência indíge-na na composição do português brasileiro, apre-sentamos mais um trecho do artigo já citado para destacar a valiosa contribuição desses povos para o enriquecimento do nosso vocabulário.

Depois de conhecermos minimamente alguns fatos sobre a língua mais utilizada no Brasil nos primeiros anos da colonização, evidencia-se a in-fluência na língua portuguesa das línguas nativas, especialmente do tupinambá, a língua de contato entre europeus e índios.

Vejamos que categorias de palavras o português in-corporou dessa língua indígena:

a. Referentes à flora abacaxi, buriti, carnaúba, mandacaru, man-

dioca, capim, sapé, taquara, peroba, imbuia, jacarandá, ipê, cipó, pitanga, maracujá, jabuti-caba, caju.

b. Referentes à fauna capivara, quati, tatu, sagui, caninana, jacaré,

sucuri, piranha, araponga, urubu, curió, sabiá.

c. Referentes a nomes geográficos Aracaju, Guanabara, Tijuca, Niterói, Pinda-

monhangaba, Itapeva, Itaúna, Ipiranga, Itape-tinga, Itamaracá.

d. Referentes a nomes próprios Jurandir,Ubirajara,Potira,Maíra,Juçara,Tai-

ná, Cauê, Janaina, Bartira, Caubi, Maiara, Irani.

Conhecer um pouco da história da influência das línguas indígenas sobre o português é importante para se entender a cultura brasileira. Na visão do Prof. Eduardo Navarro, pesquisador da Universi-dade de São Paulo, o brasileiro nasce falando tupi, mesmo sem se dar conta disso. Ele afirma que a diferença entre o português de Portugal e do Brasil se dá, principalmente, pelas expressões do tupi que foram incorporadas ao português falado no territó-rio brasileiro, surgindo disso uma identidade lin-guística própria do nosso idioma.

tEmática 3 Vamos iniciar a discussão dessa terceira temática com a leitura de mais um trecho do artigo Falamos língua de Cabral, o qual aponta para o tema geral que estamos estudando neste capítulo, que é a dis-tinção entre o português europeu e o português brasileiro, sob a ótica de que este último pode ser considerado uma língua autônoma.

POrta diVErsOs diaLEtOs, dEsdE Os rEgiOnais até Os sOciais, já quE Os ricOs nãO faLam cOmO Os PObrEs (...)”, afirma giLVan müLLEr dE OLiVEira, da uni-VErsidadE fEdEraL dE santa catarina.

mas O grandE mOmEntO dE cOnstituiçãO dE uma Língua “brasiLEira” fOi O sécuLO XViii, quandO sE EXPLOrOu OurO Em minas gErais. “Lá surgiu a Pri-mEira céLuLa dO POrtuguÊs brasiLEirO”, diz marLOs dE barrOs PEssOa, da uniVErsidadE fEdEraL dE PEr-nambucO. “a riquEza atraiu gEntE dE tOda PartE — POrtuguEsEs, bandEirantEs PauListas, EscraVOs quE saíam dE mOinHOs dE cana E nOrdEstinOs.” aLi, a Língua cOmEçOu a sE unifOrmizar E a EXPOrtar traçOs cOmuns Para O brasiL intEirO PELas rOtas cOmErciais quE a EXPLOraçãO dO OurO criOu (...)

trEcHO 3

tuPi imPOrtadO

a amazônia faLa dE um mOdO bEm difErEntE dO Vi-zinHO nOrdEstE. a razãO Para issO é quE Lá quasE nãO HOuVE EscraVidãO dE africanOs. PrEdOminOu a infLuÊncia dO tuPi, Língua quE nãO Era faLada PELOs índiOs da rEgiãO, mas fOi imPOrtada POr jE-suítas nO PrOcEssO dE EVangELizaçãO (...)

Page 26: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

26 Capítulo 2

Embora alguns pesquisadores discordem entre si sobre a distinção entre o português de Portugal e o do Brasil, eles acenam para um mesmo ponto quando a questão é centrada nos usos que se fazem lá e cá dessa língua. Reconhecer as ocorrências do idioma no formato de uso brasileiro, em suas mais distintas manifestações, sejam regionais, etárias, de níveis socioeconômicos, dentre outras, é o que precisa ser feito para que a língua que está sendo “gerada” neste lado do Atlântico seja vista como independente.

Vimos que desde o início de nossa história, ela incorporou traços africanos e indígenas que a dis-tinguiam da língua portuguesa falada pelos euro-peus e que esses traços estão presentes até hoje em nosso vocabulário. Mas algo que nos parece impor-tante questionar, por ser da própria dinâmica de toda língua, é se termos e expressões indígenas e africanos permanecerão ainda por longo tempo nos usos da língua portuguesa do Brasil.

Acreditamos que a incorporação desse vocabulário indígena, africano e europeu – este último trazido por portugueses, franceses e holandeses – só se fi-xaram em nossa língua pelo contexto das relações sociais estabelecidas. Nessas relações interesses di-versificados, de diferentes ordens, se fazem presen-

tes e passam a determinar os modos de ocorrência dalíngua,comofoiocasodalínguaTupinambá,estudada pelos jesuítas, para a ampliação do domí-nio total dos colonizadores portugueses.

Diante disso entendemos que outras influências também se apresentam hoje na língua portuguesa por diferentes interesses, especialmente quando se pensa na chamada globalização. Ou seria errado afirmar que termos próprios da informática que utilizamos na vida cotidiana, já fazem parte do nosso léxico, tendo alguns, inclusive, sido diciona-rizados, a exemplo das palavras deletar, mouse,e-mail, link etc.

Especialmente por serem termos da língua ingle-sa, uma das línguas mais faladas do mundo, essas palavras foram agregadas ao nosso vocabulário, a ponto de não podermos deixar de utilizá-las. Mas não é só no campo da informática que temos im-portado termos e expressões, no ramo dos negó-cios, da moda, da ciência e outros, quase não nos comunicamos sem palavras emprestadas de outras línguas, os chamados empréstimos linguísticos.

Isso é próprio do fenômeno linguístico, uma vez que um idioma evolui em contato com outros, sen-do impraticável tentar-se frear esse contato, como tentou o projeto de lei nº 1676, de autoria do depu-tado Aldo Rebelo, do PC do B de São Paulo, que proibia a utilização de termos em outras línguas na comunicação oficial, na mídia escrita, radiofônica e televisiva, na publicidade e no comércio. Rebelo propôs até multas para quem insistisse nos estran-geirismos. Logicamente que radicalismos de um e de outro lado – tanto de quem tenta proibir os brasileiros de usar termos emprestados de outras línguas, quanto de quem, tendo palavras e expres-sões disponíveis em nosso léxico, preferem utilizar palavras em inglês, como se isso fosse sinônimo de prestígio – devem ser evitados, pois é perfeitamen-te natural que uma língua se fortaleça por meio de outras.

É fato que os vocábulos “de fora” assimilados por determinada língua, geralmente, vêm de uma cul-tura dominante. Até o início do século XX, era o francês o responsável pela maior parte das palavras ditas internacionais que “invadiram” o vocabulá-rio de muitas línguas. Na atualidade, essa prima-zia pertence ao inglês. Mas outras línguas, além do inglês e do francês, também cederam palavras para a língua portuguesa, como se pode confirmar

trEcHO 3

faLas brasiLEirO?

a LEi da EVOLuçãO dE darwin EstabELEcE quE duas POPuLaçõEs dE uma EsPéciE, sE isOLadas gEOgrafi-camEntE, sEParam-sE Em duas EsPéciEs. a rEgra VaLE Para a Linguística. “Está Em gEstaçãO uma nOVa Língua: O brasiLEirO”, afirma ataLiba dE castiLHO.

Há quEm sEja ainda mais assErtiVO. “nãO tEnHO dúVida dE quE faLamOs brasiLEirO, E nãO POrtu-guÊs”, diz KanaViLLiL rajagOPaLan, EsPEciaLista Em POLítica Linguística da unicamP. “digO mais: as difErEnças EntrE O POrtuguÊs E O brasiLEirO sãO maiOrEs quE as EXistEntEs EntrE O Hindi, um idiOma indianO, E O Hurdu, faLadO nO PaquistãO, duas Línguas acEitas cOmO distintas.” KanaViLLiL nas-cEu na índia E dOmina Os dOis idiOmas.

O gramáticO EVaniLdO bEcHara discOrda. “nãO Há nada nO POrtuguÊs brasiLEirO quE nãO EXista Em POrtugaL”, argumEnta. “faLamOs a mEsma Lín-gua.” dO quE ninguém duVida é quE nOssO mOdO dE usá-La é bEm difErEntE dO dE cabraL. O POrtu-guÊs dO brasiL é únicO, é só nOssO. finaLmEntE Os ciEntistas O EstãO dEcifrandO.

[email protected]

Page 27: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

27Capítulo 2

no quadro que se segue, com vocábulos extraídos do Dicionário Etimológico da Lín-gua Portuguesa, obra de referência publi-cada pelo estudioso Antenor Nascentes em 1932. Ele fez um trabalho minucioso ao mapear todas as palavras portuguesas vindas de outros idiomas para constatar como elas enriqueceram a língua a longo prazo. Nos tempos atuais, nossa língua tem um percentual respeitável de termos emprestados de línguas estrangeiras, bem mais que as constantes no dicionário eti-mológico de Antenor Nascentes.

Com a exposição de alguns aspectos que enfocam a importância desses emprésti-mos linguísticos, chamados estrangeiris-mos para a evolução da língua portuguesa, objetivamos mostrar como o estrangeiris-mo se constituiu em mais um dos acrés-cimos à natureza variável de uma língua. Dessa forma, entendemos que o uso de estrangeirismos pelas pessoas não se cons-titui, sob nenhuma perspectiva, uma ame-aça linguística, mas mais uma variante lexical na língua portuguesa, que apresenta diferenças não só entre a que se fala em Portugal e no Brasil, mas também dentro de nosso próprio País, com suas variedades que a tornam mais rica e dinâmica.

atiVidadEs |Para ressignificar o que estudou neste capítulo acerca da visão sobre a autonomia do portu-guês falado no Brasil em relação ao português europeu, considerando as influências recebi-das de negros, índios e europeus, procure ana-lisar as seguintes questões relativas às temáticas trabalhadas:

1. Podemos afirmar que os primeiros emprés-timos linguísticos, no caso, estrangeirismos, a se incorporarem à língua portuguesa foram vocábulos de origem africana e indígena. Você concorda ou discorda da assertiva? Justifique.

2. Não apenas os povos africano e indígena contribuíram para a ampliação do vocabulá-rio do português, mas igualmente outros po-vos exerceram certa influência nesse aspecto. Relacione alguns desses povos, com base no exposto das temáticas e exemplifique com ter-mos e expressões próprias de cada um a sua contribuição, realizando uma rápida pesquisa

em outras fontes que possam ampliar os exem-plos dados no capítulo.

3. Quanto à questão da autonomia do por-tuguês brasileiro em relação ao europeu, você concorda ou discorda de alguns pesquisadores que defendem termos uma língua brasileira, bem distinta daquela usada em Portugal? Que evidências temos no cotidiano comprovando que os brasileiros usam o português de forma totalmente contrária à prescrita na gramática portuguesa ou que fazem uso das mesmas re-gras como os falantes de Portugal?

4. Acesse http://www.teiaportuguesa.com/origemdaspalavras.htm, onde há um jogo para associar palavras da língua portuguesa a sua origem, o Origem de palavras portuguesa, ela-borado por Luís Aguilar e Vitália Rodrigues. Esse jogo pode ser sugerido a alunos dos anos finais do ensino fundamental, para que conhe-çam a interferência de outras línguas sobre a nossa.

Font

e: w

ww

.vej

a.co

m.b

r Edi

ção

1664

30

de a

gost

o de

200

0

Page 28: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

28 Capítulo 2

5. Acesse o site http://www.linguakimbundu.com/index3.html para ler a página: Palavras de origem Bantu inseridas no Português. Esse site também pode ser sugerido para os alunos como forma de pesquisa no ensino fundamental e no ensino médio.

6. Assista ao vídeo Palavras africanas, disponível no Portal do Professor em http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnica.html?id=11683

7. Pesquise mais em http://www.smec.salvador.ba.gov.br/documentos/linguas-africanas.pdf, para aprofundamento de seus conhecimentos sobre essa temática.

gLOssáriO

arcaísmos: Referem-se a palavras ou expressões que, embora tenham sido usadas numa determinada época, foram substituídas no decorrer do tempo por outras de sentido idêntico. Também são chamadas de arcaísmos as palavras que perderam totalmente o seu campo de referência.

ciclo do ouro: Denominou-se Ciclo do Ouro, ou Ciclo da Mineração o período da história do Brasil em que a extração e a exportação do ouro era a atividade econô-mica dominante no Período Colonial. Tal ciclo durou até o fim do século XVIII, época em que se esgotavam as minas da região explorada, que hoje compreende os estados de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás.

dialeto: É a forma como uma língua se realiza numa re-gião específica. Cientificamente esse conceito é conhe-cido por variação diatópica, variedade geolinguística ou variedade dialetal.

emPréstimos linGuísticos: O empréstimo linguístico ocor-re quando uma língua incorpora uma palavra existente em outra língua, sendo que a palavra não sofre grandes alterações e mantém o mesmo sentido. As palavras to-madas como empréstimo são igualmente denominadas empréstimos.

estranGeirismos: Estrangeirismo é o uso de palavra, ex-pressão ou construção estrangeira que tenha ou não equi-valente vernácula, em vez da correspondente em nossa língua.

Jesuítas: Os jesuítas eram padres da Igreja Católica que faziam parte da Companhia de Jesus. Essa ordem religio-sa foi fundada em 1534 por Inácio de Loiola, tendo sido criada logo após a Reforma Protestante (século XVI), como uma forma de barrar o avanço do protestantismo no mun-do. Os primeiros jesuítas chegaram ao Brasil no ano de 1549, com a expedição de Tomé de Souza.

sotaque: É uma maneira particular de um falante pronun-ciar determinados fonemas em um idioma ou grupo de palavras. É a variante própria de uma região, classe ou

rEsumO

Neste capítulo, estudamos sobre a contribuição de africanos, índios, europeus e outros po-vos que, com suas línguas, agregaram termos e expressões à língua portuguesa, especial-mente a falada aqui no Brasil. Vimos que toda língua viva se nutre de outras línguas em seu processo de evolução. A fim de elucidar esse processo, mostramos a relação da língua com base no condicionamento de variáveis extralinguísticas de natureza sócio-histórico-cultural, apresentando aspectos linguísticos de dois povos de suma importância para a formação de uma identidade linguística brasileira – negros e índios.

Destacamos a importância dos estrangeirismos como variantes lexicais e marcamos com isso, também, a importância desses fenômenos linguísticos para a dinamicidade da língua portuguesa.

Assim, o estudo voltou seu foco para essas influências, as quais favorecem a ideia de que há uma língua portuguesa com características bem brasileiras solidificando-se gradativamente em nosso País.

Page 29: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

29Capítulo 2

grupo social, etnia, sexo, idade ou indivíduo, em qualquer grupo linguístico e pode-se caraterizar por alterações de ritmo, entonação, ênfase ou distinção fonêmica. É tam-bém o nome usado para a pronúncia imperfeita de um idioma falado por um estrangeiro.

“s” chiado: O “chiamento”, isto é, a pronúncia de s e z como /x/ ou /j/ em final de sílaba, é considerado característico do sotaque carioca, no Brasil. É uma das características do sotaque lusitano, presente no sotaque carioca, visto que é um legado da presença da família real portuguesa no Rio durante o início do século XIX até a independência em 1822.

rEfErÊncias

BAGNO, Marcos. Português ou brasileiro? Um convite à pesquisa. São Paulo: Parábola, 2001.

BECHARA, Evanildo. Ensino da gramática. Opressão? Liberdade? São Paulo: Ática, 1991.

BERNSTEIN, Basil. Comunicação verbal e socia-lização. In. COHN, Gabriel (Org.). Comunica-ção e indústria cultural. São Paulo: Nacional, 1971, p. 83.

CÂMARA JR., J. Mattoso. Manual de expressão oral e escrita. Petrópolis: Vozes, 2001.

PERINI, Mario A. Sofrendo a gramática. São Paulo: Ática, 2001.

FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. São Paulo: Ática, 1988.

Page 30: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,
Page 31: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

31Capítulo 3Capítulo 3

ObjEtiVOs EsPEcíficOs

• Inter-relacionarosfatores(externoseinternos)paramelhorexplicarofenô-meno da variação que linguisticamente pode ser manifestada em três níveis: fonológico, sintático e semântico;

• Refletir sobre os fatores linguísticos capazes de influenciar na variação: anatureza da variável, a posição do grupo de força, o número de sílabas de palavras e outros;

• Refletirsobreosfatoressociaisdeterminantesparaavariação:sexo,proce-dência, faixa etária e outros;

• Caracterizaranormapadrãocomoumadasvariedadeslinguísticasressaltan-do a importância de outras para a identidade linguística brasileira;

• Analisardiferentesmodosdemanifestaçãodepreconceitoslinguísticos;

• Distinguirdiferençalinguísticadedeficiêncialinguística;

• Transporparaocontextoescolarosconhecimentossobreasvariedadesdoportuguês em seu processo histórico de estabelecimento como manifestações linguísticas legítimas.

intrOduçãO

Neste terceiro capítulo da disciplina, trazemos para a discussão um tema bastante interessante para todos aqueles que se dedicam aos estudos da linguagem – a diversidade linguística do Brasil – ou seja, as muitas faces com que se apresenta a língua portuguesa na imensidão deste País.

a diVErsidadE Linguística dO brasiL:

um OLHar sObrE as muitas Línguas quE

sE faLam aquiProfa. sônia Virgínia martins Pereira

Carga Horária | 15 horas

Page 32: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

32 Capítulo 3

A linha teórica adotada para a exposição é a da Sociolinguística, por entendermos que tal perspec-tiva trouxe significativas contribuições para as pes-quisas sobre variação linguística, o que nos ajuda a compreender melhor os fatores que fazem nossa língua apresentar numerosas e ricas variedades.

Além de contribuir para a construção de conhe-cimentos sobre o assunto tratado, nosso desejo maior é que os princípios aqui expostos sirvam para combater os preconceitos que ainda existem na sociedade brasileira, com relação a outras varie-dades da língua que não seja a norma padrão.

Acreditamos que vocês, estudantes do Curso de Letras – curso que se volta para a formação inicial de professores de língua e linguagem – possam en-tender as novas tendências que se apresentam nos estudos linguísticos e, assim, contribuir para mu-dar, na escola, certas concepções negativas sobre as variedades do português do Brasil.

tEmática 1: O EnfOquE da sOciOLinguística sObrE VariaçãO

Na perspectiva da Sociolinguística, toda língua apresenta graus de heterogeneidade, variabilidade e multiplicidade, por estar sempre sujeita à mu-dança e à instabilidade. Daí adquirir um caráter de desconstrução e reconstrução. Por isso uma língua é sempre vista como um processo em permanente construção. Nisso vê-se a língua como uma ativi-dade social, um trabalho coletivo, produzido pelos seus falantes, em suas práticas interacionais por meio da linguagem, em qualquer modalidade, oral ou escrita.

Assim, da língua, vista apenas como sistema de sons vocais, chega-se à filosofia de Bakhtin, que vem ampliar a concepção de língua, vista, em seu pensamento, como atividade sociointeracional: “Ela [a palavra] é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o pro-duto da interação do locutor e do ouvinte” (1992: 113). Concebendo a língua nessas bases, Bakhtin refuta as concepções teóricas que estudavam a língua como um sistema imutável: “A língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato das

formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes” (BAKHTIN, 1992: 124).Dessa for-ma, o teórico russo rejeita o objetivismo abstrato, perspectiva teórica que ignorava o fenômeno de que as línguas evoluem ao longo do tempo e, por isso, rejeitava também o fato de que uma língua só pode ser entendida no seu processo real de uso. O teórico se contrapõe, igualmente, ao subjetivis-mo individualista, que defendia ser o indivíduo o centro de estudo da linguagem, sem considerar as influências significativas do contexto que vivencia, sempre voltada para a interação com um outro.

Com esse rápido incurso pelo pensamento de Bakhtin sobre a linguagem, podemos depreender a ideia de que língua é renovação, pois está intima-mente ligada à dinâmica da vida social, porque o percurso histórico de uma língua se faz com a his-tória do povo que a utiliza. Se ela se torna estática, é porque está morta.

Nessa visão, podemos entender, com apoio na Sociolinguística, que nenhuma língua permanece uniforme em todo o seu domínio e é certo que, mesmo em um só local, apresenta numerosos as-pectos que diferenciam os modos como ela se ma-nifesta, em maior ou menor amplitude. Entretan-to, tais variedades não abalam a unidade da língua nem prejudicam a apropriação pelo falante de sua estrutura básica. Esse fato é exemplificado abaixo, com um tipo de ocorrência comum entre os falan-tes da língua portuguesa, de qualquer região:

ELE DEU A TAREFA PARA MIM FAZER.

Não é difícil ter contato com pessoas que usam o pronome oblíquo mim de forma inadequada em frases como essa, em vez de colocar o pronome reto eu em seu lugar. Entretanto, jamais vamos ouvir um nativo brasileiro empregar essa mesma frase assim:

TAREFA MIM PARA DEU FAZER A ELE.

A segunda frase seria improvável que ocorresse, pois nela estaria se cometendo erro morfossintá-tico, visto que na construção há irregularidade, deformação, equívoco, o que não está previsto no sistema da língua portuguesa e, por isso, em situa-ções de uso natural da língua, não é praticado pelo falante.Talvezumestrangeiro,aindanãoproficien-te no português estivesse propenso mais facilmente a cometer esse erro de construção morfossintática. Com o exemplo, estamos confirmando que uma

Page 33: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

33Capítulo 3

língua, apesar de apresentar variedades de diferen-tes ordens, não sofre abalo em sua unidade estru-tural em decorrência disso.

O fato é que as variedades linguísticas que existem são proporcionais aos grupos sociais que compõem uma comunidade de fala. E tais variações podem ocorrer de maneiras diferentes, mesmo que se rea-lizem dentro de um grupo social específico. Entre-tanto, ainda que sejam muitas e se apresentem de muitas formas, essas variedades mantêm uma orga-nização lógica e resultam de fatores diversificados. Isso aponta para a uma heterogeneidade ordenada da língua que está relecionada com uma de suas características principais: o fato de ser muitíssimo estruturada e, acima de tudo, um sistema por meio do qual se pode expressar um mesmo conteúdo in-formacional com regras diversas, mas totalmente lógicas, visto que funcionam coerentemente. Os usuários da língua encontram nesse sistema todos os elementos necessários para suas práticas socio-culturais. O texto humorístico que a seguir serve de exemplo do que foi exposto:

Seis assaltos em seis sotaques do Brasil

ASSALTANTE BAIANOÔ meu rei... ( pausa ) Isso é um assalto... ( longa pausa )Levanta os braços, mas não se avexe não..( outra pausa ) Se num quiser nem precisa levantar, pra num ficar cansado .. Vai passando a grana, bem devagarinho ( pausa pra pausa ) Num repara se o berro está sem bala, mas é pra não ficar muito pesado. Não esquenta, meu irmãozinho, ( pausa )Vou deixar teus documentos na encruzilhada.

ASSALTANTE MINEIROÔ sô, prestenção issé um assarto, uai. Levantus braço e fica ketin quié mió procê. Esse trem na minha mão tá chein de bala...Mió passá logo os trocados que eu num tô bão hoje.Vai andando, uai ! Tá esperando o quê, sô?!

ASSALTANTE CARIOCA Aí, perdeu, mermãoSeguiiiinnte, bichoTu te fu. Isso é um assalto .Passa a grana e levanta os braços rapá.Não fica de caô que eu te passo o cerol....Vai andando e se olhar pra trás vira presunto

ASSALTANTE PAULISTAPô, meu ...Isso é um assalto, meuAlevanta os braços, meu.Passa a grana logo, meuMais rápido, meu, Pô, se manda, meu

ASSALTANTE GAÚCHOO gurí, ficas atentoBáh, isso é um assaltoLevanta os braços e te aquieta, tchê! Não tentes nada e cuidado que esse facão corta uma barbaridade, tchê. Passa as pilas prá cá! E te manda a la cria, senão o quarenta e quatro fala.

ASSALTANTE DE BRASÍLIAQuerido povo brasileiro, estou aqui no horário nobre da TV para dizer que, no final do mês, au-mentaremos as seguintes tarifas: Energia, Água, Es-goto, Gás, Passagem de ônibus, Imposto de renda, Lincenciamento de veículos, Seguro Obrigatório, Gasolina, Álcool, IPTU, IPVA, IPI, ICMS, PIS, COFINS, CPMF...

Além de ressaltar alguns dos sotaques espalhados pelo Brasil, o texto acima ilustra o que assegura-mos quanto ao fato de que as variedades linguís-ticas não abandonam a lógica estrutural de uma língua, visto que, mesmo que se tenha sotaques ou registro diversificados, como no caso do texto dos seis assaltantes, cada um em sua variação linguísti-ca mantém a estrutura morfossintática da língua portuguesa. Dessa forma, entendemos a perspec-tiva da Sociolinguística que se volta, dentre outros aspectos, para a investigação sobre a heterogenei-dade organizada da língua, ressaltando, por essa via, as variedades existentes nela.

tEmática 2:VariaçãO E nOrma PadrãO

Os indivíduos, com suas características sociocul-turais próprias, determinam a variedade de uma língua. Qualquer usuário de um língua aprendeu, tanto a sua língua materna, em sua estrutura geral, como uma particular variedade da língua de sua comunidade linguística e essa variedade pode ser diferente em algum ou em todos os níveis de ou-tras variedades da mesma língua, aprendidas por outro usuário dessa mesma língua. Chamamos de dialeto a essa variedade identificada com base em tal dimensão.

Page 34: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

34 Capítulo 3

Nenhuma língua é falada de maneira idêntica pe-los seus usuários, uma vez que elas não são unifor-mes. Nisso podemos observar inúmeras variações se compararmos termos e expressões de diversas re-giões do Brasil e se compararmos as formas de usos da língua portuguesa de pernambucanos, goianos, mineiros, paraenses ou amazonenses. Dentre as diferentes variações de diferentes naturezas, desta-cam-se as de

a. natureza fonética – que determinam o que chamamos de sotaque;

b. lexical – que se referem à utilização de palavras e expressões próprias

c. sintáticas – que dizem respeito à ordem das pa-lavras na oração, regência, concordância etc.

Além das variações regionais, igualmente, a língua varia conforme a época, a classe social, o nível de instrução, a faixa etária, a situação de comunica-ção, dentre outros aspectos.

No quadro a seguir, observamos variedades linguís-ticas de diferentes ordens, tanto aquelas mais espe-cíficas de determinadas localizações do Brasil, quan-to as que apontam para a faixa etária, grupo social ou, principalmente, para o contexto de comunica-ção em que os termos e expressões são empregados.

2. A perspectiva da situação, relacionada às va-riações linguísticas que ocorrem em função do interlocutor, das finalidades e do tipo de mensagem, bem como do contexto em que a situação se materializa.

Tomemos como exemplo um advogado que, emsuas práticas interacionais de linguagem, faz dife-rentes usos da língua, ao dialogar com um colega de profissão, ao dirigir-se a um juiz no tribunal, ao escrever um bilhete para sua secretária ou redi-gir argumentos de defesa para um réu. A essas va-riedadesdamosonomederegistro.Taisregistrosestão intimamente ligados à situação de produção das práticas de linguagem, tanto na oral quanto na escrita, uma vez que podemos verificar diferen-tes graus de formalidade no trato com a língua, do maisinformalaomaisformal.Temoscomoimpor-tante, nesses diferentes registros que se materiali-zam no nosso cotidiano, o princípio da adequação, pois entendemos que é preciso saber adequar a va-riedade linguística a ser utilizada ao contexto de interação.

Pela dinamicidade que é própria de todas as lín-guas, nenhuma delas permanece como um sistema imutável, estático. Ela apresenta variedades geográ-ficas, sociais e individuais, já que o falante procura fazer uso do sistema idiomático da melhor forma que lhe convém. Entretanto, mesmo com essas

particularidades, como já vimos, não há prejuízo na uni-dade da língua, há sim, a valorização da atividade comu-nicativa.

Não se pode negar, porém, que, nessa atividade comuni-cativa, existe algo comum que facilita a compreensão en-

tre os interlocutores. Esse elemento é a norma lin-guística que ambos os participantes do ato comu-nicativo adquirem em seu convívio social. Sendo a norma instável, visto estar presa à estrutura políti-co-social, ela pode mudar no decorrer do tempo de forma particularizada se o indivíduo mudar de um grupo social. A fala reflete uma norma e varia de falante para falante.

Depreendemos que as variações linguísticas são de-correntes de dois núcleos principais:

1. A perspectiva do falante, no que se refere às variedades relacionadas ao local de seu nasci-mento, ao ambiente social em que foi criado ou onde vive, à categoria profissional de que faz parte, à sua faixa etária e ao momento his-tórico em que está inserido.

Page 35: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

35Capítulo 3

A linguista Maria Helena de Moura Neves (2001), em seu artigo intitulado Norma e prescrição linguística distingue o termo nor-ma, no campo da linguagem por meio de duas significações básicas: uma que desig-naria uma modalidade linguística comum ou normal, sendo estabelecida pelo seu uso constante e, assim, seria repartida por estratos sociais – variação de uso diastrática; por perí-odos de tempo – variação de uso diacrônica e por regiões – variação de uso diatópica. A outra, que se referiria ao uso restrito à norma da qual alguns se apropriaram e outros, não. Nesse caso, igualmente, a noção de norma é classificada como diastrática, diacrônica e diatópi-ca, sendo umas variedades mais prestigiadas que outras. São da própria pesquisadora, as seguintes palavras sobre as duas significações expostas:

“Nas duas concepções insere-se a norma na sociedade. Na primeira, o que está em questão é o uso, e, então, a rela-ção com a sociedade aponta para a aglutinação social. Na segunda, trata-se de bom-uso, e a relação com a sociedade aponta para a discriminação, criando-se, por aí, estigmas e

exclusões. É crucial a diferença.”

O pensamento de Moura (2001) sobre norma lin-guística nos ajuda a entender os elementos que de-terminam um ou outro significado, especialmente os que dizem respeito ao “bom-uso” da norma que, segundo ela, é fonte de preconceitos.

Deixamos claro que as línguas naturais são siste-mas dinâmicos e extremamente sensíveis a diver-sos fatores como a localização geográfica, o sexo, a faixa etária, a classe social dos falantes e o grau de formalidade do contexto dentre outros. São tais fa-tores que contribuem para o desenvolvimento his-tórico da língua sem deixar que ela morra. Dessa forma, contribuem para a formação de variedades na língua, que não podem ser vistas como “mau uso” da norma linguista.

Todasasvariedadesconstituemsistemaslinguísti-cos perfeitamente adequados para a interação co-municativa e cognitiva dos falantes. O preconceito linguístico é uma forma de discriminação que deve ser enfaticamente combatida.

No quadro a seguir, temos exemplos de variações linguísticas de diferentes níveis. Leia.

• Aconcordânciainadequada,oqueestárepre-sentado em “Eu e os bróder tudo”, “as paradinha”.

• Ousodeestrangeirismos,vistoembróder e new.

Outros fatores que caracterizam a variedade lin-guística mostrada na tira podem ser analisados, como demonstração das numerosas influências recebidas pela língua em sua dinamicidade. En-tretanto, fixamo-nos naqueles que foram expostos, visto que eles são mais aparentes e ilustram bem os pontos tratados até aqui neste capítulo.

tEmática 3: unidadE E diVErsidadE Linguística dO brasiL

No Brasil, temos um falar brasileiro que se consti-tui em um modo diferente de se falar a língua por-tuguesa. Aliás, um modo só, não! Vários modos, o que ressalta a diversidade linguística de nosso país. O poema de Mário de Andrade traduz um pouco dessas maneiras com que se manifesta a linguagem brasileira:

Font

e: h

ttp:

//bi

blib

logu

e.w

ordp

ress

.com

/201

0/08

/11/

conc

eito

s-se

m-p

reco

ncei

tos-

6-fa

lam

os-a

--m

esm

o-lin

gua-

port

ugue

s-de

-por

tuga

l-vrs

--%

E2%

80%

9Cbr

asile

iro%

E2%

80%

9D/

Page 36: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

36 Capítulo 3

Que importa que uns falem mole DescansadoQue os cariocas arranhem os erres na gargantaQue os capixabas escancaremAs vogais?Que tem quinhentos réis meridionalVira tostões do Rio pro Norte?Juntos formamos este assombrosoDe misérias e grandezas,Brasil, nome de vegetal ...

Mário de Andrade

Dentre outros fatores, as variedades linguísticas do Brasil resultam dos regionalismos, que são marca-dos, além do sotaque, por vocábulos e expressões que são usadas corriqueiramente pelos falantes de locais do vasto território brasileiro e que pessoas de ou-tros lugares do Brasil desconhecem seu significado.

A literatura incorporou esse fenômeno do regiona-lismo e nos fornece exemplos marcantes, como o fez Erico Veríssimo, em seu livro O tempo e o vento:

“Apeou na frente da venda do Nicolau, amarrou o alazão no tronco dum cinamomo, entrou arras-tando as esporas, batendo na coxa direita com o re-benque, e foi logo gritando, assim com ar de velho conhecido: – Buenas e me espalho! Nos pequenos dou de prancha e nos grandes dou de talho! [...] O capitão tomou seu terceiro copo de cachaça. Juve-nal, que o observava com olhos parados e inexpres-sivos, puxou dum pedaço de fumo em rama e duma pequena faca e ficou a fazer um cigarro. – Pois le garanto que estou gostando deste lugar – disse Ro-drigo. – Quando entrei em Santa Fé, pensei cá co-migo: Capitão, pode ser que vosmecê só passe aqui uma noite, mas também pode ser que passe o resto da vida...”

No trecho, vê-se a expressividade de um falar regio-nal, mostrado por meio de sentenças e vocábulos que não são do conhecimento geral. Para compre-ender alguns deles, é preciso entender o contexto em que a cena se passa. Especialmente na primeira parte do trecho, tem-se a variedade regional, mas se podem construir significações, tais como: per-cebe-se a chegada de alguém montado em um ani-mal. Esse personagem realiza ações, como prender o animal, entrar no estabelecimento com gestos e saudação bem própria. Nessas ações, os vocábulos apear, cinamomo, rebenque e outros marcam a re-gionalização do registro linguístico, utilizado pelo autor, assim como a construção com a qual o per-sonagem entra na venda saudando a quem estiver

presente: – Buenas e me espalho! Nos pequenos dou de prancha e nos grandes dou de talho!

Além do regionalismo, outras manifestações de variedades linguísticas são aquelas que se voltam a determinadas épocas, a contextos histórico-cultu-rais específicos, como se pode perceber no poema Antigamente, de Carlos Drummond de Andrade, em que se observa que a utilização de certas pala-vras e expressões está relacionada à prática de de-terminados hábitos:

antigamente

Antigamente, as moças chamavam-se mademoisel-les e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas fica-vam longos meses debaixo do balaio. E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia. As pessoas, quando cor-riam, antigamente, era para tirar o pai da forca, e não caíam de cavalo magro. Algumas jogavam verde para colher maduro, e sabiam com quantos paus se faz uma canoa. O que não impedia que, nesse en-trementes, esse ou aquele embarcasse em canoa fu-rada. Encontravam alguém que lhes passava manta e azulava, dando às de Vila-Diogo. Os mais idosos, depois da janta, faziam o quilo, saindo para tomar a fresca; e também tomavam cautela de não apanhar sereno. Os mais jovens, esses iam ao animatógrafo, e mais tarde ao cinematógrafo, chupando balas de alteia. Ou sonhavam em andar de aeroplano; os quais, de pouco siso, se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas; não admira que des-sem com os burros n’água.

Antigamente, certos tipos faziam negócios e fica-vam a ver navios; outros eram pegados com a boca na botija, contavam tudo tintim por tintim e iam comer o pão que o diabo amassou, lá onde Judas perdeu as botas. Uns raros amarravam cachorro com linguiça. E alguns ouviam cantar o galo, mas não sabiam onde. As famílias faziam sortimento na venda, tinham conta no carniceiro e arrematavam qualquer quitanda que passasse à porta, desde que o moleque do tabuleiro, quase sempre um “cabrito”, não tivesse catinga. Acolhiam com satisfação a visita do cometa, que, andando por Ceca e Meca, trazia novidades de baixo, ou seja, da Corte do Rio de Ja-neiro. Ele vinha dar dois dedos de prosa e deixar de presente ao dono da casa um canivete de roscofe. As donzelas punham carmim e chegavam à sacada para vê-lo apear do macho faceiro. Infelizmente, alguns eram mais do que velhacos: eram grandessíssemos tratantes.

Page 37: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

37Capítulo 3

Havia os que tomaram chá em criança e, ao visita-rem família da maior consideração, sabiam cuspir dentro da escarradeira. Se mandavam seus respeitos a alguém, o portador garantia-lhes: “Farei presen-te”. Outros, ao cruzarem com um sacerdote, tira-vam o chapéu, exclamando: “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo”; ao que o Reverendíssimo cor-respondia: “Para sempre seja louvado”. E os erudi-tos, se alguém espirrava - sinal de defluxo - eram im-pelidos a exortar: “Dominus tecum”. Embora sem saber da missa a metade, os presunçosos queriam ensinar padre-nosso ao vigário, e com isso punham a mão em cumbuca. Era natural que com eles se perdesse a tramotana. A pessoa cheia de melindres ficava sentida com a desfeita que lhe faziam, quan-do, por exemplo, insinuavam que seu filho era ar-tioso. Verdade seja que às vezes os meninos eram mesmo encapetados; chegavam a pitar escondido, atrás da igreja. As meninas, não: verdadeiros cro-mos, umas teteias.

Acontecia o indivíduo apanhar constipação; fican-do perrengue, mandava o próprio chamar o doutor e, depois, ir à botica para aviar a receita, de cápsulas ou pílulas fedorentas. Doença nefasta era a phtysica, feia era o gálico. Antigamente, os sobrados tinham assombrações, os meninos lombrigas, asthma os ga-tos, os homens portavam ceroulas, botinas e capa--de-goma, a casimira tinha de ser superior e mes-mo X.P.T.O. London, não havia fotógrafos, mas retratistas, e os cristãos não morriam: descansavam.

Mas tudo isso era antigamente, isto é, outrora.

Alguns dos termos e expressões do poema já ca-íram em desuso, ou seja, foram abandonados, já que o objeto ou situações que designavam deixa-ram de ser necessários ou de existir no cotidiano da sociedade. A intenção do poema é exatamente a de mostrar formas linguísticas comuns em deter-minada época, tanto que o poema tem por título Antigamente. Assim, podemos identificar alguns casos, a exemplo de carniceiro, carmim, escarradei-ra, dentre outros. A adoção de novos hábitos e o novo quadro de desenvolvimento social não permi-tem e fazem não haver mais a necessidade de que o carniceiro passe de porta em porta; o carmim foi substituído por produtos mais sofisticados tecno-logicamente; a escarradeira passou a ser considera-da falta de higiene. Nisso vê-se que os usos que se fazem de uma língua em certo tempo marcam um contexto sociohistórico específico.

Algumas categorias profissionais, como a dos ad-vogados, por exemplo, empregam termos e frases de entendimento restrito a seu grupo social. Cer-

tas sentenças proferidas e a linguagem recheada de jargões da área jurídica são exemplos de diversi-dade linguística. Em geral, os jargões servem para mostrar o poder que determinada classe tem na sociedade, e a linguagem, quase indecifrável para os cidadãos fora desse grupo, é utilizada como uma das formas de mostrar esse poder.

As gírias também se constituem como formas de variação da língua. Elas são representações legíti-mas das práticas de linguagem estabelecidas, geral-mente pelos jovens em suas interações sociais e a comprovação de que uma língua se dinamiza, se desenvolve com base nas palavras e nas constru-ções criadas por seus usuários.

Hoje, as gírias estão cada vez mais circunscritas a grupos particularizados, específicos, a exemplo das polêmicas letras de músicas funk, em que as gírias utilizadas por determinado grupo social estão sem-pre presentes.

Outros elementos que ajudam a compor as va-riedades linguísticas do Brasil podem ser vistos a seguir, em matéria publicada pela Revista Superin-teressante:

(...)tuPi imPOrtadO

a amazônia faLa dE um mOdO bEm difErEntE dO VizinHO nOrdEstE. a razãO Para issO é quE Lá quasE nãO HOuVE EscraVidãO dE africanOs. PrEdOminOu a infLuÊncia dO tuPi, Língua quE nãO Era faLada PELOs índiOs da rEgiãO, mas fOi imPOr-tada POr jEsuítas nO PrOcEssO dE EVangELizaçãO. matErnidadE

a EXPLOraçãO dO OurO LEVOu gEntE dO brasiL tOdO Para minas nO sécuLO XViii. cOmO tOda a mãO dE Obra sE OcuPaVa da minEraçãO, fOi nEcEssáriO criar rOtas dE cOmérciO Para imPOrtar cOmida. uma dELas LigaVa a zOna dO minériO cOm O atuaL riO grandE dO suL, OndE sE criaVam muLas, Via sãO PauLO. as muLas, quE nãO sE rE-PrOduzEm, Eram cOnstantEmEntE imPOrtadas Para EscOar OurO E trazEr aLimEntOs. também EsPaLHa-ram a Língua brasiLEira PELO cEntrO-suL. tu E VOcÊ

Os trOPEirOs PauListas Entraram nO suL nO sé-cuLO XViii PELO intEriOr, PassandO POr curitiba. O LitOraL suLista fOi OcuPadO PELO gOVErnO POrtuguÊs na mEsma éPOca cOm a transfErÊncia dE imigrantEs das iLHas açOrEs. a issO sE dEVE a fOrmaçãO dE dOis diaLEtOs. na cOsta, faLa-sE “tu”, cOmO é cOmum até HOjE Em POrtugaL. nO intEriOr dE santa catarina, adOta-sE O “VOcÊ”, PrOVaVELmEntE EsPaLHadO PELOs PauListas.

Page 38: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

38 Capítulo 3

A matéria deixa bem claro que, do contato com línguas africanas que influenciaram o nordeste brasileiro, mas não a região norte, por seus nativos terem sido catequizados pelos jesuítas na língua tupi, percebe-se o quanto esse fato determinou os falaresdasduasregiõesbrasileiras.Tambémasro-tas de comércio criadas para se levar comida aos campos de mineração no período do Ciclo do Ouro, em Minas Gerais, geraram uma espécie de intercâmbio linguístico, o que fez o português se espalhar pelo Sul. Entende-se, igualmente, o uso de dois pronomes diferentes em locais distintos de Santa Catarina, pela presença de tropeiros paulis-tas e de imigrantes açorianos no Estado.

JáasimplespronúnciadoT,noNordestedoBra-sil, tem sua diferença explicada pela presença dos escravos negros no litoral e dos índios no interior dessa região. Os característicos chiado carioca e o r puxado dos paulistanos resultam da presença de muitos portugueses no Rio de Janeiro, no Período Imperial e da chegada dos migrantes à cidade de São Paulo, respectivamente.

Essa exposição geral sobre tais aspectos nos ajuda a entender a motivação de cada um dos elementos mencionados e a compreender algumas das causas das variações em nossa língua.

Não é demais reforçar o pensamento de que no Brasil não se fala apenas uma única língua por-tuguesa. Em nosso país, com suas dimensões continentais, é fácil comprovar esse fato, com nu-merosos exemplos, como a influência das línguas trazidas por imigrantes sobre a nossa língua. Outro fator evidente é a realidade da Região Norte do Brasil, onde estão localizadas comunidades e na-ções indígenas que procuram conservar de todas as formas seu idioma e suas falas nativas.

No uso cotidiano da linguagem, a chamada unida-de linguística do Brasil se depara com realizações nos falares apontados para a diversificação no idio-ma português que, embora não seja único, como já afirmado, algumas pessoas – leigas ou especialistas no assunto – insistem colocá-lo como tal, descon-siderando as variantes que se fazem presentes no uso da nossa língua. Com ações recorrentes não apenas na mídia, mas igualmente em outros se-tores da sociedade, as variedades linguísticas são rotuladas como se fossem um desvio da língua pa-drão. Nisso se tenta reduzir a língua portuguesa a pouquíssimas variantes, adotando-se um padrão e ignorando ou estereotipando as diferenças e va-riações regionais, sociais e de outras ordens. Com relação a esse fato, é interessante a abordagem feita pelos sociolinguistas, que veem a adoção de uma variante apenas como padrão único, como atitude autoritária e centralizadora.

atiVidadEs |Com base nos tópicos expostos, procure refle-tir sobre o tema geral do capítulo. As questões a seguir podem ajudá-lo nessa reflexão:

1. No seu entendimento, que contribuições a Sociolinguística traz para os estudos sobre o fenômeno da variação linguística?

2. Você concorda ou discorda de Bakhtin, que se posiciona contrário à concepção de lín-gua como sistema imutável?

3. O que você compreende por norma-pa-drão, tomando-se por base o pensamento de Maria Helena de Moura Neves?

4. Marcos Bagno diz que “a língua padrão é a língua do patrão”. Como se pode relacionar o preconceito que se tem com certas variedades linguísticas com a imposição de uma única lín-gua padrão?

minHa tcHia54rE

O LitOraL nOrdEstinO rEcEbEu muitOs EscraVOs nEgrOs, EnquantO O intEriOr EncHEu-sE dE índiOs EXPuLsOs da cOsta PELOs POrtuguEsEs. issO EXPLica aLgumas difErEnças diaLEtais. nO rEcôncaVO baianO, O “t” às VEzEs é PrOnunciadO cOmO sE fOssE “tcH”. é O casO dE “tia”, quE sOa cOmO “tcHia”. Ou dE “muitO”, frEquEntEmEntE PrO-nunciadO “mutcHO”. nO intEriOr, PrEdOmina O “t” sEcO, ditO cOm a Língua atrás dOs dEntEs. cHiadO EurOPEu

quandO a famíLia rEaL POrtuguEsa mudOu-sE Para O riO, Em 1808, fugindO dE naPOLEãO, trOuXE 16 000 LusitanOs. a cidadE tinHa 50 miL HabitantEs. Essa gEntE tOda mudOu O jEitO dE faLar cariOca. data daí O cHiadO nO “s”, cOmO Em “fEsta”, quE fica ParEcEndO “fEisHta”. Os POrtuguEsEs também cHiam nO “s”. POrrrrta

até O sécuLO PassadO, a cidadE dE sãO PauLO faLaVa O diaLEtO caiPira, caractErísticO da rEgiãO dE Piracicaba. a PrinciPaL marca dEssE sOtaquE é O “r” muitO PuXadO. a cHEgada dOs migrantEs, quE ViEram cOm a industriaLizaçãO, diLuiu EssE diaLEtO E criOu um nOVO sOtaquE PauListanO, frutO da cOmbinaçãO dE infLuÊncias EstrangEiras E dE Outras rEgiõEs brasiLEiras.

Page 39: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

39Capítulo 3

5. Que elementos podem ser relacionados, comprovando existir no Brasil diferentes variedades da língua portuguesa?

6. Investigue em outras fontes sobre a diversidade linguística brasileira, exemplificando com jargões, gírias e outros diferentes registros os usos da língua portuguesa.

gLOssáriO

dialeto: variante da língua comum utilizada num espaço geográfico delimitado. O dialeto é o resultado da trans-formação regional de uma língua nacional – o idioma. O açoriano e o madeirense, por exemplo, são dialetos do português. Algumas línguas têm uma origem históri-ca comum, mas por razões políticas ou econômicas, uma delas ganhou status de língua, enquanto outras permane-ceram como dialetos. As línguas românicas eram dialetos do latim.

Falares: modalidades regionais de uma língua cujas va-riações não são suficientes para caracterizar um dialeto. Às vezes, são apenas algumas palavras ou expressões ou mesmo certos tipos de construção de frases. A esse uso re-gional da língua também se dá o nome de regionalismo.

sotaque: pronúncia típica de um indivíduo, de uma região.

rEfErÊncias

BAGNO, Marcos. Português ou brasileiro? Um convite à pesquisa. São Paulo: Parábola, 2001.

___________Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2000.

BECHARA, Evanildo. Ensino da gramática. Opressão? Liberdade? São Paulo: Ática, 1991.

rEsumO

O capítulo abordou como temática geral a questão da diversidade linguística do Brasil. Para isso, foram trabalhadas três sub-temáticas, nas quais estudamos, no primeiro tópico, a perspectiva da Sociolinguística sobre variação linguística e a contribuição dessa abordagem teórica para os estudos variacionais. No segundo tópico, foram expostos alguns pressupos-tos sobre norma-padrão, tendo como pano de fundo a relação da imposição de uma única norma-padrão, com os preconceitos com outras variedades da língua portuguesa, embora seja fato de que no Brasil se usem diferentes registros, o quepode vir a quebrar o mito da unidade linguística em nosso País. Por fim, no terceiro tópico, apresentamos algumas consi-derações sobre a diversidade linguística em nossa nação, apresentando diferentes manifes-tações de linguagem que reforçam tal diversidade.

BERNSTEIN, Basil. Comunicação verbal e socia-lização. In. COHN, Gabriel (Org.). Comunica-ção e indústria cultural. São Paulo: Nacional, 1971, p. 83.

CÂMARA JR., J. Mattoso. Manual de expressão oral e escrita. Petrópolis: Vozes, 2001.

FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. São Paulo: Ática, 1988.

NEVES, Maria helena de Moura http://www.comciencia.br [email protected] 2001SBPC/LabjorBrasil. Acessado em 10 de abril de 2011

PERINI, Mario A. Sofrendo a gramática. São Paulo: Ática, 2001.

PRETI, Dino. Sociolinguística: os níveis da fala – um estudo sociolinguístico do diálogo na li-teratura brasileira. 9. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000.

Page 40: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,
Page 41: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

41Capítulo 4Capítulo 4

ObjEtiVOs EsPEcíficOs

• Caracterizaranormapadrãocomoumadasvariedadeslinguísticasressaltan-do a importância de outras para a identidade linguística brasileira;

• Analisardiferentesmodosdemanifestaçãodepreconceitoslinguísticos;

• Distinguirdiferençalinguísticadedeficiêncialinguística;

• Transporparaocontextoescolarosconhecimentossobreasvariedadesdoportuguês em seu processo histórico de estabelecimento como manifestações linguísticas legítimas.

intrOduçãO

Chegamos ao último capítulo da nossa disciplina. Nele apresentamos aspectos sobre as variedades do português brasileiro, visando à transposição didática desse objeto de ensino para a esfera escolar. Daí a necessidade que sentimos de traba-lhar fundamentos pedagógicos gerais, uma vez que esta disciplina se propõe a estabelecer uma relação bem direta entre teoria e prática. Sendo assim, a escola, campo de ação dos licenciandos durante o curso de graduação e, possivelmente, campo de atuação profissional de muitos, deve ser o foco principal do presente estudo. Decorrente disso, retomamos alguns tópicos de estudo importantes para qual-quer proposta curricular de língua portuguesa, a exemplo da gramática, para defendermos o ponto de vista de que além da gramática normativa, que estabe-lece uma variedade padrão para a língua, é necessário trabalhar uma gramática descritiva na escola, para que os usos reais da língua portuguesa, vistos em nosso país, sejam analisados. Além disso, por entender a necessidade de valorizar o que o falante traz consigo de conhecimentos sobre sua língua, destacamos a relevân-cia para o estudo e perceber o que é uma gramática internalizada.

Acreditamos que as questões do capítulo possam contribuir amplamente para a sua formação, alun@ de Letras, como o especialista da linguagem que deve

imPLicaçõEs PEdagógicas dO EnsinO da VariaçãO Linguística

Profa. sônia Virgínia martins PereiraCarga Horária | 15 horas

Page 42: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

42 Capítulo 4

entender a língua portuguesa não por um único viés - o da norma culta -, mas reconhecendo outras variedades linguísticas que a deixam mais dinâmi-ca e, por isso, viva.

tEmática 1: rEfLEXõEs sObrE O EnsinO E a aPrEndizagEm da Língua POrtuguEsa: O EnsinO da Língua cuLta X EnsinO das VariEdadEs Linguísticas

O ensino da língua materna sempre esteve pau-tado pela opção em se privilegiar a norma culta, em detrimento de outras variedades do português, apesar de estas se fazerem presentes em todos os períodos do desenvolvimento histórico da língua portuguesa falada no Brasil. Essa norma-padrão ensinada, em geral, volta-se para o ensino da gra-mática normativa, pois é ela que determina como a língua deve “se comportar”. Nessa visão, além de uma única variedade da língua a ser ensinada – a chamada norma culta – um único tipo de gramá-

tica, igualmente, é destacado nesse ensino, que desconsidera outros tipos de gramática existentes.

Entende-se a gramática ou as gramáticas como um conjunto de regras estabelecidas. Possenti & Ilari (1992) afirmam que a Linguística contribuiu de maneira muito importante para o ensino e para o professor de língua materna ao evidenciar que o termo gramática não se refere a uma única defini-ção, visto que pode designar realidades distintas. Os mesmos autores apresentam três definições de gramática, que podem ajudar o professor de língua materna em suas estratégias de ensino. São elas:

1. As gramáticas normativas ou prescritivas, como conjunto de regras a serem obedecidas.

Essas gramáticas trabalham com a variedade pa-drão de uma língua. Nelas, o falar e o escrever corretamente devem ser pautados pelas regras gra-maticais. A escola brasileira, durante muito tempo, privilegiou – provavelmente ainda privilegie – no ensino esse tipo de gramática, por entender que a utilização dela levaria o aluno a seu domínio.

A seguir temos um exemplo das formas como esse tipo de gramática é apresentada:

Font

e: A

rgum

ento

: Raf

ael L

ewin

. Art

e: L

aris

sa F

erre

ira

A gramática normativa da língua portuguesa deter-mina que o verbo fazer, na indicação de tempo de-corrido e de fenômeno da natureza, seja impessoal, ou seja, nesses casos, o verbo fazer não tem sujeito, por isso não tem com quem concordar, devendo fi-car, obrigatoriamente, na terceira pessoa do singular.

Veja o exemplo abaixo:

• Fazquasetrêsmesesqueentreinafaculdade.(tempo decorrido)

• Faz calor demais em Brasília nos meses deagosto e setembro. (fenômeno da natureza)

Se o verbo fazer vier acompanhado de outro verbo, forma que chamamos de locução verbal, passará a impessoalidade a este verbo (verbo auxiliar), e os dois ficarão no singular.

Por exemplo:

• Devefazeroitomesesqueelasefoi.

Page 43: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

43Capítulo 4

Mas em que situação esse verbo deve ser flexionado?

Quando representar uma ação praticada pelo su-jeito. Nesse caso, o verbo sempre concordará com o sujeito.

Veja os exemplos abaixo:

• Aspessoasfazemmuitomistérioemrelaçãoàsdificuldades da língua portuguesa.

• Os funcionários fizeram greve na semanapassada.

• Fazemguerrasujaosadversários.

http://escola.previdencia.gov.br/dicas/dica12.html Acessado em 09 de maio de 2011.

É bom ressaltar que esse tipo de gramática precisa ser ensinado, sim, mas de forma significativa e que outros tipos também sejam contemplados no ensi-no, pois, dessa forma, o aluno terá uma visão mais real da sua língua.

2. Gramática descritiva, como conjunto de re-gras efetivamente seguidas.

Os pesquisadores da linguagem adotam essa pers-pectiva de gramática para descrever os modos como as línguas são faladas, uma vez que a linguís-tica tem se voltado para questões que investigam como as línguas ocorrem em seus usos reais e não como elas deveriam ocorrer, com base na análise dos dados linguísticos.

Exemplo recorrente de fenômeno na língua por-tuguesa e que precisa de uma análise descritiva é o uso do gerúndio em determinadas situações. Peri-ni, (1995) em sua Gramática Descritiva do Português, expõe em linhas gerais sobre o gerúndio e a sinta-xe da língua portuguesa. O autor explica que, em determinadas frases construídas com o gerúndio, torna-se problemática a classificação do sujeito, conforme o exemplo: Marivânia chegando, a farra vai começar. (Perini, 1995: 78), pois ele afirma que não há concordância entre o verbo e nenhum dos termos expostos na oração e, “Marivânia funciona apenas como um sujeito, o que cria um problema quanto a sua análise” (Perini, 1995: 78). Entretan-to, quando se parte para uma análise com base no uso real da língua, constata-se que é perfeitamente entendido pelos interlocutores que a farra come-çará quando Marivânia chegar. Assim, Marivânia

assume o papel de sujeito dessa oração. Análises dos fenômenos linguísticos, tomando-se bor base a realidade como ocorrem, estão em harmonia com a gramática descritiva, pois, como já dito, procu-ram uma sistematização sobre as ocorrências do que a língua é e não do que ela deveria ser.

Algumas tentativas de que o ensino de língua por-tuguesa favoreça o estudo descritivo da língua têm sido implementadas na educação brasileira, tanto no que se refere às políticas educacionais, na ela-boração de referenciais curriculares que enfocam a língua materna sob a perspectiva da gramática descritiva, quanto iniciativas particularizadas de escolas e professores que optam por um ensino analítico da língua materna. Entretanto, ainda são vistas práticas de ensino que tomam a estrutura do português como algo independente dos usos reais da língua, com atividades que cobram dos alunos a simples identificação e a classificação dos aspectos estruturais de uma única variedade linguística – a norma padrão.

Logicamente, é preciso ensinar a norma padrão e seus aspectos convencionais, para que os alunos aprofundem seus conhecimentos sobre a sua lín-gua e façam uso dessa norma em contextos que dela necessitem. Isso não elimina o estudo de ou-tras variedades linguísticas fortemente presentes em nossa língua, elas precisam ser analisadas à luz de uma abordagem descritiva.

3. Gramática internalizada, como conjunto de regras conhecidas pelos falantes.

Ao admitirmos o fato de que os falantes de uma língua possuem a capacidade de apreender suas regras sem seguir modelos e sem construir regras próprias que entrem em desacordo com a estrutura de sua língua nativa, há o reconhecimento de que esses falantes a aprendem por meio dos conheci-mentos que vão adquirindo sobre essa língua em seus contextos sociais.

Ainda que no início de um processo de aquisição da linguagem e uma criança possa demonstrar a falta de domínio sobre alguns aspectos da estrutu-ra da língua da qual é usuária, a exemplo de uso de sentenças que preveem sempre uma regularida-de na flexão dos verbos, como “eu fazi”, é quase inexistente a possibilidade de um adulto elaborar construções frasais que desconsiderem a lógica es-trutural de sua língua, porque se supõe que esse

Page 44: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

44 Capítulo 4

a falada, vendo a fala como o lugar do “caos”, da contravenção às normas da gramática prescritiva e a escrita como a linguagem em que se respeita aquelas normas.

Com tais considerações, entendemos que é mais abrangente para os alunos estudarem na escola o nível que precisam dominar sobre a língua por-tuguesa, correlacionando esse nível com outros níveis correntes na sociedade brasileira. O ensino encaminhado nessa direção valorizaria a realidade linguística do Brasil, ou seja, estaria fundamenta-do no fato de que o português falado em nosso País compõe-se de um conjunto de variedades.

tEmática 2: nOVas PErsPEctiVas Para O EnsinO da Língua POrtuguEsa - a cOntribuiçãO dOs ParâmEtrOs curricuLarEs naciOnais

Com a publicação, em 1998, do referencial curri-cular do Ministério da Educação – MEC, os Parâ-metros Curriculares Nacionais – PCNs, passou-se a considerar a variação como um traço constitutivo das línguas humanas e, em decorrência disso, hou-ve o reconhecimento de que no Brasil “quando se fala em ‘língua portuguesa’ está se falando de uma unidade que se constitui de muitas variedades.” Com isso há o destaque para o fato de que “em um mesmo espaço social convivem mescladas diferen-tes variedades linguísticas, geralmente associadas a diferentes valores sociais”.

Ao sugerir como objeto de estudo a variação exis-tente na língua portuguesa, os PCNs reconhecem tais variedades linguísticas existentes no Brasil e, consequentemente, a forma preconceituosa como são tratadas as variedades não-padrão da língua que decorrem, segundo o Referencial, do “valor atribuído às variedades padrão e ao estigma asso-ciado às variedades não-padrão, consideradas infe-riores ou erradas pela gramática”. Entenda-se essa gramática citada pelo documento como a normati-va ou prescritiva, a qual explicitamos no tópico an-terior. Os PCNs também chamam atenção para a questão de que “frente aos fenômenos da variação, não basta somente uma mudança de atitudes; a es-cola precisa cuidar para que não se reproduza em seu espaço a discriminação linguística. (...) E não apenas por uma questão metodológica: é enorme a

adulto – salvo algum comprometimento na área do cérebro responsável pela linguagem – possa emitir frases como a da anedota a seguir:

O Diretor chega todo contente para recepcionar a nova professora de inglês e lhe pergunta:_ Are you the new english teacher?A professora responde:_ Yes I are!

A menos que a situação de comunicação se refira a um domínio – ou falta dele – de uma segunda lín-gua, como apresenta a anedota, em que o humor se faz quando a professora, ao responder a pergun-ta de seu interlocutor “Você é a nova professora de inglês?” responde, demonstrando desconhecimento sobre a língua inglesa, “Sim, eu somos!”, é pouco provável que um adulto, que convive com a sua língua materna desde criança, e por isso, traz uma gramática implícita, internalizada consigo, possa emitir sentença desse tipo.

Os chamados “erros” que se costumam atribuir a outros usos da língua portuguesa, em desacordo com a norma-padrão, por não estarem previstas no sistema da nossa língua são, na verdade, outras for-mas ou construções de linguagem que caracterizam variações fonéticas, morfológicas, sintáticas, semân-ticas e/ou pragmáticas. Ou seja, são diferenciados pela regularidade natural de uso dessa língua den-tro de uma determinada comunidade de falantes conforme a variação no uso dessa mesma língua, o que caracteriza um dialeto. Decorrente disso, não se pode dizer que o português do Brasil comporta uma única linguagem padrão – a norma culta – uma vez que as diversificadas variedades presentes em nossa língua expandem-se em microvarieda-des, como resultado de fatores extralinguísticos.

Sabe-se que a norma-padrão é determinada pela linguagem de uma classe dominante. Nisso, po-rém, já podemos caracterizar uma contradição, vis-to que a classe dominante é formada por falantes de ambientes socioeconômicos distintos e com for-mação escolar/acadêmica, religiosa, profissional e de outros tipos bem diferentes. Perini (2003) lem-bra que a questão da norma-culta está intimamen-te relacionada à escrita, visto que a “estabilidade” do sistema de escrita anima a descrição do portu-guês pelas gramáticas tradicionais (PERINI, 2003). Esse fato traz à tona outras implicações, tais como aquelas relacionadas a certas perspectivas teóricas que atribuem à linguagem escrita a soberania sobre

Page 45: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

45Capítulo 4

gama de variação e, em função dos usos e das mes-clas constantes, não é tarefa simples dizer qual é a forma padrão (efetivamente, os padrões também são variados e dependem das situações de uso). Além disso, os padrões próprios da tradição escri-ta não são os mesmos que os de uso oral, ainda que haja situações de fala orientadas pela escrita” (PCN,1998:82). A mudança de atitude de que fala o referido documento é bem importante para ser assinalada, pois enfatiza, além da inclusão das va-riedades do português no ensino da língua, as prá-ticas escolares que as trabalham. Ou seja, não basta apenas ensinar as variedades, é preciso estabelecer com quais concepções elas serão vistas, uma vez que podem ser expostas de forma discriminatória, quando colocadas em relação à linguagem denomi-nada como culta. Isso pode evidenciar uma atitu-de preconceituosa em relação às variedades menos prestigiadas socialmente, o que reforça o pensa-mento de que ensinar as variedades não significa, necessariamente, ter o devido respeito por elas.

Bagno (2000), ao trazer para o debate sobre varia-ção linguística a questão do preconceito linguístico, de que são vítimas muitos brasileiros que utilizam variedades diferentes da norma-padrão, discrimina oito mitos que sustentam esse preconceito linguís-tico, os quais são expostos a seguir:

1. No Brasil há uma unidade na língua portu-guesa falada por aqui.

A realidade linguística do Brasil mostra que exis-tem diferentes formas de utilização da língua por-tuguesa pelos falantes de nossa língua, sendo eles nativos ou não. Existe um idioma comum, mas ele se realiza sob diversas variedades, com base em vários fatores: regionais, socioculturais, socioeco-nômicos dentre outros. As línguas do Brasil e de Portugal são diferentes porque sofrem variações diacrônicas, ou seja, conforme a época, diatópi-cas, por receberem influência do lugar onde são usadas, diastráticas por apresentarem característi-cas da classe social ou especialização dos falantes e também por dependerem da situação de uso, sen-do ela formal ou informal.

2. Em Portugal é que se fala bem o português, enquanto no Brasil não se sabe a língua.

Apesar de termos herdado a língua imposta por nossos colonizadores, há uma grande separação linguística com relação ao português falado em

nosso território e o corrente em Portugal. Isso não significa que os portugueses são os proprietários da língua e, por outro lado, que a língua falada no Brasil, com seu próprio sistema de regras é inferior ao lusitano. Se observarmos outras línguas, como o francês, ou o próprio inglês, veremos diferenças entre o francês falado na Bélgica, na Suíça e na França. A mesma realidade é vista entre o inglês da Inglaterra e o dos Estados Unidos, pois, embora este último tenha sido colônia inglesa, há diferen-ças significativas entre um e outro.

Assim, temos de pensar em termos de diferenças de realização entre os locais em que se falam a mes-ma língua e não em rotular quem fala certo ou er-rado essa língua. Não apenas o português de Portu-gal é diferente do português do Brasil; ele também é diferente do português falado nos Açores, que é diferente do português falado em Angola, pois o que determina isso é o fato de serem culturas diferentes, povos distintos e situações sociais bem particulares.

3. O português é uma língua muito difícil.

Os que tomam esse mito como verdade, em geral, o fazem porque concebem a língua portuguesa, prescrita de acordo com a gramática normativa, que, como expusemos em tópico anterior, determi-na como as pessoas devem usar a língua. Algumas normas estabelecidas na gramática são, realmente, difíceis de serem compreendidas, pois raramente elas são utilizadas pelos falantes nas situações co-tidianas de interação pela linguagem. Assim, logi-camente, que a língua portuguesa vai sempre ser vista como difícil, pois a dificuldade está nas regras gramaticais estabelecidas. Mas se, por outro lado, a língua é vista pelo que se pratica nas interlocuções promovidas pelos usuários, então ela jamais pode ser tão difícil, visto que o falante tem o domínio sobre ela.

4. As pessoas sem instrução falam errado o português.

Agregada a esse mito, vem o pensamento discrimi-natório com relação a pessoas que tiveram pouco ou nenhum acesso à educação formal, uma vez que, supostamente, são elas que mais apresenta-riam usos em desacordo com a variedade padrão da língua. Isso ocorre exatamente porque se acre-dita que há um português “correto”, pautado pela gramática normativa.

Page 46: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

46 Capítulo 4

5. No Maranhão é onde se fala o português cor-reto no Brasil.

O século XVIII foi considerado a fase de ouro da economia maranhense por causa da produção al-godoeira, o que contribuiu para uma efervescên-cia cultural na capital, São Luís, visto que havia uma espécie de intercâmbio entre essa cidade e aseuropeias.Tantoqueacapitalmaranhensefoia primeira a receber uma companhia italiana de ópera no Brasil e também recebia semanalmente as novidades da literatura francesa. Foi nesse perí-odo que São Luís passou a ser chamada de Atenas brasileira, decorrente do fato de que um número expressivo de escritores nativos terem influencia-do os movimentos literários brasileiros desde o ro-mantismo. Origina-se desses fatores o pensamento de que no Maranhão se fala o melhor português do país, talvez porque a primeira gramática do Bra-sil, de Sotero dos Reis, tenha sido escrita e editada na capital maranhense.

Pelo menos dois aspectos são visíveis nesse mito: um diz respeito à qualificação de um falar como “mais correto” que outros. Afirmar que o paulista-no fala o pior português do Brasil por apresentar, em geral, uma concordância inadequada, como em “três pastel de queijo” ou “acabou os ingresso” é, no mínimo, desconsiderar fatores importantes que contribuem para esse modo de se usar a língua portuguesa. Outro aspecto é o que se refere à re-gião geográfica como determinante para a caracte-rização do “português correto”. Não há local onde se fale o melhor ou o pior português, pois, além de ser inválida cientificamente tal classificação, isso depende do conhecimento que o brasileiro possui sobre a norma culta da língua portuguesa, uma vez que esse é mais um mito que toma por referência essa variedade.

6. O correto é falar o português como se escreve.

Linguagem oral e linguagem escrita são modalida-des diferentes da língua, mas que se estabelecem em um continuum. Não existe língua que seja fala-da da mesma maneira em diferentes locais, ainda que sejam lugares do mesmo país. Entretanto, na grande maioria das línguas há uma convenção or-tográfica única, para que todos os seus usuários possam ler e compreender a escrita. Mas essa es-crita não é uma representação perfeita da fala, é uma tentativa de representação gráfica e conven-cional da língua falada. Entretanto, para alguns,

é a convenção, materializada em uma gramática normativa que deve ser a bússola a orientar a língua falada e, por isso, há um desprezo para as manifestações da fala que, inevitavelmente, deso-bedecem àquela orientação.

7. É preciso saber gramática para falar e escrever bem.

A adoção desse mito desconsidera a realidade de que a gramática está subordinada à língua e é de-pendente desta, não o inverso. Por isso, esse pensa-mento de que só fala e escreve bem quem domina a gramática não tem sustentação científica, uma vez que atribui à gramática o estabelecimento da norma culta. Esta variedade, como as outras que ocorrem na língua portuguesa, resulta de um tra-balho investigativo, que busca definir, identificar e localizar falantes cultos, coletando a língua uti-lizada e descrevendo-a criteriosamente, pelo me-nos, na perspectiva da gramática descritiva. Com a gramática normativa, porém, isso não ocorre, uma vez que ela impõe as normas, independentemente do uso que os falantes fazem da língua. E, nessa perspectiva, vem a ideia distorcida de que só quem domina essa gramática fala e escreve “bem”.

8. O domínio da norma culta é instrumento de ascensão social.

São vários os fatores que levam um indivíduo a ascender socialmente, dentre os quais colocamos a escolarização, a profissionalização, o acesso a bens culturais em geral, entre outros. O simples domínio da norma-padrão não dá condições de o indivíduo alcançar esses direitos se outros elemen-tos importantes também não contribuírem para essa ascensão. É preciso, de fato, que a escola dê as condições necessárias para que o aluno domine a variedade culta da língua portuguesa, mas ven-do isso como mais um, dentre outros direitos que ele tem como cidadão. Se só o domínio da língua padrão fosse o suficiente para o indivíduo ascen-der socialmente, então o governo estaria isento de responsabilidade em promover políticas públicas que garantissem o acesso a outros direitos, como os vistos anteriormente.

A perpetuação desses mitos é atribuída pelo autor a “um círculo vicioso” formado pela gramática tra-dicional, pela prática de ensino e pela indústria do livro didático.

Page 47: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

47Capítulo 4

A visão lançada pelos PCNs, sobre variação linguís-tica, foi de grande importância para a mudança de paradigma no ensino de português, em nosso país, por possibilitar que escolas e professores refletis-sem sobre questões pertinentes para o ensino da língua materna, as quais, até então, pelos docu-mentos oficiais do MEC, só privilegiavam a varie-dade culta da língua.

Entretanto, é preciso, ainda, conhecer algumas ocorrências da língua portuguesa, as quais evi-denciam outros tipos de variação linguística, além daqueles já conhecidos. Ao comentar sobre isso, Marcuschi (1997) assegura que “não temos uma noção muito clara do que seja lidar com a variação intercultural, interpessoal. (...) A variação intriga e instaura diferenças que, quando não bem-entendi-das, podem gerar discriminação e preconceito” e completa que, para o reconhecimento da existên-cia da variação, é preciso conceber “a língua como heterogênea e não monolítica e homogênea”.

tEmática 3: a VariaçãO Linguística cOmO ObjEtO dE EnsinO

Discutimos até aqui sobre diversificados aspectos que caracterizam a língua portuguesa falada no Brasil, ressaltando o fenômeno da variação linguís-tica caracterizado pelos diversos falares do nosso povo. Diante disso, queremos reforçar o que foi exposto sobre o tema geral deste capítulo com as palavras de Bortoni (In: KLEIMAN, 2003 p. 122), segundo as quais o Brasil vive um estado de diglos-sia sem bidialetismo extensivo, em outras palavras, convivemos com variedade padrão e variedades não-padrão sem que os falantes tenham o domínio completo de ambas, embora, alguns, façam uso de-las em situações específicas.

Assim é que, neste tópico, pretendemos trabalhar com questões que evidenciam o contexto escolar, na tarefa da escola de ensinar a norma culta e as outras variedades do português. Para isso, alguns conceitos como transposição didática, interdis-ciplinaridade e contextualização serão expostos como fundamentos teóricos para as práticas de en-sino da língua portuguesa, considerando todas as suas variedades.

Uma proposta pedagógica evidencia intenções educativas, uma vez que nelas se definem as com-

petências, os conteúdos, os recursos e os meios a serem utilizados no processo de ensino e de aprendizagem. A proposta pedagógica entra em ação nesse processo pela transposição didática, pois é por meio desta que as intenções educati-vas, as competências a serem desenvolvidas nor-tearão a escolha, o tratamento, o recorte, a par-tição dos conteúdos que se farão presentes nas práticas pedagógicas.

Suportes indispensáveis para a transposição didáti-ca são a interdisciplinaridade e a contextualização, visto que, na verdade, transposição didática, inter-disciplinaridade e contextualização são aspectos inseparáveis de um mesmo processo complexo: a transformação de um conhecimento científico – no caso, as variedades da língua portuguesa – em conhecimento escolar a ser ensinado; a definição do tratamento a ser dado a esse conteúdo e a toma-da de decisões didáticas e metodológicas que de-vem orientar a atividade do professor e dos alunos com o objetivo de construir um aprendizado efi-caz sobre o objeto ensinado. Em linhas gerais, são descritos a seguir os três elementos que cooperam para a transformação do conhecimento científico em objeto de ensino.

1. Transposição didática

Para se ensinar o conhecimento, é preciso modifi-cá-lo e a essa modificação chamamos de transposi-ção didática. No ambiente da escola, os objetos de conhecimento – o saber científico ou as práticas sociais – transformam-se em objetos de ensino, ou seja, em conteúdo curricular. Dessa forma, é preciso modificar o saber para que este fique em condições de ser aprendido pelo aluno.

A transposição didática do conhecimento sobre va-riedades linguísticas do Brasil pode ocorrer se

• oconteúdosobreesseconhecimentoforsele-cionado ou recortado de acordo com o que o professor considera relevante para constituir as competências do aluno sobre os usos da lín-gua portuguesa no Brasil;

• algunsaspectosoutemasforemmaisenfatiza-dos, reforçados ou diminuídos, a exemplo das variações do latim para o português, que, para algumas turmas, podem ser mais ou menos im-portantes que para outras;

Page 48: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

48 Capítulo 4

• oconhecimentofordivididoparafacilitarasuacompreensão, mas depois retomado de forma integral pelo professor para o estabelecimen-to de relações entre o que foi dividido, como no caso de gírias, jargões e outras variações;

• o conteúdo for distribuído no tempo paraorganizar uma sequência, um ordenamento, uma série linear ou não linear de conceitos e relações;

• aformadeorganizaredeexporosconteúdosfor estabelecida por meio de textos, gráficos, vídeos, entre outros.

Implementar uma transposição didática sobre a língua portuguesa implica algumas competências do professor, que deverá • saberfazerrecortesnaárea,valendo-sedeum

julgamento sobre relevância, pertinência, sig-nificância para o desenvolvimento de compe-tências que vão lhe garantir o conhecimento e o devido respeito às variedades do português, bem como o domínio sobre as variedades mais prestigiadas socialmente;

• saberselecionarosaspectosrelevantesdaqueleconhecimento;

• dominaroconhecimentosobreavariaçãolin-guística na língua portuguesa, de modo articu-lado, incluindo o modo característico e especí-fico pelo qual esse conhecimento é construído.

• saber relacionaro conhecimento sobre varie-dades linguísticas com outros sobre o portu-guês do Brasil e os de outras áreas que con-tribuem para o conhecimento sobre a língua materna;

• sabercomocontextualizaroconhecimentoso-bre variação linguística;

• terumasuposiçãodecomooalunoconstróioconhecimento sobre variedades linguísticas e como deveria conhecer e usá-las, especialmen-te, a variedade-padrão.

• dominar estratégias de ensino eficazes paraorganizar situações de práticas de linguagem que, efetivamente, promovam no aluno as competências que se quer desenvolver nos usos variados da língua portuguesa.

2. Interdisciplinaridade

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN nº 9394/96, em vigor, preconiza que os processos de ensino e de aprendizagem devem desenvolver nos alunos a compreensão do mundo físico e social. Para tanto, é necessário que os es-tudantes conheçam os fenômenos sobre o mundo de forma integrada, interrelacionada e dinâmica, a fim de que os conhecimentos sobre o mundo se transformem em conhecimento do mundo, em ou-tras palavras, em competência para compreender, prever, extrapolar, agir, mudar, manter.

Entretanto, por causa da complexidade dos fe-nômenos, o conhecimento sobre o mundo é di-vidido em áreas e disciplinas. Assim é feito na escola, o que não é muito bom, em razão de, no ambiente escolar, o tratamento da realidade, feito na fragmentação de cada disciplina, é útil para a constituição de um conjunto de noções ou expli-cações. Estas, além de terem nexo entre si, preci-sam buscar apoio em outras disciplinas e outras áreas para contemplarem o que determina a LD-BEN. A isso chamamos de interdisciplinaridade, que, como prática pedagógica, deve ser materiali-zada em, basicamente, dois níveis de cooperação entre as disciplinas:

a. Na descrição e/ou explicação de um mesmo fenômeno, sob a ótica de disciplinas distintas, lecionadas paralelamente, sequencialmente ou ao longo de um mesmo ano letivo, série ou ciclo de escolarização. Nesse nível, o objeto ou tema de estudo é o que mantém as relações en-tre as disciplinas. Podemos exemplificar com o ensino, por exemplo, das variedades linguísti-cas vistas desde as origens da língua portugue-sa, em que deverão ser acionados conhecimen-tos de História, Geografia, Sociologia e outros, a depender do aprofundamento que se der ao conteúdo. Entretanto, esse nível torna-se ele-mentar, visto que nele não há o objetivo de esta-belecer as relações existentes entre os conheci-mentos oriundos das abordagens ou conceitos trabalhados em cada disciplina, o objeto ou tema de estudo é enfocado, apenas, sob aquela perspectiva disciplinar individual. A interliga-ção entre elas caberá ao aluno estabelecer, o que raramente acontece, Nesse nível, caracte-rizado como o mais simples de interdisciplina-ridade, o aluno pode adquirir conhecimentos importantes e necessários para a constituição

Page 49: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

49Capítulo 4

de competências, mas não aprende a mobili-zá-los e aplicá-los em situações pertinentes.

b. No estudo das relações entre as formas varia-das de se conhecer um fenômeno como gí-rias, jargões e diferentes registros linguísticos correntes no português do Brasil, em que se reconstrói esse fenômeno sob a perspectiva de outras disciplinas, mas gerando um conheci-mento diferente, mais complexo que aquele obtido na particularidade de cada disciplina ao lidar em separado com o fenômeno da va-riação linguística. Portanto, nesse nível, não se abre mão da explicação do fenômeno no âm-bito de cada disciplina separadamente, mas se vai além. Assim, o aluno é estimulado a mobi-lizar os diferentes conhecimentos para recons-truir e dar sentido ao fenômeno, objeto ou tema em estudo. Desse modo, a constituição de competências poderá ser mais facilmente al-cançada. Esse nível é caracterizado como mais complexo.

É preciso entender que o trabalho interdisciplinar implica atividades de aprendizagem que favoreçam a vivência de situações reais ou simulem problemas e contextos da vida real que, para serem analisa-dos e enfrentados, necessitarão de determinados conhecimentos e competências. Por exemplo, en-tender como um simples livro didático de língua portuguesa1 se tornou um problema nacional ao abordar o tema das variedades linguísticas no por-tuguês e porque o posicionamento de pessoas li-gadas a diferentes setores da sociedade brasileira, aparentemente sem conhecimento científico ou técnico sobre o fenômeno, denota, ainda, um pre-conceito arraigado sobre outras formas de mani-festações da linguagem, indiferente à norma pres-critiva da gramática. Isso remete ao conceito de contextualização visto a seguir.

3. Contextualização

Em sua raiz etimológica, o vocábulo contextualizar tem o sentido de enraizar uma referência em um

texto, de onde fora extraída e longe do qual se perde parte substancial de seu significado. Contex-tualizar, portanto, é um recurso importantíssimo para a construção de significações. Ao tomarmos a informação ou o conhecimento como uma re-ferência ou parte de um texto maior, chegamos a entender o sentido da contextualização: (re)enrai-zar o conhecimento à fonte/texto original do qual foi extraído ou a qualquer outro contexto que lhe atribua significado.

Em geral, qualquer fenômeno do mundo físico, so-cial ou psíquico, em princípio, pode ser relaciona-do aos conteúdos curriculares da educação básica, visto que o currículo escolar é um recorte represen-tativo da herança cultural, científica e espiritual de uma nação, um povo, um grupo, uma comunida-de. Em decorrência disso, é praticamente incontá-vel a quantidade de contextos que podem ser uti-lizados nos processo de ensino e aprendizagem da língua portuguesa, por exemplo, a fim de estimular o aluno a tornar o conhecimento sobre sua língua significativo.

Do mesmo modo, quase a totalidade dos fatos, problemas ou fenômenos físicos, psíquicos, indi-viduais, sociais, culturais, religiosos, da vivência direta ou indireta dos alunos ou com os quais eles entram em contato, podem ser relacionados ao conhecimento próprio de uma ou mais áreas ou disciplinas do currículo. Ou seja, todos os con-textos, próximos ou remotamente familiares ao aluno, têm uma dimensão de conhecimento ou informação.

O conhecimento escolar e os contextos presentes, na vida particular e na realidade geral do aluno e no mundo onde ele transita, devem manter uma relação bastante estreita para que o conhecimento ganhe em significado.

Os contextos podem ser classificados em três gran-des categorias, conforme alguns estudos:

1 Estou me referindo ao livro didático Por uma vida melhor, avaliado e aprovado pelo Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, para a Educação de Jovens e Adultos, o qual virou alvo de críticas ferranhas, especialmente da mídia, nas últimas semanas, por apresentar o tema da variação linguís-tica em setenças fora dos padrões da norma culta, o que, supostamente, segundo os críticos mais severos, estaria ensinando a língua portuguesa de forma errada para os estudantes

Page 50: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

50 Capítulo 4

a. contextos referentes à vida pessoal e cotidiana dos alunos em sua riqueza e complexidade, que abarcam de problemas econômicos a ques-tões de convivência pessoal; de sexualidade a relações com o meio ambiente; do mundo do trabalho ao mundo da família; da gestão da vida financeira à gestão do corpo e da saúde;

b. contextos que dizem respeito à sociedade ou mundo em que o aluno vive, de forma mais abrangente, igualmente ricos e complexos, os quais incluem diferentes temas, questões e problemas em uma perspectiva globalizada e unificada pelas tecnologias da comunicação e transmissão de informação: sustentabilidade ambiental, política, economia, desenvolvimen-to científico, entre muitos outros;

c. contextos relativos ao próprio ato de descober-ta ou à produção do conhecimento que pode ser reproduzido ou simulado.

Apesar dos avanços com relação ao ensino da lín-gua portuguesa em nosso país, ainda assim ele pre-cisa ser melhorado sob diferentes perspectivas. Em se tratando de dar lugar ao ensino das variedades linguísticas da língua materna, é preciso que a es-cola deixe de ser prescritivista ou normativista e passe a ser pluralista, visando acatar as diferentes manifestações linguístico-discursivas presentes no cotidiano dos falantes do português. É preciso dei-xar de privilegiar apenas uma variedade e trabalhar com todas.

Talvez umadas grandes dificuldades das práticaspedagógicas de ensino e aprendizagem do portu-guês recaia sobre as metodologias adotadas. Ao se almejar desenvolver competências no estudan-te que o levem a incorporar uma outra variedade da língua materna, não deve ser aquela à qual vive exposto e utiliza em suas relações sociais, dentre outros aspectos. Então é preciso que as escolas e, particularmente os professores, procurem renovar seus conhecimentos sobre as concepções atuais de língua e ressignifiquem suas práticas de ensino para que favoreçam o domínio do aluno sobre a variedade culta-padrão, assim como outras que lhe sejam necessárias para seu crescimento pessoal e profissional, mantendo o respeito obrigatório com as variedades menos prestigiadas da língua.

As pesquisas de vertente sociolinguística podem contribuir significativamente com a escola, princi-

palmente porque mostram que a escola brasileira ainda não aprendeu a trabalhar com as diferenças dialetais; aliás, talvez, a sociedade brasileira, na sua inteireza, nem sequer aceite tais diferenças pelo desrespeito com que são caracterizadas, em dife-rentes setores e sob diferentes perspectivas, as va-riantes não-padrão.

É preciso, porém, que a escola estabeleça uma pro-posta curricular diferenciada, para melhor atender à diversidade sociocultural e sociolinguística da população, seupúblico empotencial.Tambéméextremamente importante investir na formação continuada do professor de língua portuguesa, a fim de que se aprofunde nos estudos sobre a língua materna em uma perspectiva sociointeracionista, para que, assim, implemente situações e atividades didáticas, tanto orais quanto escritas significativas, nas práticas de linguagem em sala de aula.

atiVidadEs | Estudamos conceitos fundamentais para a compreensão de determinados objetos dos processos de ensino e de aprendizagem da lín-gua portuguesa, a exemplo da gramática. As-sim, sobre aqueles objetos, faça uma análise, exemplificando:

1. Os diferentes tipos de gramática, com base nos estudos de Possenti & Ilari (1992).

2. Os mitos explicitados por Bagno (2000), os quais contribuem para a perpetuação de certos preconceitos linguísticos, com relação a variedades menos prestigiadas da língua portuguesa.

3. Os fundamentos que baseiam a didatiza-ção dos objetos de ensino: transposição didáti-ca, interdisciplinaridade e contextualização.

Page 51: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

51Capítulo 4

gLOssáriO

diGlossia: O vocábulo ‘diglossia’ originou-se da latiniza-ção do termo em francês ‘diglossie’, do grego ‘diglossos’; tendo sido utilizado em inglês, primeiramente, por Charles Ferguson e considerado hoje como um tipo particular de bilinguismo.

A diglossia é vista, também, como uma situação linguís-tica em que uma comunidade utiliza duas línguas dis-tintas na mesma área geográfica, em que cada língua é frequentemente destinada para um uso concreto. Por exemplo, durante o período colonial, era comum que a língua do país colonizador fosse utilizada com objetivos institucionais, como o ensino, a escrita, a legislação e a religião, enquanto as línguas autóctones eram mantidas dentro dos circuitos familiares.

bilinGuismo: Segundo a definição do dicionário Oxford (2000:117), bilinguismo é definido como a capacidade de um indivíduo “ser capaz de falar duas línguas igual-mente bem porque as utiliza desde muito jovem”. No co-nhecimento de senso comum, ser bilíngue é o mesmo que ser capaz de falar duas línguas perfeitamente; definição igual à empregada por Bloomfield, que define bilingüismo como “o controle nativo de duas línguas” (BLOOMFIELD, 1935, apud HARMERS e BLANC, 2000:6). Ao contrário, essa visão que inclui apenas bilíngues perfeitos, Macna-mara assegura que “um indivíduo bilíngüe é alguém que possui competência mínima em uma das quatro habili-dades linguísticas (falar, ouvir, ler e escrever) em uma lín-gua diferente de sua língua nativa” (MACNAMARA, 1967 apud HARMERS e BLANC, 2000:6.).

rEsumO

Neste último capítulo da disciplina, trabalhamos três subtemas que buscaram elucidar ques-tões relativas:

a. ao ensino de língua portuguesa refletindo sobre as tentativas que têm sido feitas para que tal processo não se restrinja ao ensino de normas gramaticais. Para isso, expuse-mos, em linhas gerais, os conceitos que sustentam os três tipos de gramática – a norma-tiva/prescritiva, a descritiva e a interna/implícita;

b. à nova visão de ensino da língua portuguesa, lançada pelos PCNs, que, ancorados nas concepções sociointeracionistas de linguagem, recomendam o ensino das variedades linguísticas nas escolas brasileiras. Nesse tópico, também descrevemos os mitos que sustentam os preconceitos linguísticos no Brasil, valendo-se dos estudos de Marcos Bag-no, os quais precisam ser expurgados do ambiente escola e

c. aos modos de transposição dos objetos de ensino da língua materna, particularmente, as variedades do português do Brasil. Em vista disso, discorremos sobre três aspectos importantes que podem sustentar uma prática exitosa nesse ensino – a transposição didática, a interdisciplinaridade e a contextualização.

bidialetalismo: É definido como situação linguística em que os falantes, de acordo com a situação comunicativa, fazem uso de dois dialetos sociais, a exemplo dos dialetos utilizados na escola, em que os alunos de classes sociais menos favorecidas são ensinados a utilizar a norma culta, uma linguagem mais formal e, em suas interações mais familiares, uma linguagem informal.

continuum: s. m. (pal. lat.). Conjunto de elementos tais que se possa passar de um para outro de modo contínuo.

rEfErÊncias

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2000.

BORTONI, Stella Maris. Variação linguística e atividade de letramento em sala de aula. In: KLEIMAN, B. Ângela. Os significados do letra-mento. Campinas: Mercado de Letras, 2003.

BRASIL. Lei de diretrizes e bases da educação nacional: lei n. 9.394/96. Apresentação Esther Grossi. 3. ed. Brasília: DP&A, 2000.

CHEVALLARD, Yves. La Transposición Didáctica: del sabe sabio al saber enseñado. Trad. Clau-dia Gilman. Buenos Aires: Aique Grupo Editor, 1991, 196 p.

Page 52: PráticaVI - ww1.ead.upe.brww1.ead.upe.br/nead/theme/2015/letras/6_periodo/pratica_6/pratica... · Diferença/deficiência linguística. ... é o primeiro verso do poema Língua Portuguesa,

52 Capítulo 4

FARACO, C. A. As sete pragas do ensino de português. In: GERALDI, J. W. (Org.). O texto na sala de aula: leitura e produção. Cascavel: Assoeste, 1984.

GERALDI, J. W. A prática de leitura de textos na escola. In: GERALDI, J. W. (Org.). O texto na sala de aula: Leitura e produção. Cascavel: Assoeste, 1984.

______. Linguagem e ensino. Campinas: Mer-cado de Letras, 1996.

GNERRE, Maurizio. Linguagem, escrita e poder. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

MARCUSCHI, L. A. A concepção de língua falada nos manuais de português de 1º e 2º graus: uma visão crítica. Trabalhos em linguís-tica aplicada, Campinas,SP: UNICAMP/IEL, n. 30, 1997.

______. Da fala para a escrita: atividades de re-textualização. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

SILVA, R. Virgínia. M. Contradições no ensino de português. São Paulo: Contexto, 1995.

SUASSUNA, L. Ensino de língua portuguesa: uma abordagem pragmática. Campinas, SP: Papirus, 1995.

BORTONI, Stella Maris. Variação lingüística e atividade de letramento em sala de aula. In: KLEIMAN, B. Ângela. Os significados do letra-mento. Campinas: Mercado de Letras, 2003.

MATTOS & SILVA. Rosa V. Diversidade linguís-tica, língua de cultura e ensino do português. Atas do Simpósio – Diversidade Linguística no Brasil, 1998.

SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1986.

TRAVAGLIA, Luís Carlos. A variação linguística e o ensino da língua materna. In: Gramática e Interação. 7ª ed. São Paulo: Cortez, 2001.

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamen-tal. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília, MEC/SEF, 1998.

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portu-guesa. 37ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.

PERINI, Mário. A gramática gerativa: introdu-ção ao estudo da sintaxe portuguesa. Belo Ho-rizonte: Vigília, 1976.

PERINI, Mário. Gramática descritiva do portu-guês. São Paulo: Ática, 1995.

POSSENTI, S. & ILARI, R. Ensino de língua e gra-mática: alterar conteúdos ou alterar a imagem do professor? In Linguística aplicada ao ensino de português. Porto Alegre: Mercado Aberto, pp. 8-15. 1992.